Anarco-Feminismo E Crítica Literária: Breves Apontamentos Sobre Uma Vertente Radical Da Literatura Feminista

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Anarco-Feminismo E Crítica Literária: Breves Apontamentos Sobre Uma Vertente Radical Da Literatura Feminista ANARCO-FEMINISMO E CRÍTICA LITERÁRIA: BREVES APONTAMENTOS SOBRE UMA VERTENTE RADICAL DA LITERATURA FEMINISTA Ludmilla Carvalho Fonseca1 Resumo: A proposta deste trabalho, primeiramente, é apresentar a evolução do anarco-feminismo, mostrando sua trajetória que iniciou-se com as feministas libertárias que, de um modo geral, lutavam pelo direito ao voto e ao trabalho; passando pelas feministas anarquistas que reivindicavam melhores condições de trabalho, redução da jornada e igualdade salarial; até chegar nas anarco- feministas, que surgiram no contexto da Revolução Espanhola de 1936, compondo um movimento em defesa da libertação da mulher vinculada à eliminação do Estado, da sociedade de classes, do patriarcado, das instituições de poder e do capital. Num segundo momento, pretende-se enfocar a produção literária de algumas anarquistas feministas para, em seguida, abordar, de forma breve, as correntes epistemológicas que dão suporte à crítica feminista, mostrando que a episteme anarquista não se encontra no cerne das discussões da crítica literária, apesar de acordar com algumas correntes de pensamento. Palavras-chave: Anarco-feminismo. Crítica literária. Literatura feminista. As origens do anarco-feminismo Segundo Mary Nash (1927), pode-se identificar duas correntes de pensamento sobre a natureza das relações entre mulheres e homens no movimento anarquista clássico. A primeira estava inspirada nas ideias de Pierre-Joseph Proudhon e considerava as mulheres essencialmente como reprodutoras, afirmando que a única contribuição que elas poderiam dar à sociedade era através das tarefas domésticas. Em obra constituída de três volumes, intitulada De la justice dans la révolution et dans l’église, Proudhon (1858), por diversos momentos, busca construir aportes pseudocientíficos para elaborar suas teses sobre a inferioridade da mulher perante o homem. A segunda corrente baseava-se nas ideias de Mikhail Bakunin que, contrariando o pensamento de Proudhon, defendia a igualdade entre homens e mulheres e a sua emancipação por meio da incorporação ao trabalho assalariado assim como estava estabelecido para os homens. No seu Princípio e organização da sociedade internacional revolucionária, Bakunin (2009, p. 55) defende que “a mulher, diferente do homem, mas não inferior a ele, inteligente, trabalhadora e livre como ele, é declarada seu igual nos direitos bem como em todas as funções e deveres políticos e sociais.” No Programa da sociedade da revolução internacional, Bakunin (2009, p. 82) volta a se expressar em defesa da emancipação feminista, defendendo “a abolição do direito patriarcal, do 1 Bolsista da Fapesp; Doutoranda do Programa de Pós-Graduação em Letras, Unesp – Assis, Brasil. 1 Seminário Internacional Fazendo Gênero 11 & 13th Women’s Worlds Congress (Anais Eletrônicos), Florianópolis, 2017, ISSN 2179-510X direito da família, isto é, do despotismo do marido e do pai, fundado unicamente no direito da propriedade hereditária. E a igualização dos direitos da mulher com os do homem.” O feminismo libertário: as sufragistas Dentro da luta pela emancipação feminina, já na segunda metade do século XVIII, é possível encontrar contribuições ao feminismo libertário. De um modo geral, essa tendência dentro do feminismo constitui-se como elemento fundador ao que o movimento anarco-feminista veio consolidar durante a Revolução Espanhola, em 1936. O feminismo libertário, no seu momento de formação, não havia ainda diferenciado as tendências: liberal-sufragista, comunista e anarquista. Em virtude da profunda situação de opressão em que as mulheres viviam naquele período pela sociedade patriarcal, a luta sufragista passou a ser o eixo central de reivindicação do feminismo, pois era uma questão de primeira ordem, frente à desigualdade de direitos latente da época. Por sua vez, estas mulheres em luta não buscavam somente a universalização do direito ao voto, mas também, a ampla condição da emancipação da mulher pela via legal (tendência liberal), a diluição da sociedade patriarcal e dos privilégios dos homens sobre as mulheres, sobretudo nas relações de trabalho (tendência comunista), como também o posicionamento radical que compreende que a fonte da dominação masculina advém das instituições: familiar, estatal e capitalista (tendência libertária ou anarquista). Dentro desse contexto do feminismo, pode-se destacar como pensadoras libertárias representantes desse período, as autoras: Mary Wollstonecraft (1759 – 1797); Flora Tristan (1803 – 1844); e Harriet Taylor (1807 – 1858). Mary Wollstonecraft é autora de Vindication of the Rights of Woman, obra publicada em 1792. Conforme aponta Anadir dos Reis Miranda (2010, p. 11), a feminista inglesa Integra o grupo de pensadores que questionou os paradoxos e os limites do pensamento liberal e democrático, particularmente no que diz respeito às mulheres. Participante ativa dos círculos dissidentes e radicais ingleses, defensora dos ideais iluministas e radicais, Wollstonecraft contribuiu significativamente para o debate que estava em curso no século XVIII a respeito do estatuto social e político das mulheres [...]. Ao questionar a exclusão das mulheres dos ideários liberais e democráticos, explicando-a como fruto da experiência histórica e social, Wollstonecraft se contrapôs aos discursos hegemônicos que encaravam a inferioridade feminina como natural, tornando-se assim uma tenaz defensora da igualdade entre os sexos. Uma outra feminista libertária de grande importância para a história do pensamento social é Flora Tristan, da qual vê-se a importância de seus escritos resgatada por Michel Onfray (2013). A autora foi uma operária, viajante, militante em prol do divórcio, abolicionista, e crítica ao modelo 2 Seminário Internacional Fazendo Gênero 11 & 13th Women’s Worlds Congress (Anais Eletrônicos), Florianópolis, 2017, ISSN 2179-510X colonial. Dentre as inúmeras obras que Tristan escreveu, as que abordam o tema do feminismo libertário são: Promenades dans Londres; L’union ouvrière; e L’emancipation de la femme. Por sua vez, Harriet Taylor foi uma filósofa inglesa, que militou a favor do sufrágio feminino, e é autora de The subjection of women. O livro é escrito com seu segundo marido John Stuart Mill e sua filha Helen Taylor, obra em que defendem os direitos das mulheres e a igualdade de gênero. Victoria Claflin Woodhull (1838 – 1927) foi uma libertária estadunidense que liderou o movimento a favor do sufrágio feminino, lutou pelas liberdades das mulheres, pelo amor livre e pelas reformas laborais. Ela foi, em 1872, a primeira mulher candidata à presidência dos Estados Unidos. Sua principal obra é A speech on the principles of social freedom. O feminismo anarquista Enquanto as sufragistas lutavam pelo direito ao voto, ao trabalho e à propriedade privada, as feministas anarquistas avançam seu campo de luta. A partir desse momento, conquistado o direito ao trabalho, elas passam a lutar pela ampliação dos direitos individuais e coletivos, sobretudo, por melhores condições de trabalho, igualdade salarial e redução da jornada de trabalho. Outro elemento que merece ser destacado, enquanto fator de diferenciação ou mesmo avanço na plataforma de luta do feminismo libertário para o feminismo anarquista, diz respeito à questão do poder. As feministas ácratas incorporaram ao seu discurso e ao seu espaço de luta a noção de que a fonte de todas as formas de opressão à mulher, o que alimenta a desigualdade entre os gêneros e contribuiu com a opressão masculina está na manutenção do capitalismo e do Estado, por sua vez, essencialmente patriarcal, paternalista, burguês, hierárquico e opressor. No que tange a conquista pelos direitos individuais, as anarquistas feministas sentiam necessidade de lutar pelo direito ao divórcio, contra a violência doméstica, por questões como o amor livre, sexualidade e direitos reprodutivos. Algumas das mulheres que se destacaram nesse contexto de luta foram: Louise Michel (1830 – 1905); Lucy Parsons (1853 – 1942), Voltairine de Cleyre (1866 – 1912); Emma Goldman (1869 – 1939); Juana Rouco Buela (1889 – 1969); Maria Lacerda de Moura (1887 – 1945). Diante desses nomes, é possível notar o quanto o feminismo anarquista é internacional e descentralizado, com mulheres oriundas de nações como França, Estados Unidos, Lituânia, Espanha e Brasil. Louise Michel foi uma feminista anarquista, sindicalista e educadora francesa. Fez parte da Comuna de Paris, sendo uma das principais communards2, participou nas linhas de frente e nas 2 Como eram denominados os membros e apoiadores da Comuna de Paris, em 1871. 3 Seminário Internacional Fazendo Gênero 11 & 13th Women’s Worlds Congress (Anais Eletrônicos), Florianópolis, 2017, ISSN 2179-510X funções de apoio. E ainda, conforme aponta Mabel Dias (2002, p. 10), “Louise leva à frente um destacamento feminino, na barreira de Chausée de Cignancourt, nas barricadas do Cemitério de Montmartre e na Place Pigalle.” Ela também foi quem apresentou, pela primeira vez, a bandeira negra como símbolo dos ideais anarquistas. Dentre outras obras, escreveu Os cravos vermelhos, A revolução vencida, e Aos meus irmãos. Lucy Parsons foi uma militante operária e anarquista estadunidense. Em 1878, ela começa a colaborar com o jornal O socialista, iniciando suas atividades como escritora e militante. Segundo destaca Dias (2002), em 1883, Lucy está entre as fundadoras da Internacional Working People’s Association (IWPA), organização anarquista internacionalista que propunha o uso da ação direta, e, entre outros pontos, a igualdade das mulheres e dos negros. Em 1886, a IWPA esteve envolvida
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