MARIA VELHO DA COSTA: Uma Poética De Au(C)Toria
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MARIA VELHO DA COSTA: Uma poética de au(c)toria Maria José Carneiro Dias Porto, 2013 MARIA VELHO DA COSTA: Uma poética de au(c)toria Tese apresentada à Faculdade de Letras da Universidade do Porto com vista à obtenção do Grau de Doutor em Literatura Portuguesa, no âmbito do Doutoramento em Literaturas e Culturas Românicas. Orientadora: Professora Doutora Ana Paula Coutinho Mendes Agradecimentos Na ponta final deste percurso que me fez mergulhar na obra de Maria Velho da Costa e nela, e por ela, exercitar um pasmo quase quotidiano e desafiador, mas sempre profundamente reverente, impõe-se uma declaração da mais profunda gratidão à Professora Doutora Ana Paula Coutinho Mendes, minha orientadora neste trabalho. A sua disponibilidade para ouvir, a sua abertura à discussão e a generosidade com que partilhou comigo o seu tempo foram inestimáveis e transformaram este percurso num exercício de cumplicidade estimulante, que muito apreciei. Devo também à minha família um profundo agradecimento pelo espaço que desde cedo e sempre soube garantir-me. A ela e aos amigos que acompanharam esta caminhada, agradeço ainda o estímulo, a colaboração e, sobretudo, a paciência da escuta. Resumo A obra ficcional de Maria Velho da Costa emerge de um imbricado e sinestésico entrelaçamento do ouvido, do olhar e da palavra. Atenta à vozearia dos mundos que a envolvem, e apostada em abrir-lhes espaços de enunciação, esta escrita constitui-se num palco do mundo, onde a voz enunciativa se faz legião, em disseminação irrequieta. É pela importância atribuída à voz, pelo concerto (ou pelo desconcerto) das vozes que povoam esta ficção, que a obra de Maria Velho da Costa se erige em poética de au(c)toria, num jogo rapsódico e astuto em que a figura de autor ora reivindica a gestão do processo criativo, ora a delega em democrática distribuição, ora ainda a deixa à rédea solta, em caótica errância. Seduzida pelo universo dramático e por uma enunciação autorreflexiva e metaliterária, esta ficção insiste em exibir a sua arquitetura e a sua condição de performance. Mas nem por isso esta encenação do mundo se abstrai dele. Os territórios subjetivos que as diferentes vozes - que são outros tantos olhares sobre o mundo - vão fazendo surgir são espaços de indagação sobre a vida, onde a qualidade dos afetos se equaciona e o ser humano é instado a repensar-se. Também aí se problematiza a escrita e a sua ligação à vida. E aí se instabilizam ou se tornam porosas as fronteiras que as delimitam. Abstract The fictional work of Maria Velho da Costa emerges out of an imbricate and synaesthesic entanglement of what is heard, seen or spoken. Closely attentive to the voices of the worlds around it, and always ready to give them enunciation territories, this writing makes itself a world‟s stage, where the talking subject becomes a talking legion, in restless dissemination. It‟s by the great stress laid on the voice, by the arrangement (or the disorder) of the voices inhabiting this fiction that the work of Maria Velho da Costa stands as a poetic of au(c)thorship, in a rhapsodic and cunning game, where the authorial agent either claims the ruling of the creative process, or gives it away in democratic distribution or, yet, allows it full and erratic autonomy. Seduced by the theatrical universe and the self-reflexivity and meta-literary enunciation, this fiction insists on displaying its architecture and its performance-like condition. But even if this fiction simulates the world, it doesn‟t distract itself from it. The enunciation territories created by the different voices - which are as many glances over the world - give rise to questioning grounds about the human life, where the quality of affection is assessed, and the human being is rethought and invited to reconfigure. It‟s also there that writing and life are questioned and put into tense and ambivalent discussion. And it‟s also there that the boundaries between them are made porous and unstable. Nota: As citações da obra literária de Maria Velho da Costa serão apresentadas no tipo de letra Garamond para as distinguir das restantes citações de apoio contextual e teórico-crítico, suas ou de outros autores e ensaístas. As indicações bibliográficas referentes ao corpus de leitura em análise, bem como as relativas às obras não ficcionais publicadas pela autora serão identificadas pelas respetivas iniciais, conforme se indica: Ficção: O Lugar Comum Ŕ LC; Maina Mendes Ŕ MM; Casas Pardas Ŕ CP; Lúcialima Ŕ L; Missa in Albis Ŕ MA; Dores Ŕ D; Irene ou o Contrato Social Ŕ ICS; O Amante do Crato Ŕ AC; O Livro do Meio Ŕ LM (em coautoria); Myra Ŕ M. Não Ficção: Desescrita Ŕ Ds; Cravo Ŕ C; O Mapa Cor de Rosa Ŕ MCR; Madame Ŕ Md. Índice Introdução ....................................................................................................................... 1 I – Da persona e da sua obra ........................................................................................ 11 1 Ŕ O lugar de MVC na literatura portuguesa: entre casas e paradeiros ..................... 13 2 Ŕ A (des)irmandade eletiva de MVC ....................................................................... 31 3 Ŕ “Mas quem é o leitor comum que nos pega?” ...................................................... 44 II – Pelos meandros da au(c)toria e do (des)concerto de vozes ................................. 63 1 Ŕ Das especulações teóricas à exposição de uma poética ........................................ 65 2 Ŕ A voz e o seu estatuto: contributos para uma (in)definição do autor.................... 85 2.1 - Da voz e da sua modulação ............................................................................. 85 2.2 - Que voz tutelar? ............................................................................................ 102 2.3 - Da leitura como construção de uma voz ....................................................... 129 2.3.1 Ŕ Uma poética de atravessamento textual................................................. 137 III - A ficção é um palco: “Comme au théâtre” ........................................................ 159 1 Ŕ O jogo ficcional .................................................................................................. 161 1.1 Ŕ Uma escrita dramática .................................................................................. 161 1.2 Ŕ Uma escrita friccional .................................................................................. 189 1.3. Da figuralidade da ficção ............................................................................... 199 1.3.1 Ŕ A construção dos cenários ..................................................................... 201 1.3.2 - O recorte e a variação da máscara .......................................................... 205 1.3.3 Ŕ Os efeitos de voz e o ludíbrio dos nomes .............................................. 214 1.3.4 Ŕ O recurso ao inverosímil........................................................................ 217 2 Ŕ Estratégias para atiçar o vivido ........................................................................... 221 2.1 Ŕ Um realismo do íntimo ................................................................................. 221 2.1.1 Ŕ Fiapos de vida ........................................................................................ 234 2.1.2 Ŕ Roteiros de devastação .......................................................................... 237 2.1.3 Ŕ Uma humanidade animal Ŕ facetas de um humano em devir ................ 256 IV - A arte não é nada à vida? ................................................................................... 281 1 Ŕ Da arte como indagação da realidade ................................................................. 283 1.1 Ŕ Narrar é fazer acontecer ............................................................................... 283 1.2 Ŕ Das relações entre a arte e a vida ................................................................. 299 2 Ŕ A (des)proteção do jogo ficcional ....................................................................... 306 2.1 Ŕ Entre o risco … ............................................................................................ 311 2.2 - … e o refúgio ................................................................................................ 317 2.3 Ŕ O Livro do Meio Ŕ um exercício de “sangue e tinta”. .................................. 323 2.3.1 Ŕ Potencialidades de uma prosa meândrica .............................................. 324 2.3.2 Ŕ Um exercício de escreviver ou de carnavalização? ............................... 334 2.3.3 Ŕ Em busca de uma au(c)tora ................................................................... 351 Conclusão .................................................................................................................... 381 Bibliowebgrafias ......................................................................................................... 393 Índice das obras de MVC citadas .............................................................................. 431 Introdução Marcha, marcha contra a neve, por vales e ventos, e se a neve te soterrar, paciência, há sempre alguém que apanha os teus pertences e continua Um samovar, um ícone, um cão. Marcha, Myra, um pé atrás do outro, não penses. Voa. Um pé atrás do outro. Como reses que ninguém abate. Nem mortas. Maria Velho da Costa Escritora contemporânea de mérito reconhecido, mas nem por isso acessível ao grande público, Maria Velho da Costa parece reivindicar para si a dura caminhada da