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O “Círculo de Giz”: Democracia, Legalidade e Golpe no Brasil
José Flávio Motta (*) Luciana Suarez Lopes (**)
Quando o povo luta pela revisão constitucional está certo. O fetichismo da ordem jurídica intocável é absurdo. O nosso compromisso é o da democracia verdadeira, que é o regime do povo. Leonel Brizola (Editorial do Panfleto. Rio de Janeiro, 23 de março de 1964, p.8; apud FERREIRA, 2004, p. 206)
Não podemos ficar encerrados no “círculo de giz” da legalidade. Luiz Carlos Prestes (Conferência na ABI-Associação Brasileira de Imprensa, em 17 de março de 1964; apud VILLA, 2004, p. 187)
Nas eleições de 1955, Juscelino escolha do tema para nossa crônica dade e golpe –, estiveram presen- Kubitschek e João Goulart foram deste mês, e os acontecimentos em eleitos, respectivamente, presiden- torno a essa posse serão o ponto de das ações que deram forma àqueles te e vice-presidente da República. partida para nossa discussão. Os acontecimentos.tes na justificativa De e/ou resto, na crítica esses Foram empossados em 31 de ja- elementos selecionados para com- mesmos elementos integraram o neiro de 1956.1 A data dá sentido à por o título –democracia, legali- discurso utilizado em outros mo-
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mentos de crise de nossa história Levantou-se de imediato a voz da opositores de Vargas. Nada mais republicana, como ilustrado pelas reação, opondo-se à decisão das ilustrativo dessa contrariedade do epígrafes por nós selecionadas, que urnas. que as palavras de Carlos Lacerda, nos remetem às turbulências de [...] em artigo publicado em seu jornal, - a Tribuna da Imprensa, em 01 de Goulart (1961-1964). Alguns desses pedir a posse de Juscelino e Jango junho de 1950: fins do governo do presidente João momentos serão também por nós valendo-seA UDN, oficialmente, de recursos tentava legais. Porim contemplados. E tais elementos, exemplo, apresentara emenda à O Sr. Getúlio Vargas, senador, não outrossim, fazem-se mais uma vez Constituição Federal prescreven- deve ser candidato à presidência. presentes intensamente no discur- do: na eleição presidencial que Candidato, não deve ser eleito. Elei- não alcançasse maioria absoluta, so empregado em meio ao contexto to, não deve tomar posse. Empos- o processo eleitoral seria decidido de crise política e econômica no sado, devemos recorrer à revolução qual nos encontramos nesses iní- pela Câmara Federal (...). Porém, a Emenda Constitucional fora re- para impedi-lo de governar. (apud cios de 2016, no segundo ano do 6 chaçada. Diante da inexistência de DELGADO, 2006, p. 3) segundo governo da presidente meios legais para frear a ascensão Dilma Vana Roussef. de Juscelino Kubitschek e João Gou- Almino Affonso (2014, p.30-31) lart, o golpismo ganhava adeptos, forneceu-nos sucinto relato da Juscelino Kubitschek de Oliveira solução dada ao imbróglio que an- recebeu 3.077.411 votos e graças do Exército e da Aeronáutica. Pelo tecedeu o segundo governo Vargas: a esse contingente de eleitores silêncio,sobretudo a UDN na jovem ia enrolando oficialidade a ban- iniciou o décimo sexto período de deira da legalidade democrática. 2 Sob a roupagem jurídica, a cons- governo republicano no Brasil. (negritos nossos) piração avançava. Basta recordar Essa cifra superior a três milhões, que o ministro da Guerra [do go- todavia, correspondeu a não muito Democracia, legalidade, golpe, de- mais do que um terço (35,7%) do fendidos ou repudiados, são, por- Canrobert Pereira da Costa – fora, total de votos válidos. O segundo tanto, elementos apontados tam- verno Dutra-JFM/LSL] – general colocado na preferência do eleito- bém por Affonso como presentes em visita ao presidente do Superior rado, General Juarez Távora, amea- na posse de JK e de Jango. Em ver- Tribunal Eleitoral – ministro Luís lhou 30,3% do mesmo total; ao ter- dade, é oportuno lembrarmos, essa Galotti –, tentar induzi-lo a apoiar ceiro, Adhemar de Barros, foram “tese da Maioria Absoluta” fora le- a tese da Maioria Absoluta. Pois se dados 25,8% dos votos.3 JK con- vantada na eleição presidencial an- o TSE a acolhesse, seria denegado o correra pela coligação partidária terior, vencida por Getúlio Vargas. reconhecimento da vitória eleitoral cujos principais integrantes eram O ex-ditador do Estado Novo voltou de Getúlio Vargas e Café Filho, o o PSD (Partido Social Democrático, à Presidência da República em 31 que levaria à convocação de novas sua legenda) e o PTB (Partido Tra- de janeiro de 1951 por receber eleições. (...) balhista Brasileiro, legenda de seu 48,7% (3.849.040) dos votos váli- A decisão do Superior Tribunal 5 vice, João Belchior Marques Gou- dos nas eleições de 1950, obtendo Eleitoral, por unanimidade de vo- 4 lart). O resultado das eleições não larga vantagem sobre o segundo tos, foi contrária à aventura jurídica foi recebido com tranquilidade pela colocado, o Brigadeiro Eduardo da Maioria Absoluta. Em decor- oposição, como descrito, entre ou- Gomes (29,7%; 2.342.384 votos). rência proclamou eleitos Getúlio tros, por Almino AFFONSO (2014, Esse resultado, como não poderia Vargas e Café Filho, presidente e p. 62 e 64): ser diferente, muito contrariou os vice-presidente da República, res-
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pectivamente. Como escreveria Carlos Lacerda, na com força constitucional para Tribuna da Imprensa [...]: “Esses ho- depor o presidente Carlos Luz, Desnecessário observarmos que, mens não podem tomar posse, não apesar do interinato. Mas os se a mencionada “tese da Maioria devem tomar posse, nem tomarão pressupostos determinaram os Absoluta” fora defendida a partir posse.” (AFFONSO, 2014, p. 65) fatos. (AFFONSO, 2014, p. 66-67, dos resultados eleitorais de 1950 negritos nossos)10 (vale dizer, os 48,7% dos votos Dessa forma, a instabilidade polí- válidos de Vargas), maior seria o tica que antecedeu a posse de JK Aí está onde queríamos chegar! estímulo para a UDN retomar a teve seu auge no governo interino Talvez a fórmula de que se valeu questão em 1955, embasada nos de Carlos Luz, o qual durou apenas Almino Affonso, “os pressupostos 35,7% dos votos válidos obtidos três dias. Em 11 de novembro, ele determinaram os fatos”, pudesse 7 por JK. De fato, tornou-se bastante foi “deposto por um dispositivo mili- ser substituída com acerto pelo turbulenta a etapa derradeira do tar e considerado impedido de exer- clichê “os fins justificam os meios”. décimo quinto período de Governo cer o cargo de Presidente da Repú- E uma interpretação possível do Republicano no Brasil. Após o sui- blica pelo Congresso Nacional”.9 Na 11 de novembro é a de que ele nos cídio de Getúlio (aos 24 de agosto - fornece uma ilustração exemplar de 1954) e tendo em vista o afas- piração impeditiva da posse dos do “golpismo democrático”, efeti- tamento temporário de Café Filho iminênciaeleitos, que da teria deflagração o apoio dode presicons- va contradição em termos que se aos 03 de novembro de 1955, “em dente interino, assumiu inequívoco manifesta concretamente. Demo- virtude de um distúrbio cardiovas- protagonismo o general Henrique cracia, legalidade, golpe, esses ele- cular”,8 tomou posse interinamen- Teixeira Lott, então ministro da mentos aparecem de certa maneira te como presidente da República Guerra, insurgindo-se contra a dita misturados, carecendo de maior o então presidente da Câmara, conspiração e fornecendo susten- nitidez, mistura esta manifesta, Carlos Coimbra da Luz, em 08 de tação militar para a ação do Legis- por exemplo, na expressão “golpe novembro de 1955. Menos de um lativo que concretizou a deposição preventivo” utilizada por Maria Vic- mês antes da posse de Luz, Carlos de Luz: toria Benevides: Lacerda destilava seu veneno em prosa semelhante à de seu artigo Enquanto o presidente Carlos Luz, A perspectiva de golpe parecia de junho de 1950 acima citado, na companhia dentre outros do iminente até [...] a intervenção do fazendo uso uma vez mais de seu jornalista Carlos Lacerda, [...] em- General Lott; foi o “golpe preventi- jornal: barcavam para Santos no cruzador vo” do 11 de novembro (deposição Almirante Tamandaré, na Câma- do presidente em exercício, Carlos A Tribuna da Imprensa, a 14 de ou- ra dos Deputados era aprovado Luz), “legitimado” pelo Congresso tubro (onze dias depois da eleição o estado de sítio por 30 dias e, no mesmo dia e consolidado a curiosamente, através de uma 21 de novembro, quando Café Fi- em primeira página: “Não espe- moção, declarado Carlos Luz lho foi igualmente impedido pelo [de 1955-JFM/LSL]) estampava rem solução da Justiça Eleitoral!”. impedido de exercer a presi- Exército de retornar ao governo. E acrescentava, numa audácia dência da República. O Senado, Estava garantida a posse dos elei- sem precedentes: “Ou os chefes de imediato, repete-lhe o ritual. tos, que assumem a presidência e a militares agem imediatamente ou Desnecessário acentuar que a vice-presidência a 31 de janeiro de haverá luta e sangue!” (AFFONSO, moção não era uma medida, à 1956. (BENEVIDES, 1979, p. 23-24, 2014, p. 62) semelhança de um impeachment, aspas no original)
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Em outras palavras, Lott atuara alternativa: sair temporariamen- posteriormente, o golpe civil e mili- para fazer cumprir a Constituição; te do quadro legal para chefiar tar (1964) fornecem-nos subsídios porém, no comentário perfeito um movimento que afastasse o adicionais para adensar nossos de Almino Affonso (2014, p. 68), Presidente moralmente incapaz “salvara-se a legalidade, no âmbito de exercer as altas funções, assim comentários. Ademais, ao fim e ao dos Três Poderes, recorrendo-se sem como outras autoridades militares de Brizola e de Prestes referem-se cabo, as afirmações selecionadas pejo à ilegalidade”. O próprio gene- favoráveis à solução ilegal. (apud precipuamente aos eventos que ral Lott, em depoimento à revista CARLONI, 2014, p. 139, negritos culminaram no aludido golpe civil de 19 de novembro de Manchete nossos) e militar. 1955, explicitou o dilema por ele vivenciado e esclareceu o caminho - Nas eleições de 1960, concorre- que decidiu seguir: ções que escolhemos para epígra- ram à presidência da República Se atentássemos para as afirma fes desta crônica, talvez pudésse- Jânio Quadros, Henrique Lott e Conformar-me, aceitar minha de- mos sugerir, na linha do editorial Adhemar de Barros. Jânio foi eleito missão como um fato consumado a escrito por Leonel Brizola aos 23 com 48,3% (5.636.623) dos votos que nada deveria opor, ou rebelar- 11 de março de 1964 no Panfleto – válidos,12 mas o vice-presidente -me? A paixão da legalidade me eleito foi o candidato João Goulart, impedia qualquer gesto que im- Lott, mais de uma década antes, 13 que compunha a chapa com Lott. portasse em quebra das normas desempenhou,afinal, uma leitura digamos possível assim, –, que o Quando Jânio renunciou, em 25 constitucionais. Mas, por outro papel de campeão do povo, fazen- de agosto de 1961, com Jango fora lado, meditava: minha demissão do valer a “democracia verdadei- viria permitir a substituição de ra”. Alternativamente, tomando a oposição à posse do vice foi fer- camaradas experientes e menos por modelo as palavras de Luiz do país em viagem oficial à China, renha. Paschoal Ranieri Mazzilli, apaixonados por elementos exal- Carlos Prestes proferidas naquele então presidente da Câmara, assu- tados, partidários da solução ilegal. mesmo março de 1964, ter-se-ia, miu interinamente; em 28 de agos- A legalidade estava, assim, ferida efetivamente, tratado em 1955 a to, enviou ao Congresso Nacional de morte, e sem possibilidade de legalidade como circundada em seus limites por um “círculo de giz”, facilmente apagável e passível Exército, a Marinha e a Aeronáu- ofício com o seguinte teor: uma defesa imediata e eficiente. O - Tenho a honra de comunicar [...] tica viriam a cair nas mãos dos xível para incorporar “sem pejo” o que, na apreciação da atual situação comandantes favoráveis ao golpe de redesenho, suficientemente fle “detalhe” da ilegalidade cometida criada pela renúncia do presidente nas instituições e, acima deles, um na deposição de Carlos Luz. Jânio da Silva Quadros, os ministros Presidente da República interino militares, na qualidade de chefes alimentava a mesma intenção de De outra parte, se em 1955 foi pos- suspender as garantias democrá- das Forças Armadas, responsáveis pela ordem interna, me manifesta- ticas, negando o pronunciamento carência de nitidez, como se uma livre nas urnas. [...] marcharíamos neblinasível identificar, envolvesse repitamos, a tríade demo certa- ram a absoluta inconveniência, por a passos largos para a guerra civil cracia, legalidade e golpe, vale a motivos de segurança nacional, do e a anarquia. Tudo isso seria con- pena estendermos nossa discus- reingresso ao país do vice-presi- sequência de minha conformação são até a década de 1960, quando dente João Belchior Marques Gou- naquele momento. Mas havia uma a posse de João Goulart (1961) e, lart. (apud AFFONSO, 2014, p. 139)
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Dois dias depois, os ministros mi- do PTB e das lideranças sindicais - litares tornaram pública essa sua junto ao governo, mas, aliviando ções de nossas epígrafes. Não deixa E eis que retornamos às afirma inconformidade com uma presi- as pressões que até então existiam dência de Jango, em texto do qual sobre os sindicatos, “levou-os [...] mesmo Brizola, à frente da Rede da transcrevemos um pequeno frag- Legalidadede ser curioso em 1961,identificarmos defendendo, o mento: em 1964, como lemos no editorial de uma mobilização fortemente a pisar, com firmeza, no terreno do Panfleto, a ideia de que “o feti- reivindicativa”. Para a autora, abria- Na Presidência da República, em chismo da ordem jurídica intocável -se uma nova etapa para o PTB e regime que atribui ampla autori- é absurdo”. É certo que a radicali- dade de poder pessoal ao chefe da os sindicatos, que se consolidaria zação política foi a marca dos úl- Nação, o sr. João Goulart constituir- ainda mais após a morte de Vargas. timos meses do governo de João 14 -se-á, sem dúvida, no mais evidente (FERREIRA, 2004, p. 113) Goulart. E é certo também o obstá- incentivo a todos aqueles que dese- culo representado pelo Congresso jam ver o país mergulhado no caos, A posse de Jango como presiden- Nacional à aprovação das reformas na anarquia, na luta civil. te do Brasil, como sabido, deu-se de base, a exemplo da reforma [...] seu poder. Assim, aos “08.09.1961, se comprometeu, em especial após Rio de Janeiro, 30 de agosto de afinal às expensas da limitação de oagrária, comício com da asCentral quais do Jango Brasil, afinal na 1961. em sessão conjunta do Congresso Nacional, sexta-feira, 13 de março de 1964. Vice-Almirante Sylvio Heck, Minis- Talvez no decurso desses meses a tro da Marinha; Marechal Odylio LSL] toma efetivamente posse na [...] [João Goulart-JFM/ - Denys, Ministro da Guerra; Briga- Presidência da República. Na mesma lidade, que vimos acompanhando, deiro-do-Ar Gabriel Grün Moss, sessão, toma posse o Primeiro Ga- tenhafluidez se do mostrado “círculo de em giz” sua da maior lega Ministro da Aeronáutica. (apud binete Parlamentarista presidido crueza. AFFONSO, 2014, p. 143) por Tancredo Neves”.15 Essa vitória parcial sobre o posicionamento Essa aversão a João Goulart, ao Foram vários os autores a partilhar dos ministros militares, em algu- o entendimento da ação dos milita- menos em parte, decorria de sua ma medida, foi devida também à atuação como líder do PTB e, so- res em 1964 como mais um “golpe formação da Rede da Legalidade, bretudo, como Ministro do Traba- preventivo”, conforme o estudo capitaneada por Brizola, então lho (1953-1954) no segundo gover- - governador do Rio Grande do Sul. no de Vargas. Como escreveu Jorge lia Delgado (2010, p. 132): Na perspectiva da Rede, se preciso historiográfico realizado por Lucí Ferreira (2004, p. 106), “ao abdicar fosse, recorrer-se-ia às armas para As análises desses autores [...] en- dos métodos repressivos, comuns até a defesa da Constituição, resistin- então, e optar pela via da negocia- fatizam que os militares e civis que ção [...], Goulart inaugurou um novo do-se ao efetivo golpe de Estado depuseram João Goulart agiram im- estilo de atuação no Ministério do tramado pelos militares. Como pulsionados por uma perspectiva Trabalho.” Ainda sobre esse “estilo” - preventiva. Isso porque o projeto de Jango, continua Ferreira, ram os contornos do “círculo de de reformas de base, inclusive os vemos, mais uma vez se modifica giz” da legalidade. Desta feita, a ile- da reforma agrária e do controle Na avaliação de Lucília de Almeida galidade foi driblada mediante uma da remessa de lucros, ensejou nos Neves, o “estilo Jango” não apenas emenda constitucional instituindo setores conservadores o temor de estimulou e ampliou o prestígio o parlamentarismo.16 uma revolução social. Essa convic-
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ção e temor de que o Brasil poderia núncia de Jânio incitou a sociedade leitores concorde com ele. Todavia, adotar um modelo distributivo brasileira a resistir contra o golpe embora a análise seja tentadora, o ou até mesmo [...] caminhar em dos ministros militares, exigindo diabo é o tal do “círculo de giz”, sua direção ao socialismo levou-os a que o vice-presidente tomasse posse. A luta era pela manutenção papel da legalidade como a âncora 17 fluidez. Vimos nesta crônica que o governo Jango. da ordem jurídica e democrática. - se organizarem para pôr fim ao Nesse sentido, as esquerdas e deira” mostrou-se, no mínimo, pro- definidora da “democracia verda Não obstante, quando se compa- os grupos nacionalistas defen- blemático, e isso recorrentemente, ram os eventos de 1950, 1955 e deram, em 1961, não reformas levando-se em conta os episódios econômicas e sociais, mas, sim, que foram objeto de nossa atenção. a sensação de uma substancial a ordem legal. O movimento, No limite, cada um entende ser a rotação1961 com do o cenário, de 1964, de é 180 flagrante graus! portanto, era defensivo. Os seto- “sua” a democracia verdadeira! Getúlio, em 1950, estava com a le- res direitistas, por sua vez, ao galidade do seu lado. Juscelino em E, no caso concreto de 1964, uns 1955 e Goulart em 1961 também, pregarem abertamente o golpe e outros acabaram se afastando, muito embora as soluções encon- de Estado e a alteração da Cons- exatamente, da democracia: tradas para as respectivas crises tituição pela força, perderam a políticas que acompanharam suas legitimidade. Ou seja, em 1961 a A concepção que administravam posses como presidentes da Repú- vitória foi das esquerdas, mas a luta blica tenham claramente depen- era pela legalidade. Em março de pressupunha uma ruptura no pro- [os grupos esquerdistas-JFM/LSL] dido da maleabilidade do “círculo 1964, no entanto, os sinais se in- cesso político em nome dos interes- de giz” dessa legalidade. Em 1964, verteram. O lema que pregava ser ses populares, isto é, uma batalha contudo, a situação mostrou-se um “a Constituição intocável” passou de curto prazo pela conquista da a ser defendido pelos conservado- hegemonia. A democracia dos anos iria, por exemplo, Leonel Brizola, res. Para impedir as reformas, eles Goulart era apenas um meio para tanto mais confusa; afinal, até onde para fazer valer a “democracia ver- proferiam discursos de defesa da 18 dadeira” proclamada no Panfleto? ordem legal. As esquerdas, diver- atingir o poder, e não um fim em si. samente, pediam o fechamento do O distanciamento da questão de- A análise de Jorge Ferreira (2004, Congresso, a mudança da Constitui- mocrática foi explosivo porque o p. 366), centrada na comparação ção e questionavam os fundamen- bloco conservador percorreu itine- de 1964 com 1961, parece captar tos da democracia liberal instituí- rário mais consequente: organizou- bem essa rotação. Mais do que isso, tal mudança surge como possível e dos pela Carta de 1946. Inebriadas pela vitória de 1961, as esquerdas opinião pública e supervalorizou poderoso fator explicativo para o -se, acumulou forças, influenciou a acreditaram que poderiam repeti- eventuais saídas não institucionais da direita contra o qual a reação foi -la em 1964. Não perceberam a cogitadas por frações voluntaristas relativamenteresultado verificado, pequena. isto é, Convém o golpe importância, e sobretudo não con- do bloco reformista. Também para transcrever sua análise, ainda que sideraram, a questão democrática. os golpistas a democracia não era numa longa citação: (negritos nossos) um valor a zelar. (MORAES, 2011, p. 362) As esquerdas, em março de 1964, que Ferreira “acertou na mosca”, Se os leitores que nos acompanha- Seria bom se pudéssemos afirmar de 1961. A crise aberta com a re- e eventualmente boa parte dos ram até aqui estiverem se sentindo pensaram repetir agosto/setembro
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um tanto frustrados, diremos: jun- BENEVIDES, Maria Victoria de Mesquita. GORENDER, Jacob. Combate nas trevas. A tem-se a nós! Ora, basta acompa- O governo Kubitschek: desenvolvimento esquerda brasileira: das ilusões perdidas à luta armada. São Paulo: Ática, 1987. nhar a mídia nesta virada de 2015 econômico e estabilidade política, 1956- 1961. 3.ed. Rio de Janeiro: Paz e Terra, para 2016 e considerar o alentado MORAES, Dênis de. A esquerda e o golpe de 1979. 64. 3.ed. São Paulo: Expressão Popular, conjunto de artigos produzidos CARLONI, Karla Guilherme. Marechal Lott, 2011. por advogados, juízes e outros a opção das esquerdas: uma biografia NAPOLITANO, Marcos. 1964: História doutores da lei, todos comentando política. Rio de Janeiro: Garamond, 2014. do regime militar brasileiro. [recurso eletrônico]. São Paulo: Contexto, 2014. o resultado da votação dos minis- DELGADO, Lucília de Almeida Neves. PTB: tros do Supremo Tribunal Federal do getulismo ao reformismo (1945-1964). Palácio do Planalto, Presidência da República acerca do rito do processo, a ser São Paulo: Marco Zero, 1989. – Galeria de Presidentes. Disponível em: aplicado na Câmara de Deputados ______. O governo João Goulart e o golpe de e no Senado Federal, do eventual jan
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parte, convém referir a posição de autores que interpretam o alu- dido “estilo” de Jango como fraqueza. É o caso, por exemplo, de John 5 Informe disponível em:
Lott obteve 3.846.825 votos para a presidência (cf.
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