Benedito Mergulhão E a Estrutura De Sentimento Anticomunista No Brasil Dos Anos 1940
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Intellèctus Ano XIX, n. 2, 2020 ISSN: 1676-7640 No bagageiro de Stalin: Benedito Mergulhão e a estrutura de sentimento anticomunista no Brasil dos anos 1940 In the Stalin baggage: Benedito Mergulhão and the structure of feelings of anti- communism in Brazil of 1940 Bruno Rafael de Albuquerque Gaudêncio Doutorando em História Social pela Universidade de São Paulo (USP) [email protected] Resumo: A partir da leitura do livro O Abstract: From the reading of the book O Bagageiro de Stalin, publicado em 1946 pela Bagageiro de Stalin, published in 1946 by Editora Moderna, do Rio de Janeiro, de Editora Moderna, from Rio de Janeiro, writed autoria do jornalista e político Benedito by journalist and politician Benedito Mergulhão (1901-1966), pretendemos Mergulhão (1901-1966), we want to compreender as condições que possibilitaram understand the characteristics of as críticas do autor ao comunismo no contexto anticommunism in the author and the 1940's do Pós-Segunda Guerra, enfatizando as feelings about the anticommunism. In the denúncias dedicadas ao político Luiz Carlos post-war context, we analyzing the Prestes (1898-1990), na época elevado pela accusations dedicated to the politician Luiz esquerda à categoria de mito político Carlos Prestes (1898-1990), at the time revolucionário brasileiro. Para isso, elevated by the left to the category of realizamos dois movimentos complementares, Brazilian revolutionary political myth. For de crítica interna/externa, primeiramente this, we have two complementary movements, analisando o lugar social do autor an internal and external criticism for the book. (CERTEAU, 2008) e em seguida o contexto First, we analyze Benedito Mergulhão in the brasileiro e internacional dos anos 1940; em Brazilian and international context of the um segundo momento investigamos o 1940s, trying to understand the anticomunismo como uma estrutura de anticommunism as a structure of feeling sentimento (WILLIAMS, 1979) presente na (WILLIAMS, 1979) based on the book O obra que compreendeu Luiz Carlos Prestes Bagageiro de Stalin, whose author is Benedito como um emblema do comunismo e do Mergulhão. In complementar, we use the anticomunismo do período. method of historiographical operation (CERTEAU, 2008) to analyze Luiz Carlos Palavras-chave: Benedito Mergulhão; Prestes as an emblem of communism and Anticomunismo; Estrutura de sentimentos. anticommunism in the 1940s. Keywords: Benedito Mergulhão; Anticommunism; Structure of feelings. Bruno Rafael de Albuquerque Gaudêncio Introdução O livro O Bagageiro de Stalin, de autoria do jornalista e político carioca Benedito Mergulhão (1901-1966), é uma das várias obras que foram condenadas ao esquecimento na produção editorial brasileira. Datada historicamente, ganhou duas edições no ano de 1946 pela Editora Moderna, do Rio de Janeiro, dentro do contexto do Pós-Segunda Guerra Mundial e dos antecedentes da Guerra Fria, quando o anticomunismo era consideravelmente perceptível (MOTTA, 2002). A obra expõe uma série de críticas ao comunismo no contexto do início da Guerra Fria, com ênfase em denúncias dedicadas ao político brasileiro Luiz Carlos Prestes (1898-1990), elevado pelo PCB e parte da imprensa da época à categoria de mito político revolucionário depois de quase uma década preso (1936-1945). Dividida em curtos e precisos capítulos, O Bagageiro de Stalin é um exemplo claro de que o processo de construção de mitos políticos também é acompanhado pelo processo de desconstrução. Como forma de compreender como Benedito Mergulhão desenvolveu críticas ao comunismo no contexto do Pós-Segunda Guerra, enfatizando as denúncias dedicadas ao político Luiz Carlos Prestes (1898-1990), através do livro O Bagageiro de Stalin, 293 realizaremos dois movimentos complementares, de crítica externa e interna, primeiramente situando o lugar social do autor Benedito Mergulhão (CERTEAU, 2008) no contexto brasileiro e internacional dos anos 1940. Depois, tentando compreender o anticomunismo como uma estrutura de sentimento (WILLIAMS, 1979) sobre o papel do Brasil mediante o comunismo à época, ou seja, interpretando a pessoa de Luiz Carlos Prestes como um emblema do comunismo e do anticomunismo do período. Segundo o método de análise de Michel de Certeau (2008), é necessário buscarmos dar voz ao não-dito sempre que analisarmos uma obra de teor historiográfico. Entre os três princípios técnicos de análise1 temos a compreensão do lugar social do autor, que visa entender a formação acadêmica, as determinações próprias, as imposições e privilégios, as vinculações institucionais e ideológicas. Isto é, aspecto que trataremos nos primeiros tópicos, quando observaremos como Benedito Mergulhão se inseriu no contexto político e intelectual do Brasil dos anos 1940, 1 Para Michel de Certeau (2008) os outros dois princípios da análise historiográfica são: os procedimentos de análise científicas e historiográficas, que são as técnicas de produção escrita, as formas de manipulação das fontes e as construções de modelos de atribuição de resultados, aspecto que procuramos evidenciar nas próximas páginas; e a construção de uma escrita, a partir da análise das representações escriturárias, das ordens cronológicas e dos tempos discursivos construídos. Intellèctus, ano XIX, n. 2, 2020, p. 292-308 Bruno Rafael de Albuquerque Gaudêncio observando suas vinculações partidárias, ideológicas e, de certa maneira, estéticas. Se na primeira parte realizaremos este movimento, chamado de crítica externa, pretendemos em um segundo momento realizar uma crítica interna, prendendo-se ao texto e na forma como o seu autor, Benedito Mergulhão, o construiu. 2. Da crítica externa: da autoria à contextualização 2.1. Quem foi Benedito Mergulhão? Dentro do processo inicial de compreensão de crítica externa do livro O Bagageiro de Stalin, é necessário investigar quem foi Benedito Mergulhão. Para chegar a um nível de informação básica sobre o sujeito, foram necessários três caminhos complementares: o próprio livro, O Bagageiro de Stalin, no qual identificamos alguns poucos dados biográficos sobre o autor. O segundo caminho foi o site do Centro de Pesquisa e Documentação de História Contemporânea do Brasil (CPDOC), da Fundação Getúlio Vargas (FVG), do Rio de Janeiro. Neste último, graças à atuação do autor no 294 universo político carioca, foi possível conhecer sua trajetória através de um verbete construído a partir de algumas Atas da Câmara Municipal do estado. Por último, realizamos uma pesquisa em alguns periódicos cariocas citados no verbete do CPDOC, nos quais conseguimos identificar algumas poucas alusões ao escritor e político. Benedito Mansos Mergulhão nasceu no Rio de Janeiro, então Distrito Federal, em 21 de maio de 1901. Filho do comerciante Eduardo Augusto Mergulhão e de Adelina Costa Mergulhão, bacharelou-se em Ciências e Letras em 1929. Exerceu as funções de jornalista e tipógrafo, sendo um dos fundadores do jornal A Vanguarda e redator do diário A Noite, onde parte dos textos contidos em O Bagageiro de Stalin foi inicialmente publicado ao longo do ano de 1946. Enquanto comentarista político, Benedito Mergulhão ainda dirigiu o programa Astros e Ostras nas rádios cariocas Cruzeiro do Sul e Mayrink Veiga. Assim, iniciou sua vida política elegendo-se em janeiro de 1947 no cargo de vereador na Câmara Municipal do Distrito Federal na legenda do Partido Republicano (PR); portanto, antes da publicação do livro O Bagageiro de Stalin. Contudo, no ano de 1948 renunciou ao seu mandato e assumiu a diretoria da Divisão de Rádio da Agência Nacional. No pleito de 1950, elegeu-se primeiro suplente de deputado federal pelo Intellèctus, ano XIX, n. 2, 2020, p. 292-308 Bruno Rafael de Albuquerque Gaudêncio Distrito Federal na legenda do Partido Trabalhista Brasileiro (PTB), tomando posse em março de 1951. Em 1954, Benedito Mergulhão tornou-se funcionário do Instituto Brasileiro do Café (IBC), tendo chegado ao cargo de diretor. No pleito de outubro deste ano, tentou a reeleição pela legenda do PTB, não tendo obtido êxito. Ao final da legislatura, em janeiro de 1955, deixou a Câmara dos Deputados, não voltando a concorrer a cargos públicos eletivos. Foi também subdiretor da Renda Mercantil. Faleceu em 25 de setembro de 1966, na cidade do Rio de Janeiro e era casado com Ondina Verol Mergulhão, com quem teve três filhos. Atualmente uma rua no Rio de Janeiro, no bairro do Inhoaíba, traz o seu nome enquanto homenagem. Publicou diversos livros no campo das letras, entre os anos de 1930 e 1960, com destaque para Filosofia de um caipora, Salamaleques e pontapés, Ramo de urtiga, Maridos transviados, As mulheres não querem amor, A hora H do café, A santa inquisição do café, O general café na revolução branca de 1937, O homem caiu do céu, Olho de Moscou, O Bagageiro de Stalin e O drama de Denise. Percebe-se uma produção contínua de textos, desde obras técnicas, literárias e políticas, com predominância de romances, crônicas e contos. Todavia, seu nome na atualidade é 295 esquecido, o que explica que seus títulos não receberam nenhuma reedição nestes últimos 50 anos, o que faz o autor ser “vítima” do que chamamos de esquecimento prolongado2, aspecto em que não prendemos nos aprofundar, visto que não é o nosso objetivo neste artigo. 2.2. O contexto pós-Segunda Guerra mundial: o anticomunismo no Brasil do início da Guerra Fria Seguindo a rota da crítica externa para melhor compreensão do livro O Bagageiro de Stalin, é necessária também uma melhor contextualização do período em que o livro foi publicado, na década de 1940 e especificamente do ano de 1946, o que 2 Entretanto, no auge de sua atuação como jornalista e escritor conseguiu alguma repercussão, pelo menos é o que dizem alguns periódicos dos anos 1940. Em um deles, A Noite, que atuou como redator e no qual recebeu as seguintes palavras diante do seu aniversário: “Registra-se, hoje, o aniversário natalício do Sr. Benedito Mergulhão, alto funcionário do Departamento Nacional do Café e nosso companheiro de redação. Escritor brilhante, autor de vários livros de êxito, o aniversariante é uma figura de destaque em nossos meios literários. Como sempre, Benedito Mergulhão está recebendo hoje vivas homenagens dos seus numerosos amigos e admiradores” (A Noite, 21 mai.