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A EVOLUÇÃO TECNOLÓGICA NO SETOR NAVAL NA SEGUNDA METADE DO SÉCULO XIX E AS CONSEQÜÊNCIAS PARA A Marinha do brasil* ARMANDO AMORIM FERREIRA VIDIGAL Vice-Almirante (ReP) SUMÁRIO Introdução A propulsão mista: Da roda ao hélice A Guerra da Crimcia e suas lições A Guerra da Secessão Norte-Americana A Guerra da Tríplice Aliança A Guerra Austro-Prussiana - A Batalha de Lisa A Guerra da Tríplice Aliança Continua A Guerra Franco-Prussiana Acirra-se o duelo couraça x canhão As torpedeiras com tubos axiais A Guerra Chile-Peru Os Cruzadores A evolução da pólvora Ação francesa contra chineses "Jeune A École" A Guerra Estados Unidos x Espanha O Submarino de casco duplo A Guerra Russo-Japonesa A guerra de minas A Batalha do Mar Amarelo A Batalha de Tsushima O Aparecimento do Dreadnought N-R.: O extenso uso do negrito foi para chamar atenção dos diversos tópicos analisados, c que não mereciam Um subtítulo. KMB4ÜT72000131 INTRODUÇÃO armada com a do Chile e a da República da Argentina. Um confronto há pouco esboça- fim da Guerra do Paraguai (1864-70), a do pelo jornal mais influente deste último Ao Marinha Brasil do era, sem nenhuma país,/4 Prensa, de Buenos Aires, opõe a cada dúvida, significativa, só sendo superada, em um de nossos vasos de guerra hoje válidos número de bocas de fogo, pelas Marinhas da um competidor formidável, deixando, ainda, Inglaterra, Rússia, Estado Unidos e Itália, nas sombras, com que compor mais de uma nessa ordem. Poucos anos mais tarde, a Esquadra, capaz de medir-se com nossa. Marinha nacional não tinha ex- Deus nos as já qualquer dê por muitos anos paz com militar. pressão nações que nos cercam. Mas, se ela se rom- As razões esta decadência são várias. é no oceano para per, que veremos jogar a sorte de O enorme esforço financeiro do Império nossa honra. E essa partida não será decidida do Brasil durante os anos pelo azar, mas pela pre- em que se envolveu em vidência. A nulificação guerras externas, muito de nossa Marinha é, especialmente na Guerra "... um e e no oceano veremos portanto, projeto que da Tríplice Aliança con- começo de suicídio.'" a sorte de nossa tra Solano López, e du- jogar A Proclamação da rante os anos de turbu- honra" (Ruy Barbosa) República tirou da Ma- lência interna, após a In- l inha si- E essa não poder político, partida será dependência, deixou ar- tuação que se agravou decidida azar, mas pelo pela ruinada a economia do ainda mais com a Revol- País, não havendo recur- previdência. A nulificação ta da Armada de 1893, e, sos a manutenção sem a para de nossa Marinha é, poder político, de uma Esquadra adequa- Marinha perdeu acesso um e portanto, projeto da às necessidades de às verbas para a sua atu- começo de suicídio defesa que, ao longo do alização e renovação. tempo, puderam ser Menos óbvio como identificadas: nemaques- justificativa dessa tão das Missões com a nulificação do Poder Argentina nem o aumento das tensões no Naval brasileiro, mas tão ou mais importante subcontinente sul-americano, devido às dis- que as anteriores, foi o fato de o Brasil não ter sensões entre a Argentina e o Chile sobre a podido acompanhar a verdadeira revolução Patagôniaeo Estreitode Magalhães, levaram tecnológica que ocorreu no setor marítimo, na o Brasil a um programa de reaparelhamento segunda metade do século XIX. A Revolução naval significativo. Em Cartas da Inglaterra, Industrial, teve que início na Inglaterra a partir Rui Barbosa, em 1896, retratou de forma dra- do final do século XVIII, só chegou aos mática a situação de nossa Marinha, compa- navios de guerra na segunda metade do sécu- rando-a, dentro da lógica da época, com as Io XIX, mas, então, as mudanças ocorreram Marinhas dos demais do ABC em países (Argen- profundidade e se processaram muito tina-Brasil-Chile): rapidamente. "Acabo de ler com tristeza, em um opúscu- Não resta dúvida que a rapidez das mu- Io recente, o estudo comparativo de nossa danças se deveu, em grande parte, ao desafio 1. BARBOSA, Ruy. Cartas da Inglaterra, p. 7-8. 132RMB4"T/2000 I d° Poder - Naval francês ao Poder Naval de guerra mas esse esforço não teve conti- hegemônico da Inglaterra. Esse desafio per- nuidade, em parte pelas dificuldades finan- s,stiu, embora de intensidade decrescente, ceiras do País, mas, também, porque faltavam ate em que, 1886, a posse na pasta da Marinha as outras condições necessárias para a manu- da França do Almirante Théophile Aube, o tenção de um desenvolvimento industrial Cnador da Jeune École, afastou definitiva- auto-sustentável, como falta de pessoal ca- mente a França da disputa pela supremacia pacitado, em número suficiente, para absor- naval. ver as novas tecnologias, e dos insumos Apesar de seu poder de fogo, a Esquadra indispensáveis para a industrialização do País brasileira de 1870 era tecnologicamente retar- (por exemplo, pelo fato de o Brasil não haver datária: a maioria dos navios, desenvolvidos descoberto carvão em todo o século XIX, que Para o cenário típico do Rio da Prata, eram veio substituir a lenha como principal com- '"adequados para operar no mar (pequena bustível e era um dos elementos essenciais borda livre); embora alguns dispusessem de para a fabricação do aço, ficou impossibilita- Propulsão a vapor, usavam ainda a roda em do de industrializar-se).2 'uBar do hélice, com todas as desvantagens Chegava ao fim, definitivamente, a época daí decorrentes; a grande maioria era de ma- em que uns poucos operários, dispondo de ^e'ra, apenas poucos levavam couraça; boa uma tecnologia tradicional, de aprendizado Parte da artilharia usada era de canhões de longo mas dependente apenas da prática, e de erro montados sobre carretas, atirando, atra- ferramentas simples, ao alcance de qualquer ves de aberturas feitas no casco, projetis um, podiam construir os maiores e mais sofis- s°'idos não-explosivos. Com a evolução ticados navios de guerra existentes. A partir tecnológica, sua obsolescência foi, pois, muito da revolução tecnológica, o país que não se rápida. industrializasse não teria mais condições de A indústria naval brasileira - importante construir e mesmo de apenas manter Esqua- desde o período colonial, com a Ribeira das dra moderna e eficaz. A famosa Esquadra aus, em Salvador, e, já no período imperial, brasileira de 1910, conforme veremos, é um eom o Arsenal da Corte (hoje Arsenal de exemplo claro de que, mesmo existindo recur- arinha), no Rio de Janeiro, ambos capaci- sos para a aquisição de navios modernos e 'ados para a construção até mesmo de naus, sofisticados, não havendo uma base indus- °s niais poderosos navios de guerra da época trial capaz de mantê-los nem competência nao pôde acompanhar as mudanças para operá-los devidamente, eles muito pou- tecnológicas que se sucederam, e entrou em co significarão em termos de verdadeiro Po- Acelerada decadência. É bem verdade que derNaval. Urante a Guerra do Paraguai foi feito um Alguns fatos ocorridos na primeira meta- c°nsiderável esforço para a aquisição de de do século XIX serão aqui citados porque tecnologia moderna - o sucesso mais expres- eles foram etapas iniciais de processos que SIV° foi a construção de dois navios - tiveram conseqüências no setor naval na ®ncouraçados e três monitores encouraçados segunda metade desse século; a nossa rese- 0 total, foram construídos seis) que torna- nha estender-se-á até o início da Primeira Possível - a Passagem de Humaitá, o acon- Guerra Mundial (1914 18) eventos ^a,T1 porque Clrnento de maior significação estratégica importantes então decorridos provêm de des- Os Estados Unidos, pelo contrário, descobriu importantes reservas de carvão quase à flor da terra, criando condições excepcionais para uma rápida industrialização. HMB4UT/2««0 133 dobramentos tecnológicos verificados ante- imediata, só se tornaram de emprego comum riormente, enquadrando-se, portanto, no es- após 1850. A grande maioria dos navios de copo deste trabalho. guerra antes desta data era de construção toda em madeira, com propulsão apenas a A PROPULSÃO vela, armadacom canhões de ferro, montados MISTA: DA RODA sobre carretas, dispôs- AO HÉLICE= ~^~"^^^tos ao longo dos bor- dos do navio e atirando As transformações No início do século XIX, não projetis sólidos, das resultantes do desen- havia diferença sensível na variantes existentes.3 volvimento tecnológico dos navios Um bom exemplo de no setor naval ocorre- qualidade das navio típico do final da ram em todas as áreas: grandes potências e de países primeira metade do sé- na construção naval, na recém egressos do jugo culo XIX é o HMS propulsão dos navios, colonial Victoria, uma fragata nos seus equipamentos three-decker, isto é, e, finalmente, nos seus ²com três conveses, sistemas de armas. lançadaaomarem 1859 Embora os principais - que até 1867 foi o desenvolvimentos só viessem repercutir nos capitania da frota inglesa do Mediterrâneo; navios de guerra e nas formas de seu emprego era um navio construído de madeira, propul- na segunda metade do século XIX, eles tive- são exclusivamente a vela, armado com 121 ram origem nas cinco primeiras décadas do canhões distribuídos nos seus três conve- século; outros, ainda que tendo aplicaçãoses; uma bordada desses canhões era capaz 3. Até meados do século XIX, os projetis pouco mudaram, havendo quatro tipos principais: o tiro sólido, que consistia numa esfera de ferro fundido, do tamanho compatível com o calibre do canhão. Um tiro desse tipo, no caso de canhões de maior calibre, tinha um alcance de cerca de 4(K) jardas - para calibres - menores o alcance era da ordem de 2(K) jardas e podia atravessar, quando usado a queima-roupa, 4 a 5 pés de madeira maciça. Este tipo de tiro apresentava duas variantes: o "tiro com corrcnle".