Universidade de São Paulo Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras de Ribeirão Preto Departamento de Psicologia Programa de Bacharelado em Psicologia

REPRESENTAÇÕES SOBRE AS RELAÇÕES AMOROSAS EM CANÇÕES ATUAIS DA MÚSICA POPULAR BRASILEIRA

Paulo Vinicius Bachette Alves Viana Prof. Dr. Geraldo Romanelli

Monografia de Conclusão do Programa Optativo de Bacharelado em Psicologia, apresentada ao Departamento de Psicologia da Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras de Ribeirão Preto.

RIBEIRÃO PRETO-SP

2014

PAULO VINICIUS BACHETTE ALVES VIANA

Representações sobre as relações amorosas em canções atuais da música popular brasileira

Trabalho de Conclusão de curso

Orientador: Geraldo Romanelli

Ribeirão Preto

2014

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À minha querida avó Mercedes, pelo carinho e dedicação constantes, que sempre foram as boas sementes que brotaram na minha caminhada; Aos meus pais Altair e Ione, por tudo que me ensinaram e pelo amor incondicional em todos os momentos da minha vida; À Lídia pela amizade e incentivo, por partilhar generosamente comigo seu conhecimento espiritual e mostrar a beleza que existe na arte da convivência;

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AGRADECIMENTOS

Ao meu orientador Prof. Geraldo Romanelli, incentivador e guia, pela generosidade e disponibilidade em me orientar e oferecer essa oportunidade de aprendizado. Por sua dedicação e paciência, por dar alternativas e apontar saídas, por me acompanhar atenciosamente e não medir esforços para ajudar-me quando se fez necessário, e pela compreensão que se fez presente em todos os momentos de diálogo.

À querida amiga Lídia, pelo constante apoio moral e espiritual na minha jornada.

Aos meus pais Altair Alves Viana e Ione Bachette, por me acompanhar e incentivar nos momentos importantes da minha vida e por me oferecerem constante suporte o qual foi fundamental em muitos momentos.

Ao meu irmão Tiago, por seu exemplo de vida.

Aos colegas do curso de Psicologia da Faculdade de Filosofia Ciências e Letras de Ribeirão Preto que generosamente se dispuseram a participar como sujeitos das entrevistas realizadas.

À Universidade de São Paulo (USP) e mais particularmente a Faculdade de Filosofia Ciências e Letras de Ribeirão Preto (FFCLRP), pela autorização para a execução do trabalho e das entrevistas realizadas.

À Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo (FAPESP), pela concessão de bolsa e financiamento do projeto.

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RESUMO

VIANA, P. V. B. A. Representações sobre as relações amorosas em canções atuais da música popular brasileira. (Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras de Ribeirão Preto. Universidade de São Paulo, Ribeirão Preto). Orientador: Prof. Dr. Geraldo Romanelli.

O modo como as relações amorosas são apresentadas em canções da MPB tem sido objeto de análise em várias áreas das ciências humanas tais como antropologia, sociologia, psicologia e história. O objetivo deste projeto foi analisar como são descritas as relações amorosas em letras de canções da música popular brasileira atual voltadas geralmente para um público urbano, constituído de jovens oriundos das camadas médias e paralelamente investigar como eles apreendem e interpretam o conteúdo dessas letras. A pesquisa foi efetuada mediante leitura e levantamento de obras que tratam do modo como as relações amorosas são apresentadas em canções da MPB e da análise de composições de maior repercussão entre dez jovens universitários, cinco homens e cinco mulheres do curso de psicologia do campus da USP de Ribeirão Preto, na faixa etária entre 18 e 24 anos. Após aprovação do projeto pelo Comitê de Ética, os dados foram colhidos através de entrevistas gravadas realizadas a partir de um roteiro semi- estruturado e transcritas na íntegra. Além das entrevistas foram registradas em diário de campo observações acerca da postura e das reações dos informantes. As letras das canções foram tratadas conforme a abordagem antropológica enquanto textos que contém representações acerca do sentimento amoroso. Os dados das entrevistas foram classificados em seis eixos temáticos: 1.escuta musical e suas modalidades, 2. estilos musicais e subjetividade, 3. representações da MPB, 4. canção e estado de humor, 5. música como tematização e expressão dos afetos, emoções e sentimentos, 6. representações do amor romântico na MPB. A análise dos dados permitiu observar que os jovens consideram algumas canções como de entretenimento e que propiciariam momentos de prazer e relaxamento, favorecendo a interação e o compartilhamento social. Já as canções de conteúdo romântico, avaliadas por eles como dotadas de conteúdo mais elaborado e reflexivo sobre relações amorosas, constituiriam artefatos artísticos e contribuiriam para um tipo de formação sentimental de seus ouvintes, colaborando para a construção de suas subjetividades, para a regulação do humor e para ordenar a expressão de afetos. Assim, as canções consideradas como sendo de entretenimento descreveriam relações amorosas e envolvimentos breves, enquanto aquelas consideradas como artísticas, expressariam maior elaboração das letras, caracterizadas pela riqueza de nuances, de particularidades da vivência romântica e dos relacionamentos amorosos.

Palavras-chave: música popular brasileira; representações; relações amorosas.

Área: Antropologia Urbana e Relações de Gênero

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SUMÁRIO

1. INTRODUÇÃO...... 07

1.1 A Música Popular Brasileira...... 09

1.2. Representações Amorosas e de Gênero...... 13

2. FUNDAMENTAÇÃO TEÓRICA...... 17

3. DESENHO METODOLÓGICO...... 20

4. RESULTADOS: EIXOS TEMÁTICOS...... 21

4.1 A escuta musical e suas modalidades...... 21 4.2 Estilos musicais e subjetividade...... 25 4.3 As representações sobre a MPB...... 27 4.4 Canção e estado de humor...... 31 4.5 Música como expressão dos afetos, emoções e sentimentos...... 34 4.6 Representações do amor romântico na MPB...... 36 5. CONSIDERAÇÕES FINAIS...... 47 6. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS ...... 51

ANEXOS

Apêndice A – Roteiro de entrevista...... 55

Apêndice B – Termo de Consentimento Livre e Esclarecido (TCLE)...... 59

Anexo A – Parecer de Aprovação do Comitê de Ética...... 62

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1. INTRODUÇÃO Viana (2006), ao referir-se a este contexto de diversificação da produção musical em que a música popular brasileira emerge, procura caracterizá-la como o conjunto das manifestações musicais que não são folclóricas (de autores desconhecidos e repassados oralmente de geração a geração) e nem erudita (ou clássica), e é brasileira, isto é, produzida por compositores/cantores nacionais, em língua portuguesa, e tem abrangência no território do país, não sendo puramente regional (de apenas uma região), embora possa ter essa origem. Para esse autor, o termo popular presente na expressão Música Popular Brasileira teria adquirido um sentido diferente daquele que faz alusão ao público em geral, sedimentando-se como aquela que atinge ressonância em determinado público, geralmente das camadas mais escolarizadas da população. Outro ponto a destacar-se e que se aproxima mais do cerne deste trabalho é o surgimento da temática sexual e dos sentimentos românticos na canção popular que segundo análise de Trotta (2009), tem se constituído no decorrer dos anos como uma constante referência adotada em maior ou menor grau como estratégia de sedução e identificação coletiva nessas canções. Em concordância com esse autor Leme (2003), aponta que modinhas de duplo sentido e lundus provocantes povoaram o repertório da nascente música urbana brasileira ainda no século XIX, constituindo uma vertente maliciosa que sempre teve como característica negociar os limites e narrar a sexualidade e a moral de cada época. A obra de Faour (2006), que constitui-se em um consistente inventário de canções de todos os tempos que visitaram a sexualidade, o autor demonstra que praticamente não há gênero, compositor ou época em que conteúdos afetivos, amorosos, e sexuais não tenham aparecido de forma bastante visível – e audível – no panorama do mercado musical brasileiro. Dessa maneira, o objetivo dessa pesquisa fundamentou-se em duas hipóteses derivadas da consulta à literatura produzida pela antropologia, sociologia das emoções, psicologia e historiadores da MPB sobre o modo como as relações amorosas são apresentadas em canções da MPB e qual impacto que este conteúdo pode ter sobre relacionamentos amorosos reais dos jovens estudantes investigados. A primeira hipótese considerou a existência de canções no contexto da música popular brasileira que

7 veiculam representações sobre o sentimento amoroso e que estas representações estão relacionadas com o momento histórico em que foram produzidas. A segunda hipótese procurou verificar os motivos das preferências dos jovens universitários entrevistados por determinadas canções bem como examinar o modo como as representações sobre as relações amorosas são apresentadas nessas canções e como essas representações podem refletir-se na vivência amorosa desses jovens. Dessa forma, o escopo deste projeto foi analisar como são descritas as relações amorosas em letras de canções da música popular brasileira atual voltadas geralmente para um público urbano, jovem e oriundo das camadas médias e paralelamente realizar a investigação de como os universitários apreendem essas relações assim como de verificar e situar quais são e como se relacionam as complexas articulações entre os fatores políticos, históricos e culturais que possam ter influencia sobre o sentimento amoroso e como estes se tornam presentes no terreno da canção popular e mais nomeadamente daquela conhecida pela sigla MPB. Na primeira sessão dessa introdução procura-se apresentar um panorama do surgimento e do desenvolvimento da música brasileira até o período em que se deu a consolidação do que se entende atualmente pela sigla MPB. Evidencia-se, nessa parte, que a música brasileira surgiu a partir de uma base elitista com conteúdos da música erudita europeia os quais foram sendo substituídos gradativamente por elementos estéticos e culturais produzidos pelas camadas populares brasileiras. Esclarece-se que é a partir da primeira metade do século XX, com o surgimento do movimento modernista e da indústria cultural que esse processo de substituição se intensifica, pois tais elementos estéticos oriundos das camadas populares teriam entrado em choque com os modelos musicais europeizados até então vigentes priorizando os elementos da cultura popular que acabaram por tomar a posição de caracteres distintivos para a criação de uma identidade musical propriamente brasileira diferenciada de outras culturas musicais. Na segunda sessão da introdução são apresentados elementos que introduzem a temática da sexualidade, dos afetos e dos relacionamentos dentro do conteúdo das canções apresentando alguns exemplos de compositores e de canções feitas por estes que abarquem essa temática. São citados alguns autores que apresentam análises das canções de compositores populares como , Rita Lee e por exemplo, mostrando especificidades nas abordagens que estes fazem de conteúdos

8 amorosos, aprofundando em aspectos que parecem se sobressair dessas composições, como por exemplo as relações de gênero nas canções de Chico Buarque. O presente trabalho fundamenta-se teoricamente, em autores da antropologia, da sociologia das emoções e da psicologia os quais foram utilizados para analisar a dimensão subjetiva de homens e mulheres presente nos dados das entrevistas e nas letras das composições apontadas pelos participantes. O dados obtidos foram tratados conforme a abordagem antropológica enquanto depoimentos e textos que contém representações acerca do sentimento amoroso. O corpus de análise foi composto através da leitura e levantamento de obras que tratam do modo como as relações amorosas são apresentadas em canções da MPB, dos dados colhidos através de entrevistas realizadas a partir de um roteiro semi-estruturado e da análise das canções citadas pelos participantes. Também foram registradas em diário de campo observações acerca da postura e das reações dos informantes. A análise das representações feita a partir desses elementos citados permitiu a construção de seis eixos temáticos os quais são apresentados e discutidos relacionando o campo das composições musicais da MPB à de particularidades da vivência romântica dos participantes entrevistados.

1.1 A Música Popular Brasileira Para iniciar as considerações referentes a este trabalho pode-se dizer que o desenvolvimento da música brasileira se deu a partir de uma base elitista com conteúdos da música erudita europeia que no decorrer de determinado período foram sendo substituídos gradativamente por elementos estéticos e culturais produzidos pelas camadas populares brasileiras. E é a partir da primeira metade do século XX, com o surgimento do movimento modernista e da indústria cultural que esse processo se intensifica, pois estes teriam entrado em choque com os modelos musicais europeizados até então vigentes priorizando os elementos da cultura popular que acabaram por tomar a posição de caracteres distintivos para a criação de uma identidade musical propriamente brasileira diferenciada daquelas de outras culturas. Também é importante enfatizar que o conteúdo temático das letras das canções que são objeto dessa pesquisa remetem ao contexto urbano, ou seja, aos locais em que se deram as condições favoráveis à sua emergência e cuja especificidade se contrapõe a canções cuja temática volta-se para o meio rural e para situações regionais. Destaca-se ainda a visão proposta por Napolitano (2007) e complementada por Neder (2010) que

9 afirma que a música popular expressa certa identidade cultural e determinada experiência musical além de ser, simultaneamente, um produto comercial. Nessa abordagem, pode-se considerar que não é possível utilizar um conceito de música popular que a defina como um conjunto fechado de músicas com características que sejam válidas em todo tempo e lugar. O popular, segundo esta concepção, não será visto como uma coisa, um produto ou artefato, mas um terreno onde múltiplos vetores de forças se encontram e entrechocam, transformando-se continuamente de modo que a busca da pureza de uma definição rigorosa é vista como equivalente a uma tentativa de purificação da própria música, retirando-a do cenário histórico específico onde ocorrem sua elaboração e seus confrontos, o que resultaria em seu empobrecimento e sua reificação. Ainda como apontamentos introdutórios ao tema proposto, desenvolveremos algumas considerações sobre a canção, e mais especificamente, sobre sua posição dentro no contexto da música popular brasileira. Existe uma discussão importante sustentada por alguns autores no sentido de definir o que seria uma canção e quais os elementos de que esta se constituiria. A análise de Falbo (2010) considera que a composição de canções da música popular segue parâmetros próprios, os quais nem sempre coincidem com os parâmetros utilizados por poetas e músicos em suas atividades criativas. Tatit (1997 citado por Falbo, 2010, p. 120) afirma ser comum a idéia de se considerar o cancionista, termo pelo qual ele se refere ao compositor de canções ou compositor popular, como músico e letrista. Mas esclarece que, em geral, os cancionistas não têm conhecimento aprofundado sobre música, pois geralmente não possuem instrução musical formal e os letristas geralmente buscam orientação para sua atividade criativa nas ocorrências da vida cotidiana. Portanto, para ele, a canção não teria necessariamente a ver com critérios musicais nem poéticos, antes esta se constituiria de um cruzamento semiótico entre letra e melodia o qual resultaria num sistema híbrido de comunicação artística que teria se consolidado na história de nossas sonoridades como um importante veículo de expressão do imaginário popular brasileiro. A canção desempenharia um papel central na formação sociocultural do nosso povo, o que, desta maneira, tem tornado-a um interessante campo de estudos sociológicos, antropológicos e históricos. Ainda segundo Tatit existiriam três modelos básicos que se combinariam para a construção da melodia: a tematização, a passionalização e a figurativização. A tematização da expressão engendraria motivos bem definidos, assim como um

10 procedimento de aceleração e regularização rítmicas, enquanto a passionalização da expressão investiria na ampliação da tessitura melódica, assim como no prolongamento das durações, na desaceleração e no abrandamento da pulsação. E, por último, a figurativização enunciativa da expressão, a despeito da relação da música com as durações e as freqüências, representaria um desinvestimento do percurso melódico e, consequentemente, da construção de sentido pelos outros dois procedimentos apresentados anteriormente, valorizando a entoação linguística, numa forma muito próxima da linguagem coloquial. Dentro das considerações acima expostas sobre as especificidades das composições cancionais daremos enfoque, por ser o objeto do estudo aqui proposto, a algumas particularidades apontadas por Tatit (1997 citado por Falbo, 2010, p. 121) como sendo características de uma música passional. Assim, de maneira geral, a musica passional oscilaria entre o grave e o agudo, de uma maneira sistemática não havendo repetição. A música “Travessia”, de é tomada como exemplo para ilustrar essa dinâmica pois Tatit diz haver nela uma transposição melódica, uma ansiedade de ocupar o espaço produzido na mudança dos agudos para o grave e vice- versa. Em complementaridade ao acima exposto Tatit analisa a canção passional com o auxilio de um aforismo criado pelo escritor francês Valéry. “O que já é não é ainda – eis a espera O que não é ainda já é – eis a surpresa.” Assim Tatit analisa a canção passional como aquela em que se explora a espera e a surpresa. E o que estaria em jogo nela seria a separação espacial aliada à conjunção temporal sendo que, em sua análise, os cancionistas de maior prestigio nesse campo, em geral seriam aqueles que gostam e sabem utilizar a surpresa, gerando certa descontinuidade com a emergência do inusitado. Para a exposição de alguns pontos das complexas articulações entre os fatores políticos, históricos e culturais que constituem os vetores presentes no terreno da canção popular e mais nomeadamente daquela conhecida pela sigla MPB torna-se necessário tecer alguns comentários sobre três movimentos musicais que tiveram grande impacto sobre a formação da MPB, a Bossa Nova, a Jovem Guarda e o Tropicalismo. O surgimento da Bossa Nova é considerado por historiadores da música brasileira como Tinhorão (1997) um fenômeno da classe média carioca. À medida que essa nova classe média começou a tomar forma, houve em seu cerne a necessidade de estabelecer uma nova identidade, a qual se expressaria inclusive no meio musical, com a

11 criação de um estilo próprio que incorporava o jazz à música brasileira. Esse novo estilo se consolidaria como importante elemento identitário dessa classe a partir dos anos 1960 diferenciando-se da música romântica adotada pela classe alta tradicional e com o tradicional samba das camadas pobres. Segundo Amaral (2010) há consenso entre os teóricos da música popular que a sigla MPB, utilizada para denominar determinado tipo de produção musical apareceu no Rio de Janeiro em meados dos anos 1960 fruto de uma fusão de dois movimentos, a bossa nova e a atuação dos Centros Populares de Cultura (CPC). A bossa nova estava atrelada a uma concepção musical sofisticada enquanto os Centros Populares de Cultura da União Nacional dos Estudantes (UNE) situavam-se em outro plano, já que estavam engajados em movimentos de contestação não só política, mas de defesa da cultura nacional e de elementos culturais ligados a ela como as expressões folclóricas ou populares. Esses Centros, fundados em 1961 por estudantes ligados à UNE e fechados em 1964 com o golpe militar, eram compostos por músicos, literatos, atores e intelectuais de esquerda, os quais defendiam a fidelidade à música de raiz brasileira e a criação de uma linguagem artística compatível com os ideais de brasilidade, em oposição ao que era considerado como o avanço da interferência estrangeira em nossa cultura. Circunstância importante de se destacar é que nesse período alguns compositores ligados à bossa nova nascente teriam concomitantemente iniciado um processo de autocrítica, movendo-se em “busca de um „samba participante‟ que sintetizasse algumas „conquistas‟ musicais da Bossa Nova (principalmente harmônicas e interpretativas) mas com referências musicais de „raiz‟, disseminando uma mensagem socialmente engajada e nacionalista”. (Saldanha, 2008, p. 17, aspas do autor). Paralelamente à emergência da Bossa Nova, muitos artistas começaram a introduzir o rock and roll na música brasileira na década de 1960, podendo-se citar como liderança desse movimento os cantores e compositores Roberto Carlos e Erasmo Carlos. Esse movimento que passou a se chamar Jovem Guarda ou “iê-iê-iê” por suas adaptações das primeiras canções dos Beatles, procurava criar ou recriar o rock no país. Também é importante observar que o estilo da Jovem Guarda estava predominantemente ligado ao rock dos anos 1950 e 1960 não absorvendo as mudanças ocorridas na revolução pela qual passou o rock com o surgimento dos Rolling Stones ou com a segunda fase dos Beatles. Nesse momento também surge o Movimento Tropicalista, liderado por Caetano Veloso e . Apesar das criticas vindas dos outros grupos, estes compositores

12 e cantores mostravam maior liberdade, como o uso de guitarras elétricas, trajes alternativos e letras peculiares. Os líderes da Tropicália defendiam a retomada de uma "postura internacionalista e moderna na música popular, em contraposição aos ideólogos do 'nacional-popular'" (Naves, 2000, p. 1, aspas do autor), que tinham como referência a bossa nova. Dessa forma, o conceito amplo do que significava a sigla MPB, que então passou a abarcar do samba ao rock, consolidou-se, iniciando seu processo de institucionalização. Napolitano afirma que neste período a MPB adquire legitimidade perante a hierarquia cultural vigente, sendo incorporada como signo de alta cultura por uma parte substancial da elite cultural, política e econômica do país. Assim, a música tropicalista chegou a incorporar, de fato, elementos tanto da Bossa Nova, da música popular anterior a esta e da Jovem Guarda e o sucesso desse movimento levou muitos novos artistas à adoção de um estilo mais eclético e da criação de um campo artístico autônomo, independente tanto da aristocracia quanto do mercado (Bourdieu, 2002). A MPB, a partir da confluência desses fatores, consolida-se, então, como a voz dos setores médios da sociedade, tanto por ter seu público cativo entre os jovens de classe média com acesso à educação superior, quanto por seus artistas serem em sua maioria oriundos desse segmento social. Dessa forma, após apresentar um esboço do contexto em que se deu o surgimento da MPB e seus seguintes desdobramentos para a investigação tal como é proposto por Geertz (1989) em seu livro sobre a interpretação das culturas em que procura analisar elementos culturais, como a produção musical, enquanto pertencente a sistemas entrelaçados de símbolos interpretáveis, ou seja, artefatos que compõe um meio a partir do qual se torna possível descrever de forma inteligível acontecimentos sociais, comportamentos, instituições e processos. Dessa forma, as representações são neste trabalho focalizadas como conjuntos dinâmicos, responsáveis pela produção de comportamentos e de relações com o meio ambiente, ou seja, de uma ação que, ao ser criadora, modifica aqueles e estas e não os simplesmente reproduz de acordo com padrões pré-estabelecidos. Portanto, seguindo as considerações acima apresentadas, se a principio, a familiaridade evidencia-se no conteúdo representacional, é preciso parar, recuar a ponto de visualizar o aspecto desconhecido que a representação envolveu e familiarizou (Moscovici, 1978, aspas do autor).

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1.2 Representações amorosas e de gênero Dentro da temática afetiva e sexual e de gênero, Cruz & Gabriel (2008) e Kukolj (2008) procuram propor em seus trabalhos uma visão das representações do feminino e do masculino na obra de Chico Buarque. De acordo com esses autores as músicas de Chico procuram valorizar a humanidade da mulher, aspecto que poderia ser visto na pluralidade de letras de canções que, de maneira direta ou indireta, revelam comportamentos que fogem aos padrões aceitos socialmente na época das composições. Os autores citam a afirmação de Chico de que em determinadas épocas era impossível pensar uma canção em que a mulher tivesse um papel “ativo” ou independente. As mulheres, chamadas por ele de saídas, teriam sido cantadas na musica popular somente a partir dos anos 1960. Para esses autores é possível notar, por exemplo, a sensibilidade do eu-poético do compositor em relação ao sofrimento da mulher identificando-a como „mal-casada‟, „mal-amada‟, desvalorizada e desrespeitada socialmente. A canção “Mulheres de Atenas” (1976) que se reporta à história das mulheres gregas foi tomada como modelo dessa temática. Nessa canção, Chico evoca a relação de dominação que os homens exercem sobre as mulheres que permanecem passivas “Quando fustigadas não choram/ Se ajoelham, pedem, imploram [...] Elas não têm gosto ou vontade/ Nem defeito nem qualidade/ têm medo apenas” (Fontes, 2003). A música “Cotidiano”, de 1971 também é citada, por retratar a rotina de um casal em que a mulher fica em casa, acorda o marido e o espera no portão no final do dia, expondo assim, uma época em que a mulher era associada ao espaço privado devendo esperar pelo homem que chega em casa após a batalha e precisa de sua mulher doce e submissa. Outros exemplos são as composições de Rita Lee as canções interpretadas por Elis Regina, dentro da temática das relações de gênero, analisadas por Murgel (2008) e Kukolj (2008). Elas são consideradas como responsáveis pela quebra de paradigmas cristalizados sobre a posição da mulher na sociedade e são compositora e intérprete que construíram em suas canções múltiplas visões sobre as mulheres, produzindo um conteúdo cancional que influenciou a reinvenção do feminino, que até então era marcado principalmente pelo discurso masculino. O início de suas carreiras e de seus trabalhos na musica popular coincidiram com o momento de expansão dos questionamentos sobre o modo hegemônico e hierarquizado da relação de gêneros o qual, na época era acentuadamente patriarcal e preconceituoso. O discurso na canção popular da época situa a mulher de maneira dicotomizada. Ou ela era mãe honesta e assexuada, valorizada e reconhecida na canção como possuidora das características de

14 uma virgem como a Virgem Maria, ou inversamente a isso, como a mulher prostituta, perigosa, pecadora, e marginalizada. Os questionamentos sobre as relações de gênero presentes nas canções e nas atitudes de Elis e Rita foram também reflexo de um movimento mais geral de questionamento social que foi denominado de contracultura no qual houve a abertura para o surgimento de movimentos como o feminismo, que promoveu discussões intensas sobre o posicionamento da mulher no contexto social.Ainda com base em Kukolj (2008) é possível observar uma composição de Rita Lee como uma canção que ironiza a mulher passiva construída pelo olhar masculino: Bwana Bwana / Me chama que eu vou / Sou tua mulher robô / Teleguiada pela paixonite / Que não tem cura / Que não tem culpa pela volúpia / Bwana Bwana / Teu desejo é uma ordem / Te satisfazer é o meu prazer / Que não tem jeito / O meu defeito é não saber parar/ Adeus sarjeta / Bwana me salvou / Não quero gorjeta / Faço tudo por amor / Bwana Bwana / Não sei cozinhar / Mas sou carinhosa / E tenho talento / Pra boemia / Corre sangria nas minhas veias / Adeus sarjeta / Bwana me salvou / Não quero gorjeta / Faço tudo por amor. (“Bwana”. Roberto de Carvalho e Rita Lee, 1987) Evidenciando outros aspectos sobre sexualidade e relacionamentos presentes nos movimentos de contracultura surge o movimento de liberação sexual do qual o roqueiro Raul Seixas aparece como uma figura emblemática, representando em muitas de suas canções as idéias diferenciadas de se encarar e vivenciar a sexualidade e o amor. Dessa forma Nery (2008) aponta Raul Seixas como responsável pela composição de canções que falam sobre a possibilidade de se vivenciar o amor livre como por exemplo em sua canção “A maçã” (1975), composta em parceria com o escritor Paulo Coelho. Ao fazer uma primeira leitura da letra da música pode-se identificar como seu tema geral a possibilidade de redimensionamento das relações monogâmicas, através de prescrições comportamentais alternativas. A proposta de amor feita nessa canção procura abranger a possibilidade de transformação do corpo social vigente em algo diferente, “num devir outro livre de autoritarismos e binarismos sociais e sexuais” (Guattari & Rolnik, 1996 citado por Nery, 2008, p. 2). Nos anos 1980, Raul Seixas trabalhou o tema do lesbianismo na letra de música rock das “aranha” (1980). A homossexualidade feminina é cantada como um exemplo do exercício anormal da sexualidade. A alteração dos polos do desejo é descrita como tensa, como uma briga entre bichos peçonhentos, como “as aranhas.”Logo, as canções

15 de Raul Seixas, e de maneira geral as canções da MPB, podem ser observadas como uma possibilidade interpretativa dos encontros e desencontros das relações amorosas. Alguns dados colhidos pelo autor desse trabalho referente a canção popular que trata de temas amorosos a partir de um levantamento feito com alguns estudantes universitários do curso de psicologia do campus da USP de Ribeirão Preto apontam que esta é muitas vezes é considerada por eles como modelo ou script para relacionamentos reais, compondo cenas, diálogos, propostas de interações românticas que servem de inspiração para estes. Dentro desse contexto, o conteúdo imaginativo presente nas músicas se imiscui a elementos de realidade constituindo uma atmosfera onde o significado se constrói através da ação subjetiva compondo um mundo que, apesar de partir de fatos, eventos e acontecimentos concretos, ultrapassa-os através da interpretação que é feita pelo sujeito que ouve a canção e que através de um acréscimo dado ao conteúdo originalmente proporcionado pela música o que contribuiria para formar suas representações sobre amor e romantismo. Como exemplo desse ponto foi citada a canção de : “O nosso amor a gente inventa” (1987). E mais particularmente um trecho específico dessa canção: O nosso amor a gente inventa Pra se distrair E quando acaba a gente pensa Que ele nunca existiu... A música popular romântica, na visão desses estudantes, tem a função de potencializar as emoções daqueles que a ouvem, ou seja, quando se está apaixonado, ouvir uma música com conteúdos românticos poderá ter o efeito de tornar essa emoção mais intensa. Mas para que isso se dê, conforme o que disseram, é necessário que haja uma identificação, ou seja, um “casamento” entre o conteúdo da música e a disposição emocional do ouvinte para que o efeito potencializador se manifeste. Os estudantes também relataram que a musica com conteúdos relacionados a interações amorosas serviriam como modo de preencher carências afetivas. É como se viver mental e emocionalmente as situações relatadas nas canções de certa forma compensassem a necessidade dos ouvintes de vivenciarem situações reais. Um outro ponto também citado por alguns refere-se a uma característica que pontuaram como definidora de distinção entre uma composição considerada de qualidade e composições consideradas pobres. Essa característica é o modo como são abordados os assuntos relacionados aos relacionamentos amorosos nas canções, pois, além do trabalho musical propriamente

16 dito, como a utilização de linhas melódicas e arranjos, o fato das letras das canções tratarem dos temas amorosos de forma indireta, ou seja, de uma maneira mais metafórica e subliminar, ou escancaradamente, explorando os pormenores dos relacionamentos de maneira melodramática, compõe o aspecto determinante da qualidade estético-artística de uma canção na visão dos entrevistados. Há relativo consenso entre os teóricos da música popular que a sigla MPB apareceu no Rio de Janeiro em meados dos anos 1960 fruto da fusão de dois movimentos, a bossa nova e a atuação dos Centros Populares de Cultura (CPC) (Amaral, 2010). Paralelamente à emergência da bossa nova, muitos artistas começaram a introduzir o rock and roll na música brasileira na década de 1960. Nesse momento também surge o Movimento Tropicalista que mostrava maior liberdade, como o uso de guitarras elétricas, trajes alternativos e letras peculiares. A partir da confluência desses fatores, pode-se considerar que a MPB consolida- se como a voz dos setores médios da sociedade, tanto por ter seu público cativo entre os jovens de classe média, quanto por seus artistas serem em sua maioria oriundos desse segmento social.

2. FUNDAMENTAÇÃO TEORICA Para melhor se analisar como os jovens universitários apreendem e incorporam significados da MPB, especialmente através dos conteúdos expressos nas letras, é fundamental considerar que o processo de audição e seleção desses conteúdos é mediado por vários fatores. Nesse sentido, alguns elementos mediadores serão selecionados para análise. Em primeiro lugar, as representações sobre relações amorosas não são apenas apreendidas e incorporadas pelos ouvintes de modo explícito. Melhor dizendo, essas representações, em boa parte são introjetadas e assimiladas de modo subjetivo, não plenamente consciente, já que as letras das canções em discussão remetem ao universo dos sentimentos e das emoções. Por isso, cabe situar, mesmo que de forma ainda limitada, a problemática da subjetividade e da expressão de sentimentos acrescentando contribuições de autores de campos diversos do conhecimento. Na área da antropologia, Mauss (1979), em trabalho publicado em 1921, mostrava que a expressão dos sentimentos tem uma fundamentação social e que estes manifestam-se de acordo com normas determinadas. Assim, o sujeito tende a expressar publicamente sentimentos em conformidade com normas prescritas o que não elimina a

17 dimensão psicológica dos sentimentos e da construção da própria subjetividade do sujeito. A mesma vinculação entre as condições vividas pelo indivíduo em relação com o universo da cultura foi igualmente explorada pelos antropólogos americanos da escola conhecida como cultura e personalidade, dentre os quais destacam-se, dentre outros, Margaret Mead, Ruth Benedict, Ralph Linton. Mais recentemente, Ortner (2002, p. 381 e 385) mostra que a subjetividade, referida a estados internos do sujeito encontra-se associada a condições sociais e que "formações culturais particulares moldam e provocam subjetividades". Estas, por sua vez, "constituem estruturas complexas do pensamento, sentimento, reflexão". Desse modo, essa autora não separa subjetividade, enquanto interioridade, do pensamento e da reflexão e também não nega sua dimensão psicológica, mas enfatiza a importância do contexto social na constituição das subjetividades. Em linha de análise semelhante Rosaldo (1992, p. 143) discute como o sentimento é formado através do pensamento e como este é investido de significado emocional: "Sentimentos não são substâncias a serem descobertas em nosso sangue mas práticas sociais organizadas por histórias que nós podemos expressar e contar". Nesse sentido, cabe considerar que as letras das canções da MPB, sobretudo as de cunho romântico, também contam histórias, que podem não só assemelhar-se às dos jovens universitários, mas podem igualmente contribuir para que entendam melhor suas próprias histórias amorosas. Em outra linha interpretativa, situa-se a análise de Coelho Júnior & Figueiredo (2004). Em abordagem da área da psicologia e em interlocução com a psicanálise, esses autores aproximam-se da antropologia, quando discutem que a subjetividade está articulada à intersubjetividade e que esta é construída na relação com a alteridade. Isto é, as relações intersubjetivas são essenciais para a constituição da subjetividade que não se funda unicamente na dimensão psicológica, mas depende do conjunto de relações com o outro. As letras das canções românticas da MPB remetem necessariamente a um outro específico, seja este outro homem ou mulher, o que coloca em pauta as relações de gênero. De modo sintético, e a ser melhor explorado no decorrer das leituras e das análise sobre as canções, gênero remete à construção social e cultural do sexo biologicamente dado. Gênero e as relações de gênero são construções socioculturais, mutáveis e variáveis conforme determinadas épocas históricas em cada sociedade específica.

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Assim, a definição cultural e a posição social masculina e feminina é construída ao longo da história e é atravessada por relações de poder dos homens sobre as mulheres, poder que não é imutável, mas que é socialmente alterado e praticado, como algumas letras de canções poderão exemplificar no decorrer desta pesquisa. Cabe ainda outra consideração. Na análise da constituição das subjetividades o que alguns autores têm demonstrado é que elas são variáveis conforme o gênero. Como demonstra Giddens (1993, p. 132, aspas do autor): "Tornou-se lugar comum na literatura terapêutica dizer que os homens tendem a ser 'incapazes de expressar sentimentos' ou não têm contato com suas próprias emoções". Essa é uma questão importante já que remete ao modo como são constituídas as subjetividades masculinas e femininas. Certamente homens e mulheres expressam seus sentimentos e suas emoções de modos distintos, o que poderá ser melhor apreendido mediante a análise das canções e da própria incorporação que os universitários fazem das letras dessas canções. É nesse sentido que é importante analisar e discutir quem é o "sujeito" que fala nas composições da MPB, isto é, deve-se considerar o gênero do autor das letras, para se avaliar se ele enuncia representações do universo masculino ou feminino. Igualmente relevante é analisar se o sujeito que canta, independentemente de seu gênero, expressa e transmite representações masculinas ou femininas. Nesta proposição, a análise funda-se nas representações contidas nas letras das canções, deixando em segundo plano - mas não eliminando totalmente da análise - os aspectos mais propriamente musicais como gênero musical, harmonia, ritmo, arranjo, melodia. Nesse quadro de referências cabe incluir um segundo elemento mediador no modo como universitários e universitárias incorporam as representações românticas das canções.Trata-se de retomar a problemática da alteridade, ou melhor da relação com a alteridade na constituição da subjetividade dos sujeitos da pesquisa. Estes convivem no ambiente da universidade, mais especificamente no curso de psicologia e no campus que frequentam, com a presença da alteridade, existente no grupo de pares do ambiente acadêmico. Aparentemente semelhantes na condição de universitários cada um deles traz uma história de vida e um capital cultural (Bourdieu, 2002), ou melhor um repertório musical de preferências, escolhas e gostos diversos construídos ao longo de suas trajetórias e que não é fixo e definitivo, mas que pode ser alterado na convivência com a alteridade musical presente no grupo de pares.

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Por isso, a convivência com o grupo de pares no espaço universitário permite entrar em contato com diferentes estilos musicais que podem ampliar os horizontes das preferências dos sujeitos. Mais ainda, situar a preferência por determinadas composições musicais deve levar em conta o contexto social no qual o ouvinte apreende e incorpora determinadas representações sobre o amor e as relações amorosas e no qual sua subjetividade é acionada e pode ser modificada na apreensão dos sentimentos expressos nas canções. É nesse quadro de referências, sinteticamente apresentado, que procurar-se-á analisar com base na teoria de autores da antropologia como Pierre Bourdieu (2002), Geertz (1989), da sociologia, Naves (2000) e da psicologia, Moscovici (1978), a presença de elementos culturais sobre relações amorosas expressos nas letras das canções da MPB e o modo como são interpretados e incorporados pelos sujeitos da pesquisa em seus relacionamentos afetivos.

3. DESENHO METODOLÓGICO Como se pretende discutir e investigar o conteúdo simbólico das letras das canções e a interpretação que os universitários fazem dessas letras, o enfoque dado é orientado nesse sentido de modo que o aspecto propriamente musical, referente a gênero musical, harmonia, ritmo, arranjo, melodia, não está sendo considerado já que tal forma de análise demanda outra forma de conhecimento. Apesar disso, será possível observar que eventualmente surgiram algumas breves considerações de caráter geral acerca de gêneros musicais e da linha melódica de algumas canções sempre que verificada a adequação de tais comentários. Por ser a pesquisa em questão de cunho qualitativo, esta se propôs a um método específico de coleta de dados, ou seja, estes foram coletados mediante aplicação de entrevistas em profundidade aplicada a número pequeno de sujeitos, como é de praxe em tais pesquisas. Portanto, não se teve a pretensão de produzir dados de caráter estatístico, mas procurou-se compor um quadro empírico e interpretativo para se analisar as composições da MPB de maior repercussão entre jovens universitários do curso de psicologia do campus da USP de Ribeirão Preto. Esclarece-se, portanto, que foram realizadas as entrevistas de dez alunos, cinco do sexo masculino e cinco do sexo feminino do curso de psicologia do campus da USP de Ribeirão Preto. A inclusão de universitários de ambos os sexos teve a intenção de verificar se havia variação na

20 escolha das canções e como essa variação pode implicar em diferenças de gênero em relação às representações amorosas. O pesquisador se identificou ao se apresentar aos jovens universitários, informando o objetivo da pesquisa e solicitando autorização para gravação da entrevista, esclarecendo que os dados eram sigilosos e que eles não seriam identificados. Foi solicitada permissão para fazer as entrevistas em local que assegurasse a privacidade dos sujeitos. Por se tratar de pesquisa com alunos do ensino superior que, em geral, estão na faixa etária a partir de 18 anos acima, não foi necessário a consulta de pais ou responsáveis legais para autorizar a entrevista. Pretendeu-se, portanto, entrevistar somente universitários que se encontravam na faixa acima dos 18 anos. Após o esclarecimento dos objetivos do trabalho e da concordância dos sujeitos, foi solicitado que estes assinassem o Termo de Consentimento Livre e Esclarecido, em duas vias, uma das quais ficou em seu poder e a outra com o pesquisador. Nesse documento constava o telefone do pesquisador para contato com aqueles que o desejassem. Os entrevistados não serão aqui identificados a fim de se manter seu anonimato e sua privacidade, e no momento qm que suas falas foram apresentadas seus nomes foram substituídos por nomes fictícios. Assim tivemos cinco entrevistados do sexo masculino: Gustavo, Breno, Daniel, Tales e Rafael, e cinco do sexo feminino: Amanda, Aline, Juliana, Camila e Flávia. Os estudantes entrevistados gozaram de total liberdade para interromper sua participação no processo de pesquisa caso sentissem necessidade. As entrevistas foram classificadas nos sete eixos temáticos a seguir: 1. A escuta musical e suas modalidades, 2. Estilos musicais e subjetividade, 3. Representações da MPB, 4. Canção e estado de humor, 5. Música como tematização e expressão dos afetos, emoções e sentimentos, 6. Representações do amor romântico na MPB. Estes eixos foram analisados utilizando-se referenciais teóricos da antropologia, da sociologia das emoções e da psicologia que favoreceram a analise da dimensão subjetiva do sentimento amoroso de homens e mulheres que essas composições pretendem representar. Esclarece-se que a unidade de análise foi constituída pelos universitários acima descritos, que não houve intervenção direta sobre a exposição que fizeram durante as entrevistas e ainda que não houve qualquer tipo de seguimento dos sujeitos da pesquisa.

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4. RESULTADOS: EIXOS TEMÁTICOS 4.1 - A escuta das canções e suas modalidades Inicialmente, a maioria dos entrevistados, de ambos os sexos, relacionam a escuta da música a momentos de prazer, entretenimento, relaxamento, etc. Esta escuta estaria, portanto, relacionada a momentos ócio ou em que não estão realizando tarefas que exijam concentração intelectual. Em seguida, ao serem questionados se percebiam diferenças entre a escuta de canções nas modalidades ao vivo, ou seja, entre uma performance músical não mediatizada e através de gravações, os estudantes em sua maioria destacaram que em se tratando da escuta ao vivo, o aspecto interativo e relacional costuma ser de maior interesse nessa modalidade de escuta. A música neste contexto, se situaria como elemento de convergência, catalizando e amplificando o universo relacional que segundo eles, se formaria em torno dela. Essa circunstância remete a Habermas (1970, citado por Coelho Júnior & Figueiredo, 2004, p. 13) que “compreende a intersubjetividade como aquela que define a atenção conjunta a objetos de referência em um domínio compartilhado de conversação lingüística ou extra- lingüística”. Ou seja, pode-se supor que no caso da audição ao vivo, a qual se dá em apresentações e shows mais comumente se formaria um domínio compartilhado, conforme a descrição feita por Habermas em que o caráter social e intersubjetivo se evidenciaria de maneira mais evidente. Neste domínio prevaleceriam e se misturariam diversas motivações e impulsos, os quais, portanto, encontrariam na música um laço de convergência o qual se constituiria como um objeto de referência neste contexto, atraindo a atenção coletiva no sentido de tornar-se um nexo de junção destes elementos diversos. Esse aspecto das canções que são perfomatizadas ao vivo apontado pelos entrevistados também remete a Napolitano (2007, p. 156) quando afirma que a canção popular “é mediada por um conjunto de valores, ritos e redes sócio-culturais”. Portanto, de acordo com as considerações feitas acima, supõe-se que as canções não se inseririam ou seriam executadas aleatóriamente ou casualmente em um determinado contexto e, ao contrário, o que é mais provável é que estas se colocariam em uma relação de coerência com estes elementos anteriormente citados. Em concordância com este ponto os estudantes apontam outro fator que afirmam possuir uma notável importancia em se tratando da questão do contexto. Eles parecem estar familiarizados com a influência que o contexto pode ter sobre os tipos de música que se mostrem ou não adequadas a serem

22 executadas, e como consequencia disso, na variação da predisposição dos ouvintes de apreciarem tais músicas. Ou seja, dentro dos relatos obtidos é comentado que mesmo que se aprecie ouvir um certo gênero músical, como a música religiosa, não será em qualquer momento ou situação que este será apreciado, pois se executado em ambientes como os de uma festa ou de um churrasco, até mesmo pessoas que apreciam tais músicas provavelmente vão preferir e estar muito mais dispostas a ouvir outro tipo de musica que esteja mais condizente com as condições ambientais que se apresentem no momento. Assim, parece surgir daí a noção de que certos contextos pressupõe a existência de valores, ritos e redes sócio-culturais específicos os quais permitiriam a execução e a fruição de determinados tipos de música, os quais se mostrem mais condizentes com os mesmos. Pois, caso contrário, no qual ocorresse uma discordância entre contexto e música, pressupõe-se que esta implicaria em um desconforto e um sentimento de desadequação nas pessoas que se encontrem neste. Estas colocações remetem a Mauss (1979), quando este procura evidenciar o modo como se configuram certas determinações sociais as quais se referem a certos contextos. Estas, de certa maneira, tornam-se prescritivas ao oferecer scripts ou modelos de interação, os quais possuem ligação com situações e circunstâncias específicas do convívio coletivo. Assim, os sujeitos tendem a se expressar publicamente nestes contextos de acordo com tais normas, as quais de alguma maneira, delimitam o leque de manifestações pessoais possíveis ou aceitáveis para determinados contextos. Seguindo-se ao que foi exposto acima e em continuidade com estas considerações os estudantes parecem reconhecer claramente essa distinção entre a audição de canções no âmbito pessoal e no âmbito do grupo, ou seja, quando ouvem canções a sós ou coletivamente. Para ilustrar este aspecto têm-se o seguinte relato apresentado por Amanda: “quando estou só, ouço aquilo que mais me indentifico, que gosto, que considero como música „boa‟, e quando estou com meus amigos me deixo levar pela „onda‟”, “não faço muita questão que sejam as músicas de minha preferência mais sim a do grupo como um todo”. A partir daí pode-se observar que os critérios apresentados pelos estudantes para a audição parecem se tornar mais flexíveis enquanto dentro de uma audição coletiva, dentro de um grupo. Também é necessário considerar nesse ponto que, grupos geralmente se reúnem em determinados contextos, e estes, podem variar e implicar em uma maior ou menor influência sobre a audição que tal grupo realizará. Assim supõe-se uma maior liberdade para a escuta em uma reunião de

23 um grupo de amigos informal do que aquela de um grupo que compõe uma cerimônia religiosa, em que supõe-se ser prioritária a execução de canções de conteúdo religioso. No entanto, pode ocorrer também, conforme os relatos obtidos, uma circunstância em que se alie o contexto das preferências pessoais e aquelas do grupo, aí, segundo expõe Rafael, essa situação adquire um significado de maior satisfação e “reforço social”. Aline deu o exemplo dessa situação comentando uma festa universitária a qual compareceu em que estavam executando músicas as quais ela relatou gostar e ela percebeu que outras pessoas também estavam interagindo com essas mesmas músicas. Este relato de Aline parece estar em conformidade com o sentido de intersubjetividade dado por Martin Buber e Gabriel Marcel, ambos pertencentes à tradição da filosofia existencialista e também citatos por Coelho Júnior & Figueiredo (2004) em que pode se situar a potencialidade da música em favorecer a troca e a vivência intersubjetiva pois a situação e o contexto de vivência pessoal relatados por Aline “revelaria o sentido de comunhão interpessoal entre sujeitos que mutuamente estão sintonizadas em seus estados emocionais e em suas respectivas expressões”. Acresce-se a isso o componente de prazer e satisfação que parece estar vinculado a taís circunstâncias, já que Aline diz ter vivênciado um momento de intensa satisfação ao perceber-se neste estado de sintonia emocional proporcionado pela fruição coletiva das canções. Avançando nas considerações sobre esse ponto, em sequência ao que foi exposto acima em relação ao contexto, os estudantes apontam que nas performances ao vivo, espera-se e permite-se por parte do público que estas apresentem específicidades as quais parecem para eles, estarem condizentes ao modo e ao contexto em que são executadas. Os informantes dizem, portanto, haver uma maior liberdade dos músicos para criarem versões únicas das canções nas performances ao vivo tais como alterações na linha melódica destas, no timbre, alterações em aspectos técnicos e de qualidade do som. Eles atribuiram também às variações de humor e predisposição durante a execução dos músicos como fator o qual pode resultar em variações, mudanças e releituras do tema original. Outro aspecto considerado marcante pelos entrevistados é a presença do cantor/intérprete, o qual através da sua personalidade e de sua performance, pode dar, segundo eles, um outro sentido, um sentido singular para uma canção executada. Aspectos como iluminação, cenário também foram citados como elementos que contribuem para que a performance ao vivo seja única e distinta da performance gravada.

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Já no caso das canções gravadas, segundo as informações obtidas, estas possuem a particularidade de ser um som de caráter mais artificial, mais produzido, com a interferência e as correções feitas em estúdio, o que faz com que a música adquira uma outra roupagem. Estas considerações corroboram o que Napolitano (2007, p. 156) diz sobre essa modalidade de criação, veiculação e escuta músical, pois ele afirma que “uma canção veiculada pelo mercado fonográfico mobiliza um aparato tecnológico imenso de execução e registro, um conjunto de profissionais que muitas vezes interferem estruturalmente no resultado da canção, uma série de estratégias de veiculação em circuitos massivos.” Todos estes elementos constituiriam, portanto, uma dada performance, pensada nos termos da música popular comercial e que traria, segundo pôde ser observado pelo que foi exposto, distinções marcantes em relação a outra modalidade de escuta musical aqui abordadas que são as performances ao vivo. A audição dessas canções mediatizadas também se dá, conforme os relatos apontam, mais dentro do controle do ouvinte cabendo a este selecionar, onde e como ouvir, o que resulta numa relação única e particular com as canções. O acesso às diferentes modalidades, ao vivo ou através de gravações, também foi um fator levantado pelos informantes, pois estes apontaram que o acesso àquela parece ser mais difícil que a esta última, pois o caráter presencial não mediatizado pelas mídias inerente a ela, exige que condições econômicas e de tempo sejam contempladas, o que para os entrevistados torna-se um fator limitante para a sua fruição, enquanto a segunda, ao contrário, podendo ser mediatizada por várias mídias, como rádio, internet, celulares, notebooks, gravações em mp3 etc, torna o seu acesso difuso, mais abundante e fácil.

4.2 Estilos musicais e subjetividade Aline, afirma que os diferentes estilos musicais abarcam e veicularn concepções e representações particulares sobre a subjetividade dos indivíduos. Os diferentes estilos além de constituírem-se como um âmbito de caráter estético e artístico, configuram-se também como dimensão relacionada com a esfera psicológica. A partir daí, de acordo com Aline muitas vezes se estabeleceriam relações entre as representações presentes em determinado estilo musical e o modo de ser de pessoas, isto é, com suas subjetividades. Nesse sentido, retoma-se a interpretação de Ortner (2002), para quem as subjetividades remetem à interioridade dos sujeitos e esta não se separa do pensamento e da reflexão. Desse modo, pessoas com determinadas formas de subjetividade podem se identificar e procurar estilos de música, que representariam, no plano musical, seus

25 sentimentos e suas emoções. Para melhor explicitar sua fala, Aline citou uma música do Legião Urbana, intitulada “Eu era um lobisomem juvenil” (1989), esclarecendo haver traços de sua subjetividade que a identificam com o conteúdo dessa canção. por encontrar nela elementos que se identificam com o seu olhar social e critico, pois diz “gostar de falar da sociedade”. Para demonstrar essa relação segue o seguinte trecho:

Ontem faltou água Anteontem faltou luz Teve torcida gritando Quando a luz voltou Não falo como você fala Mas vejo bem O que você me diz...

Se o mundo é mesmo Parecido com o que vejo Prefiro acreditar No mundo do meu jeito

Aqui neste trecho, mesmo reconhecendo as dificuldades do mundo real: “Ontem faltou água/Anteontem faltou luz”, o eu lírico da canção não abre mão do seu ideal de um mundo melhor: “Se o mundo é mesmo/Parecido com o que vejo/Prefiro acreditar/No mundo do meu jeito, o que pode ter haver com o sentido de crítica social citado por Aline, ou seja a recusa em aceitar as circunstâncias assim como se mostram no meio social e sua disposição em ser um agente transformador. Apesar de Aline ter dito valorizar estes traços de identificação entre ouvinte e gênero musical na formação das preferências musicais pessoais, ela faz uma crítica a pessoas que, em suas palavras, “tentam se enquadrar apenas em um estilo musical” em detrimento de outros. Ela diz considerá-las enquadradas em estereótipos, que tornariam a pessoa limitada em suas escolhas musicais. E embora afirme ter suas preferências pessoais e tenda a dar maior relevância a alguns estilos musicais em relação a outros, diz não ser excludente nesse sentido e que aproveita as contribuições e perspectivas que diferentes estilos lhe oferecem.

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Os entrevistados afirmam ainda que a preferência por determinado estilo musical parece influenciar de alguma maneira o modo de interação entre as pessoas. Alguns deles, como Aline e Breno, por exemplo, assumem que o gosto musical parecido seria inclusive capaz de contribuir para um processo de identificação e favorecer a aproximação entre as pessoas que possuem estes gostos. Além disso, acreditam que a semelhança na preferência musical pode constituir em um elemento a mais no processo de sedução e de seleção de possíveis parceiros afetivo-sexuais. Isso é justificado por eles próprios quando apontaram notar uma relação entre a preferência por estilos musicais e características da subjetividade de parceiros amorosos. A partir daí, pode-se supor que a identificação musical está relacionada a outros tipos de identificação entre as pessoas, favorecendo a formação de alianças afetivas.

4.3 As representações sobre a MPB Com relação ao elemento que mais chama a atenção dos entrevistados em relação às canções, estes apontaram que no caso das canções compostas em português, como no caso das canções aqui investigadas, a letra adquire uma considerável relevância, recebendo por parte dos ouvintes uma crítica e uma avaliação segundo critérios pessoais de identificação. Já no caso das músicas estrangeiras, aspectos como a melodia e o ritmo parecem ser mais relevantes. Notou-se também que as preferências dos estudantes entrevistados compõe-se de gêneros e estilos músicais variados, em que predominam, além da MPB, gêneros como o rock, o sertanejo, estrangeiras e eletrônicas. Em relação a MPB em geral, antes de adentrar no tema especificamente romântico, algumas considerações podem ser feitas levando em conta os apontamentos realizados pelos estudantes entrevistados. A MPB, na maior parte das vezes foi considerada por eles como elemento distintivo da cultura brasileira, apresentando um cabedal de temas e considerações sobre esta cultura que diz muito do povo brasileiro e que segundo Rafael seria dificilmente compreensível ou discernível em contextos externos, como outros países. Assim a MPB, para eles, parece carregar esse sentido de ser um âmbito no qual as grandes questões do povo brasileiro são tematizadas. O fato das canções serem na lingua portuguesa, foi enfatizado como um importante traço de identificação, criando uma identidade entre os brasileiros com uma história em comum e vivências particulares, como a da ditadura militar. É possível encontrar uma

27 correspondência entre essa visão dos estudantes em relação a música popular brasileira e os achados de Martins (2009 citado por Brito 2009) um autor da sociologia que se ocupou em investigar em sua tese de mestrado quais eram as questões mais tratadas nas letras das canções populares. Ele aponta que estas se concentram em cinco temáticas: urbana, étnico-racial, gênero e sexualidade, religiosa e política. Em sua análise das canções ao longo de 50 anos, entre os anos de 1956 e 2005, Martins (2009 citado por Brito 2009) aponta que estas abordaram as transformações e problemas enfrentados pelo Brasil no período assim como também se tornaram mediadoras da construção de uma imagem e identidade brasileiras, o que corresponde ao que os estudantes comentaram ao referir-se a canção popular como veículo cultural e identitário do Brasil. Já ao considerar os aspectos marcantes que caracterizam a MPB esta foi consistentemente relacionada a Bossa Nova, mesmo que esta, históricamente, seja considerada apenas como uma de suas vertentes fundadoras, juntamente com o Tropicalismo e a Jovem Guarda. Dessa maneira à Bossa Nova, com seus arranjos, a maneira de tocar o violão, o dedilhado, as batidas, e os tipos de tonalidade escolhida pelos músicos foi atribuido o caráter de constituir o “padrão ouro” do que se consideraria a MPB por parte dos alunos. A MPB, dessa forma, surgiu nas representações dos estudantes como um importante âmbito da cultura popular e musical brasileira. Camila apontou como exemplo a canção “Garota de Ipanema” como emblemática do imaginário do que seja MPB, pois esta combinaria o ritmo da bossa a uma letra que se refere a mulher brasileira sua sensualidade e singularidade. Os estudantes também parecem ter identificado em seus relatos e pela indicação dos compositores que foram citados por eles o contexto cultural e momento histórico que favoreceram a emergência da Bossa Nova e da MPB. Nesse sentido, pode-se citar a análise de Wisnik (citado por Duarte & Baía, 1997, p. 58, grifo nosso):

De Noel Rosa a Dorival Caymmi, , e o samba canção. Tudo isso dá um salto na bossa nova, que faz uma releitura radical dessa tradição por intermédio de João Gilberto, criando uma nova concepção harmônica que está ligada a Debussy, assim como também ao jazz (por Tom Jobim). Mudam-se as letras das canções, que passam a ser feitas por letristas com alguma formação literária, que leram Drummond, Mário de Andrade, ou como o próprio Vinícius de Morais, que era um poeta de livro que migrou para a canção.

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É nessa linha de interpretação que um dos entrevistados, T.V. também se manifesta: T. V.: [A Bossa Nova] é um ritmo bem brasileiro que caracteriza o Brasil que é bem diferente de outros ritmos, a letra é bem poética e bem voltada a nosso contexto, voltada para nossa cultura, e um popular de qualidade, rebuscado, diferente do sertanejo.

Recorrentemente compositores como Antônio Carlos Jobim, Vinicius de Morais e Chico Buarque foram citados. Também foi possível observar, que alguns dos entrevistados parecem não possuir um conhecimento muito aprofundado dos compositores e intérpretes mais recentes da MPB. Pode-se dizer que os estudantes entrevistados possuem um referencial de MPB mais consolidado em relação a compositores e intérpretes consagrados e até referidos por Breno, uma das entrevistadas, como “totemizados” e menos conhecimento dos compositores mais recentes. Breno diz ainda que isso parece dificultar a divulgação de compositores e intérpretes mais recentes e estes, muitas vezes, tem que recorrer ao apadrinhamento dos mais antigos como meio de se tornarem conhecidos e adquirem alguma relevância. Porém, apesar dessa circunstância, foi possível colher relatos que também reportam-se a compositores pertencentes a momentos mais recentes. Assim, pode-se notar que, na questão do conhecimento e consumo musical dos estudantes entrevistados parece haver uma sobreposição e que esta está predominantemente ancorada no que poderia ser chamado de “clássicos da MPB”. Em relação aos mais recentes, os informantes referem-se a estes, em sua maioria, como filiados ao legado dos compositores considerados clássicos, tanto que muitos de seus atuais trabalhos baseiam-se, como foi possível verificar pelas indicações dos estudantes, em releituras das composições em que canções antigas se combinariam a elementos da contemporaneidade, como sonoridades eletrônicas. Outro ponto também observável nas entrevistas em relação aos compositores é que estes não estão amplamente difundidos na preferência dos estudantes. Foi possível observar por relatos que a relação dos estudantes com as canções e os compositores e interpretes é variável. Temos, com referência a este ponto, alguns casos como o de Breno, que afirma conhecer somente apenas algumas das canções de determinado compositor, relatando desconhecer e até mesmo desconsiderar o conjunto de sua obra sendo, enquanto outros parecem possuir a característica de atrair o interesse

29 do público para seu trabalho como um todo. Como exemplo, pode-se citar o caso da cantora Maria Gadú, uma das cantoras mais frequentemente citadas e que teve um maior número de canções mencionadas. Assim, embora tenha sido possível notar a preferência dos estudantes por uma vertente da MBP, mais especificamente pela Bossa Nova e pela produção musical associada a ela, esta relevância se distribuiu desigualmente entre as diferentes gerações de compositores da MPB. Na preferência dos estudantes estão os compositores considerados clássicos como Chico Buarque, Tom Jobim, Milton Nascimento, Vinicius de Morais etc. Estes foram seguidos em termos de relevância por alguns, que podem ser colocados como “intermediários” considerando-se o seu surgimento temporal na cena musical em meados das décadas de 1980 e 1990 como Nando Reis, Marisa Monte, Ana Carolina, Lenine, e os mais “novos” desta mesma cena, surgidos a partir dos anos 2000 como Marcelo Jeneci, Tulipa Ruiz, Maria Gadú e outros. Notou-se, pelas entrevistas realizadas que os estudantes demonstraram dificuldades em definir claramente o que seria a MPB na atualidade e apresentar outras características relacionadas à ela, além das que foram anteriormente citadas por eles, quando disseram relacionar a MPB à Bossa Nova. Apesar dessas dificuldades, Rafael em seu esforço para definir a MPB avalia-a como uma mistura de diversas tendências e estilos musicais que parece difícil conceber enquanto parte de uma nomenclatura ou categoria únicas. Pode-se observar em seu relato que a MPB também aparece como um âmbito em que elementos musicais de outras culturas são absorvidos e sofrem uma releitura e diferencia-se de estilos também nacionais como o pagode, o sertanejo e o funk.

Rafael: A MPB é aquela coisa toda misturada, assim sabe, então, sei lá, você pode falar que bossa nova é MPB, que o rock progressivo dos Los Hermanos é MPB, você pode falar sabe, que tudo isso é MPB então, pra mim MPB é música brasileira, que não pode ser classificada nesses outros estilos, tipo, rock, sertanejo, pagode, funk.., e acaba sobrando pra MPB. Mais eu não sei uma classificação, assim, de estilo musical, porque é uma porrada de influência, não tem muita diferença(...) não tem quem não defenda que a bossa nova é MPB, mas ao mesmo tempo é bossa nova sabe, sei lá. MPB é meio que isso, não tem uma coisa, é mais é sentir que que é brasileiro.. não ter esse preconceito de juntar um pouco as coisas, aqui a gente não tem o rock progressivo puro, a gente não tem, talvez a música clássica pura é muito difícil de encontrar, o que a gente tem de puro é o que a gente criou sabe, o samba, e essas correntes, chorinho e samba de gafiera, foi o que a gente criou, e o que vem de fora acaba

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tendo muita influência do que o que a gente já tá acostumado assim, então acho que MPB é mais ou menos isso.

Ao analisar a MPB, Wisnik (citado por Duarte & Baía, 1997) afirma que ela teve marcadores históricos e culturais bem definidos em seu inicio, os quais no decorrer do tempo, foram se tornando menos claros e mais difusos o que parece resultar na dificuldade dos estudantes em determinar o que abarcaria o contexto da atual MPB. Pela discussão aqui posta, pode-se observar que parece não haver na atualidade marcadores históricos e culturais claros que permitam definir com clareza o que seja a MPB na atualidade. Porém, mesmo com essa dificuldade em definir o que ela seja e quais cantores ou compositores podem a ela declarar-se filiados, foi possível observar pelos relatos dos estudantes que o que parece dar consistência e validade aos atores como pertencentes à MPB atual é a sua relação com os compositores e cantores antigos e considerados clássicos. Assim, embora tenha sido possível notar que que os conteúdos românticos da música popular brasileira se mantenha na MPB esses conteúdos se ditribuem desigualmente entre as diferentes gerações de compositores da MPB, tendo prevalência aquela constituida pelos clássicos como Chico Buarque, Tom Jobim, Milton Nascimento, Vinicius de Morais. Estes, foram seguidos em termos de relevância por alguns que podem ser colocados como “intermediários” considerando-se o seu surgimento temporal na cena músical, por terem surgido em meados das décadas de 1980 e 1990 do séc. XX como Nando Reis, Marisa Monte, Ana Carolina, Lenine, e os mais “novos” desta mesma cena, surgidos a partir dos anos 2000 como Marcelo Jeneci, Tulipa Ruiz e Maria Gadú.

4.4 Canção e estado de humor Foi unânime entre os informantes afirmarem que a música possui como característica marcante a sua influência sobre os estados de humor de ouvintes que com ela interagem, tendo eles mesmos, se colocado como exemplos de tal influência, pois referiram a situações pessoais em que o seu contato com a música acabou por implicar em mudanças nesse sentido. O conjunto de suas descrições aponta que a audição de músicas e canções em geral possui a particularidade de influenciá-los emocionalmente e afetivamente de diversas maneiras, tanto de maneira considerada por eles como positiva, assim como

31 negativa. Tais relatos confirmam o que Juslin & Lindstrom (2010) afirmam ao comentar que a música é considerada a linguagem das emoções e promotora de mudanças emocionais. Essa característica da música aparece no relato de Amanda quando comenta:

Eu acho que sim, porque, por exemplo, quando, sei lá, você tá triste, tá chateada com alguma coisa, eu pelo menos, eu escuto bastante música quando eu tô triste, e dependendo da música que eu escuto, eu fico, eu melhoro. Assim, dependendo da música eu fico, continuo na mesma, ou fico pior, então, depende muito, eu acho que, eu pelo menos, eu gosto, eu sinto muito as letras das musicas que eu escuto. Sabe, então se, por exemplo, quando eu tô triste eu gosto de ouvir músicas que vão me deixar mais pra cima assim, por exemplo tem uma do Marcelo Jeneci que chama Felicidade, eu acho, e essa música fala..... Então vai ter um lugar, que você vai ser feliz então, agora, tem outra dele que é bem triste assim, que é termino de namoro que você vai tá sozinha no seu quarto. Daí quando eu escuto ela, tô meio brigada com meu namorado, já fico na deprê assim, então, eu acho que influência sim, bastante, dependendo da música eu acho que você pode melhorar o seu humor quanto piorar e acho que tem musica até que, não sei, tem musica que eu escuto da dor de cabeça até sabe, de tanto que eu não gosto de ouvir a música, que até dá um mau estar, dá dor de cabeça, então acho que influencia muito assim, até fisicamente acho que interfere.

Muitos dos participantes afirmaram, inclusive, ser prática comum de seu cotidiano, utilizar desse conhecimento manipulando os conteúdos músicais para atingirem estados emocionais específicos como pode-se observar, por exemplo, no relato de Camila:

Quando eu tô, as vezes com raiva assim, eu ouço alguma coisa mais pesada, como eu falei, quando eu quero me desligar, eu ouço uma clássica, uma MPB. Eu não quero mais ouvir ninguém, eu não quero mais ninguém do meu lado então eu fecho o olho e me concentro nisso, quando eu quero me animar. Eu ouço mais o rock clássico que eu acho que anima, ou o rock normal também, o Red Hot Chilli Pepers ou o nacional também, muito legal, então....

Este relato corrobora os dados da literatura que apontam a música como estratégia de regulação de humor, pois é evidente no relato de Camila o uso do conteúdo músical para esse fim. Também é possível verificar, aprofundando este aspecto da analise que Camila apresenta em seu relato as duas estratégias principais de regulação de humor que Saarikallio (2007, p. 23) situa em seu trabalho, a melhora de humor e o controle de humor. A primeira se refere ao desejo de se sentir bem ou melhor e a segunda está relacionada à necessidade de se obter o auto-controle sobre os próprios

32 sentimentos através da audição de conteúdos musicais. Quando Camila se refere à audição do rock clássico para “se animar” ela parece estar se referindo à estratégia de melhora do humor e quando diz querer se desligar, talvez esteja se referindo ao seu desejo de manter contato e consciência sobre os próprios afetos e sentimentos.

Quando na familia a situação está tensa, eu começo a ouvir música, eu presto atenção na música e o ritmo vai tomando a minha cabeça e você vai começando a esquecer, não é porque ele tem uma coisa mágica, assim, aquilo vai tomando seu pensamento, você vai começando a prestar a atenção sabe e você vai esquecendo as outras coisas, assim, sabe, vai viajando(...) Eu ouço muito pra me desestressar, quando estou em casa sem fazer nada, quando eu falo assim, vou cozinhar ou lavar alguma coisa, lavar louça, não sei.

Essa mudança de humor, porém, como comenta Breno, parece não se dar automáticamente nem de maneira aleatória, dependendo, ao contrário, que determinadas condições sejam satisfeitas para que seu efeito se verifique. Entre as condições citadas está aquela de que a pessoa deve apresentar uma certa predisposição para ser influenciada pela música estando esta pessoa consciente ou não dessa predisposição. Pelos relatos foi possível observar que nem sempre os entrevistados tinham conhecimento ou controle sobre essa influência, tendo sido pegos, algumas vezes, “de surpresa”, por ela. Breno relata essa experiência como um “encontro” com a música, ou seja, um momento singular em que a música alcança algum ponto de sua subjetividade sendo capaz de arrebatar o seu interesse, sua atenção e sua fruição. Assim, como consta de outros relatos, como o de Camila, o uso da música pode criar certo isolamento do ambiente externo, alterar o humor, quando este está deprimido, por exemplo, ou às vezes potencializar e viver mais intensamente um tipo de humor quando há uma identificação deste com o conteúdo da música. Saarikallio (2007, p. 23) além de mencionar os dois principais objetivos da regulação do humor proporcionada pela música, cita a existência de outros sete sub- objetivos associados a esse processo de regulação que são as como estratégias de entretenimento, restauração, sensação forte, distração, catarse, trabalho mental e alívio. A estratégia de entretenimento refeere-se à criação de uma atmosfera agradável e um sentimento de felicidade, a fim de manter ou melhorar o humor positivo atual. A de restauração representaria alcançar renovação pessoal pela música, ou seja, a possibilidade de relaxar e obter nova energia ao se sentir estressado ou cansado. A

33 estratégia da sensação forte remete à intenção de procurar experiências emocionais intensas através da música. A distração significa esquecer os pensamentos e sentimentos indesejados com a ajuda da música agradável. A catarse possibilitaria a abertura emocional, a liberação da raiva ou da tristeza por meio de músicas que expressem essas emoções. Nesse sentido outro elemento citado pelos entrevistados refere-se a algo que já foi comentado anteriormente, ou seja, a relação que alguns dos informantes estabeleceram entre a música e a subjetividade. Segundo comentaram, o tipo de humor prevalente de determinada pessoa poderá ter um peso considerável sobre o tipo de música que esta ouvirá com mais frequência. Por exemplo, uma pessoa mais energética tenderá a ouvir músicas mais alegres, mais rápidas e mais dinâmica, enquanto pessoas de caráter mais reflexivo, tenderiam a ouvir músicas mais calmas e de conteúdo mais elaborado. Porém, algo também marcante nas respostas é o fato de que uma mesma pessoa comumente constuma experimentar diversos estados emocionais e de humor em seu dia-a-dia, e apesar de ter traços mais marcantes e predominantes de humor, tenderá a apresentar uma variação considerável nestes. Schwartz & Fouts (2003 citados por Saarikallio, 2007, p. 25) esclarecem que o maior uso de música na regulação do humor está positivamente correlacionado com uma versatilidade na preferência musical dos ouvintes. Isso apoia a noção de que a regulação de humor tem relação com a habilidade de se ouvir diferentes estilos musicais para diferentes necessidades emocionais. Dessa maneira, pode-se supor que aqueles que mais se utilizam da música como reguladora de humor tenderão a possuir um gosto musical mais variado, abarcando um conteúdo mais amplo em seu cardápio músical, embora neste estejam mais presentes aqueles estilos e gêneros que se aproximem mais dos seus estados de humor prevalentes.

4.5 A música como expressão dos afetos, emoções e sentimentos Em se tratando de músicas românticas, que são o foco principal deste trabalho e mais especificamente daquelas consideradas como sendo da MPB recente, primeiramente que nos ater nas músicas românticas em geral e nos significados atribuídos pelos estudantes a estas para, em seguida, procurar articulá-los ao tema específico desta pesquisa.

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Algo interessante a se comentar nesse sentido, e que já foi explorado anteriormente, é a maneira como parece haver uma forte articulação entre os aspectos involuntários ou incontroláveis do amor, compostos por sensações e sentimentos e o conteúdo musical. A música parece, desta forma, ser um meio privilegiado para a expressão, a tematização desse tipo de conteúdo predominantemente afetivo e passional. Os relatos dos estudantes vão nessa direção quando afirmam que os temas românticos e passionais são aqueles mais frequentemente abordados em canções populares, nas quais a MPB está inclusa. Eles comentaram ser comum em seu dia-a-dia a audição desse gênero de canções, embora reconheçam que existem situações específicas que podem desencadear maior interesse em escutá-las, como, por exemplo, quando estão apaixonados ou vivenciando um relacionamento. Também se referiram ao momento de audição das músicas de conteúdo romântico como um momento específico de recolhimento, em que estabelecem uma interação pessoal e reflexiva com os conteúdos das canções. Pode-se supor, por estes relatos obtidos que haja uma afinidade significativa entre o conteúdo da canção, sonoridade e ritmo e a elaboração de elementos afetivos e emocionais, como o sentimento amoroso, parecendo surgir daí, uma relevante articulação entre os conteúdos da canção e a vivência subjetiva dos estudantes. Aprofundando um pouco mais as considerações sobre os conteúdos presentes nas canções pode-se observar que estes se constituem em uma construção estética e temática que envolve uma intencionalidade criadora em sua composição. Esta pode ser identificada nos termos já apontados por Tatit (1997 citado por Falbo, 2010, p. 121) ao comentar a existência de padrões estéticos utilizados por compositores os quais seriam responsáveis por gerar uma tendência sonora utilizada como apoio à veiculação de determinado conteúdo. Dessa maneira supõe-se haver uma articulação entre sonoridades e letra que devem estar em consonância com um objetivo expressivo, pois, para que uma canção seja caracterizada como romântica, deve possuir elementos que permitam identificá-la dessa maneira. Assim, de acordo com os relatos apresentados pelos estudantes, os elementos que em sua opinião caracterizam as composições de MPB de temática amorosa seriam o caráter reflexivo, poético e idealizado que as canções românticas de MPB possuem. Para eles, a MPB parece tratar da temática afetiva de maneira mais madura, explorando mais a fundo as nuanças e particularidades da vivência romântica,

35 apresentando um leque maior de possibilidades e diversidade que esta vivência pode proporcionar. Em seu aspecto sonoro, nestas canções se destacariam a utilização de linhas melódicas harmônicas e de arranjos mais ricos e elaborados do que em outros estilos que também tratam da temática amorosa. Foi possível observar, dessa forma, que os estudantes possuem uma representação clara do que seja a MPB romântica e quais os componentes que a compõe, afirmando, em sua maioria, possuir uma relação singular com a mesma. Assim, parece que, tanto as músicas mais antigas como as recentes da MPB, mantém sua capacidade de dialogar com a subjetividade dos ouvintes sensibilizando-os e propondo uma maneira singular e atraente, conforme os relatos dos entrevistados, de considerar os conteúdos românticos, afetivos e sexuais em seu impacto afetivo e em suas implicações para a vivência desses universitários, constituindo-se em um dos âmbitos efetivos em que estes expressam, ressignificam e reinventam suas concepções e suas sensibilidades. Essa relação entre a canção enquanto arte e a vivência dos alunos entrevistados pode ser relacionada à expressão de Vladimir Maiakovski quando diz que a arte não é um espelho para refletir o mundo, mas um martelo para forjá-lo, ou seja, estas canções parecem criar um espaço subjetivo de diálogo com as representações socialmente instituídas, constituindo-se em um espaço de elaboração e reinvenção em que estas representações podem ser tematizadas em suas particularidades e nuanças abarcando um leque diversificado da vivência amorosa, com destaque para os seus aspectos afetivos e emocionais e as implicações envolvidas em relação a estes.

4.6 Representações do amor romântico na MPB Entre as respostas dadas pelos informantes, foi interessante notar que alguns deles como Tales e Rafael disseram não serem afetados pelas representações sobre relacionamentos veiculadas por músicas com conteúdos românticos. Muitos deles referiram-se a este aspecto como tendo sido relevante durante um período de suas vidas, ao cabo do qual deixaram de ter o mesmo peso. Inclusive Tales referiu-se a este aspecto dizendo reconhecer, admirar, avaliar e criticar determinadas concepções sobre a vivência amorosa que estariam presentes em algumas canções. Todavia, considera-se como tendo “cabeça feita”, ou seja, como já tendo cristalizadas determinadas representações sobre a vivência amorosa que estariam enraizadas em sua subjetividade a ponto de terem, segundo ele, menos possibilidade de

36 serem questionadas ou alteradas por alguma proposta presente nas canções que venha a ouvir. Não obstante, o mesmo relato de Tales parece confirmar o potencial das canções como favorecedoras de certa “formação emocional”, pois ele admite que elas tiveram influência durante o período de sua adolescência. Isso parece corroborar o estudo de Saarikallio (2007) que afirma que os adolescentes possuem maior suscetibilidade para se envolverem com os conteúdos das canções, gastando um tempo maior em sua audição, assim como tendo uma maior predisposição a serem influenciados por elas. Assim supõe-se que haveria uma influencia das canções nas vivências dos estudantes que se realizaria através da escuta e do envolvimento deles com o conteúdo e representações sobre o afeto presentes nelas. O que seria variável, nesse sentido, seria a disposição deles, enquanto ouvintes, a serem afetados por estas propostas e representações, o que determinaria o maior ou menor grau de influência que poderiam ter sobre suas vivências românticas. Os relatos apontam que a canções românticas tematizam diversos aspectos relacionados à vivência sexual e afetiva como pode ser observado pelo seguinte relato de Rafael:

Não dá pra falar que todas as relações relações amorosas são iguais também né, porque elas são variáveis, mas de certa forma acho que elas [as canções] retratam de alguns aspectos delas. Sei á, o Vinicius se apaixonou por uma Lígia, escreveu Lígia, ai depois o Chico Buarque se apaixonou por uma Carolina e escreveu Carolina sabe(...)

Dessa maneira, uma escuta constante, variada e de longa duração destas canções constituiria para os ouvintes uma “formação” sobre aspectos de relacionamentos e vivências afetivas. Observa-se pelos relatos dos estudantes que o ideal do amor-paixão-romântico ainda possui vitalidade e se encontra impregnado nas canções de conteúdo romântico na MPB tanto em seus períodos anteriores como mais recentes. Resta falar um pouco sobre o surgimento histórico do amor romântico e como este tem se configurado na atualidade. O amor romântico, quando se estabilizou como norma de conduta emocional na Europa, respondeu a anseios de autonomia e felicidade pessoais inequivocamente criativos e enriquecedores. Sua íntima associação a vida privada burguesa o transformou em um elemento de equilíbrio indispensável entre o desejo de felicidade individual e o compromisso com os ideais coletivos. No presente, o cenário mudou. O valor do amor foi hiperinflacionado e sua participação na dinâmica do bem comum chegou quase ao

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ponto zero. E, à medida que refluía aceleradamente para o interior do privado, o romantismo assumia a forma de moeda forte da felicidade junto com o sexo e o consumo.. [...] Podemos, enfim, imaginar que, sem a força dos meios tradicionais de doação de identidade - família, religião, pertencimento político, pertencimento nacional, segurança de trabalho, apreço pela intimidade, regras mais estritas de pudor moral, preconceitos sexuais, códigos mais rígidos de satisfação sensual etc. -, restou aos indivíduos a identidade amorosa, derradeiro abrigo num mundo pobre em Ideais de Eu. Costa (1998, p. 19)

Dentro das considerações de Costa, o surgimento do ideal romântico é apontado como uma solução burguesa criativa, para as demandas da época em ele se constituiu em um elemento de equilíbrio entre o desejo de felicidade individual e o compromisso com os ideais coletivos da sociedade do século XIX. Porém ele aponta para o fato desse equilibrio ter sido desfeito e, dessa forma, hoje estaríamos vivendo um momento de crise dos meios tradicionais de doação de identidades, a família, a religião, o pertencimento político, ou seja, tudo que remete ao coletivo e, em oposição a isso, estaríamos vivenciando um hiperinflacionamento do sentimento amoroso como solução única para a conquista da identidade, satisfação e felicidades pessoais. Dessa maneira, observa-se que um peso enorme recai, nesta perspectiva sobre o amor romântico, sendo o sucesso na realização deste último considerado um fator preponderante para a realização e a felicidade pessoais na atualidade. Como já dito anteriormente, a canção parece se prestar a cumprir essa tarefa de realizar a ritualização dessa vivência, ao se prestar a traduzir aspectos afetivos e culturais relacionados às vivências amorosas. Foi possível observar pela indicação de canções feitas pelos entrevistados que elas seriam procuradas porque proporcionariam a tematização e elaboração de sentimentos amorosos, sobretudo aquelas que tratam de temas como rompimentos e separações. Pelos relatos obtidos, a escuta destas canções trariam algum tipo de alívio e como Breno afirmou teriam um possível efeito catártico. Este ponto também é abordado por Flávia que afirmou que as canções são capazes de “por palavras em sua boca”, ou seja, de expressar aquilo que ela sente. Pode-se considerar ainda que as canções se prestariam ao que Saarikallio (2007) se referiu como a melhora do humor assim como o controle emocional. Dentro do contexto brasileiro e da temática sentimental, dois estilos se destacaram como apresentando maneiras diversas de lidar com essa temática. Além da MPB, segundo estilo músical, o Sertanejo foi frequentemente mencionado por parte dos embora tenha sido objeto de críticas.

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Enquanto a MPB é avaliada por ter caráter reflexivo, poético, idealizado e metaforizado, de maneira mais madura e nuançada, a canção romântica sertaneja costuma tratar a vivência amorosa de maneira mais direta e impulsiva. Estes são alguns dos relatos que apontam essa especificidade da audição das canções da MPB românticas: Amanda: Eu gosto de ouvir em casa, eu acho que eu escuto mais, assim, porque geralmente é o tempo que eu tô mais parada, mais quieta, que dá pra eu parar pra pensar, pra ouvir melhor, pra prestar atenção na música(...) B. T.: Ouço muito no quartinho, quietinho, não ouço andando por aí(...)

Outro aspecto citado em relação a MPB romântica referem-se ao fato desta, na maioria das vezes ser composta em tons menores, evidenciando a sensibilidade dos compositores em relação a um tipo de sonoridade que alcance de maneira mais direta a emocionalidade dos ouvintes, pois como Camila comenta sobre esse ponto, a MPB romântica é um estilo de música que “toca a alma”. Entre os exemplos de músicas que podem ilustrar essa característica temos a música “Falando de Amor” (1980) de Tom Jobim, por Flávia. Se eu pudesse por um dia Esse amor, essa alegria Eu te juro, te daria Se pudesse esse amor todo dia Chega perto, vem sem medo Chega mais meu coração Vem ouvir esse segredo Escondido num choro canção

Os entrevistados consideram o caráter poético e idealizado de muitas das letras que são comparadas a poesias por sua composição e pelo cuidado no arranjo das frases, que podem ser observados no trecho da canção acima em que o amante de maneira poética se propõe a expor suas “juras de amor” a sua escolhida. Galindo (2006, p. 16), ao referir-se sobre este aspecto de poesia atribuido às canções da MPB retoma o caráter de oralidade presente na poesia em sua origem e situa a sua retomada nas canções da MPB atualmente:

Assim é que a poesia nasceu essencialmente voz musicada, na Grécia Antiga, manteve de forma incisiva a preponderância da oralidade durante toda a Idade Média, para depois tornar- se entidade própria e revisitar a musicalidade em períodos vários até encontrar no Simbolismo o berço fértil para um reencontro musical e na MPB um retorno aos cantadores, com os trovadores modernos (Galindo, 2006).

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O conteúdo destas canções, de acordo com os informantes, geralmente retrata um tipo de relacionamento ideal. Para exemplificar este aspecto temos esta fala de Aline: Acho que chega até a ser “romântico”, no sentido utópico, assim né, eu acho que não retrata muito bem, nem o sertanejo né, que é sofrimento, aquela coisa, agora eu vô pega geral.., acho que chega a ser um pouco utópico, mas eu acho que o relacionamento que a gente procura é utópico né, eu acho, um relacionamento que a gente tem quando a gente tá apaixonado reflete muito as músicas, porque apesar de não ser real é o que a gente busca atingir, eu acho, então eu acho que tem haver com o ideal do par romântico

O ideário do Amor romântico segundo Korfmann (2002, p. 84): exige que duas pessoas se amem paralela e mutuamente. O amor correspondente não pode ser forçado, planejado ou implantado via esforço, ele acontece ou não. Com isso, encontra- se constantemente na margem da infelicidade, dispondo assim da oportunidade de celebrar, no clímax do romance romântico, o amor mútuo como milagre e salvação da incerteza absoluta. A espera, o não saber na proximidade da infelicidade, força uma reflexividade elevada e uma vivência intensificada, muitas vezes reforçada pela experiência da distância, que permite uma combinação de auto-reflexão e engagement impossível de ser alcançada no prazer imediato(...) a promessa mais alta do amor romântico é de união absoluta de duas pessoas(...)

Rafael sugeriu a canção “Melodia Sentimental” de Villa Lobos (1957), letrada por Dora Vasconcelos e interpretada por Djavan (2010) para ilustrar esse ideal que seria expresso em canções da MPB: As asas da noite que surgem E correm no espaço profundo Oh, doce amada, desperta Vem dar teu calor ao luar

Quisera saber-te minha Na hora serena e calma A sombra confia ao vento O limite da espera Quando dentro da noite Reclama o teu amor

Acorda, vem olhar a lua Que brilha na noite escura Querida, és linda e meiga Sentir teu amor e sonhar

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Esse ideal de amor romântico, para ser expresso, parece demandar um tipo de linguagem simbólica que difere daquela utilizada na linguagem comum. Na literatura encontramos em Solomon e Higgins (1991 citado por Costa, 1998, p.198) considerações sobre essa característica assumida pelos apaixonados:

(...)a paixão não é inconciliável com o sentido de realidade; simplesmente acrescenta à realidade "valores e perspectivas pessoais". Os apaixonados não "desconhecem" a realidade, eles criam outra realidade, a "realidade amorosa"(...) E, se achamos alguém "bonito, charmoso e desejável", esse julgamento de amor não recorre "a padrões comuns", mas às "regras de realidade" do mundo dos apaixonados. A paixão amorosa cria uma realidade tão real quanto qualquer outra. O fato de não se orientar pelo protocolo do empirismo do tipo científico não torna o amor nem mais nem menos real do que qualquer outra atividade humana.

Podemos observar isso no trecho acima em que há a utilização poética de metáforas e de elementos da natureza nas descrições do sentimento amoroso: “Oh, doce amada, desperta/Vem dar teu calor ao luar”. Este trecho parece revelar a vontade do amante de que sua amada acorde para recebê-lo, pois este parece querer senti-la, sentir seu amor: “Querida, és linda e meiga/Sentir teu amor e sonhar”. Assim parece que estas canções são bem sucedidas em reproduzir uma possível particularidade do sentimento romântico que seria a de proporcionar esse transito entre as esferas imaginária e real, um recebendo e imprimindo suas influências no outro, reciprocamente, afetando a subjetividade dos ouvintes. O relato de Juliana remete a este aspecto: [A canção] traz um elemento do concreto, mas fala da subjetividade, do interior, coisas da realidade cobertas pelo sentimento da poesia, Não é algo fixo, com o tempo pode-se sentir algo diferente em relação a mesma música(...)

Desse modo, a canção romântica abriga determinadas concepções e proposições em relação ao sentimento afetivo, amoroso, e é aberta e dependente da outra parte da relação que é o ouvinte. Assim, uma mesma música pode ter sentidos bem diversos para diferentes pessoas, dependendo de seu envolvimento e vivências pessoais relacionadas a tal canção. Breno e Daniel também afirmaram que a canção de temática amorosa pode se tornar algumas vezes mediadora de flertes e paqueras, servindo para apontar intenções e dar a entender alguns interesses e disposições, uma maneira de se mostrar e de conhecer

41 o outro. Breno diz constantemente utilizar canções para este fim, sendo esta uma de suas maneiras de se aproximar de um possível par romântico: Pra o relacionamento eu acho que ela tem essa função meio utilitarista da música, de troca mesmo, eu te conto uma coisa e você me conta outra, que é a troca de músicas, (...) assim no começo tem essa troca de músicas, pra sedução, pra aproximar da pessoa, no jogo da paquera, ela entra nisso(...)

Nota-se que, ao se referir sobre os diferentes aspectos que compõe a vivência amorosa os participantes afirmaram que um dos temas de maior relevância nas canções de MPB românticas recentes são aqueles que dizem respeito à separação, desilusão e decepção amorosa ou de conflitos entre o par romântico. Aqui estão alguns exemplos de falas que revelam esta circunstância: Daniel – Quando se está vivendo uma desilusão amorosa, acaba-se ouvindo algo que reflete isso de alguma maneira, alguma coisa que fala da desconstrução do amor, que era ilusão, acabou, não rolou(...)

Juliana – Essas relações (amorosas) são conflituosas, dúbias, difíceis de se estar lidando, digerindo(...) A maioria (das canções) trata de maneira meio triste, de relacionamentos que acabaram (...) as letras do Chico que são tristes falam de como é difícil amar e quanto é difícil isso para as pessoas.

Amanda – As músicas falam de situações de crise em que não está tudo bem, ou fala de término (...)

Para ilustrar esse aspecto presente nestes relatos temos a canção “História de Lily Braun” (1982) de Chico Buarque apontada por Camila: Como no cinema Me mandava às vezes Uma rosa e um poema Foco de luz Eu, feito uma gema Me desmilinguindo toda Ao som do blues

Como amar esposa Disse ele que agora Só me amava como esposa Não como star Me amassou as rosas Me queimou as fotos Me beijou no altar

Nunca mais romance Nunca mais cinema Nunca mais drinque no dancing Nunca mais cheese

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Nunca uma espelunca Uma rosa nunca Nunca mais feliz

E Daniel escolheu a canção “Açucar ou Adoçante” (2011) de Cícero Rosa Lins como exemplo ilustrativo da mesma situação:

Entra pra ver como você deixou o lugar E o tempo que levou pra arrumar aquela gaveta Entra pra ver Mas tira o sapato pra entrar cuidado que eu mudei de lugar algumas certezas pra não te magoar Não tem porquê Pra ajudar teu analista: "Desculpa." Mas se você quiser alguém pra amar ainda Hoje não vai dar Não vou estar

No trecho da canção “História de Lily Braun” fica evidente a frustração e a decepção do eu lírico feminino em se deparar com uma realidade muito diferente daquela que idealizou ao se apaixonar por um amante que se mostrava inicialmente com as características de um amante romântico, pois lhe enviava flores, escrevia poemas e depois desconstroi bruscamente essas características. Após o casamento com Lily, seu comportamento se alterou como se evidência nos trechos: “Nunca mais romance/Nunca mais cinema/Uma rosa nunca/Nunca mais feliz”. Esta canção pode remeter ao que foi apontado pelos estudantes quando comentam sobre as diferentes formas de se viver relacionamentos afetivos e que nem sempre o modelo de maior prestígio e aceitação social, que é o casamento, terá um resultado satisfatório para quem o idealiza. No segundo trecho, referente à canção “Açucar ou Adoçante” de Cícero, observa-se a parte em que o amante demonstra sua maneira de lidar com a decepção amorosa: “cuidado que eu mudei de lugar/algumas certezas”. Isto também pode remeter a uma possível desilusão, ou talvez um olhar para os fatos de maneira mais pragmática.

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Esse trecho também pode ser um alerta sobre os perigos da idealização amorosa que pode resultar em decepção no relacionamento afetivo. Outra temática também citada pelos participantes foi a dos amores platônicos, ou seja, amores incertos ou improváveis. Nestas canções é expressa a idealização da mulher amada, a qual adquire atributos que a tornam inacessível ao amante. Temos como exemplo a canção “Beatriz” (1983) de Chico Buarque citada por Rafael:

Se ela dança no sétimo céu Se ela acredita que é outro país E se ela só decora o seu papel E se eu pudesse entrar na sua vida

Olha Será que ela é de louça Será que é de éter Será que é loucura Será que é cenário A casa da atriz

Se ela mora num arranha-céu E se as paredes são feitas de giz E se ela chora num quarto de hotel E se eu pudesse entrar na sua vida

Outra canção “Lígia” (1974), de Chico Buarque, é também citada por Rafael.

Eu nunca sonhei com você Nunca fui ao cinema Não gosto de samba Não vou à Ipanema Não gosto de chuva Nem gosto de sol E quando eu lhe telefonei Desliguei, foi engano. Seu nome eu não sei, Esquecí no piano as bobagens de amor Que eu iria dizer Não, Lígia, Lígia.

Observamos aspectos da idealização da mulher amada e da distância entre ela e o amante em trechos como os seguintes: “Se ela dança no sétimo céu/Se ela acredita que é outro país/Será que ela é de louça/Será que é de éter”. E o desejo platônico do

44 amante: “E se eu pudesse entrar na sua vida”, já que ele conhece a interdição do objeto amado. O tema das saudade, recorrente na MPB, é comentado por Gustavo: Saudade é um tema que tem me balançado bastante também viu, tenho ouvido muitas músicas que falam sobre saudade, principalmente do Vinicius né, é(...), bastante assim(...), até porque diz respeito a um estado meu no momento, da amada estar longe, assim, em outra cidade(...).

Ele indicou como exemplo de canção de Vinicius de Morais sobre a saudade a canção “Onde Anda Você” (1972): E por falar em saudade Onde anda você Onde andam os seus olhos Que a gente não vê Onde anda esse corpo Que me deixou morto De tanto prazer

Nessa canção observa-se o sentimento de angústia causada no eu lirico pela ausência da amada: “Onde anda você/Onde andam os seus olhos/Que a gente não vê/Onde anda esse corpo/Que me deixou morto/De tanto prazer. Também surgiu nos relatos referência às sensações e a sentimentos relacionados ao momento do apaixonamento, o sentimento de novidade, energia e alegria que envolve esse tipo de experiência, como citado por Daniel: “elas (as canções) falam da construção do amor, de algo que está começando, da descoberta do outro”. A seguinte canção “Feliz pra Cachorro” (2012) do 5 a seco foi apontada por Daniel como exemplo: Pensa num cara que anda feliz Pra cachorro Mas pensa assim num cachorro Pra lá de feliz Desde que te vi, que o chão não Tem fundo, que o céu não tem forro Cantarolo e morro de rir Todo feliz como um gol numa Copa do mundo No fim do segundo tempo da Prorrogação Desde que te vi é farra pra tudo Tem funk no morro do fundo do Meu coração

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Esse trecho evidência as mudanças de humor assim como de percepção que ocorrem durante o processo de apaixonamento. Assim percebe-se a euforia do eu lírico com a perspectiva de uma possível nova relação: “Pensa num cara que anda feliz/Pra cachorro”, assim como a energia que acompanha esse sentimento: “Cantarolo e morro de rir/Tem funk no morro do fundo do/Meu coração. Em se tratando das mudanças na percepção causadas pelo sentimento amoroso temos: “Desde que te vi, que o chão não/ Tem fundo, que o céu não tem forro” Também foram comentadas por Rafael e Amanda as peripécias de um sentimento mais duradouro e constante, referentes a um relacionamento mais estável, apresentando alguns dos elementos que envolvem esse tipo de vivência, as dores, as alegrias compartilhadas, a perspectiva dos envolvidos, as impressões e a significação que cada um adquire para o outro: Exemplo desses sentimentos é a canção “Valsinha” (1970), de Chico Buarque:

Um dia ele chegou tão diferente Do seu jeito de sempre chegar Olhou-a de um jeito muito mais quente Do que sempre costumava olhar E não maldisse a vida tanto Quanto era seu jeito de sempre falar E nem deixou-a só num canto Pra seu grande espanto, convidou-a pra rodar

E então ela se fez bonita Como há muito tempo não queria ousar Com seu vestido decotado

Cheirando a guardado de tanto esperar Depois os dois deram-se os braços Como há muito tempo não se usava dar E cheios de ternura e graça Foram para a praça e começaram a se abraçar

Nesta canção observa-se que o narrador em terceira pessoa dá destaque para o sentimento feminino, chamando a atenção para os efeitos de desinteresse afetivo que a rotina nos relacionamentos pode causar e como esta foi quebrada por uma mudança de disposição do amante dessa mulher que: “Um dia ele chegou tão diferente/Do seu jeito de sempre chegar/Olhou-a de um jeito muito mais quente/ convidou-a pra rodar. Essa mudança teria a capacidade de recriar e reencantar um relacionamento que estava

46 apático, na mesmice: “Depois os dois deram-se os braços/Como há muito tempo não se usava dar/E cheios de ternura e graça/ Foram para a praça e começaram a se abraçar. Os estudantes relatam também possuirem a percepção de que a canção de MPB romântica, em contraposição a outros estilos musicais, abordaria o tema romântico enfatizando os aspectos de um sentimento considerado por eles mais autêntico, mais verdadeiro, como pode-se verificar através dos seguintes relatos: Camila – quando fala de um amor verdadeiro, de um amor pra vida inteira, não sei, tem músicas que falam, não lembro de uma mas sempre tem, parece que o amor é eterno assim.., quando o amor é assim, tratado dessa maneira(...)

Juliana – trata do amor de uma maneira mais ampla e mais autêntica, o sentimento parece que é mais autêntico também(...)

Rafael – pra mim, pra minha história de vida é algo mais real sabe, mais praticável, mais fixo, mais duradouro, sabe, pra mim tem essa cara(...)

5. CONSIDERAÇÕES FINAIS Conforme explicitado na apresentação dos eixos temáticos feita acima, esclarece-se que, conjuntamente ao tema a que mais específicamente se refere este trabalho, fez-se necessário também abordar outros aspectos mais gerais relacionados a música e a audição que desta é feita pelos jovens universitários entrevistados. Pretendeu-se, a partir dessa abordagem mais ampla, compor um quadro empírico no qual fosse possível situar a audição de canções da música popular brasileira recente ou não que tratam de temas amorosos e de relacionamentos de modo a aprofundar nas repercussões relacionadas à estas e suas concepções sobre amor e relacionamentos nas vivências amorosas dos jovens entrevistados. Dessa maneira, foi possível observar que as canções em geral, nomeadamente as que aqui foram objeto de investigação, se prestam a diversos usos no cotidiano dos estudantes entrevistados, como o de entretenimento e relaxamento, para a regulação do humor e para ordenar a expressão de afetos. Tais canções também foram mencionadas como elemento presente na construção de suas subjetividades. O aspecto que sobressaiu-se nas análises feitas pelos estudantes acerca do modo como os relacionamentos são tratados nas canções, ou seja, a contraposição entre emoções passageiras, “do momento” e o caráter de expressão de sentimentos mais duradouros e profundos, que foi atribuido às canções de MPB românticas será abordado mais particularmente nesta parte final. Essa contraposição pode ser comparada, por

47 analogia, à distinção feita por Wisnick (citado por Duarte & Baía, 1997, p. 6) entre a música de entretenimento e a artística:

Não temos nenhum critério para definir de antemão a fronteira entre a música de entretenimento e a artística. Diria que a música de entretenimento é aquela que tem uma função basicamente passageira; ela distrai, dá prazer num determinado momento e, uma vez usada, cumpre sua função e é esquecida, dando lugar a outra. Fica só uma memória residual com uma conotação de época, digamos um folclore de época. Já a música artística é aquela que, ao contrário, transcende à época, permanece na memória coletiva como algo que continua a fazer sentido. Nas manifestações da linguagem humana existem aquelas que se limitam a uma função imediata e que uma vez usadas são dejetadas. E existem aquelas que ficam guardadas, porque têm a capacidade de ultrapassar a sua função imediata. É o fato de elas terem algo que não se gasta com a mesma facilidade que lhes dá um valor diferente. Podemos dizer que na música brasileira há uma memória viva de canções que todo mundo conhece e que atravessam décadas e continuam a falar para a gente. Essas canções não são mero entretenimento, embora tenham sido feitas para isso. São dotadas de um valor poético, musical, que continua a interessar como forma de interpretação da realidade, objetos de consumo não inteiramente identificados, isto é, nunca inteiramente consumíveis, portando a contradição de serem passageiros e duradouros. O tempo vai dizer do alcance deles, e também do alcance de músicas consideradas “elevadas”.

É interessante notar a semelhança entre as características atribuidas por Wisnick (1992) à canção considerada por ele como obra de arte e ao sentimento amoroso tal como ele é expresso, segundo as percepções dos estudantes, nas canções da MPB. No quadro a seguir é feita esta comparação:

WISNIK – OBRA DE ARTE ESTUDANTES – SENTIMENTO AMOROSO Transcende a época Fixo Continua a fazer sentido Para a vida inteira Duradouro Duradouro Ultrapassa a sua função imediata Verdadeiro Não se gasta com a mesma facilidade Autêntico Valor poético Real

Tabela comparativa entre as características atríbuídas por Wisnick à canção como obra de arte e as características atribuídas pelos estudantes ao sentimento amoroso.

Pode-se observar por este quadro que a idéia de que o sentimento amoroso, assim como a arte, adquiririam seu valor e legitimidade ao persistirem no tempo, em contraposição ao caráter de entretenimento passageiro que certos relacionamentos e

48 canções em certos estilos musicais podem adquirir. Dessa forma tanto a arte como o amor adquiririam sua validade através de sua duração no tempo, pois, nesta perspectiva, seriam valorizadas aquelas características que concedessem a canção enquanto arte e ao sentimento amoroso a propensão a resistir ao tempo, ou seja, de continuar a dizer alguma coisa, de manter o diálogo subjetivo com seus interlocutores apesar do tempo. Parece, dessa forma, haver uma correspondência entre o formato e o conteúdo afetivo veiculado pelas canções, pois no caso das canções de entretenimento, segundo esta perspectiva, se sobressairiam o caráter utilitário das relações, dos envolvimentos breves enquanto no caso das canções consideradas como artísticas a riqueza das nuanças e particularidades da vivência romântica e as particularidades dos relacionamentos mais estáveis seriam valorizados. A canção “Eu sei que vou te amar” (1958) de Antônio Carlos Jobim e Vinícius De Moraes a qual pode igualmente ilustrar essa correspondência entre o sentimento amoroso e a arte: Eu sei que vou te amar Por toda a minha vida eu vou te amar Em cada despedida eu vou te amar Desesperadamente, eu sei que vou te amar

E cada verso meu será Pra te dizer que eu sei que vou te amar Por toda minha vida

Eu sei que vou chorar A cada ausência tua eu vou chorar Mas cada volta tua há de apagar O que esta ausência tua me causou

Eu sei que vou sofrer a eterna desventura de viver A espera de viver ao lado teu Por toda a minha vida

Em relação a suas vivências pessoais a maioria dos informantes se mostrou reservada, não comentando em profundidade suas experiências pessoais porém, relataram as implicações que tiram dessas vivências. Ao serem questionados sobre suas concepções de relacionamentos e sobre o “ficar”, namorar e casar obteve-se respostas divergentes. Os informantes relataram em sua maioria considerar estas como formas distintas de se relacionar, não estando uma necessáriamente subordinada a outra ou como etapa para se chegar a outra.

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Comentaram que consideram ser positivo o fato de atualmente haver um maior leque de possibilidades de relacionar-se com um par afetivo dado que estas formas permitem uma melhor adequação aos sentimentos e interesses pessoais. E embora haja a concepção dominante do casamento como modelo ideal de relacionamento, este vem perdendo espaço e sendo substituído por outras maneiras de convivência amorosa também consideradas válidas por eles. Em sua maioria relataram preferir relacionamentos mais estáveis e duradouros, porém reconhecendo que circunstancialmente podem vivenciar sua afetividade de outras maneiras. Estas considerações estão em consonância com mudanças no conjunto da vida social e amorosa dos jovens e que encontram expressão em algumas canções românticas da MPB.

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8. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

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APÊNDICE A – Roteiro de Entrevista

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Dados gerais: Idade: Sexo: Você está matriculada (o) em que ano do curso de psicologia?

Questões:

Qual é o papel que a música costuma ocupar no seu dia-a-dia? Quais são seus estilos musicais preferidos? Esclarecer os motivos da preferência. Em que momentos específicos você costuma ouvir música? Você tem alguma preferência em ouvir música ao vivo ou através de gravações? Por que? Você identifica alguma diferença entre essas duas modalidades? Quais diferenças você nota? Quais são os dispositivos que você utiliza quando não está ouvindo música ao vivo (celular, notebook, mp3, Ipod )? Você costuma assistir shows musicais? Quais são os que mais a(o) agradam? Por que? Com que frequência você assiste esses espetáculos? Quando você ouve música, quais são os elementos que costumam chamar a sua atenção (letra, melodia, arranjo, ritmo)? O que é MPB (Música Popular Brasileira) para você? Você acha que as suas preferencias e gostos musicais são influenciados pelas pessoas com quem convive, na universidade, por exemplo? Qual é a relevância que a MPB possui em suas preferências musicais e na de seu grupo de amigos respectivamente? Quais outros estilos musicais você ouve quando esta só e quando esta em seu grupo de pares? Qual, na sua opinião é o estilo de maior preferencia em seu grupo? Qual é o estilo de maior preferencia entre os alunos da universidade de modo geral? Qual o predominante entre os alunos da psicologia? O que, na sua opinião, diferencia a MPB dos outros estilos musicais que você ouve? Você acredita que a música pode influenciar no humor e no modo de sentir e agir das pessoas? Se sim, de que maneira(s)?

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Você considera que seus estados de humor podem influenciar nas suas preferências musicais? Você costuma dar algum tipo de preferência para as que tratam de aspectos românticos e de relacionamentos amorosos? Você acha que as músicas consideradas românticas e mais especificamente as da MPB recente podem ter algum tipo de influência sobre suas vivências amorosas? Se sim, que tipo de influência é essa? Existe um motivo específico para você ouvir músicas que tratem desse tema? Existem locais, momentos ou situações que você acha mais favoráveis para ouvir esse tipo de música? Você consegue notar diferenças no modo como são tratados os relacionamentos amorosos nas canções da MPB em relação ao modo como são tratados em outros estilos musicais que você ouve? Você considera que essas músicas retratem verdadeiramente o que ocorre nas relações amorosas? (no caso afirmativo, se possível, dar exemplos de músicas que você considera que mais a(o) sensibilizam) Você sabe quem é(são) o compositor(es) dessa canção? Você sabe quem é o interprete dessa canção? Quais aspectos te chamam mais a atenção em letras de musicas de mpb românticas? Quais os músicos, cantores, ou compositores atuais de MPB você conhece e costuma ouvir? Quais deles você mais gosta de ouvir quando se trata da temática amor? Com que frequência e em que situações você costuma ouvi-los? Qual é o tema/assunto afetivo/romântico/sexual que marca você de maneira mais forte quando ouve essas músicas? Você tem namorada(o)? Caso a resposta seja afirmativa, há quanto tempo, como se conheceram, como é a relação com ela(e)? Se tem namorado(a), que tipo de música você gosta de ouvir quando está com seu(sua) namorada(o)? Você pode explicar o que aprecia nessas músicas? O que você considera fundamental para um relacionamento afetivo? Qual a sua opinião sobre o “ficar”? Já viveu essa experiência? Como foi?

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Que imagem você tem das(os) mulheres (homens) atualmente? Elas (eles) são diferentes de antigamente? Caso sim, por que? O que você acha que contribuiu para essas mudanças? Caso não, por que? O que mais agrada você em um(um) mulher (homem)? O que mais a(o) desagrada? O que você espera encontrar em uma (um) companheira(o)? Existem alguns aspectos que não foram questionados ou não aprofundados que você gostaria de comentar sobre as letras de músicas românticas?

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APÊNDICE B – Termo de Consentimento Livre e Esclarecido

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TERMO DE CONSENTIMENTO LIVRE E ESCLARECIDO

Meu nome é Paulo Vinicius Bachette Alves Viana, RG 33.166.495-1, sou aluno de graduação do curso de Psicologia da Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras de Ribeirão Preto da Universidade de São Paulo (USP). Sob orientação do Prof. Dr. Geraldo Romanelli estou realizando a pesquisa “Representações sobre as relações amorosas em canções atuais da música popular brasileira” e para isso estou entrevistando jovens universitários de ambos os sexos com idade entre 18 e 24 anos Você está sendo convidado(a) a participar como voluntário(a) dessa pesquisa que tem como objetivo investigar as representações sobre relações amorosas em letras de canções da música popular brasileira (MPB) atual voltadas geralmente para um público urbano, jovem e oriundo das camadas médias e paralelamente investigar como universitários apreendem e interpretam o conteúdo dessas letras na vivência de seus relacionamentos amorosos. Ao considerar a carência de trabalhos existentes na literatura que abordem as relações entre a música popular brasileira recente e as representações de amor que são veiculadas através delas percebe-se que o projeto aqui apresentado contribuiria para o aumento de conhecimento científico sobre a área investigada. A entrevista terá duração aproximada de uma hora e poderá ser realizada no local de moradia do(a) participante, ou outros locais sugeridos por ele(a), desde que o pesquisador avalie que estejam em condições que garantam privacidade para sua realização. Caso esteja de acordo, você irá responder a algumas perguntas e suas repostas serão gravadas para garantir veracidade das informações coletadas pelo pesquisador. O material com a gravação das entrevistas será mantido até o término da execução da pesquisa e após isso será destruído para garantir a privacidade da íntegra das informações. Você terá o total direito de se recusar a responder qualquer pergunta que lhe for feita e de interromper a entrevista em qualquer momento sem o risco de qualquer prejuízo. Você não terá nenhum gasto decorrente da sua participação na realização da entrevista e não receberá qualquer espécie de benefício, pagamento ou reembolso pela participação na pesquisa. É garantida a sua privacidade quanto aos dados confidenciais envolvidos na entrevista. Serão divulgados somente dados diretamente relacionados aos objetivos da

60 pesquisa. O resultado final da pesquisa será divulgado em seminários, congressos e publicações locais e nacionais; entretanto, a sua identidade será mantida em sigilo. Caso você concorde em participar, favor assinar este documento. A sua participação não é obrigatória e, a qualquer momento, poderá desistir de participar, retirando o consentimento emitido por você, e isso não lhe causará nenhum prejuízo. Você receberá uma cópia deste Termo de Consentimento, podendo tirar dúvidas acerca do projeto e da sua participação, entrando em contato comigo pelo telefone (16) 9352-4549, ou ainda através de meu endereço Rua Pedreira de Freitas, s/n, Ribeirão Preto-SP. Pesquisador responsável: Paulo Vinicius Bachette Alves Viana Assinatura: ______

Eu, ______, RG ______, concordo em participar voluntariamente deste estudo. Declaro que li as informações contidas neste documento e fui devidamente informado(a) pelo pesquisador dos procedimentos que serão utilizados, da confidencialidade da pesquisa, concordando em participar. Foi-me garantido que poderei retirar a qualquer momento este consentimento por mim emitido, sem que isto acarrete qualquer penalidade. Declaro ainda que recebi uma cópia deste Termo de Consentimento.

Local e data:

Nome do participante:

Assinatura: ______

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ANEXO A – Parecer de Aprovação do Comitê

de Ética

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PARECER CONSUBSTANCIADO DO CEP

DADOS DO PROJETO DE PESQUISA

Título da Pesquisa: REPRESENTAÇÕES SOBRE AS RELAÇÕES AMOROSAS EM CANÇÕES ATUAIS DA MÚSICA POPULAR BRASILEIRA Pesquisador: Geraldo Romanelli Área Temática: Versão: 2 CAAE: 17530213.9.0000.5407 Instituição Proponente: Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras de Ribeirão Preto- USP Patrocinador Principal: FUNDACAO DE AMPARO A PESQUISA DO ESTADO DE SAO PAULO

DADOS DO PARECER

Número do Parecer: 351.090 Data da Relatoria: 01/08/2013

Apresentação do Projeto: Ver 1º parecer do colegiado.

Objetivo da Pesquisa: Ver 1º parecer do colegiado.

Avaliação dos Riscos e Benefícios: Ver 1º parecer do colegiado.

Comentários e Considerações sobre a Pesquisa: Ver 1º parecer do colegiado.

Considerações sobre os Termos de apresentação obrigatória: Ver 1º parecer do colegiado.

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Recomendações: Não há.

Conclusões ou Pendências e Lista de Inadequações: Todas as pendências foram atendidas pelo pesquisador.

Situação do Parecer: Aprovado

Necessita Apreciação da CONEP: Não

Considerações Finais a critério do CEP: O projeto encontra-se APROVADO para execução. Pedimos atenção aos seguintes itens: 1) De acordo com a Resolução CNS n.º 466/2012, o pesquisador deverá apresentar relatórios semestrais (parciais e final, em função da duração da pesquisa). 2) Eventuais emendas (modificações) ao protocolo devem ser apresentadas, com justificativa, ao CEP de forma clara e sucinta, identificando a parte do protocolo a ser modificada; 3) Sobre o TCLE: caso o termo tenha DUAS páginas ou mais, lembramos que no momento da sua assinatura, tanto o participante da pesquisa (ou seu representante legal) quanto o pesquisador responsável deverão RUBRICAR todas as folhas, colocando as assinaturas na última página.

RIBEIRAO PRETO, 06 de Agosto de 2013

______Assinador por: Andréia Schmidt (Coordenador)

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