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Taís de F. Saldanha Iensen

TRABALHO FINAL DE GRADUAÇÃO II

O SEGREDO DE VICTORIA: UM ESTUDO SOBRE AS ESTRATÉGIAS PUBLICITÁRIAS EVIDENTES NO VICTORIA’S SECRETS FASHION SHOW

Santa Maria, RS

2014/1

Taís de F. Saldanha Iensen

O SEGREDO DE VICTORIA: UM ESTUDO SOBRE AS ESTRATÉGIAS PUBLICITÁRIAS EVIDENTES NO VICTORIA’S SECRETS FASHION SHOW

Trabalho Final de Graduação II (TFG II) apresentado ao Curso de Publicidade e Propaganda, Área de Ciências Sociais, do Centro Universitário Franciscano – Unifra, como requisito para conclusão de curso.

Orientadora: Prof.ª Me. Morgana Hamester

Santa Maria, RS

2014/1

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Taís de F. Saldanha Iensen

O SEGREDO DE VICTORIA: UM ESTUDO SOBRE AS ESTRATÉGIAS PUBLICITÁRIAS EVIDENTES NO VICTORIA’S SECRETS FASHION SHOW

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Profª Me. Morgana Hamester (UNIFRA)

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Prof Me. Carlos Alberto Badke (UNIFRA)

______

Profª Claudia Souto (UNIFRA)

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AGRADECIMENTOS

Inicialmente gostaria de agradecer aos meus pais por terem me proporcionado todas as chances possíveis e impossíveis para que eu tivesse acesso ao ensino superior que eles nunca tiveram, meus irmãos por terem me aguentado e me ajudado durante esse tempo, meus tios e tias, que da mesma forma que meus pais, sempre me incentivaram a estudar, meus avós que sempre me ajudarem nos momentos difíceis com sua sabedoria e experiência. Gostaria também de agradecer em especial à tia Edi, minha dinda, minha madrinha de coração que junto com meus pais, sempre me deu todo tipo de apoio para que eu não desistisse, mesmo nos momentos mais difíceis.

Meu amigo Rafa que me deu a ideia do tema e ter me ajudado até a finalização do mesmo. João por ter me dado o apoio moral e alguns (muitos) abrigos necessários durante toda a graduação. Ana Carolina, Marci, Emy, Luiza por terem sido meu grupo desde o início até o fim da faculdade. A todos meus amigos da “Turma Palha”, a minha turma com quem eu passei os últimos quatro anos.

Meu melhor amigo Felipe, que mesmo a 900 km de distância continua sendo meu apoio em todas as horas. Minhas amigas de infância Adri, Gabi, Gi e Carine que estão comigo desde o ensino fundamental e médio. Vivi, Gabro, Pedro, Caroline e Gustavo que alegraram consideravelmente meu último ano.

Minha orientadora Morgana por ter me guiado nesse trabalho e me aguentado durante esse tempo e não ter deixado eu desistir. Sou muito grata a ti e não acho que conseguiria expressar aqui em palavras. Obrigada por tudo mesmo.

Agradeço também à UNIFRA por ter me proporcionado a possibilidade de me concluir minha graduação sendo bolsista, caso contrário, não seria possível.

A todos que de alguma forma me ajudaram e fizeram parte da minha vida nesses últimos 4 anos e meio, meu muito obrigada. De coração!

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RESUMO

A presente pesquisa norteia-se pelo objetivo de entender e analisar as estratégias publicitárias presentes no Victoria’s Secrets Fashion Show, através de uma metodologia de natureza qualitativa e do mesmo modo, contribui com o campo de Ciências Sociais, pensando sob a perspectiva do impacto nas relações humanas, a partir de fenômenos como a mídia, publicidade e moda.

Palavras-chave: publicidade, Victoria Secrets, Victoria’s Secrets Fashion Show, moda, show, espetáculo.

ABSTRACT

This research is guided by the objective to understand and analyze advertising strategies present in Victoria's Secrets Fashion Show, through a methodology of qualitative and likewise contributes to the field of Social Sciences, thinking from the perspective of impact on relations human, from phenomena such as media, advertising and fashion.

Keywords: advertising, Victoria Secrets, Victoria's Secrets Fashion Show, fashion, show, spectacle.

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SUMÁRIO

1 INTRODUÇÃO ...... 7 2 REFERENCIAL TEÓRICO ...... 13 2.1 PUBLICIDADE E SOCIEDADE ...... 13 2.2 A MARCA COMO ESTRATÉGIA PARA A PUBLICIDADE ...... 18 2.3 AS IMAGENS NOS FILMES PUBLICITÁRIOS ...... 21 3 METODOLOGIA ...... 24 3.1 NATUREZA E TÉCNICA DA PESQUISA ...... 24 3.2 OBJETO EMPÍRICO E CORPUS DA PESQUISA ...... 29 4 RESULTADO E DISCUSSÃO DE DADOS ...... 33 5 CONSIDERAÇÕES FINAIS ...... 45 6 REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS ...... 46 7 ANEXO I – HISTÓRIA DA LINGERIE ...... 48

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1 INTRODUÇÃO

Devido ao evidente e contínuo crescimento do consumo em nossa sociedade, as marcas têm cada vez mais pensado em estratégias inovadoras para atrair a atenção do consumidor. Não estamos mais na era onde as pessoas simplesmente assistiam a um comercial na televisão e iam à loja efetuar a compra. Não é mais possível que se pense no consumidor apenas como receptor da mensagem, ele quer ser participante, quer receber conteúdo diferenciado. Ele espera ser impactado por um conteúdo que realmente tenha a ver com as suas características pessoais.

Nesse cenário, a Victoria Secrets criou um “megaevento” de glamour e luxo, o Victoria’s Secrets Fashion Show. Trata-se de um grande evento promovido pela marca de lingerie Victoria Secrets, que é realizado com o objetivo de midiatizar todo o seu imaginário de exuberância enquanto objeto de desejo. O show objetiva-se em ser um grande espetáculo e para isso, conta com a presença de elementos imponentes como a presença de todas as modelos da marca, as chamadas “Angels”, 1que são consideradas o símbolo da marca. Durante o show, as Angels desfilam diversos artefatos grandiosos, jóias, peças íntimas e pedras preciosas. O luxo e o glamour são características evidentes e que não passam despercebidas em momento algum. Também é notado que as peças são apresentadas por grau de importância, logo, as peças de maior destaque, são desfiladas pelas modelos de maior destaque da marca. A teatralidade está presente de modo evidente no show e uma das formas de enaltecer tal característica, é o fato de que todas as peças apresentadas no desfile são muito mais elaboradas do que as que

1 São assim nominadas as modelos que desfilam as lingeries e participam das campanhas da marca, tornando-se verdadeiros símbolos de imagem da marca, especialmente porque em 1998, as modelos , , , e foram as primeiras a subir à passarela usando asas de anjos (Fonte: wikipedia http://pt.wikipedia.org/wiki/Victoria's_Secret). 7

realmente irão ser vendidas nas lojas. O show expõe a temática da nova coleção, mas as peças apresentadas durante o desfile não são comercializadas, são produzidas exclusivamente para o evento e tais peças são produzidas à mão por artesões especiais. Cada peça chega a passar por até 15 pessoas até ser finalizada, trata-se de um trabalho extremamente exclusivo para o Show. O evento conta com a participação de cantores famoso que estão em destaque na mídia no presente ano e também os que tem identificação com a proposta da marca.

Um dos fatores fundamentais para a escolha do presente tema, se dá pelo interesse pessoal por tudo que cerca a temática da moda e querer saber mais a fundo sobre a marca Victoria Secrets. Cada vez mais, é possível perceber que as pessoas estão atentas e conectadas sobre as tendências do mundo fashion e, na mesma proporção, também é possível perceber que não há quem não se importe com a moda, seja para estar “bem apresentado” e adequado perante determinado grupo ao qual pertença, ou para se sentir bem consigo mesmo. As pessoas gostam de estar bem vestidas, usando roupas, acessórios, sapatos, maquiagem que as façam se sentirem mais bonitas e também que as outras pessoas também as percebam assim. Pode-se dizer que a moda é democrática, para além das grandes marcas de , Milão e Nova York, de modo que existem vertentes, no que se refere às práticas, aos usos e aos modos de vestir, que são diversos e riquíssimos em todo mundo e isso faz com que, de alguma forma, uma grande maioria de pessoas, possam usufruir da moda. Esse é o grande fascínio a respeito deste tema, o poder que a moda tem de ser tão única e exclusiva em alguns casos e tão abrangente em outros.

Neste contexto, a marca Victoria Secrets pode ser observada por trabalhar com os desejos, anseios e necessidades. Por exemplo, é uma marca de lingeries sofisticadas e de alto valor (financeiro e simbólico) e nesse caso tem como público-alvo, mulheres de com um poder aquisitivo alto, mas conseguiu difundir a marca no mundo e criar diversos segmentos de produtos no ramo da beleza, como cremes hidratantes, perfumes, loções, entre outros. Assim, de algum modo, as mulheres que não têm o poder aquisitivo para adquirirem as lingeries Victoria Secrets, também podem se sentir inclusas à marca por meio desses produtos mais acessíveis. É interessante analisar esse tipo de convergência que a marca conseguiu estabelecer para atingir a diversos públicos, mas sem perder sua essência de glamour e sofisticação. É justamente isso que faz com que ela seja objeto de desejo de mulheres no mundo todo. E para que esta “manobra” 8

aconteça, é inegável o papel da mídia, e, em especial, da publicidade, no que concerne à promoção, divulgação e distribuição da própria marca. As Angels, modelos da marca, não só protagonizam o Victoria’s Secrets Fashion Show, mas também (e diga-se de passagem, principalmente) são os rostos da marca durante todo o ano e estampam seus grandiosos e, por vezes, ousados comercias pelo mundo afora. A Victoria Secrets investe muito em seus comerciais e a cada ano os mesmos ficam mais elaborados e sexys.

Neste viés, a criação do Victoria’s Secrets Fashion Show e sua gradual promoção que o levou a se tornar um megaevento, transmitido nos Estados Unidos pela televisão e também disponibilizado na internet para internautas do mundo inteiro, pode simbolizar a influência dos processos de midiatização das marcas publicitárias. Com isso, existe o interesse em entender de quais as estratégias publicitárias a marca Victoria Secrets se utiliza para divulgar o Victoria’s Secrets Fashion Show apresentado em um grande circuito midiático e que pode ser comparado a outros eventos como o Oscar, Grammys e Globo de Ouro. Existem outras marcas de lingeries caras, mas que não têm a mesma projeção da Victoria Secrets, por exemplo, Jogê, Luxo Zaza, Fruit de la Passion, dentre outras, são marcas do inverso da lingerie feminina se, por um lado, aderem, visivelmente, a algumas das estratégias da Victoria Secrets; por outro, não apresentam a mesma projeção midiática visível com o Victoria’s Sscrets Fashion Show.

Neste sentido, a Victoria Secrets, especialmente o show, chama atenção por trabalhar conexões com a teatralidade, a ilusão dos cenários, uma certa interpretação e um jogo lúdico e sedutor, combinado às estratégias discursivas e publicitárias da própria marca. Ao observar como se comportam outras marcas de lingerie que possam vir a disputar o mesmo nicho de mercado que a Victoria Secrets, é possível perceber que elas não têm o mesmo posicionamento de espetacularizar seus produtos, no sentido de apresenta-los para um grande público, mas é bem visível que todas exploram muito bem a sensualidade como ponto principal, como a Fruit de La Passion, por exemplo.

Sobre a Victoria Secrets, alguns estudos foram encontrados, especialmente no âmbito das reflexões sobre a marca publicitária, como Palmeira (2012), que trabalhou abordagens antropológicas em torno do consumo, da mídia e das subjetividades, também abordando o que significa a lingerie para a mulher, trazendo como referência Baudrillard (1995) citando a sociedade do consumo, os desejos, projetos, paixões e

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relações que se materializam em signos e objetos a serem comprados e consumidos. também serviu de base para que a presente pesquisa pudesse ser executada, a partir de um novo ponto de vista sobre o Victoria’s Secrets Fashion Show

Neste contexto, o problema de pesquisa deste trabalho final de graduação é: Como o Victoria’s Secrets Fashion Show apresenta estratégias publicitárias para a marca Victoria’s Secrets? Para buscar compreendê-lo, alguns passos são importantes e norteam os objetivos deste trabalho: Identificar estratégias publicitárias da Victoria Secrets, em seu Victoria Secrets Fashion Show, bem como estudar conceituações, em nível de publicidade, que estejam atrelados a esta leitura; Investigar e descrever as estratégias publicitárias observadas no referido show; Entender como/de que forma tais estratégias estão apresentadas no Victoria’s Secrets Fashion Show.

1.1 CONTEXTUALIZAÇÃO

Desde os tempos mais remotos, a lingerie passou a ter um papel fundamental na vida feminina. Já na Grécia, as mulheres passaram a ter preocupação com os cuidados referentes às suas intimidades. Inicialmente utilizadas para proteger a pele de tecidos ásperos, as lingeries passaram, ao longo do tempo, a serem consideradas símbolos de “status” e luxo, para uma mulher que representava então riqueza e estilo, especialmente com o surgimento dos corpetes feitos de esparto, das ligas para segurar as meias de algodão, das armações que aumentavam os quadris, das crinolinas e outros acessórios que serviam para modelar o corpo da própria mulher (FONTANEL, 1998).

O sutiã como conhecemos hoje em dia, por sua vez, é uma peça mais nova ainda. Ele veio para substituir os espartilhos que tanto apertavam as mulheres desde o século XVI. Apenas no início do século XX é que a vestimenta tomou forma nas mãos da socialite nova-iorquina Mary Phelps Jacob2, a qual patenteou a criação da peça, porém não obteve sucesso na venda de sua criação para a indústria têxtil e por fim a vendeu para Warner Bros3 por pouco mais de 1500 dólares. A empresa faturou posteriormente mais de 15 milhões de dólares com a produto adquirido. Desde então, o

2 Fonte: Socialite americana apontada como inventora do sutiã em 1914. Disponível em: < http://mundoestranho.abril.com.br/materia/quem-inventou-o-sutia> 3 Fonte: Produtora americana de filmes e entretenimento televisivo, e a maior produtora de filmes do mundo. Disponível em: < http://pt.wikipedia.org/wiki/Warner_Bros.> 10

sutiã começou a ser popularizado em decorrência da produção em larga escala e também houve a preocupação com o conforto para as mulheres e avanços tecnológicos na produção dos tecidos4.

Fontanel (1998) explica que, no início do século XX, Paul Poiret passou a utilizar a lingerie como algo sensual e ligado à moda, utilizando tecidos finos, camisolas de cambraia ou seda, utilizando combinações com outros detalhes e adornos delicados5. Assim, a lingerie passou então a ser conotada a um símbolo feminino de sensualidade, sedução e luxo, instituindo ainda um mercado das lingeries propriamente dito, ainda mais consagrado com o surgimento de tecidos como o elastano e o nylon, que permitiam secagens rápidas e maior aderência ao corpo. Entre 1950 e 1960, surgiram os modernos sutiãs com bojos, arames para maior sustentação e também com intuito de deixar a impressão de seios mais volumosos e sensuais, com novos detalhamentos que fazem as peças ganharem força e representatividade no mercado, que mais tarde, incorpora a transparência das rendas, laços e tendências de moda às peças íntimas.

Neste contexto, várias peças e acessórios utilizados pelas mulheres compõem a lingerie: calcinhas, sutiãs, cintas-liga, espartilhos e outros componentes, que, dentro de um processo evolutivo, foram moldados para despertar fantasias e fetiches na relação entre objetos e sujeitos em suas satisfações íntimas. O cinema, as celebridades e as projeções da mídia foram determinantes para agregar este valor, exigindo do mercado um investimento cada vez maior na elaboração das peças (FONTANEL, 1998). Assim, as transformações da lingerie também acompanharam as mudanças culturais e as exigências do mercado feminino, contando ainda com a evolução tecnológica, que

6 Fonte: Site Brasil Escola. Disponível em: < http://www.brasilescola.com/historia/historia-sutia.htm >

5 Os espartilhos, usados por mais de quatro séculos, causava sérios problemas à saúde, além do desconforto e da obrigação de ostentar uma "cinturinha de vespa". Os seios, foco da atenção por muito tempo, eram forçados para cima através dos cordões apertadíssimos dos espartilhos. Também as calcinhas, como são atualmente, passaram por drásticas mudanças. No século 19, eram usadas ceroulas, que iam até abaixo dos joelhos. O surgimento da lycra e do nylon permitiu uma série de inovações em sua confecção, que possibilitou até a criação de um modelo curioso nos anos 90: uma calcinha com bumbum falso, que contém um enchimento de espuma de nylon de vários tamanhos e modelagens. Um acessório sensual muito usado na década de 20 foi a cinta-liga, criada para segurar as meias 7/8. Dançarinas do Charleston exibiam suas cintas-ligas por baixo das saias de franjas, enquanto se sacudiam ao som frenético das jazz-bands. Ainda nos anos 30, a cinta-liga era o único acessório disponível para prender as meias das mulheres, que só tiveram as meias-calças à sua disposição a partir da década de 40, com a invenção do náilon em 1935. Espartilhos, meias de seda 7/8, ligas avulsas presas às cintas, continuaram sendo usados por muitas mulheres, mas não mais por uma imposição ou falta de opções, mas por uma questão de estilo ou fetiche, já que esses acessórios se tornaram símbolos de erotismo e sensualidade na sociedade ocidental. Fonte: http://almanaque.folha.uol.com.br/lingerie.htm 11

possibilitou o uso de novos materiais e uma preocupação com o conforto, a durabilidade e as necessidades da vida contemporânea. Também um jogo discursivo com a preocupação de satisfazer os parceiros, seja no casamento ou em qualquer outro tipo de relação, passou a ser utilizado para “vender lingeries”, desde o início do século XX.

Desta forma, a lingerie atravessou séculos e passou a acompanhar as tendências da moda e do comportamento de forma emblemática, seja na marcação do corpo, no início do século XX, com o uso dos metais, das cintas ou dos corpetes por baixo das roupas justas, seja na revolução sexual provocada na década de 60, quando sutiãs foram queimados em praça pública, em um ato que representou a liberdade feminina. As mulheres daquela época pretenderam viver uma libertação da roupa íntima, mas, a moda sempre trouxe novidades e sofisticações aos produtos, inclusive à lingerie, de modo que as mulheres passaram a investir tanto ou mais em gastos como as roupas íntimas. Neste viés, a indústria da lingerie cresce e aposta em novidades, incrementos tecnológicos, uso de materiais caros e diferenciados, projetando ainda, pela ação da própria mídia, imaginários sedutores estampados nas campanhas de roupa íntima das grandes marcas desta indústria no mundo todo, sensibilizando as próprias mulheres a vestir um sutiã de forma sedutora e legitimando uma lógica mercadológica da lingerie, a partir das marcas, dos produtos, e outras coisas que ligam o imaginário das representações do corpo. Hoje, a lingerie virou mais um dos grandes acessórios que compõem os padrões da beleza feminina, especialmente através das ações publicitárias, das campanhas elaboradas, das peças, das modelos espetaculares nos shows que são observados na televisão. E, ao se pensar esta trajetória como um todo, é necessário regressar, rever determinadas conexões que foram feitas entre o uso das lingeries e os desdobramentos publicitários.6

6 Consultar ANEXO I

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2 REFERENCIAL TEÓRICO

2.1 PUBLICIDADE E SOCIEDADE: IMPORTÂNCIA DA PUBLICIDADE PARA A SOCIEDADE

Gerard Lagneau (1981 apud GASTALDO, 2013, p.19) se refere à publicidade como defesa pública de um interesse privado. Segundo ele o discurso publicitário defende o interesse privado de quem está pagando por ele, ou seja, é um discurso com “dono”.

Essa característica vai produzir consequências na leitura social dos anúncios publicitários, já que a eles não se aplicam os chamados “contratos enunciativos” ou se autenticidade e de seriedade que, segundo Charaudeau (1983), são características do discurso jornalístico. Assim a leitura de um texto socialmente categorizado como “anúncio publicitário” pressupõe que ele está a serviço de um interesse privado, o anunciante. Não pretendo sugerir que os demais gêneros discursivos estão isentos de representar interesses privados. A diferença na publicidade é que o “interessado” em um anúncio publicitário “assina embaixo” de seu anúncio e tal interesse é considerado legítimo. (GASTALDO, 2013, p 19).

Essa característica citada por Gastaldo, sobre os contratos enunciativos, leva à uma reflexão bem pertinente na publicidade e que nesse caso, se encaixa bem no contexto do Victoria’s Secrets Fashion Show. Trata-se sobre o fato de que o discurso publicitário é livre de contratos enunciativos que o obriguem a ser “fiel aos fatos” ou a “transmitir informações”, ele não possui o poder da definição da realidade de outros gêneros, como o jornalismo, por exemplo. Gastaldo (2013), ainda diz que sua influência na constituição de significados sociais acaba residindo justamente no fato de não ter qualquer compromisso em representar a “realidade”. Mesmo a proibição do CONAR7 sobre mentir textualmente sobre as propriedades do produto em questão – a dita propaganda enganosa -, não impede a que a “realidade” dos anúncios seja repleta de elementos simbólicos e mágicos. A publicidade trabalha diretamente com uma representação mais livre e metafórica dessa realidade. A liberdade expressiva torna o discurso publicitário bastante próximo do discurso mítico. No mito e nos anúncios, a distinção entre natureza e cultura por vezes desaparece. Bons exemplos disso, são os casos em que é possível como absolutamente normal, o fato de que objetos e animais

7 Conselho Nacional de Autorregulamentação Publicitária. É o órgão que fiscaliza a propaganda no Brasil. Foi fundado em 1970 em uma ação para tentar a censura à propaganda no período da Ditadura Militar no país. Disponível em:

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podem falar, assim, como, pessoas podem voar, transfiguram-se e desempenham feitos mágicos como algo completamente normal e esperado. A diferença fundamental, é que no anúncio publicitário, o “operador mágico” é via de regra o produto anunciado. (GASTALDO, 2013)

Diante disso, Gastaldo (2013) ainda cita que é possível pensar um pouco sobre o nível de representações sociais dentro dos anúncios publicitários e como eles desempenham uma importantíssima parte, senão a mais importante, na relação entre publicidade e sociedade. O papel do publicitário também é destacado no contexto e é possível que se faça uma comparação com a sociedade.

Gostaria de discutir agora que o papel que o trabalho do publicitário tem de dramatizar o valor de seu produto não é diferente do trabalho de uma sociedade tem de embeber suas situações sociais com cerimoniais e com sinais rituais facilitando a orientação dos participantes uns aos outros. Ambos devem usar limitados recursos “visuais” disponíveis nas situações sociais para contar uma história; ambos devem transformar acontecimentos de outra forma facilmente legível. E ambos confiam nos mesmos mecanismos básicos: demonstrações de intenções, mapeamento microecológico da estrutura social, tipificações aprovadas e externalização gestual do que deve ser tomado como resposta interior (Goffman, 1979, p. 27 apud GASTALDO, 2013, p.32).

Pensando não só no contexto da publicidade, é preciso pensar no papel do consumidor como receptor da mensagem e aceitar a realidade de que o controle está nas mãos deles. Segundo Donaton (2004), é preciso convidá-los a interagir da maneira que desejarem com as marcas e é isso que fará com as marcas sobrevivam no mercado, do contrário, serão trucidadas.

Segundo Rocha (1995), a publicidade enquanto um sistema de ideias permanente posto para circular no interior da ordem social, pode ser entendida como um caminho para a compreensão de modelos de relações, comportamentos e expressão ideológica da sociedade. Neste sentido, pode-se dizer que a publicidade está presente em nossas vidas praticamente 24 horas por dia, 7 dias por semana, de maneira direta em anúncios de TV, jornal, rádio, revistas, outdoors e desde meados dessa década, na internet e com cada vez maior penetração nesse meio. Mesmo que indiretamente, a publicidade é algo eminente no cotidiano e adentra na mente das pessoas de maneira até mesmo imperceptível algumas vezes, inclusive, para aqueles que dizem não se interessar ou se importar com ela.

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Qualquer pessoa é fiel ao menos a uma marca, seja qual for o gênero e qual o porquê disso. É a publicidade quem tem o papel de despertar esse interesse por determinadas marcas, e antes mesmo de vender o produto em si, ela desperta nossos desejos a partir da representação simbólica do objeto de desejo. Antes do produto, a publicidade vende o lúdico. (ROCHA, 1995) Como afirma Rocha,

A publicidade, para as sociedades que a adota, é uma das formas que permitem a mediação entre domínios diversos. Pela publicidade um produto múltiplo e impessoal se transforma em algo único, nomeado, particular, próprio para cada consumidor. Através dela os domínios “nobres”, “eróticos”, “do alto” “misteriosos” de nossa sociedade se articulam com produtos cujas etapas de fabricação não são segredos, são claras e observáveis. (...) A publicidade é o lugar onde animais falam, onde o gasto pode ser poupança e esta uma forma de consumo. Nela os objetos ganham vida, os produtos recebem nomes “totêmicos”8 (...) (ROCHA, p 60, 1995).

Rocha (1995) ainda entende que, sem publicidade, durante o chamado domínio de produção, todos os produtos são indiferenciados, múltiplos seriados e anônimos. Na esfera de domínio de consumo, quando entra em cena a publicidade, o produto ganha nome, nobreza, mistério e vida. É ela quem faz com que o domínio da produção torne-se sensível e emotivo e cria uma alternância de realidade: cotidiano e magia. Esta alternância, é um estilo de classificar o mundo e se fixar socialmente. Os produtos e situações dentro de todo anúncio classificam pessoas, momentos e atitudes. Estes dois tipos de domínio, são a base de sustentação do capitalismo, que por sua vez, é o que sem dúvidas, move a publicidade.

Para Rocha (1995), o domínio de produção e o domínio de consumo, são os dois principais itens do circuito econômico, junto com o espaço que cabe à publicidade para desvincular o produto do domínio de produção e colocá-lo atrás de uma marca, e, uma vez atrás de uma marca, o produto passa para o meio das relações humanas, simbólicas e sociais, que caracterizam o consumo.

Na esfera do consumo, homens e objetos adquirem sentido, produzem significações e distinções sociais. Pelo consumo, os objetos diferenciam-se diferenciando, num mesmo gesto e por uma série de operações classificatórias, os homens entre si. O consumo é, no mundo burguês, o palco das diferenças. O que consumimos são marcas. Objetos que fazem a presença ou a ausência de identidade, visões de mundo, estilos de vida. Roupas, automóveis, bebidas, cigarros, comidas, habitações, enfeites e objetos os mais diversos não são consumidos de forma neutra. (ROCHA, p 67, 1995).

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Neste sentido, a importância do discurso publicitário para o consumo, pode residir na atribuição de conteúdos, representações, nomes e significados ao universo dos produtos. Sem essa informação que lhes é colada, muitos deles não fariam sentido. Além de atribuir todos esses valores aos produtos que deseja vender, a publicidade também exerce de certa forma um papel social na sociedade, devido ao volume e extensão do “mundo de ideias” que espalha para as pessoas (ROCHA, 1995).

Mesmo tendo o objetivo principal de vender, a publicidade consegue nos passar um mundo de ideias sensacionais. Muitas vezes mexe com a imaginação até mesmo de quem não é o público-alvo de determinado produto que está sendo vendido. O mundo das ideias publicitárias é algo fascinante, rodeado de simbologias e significados que, quando unidos, se reformulam criando novos sentidos e assim uma identidade para o produto/marca a qual está divulgando. Sobretudo, é preciso entender que este mundo é plenamente estratégico e articulado em torno de subestruturas sociais e midiáticas que fornecem modos de fazer bem específicos. Assim, a rentabilidade e o consumo, que podem ser percebidos como os objetivos finais da própria publicidade, são, geralmente apoiados nestas práticas de marketing, por assim dizer. Criar, comunicar e transferir valor, segundo Kotler (2009) torna-se verbos de ação enquanto estratégia publicitária, que tendem a buscar como compreender, descobrir e atender as necessidades dos clientes, que são público-alvo de suas ações, a partir de medidas bem específicas em torno dos desdobramentos semânticos da criação e da comunicação.

As políticas criativas podem ser, assim vistas, como um elo de ligação entre comunicar e criar enquanto estratégias publicitárias, e sustentam, no mercado, todo processo comercial, que vai da pesquisa de desenvolvimento até as relações públicas (KOTLER, 2009, p.39). Assim, dos vários tipos de marketing que pautam o processo de articulação da política criativa em publicidade, o marketing do público-alvo tornou-se dos mais sensíveis apresentados enquanto estratégia publicitária contemporânea. Preocupado com a diferenciação em cada segmento, seja ele por benefício, ocasião, tipo de uso ou estilo de vida (KOTLER, 2009, p.44), este marketing estratégico permite que as marcas disputem suas diferenças no mercado por meio da comunicação e não somente dos produtos, que por vezes, são similares.

Ao decidir pela utilização do marketing-alvo, a empresa pode fatiar o mercado em “segmentos” cada vez mais finos. De fato, podemos distinguir três níveis de desconstrução do mercado: o nível de segmento da marca, o nível de nicho e o nível de célula de mercado (KOTLER, 2009, p.44). 16

Desta forma, o marketing de segmento consegue posicionar estrategicamente empresas e marcas no mercado, a partir da identificação das satisfações e do cuidado com detalhes de comunicação e publicidade propriamente ditos, distribuindo melhor preço, produto, praça e promoção. Assim, existe uma possibilidade de identificar oportunidades de mercado a partir da orientação entre produtos e públicos segmentados.

Definimos a oportunidade de marketing como uma área de necessidade e interesse do comprador, em que existe uma grande probabilidade de a empresa atuar de forma lucrativa, satisfazendo esta necessidade. A atratividade de oportunidade de mercado depende de diversos fatores: a quantidade de possíveis compradores, seu poder aquisitivo, seu desejo de compra, entre outros (KOTLER, 2009, p.57).

Assim, a segmentação principal, em nível de comunicação, pode ser percebida em dois planos: um primeiro, em que se promove ou projeta uma estratégia uníssona de comunicação a partir da projeção da marca, utilizando recursos midiáticos. E uma segunda, que vai trabalhar intrinsecamente a conexão entre aptidões específicas do público para com os objetos, dependendo de variantes como poder aquisitivo, gostos de classe e estilos de vida. Neste viés, modelos de inovação estratégica tornam-se plausíveis e necessários para a diferenciação de mercado, no sentido de descobrir clientelas em potenciais para determinados produtos, novas estratégias de venda e soluções políticas, de recursos e produtos (KOTLER, 2009, p.68). Normalmente, a segmentação de público-alvo requer produtos modificados que ofereçam novos significados a partir de discursividades privadas que reorientem a própria oferta para vários clientes. Isso significa pensar torna-se primordial para as marcas pensar na segmentação dos produtos a partir das possibilidades de clientelas específicas, sem deixar de levar em consideração novos produtos para potenciais clientes.

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2.2 A MARCA COMO ESTRATÉGIA PARA A PUBLICIDADE

Pensar a elaboração da marca para o mercado e suas sociabilidades, passa, necessariamente, pelo posicionamento e a construção de uma identidade de marca. Para Semprini (2006),

As marcas substituem, pouco a pouco, os produtos provenientes do campo ou produzidos artesanalmente, e a produção industrial anônima. Assim, as marcas se instalam em lugares que lhes são especialmente consagrados: os supermercados e os hipermercados. [...] Por um lado, elas nunca foram tão poderosas, presentes, procuradas, amadas e seguidas. Elas encarnaram a quintessência de uma sociedade de consumo que parece ter achado, enfim, o segredo do círculo virtuoso no qual o consumo alimenta o crescimento, e o crescimento permite aos indivíduos consumir sempre mais. Por outro lado, este poder ostentado é atravessado por múltiplas linhas de fratura que não deixarão de se manifestar em seu movimento de inversão da conjuntura. A onipresença das marcas, seu poder em certa medida, sua arrogância, começam a saturar o espaço social e inquietar a opinião e os poderes públicos (SEMPRINI, 2006, p.27 - 33).

Assim, Semprini (2006) postula sobre o posicionamento social e financeiro das marcas em suas construções sociais que incorporam formas discursivas, fragilidades e conceitos específicos da arte do marketing (KOTLER, 2009). Para tanto, o posicionamento da marca necessita ser espaço-temporal, a partir de dimensões como evolutiva, semiótica e relacional (SEMPRINI, 2006). A primeira dimensão, que trata da natureza semiótica da marca, diz respeito a um repertório de significados possíveis que são traduzidos sobre as marcas a partir de produção e efeitos de sentido.

Por natureza semiótica da marca entendemos a capacidade dessa última para construir e veicular significados. Estes podem se organizar em narrativas explícitas fortemente estruturadas e organizadas, como no caso da comunicação comercial e na publicidade, mas elas podem, igualmente ser veiculadas por um grande número de outras manifestações de marca, que funcionam então como tantos outros atos discursivos, mesmo não seguindo atos discursivos que reside a verdadeira natureza da marca, aquela que se constitui lenta e progressivamente ao longo do tempo, por uma acumulação coerente e pertinente de escolha e de ações (SEMPRINI, 2006, p.97-98).

Neste viés, Semprini elucida as possibilidades de sentido que uma marca pode propor em torno de seu público-alvo, a partir de campanhas de comunicação que são repetidas e utilizam recursos visuais e sociais, por exemplo. Para o referido autor, o poder semiótico da marca está em saber selecionar ordenadamente tais elementos que 18

emitam uma mensagem coerente, de acordo com os critérios políticos e até administrativos de cada marca, articulando assim, tais elementos em um fluxo de significado que atravessam os sistemas de signos, espacial e temporalmente, dentro do jogo que envolve emissores e receptores, neste caso, bem específicos.

Semprini (2006) diz que a outra dimensão da marca é da ordem de suas relações. A natureza relacional das marcas pode ser entendida como um desdobramento de efeito final da primeira dimensão, a semiótica, já que se refere ao nível de estabelecimento de comunicação e ao modo como esta comunicação é assimilada pelos receptores e se dissolve nas relações sociais.

A marca como entidade relacional, é uma fusão de entre sua natureza semiótica e de seus mecanismos de funcionamento. A natureza relacional se divide em dois aspectos principais, a dimensão intersubjetiva da marca e a dimensão contratual. Tais dimensões estão presentes a todo momento no funcionamento concreto das marcas, mas sob o ponto de vista teórico elas ocorrem em dois momentos diferentes do desenvolvimento do projeto da marca. A dimensão intersubjetiva é eminentemente semiótica e traz a marca como uma resultante. É o resultado de um processo contínuo de trocas e de negociações que implica diversos papéis de um grande número de protagonistas. Um projeto de marca é sempre, um projeto de sentido, uma construção semiótica que pode adquirir todo o significado apenas a partir do momento em que ela está submetida aos procedimentos de decodificação e de interação interpretativa do público-alvo (SEMPRINI, p.100, 2006).

Assim, a marca como entidade relacional, propõe-se a ser assimilada como caráter semiótico desdobrado em sociabilidades e modos práticos de comunicação entre públicos específicos que operam esta decodificação de um modo muito particular. É assim que, por exemplo, a etiqueta de um determinado produto, contendo sua marca, faz sentido em determinadas classes e círculos sociais. E nestes determinados espaços, as marcas impõem sua própria territorialidade e organizam um sistema contratual de leitura (FAUSTO NETO, 1995), em que a marca assume qualificadoras como prestígio, sofisticação, poder, sedução, desejo ou pertencimento social (HAMESTER, 2011).

Por fim, a marca dispõe de uma natureza evolutiva, que significa pensar sua cronologia, sua linha histórica composta por sua política particular de organização e apresentação ao longo do tempo. Sobre isso, Semprini destaca

Seu caráter dinâmico mutável, o fato de estar em contínua evolução. Assim, a marca pode-se considerar uma entidade viva que reage, sensível a todas às mudanças de seu ambiente. Os objetivos da empresa mudam, os desejos dos destinatários evoluem, os parâmetros do contexto transformam-se em

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tendências sociais e sofrem metamorfoses, as preocupações da opinião pública renovam-se. Inserida dentro desse sistema de interações, em tensão permanente, a marca é, essencialmente, uma forma mutável (SEMPRINI, 2006, p.108).

Assim, mais marcas situam-se para retroalimentar-se a partir de criatividades e audácias que virem sucessos (SEMPRINI, 2006, p.112) a partir deste triplo posicionamento que instaura o papel de cada marca no mundo. Sustenta-se enquanto marca que inspira valores, princípios, dogmas e paradigmas é um processo restrito ao universo de poucas marcas solidificadas no mundo. Mesmo as mais consagradas, sofrem processos frequentes de fragilidades em torno de cada uma destas dimensões, que nem sempre estão em equilíbrio na instável economia de mercado em que são operadas, consumidas e difundidas.

Sobretudo, Semprini (2006) entende que mas marcas são sustentadas, no espaço social contemporâneo, por três pilares fundamentais: a economia, o consumo e a comunicação. Sobre o primeiro, o referido autor sustenta que a construção da marca depende de um capital financeiro, mas é pouco discutida e levada em consideração do ponto de vista dos economistas, de modo que é imprescindível pensarmos em nível de uma economia das marcas, que traga como parâmetros “as decisões institucionais, as políticas industriais, os investimentos,a política fiscal, os custos, etc” (SEMPRINI, 2006, p.88) pra configurar uma ideia de gestão das marcas a partir da racionalidade econômica. Algumas marcas como Apple, Mercedez, Coca-Cola ou Mc’Donalds já operam esta lógica de mercado, mas, a maioria das marcas não ultrapassa ainda a esfera do semiótico e instaura-se definitivamente dentro desta lógica. O segundo pilar é o consumo, que, para Semprini (2006), é operado a partir de cinco dimensões: o individualismo, já que a marca tem impactos individuais de vivência dos vínculos sócias; o corpo, já que as marcas impõem discursos que envolvem as pessoalidades estéticas humanas; o imaterial, uma vez que operam sobretudo a partir de conceitos como conforto, exclusividade de apropriação, dentre outros aspectos em que pautam suas conotações políticas; a mobilidade, já que se vive a era de transnacionalização de objetos a partir do papel exercido pelas marcas; e, por fim, o imaginário, que traduz os efeitos e a produção de sentidos intelectivos e afetivos (CHARAUDEAU, 2006) que perfazem a simbólica das representações e impressões sobre o universo das marcas na cotidianidades dos indivíduos.

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2.3 AS IMAGENS NOS FILMES PUBLICITÁRIOS

Não é possível estudar filmes publicitários, sem anteriormente entender o papel filosófico da formação das imagens e o papel prático do surgimento do cinema, bem como sua importância para a própria publicidade. Segundo Bergson (2010), a ideia do movimento diz respeito às percepções do corpo relacionadas aos sentidos de contato: tato, olfato, paladar, visão e audição. Mas, para além disso, o referido filósofo atrela a formação material e impacto das imagens à memória, ao tempo e a sensação de duração. Assim, a seleção das imagens as quais somos sensíveis diz respeito ao conceito que Bergson (2010) denomina afecção.

Interrogo minha consciência sobre o papel que ela se atribui na afecção: ela responde que assiste, com efeito, sob forma de sentimento ou sensação, a todas as iniciativas que julgo tomar, que ela se eclipsa e desaparece, ao contrário, a partir do momento em que minha atividade, tornando-se automática, declara não ter mais a necessidade dela. Portanto, ou todas as aparências são enganosas, ou o ato em que resulta o estado afetivo não é daqueles que poderiam rigorosamente ser deduzidos dos fenômenos anteriores como um movimento de um movimento, e com isso ele acrescenta verdadeiramente algo de novo ao universo e a sua história (BERGSON, 2010, p.12).

Desta forma, a reflexão sobre o processo de assimilação das imagens passa, para Bergson, pela vinculação do corpo, por meio da consciência gerativa de imaginação, com as representações acerca das possibilidades de ação. Para tanto, o conceito de afecção é central para entender não somente como os indivíduos percebem determinadas coisas e fazem imaginário delas, mas também como se afetam, no sentido de sensações e emoções produzidas intencionalmente, modificando suas condições de pensamento, experiências e práticas sociais, que tornam o corpo um centro de ação diante das coisas vistas, gerando assim, imagens e conexões relacionadas e que refletem diretamente nos modos como aprendemos a perceber e assimilar o que nos cerca e interessa, no espaço e no tempo.

Pensando estritamente a configuração das imagens a partir do fenômeno da percepção, por meio do entendimento de que fenômeno pode ser tudo aquilo que envolve a produção de sentidos entre sujeitos e objetos, no contexto das pessoalidades, pode-se realizar uma correlação com a teoria Gestalt (GOMES FILHO, p.19), surgida

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no final do século XIX, com a chamada Escola de Psicologia Experimental, na Alemanha.

O movimento gestaltista atuou principalmente no campo da teoria da forma, com contribuição relevante aos estudos de percepção, linguagem, inteligência aprendizagem, memória, motivação, conduta exploratória e dinâmica de grupos sociais. [...] A teoria da Gestalt, extraída de uma rigorosa experimentação, vai sugerir uma resposta ao porquê de umas formas agradarem e outras não (GOMES FILHO, 2000, p.18).

Assim, a Gestalt apresentou um interesse sobre os significados que os sujeitos impõem aos objetos e acontecimentos de seu mundo, a partir da percepção e do pensamento enquanto experiências complexas. Com imensa aplicação no mundo das artes, em que se pode perceber processos de ilusão de ótica em exemplos em obras de Rene Magritte e Salvador Dalí, suas leis são regidas por princípios que levam em conta a percepção dos objetos e suas respectivas formas: atendimento à estruturação, segregação figura-fundo, pregnância ou boa forma e consciência perceptiva. Suas leis são: unidade ou unificação, que perfaz o campo visual de um objeto, dada a linguagem de interpretação, a coerência de estilo, de escolhas, dentre outros aspectos; proximidade, que leva em conta o agrupamento de elementos a partir de uma lógica de percepção individual, que não será a mesma da moldura de sua percepção coletiva; semelhança, que se refere ao agrupamento de eventos semelhantes, por fatores como intensidade, cor, odor, peso, tamanho, forma, etc; continuidade, no sentido de perceber uma tendência individual em seguir a direção de fruição dos elementos; experiência passada, que faz alusão às conexões de memória e associações quando já conhecemos representações a respeito de um determinado objeto; clausura, ou fechamento, fazendo uma referência ao princípio da boa forma e pensando a completude da cena ou da imagem a partir do fechamento visual em si, que conecta todos os elementos escolhidos, por meio da harmonia, contraste e equilíbrio justapostos em uma determinada imagem; pregnância, sendo, sem dúvida, o mais importante, já que diz respeito a simplificação natural da percepção, no sentido de assimilação e ao modo imediato como vemos as formas ao nosso redor; e, por fim, figura/fundo, que seria a tendência de organizar a percepção de um objeto sobre o fundo em que ele aparece saliente, sendo este fundo algo contextual, ao que fecha equilibradamente elementos em torno de um objeto. A exemplo da figura 1, que elucida alguns aspectos relacionados a Gestalt, como a figura/fundo, a relação entre unidade, proximidade e semelhança, operando ainda a 22

pregnância da forma a partir das próprias conotações de sentido que a imagem pode traduzir para quem reconhece o ator e sua trajetória no universo do cinema.

Fig.1: Famosa imagem de James Dean pelas ruas de New York, caminhando e posando para Roy Schatt, em 1954

Na atualidade, muitos cineastas se valem destes modos de afecção (BERGSON, 2010) para estabelecer impacto e afetação sobre o público, seja por potencial criativo do próprio cinema como um retrato da vida real, seja por meio de conexões com a publicidade a partir da produção dos próprios filmes publicitários. O efeito da reprodutibilidade técnica da fotografia que compreende a aura do cinema (BENJAMIN, 1955) já é abordado e abordado por Walter Benjamin a partir da crítica a reprodução das artes. Contudo, Benjamin não presenciou o desenvolvimento notável da indústria cinematográfica na contemporaneidade, que toma proporções midiáticas e influencia grande parte do contexto da comunicação global, colocando o próprio cinema como a sétima arte. Desta forma, áreas como a publicidade apropriam-se das perspectivas cinematográficas para posicionarem suas estratégias no mercado e na sociedade. Para Covalesky, o cinema e a publicidade mantêm uma forte relação intertextual e a atual produção cinematográfica tem forte influência da publicidade (COVALESKY, 2003). Ainda sobre a relação entre esses dois meios, Covalesky diz que “O cinema tem recebido influências da publicidade, talvez não sobre tema, roteiro ou dramaturgia, mas

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em relação a outros aspectos, sem dúvida” (COVALESKY, 2003, p. 66). Alguns diretores, como Ugo Giorgetti9, julgam como positiva a relação entre publicidade e cinema, pois, só contribui de maneira positiva para formação de profissionais híbridos aptos a atuar nas duas áreas.

Assim, com o uso do recurso da tecnologia e a capacidade de transnacionalização das mídias, a publicidade apropria-se do cinema, de sua própria capacidade de encantar a visão do público e, recria contextos imaginários a partir de recursos estéticos e narrativos que facilitam a ação das estratégias para a própria publicidade.

Diante desses pontos abordados, podemos perceber que se a publicidade se utiliza do cinema para criar ideias, ela também contribuiu de alguma forma para as obras cinematográficas que vêm sendo produzidas, principalmente em relação à parte técnica. “O cinema tem recebido influências da publicidade, talvez não sobre tema, roteiro ou dramaturgia, mas em relação a outros aspectos, sem dúvida” (Lawall, 2013, p.24 apud COVALESKY, 2003, p. 66).

Desta forma, entende-se que por meio dos usos dos recursos cinematográficos, a publicidade recria suas estratégias, a partir do diálogo com o público, da melhora do posicionamento prático, além das contribuições comerciais que são possíveis com o uso dos filmes publicitários. Assim, uma erotização das imagens nos filmes publicitários pode ser vista como uma estratégia notável de atuação. Para Cordeiro (2009) os filmes publicitários que atuam no sentido do erotismo, como, por exemplo, as campanhas da perfumaria, são carregados de sentimento, desejo e sedução, e podem investir-se dos conceitos, que o próprio autor retoma em Barthes: punctum e studium. Para Barthes (apud CORDEIRO, 2009), o punctum é o elemento de ruptura visual na própria fotografia, que choca, que corta a imagem e evoca uma reação do espectador. Já o studium é o elemento comum em toda imagem, no que se refere ao tempo que é preso na captura da imagem e imortaliza um momento. Assim, a discussão sobre haver ou não ruptura na imagem publicitária, especialmente aqui tratando-se dos filmes publicitários, que está presente no pensamento de Barthes, de modo ainda que a problematizar as relações sociais e os impactos diante dos produtos midiáticos.

9 Diretor e escritor de cinema brasileiro, nascido em São Paulo em 1942. Dirigiu filmes como Festa (1989); Sábado (1995) e Boleiros - Era Uma Vez o Futebol... (1998). Fonte: IMDB. Disponível em: < http://www.imdb.com/name/nm0320387/bio?ref_=nm_ov_bio_sm>

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3. METODOLOGIA

3.1 NATUREZA E TÉCNICA DA PESQUISA Esta pesquisa pode ser entendida como de natureza qualitativa, já que visa contribuir com as pesquisas em Ciências Sociais, pensando a perspectiva do impacto das relações humanas e sociais a partir de fenômenos como a mídia e as publicidades e a própria moda. Trata-se de uma pesquisa documental, porque é baseada em documentos, sejam filmes, catálogos, etc. Segundo Gil (2010), a pesquisa documental vale-se de materiais que não receberam ainda um tratamento analítico, ou que ainda podem ser reelaboradas de acordo com os objetivos da pesquisa. Gil (2010) também frisa que este tipo de pesquisa segue os mesmos passos da pesquisa bibliográfica, apenas mudando o primeiro passo, que consiste na exploração de fontes documentais, que são em grande número e que a maioria dos documentos são de primeira mão e ainda não receberam qualquer tratamento analítico (documentos oficiais, reportagens de jornal, cartas, contratos, diários, filmes, fotografias, gravações, entre outros). Pode-se entender também esta pesquisa como um estudo de caso (YIN, 2001), uma vez que a formulação do problema está em torno de um objeto específico, entendido por Yin (2001) e Gil (2010) como um caso típico, já que tem o propósito de explorar e descrever um objeto, a partir de informações prévias do mesmo. A técnica desta pesquisa combina uma análise de conteúdo (BARDIN, 2009) a uma análise fílmica (VANOYE; GOLLIOT, 1992), de imagens em movimento (Rose apud GASKELL E BAUER, 2013). Para Bardin, (2009), a análise de conteúdo é um conjunto de técnicas de análise das comunicações, que utiliza procedimentos sistemáticos e objetivos de descrição do conteúdo das mensagens. [...] A intenção da análise de conteúdo é a inferência de conhecimentos relativos às condições de produção (ou eventualmente, de recepção), inferência esta que recorre a indicadores (quantitativos ou não) (BARDIN, 2006, p.38).

Assim, a análise de conteúdo busca enriquecer a pesquisa a partir de dados coletados e lidos por meio de categorias pré-estabelecidas, com base em referências construídas, que buscam compreender de forma crítica os sentidos construídos em determinados enunciados e suas discursividades. Para Minayo (2001, p.74), a análise de conteúdo enquanto conjunto de técnicas, possibilita informações sobre comportamento humano, percepções e desdobramentos analíticos com aplicação bastante variada.

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Assim, a análise de conteúdo é organizada, por Bardin (2006), em três fases básicas: pré-análise, em que o material é selecionado e organizado pelo pesquisador, com o objeto de torna-lo operacional e sistemático; exploração do material, momento em que, segundo a autora, o corpus é tratado a partir das categorias (sistemas de codificação) estabelecidas, evidenciando dados reais de pesquisa; e, tratamento dos resultados, momento em que ocorre a interpretação reflexiva e considerações da pesquisa. Gaskell e Bauer (2013) entendem que os materiais elencados em um corpus de pesquisa são documentações, transcrições, e, contemporaneamente, pode ser na forma de fotos, filmes, áudios, etc, o que objetiva construir técnicas e procedimentos direcionados para o trabalho de decodificação. Para sistematizar a pesquisa, adotou-se como técnica a análise de imagens em movimento (Rose apud GASKELL e BAUER, 2013), que observa modos de interpretação das imagens fílmicas por meio de codificação, representação, narrativa e translação dos dados fílmicos. Neste mesmo viés, Vanoye e Goliot-Lété (1994) explicam que: Analisar um filme ou um fragmento é, antes de mais nada, no sentido científico do termo, assim como se analisa, por exemplo, a composição química da água, decompô-lo em seus elementos constitutivos. É despedaçar, descosturar, desunir, extrair, separar, destacar e denominar materiais que não se percebem isoladamente “a olho nu”, pois, se é tomado pela totalidade. Parte-se, portanto, do texto fílmico para “desconstruí-lo” e obter um conjunto de elementos distintos do próprio filme. Através dessa etapa, o analista adquire um certo distanciamento do filme. Essa desconstrução pode naturalmente ser mais ou menos aprofundada, mais ou menos seletiva segundo os desígnios da análise (VANOYE e GOLIOT-LÉTÉ, 1994, p.15).

Tendo o filme como ponto de partida para as análises, Vanoye e Goliot-Lété (1994) consideram que desconstruir um filme equivale a descrevê-lo, em detalhes escolhidos pelo próprio pesquisador, por meio de sua interpretação, situando o contexto histórico, social e crítico das formas fílmicas. É importante esclarecer, por meio das avaliações de Rose (apud GASKEEL e BAUER, 2013, p.344) que se deve tomar decisões sobre como descrever os visuais nas análises, já que não há análise única, de modo que este procedimento depende das categorias elencadas para a pesquisa e balizadas pelas orientações teóricas. Assim, a análise das imagens em movimento diz respeito aos meios audiovisuais, e levam em consideração a complexidade da combinação imagem e texto em sequência, apresentados pelo meio de comunicação visual como a tv. Neste contexto,

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Todo passo, no processo de análise de materiais audiovisuais, envolve transladar. E cada translado implica em decisões e escolhas. [...] A escolha, dentro de um campo múltiplo, é especialmente importante quando se analisa um meio complexo onde a translação irá, normalmente, tomar a forma de simplificação (Rose apud GASKELL e BAUER, 2013, p.344).

Assim, Rose (apud GASKELL e BAUER, 2013) elenca dois passos para a realização da análise de imagens em movimento: seleção dos programas, que diz respeito ao momento de escolha do corpus a ser analisado, fazendo uma amostra e selecionando dentro das escolhas empíricas; e transcrição ou momento de gerar um conjunto de dados a partir da leitura das amostras escolhidas, via categorias de pesquisa, que tem por objetivo sistematizar a imagem complexa da tela em dados de pesquisa; este processo de ser realizado de modo a descrever o visual, das escolhas de ângulo das câmeras e tomadas, orientado pela teoria, em nível de símbolos e representações. Rose (apud GASKELL e BAUER, 2013) também elege alguns passos são levados em consideração para análise de textos audiovisuais:

1. Escolher um referencial teórico e aplica-lo ao objeto empírico.

2. Selecionar um referencial de amostragem – com base no tempo ou no conteúdo.

3. Selecionar um meio de identificar o objeto empírico no referencial de amostragem.

4. Construir regras para a transcrição do conjunto de informações visuais e verbais.

5. Desenvolver um referencial de codificação baseado na análise teórica e na leitura preliminar do conjunto de dados: que inclua regras para a análise, tanto do material visual como do verbal; que contenha a possibilidade de desconfirmar a teoria; que inclua a análise de estrutura narrativa e do contexto, bem como das categorias semânticas.

6. Selecionar citações ilustrativas que completem a análise numérica.

Quadro 1: Para realizar uma análise de imagens em movimento Fonte: Rose apud GASKELL e BAUER, 2013, p.362

Desta forma, para Rose (apud GASKELL e BAUER, 2013) e Vanoye e Goliot- Lété (1994), a análise fílmica de imagens em movimento consiste, basicamente, em descrever as cenas elencadas, interpretar os dados a partir de categorias que levem em consideração o contexto social, histórico e simbólico do próprio filme, bem como narrar 27

os elementos visuais apresentados, em termos de campo, atores, câmera, trilhas, diálogos, continuidades e descontinuidades que obedecem a um grau de precisão e observação, que, por sua vez, depende das condições do pesquisador e seus objetivos de análise. Em se tratando das análises de spots publicitários, Vanoye e Goliot-Lété (1994) reforçam a importância de observar a cena e seus elementos, a argumentação em nível de personagens, vozes e narração, bem como outros recursos como filtros, fusões, câmeras e montagens das próprias imagens (VANOYE e GOLIOT-LÉTÉ, 1994, p.112).

PARA ANALISAR UM SPOT

1. Cronometrá-lo

2. Contar os planos (isto é, as porções e película compreendidas entre duas colagens); detectar as relações de duração (planos curtos/planos longos). 3. Destacar as figuras de transição de plano a plano (cortes, fusões) e os procedimentos técnicos (câmera lenta, sobre-impressões, acelerações etc.).

4. Observar o papel das vozes (in e off): quando intervêm? Quem fala? Para dizer o que? A quem?

5. Observar as características visuais dos personagens, definir seus papeis.

6. Observar as manifestações do produto: seu nome, de sua imagem: Quando? Como? Quantas vezes?

7. Caracterizar o spot (argumentativo, narrativo, outro) e suas estratégias de influência sobre o espectador (informação, sedução).

8. Detectar características formais ou retóricas (redundância sons-imagens-palavra, hipérbole – a mentira é proibida, mas não a hipérbole: pode-se portanto mostrar um automóvel voando ou andar sobre a água -, elipse, gradação – ver o spot “Egoiste”, para , com as mulheres jovens, cada vez em maior número, abrindo as venezianas de uma bela casa para gritar “Egoiste”, é a gradação do plano próximo ao plano de grande conjunto -, antítese), talvez um estilo.

Quadro 2: Para analisar um spot Fonte: Vanoye e Goliot Lété, 1994, p. 113

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O percurso metodológico desta pesquisa compreendeu, primeiramente, um levantamento bibliográfico e o delineamento do problema de pesquisa; em um segundo momento, foi realizada a observação e coleta de dados, bem como o recorte do corpus da pesquisa; por fim, foram realizadas as análises do filme escolhido, rearticulando ao referencial teórico e ajustes nas próprias categorias de pesquisa. Para realizar a análise, o filme foi descontruído em blocos identificados pela letra “T” seguida da variável “X”, que simboliza o respectivo bloco. Estão elencandos dentro deles as categorias de pesquisa escolhidas para a realização das análises, que são as seguintes: . Elementos de composição do cenário: esta categoria é analisada a luz de autores como Cordeiro (2009), quando referenciando Barthes, evidencia a composição intencional da fotográfica publicitária e seus modos de afetação pela relação entre punctum e studium definida em Barthes, bem como de Gomes Filho (2000), ao explicar a teoria da Gestalt e suas propriedades. Nela, observa- se o cenário, em nível de escolhas temáticas, elementos utilizados, escolhas cenográficas metafóricas e onipresentes que evidenciam “estratégias de construção de representações de sua própria situação de enunciação” (MAINGUENEAU, 1998, p.20). . Modelos e relação com o vestuário: Esta categoria pode ser entendida por Eco (2004) no que diz respeito à beleza das mídias configurada na era da sociedade de consumo pela imposição de padrões estéticos pré-estabelecidos, modos de ser, de vestir e de fazer (DE CERTEAU, 1994), enquadrados na evolução estética dos usos e práticas da própria lingerie (FONTANEL, 2001), cuidadosamente codificados nas passarelas e na mise em scène do show. . Performances e o espetáculo pop: Esta categoria pode ser lida a partir da incorporação das práticas de mídia à configuração da marca Victoria Secrects, evidenciando uma projeção midiática e publicitária pelo próprio show, reforçada por meio de performances escolhidas, participação de cantores pops da atualidade, músicas e coreografias que auxiliam na tematização do desfile anual.

3.2 OBJETO EMPÍRICO E CORPUS DA PESQUISA

A Victoria's Secret é o que é hoje por conta de Roy Raymond, estudante da Stanford Graduated School of Business, que em 1977, abriu a primeira loja da marca no

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shopping Stanford, na cidade americana de São Francisco. Sua motivação foi a vergonha por comprar lingeries para a esposa em lojas de departamento. Em pouco tempo, o negócio já tinha catálogos de venda por correspondência e três novas lojas foram abertas. Para deixar os homens confortáveis em um ambiente repleto de calcinhas e sutiãs, as paredes das lojas eram revestidas de madeira, com detalhes vitorianos e vendedores treinados para ajudar, sem constrangimentos. Daí o nome, Victoria's Secret, já que a fachada do local tinha um ar misterioso. Os funcionários eram treinados para ajudar os homens quanto ao tamanho e estilo das lingeries que procuravam para as mulheres. A marca já contava com modelos personalizados e únicos.

Após cinco anos da abertura da primeira loja, em 1982, Roy vendeu a empresa para o grupo The Limited. O The Limited manteve a identidade da marca. Foi a partir daí que ela tornou-se febre nos Estados Unidos, com a abertura de diversas lojas pelo país nos anos 1980. Além das lingeries, a marca vendia sapatos, perfumes, roupas para a noite e emitia oito vezes ao ano, catálogos de vendas pelo correio. O empresário abriu outro negócio, que faliu pouco tempo depois. Incapaz de lidar com a situação, Raymond cometeu suicídio pulando da ponte Golden Gate, em São Francisco, em 1993. Foi nos anos 1990 que a Victoria's Secret tornou-se a maior rede de lingeries dos Estados Unidos, atingindo a marca de US$ 1 bilhão em vendas.

O Victoria Secrets Fashion Show, começou exatamente no dia 1º de agosto de 1995 quando estreou no luxuoso hotel Plaza o, pomposo desfile anual da marca, em geral é realizado na cidade de Nova York, que conta com a presença das Angels, as supermodelos da marca, devidamente vestidas com lingerie e asas angelicais super sexys, e convidados especiais, atraindo centenas de celebridades, e sempre trazendo uma performance artística e musical especial a cada ano. Não há registro sobre o porquê da denominação “Angels”, mas especula-se de que tal significado seja a associação sobre anjos serem seres elevados (segundo crenças religiosas) e que se faça essa analogia às modelos que são estonteantemente lindas. Apenas as modelos de mais destaque têm essa denominação, as modelos “coadjuvantes”, são chamadas de “Bombshells”, que se tratam da maioria das modelos da marca e é a partir desse grupo que são escolhidas as Angels.

Em 1999 esse desfile foi transmitido pela televisão em horário nobre pela primeira vez, com uma audiência de 1.5 milhões de pessoas. Em 2006 e 2007 o desfile

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foi realizado na cidade de , e, no ano de 2008, em Miami, coincidindo com a reabertura do tradicional hotel Fontainebleau e de 2009 até 2013, aconteceu no Lexington Avenue Amory, em Nova York. Para o presente ano de 2014, já se sabe que o desfile será realizado em Londres, com o intuito de aumentar a popularidade da marca na Terra da Rainha, tendo em vista que, um dos mais famosos nomes da marca nesses últimos anos, Cara de Lavigne, é inglesa.

No desfile de 2010, 34 beldades desfilaram sua beleza pelas passarelas do evento. Atualmente o evento deve ser a passarela mais bela e cara do mundo, tanto por ter as modelos mais consideradas as mais bem pagas do mundo, como também, pelas peças exclusivas. Nos lendários desfiles da marca, hoje em dia transmitidos para os Estados Unidos pela rede de televisão CBS e no Brasil, pelo canal por assinatura, TNT e na TV aberta, pelo SBT. Além das transmissões pela TV, também é possível encontrar os facilmente para download na internet.

O Victoria’s Secrets Fashion Show chega a ter aproximadamente 1 ano de preparação (Figura.2). Cada modelo tem a peça que vai desfilar, definida nesse planejamento para que não haja surpresas ou contratempos. Durante esse período, são feitas provas das lingeries e as modelos posam para fotos afim de testar a postura que devem ter no momento do desfile, bem como, as caras e bocas que fazem parte da apresentação.

Fig.2: Croquis do desfile de 2010, com as modelos já definidas. Candice e Erin, por exemplo

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As mulheres mais exuberantes e sexys do mundo da moda, trajando apenas lingeries e fantasias, ambientam um show de 10 milhões de dólares investimento, movimentam cerca 10 milhões de telespectadores e supermodelos estonteantes que, juntas, faturam acima de US$ 90 milhões ao ano.

Fig.3: Peça publicitária de promoção do Victoria’s Secrets Fashion Show ano 2010

Neste contexto, o corpus da pesquisa está organizado em torno do desfile elaborado em 2010 e transmitido naquele respectivo ano, por escolha pessoal da pesquisadora. O desfile tem pouco mais de 41 minutos de duração. Serão analisados os elementos de composição de cenário, as modelos, as lingeries usadas pelas mesmas, grau de importância das lingeries usadas por determinadas modelos e performances de artistas durante os desfiles,

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4. DISCUSSÃO DE DADOS SOBRE O FILME 2010 DO VSFS

Descrição: O Victoria’s Secrets Fashion Show do ano de 2010, foi realizado no Lexigton Avenue Armory em Nova York no dia 10 de novembro de 2010 e transmito pelo canal de TV CBS nos Estados Unidos e pelo canal TNT no Brasil no dia 30 de novembro do mesmo ano. O presente Show dispôs de seis temáticas diferentes para cada um dos seis segmentos apresentados, foram eles em ordem cronológica: Tought Love, Farm, Game On, Good Girls, Wild Things e .

No segmento Tough Love, é evidentemente trabalhada a questão do romantismo e da sensualidade. Há a combinação de rendas, spikes10, couro e rosas e o desfile tem duração de 4 minutos e 10 segundos e são apresentados nove modelos No Farm, a temática tem uma proposta mais delicada, inspirada no clima das fazendas americanas e durante 3 minutos e 42 segundos traz para a passarela o clima do universo country, misturando estampas xadrezes e florais em seus nove looks apresentados. A temática é visível pela composição das estampas e tecidos leves e também pela trilha sonora. Nos 3 minutos e 21 segundos da linha Game On, é apresentada a inspiração no mundo dos esportes nos 10 trajes que são desfilados. Traz peças com estampas e elementos que remetem ao boxe e baseball, por exemplo e a trilha sonora desse segmento é enérgica. Ao mesmo tempo acontece a performance de bailarinos que simulam a atuação de ginastas e em alguns momentos participam do desfile com as modelos. O segmento Good Girl, é acompanhado da performance do cantor Akon11, que canta a música “Angel” enquanto as modelos desfilam os 11 looks predominantemente brancos, azuis, dourados e cravejados de Cristais . É nesse segmento que é desfilado o

10 Spike que do inglês tem a tradução de “prego” ou “grampo”, nesse contexto consiste em tachas de metal aplicadas às roupas, sapatos e acessórios. Seu uso começou com o início do movimento punk na década de 1970, refletindo a rebeldia dessa tribo. A partir de 2010, entraram para as tendências da moda afim de reproduzir esse tom de rebeldia de maneira fashion e comercial e se popularizaram em muitos segmentos da indústria da moda. (Nota da autora) Disponível em:

11 Compositor, rapper e produtor musical senegalês de 43 anos. Tem quatro álbuns lançados e já teve 23 músicas na Billboard Hot 100 (lista que indica as 100 músicas mais vendidas no período de uma semana). Seu currículo traz mais de 155 participações com outros artistas, incluindo Michael Jackson, além de inúmeros prêmios ao longo de sua carreira. Fonte:

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Fantasy Bra. O desfile tem duração de 4 minutos e 23 segundos O Wild Things é inspirado na temática selva. A trilha sonora é rock and roll e durante 4 minutos e 36 segundos as modelos desfilam os 11 trajes que trazem elementos como penas de pavão, estampas animal print12 e pinturas corporais, todas seguindo uma paleta de cores frias. Também acontece a performance artística de bailarinos que acompanham as modelos. A última linha a ser desfilada, é a linha Pink. Esse segmento é voltado para o público adolescente e traz elementos como látex colorido, muitas cores e balões, por exemplo. O desfile é acompanhado da performance de Katy Perry e são realizadas 12 entradas em 4 minutos e 26 segundos. Esse segmento é o que encerra o Victoria’s Secrets Fashion Show de 2010.

Entre um desfile e outro, há a inserção de cenas das modelos sendo preparadas nos bastidores, depoimento das Angels falando sobre as características umas das outras, chamadas para o próximo bloco (pois como a transmissão é feita pela TV, há intervalos comerciais). Há também uma performance artística e musical da cantora Katy Perry e seus dançarinos. Antes do desfile da linha Farm, durante 2 minutos e 26 segundos, a Angel , é destaque. Ela foi mostrada em seus momentos de preparação nos bastidores e conta sobre como se sente sobre estar no casting do Victoria’s Secrets Fashion Show. Entre os desfiles Farm e Game On, há uma inserção de bastidores de 30 segundos, onde as Angels se descrevem rapidamente. Antes do desfile da linha Good Girl, um VT de 4 minutos mostra sobre o legado das asas das Angels dentro da Victoria Secrets e como isto é realmente muito importante para cada uma delas. O VT mostra a Angel recendo sua primeira asa para um desfile, que inclusive será a asa de destaque e ela fará a abertura do desfile da linha. Durante os 41 minutos e 4 segundos de Victoria’s Secrets Fashion Show e suas seis diferentes temáticas, são realizadas 62 entradas na passarela, ou seja, 62 modelos diferentes.

Ao todo foram 34 modelos na passarela, entre Angels e Bombshells. As Angels: , , , Candice Swanepoel, Chanel Iman, , , Rosie Huntington-Whiteley.

As Bombshells: , , Caroline Winberg, , Edita Vilkevičiūtė, , Fabiana Semprebom, Flavia de Oliveira, Gracie

12 Estampa que lembra pele de animais como onça e zebra.

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Carvalho, Heloise Guerin , , Jacquelyn Jablonski, , , , Katsia Damankova, , , , , Martha Streck, Maryna Linchuk, , Shannan Click. Essas modelos não têm (ou ainda não tinham) o posto de Angel dentro da marca, mas mesmo não possuindo o “título” de Angel, muitas delas, são grandes nomes dentro da Victoria Secrets e já foram Angels, como a qual desfilou por duas o Fantasy Bra, por exemplo. Anne Vyalitsyna, Magdalena Frackowiak e as brasileiras Isabeli Fontana e Izabel Goulart, também são grandes nomes dentro da marca.

O primeiro bloco do filme, T1, começa a ser analisado do início do show, até os 4 minutos e 10 segundos e se trata do making of, que tem duração de 45 segundos, e do desfile do primeiro segmento apresentado, com duração de 4 minutos e 10 segundos.

O fato de o filme iniciar com a apresentação de making of e bastidores iniciais, já dá uma ideia ao telespectador do que está por vir. As modelos são filmadas nos momentos em que estão no camarim sendo maquiadas e preparadas para o desfile e nesse momento é possível perceber a “autorreferencialidade” que a marca faz a si mesmo, por exemplo, no momento em que as angels aparecem trajando o robe de seda com o emblema da Victoria Secrets (figuras 3 e 4).

Figura 3.

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Figura 4 Também são mostrados frames onde as mesmas aparecem antes de entrar na passarela e aparecem usando alguns looks que serão desfilados ao longo dos 41 minutos seguintes (figura 5) e os artistas que cantarão também são apresentados. Esse início é a chamada geral do filme, e é possível afirmar que esse primeiro momento tem o intuito de mostrar ao público a grandiosidade do evento e como a Victoria Secrets é impecável em sua preparação.

Figura 5 Ainda nesse momento dos bastidores, fica claro a questão do culto ao corpo e valorização do “conceito de beleza” nos padrões necessários para ser Angel da Victoria Secrets. As modelos são denominadas como “as mais lindas mulheres do mundo”.

Em sequência, após o making of, se dá início ao desfile de abertura do Victoria’s Secrets Fashion Show. Os elementos de composição de cenário que podem ser percebidos além do punctum, essencial para todos os desfiles de moda em geral, como por exemplo, uma passarela central entre dois lados da plateia, se dá pelo uso de elementos “teatrais” de composição de cena. São eles: estruturas suspensas no formato de rosas vermelhas e uma espécie de “gaiola giratória” que traz bailarinas dançando, 36

identificadas pelas silhuetas apenas, devido ao contraste de luz e sombra, que dá um toque de mistério ao início. Essa estrutura, tem o intuito do elemento surpresa, pois é de onde sai a primeira modelo a desfilar e também onde a última modelo a desfilar entra, dando assim, encerramento ao desfile da primeira linha apresentada (figura 6).

Figura 6 É possível realizar uma análise geral da categoria “modelos e relação com o vestuário”, já neste primeiro bloco, T1. Trata-se dos padrões estéticos que serão evidentes ao longo de todo o filme. Por exemplo, é inevitável perceber o padrão de beleza feminina vendido pela Victoria Secrets. Todas as modelos, sejam elas as angels ou as bombshells, são magérrimas, de estatura alta, os cabelos de todas seguem o mesmo padrão de penteado –o liso com as pontas onduladas- a única diferença percebida nesse caso, é cor do cabelo, que varia entre loiras e morenas. Outro ponto perceptível em todos os momentos, é uso do salto alto, que historicamente no mundo da moda, é tido como um objeto que exalta a feminilidade e sensualidade feminina. A maquiagem das modelos também é praticamente igual, não há nada de extravagante, pelo contrário, pode-se perceber que se trata de uma maquiagem que busca passar a imagem de naturalidade, passar a sensação ao espectador de todas já acordaram naturalmente lindas, prontas para desfilarem. Diante dessa análise, é possível tratar essas características como uniformização estética, o que deve diferir e destacar cada uma delas, é apenas a roupa que elas vestem. Este é o objetivo da marca dentro do Victoria’s Secrets Fashion Show.

Ainda no bloco T1, observa-se o desfile de abertura Tough Love (que em inglês significa “amor difícil” ou “amor rude”), trata-se de um segmento que tem como

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temática o romântico-sensual e ao mesmo tempo usa de elementos “pesados” nas peças. Por exemplo, há a mistura de rosas e caveiras no mesmo look e os dois elementos interagem perfeitamente bem entre si. Quem tem a incumbência de abrir o desfile Show é a modelo Adriana Lima13, uma das principais angels da marca. Ela tem um alto grau de importância dentro do casting da Victoria Secrets e entra em cena simplesmente aos aplausos fervorosos da plateia. A modelo responsável pelo encerramento desse primeiro desfile, também é outro rosto famosíssimo dentro da marca, Candice Swanepoel14 (figura 7).

Figura 7

Partindo para a análise seguinte, o bloco T2, que inicia-se em 4 minutos e 13 segundos e vai até 6 minutos e 48 segundos. Durante os 2 minutos e 5 segundos de duração, é evidente que a estratégia utilizada é a de testemunhal. É um momento onde as angels testemunham sobre a experiência de estar inserida no casting da Victoria Secrets e até se autodenominam como uma “grande família” (figura 8), sempre afim de mostrar o quanto é maravilhoso poder fazer parte deste universo da marca. A angels em

13 A brasileira de 33 anos, faz parte do casting de Angels da Victoria Secrets desde 1999 e desfila no Victoria’s Secrets Fashion Show desde 2000. É uma das modelos mais bem pagas do mundo, segundo a revista Forbes, chegando a já ter ganho 8 milhões de dólares em 2010. Desde 2008 é considerada a modelo mais sexy do mundo pelo site models.com.Dentro da Victoria Secrets, também é considerada uma das maiores Angels dos últimos tempos e isso pode ser notado pelo fato de a modelo ter desfilado com o Fantasy Bra, a peça mais cara e de maior destaque do Victoria’s Secrets Fashion Show, por dois anos.

14 A sul-africana de 25 anos, desfila desde 2007 para a Victoria Secrets e em 2010 foi promovida a Angel. Hoje em dia é vista como um dos principais nomes da marca e lembrada por sua sensualidade.

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cena neste período são: Adriana Lima, Alessandra Ambrosio15, Behati Prinsloo16, Candice Swanepoel, Chanel Iman17, Erin Heatherton18, Lily Aldridge19, Rosie Huntington-Whiteley20.

Figura 8

A estratégia de testemunhal é ainda mais perceptível, no momento em que as angels tecem diversos adjetivos enaltecedores da beleza umas das outras, citando os atributos estéticos e/ou traços de personalidade mais notáveis de cada uma. Nesta oportunidade, novamente fica claro o aparecimento do uso dos padrões de beleza pré estabelecidos para que seja possível ser uma angel. Em diversas oportunidade, as modelos utilizam frases como “ela tem um corpo incrível”, “ela é totalmente sexy”, “sua melhor característica...”. Só se torna uma angel da Victoria Secrets, quem dispor desses tais atributos valorizados e mesmo contando com a uniformização e padronização das modelos, este é o instante onde são apresentadas as características

15 Brasileira, tem 33 anos e é uma das mais experientes Angels do momento. Ela e Adriana Lima, são as modelos que mais desfilaram no Victoria’s Secrets Fashion Show, tendo em seus currículos 13 desfiles. Já foi considerada a 5ª modelo mais bem paga do mundo em 2006, com faturamento de 6 milhões de dólares. Em 2004 foi eleita a primeira embaixadora da linha Pink.

16É Africana, nascida na Namíbia, tem 25 anos e começou sua carreira em 2005. Desde 2008 é a embaixadora da linha Pink da Victoria Secrets.

17É Americana e passou a fazer parte do casting da Victoria Secrets e na época era a Angel mais nova com apenas 20 anos

18Tem 25 anos de idade e é americana. Está no casting de Angels da Victoria Secrets desde 2009.

19 Americana, tem 31 anos de idade e atua no casting da Victoria Secrets desde 2009.

20É inglesa de 27 anos, estreou na Victoria Secrets e 2006 e foi promovida a Angel em 2009.

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diferenciais de cada uma. A autorreferencialidade à marca está novamente inserida no contexto como uma estratégia aliada à estratégia de testemunhal e é percebida na produção das modelos para realizarem os depoimentos. Elas estão mais uma vez trajando os robes de seda com o emblema da Victoria Secrets e todas aparecem separadamente no mesmo camarim. Há por trás disso uma grande produção para que os depoimentos fossem captados, não é apenas um “simples relato” sem propósito. É possível perceber que tais ações são bem planejadas para seduzir o telespectador acerca do universo das modelos dentro da marca.

No bloco T3, tem início em 7 minutos até os 10 minutos e 55 segundos e entra em cena a categoria de “performance e espetáculo pop”. A Victoria Secrets trouxe a cantora Katy Perry21 como uma das atrações musicais do evento, pois, ela estava em turnê de divulgação de seu álbum Gurls (2010). A marca tem em seu histórico o fato de trazer artistas que estão em destaque no showbiz no presente ano e também os que tem identificação com a proposta da marca, como por exemplo, quando em 2007 trouxe a apresentação do cantor Seal22, que na época era marido da então angel Heidi Klum23 e cantou enquanto sua esposa desfilava.

Em 2010 Katy Perry estava no topo das paradas pops e vendendo milhões de discos ao redor do mundo. Ela é jovem, bonita, magra e sexy e com isso tem total identificação para ser associada à marca. Neste ponto, é possível criar a ligação novamente com os padrões de beleza e feminilidade. Cantoras fora dos padrões impostos, com Adele e Amy Winehouse (figura 9), em hipótese alguma, seriam convidadas para se apresentarem no evento, por não se adequarem às normas. Adele, por ser conhecida por estar acima do peso e ter a postura de ser feliz com o próprio corpo sem se importar com os padrões de beleza e Amy, por ter tido histórico com drogas e álcool durante sua vida, o que ocasionou seu óbito, inclusive.

21 Cantora de músca pop americana nascida em 1984. Começou a carreira em 2004, mas estourou nas paradas de sucesso em 2007, com o álbum One of the Boys. Desde então lançou mais 3 CD’S e hoje está em turnê com álbum Prism. Fonte: Wikipedia. Disponível em: < http://pt.wikipedia.org/wiki/Katy_Perry>. 22 Cantor e compositor britânico. Já lançou 11 discos nos seus 23 anos de carreira.

23 Modelo alemã que foi angel da Victoria Secrets por 12 anos e esteve na lista das modelos mais bem pagas da Revista Forbes de 2007 a 2010.

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Figura 9 (Adele à esquerda, Amy Winehouse à direita)

O ideal de juventude e beleza, associado à visibilidade na mídia da cantora, faz com que essa estratégia de performance musical seja um sucesso, pois atraem os telespectadores que são fãs da cantora, que talvez não assistissem ao desfile, caso ela não estivesse presente.

O bloco T4 tem início em 10 minutos e 11 segundos até 12 minutos e 36 segundos e consiste novamente em evidenciar a estratégia testemunhal por meio da angel Candice Swanepoel. A modelo é filmada durante os bastidores quando está se preparando para entrar na passarela. Ela cita o fato de que o Victoria’s Secrets Fashion Show é o maior evento de moda no mundo fashion (figura 10), o que afirma a exclusividade da realização do show.

Figura 10 41

Durante o depoimento de Candice, as cenas são alternadas entre bastidores gerais, com a preparação de todas as modelos e equipe, mostrando um grande número de profissionais envolvidos na produção e fotógrafos em busca de fotos exclusivas nos melhores ângulos das angels. Candice neste momento tem o papel de ser a representante das demais modelos e mostra a ansiedade e nervosismo que, em geral, todas têm antes de pisar na passarela e brilharem para a marca.

Dos 16 minutos e 31 segundos até os 20 minutos e 30 segundos, é analisado o bloco T5. Este bloco também começa com um trecho de um breve depoimento das angels umas sobreas as outras, nos bastidores enquanto estão se arrumando. Novamente é notável a utilização da autorreferencialidade, com as modelos trajando os robes com o símbolo da marca e também mostra a grande movimentação de muitos profissionais ao redor realizando toda a produção.

O segundo momento do bloco T5, se dá pelo desfile da linha “Game On”, que traz a temática do universo esportivo e este instante é o que pode-se dizer que tem a temática mais bem identificada até o momento, pois, é possível identificar detalhadamente a que esporte cada look faz associação. Ao todo são 10 modelos apresentados que rementem a boxe, ginástica rítmica, natação, baseball, futebol, futebol americano, halterofilismo, lacrosse, kart e corrida automobilística. No desfile desse segmento, é interessante ressaltar que a composição do cenário se dá por meio de projeções feitas no telão ao fundo da passarela e também é o primeiro momento em que o uso da figura masculina aparece em cena na passarela, como “acessórios” de conjuntura de palco (figura 11). São 9 ginastas durante o tempo do desfile são encarregados da performance artística com “acrobacias”, enquanto as angels entram na passarela. O uso da figura masculina, não diferente do que é com as modelos, também mostra o padrão de beleza contemporâneo e traz jovens, de porte atlético e corpo malhado.

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Figura 11

O bloco T6 tem início em 20 minutos e 46 segundos e termina nos 27 minutos e 40 segundos. A primeira parte do bloco, começa com o depoimento das angels acerca do legado das asas que são o símbolo das mesmas. E neste momento é possível observar a estratégia que a Victoria Secrets traz ao dar asas às suas modelos e o quanto isso é importante para elas. Faz a ligação com anjos, que biblicamente são conhecidos como seres perfeitos, acima do bem e do mal e é isso que a marca quer passar, que suas modelos são mulheres magnifícas, dentro do padrão estético mais perfeito que existe, são seres “superiores” diante desta representação.

As asas e angels são o legado da marca. Poder usar uma asa é sinônimo de emoção e poder dentro do casting. Não é à toa, que também bloco T6, há a associação do momento em que a modelo Chanel irá desfilar pela primeira vez usando asas na passarela, com a performance musical do cantor Akon24, interpretando sua música “Angel”, no instante em que ela abre o desfile do segmento “Good Girls” (figura 12)

24Compositor, rapper e produtor musical senegalês de 43 anos. Tem quatro álbuns lançados e já teve 23 músicas na Billboard Hot 100 (lista que indica as 100 músicas mais vendidas no período de uma semana). Seu currículo traz mais de 155 participações com outros artistas, incluindo Michael Jackson, além de inúmeros prêmios ao longo de sua carreira. Fonte:

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Figura 12

Ainda durante o desfile “Good Girls”, Adriana Lima desfila com o sutiã Fantasy Bra, que no presente ano foi orçado em 2,5 milhões de dólares.

O bloco T7 é último a ser analisado e começa em 33 minutos e 11 segundos até o final do filme, 41 minutos e 4 segundos. Este é o bloco do desfile da linha Pink, que é a linha voltada para o público adolescente da Victoria Secrets. Para chamar a atenção desse público, novamente é trazida uma performance da cantora Katy Perry, a qual interpreta duas músicas seguidas durante as 11 entradas das modelos. Como o público- alvo da linha, são as jovens, tudo é muito colorido e brilhante e traz elementos de composição de cenário, como balões de gás hélio e bolhas de sabão.

Logo após o término do desfile, todas as 34 modelos entram juntas na passarela, simbolizando o fim do evento e permanecem por alguns segundos acenando e dançando ali mesmo. Em seguida, os cantores que se apresentaram, entram em cena para agradecer ao público e o filme termina como começou: com as modelos sendo filmadas saindo nos bastidores e com a chamada “nos vemos no próximo ano”.

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5. CONSIDERAÇÕES FINAIS

“O artista é o criador de coisas maravilhosas. Revelar a arte, esconder o artista é a meta da própria arte.” Oscar Wilde - “O Retrato de Dorian Grey”

Há algo de artístico e narcisístico no Victoria’s Secrets Fashion Show, além do caráter inovador de midiatizar lingeries e padrões do belo, criando um “forte espelho midiático” onde mulheres do mundo todo podem se inspirar ao ver as “angels”, estas mulheres do mundo da moda, desfilando seus corpos em pequenas peças de roupas. Neste viés, pensar as estratégias publicitárias do Victoria’s Secrets Fashion Show e da própria marca Victoria Secrets, a partir das modelos, dos cenários e das performances, pode ser articulada por meio dos seguintes aspectos: as estratégias de evidência e referência da marca, o corpo da mulher como recurso de sensualidade e sexualidade reforçado pelo uso da lingerie, a discussão de beleza na mídia, a padronização e uniformização das modelos, o uso dos cenários reforçados pelas temáticas de apropriação para a criação em moda e autorreferencialidade da marca fazendo a conexão da Victoria Secrets com o show midiático que é o Victoria’s Secrets Fashion Show, este evento que é amplamente midiatizado e se diferencia de todos os outros eventos de moda vistos pelo mundo. Não é possível ver tamanha repercussão de uma marca que faça um evento grandioso como esse todos os anos para mostrar suas novidades, mesmo nas semanas de moda. A Victoria Secrets foi capaz de criar e se reinventar a cada ano com produções diferentes e que deixa quem assiste ao evento se questionando a respeito do que eles ainda irão fazer no ano seguinte. As estratégias publicitárias evidentes dentro do Victoria’s Secrets Fashion Show e analisadas ao longo do trabalho, são o que mantém a grandiosidade do evento. Por fim, é possível afirmar que a lingerie como peça do mundo feminino e que evoca a condição “do que é ser mulher” e “do que é ser bela” em nosso pensamento oriental, mantém a magnitude e o imaginário que rodeia a Victoria Secrets.

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6. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

BARDIN, L. Análise de Conteúdo. Lisboa, Portugal; Edições 70, LDA, 2009. BARTHES, Roland. Oeuvres completes. Vol. V. Paris: Seuil, 2002: 1013. BLOG FASHIONISMO: Disponível em: BLOG FULO SIMPLES ASSIM: Disponível em: CHARAUDEAU, P. Discurso das Mídias. São Paulo: Contexto, 2006.

COVALESKI, Rogério. Cinema e Publicidade Televisual: Interfaces Comunicacionais. 2003. 275 f. Dissertação de Mestrado, , Universidade Tuiuti do Paraná, 2003. Disponível em: http://tede.utp.br/tde_busca/arquivo.php?codArquivo=19. Acesso em: 28 de outubro de 2013. FAUSTO NETO, Antonio. Contratos de Leituras entre regulações e deslocamentos. In: Diálogos Possíveis, Ano 6, n.2. Salvador: FSBA, 2007. FONTANEL, Beatrice. Sutiãs e Espartilhos: uma Historia de Sedução. RJ: Duloren, 1998. GIL, Antonio Carlos. Como elaborar projetos de pesquisa. 4. ed. São Paulo: Atlas, 2007. HAMESTER, Morgana; MORAES, Ana Luiza Coiro. Somos todos convidados? Análise cultural do processo de inserção no círculo da moda em O diabo veste . Iara – Revista de Moda, Cultura e Arte, São Paulo, v. 4, n. 1, abril 2008. Disponível em: < http://www.iararevista.sp.senac.br>. Acesso em 25 de setembro de 2013. KOTLER, Philip. Administração de marketing: análise, implementação, planejamento e controle. 5. ed. São Paulo: Atlas, 2009. PALMEIRA, Virgínia. Victoria’s Secret Fashion Show: consumo, mídia e construção de subjetividades. UFPE/Brasil. 2012. Disponível em Acesso em abril/2013. PORTAL IG: Disponível em: ROCHA, Everardo. Magia e capitalismo: um estudo antropológico da publicidade. São Paulo: Brasiliense, 1995. SEMPRINI, Andrea. A Marca Pós-Moderna: Poder e Fragilidade da Marca na Sociedade Contemporânea. Tradução: Elisabeth Leone. São Paulo: Estação das Letras, 2006.

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YIN, R. K. Estudo de caso: planejamento e métodos. Porto Alegre: Bookman, 2001.

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ANEXOS

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ANEXO I

História da Lingerie Fonte: Várias peças e acessórios usados pelas mulheres compõem o que chamamos de lingerie, as conhecidas roupas de baixo. Formada por calcinhas, sutiãs, cintas-ligas, espartilhos e algumas outras peças, a lingerie desperta todo tipo de fantasias. Segundo Freud, a relação do erotismo com as roupas íntimas nada mais é do que o fetiche, ou feitiço. Isso acontece quando a satisfação pessoal se dá através de objetos ou ornamentos.

O cinema e as revistas também ajudaram a criar um clima de sedução e fantasia, despindo as musas de suas roupas e deixando-as apenas com suas roupas de baixo, cada vez mais bonitas e elaboradas.

A lingerie passou por uma série de transformações ao longo do tempo, acompanhando as mudanças culturais e as exigências de uma nova mulher que foi surgindo, principalmente durante o século 20. A evolução tecnológica possibilitou o surgimento de novos materiais, que tornou a lingerie mais confortável e durável, duas exigências da vida moderna.

A história da lingerie começa por volta do segundo milênio antes de Cristo. Em Creta, as mulheres usavam um corpete simples que sustentava a base do busto, projetando os seios nus. Essa "moda" era inspirada na Deusa com Serpentes, ideal feminino da época.

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No período Arcaico grego, surgiu o proto soutien, uma tirinha de pano, geralmente vermelho, que enrolavam sob os seios, para os envolver, levantar e sustentar, mantendo-os firmes, impedindo que tremessem ao andar. Os primeiros registros que mostram modelos de “calcinhas” datam do ano 40 A. C. Em Roma, eram pedaços de algodão, linho ou lã amarrada ao corpo como fraldas.Na Grécia, a necessidade de usá-la surgiu por causa da preocupação das mulheres em cobrirem suas intimidades. Elas banhavam-se nas fontes da cidade de Atenas, usando túnicas e um pequeno triângulo de tecido amarrado com fios nos quadris.

Após a invasão de Roma, surge a faixa chamada fascia, que tinham como objetivo comprimir os seios para que não crescessem. E caso a natureza vencesse, usava-se um couro macio para esmagar o busto, era o mamilare. Para as privilegiadas que tinham seios pequenos, havia o écharpe, que envolvia os seios sem comprimi-los. Após a queda do império romano e invasões celtas e germânicas, a preocupação de sustentar os seios desaparece por vários séculos e com ela, o sutiã.

Na Idade Média, surgiram os ancestrais do corselete. Um deles era a "Cota", uma túnica com cordões. O outro era conhecido como "Beaud", uma espécie de corpete amarrado atrás ou nas laterais, que apertava o busto como uma couraça e era costurado à uma saia plissada. O "Sorquerie" era uma "Cota" muito justa também conhecida como guarda-corpo ou corpete. E havia ainda o "Sucote", um colete enfiado por cima do vestido e amarrado. 50

Na Idade Média, o puritanismo velava para que as vestes não permitissem quaisquer excessos. No século 13, o decote é escondido pelo tassel (um triângulo feito de tecido transparente negro, mas, na verdade, uma esperteza das mulheres para fazer entrever o início dos seios). Uma curiosidade da época: os católicos toleravam a moda dos decotes, mas castigavam os vestidos demasiadamente curtos, pois os pés – e mais ainda as panturrilhas – tinham mais poderes eróticos do que os seios.

Tudo escondendo o busto, mas isto era apenas o início do período da tortura pela universalização deste juízo estético, o que durou até o fim da primeira guerra mundial. Tendo mudado apenas os vários materiais empregados na sua confecção e o grau com que o espartilho, precursor do sutiã apertava e matava aos poucos as mulheres.

Havia ainda o cinto de castidade, contraceptivo metálico ajustado em torno da genitália feminina e trancado a chave pelo marido ou pelo amante desconfiado e paranóico. Mais que um contraceptivo, um instrumento de tortura. Uns cobriam apenas a região da vagina, outros nem o ânus deixavam de fora. Na hora do aperto, as usuárias tinham de se aliviar através das frestas e orifícios disponíveis em pontos estratégicos, os quais eram mínimos, além de protegidos por lâminas ou hastes pontiagudas, para evitar o acesso de algum dedo mal-intencionado. Sem o amparo de higiene, transformava-se em foco de doenças. E pensar que o uso do cinto podia se prolongar por meses. As esposas dos cruzados usavam frequentemente, talvez para garantir que não seriam traídos na longa ausência. Quando um cavaleiro saia a caminho das Cruzadas encomendava um novo cinto para sua mulher e partia sem saber que o ferreiro do castelo fizera uma duplicata da chave.

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Segundo James Brundage, renomado especialista em sexualidade medieval, o cinto de castidade só foi usado para valer por homens, não por mulheres. Maneira mais segura que se encontrou para preservar a integridade física de prisioneiros à mercê de guardas mal intencionados.

A professora Felicity Riddy, juntamente com outro estudioso, do centro de estudos Medievais da Universidade de York, está prestes a publicar um ensaio contradizendo o tema, dizendo que o símbolo máximo da repressão sexual e do machismo medieval, não passou de fantasia vitoriana e promete provar isso com farta documentação. Aponta ainda os satiristas Guillaume de Machaut e Rabelais como os responsáveis pela mitologia que se criou em torno do cinto de castidade.

Só no final da Idade Média, em torno do século XV, durante o ducado da Borgonha, a mulher é livre novamente para se vestir e considerada pelos puritanos como pecadora natural, ou seja um caso perdido. Usava-se um cinto sob o busto, para sustentar os seios, realçando-os sob o vestido. Algumas usavam uma espécie de colete que achatavam os seios e realçavam o ventre, enfatizando o culto à fertilidade, retorno ao período paleolítico 20000 A .C. O decote se torna cada vez mais audacioso.

No fim da Idade Média, a silhueta começa a ficar mais marcada, com adereços extravagantes, como cintos, véus e decotes profundos. Agnes Sorel é um nome famoso na história da lingerie. A francesa, amante do Rei Carlos VII, foi retratada com um seio à mostra, no quadro A virgem de Melun, de Jean Fouquet. Na corte francesa, Sorel reinava sobre a moda, firmando o estilo cintura alta apertada e decote enfatizado com veludo.

No renascimento, século XV, a época da exaltação erótica. Certamente, esta época aguçou a captação de estímulos, abrindo os pontos de percepção, os sentidos, da maioria dos homens, apesar de escandalizar a muitos, que através da opinião formada, experiência estética, voltam a oprimir as mulheres. Volta a sustentação dos seios por peças rígidas, era o "Vasquim", corpete amarrado nas costas, com forro pespontado, reforçado por fios de latão. Havia ainda, as gaiolas, corpete de metal, usado por mulheres com má formação.

Com o fim do renascimento, reina o sofrimento absoluto para as mulheres, que usavam o "Corps Pique", que elimina o ventre, apertando a cintura e dá ao busto o

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aspecto de cone, amarrado com uma haste, que pesava até 1 kg, enfiada em um encaixe e costurada no tecido do corpete. O aperto ao corpo feminino era tanto, que suas costelas chegavam a se cruzar.BustoPrisioneiro, fim do decote, época da reforma e contra – reforma.

Mas as mulheres dão um jeito, não dura muito, mas... Principalmente as meretrizes, que usavam a gougandine, espartilho amarrado e entreaberto na frente. Sustentavam os seios e as costas, quando era necessário assistir longas cerimônias na corte. Até 7 de setembro de 1675, só os homens fabricavam roupas íntimas e se aproveitavam para apalpar as mulheres. Vindo à tona este fato, o parlamento autoriza costureira a fazê-lo para acabar com a libertinagem.

As costureiras, também vítimas da tirania do espartilho, tinham aguçado seu espaço potencial, lugar entre o exterior, a realidade que as escravizava, e o interior, onde já materializavam criativamente, peças mais confortáveis, já que os desmaios, principalmente após as refeições eram comuns. A vida das mulheres tem uma melhora substancial, por ora. No século XVII, os padres faziam sermões contra a nudez do busto, perdoavam algumas e as mais ousadas ganhavam palmadas no bumbum resolvendo a questão.

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As calças de baixo femininas se difundiram mesmo no século XVI, como imitação das masculinas. No século XVI, Catarina de Medicis usou o culote, ainda inspirado nas calças masculinas para montar a cavalo. O culote era um tipo de calça cigarrete larga criada para que as mulheres pudessem se movimentar mais à vontade, sem ficar com seu sexo exposto. Nos séculos XVIII e início do XIX, as dançarinas e femes de theatre, artistas das artes performáticas, a dança, delicada, insinuante, mas controladas por decretos de lei, eram obrigadas a usar roupas de baixo, porque ao dançar, levantavam às vezes as pernas acima da cintura.

As “calcinhas” descritas acima, não eram usadas por todo o povo, a maioria das mulheres nem sonhavam em tê-la. Apenas as mulheres da realeza usavam o culote. Mas a história das calcinhas caracterizado pelo uso mesmo, deu início no século. XVIII, em que dançarinas de cabaret, foram obrigadas por decreto de lei, a usar esta peça, devido aos movimentos da dança que deixavam à mostra as genitais, uma verdadeira afronta à moral da época e hoje em dia também, não é. As calcinhas usadas por elas tinham graciosas camadas de babadinhos e rendas, que acompanhavam harmoniosamente os movimentos da apresentação. Nessa época somente as mulheres do cabaret, libertinas, usavam a peça. Mulheres de família, moças direitas? Nem pensar!

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Somente no século XVIII é que as mulheres começam a respirar, literalmente, um pouco mais aliviadas. É que as hastes de madeira e metal foram substituídas pelas barbatanas de baleia. Os decotes aumentaram e os corseletes passaram a ser confeccionados para comprimir a base do busto, deixando os seios em evidência. Também foi nesta época que os corseletes ganharam sofisticação. Eram bem trabalhados com bordados, laços e tecidos adamascados. E, a partir de 1770, junto com as idéias iluministas que culminaram com a Revolução francesa, houve uma espécie de cruzada anti-espartilho. Médicos, escritores, filósofos militavam contra os corseletes.

Em 1759, há uma revolução médica pedagógica contra o corpete. Uma verdadeira campanha para varrer da vida das mulheres essa indumentária que as aleijavam. Surge vindo da Inglaterra corpete sem barbatanas, vestidos sobre a blusa e um simples saiote. As mulheres usaram então, musselinas e tules, lindos, transparentes, sedutores... Mas a pneumonia atacou aqueles corpos acostumados à escravidão e não a liberdade, e o número de mortes superou ao do período do terror do corpete, por isto ele espartilho volta, mas agora, sem barbatanas, maravilhosos, de veludo ou cetim.

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A calcinha surgiu por necessidade mesmo, até como quesito de urgência. E no início houve muita resistência por parte das mulheres. No século XIX as mulheres começaram a usar a crinolina, uma armação de metal, super leve e mais confortável, a última tecnologia da época para armações de saias. Eram variados formatos e tamanhos e as mulheres pareciam navios de tão espaçosas que ficavam. A leveza das armações era de impressionar, uma anágua era o suficiente. As damas andavam, e saias iam pra lá, pra cá, pareciam balões em movimento. Mas a leveza, tinha o lado negativo, qualquer vento, as saias levantavam, e às vezes deixavam à mostra o que não era para ser visto. "Embora não soe como tal, as crinolinas ofereciam riscos as suas usuárias. Entre os riscos que proporcionava estava a vulnerabilidade à ventanias, causada por seu formato de balão: há relatos de mulheres em portos que foram levadas ao mar, onde se afogaram".

Foi diante dos pudores, que surgiram as pantaloons, uma espécie de calção feminino, de tecido natural, geralmente de linho e algodão, que de início tinha comprimento até os tornozelos e rendada neste local. No início, muitas mulheres resistiram ao uso, por ser masculino, da má fama, e dos transtornos para ir ao banheiro. Mas era necessário. As pernas estavam cobertas e a prova de ventanias.

Uma série de invenções marcou o século. Em 1823, criaram o espartilho mecânico, com polias e colchetes para que a mulher pudesse desatá-lo sozinha e em um minuto. Nessa época, o espartilho também podia ser atado “à la paresseuse”, isto é, por um sistema de cordões elásticos pensado para que a mulher se vestisse sem ajuda.

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Em 1828, surgiram os ilhoses de metal, por onde passam os cordões. Com grampos para fechar os espartilhos, eles davam mais segurança que os ilhoses bordados. Tecidos mais resistentes começaram a ser usados nos espartilhos, como o fustão e o nanquim da Índia. Em 1832, o suíço Jean Werly abre a primeira fábrica de espartilhos.

O estilo romântico, com cintura marcada, mangas bufantes e saias em formato sino, marcou os anos 1830. Uma década depois, o espartilho e a crinolina continuam a revelar uma mulher sedutora, mas enfeitada com babados e fitas, colchetes, pences e presilhas. Nos anos 1850, começa a confecção de diversos modelos em série: espartilhos nupciais, espartilhos de baile, de cetim branco, para manhã, para noite, para dança, com bojos, com presilhas, de camurça, de cinza-pérola, de cetim azul Nilo, de seda cor de hortênsia, de renda Chantilly, fita de seda de Pequim ou renda guipure da Irlanda.

Em 1889, Herminie Caddole inventou o primeiro “corpete para seios”, uma idéia simples e genial que invertia as forças de suporte, agora com alças apoiadas nos ombros. Assim, novas lingeries conquistaram espaço no mundo da moda.

Além do corselete, as roupas íntimas eram compostas por calças que chegavam até os joelhos, cheias de babadinhos. No final de século XIX, foi criado na França o precursor do sutiã, numa tentativa de oferecer às mulheres mais conforto do que o repressor espartilho. A boutique de Heminie Cadolle elaborou um modelo em tecido à base de algodão e seda, semelhante aos modelos atuais.

A partir de 1900, o espartilho começou a se tornar mais flexível. Os balés russos de Serge de Diaghliev faziam muito sucesso em Paris. E seus trajes neo-orientais

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inspiraram costureiros como Paul-Poiret e Madeleine Vionnet que inventaram roupas que formavam uma silhueta mais natural.

Em 1914 o sutiã foi devidamente reconhecido e patenteado nos Estados Unidos pela socialite nova-iorquina Mary Phelps Jacob. Era feito com dois lenços, um pedaço de fita cor-de-rosa e um pouco de cordão. Ela resolveu vender a patente a uma fábrica de roupas femininas, a Warner Brothers Corset Company, por 15 mil dólares da época. Era o início da industrialização do lingerie, porém havia poucas opções de tamanho e o ajuste era feito por presilhas nas alças.

Com o início da Primeira Guerra Mundial, a mulher teve de trabalhar nas fábricas. Isso fez com ela precisasse de uma nova lingerie que lhe permitisse movimentação. Por isso, o espartilho foi substituído pela cinta. Como no caso do sutiã, as calcinhas começam a ganhar os contornos das que conhecemos hoje. Quanto mais a mulher ganhava espaço na sociedade, mais a calcinha diminuía.

Nos anos 20, as roupas íntimas eram formadas por um conjunto de cintas, saiotes, calcinhas, combinações e espartilhos mais flexíveis. E a lingerie passou a ter outras cores, além do tradicional branco.

O sutiã era feito com dois triângulos de crepe, jérsei ou cambraia, presos em um elástico que passava sobre os ombros e cruzava as costas. A sua função era achatar o busto. Em 1935, surge o primeiro modelo com bojos e pespontos circulares, pois nesse período o desejo feminino já era outro: ter seios empinados.

Em 1923, a palavra “soutien-gorge” aparece pela primeira vez nos dicionários franceses. A partir de 1926, o conceito moderno de sutiã se define com mais precisão.

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Os fabricantes buscam produzir modelos que se ajustam às formas femininas com naturalidade.

Um acessório sensual muito usado na década de 20 foi a cinta-liga, criada para segurar as meias 7/8. Dançarinas do Charleston exibiam suas cintas-ligas por baixo das saias de franjas, enquanto se sacudiam ao som frenético das jazz-bands.

O sutiã se impõe nos Estados Unidos. Todas as publicidades da época insistiam na palavra “sustentar”. Ao longo da década, os fabricantes tentam respeitar a diversidade das silhuetas femininas, propondo roupas íntimas mais confortáveis.

Vários modelos foram lançados: com alças elásticas, com bojo sem costura, com enchimento, com armação. Em 1939, é lançado um dos best-sellers da história do sutiã: um modelo com bojos fundos e pontudos, com pespontos circulares. Sucesso na década de 1950, ele é revisitado nos anos 1980 por Jean-Paul Gaultier e adotado por Madonna.

Ainda nos anos 30, a cinta-liga era o único acessório disponível para prender as meias das mulheres, que só tiveram as meias-calças à sua disposição a partir da década de 40, com a invenção do náilon em 1935.

Em 1930, a Dunlop Company inventou um fio elástico muito fino, o látex. A roupa de baixo passou a ser fabricada em modelagens que respeitavam ainda mais a diversidade dos corpos femininos. E, a partir de 1938, a Du Pont de Nemours anunciou a descoberta do náilon. E as lingeries coloridas, finalmente, tornam-se bem populares. Mas em 1939, com o início da Segunda Guerra Mundial, o náilon saiu do setor de lingerie e foi para as fábricas de pára-quedas.

Com o final da Segunda Guerra Mundial, o New Look do costureiro , lançado em 1947, propunha a volta da elegância e dos volumes perdidos durante o período da guerra. Para acompanhar a nova silhueta proposta pelo costureiro, a lingerie precisava deixar o busto bem delineado e a cintura marcadíssima. Surgiram os sutiãs que deixavam os seios empinados e as cintas que escondiam a barriga e modelavam a cinturinha.

Data de 1950 a invenção da lycra, o “fio mágico”. Adeus pinças, recortes, fechos e colchetes: a lycra pode se associar a materiais mais finos como seda, tule e renda, ajustando-os perfeitamente às curvas do corpo. Nesta época, o estilo pin-up de Jane Russell, Sophia Loren e Anita Ekberg estrelavam as fantasias masculinas 59

O nylon deixou as peças mais leves, mas a vedete da época era o sutiã very secret, de 1952. Feito com duas almofadas de ar finas, fazia o efeito de seios globo, tão sonhado pelas mulheres. Pela primeira vez, a francesa Les Trois Suisses publica um catálogo inteiramente dedicado à lingerie.Outro modelo de sucesso foi o sutiã peito-de- pombo, cujo corte aproximava e levantava os seios.

Em 1955, a lingerie fina conquista espaço na moda, com novos modelos e renda preta de náilon, linho, seda e até tule. Fabricantes de lingerie dos Estados Unidos, Inglaterra e França focam as adolescentes como novo público-alvo. São dessa época as primeiras campanhas publicitárias inovadoras de lingerie.

Em tempos de revolução dos costumes, com o top less nas praias de Saint- Tropez, o rock de Woodstock e as barricadas de Paris, a revolução sexual levou muitos fabricantes de lingerie à ruína. Mas as marcas que resistiram cresceram e se tornaram respeitadas.Na década de 60, com a revolução sexual, o sutiã chegou até a ser queimado em praça pública, num ato pela liberdade feminina. Uma geração de mulheres afirmava, em 1980, não usar nada por baixo das camisetas ou de seus jeans, mas os tempos mudaram e a moda trouxe tantas novidades em cores, materiais e estilos, indo do esportivo todo em algodão, ao mais sofisticado modelo em rendas e fitas, que as mulheres chegaram a gastar mais em roupas de baixo do que em qualquer outro item de guarda-roupa ainda durante os anos 80. No final dos anos 70 e início dos 80, a inspiração romântica tomou conta da moda. Cinta-liga, meias 7/8 e corseletes, sem a antiga modelagem claustrofóbica, voltaram à moda. Rendas, laços e tecidos delicados enfeitavam calcinhas e sutiãs.

A década dos “excessos” apostou nos sutiãs “big bang”, que dividiam espaço com modelos criativos, com cores, estampas e texturas inovadoras. Graças à revolução têxtil, à lycra, às microfibras e às rendas em todos os estilos imagináveis (do étnico ao camponês romântico), os sutiãs conquistam refinamento e conforto inigualáveis. O sutiã cônico outwear, lançado por , faz sucesso no corpo de Madonna durante a turnê Blonde Ambition.

A década de 80 a cantora Madonna consagrou a exposição da lingerie, usando sutiãs, corpetes e cintas-ligas como roupas, e não mais como underwear (roupa de baixo). O público feminino adotou a idéia e a explora até hoje.

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Dos anos 90 até os dias de hoje, a lingerie, assim como a moda, não segue apenas um único estilo. Modelagens retrô, como os caleçons, convivem com as calcinhas estilo cueca. Os sutiãs desestruturados dividem as mesmas prateleiras com os modelos de bojo. Tecidos naturais, como o algodão, são vendidos nas mesmas lojas de departamento que os modelos com tecidos tecnológicos.

A criação de um modelo curioso nos anos 90: uma calcinha com bumbum falso, que contém um enchimento de espuma de nylon de vários tamanhos e modelagens.

Em 1995, acontece o primeiro Victoria’s Secret Fashion Show, transformando a grife em uma das mais cobiçadas do mundo. Entre as top models que já foram angels, destacam-se as veteranas , e Heidi Klum, além das brasileiras Adriana Lima, Alessandra Ambrósio, Carol Trentini, e, claro, Gisele Bündchen. Em 2005, a übermodel brasileira desfilou com o Fantasy Bra lançado pela primeira vez em 1996, de seda vermelha com rubis e diamantes, valendo mais de 12 milhões de dólares.

A indústria de lingerie, por sua vez, elabora modelos cada vez mais sensuais e de materiais confortáveis. Transparências passaram a revelar belos sutiãs e corseletes, usados até mesmo em ocasiões formais. Perto do ano 2000, as alcinhas de sutiãs são propositadamente deixadas à mostra. Revelando que as roupas íntimas estão longe de servir apenas para manter a higiene e conforto das mulheres, mas fazer parte da moda e

Nos sutiãs a modelagem fica mais sofisticada. Surge o push-up, que levanta e une os seios. Os bojos ganham bolhas estrategicamente situadas para aumentar e modelar os seios pequenos e médios. Surgem peças com recortes capazes de diminuir os peitos grandes e outras são feitas especialmente para as próteses de silicone. Além disso, os sutiãs se adaptam a cada tipo de decote graças às alças removíveis.

O estilo continua a ser reinventado, a cada temporada, com editoriais e desfiles. A tecnologia está nas invenções de linhas focando o conforto (modelos sem costura), o bem-estar e opções utilitárias, como as peças com ativos anticelulite, bactericidas e aloe vera.

No livro Sutiãs e espartilhos, Béatrice Fontanel diz que o sutiã é a peça de roupa mais complexa na moda, tanto que robôs são incapazes de costurá-lo. Por isso, a indústria da roupa íntima precisa sempre de mão-de-obra especializada. Muitas marcas fabricam seus sutiãs em outros países, como Portugal, Tunísia, Marrocos, Grécia e

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Turquia. Para se montar um sutiã com perfeição, é preciso separar as intervenções: cada artesão fica encarregado de uma costura, às vezes minúscula.

Fonte: Site Manequim, Site Almanaque Folha, Site Lucitex, Site Moda Spot.

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