<<

Reeditado em 14/1/2016 em homenagem a Célia Chaim, coordenadora da série, falecida em 12 de janeiro. Edição 1 - 30 de abril de 2008

No dia 5 novembro de 2007, Jornalistas&Cia circulou uma edição especial, a 615A, com uma entrevista de fôlego com os dois principais executivos da Infoglobo, o diretor-geral Paulo Novis e o diretor de Negócios Corporativos Agostinho Vieira. Foi uma entrevista de mais de duas horas que eles concederam a mim e a editora regional Cristina Vaz de Carvalho. Daquela experiên- cia e do desejo de abrir espaço para que se pudesse conhecer um pouco melhor a alma de alguns de nossos mais importantes jornalistas nasce agora a série Jornalistas&Cia ENTREVISTA. Ela chega com a proposta de mensalmente trazer para nossos leitores informações relevantes e curiosidades de personagens que povoam o nosso dia-a-dia, o nosso imaginário e, porque não dizer, os nossos corações, ídolos que são para muitos de nós. A série abre com Zuenir Ventura, jornalista e escritor consagrado internacionalmente, que tem uma carreira premiada, com passagens por alguns dos mais importantes veículos de comunicação do País. Além da entrevista que concedeu a Célia Chaim, e que publicamos na íntegra, o especial destaca todas as obras escritas por Zuenir e também o passo a passo de sua carreira. O tempero, além do texto da Célia, fica por conta de uma crônica de Luís Fernando Veríssimo publicada anos atrás no Estadão e que aqui resgatamos, e do texto com uma síntese da participação de Zuenir no Roda Viva que foi ao ar no dia 14 de abril. Boa leitura! Eduardo Ribeiro ZUENIR VENTURA - Quem lê nunca esquece Por Célia Chaim Zuenir Ventura é um dos Seu Zezé e dona Neném pu- ga às livrarias pela Editora Plane- principais nomes da seram no mundo um presentão ta. No livro, retorna a 1968 para, Kfouri Cacalo Fotos: imprensa brasileira. para os brasileiros, o jornalista a partir daí, investigar o que res- e escritor Zuenir Ventura. Acon- tou da herança daquele que mui- Trabalhou como repórter, teceu em Além Paraíba, Minas tos consideram o mais polêmico redator e editor de jornais Gerais, no dia 1º de junho de ano do Século XX. 1968 – O ano e revistas, ganhou os 1931. Terceiro dos quatro filhos que não terminou, escrito por ele prêmios Esso de do casal Antônio José Ventura, e lançado há 20 anos, é referên- Reportagem e Vladimir seu Zezé, e Herina de Araújo, cia para o estudo da década de dona Neném, começou a traba- 60, best-seller com mais de 40 daqueles tempos? A liberdade Herzog de Jornalismo em lhar cedo, na adolescência, pri- edições e 400 mil exemplares sexual pós-pílula e pós-Aids se- 1989. Além de crônicas, é meiro como ajudante do pai, vendidos. “Minha preocupação ria uma conquista daquela ge- autor de livros como os pintor, depois como contínuo do é buscar no mundo de hoje o que ração? E os jovens de hoje? Es- best-sellers 1968 – O ano Banco Barra do Piraí, faxineiro nasceu ou se desenvolveu em tariam perdidos em meio ao que não terminou e do Bar Eldorado, balconista da 1968”, explica. “O que teve ori- consumismo ou encontram na Cidade partida. E já está Camisaria Friburgo, professor gem nesse ano e não se perdeu causa ecológica e nos movimen- primário do Colégio Cêfel. Zue- no tempo? Há respostas para tos sociais de periferia uma nova nas livrarias 1968 – O nir é terno, um chefe que se im- muitas perguntas. O movimento luta? Seria a globalização o novo que fizemos de nós, sobre pôs pela competência e não da periferia tem conexão com os inimigo a ser enfrentado? Dia- o que ficou daquele ano pelo grito, um intelectual sem movimentos sociais da década logando com ícones da geração inesquecível. Quatro soberba, dono de uma escrita de 60? Que caminhos tomaram de 68 e com jovens de hoje, ou décadas depois, Zuenir rara e de um amor eterno por a juventude, a política e a socie- valendo-se de pesquisas e estu- Mary, também jornalista, sua dade a partir dos movimentos dos, Zuenir encontra pessoas foi atrás da herança mulher há 45 anos. Êpa! Nada que tiveram seu auge em 68?” que se lembram com carinho de deixada por aquela de injustiças: na vida real, esse O livro é dividido em duas 68 e quem não quer mais saber geração polêmica, de mineiro que se tornou carioca é partes. Na primeira, Zuenir bus- dele. Ele escreve: “É possível que ouro. Zuenir torce pelo o marido de Mary, uma doce ca o caminho percorrido por 68 no Século XX tenha havido um Fluminense, tem dois criatura que, ele admite, o con- nestes 40 anos, e vai descobrir ano igual ou mais importante do filhos – Mauro e Elisa – e duz. “Mary manda em mim”. traços dele até em raves, assim que 1968, como defendem al- Zuenir passou por São Paulo como encontra remanescentes guns. Mas nenhum tão lembra- uma mulher que se em 14 de abril para acertar o lan- dos Meia-Oito no governo e na do, discutido e com tanta dis- chama Mary, sua doce çamento de seu novo livro, 1968 oposição. A droga, então ideali- posição de permanecer como companheira há 45 anos. – O que fizemos de nós, que che- zada, seria a herança maldita referência, por afinidade ou por contraste. Ao se comportar Naquela mesma noite, em São simo é um Bial ou um Jabor”. grande Vera, prepara, sabendo como se fosse um ser animado, Paulo, Zuenir Ventura ocupou a E olha que o magnífico escri- que esse é o seu almoço diário suspeita-se que 1968 não foi um cadeira principal do programa tor e cronista Luís Fernando Ve- e que a “refeição” mesmo é só ano, mas um personagem ines- Roda Viva, da TV Cultura (ver ríssimo passa longe, sempre, de no jantar. Zuenir e Mary vivem quecível e que teima em não sair Cesar Benjamim: o rosto de microfones, gravadores e – Deus ali, felizes da vida. “Gosto mui- de cena”. 1968). No sábado, 19, abriu o o livre! – de uma câmara de tevê. to do Rio”, ele afirma. Quem No livro, Caetano Veloso, o coração na crônica Pânico na Mas Deus não livrou Zuenir de, não gosta de uma das cidades compositor da trilha sonora da- TV, publicada no jornal O Glo- poucos dias depois, ser um dos mais bonitas no mundo, a “ci- queles tempos, aponta a mudan- bo, sobre sua sofrida experiên- entrevistados de Jô Soares. Esta- dade maravilhosa” do País? É ça de comportamento da socie- cia. Um trecho: “Sofro antes, va mais à vontade, deu risadas, perigosa e violenta? “É uma tra- dade como o melhor legado de durante e sobretudo depois... Na foi aplaudido pela galera e mos- gédia”, ele diz, como dizem os 68: “O melhor foi as meninas de véspera, torço para que o pro- trou que, se nunca vai ser um galã paulistanos sobre a insegurança família passarem a poder transar grama ou o convite seja cance- de novela, sempre será um dos em São Paulo. A diferença insus- com os namorados, em muitos lado. No dia, alimento a espe- melhores jornalistas do País. peita é que o Rio é o Rio que casos dentro da casa dos pais. O rança de que um beclaute re- Zuenir e Mary voltaram para mora no mar, o , pior foi a volta da religião”. Per- pentino tire a estação do ar. Ou casa dois dias depois da passa- fevereiro e março, de Gilberto guntado se o socialismo ainda então que um grande aconteci- gem por São Paulo. A casa é um Gil; o Rio da Garota de Ipane- tem algo a dizer, ele resume: “O mento, uma catástrofe, desvie apartamento em Ipanema que ma, de Tom Jobim e Vinicius de desejo de superar as injustiças todas as atenções para outros lhes permite ver o mar, atrás da Moraes. É o Rio de Janeiro. sociais sempre terá algo a dizer”. canais e não deixe nenhum avenida Vieira Souto, caminhar A seguir, a integra da entrevista Daquela época, Caetano só tem amigo assistir o meu vexame. pela orla, comer sua saladinha que ele concedeu a J&Cia EN- uma saudade, “ser jovem”. (...) Comparado comigo, Verís- de alface e tomate que Vera, a TREVISTA. “A geração de 68 queria tudo a que não tinha direito; a atual tem tudo do que precisa e por Edição 1 - Página 2 isso se apresenta cheia de ambigüidades e paradoxos. Desapegada ideologicamente, essa turma bem de vida e de poder aquisitivo não se interessa pela política, não tem preocupações sociais e não protesta nem contesta, pelo menos na forma como faziam seus antecessores. É uma geração auto-centrada.”

Jornalistas&Cia – A primeira Tribuna da Imprensa, de Carlos achou que era recordista. Quan- fissão. Não tem receita. Acho pergunta seria sobre 1968 – O Lacerda. Quando voltei para o do eu disse que tinha 45, ficou que é uma construção a dois, que fizemos de nós. Mas, se- Brasil e para o jornal, ela estava meio sem jeito. E aí ficamos pro- não é um mar de rosas. É real- guindo réstias do espírito anár- lá, como repórter. Aí a gente co- curando saber se tinha alguma mente uma conquista, uma quico de 68, começo por Mary, meçou um namoro que dura 45 fórmula. Não tem. Ele atribui a construção conjunta, você tem a co-autora de sua vida. Como anos já. O que é uma coisa duração do casamento dele às que ceder, dar espaço. Mas é vocês se conheceram? muito rara hoje. Outro dia par- diferenças entre ele e a Lúcia. uma coisa raríssima hoje, quan- Zuenir Ventura – Eu estava em ticipava de um programa com o No meu caso, é o contrário, nós do as pessoas casam várias ve- Paris com uma bolsa de estudos Veríssimo e ele disse que era somos muito parecidos, de in- zes. A coisa mais comum é fa- e era correspondente do jornal casado há 44 anos com a Lúcia, teresses, de gostos e até de pro- mília com meio-irmãos.

J&Cia – Além de tudo que Estado de S.Paulo, o escritor lho nessa geração, chamada ge- de nós? Mary significa para você, ela Luís Fernando Veríssimo, co- ração do milênio, trouxe para Zuenir – Minha preocupação toma conta da sua “desorgani- mentando o debate que Zuenir mim uma humildade de tentar é buscar no mundo de hoje o zação”, ao que parece... mediou entre candidatos à Pre- entender. Eu sou da geração de que nasceu ou se desenvolveu Zuenir – Por conta própria, sidência da República, escre- 68; eles, meus filhos, meus ne- em 1968. O que teve origem sou capaz até de marcar dois veu que uma rápida pesquisa tos, realmente são muito dife- nesse ano e não se perdeu no compromissos na mesma data da platéia no fim das entrevis- rentes. A geração de 68 queria tempo? Há respostas para mui- e no mesmo horário. Ela, não, tas teria dado um resultado: “as tudo a que não tinha direito; a tas perguntas. O movimento da é organizada. meias do Zuenir Ventura para atual tem tudo do que precisa periferia tem conexão com os J&Cia – Também por conta presidente” – leia a crônica no e por isso se apresenta cheia de movimentos sociais da década própria, você deixou que seu quadro As meias de Zuenir). ambigüidades e paradoxos. De- de 60? Que caminhos tomaram amigão, Luís Fernando Veríssi- J&Cia – Seu livro chegou às sapegada ideologicamente, a juventude, a política e a soci- mo, escritor, cronista, músico livrarias antes do lançamento essa turma bem de vida e de po- edade a partir dos movimentos amador e humorista, flagrasse oficial e já está passando de der aquisitivo não se interessa que tiveram seu auge em 68? as suas meias “espetaculares” mão em mão numa velocidade pela política, não tem preocu- Daí, investigar o que restou da num debate entre candidatos à que, tudo indica, poderá ser pações sociais e não protesta herança do mais polêmico ano Presidência da República... mais um best-seller do Zuenir nem contesta, pelo menos na do Século XX. 1968 – O ano Zuenir – Eu gosto de meias escritor. Acho que a grande cu- forma como faziam seus ante- que não terminou, lançado há coloridas mas nem estava com riosidade de quem viveu e dos cessores. É uma geração auto- 20 anos e referência para o es- elas nessa ocasião. Foi uma filhos e netos daquela geração centrada. tudo da década de 60, é best- brincadeira de Veríssimo. (Nota é saber sobre o que mudou. J&Cia – Quarenta anos de- seller com mais de 40 edições da redação: Um dia depois, em Zuenir – Mudou, mudou mui- pois, o que moveu você a es- J&Cia – Foi a procura da he- crônica publicada no jornal O to. Acho que esse meu mergu- crever 1968 – O que fizemos rança de 68 que o motivou?

Zuenir – O novo livro preten- essa busca, daquele sonho, do de olhar um pouco para esse que aquela garotada toda so- “No início do Século XXI, a minissaia serve mundo. Não é mais sobre 68, nhou. Muitos daqueles rema- não apenas para exibir as coxas. embora 68 tenha uma espécie nescentes hoje estão fazendo Personagens do showbizz como Britney Spears, de sombra pairando sobre qua- outras coisas mais ou menos na Paris Hilton, Luana Piovani, Adriana Galisteu se tudo. Mas o que eu quis foi mesma linha. Você tem, por a usam também para mostrar a calcinha. realmente fazer um balanço do exemplo, Heloísa Buarque de Ou, de preferência, a ausência dela.” que fizemos de nós. Acho que Holanda, musa de 68 no Rio, tem uma coisa curiosa: 68 tem hoje muito voltada para a lite- um legado ótimo, está presen- ratura da rede e a literatura da te e eu tentei correr atrás des- periferia. Ela mesma acha que ses rastros. Até a internet encar- esse é um olhar que adquiriu nou esse espírito anárquico de em 68, uma herança. 68. Você tem remanescentes de J&Cia – Em seu livro você 68 em cada canto. Tem na di- escreveu sobre o que não exis- reita, na esquerda, no governo, tia em 68 e que hoje parece ini- na oposição. Esse rastro está em maginável. Vamos à página todos os lugares. 117... J&Cia – Por que esse ano, 68, Zuenir – Os jovens de hoje não vai embora? têm dificuldade de imaginar Zuenir – É muito teimoso, não que houve um tempo em que gosta de sair de cena, gosta de se vivia sem CD, DVD, Gisele ficar. Eu assumi basicamernte Bündchen, bala perdida, tele- Edição 1 - Página 3 fone celular, internet (web, site, listas como esta. e-mail, Google...), alimentação J&Cia – Seu livro traz uma lis- diet, Viagra, Big Brother, mania ta com as principais heranças de correr, notícia em tempo que sobreviveram nesses 40 real, interatividade, iPod, Aids, anos. Uma delas – a minissaia medo de colesterol, medo de – sobrevive soberbamente (em- assaltos, grades nos prédios, pi- bora não seja o “legado” mais ercing, depilação dos grandes relevante, é o que vemos nas “Guevara virou ídolo pop e perdeu a virulência. lábios. Botox, seios turbinados, ruas todos os dias). O que você Um ano depois de sua morte na Bolívia, em 67, o “estarei fazendo”, anorexia, escreveu sobre essa criação ele era um mártir, quase um santo. A foto globalização, DNA, pensamen- econômica que se faz com daquele rosto carismático, barbado e cabeludo, to único, academias de muscu- menos de um metro de pano? feita por Alexandre Korda, correu o mundo e lação, Bill Gates, baile funk, Zuenir – Nenhuma moda dos tornou-se a segunda imagem mais difundida da controle remoto, forno de mi- anos 60 durou tanto quanto a era contemporânea (a primeira é a de Jesus). Foi croondas, tevê em cores, tevê invenção da inglesa Mary parar em biquinis da modelo Gisele Bündchen e a cabo, garotas de programa Quant, que um dia resolveu en- (com este nome), shopping cen- curtar as saias, deixando-as sete em tatuagens no braço de Maradona e no peito ters, ecstasy e mania de fazer centímetros acima dos joelhos. de Mike Tyson.”

Para começar. Ficou rica e fa- ria, a descrença nas ideologias nhor de avançada idade, ela, ferentemente de outras drogas, mosa, recebeu das mãos da ra- e a ausência de modelos, os jo- Anna Clara, uma gata bonita e teria um efeito apaziguador dos inha Elizabeth II, em 1966, a vens de 2000 se voltaram para atraente em seus 24 anos, pa- impulsos agressivos. Esse é um Ordem do Império Britânico – eles mesmos. A música eletrô- recendo 18. A não ser por umas dos piores riscos que o pacífi- vestida, claro, de minissaia – e nica e as raves são a sua diver- poucas e amistosas brincadei- co ecstasy oferece, por ser uma espalhou filiais de butique Ba- são e a internet, sua ocupação ras (“Parabéns, coroa!”) passa- droga limpa, tomada como se zaar por centenas de cidades do permanente. mos quase que despercebidos. fosse um comprimido contra mundo todo. No início do Sé- J&Cia – A propósito, repórter Vi confirmar o que Maria Isa- dor de cabeça. No entanto, os culo XXI, a minissaia serve não respeitado que é, como você foi bel Mendes de Almeida, soció- efeitos sobre o cérebro são de- apenas para exibir as coxas. Per- parar numa noitada rave, no loga, me disse um dia, que es- vastadores. sonagens do showbizz como meio de centenas de pessoas de ses jovens permanecem tão vol- J&Cia – Nos verbetes das mu- Britney Spears, Paris Hilton, Lu- óculos escuros? tados para si mesmos que não danças e permanências desses ana Piovani, Adriana Galisteu Zuenir – Fui levado por ami- reparam nos outros. 40 anos, aparece o escritor e re- a usam também para mostrar a gos para conhecer essa moda J&Cia – E os óculos escuros? acionário Nelson Rodrigues calcinha. Ou, de preferência, a dos novos tempos. Uma care- Zuenir – A droga dilata as pu- como o primeiro da lista do ausência dela. ca brilhante, a 1,81m de altu- pilas e os olhos ficam muito “ano que não terminou”. J&Cia – O que movia os jo- ra, caminhando naquela multi- sensíveis, principalmente quan- Zuenir – Ele resistiu tanto e vens em 68? dão deveria chamar alguma do você é bombardeado por fla- tão consensualmente que cor- Zuenir – Rebeldia, contesta- atenção, ainda mais que seu shes e fachos de luz... re o risco de sucumbir ao que ção, militância política, uma dono, o portador da calvície, J&Cia — Dizem que nessas decretou em 68: “Toda unani- causa, impaciência, voluntaris- estava na companhia de alguém festas, o ecstasy corre livre, leve midade é burra”. Amado e odi- mo. Foram substituídos por fe- bem diferente e que ficava al- e solto para garantir à moçada ado, agora é só admirado. Con- nômenos como a inapetência guns centímetros abaixo. Era dançar mais de 12 horas... tinua sendo o frasista mais cita- política... Com o fim da histó- um casal insólito. Ele, um se- Zuenir — Acredita-se que, di- do do País , até porque, como ele mesmo disse. “o brasileiro da, correu o mundo e tornou- mata e morre por uma frase”. se a segunda imagem mais di- Felizmente, quem não terminou fundida da era contemporânea foi o Nelson Rodrigues subver- (a primeira é a de Jesus). Foi pa- sivo em arte e não o reacioná- rar em biquinis da modelo Gi- rio em política. sele Bündchen e em tatuagens J&Cia – O heróico guerrilhei- no braço de Maradona e no ro Che Guevara, em compen- peito de Mike Tyson. sação, virou tatuagem... J&Cia – Há críticas que con- Zuenir – Quem diria isso em denam o fato de crianças e ado- 68,.. Guevara virou ídolo pop lescentes lerem Harry Potter. O e perdeu a virulência. Um ano que significa isso? depois de sua morte na Bolívia, Zuenir – É bobagem, uma vi- em 67, ele era um mártir, qua- são elitista. Acho que é um co- se um santo. A foto daquele ros- meço para esses jovens tomarem to carismático, barbado e cabe- gosto pela leitura. Quando se ha- ludo, feita por Alexandre Kor- bituam, não abandonam mais. Cesar Benjamim: o rosto de 1968 Edição 1 - Página 4 No Roda Viva que foi ao Entre perguntas, comentários Estado Novo e uma grande ra- e a revolução sexual. No Brasil, ar no dia 14 de abril, e depoimentos pessoais, a en- zão contra o que lutar. por força das circunstâncias da pela TV Cultura e trevista percorreu o passado, o Ao ser indagado sobre quem, ditadura militar, houve a preva- presente e o futuro do País, dei- de todos os personagens mar- lência de outro fator, o da con- emissoras educativas, xando no ar uma grande inter- cantes de 68, ele considerava o testação política. Ele também Zuenir Ventura rogação sobre o que move a ju- grande nome, o rosto que car- chamou a atenção para o fato experimentou do seu ventude atual, que não tem, regou de maneira mais coeren- de ter havido um movimento próprio veneno, no dizer como aquela de 68, uma causa te, ao longo da história, os ide- planetário, com todos conver- de um dos entrevistados, tão nítida e tão apaixonante por ais daquele movimento, foi di- gindo para os mesmos pontos que lutar. A melhor resposta tal- reto: Cesar Benjamim, o Cesi- em diferentes países, numa épo- ao ter de responder a vez tenha sido dada por Caeta- nha, personagem pelo qual nu- ca em que não existia internet, algumas das mesmas no Veloso, no depoimento que tre grande respeito e que tanto globalização – um mistério que perguntas que ele fez a Zuenir pôs em seu livro: “para em 1988 quanto em 2008, res- não conseguiu desvendar. Afir- outros personagens para ser igual a 68, é preciso fazer pectivamente, 20 e 40 anos de- mou também que se há um pon- escrever 1968 – O que tudo diferente de 68”. pois de 68, deu nítida mostra de to em que o espírito de 68 não fizemos de nós. Tranqüilo, seguro e sereno, não ter escorregado em seus ide- vingou, chegando até a ser traí- Zuenir lembrou que quando ti- ais e em suas atitudes. Para do, foi o da ética. E o legado nha 17 anos, muito antes de 68, quem não sabe, César Benja- mais pernicioso que deixou foi a grande referência mundial era mim começou a atuar politica- o das drogas, a herança maldita a Resistência Francesa, cantada mente aos 14 anos de idade, foi daquele período. em prosa e verso pela literatura preso ainda menor e ficou por A bancada com que Zuenir e inspiradora das gerações vin- cinco longos anos na prisão, três dividiu angústias, incertezas, douras, inclusive no comporta- deles numa solitária. esperanças e boas histórias reu- mento. Mas se teve um exem- Segundo Zuenir, foram quatro niu, além do apresentador Car- plo positivo, sua geração teve os grandes eixos mundiais que, los Eduardo Lins da Silva, Au- também um negativo, aliás bem de certo modo, tiveram seu epi- gusto Nunes, Sidnei Basile, Re- mais próximo de nossa realida- centro nos vários movimentos gina Zappa, Bruno Fiuza, Ma- de: a ditadura Vargas, que du- no ano de 1968: o movimento ria Isabel Mendes de Almeida e rante longos anos nos legou o negro, a ecologia, o feminismo Marco Antonio Augusto.

(A crônica de Veríssimo, publicada em 2002 no jornal O Estado de S.Paulo, que tirou o sono de Zuenir Ventura ao suspeitar que poderia ficar mais conhecido pelas meias coloridas que usa do que por seus livros.) As meias de Zuenir Luís Fernando Veríssimo (*) As entrevistas com os principais candidatos à Presidência também aprender a da República no auditório do Globo, nesta semana, mostra- tocar saxofone. Mi- ram que os debates entre os quatro, na tevê, podem ser res- nha pergunta seria se tritivos, mas não são enganadores. Soltos, com o tempo que ele aprendera a tocar quisessem para dar suas respostas, elaborá-las e até contra- o instrumento e se dizê-las, os candidatos confirmaram o que já se sabia deles e achava que era hora de suas idéias depois de vê-los discutindo, em cápsulas, na de um saxofonista go- tevê. A diferença é que, com tempo e sem regras rígidas, eles vernar o Brasil, já que revelam mais sobre a sua personalidade, seu talento histriô- o saxofonista Clinton não tinha ido tão mal no governo ame- nico e poder de comunicação, sua postura e seu autocontro- ricano – pelo menos em comparação com o seu sucessor, le – enfim, tudo que não é idéia, mas é importante. que não toca nada. Só pude participar das duas primeiras entrevistas, com o A intenção era sugerir que a frivolidade também é impor- Serra e com o Ciro, o que significa que perdi os dois melho- tante na avaliação dos candidatos e inspirar perguntas aos res “shows”, o do Garotinho e o do Lula. Tanto Serra quanto outros sobre, sei lá, sobremesas favoritas e possíveis poemas Ciro foram bem articulados e simpáticos, com vantagem para secretos. O tipo de curiosidade que nunca teve muito trânsi- Ciro no quesito comunicabilidade, seja isso o que for. Mas to na política brasileira e que, se valorizada, poderia ter nos nenhum dos dois conseguiu superar o mediador do primeiro salvo de algumas surpresas desagradáveis. Quem sabe o que dia, Zuenir Ventura, no quesito meias espetaculares. uma pergunta sobre gostos excêntricos teria nos revelado Fiquei tentado a fazer uma pergunta tipo nada a ver ao sobre presidentes que depois acabamos lamentando? No Ciro, depois de prefaciá-la dizendo que seria pessoal, mas, fim fiz uma pergunta banal, banalmente respondida. por incrível que parecesse, não sobre a Patrícia. Li que, na Não sei como se saíram o Garotinho e o Lula, mas desconfio época em que se desencantara com a política, deixara cres- que uma rápida pesquisa da platéia no fim das entrevistas teria cer a barba e se mudara para os Estados Unidos, ele decidira dado um resultado: as meias de Zuenir Ventura para presidente!

(*) Luís Fernando Veríssimo criou a inesquecível velhinha de Taubaté, otimista e ingênua, “nascida” na ditadura, durante o governo do general João Figueiredo. Desde o seu surgimento, passou a representar a credulidade absoluta, isto é, a encarnação daquelas pessoas que não duvidam das proclama- ções oficiais ou que crêem piamente num líder ou num partido político. Inesquecível. Era a única pessoa que acreditava no governo. Edição 1 - Página 5 Os caminhos de Zuenir 1954 – Muda-se para o Rio e ingressa na Faculdade Nacional de de Paz para a Argélia, em Évian, e o encontro de cúpula Filosofia, da ex-Universidade do Brasil, hoje UFRJ, onde entre Kennedy e Kruschev, em Viena. Quando volta ao Bra- quatro anos depois recebe o diploma de bacharel e licen- sil, conhece Mary Akiersztein na redação da Tribuna, de ciado em Letras Neolatinas. onde ela era repórter, e começam a namorar. 1955 – Trabalha como assistente do filólogo Celso Cunha na cáte- 1962 – Casa-se com Mary. Vai para o Correio da Manhã como dra de Língua Portuguesa, na então Faculdade de Jornalis- editor de Internacional e passa a dar aulas de Comunica- mo, que se transformaria mais tarde em Escola de Comuni- ção Verbal na Escola Superior de Desenho Industrial, da cação da Universidade Federal do Rio de Janeiro. qual é um dos fundadores. 1956 – É redator de A História em Notícia, dirigida por Amaral 1964 – Mary vai cobrir o Festival de Cinema de Cannes para o JB, Netto, publicação paradidática que tratava os acontecimen- já grávida, acompanhada do marido, numa viagem provi- tos históricos em linguagem jornalística. dencial. A polícia procurava os dois como “subversivos”. 1957 – Por indicação de um professor seu da faculdade, Hélcio Em Cannes, começa uma forte amizade com Glauber Ro- Martins, vai trabalhar como arquivista da Tribuna da Im- cha, que participava da competição com Deus e o diabo prensa no horário das seis da tarde à meia-noite. na terra do sol. Na volta, nasce Elisa, sua segunda filha. 1958 – , proprietário do jornal, pede um artigo so- 1965 – É convidado para reformular e dirigir a redação do Diário bre Albert Camus, autor que ninguém da redação conhe- Carioca. Transfere-se em seguida para a revista O Cruzeiro, cia bem e de quem Zuenir gostava. Escreve e, graças ao da qual passa a ser chefe de Reportagem. sucesso do texto, passa a integrar a equipe de copidesques 1966 – Dirige a redação da revista Fatos & Fotos. da Tribuna, sendo depois um dos secretários de Redação. 1967 – Participa da concepção de O Sol, jornal que faria história 1959 – Ganha em concurso uma bolsa de estudos do governo mesmo durando alguns meses apenas. Chefia a sucursal francês para o Centro de Formação de Jornalistas, em Paris. Rio da revista Visão. 1960/1961 – Paralelamente aos estudos, trabalha como correspon- 1968 – Acompanha em Paris a mobilização dos estudantes. Tido dente da Tribuna na capital francesa. Faz uma reportagem como o articulador da imprensa do Rio para o Partido Co- curiosa para a revista Senhor sobre a moda dos umbigos de munista, é preso após o AI-5 e passa três meses entre o fora em Saint-Tropez e, para o jornal, cobre a passagem de Sops, o Dops, o quartel da PM Caetano de Faria e o do Jango por Paris, antes de vir assumir o poder, a Conferência Exército, em Harmonia. Divide cela com Hélio Pellegrino,

Ziraldo, Gerardo Mello Mourão e Osvaldo Peralva. No 1988 – Fica afastado dez meses do jornal para escrever 1968 – O mesmo dia de sua prisão, sua mulher e seu irmão são leva- ano que não terminou, que se torna um best-seller. O livro dos pela polícia e permanecem presos durante um mês. também é usado como inspiração para a minissérie Anos Zuenir deixa a prisão em março de 1969 com o aval de rebeldes, de Gilberto Braga e Sérgio Marques, na Rede Nelson Rodrigues, que conseguira junto aos militares a li- Globo. bertação de Hélio Pellegrino, mas este condicionou sua 1997 – Seu livro Cidade partida é traduzido para o italiano com o saída à do companheiro de cela. título Viva Rio. 1969 – Produz para a Editora Abril a série de doze reportagens Os 1998 – Abre a coleção Plenos pecados, da editora Objetiva, com anos 60 – A década que mudou tudo, mais tarde lançada Inveja – Mal secreto, livro em que, entre outras coisas, nar- em livro. ra seu tratamento vitorioso contra um câncer na bexiga. 1970 – Dirige a redação do Correio da Manhã. Também escreve, a convite do caricaturista Cássio Loreda- 1975 – Colabora como roteirista no documentário Que país é esse?, no, O Rio de J. Carlos (Lacerda Editores), um longo texto realizado por Leon Hirzsman para a Rádio e Televisão Ita- seu acompanhando desenhos do cartunista. liana. 1999 – Deixa o Jornal do Brasil e passa a assinar duas colunas: 1977 – Troca a revista Visão por Veja, também como chefe da su- uma em O Globo, aos sábados, e outra na revista Época, cursal. Nesse período, coordena a cobertura da morte de inicialmente semanal e depois quinzenal. Reúne textos es- Cláudia Lessin Rodrigues, com a qual os repórteres Valério critos para Jornal do Brasil, O Globo e Época no livro Crô- Mainel e Amigucci Gallo ganham o Prêmio Esso. A equipe nicas de um fim de século. descobre que Cláudia não morrera de overdose, como sus- 2000 – Publica com Heloísa Buarque de Hollanda e Elio Gaspari tentavam os assassinos, mas por causa de uma pancada na o livro Cultura em trânsito – 70/80, com textos escritos nes- cabeça. Participa também de uma matéria de capa sobre a sas décadas. Com Izabel Jaguaribe, realiza o documentá- violência no Rio, na qual se usa pela primeira vez a expres- rio Um dia qualquer, capítulo da série Seis histórias brasi- são “guerra civil” para abordar o tema. leiras, coordenada por João Moreira Salles para o canal a 1980 – Faz uma longa entrevista para Veja com Carlos Drummond cabo GNT. de Andrade, depois de décadas de silêncio do poeta. 2003 – Passa a escrever duas vezes por semana na página de opi- 1981 – Vai para IstoÉ, também como diretor da sucursal do Rio. nião de O Globo, deixando a coluna de sábado no Segun- 1985 – É convidado a reformular a revista Domingo, do Jornal do do Caderno. Deixa de escrever na revista Época. Volta ao Brasil. depois de 13 anos e, a partir do que vê, escreve a 1986 – Edita o Caderno B e logo depois cria o Caderno B-Especial última parte de Chico Mendes – Crime e castigo, livro lan- e o suplemento semanal Idéias, voltado principalmente para çado pela Companhia das Letras tendo como base a pre- a literatura. miada série O Acre de Chico Mendes.

Cultura em trânsito 70/80 – Da repressão à abertura Livros do autor (2000, com Heloísa Buarque de Hollanda e Elio Gaspari) 1968 – O que fizemos de nós (2008) Crônicas de um fim de século (1999) Minhas histórias dos outros (2005) Inveja – Mal secreto (1998) Vozes do golpe – Um voluntário da pátria (2004, com Carlos Heitor O Rio de Janeiro de J. Carlos (1998) Cony, Luís Fernando Veríssimo e ) Cidade Partida (1994) As melhores crônicas de Zuenir Ventura (2004) 3 Antônios e 1 Jobim – Histórias de uma geração (1993) Chico Mendes – Crime e Castigo (2003) 1968 – O ano que não terminou (1988)

Expediente J&Cia Entrevista é um informativo produzido pela M&A Publicações e Eventos • Tel.11-5576-5600 • Diretor e Editor Responsável: Eduardo Ribeiro ([email protected]) • Editor Executivo: Wilson Baroncelli (baroncelli@ jornalistasecia.com.br) • Coordenadora: Célia Chaim • Assis- tente: Luiz Anversa (luizanversa@jornalistas&cia.com.br) • Projeto Gráfico e Diagramação: Paulo Sant’Ana ([email protected]) • Circulação e Publicidade: Silvio Ribeiro ([email protected]).