OBRA ANALISADA A Pata Gazela GÊNERO Prosa, romance. AUTOR José Martiniano de Alencar DADOS BIOGRÁFICOS Nascimento: em 1º de maio de 1829, em Mecejana, Ceará. Morte: em 12 de dezembro de 1877, no Rio de Janeiro. BIBLIOGRAFIA Romances urbanos Cinco minutos (1857). (1860). Lucíola (1862). Diva (1864) . A pata da gazela (1870). Sonhos d’ouro (1872). (1875). Encarnação (1893, póstumo).

Romances históricos e/ou indianistas O Guarani (1857). (1865). As minas de prata (1865). Alfarrábios (1873). (1874). Guerra dos mascates (1873).

Romances regionalistas O gaúcho (1870). O tronco do ipê (1871). (1872). O sertanejo (1875).

Além de romancista, Alencar foi teatrólogo, merecendo destaque as comédias Verso e reverso, O demônio familiar, As asas de um anjo, Noite de João além dos dramas Mãe e O jesuíta.

Como poeta, deixa-nos o poema indianista Os filhos de Tupã. RESENHA O mundo burguês dos salões cariocas do século XIX serve de palco para um atribulado triângulo amoroso: AMÉLIA – uma das mais ricas herdeiras do Brasil; bela mulher disputada por 2: HORÁCIO DE ALMEIDA – o primeiro conquistador do Rio de Janeiro, homem elegante, um dos príncipes da moda + LEOPOLDO DE CASTRO – não tão belo e trajes simples.

AMOR: ALMA X APARÊNCIA = INTERIOR X EXTERIOR É mister como o amor deve ser guiado pela alma: LEOPOLDO encantou com a alma da moça que viu apenas de relance; não pela aparência, como HORÁCIO, que se encantou pelo pé de uma desconhecida que calçava uma botina tamanho 29, tinha bom e seguro rendimento. Claro! Em todo o Rio de Janeiro não se encontram três moças de 18 anos que calcem n° 29. [cap. V] [...] o pé é a parte mais distinta do corpo humano; sem ele a estatura não teria a nobreza que Deus só concedeu à criatura racional. [...] O pé revela o caráter, a raça e a educação. [cap. XIII]

Sua alma é filha de Deus, e como ele de uma magnificência imortal. É uma estrela que não tem

eclipse. [Leopoldo, cap. IX]

Amélia: paralelo entre o elegante leão e o estranho mancebo com quem acabava de dançar. Um tinha todas as prendas que seduzem a imaginação: era formoso, trajava com esmero, conversava com muita graça. O outro não possuía nenhum desses atrativos; seu exterior alheava as simpatias; quando falava difundia a tristeza no espírito dos que o escutavam. [cap. IX] Descrições [cap. XI]

LAURA e AMÉLIA: primas + amigas de infância Aliás, essas aparências já são demonstradas logo no início do primeiro capítulo quando as roupas assumem as características das personagens LAURA e AMÉLIA através da animização ou prosopopeia: O vestido roxo debruçou-se de modo a olhar para fora,[...] enquanto o roupão, recostando-se nas almofadas.

A protagonista Amélia frequentava as reuniões da casa de D. CLEMENTINA e, desta forma, acabou conhecendo Leopoldo que a observava a distância. Seus olhares se encontraram. Dançaram num dos bailes e ele subliminarmente declarou seu amor.

Horácio frequentava a casa de Amélia e tentava ver os seus pés, sempre escondidos. A paixão que o mancebo concebera pela dona incógnita da botina achada, longe de se desvanecer, adquirira uma veemência extrema. Horácio, o feliz conquistador, o coração fogoso e inflamável, nunca ardera por mulher alguma como agora ardia por aquele pezinho idolatrado. [cap. V]

= o mais formoso pé do mundo, o mimo, a obra- prima da natureza = Tirava de um elegante cofre de platina a mimosa botina, e com respeitosa delicadeza deitava-a sobre a almofada, de modo que se visse perfeitamente a graciosa forma do pé que habitara aquele ninho de amor.

[...] um mimo, uma maravilha, um tesouro, um céu!... É o pudor da violeta, que se esconde na sombra; é o pudor da pérola, oculta na concha; é o pudor do diamante, sumido no seio da terra; é o pudor da estrela, imergindo-se no azul. [cap. V]

Eram de Amélia os dois pezinhos de fada, breves, arqueados, com uns dedos que pareciam botões de rosa, mas supunha-se aleijada por tê-los tão pequeninos. Assim o mesmo cuidado com que Laura escondia a sua monstruosidade, punha ela em ocultar essa graça e prenda da natureza. [cap. XVIII]

Carta recebida pelo pai de Amélia – pedido de casamento feito por Horácio e declaração da ardente paixão de Leopoldo ao lhe pedir uma contradança [cap. XI] Amélia já estava com 18 anos.

Baile na casa de Azevedo + Descrição do traje de Amélia [cap. XIII] Toda a aristocracia, a beleza, o talento, a riqueza, a

posição e até a decrépita fidalguia, estavam dignamente representadas nas ricas e vastas salas, adereçadas com luxo e elegância.

Você não a ama. Não passa de um capricho. Essa moça é para ti um pé e nada mais. [de Leopoldo para Horácio = cap. XIII]

Tira a beleza à mulher amada e verás o que fica; o mesmo que fica da flor que murcha e da chama que se apaga: pó ou cinza.

Sua paixão por Amélia tinha realmente uma virgindade. O conquistador havia amado na mulher todas as graças e encantos, mas nunca até então havia adorado um pé. [cap. XIV]

A saia, retraída pela travessa do bastidor, descobriu até o artelho o pé da moça. Horácio viu o pé de Amélia - uma coisa indefinível, estupenda; o aleijão, a monstruosidade de que lhe falara Leopoldo. [cap. XV]

Horácio rompe com Amélia [cap. XVI] Pensa ter identificado a dona do pezinho – Laura, que perdera o marido aos 17 anos, pouco tempo depois de casada. Era rica; não lhe faltavam pretendentes atraídos pelo dote e pela beleza; mas ela não parecia disposta a tentar segunda vez a felicidade conjugal, embora não tivesse passado da lua-de-mel. Porém, não era de Laura aquele pezinho - dois pés ingleses de sofrível tamanho, que lhe pareciam descansar sobre uma almofada preta. [cap. XVII]

Em Leopoldo, a metamorfose: agora um cavalheiro de boa presença, com a sóbria elegância que tão bem assenta nos homens sisudos. Amélia ama Leopoldo com todo o furor do ódio que sente por Horácio.[cap. XIX]

Amélia torna oficial seu casamento com Leopoldo. Às tardes, no jardim, entre cortinas de flores, elas celebravam esse místico himeneu do amor, único eterno e indissolúvel, porque se faz no seio do Criador.

ESTILO DE ÉPOCA Romantismo

Por ser um ROMANCE URBANO tem ênfase nas relações amorosas. Observamos também o espaço de revelação das preocupações burguesas, sua noção de honra e o significado do dinheiro nas relações estabelecidas entre as pessoas.

Alta sociedade carioca e suas belas fantasias de amor, isto é, amores platônicos e inocentes. Por trás da pomba, do “happy end”, há a crítica: José de Alencar denuncia a hipocrisia, a ambição e a desigualdade social.

PATA X GAZELA Pata da gazela expressa uma metáfora, cujos termos entram em contradição: “pata” é o aspecto rude, e “gazela”, o lado frágil e delicado, através

dos quais Amélia, a protagonista do romance, apresenta-se a seus dois pretendentes: Horácio e Leopoldo.

AMOR: ALMA X APARÊNCIA = INTERIOR X EXTERIOR

Nesse momento, porém, dobrando a Rua da Assembleia, se aproximara um moço elegante não só no traje do melhor gosto, como na graça de sua pessoa: era sem dúvida um dos príncipes da moda, um dos leões da Rua do Ouvidor; mas desse podemos assegurar pelo seu parecer distinto que não tinha usurpado o título. [cap. I]

Sr. Pereira Sales - pai de Amélia, abastado consignatário de café, estabelecido à Rua Direita. Horácio: meu pezinho tem um dote para seu calçado. [cap. VII] + D. Leonor, a mãe [cap. XI]

Horácio: perfeito filólogo do amor, e habituado a decifrar esses hieróglifos dos lábios de mulher. [cap. VII]

D. Clementina, amiga íntima da irmã de Leopoldo

DESCRIÇÃO ROMÂNTICA Depois das grandes dores e das lágrimas torrenciais, forma-se também no coração do homem um húmus poderoso, uma exuberância de sentimento que precisa de expandir-se. Então um olhar, um sorriso, que aí penetre, é semente de paixão, e pulula com vigor extremo. O moço parecia estar nessas condições: ele trajava luto pesado, não somente nas roupas negras, como na cor macilenta das faces nuas, e na mágoa que lhe escurecia a fronte. [cap. I]

A senhora acredita, D. Amélia, na atração irresistível, que impele duas almas entre si, e as chama fatalmente a se unirem e absorverem uma na outra?... [Leopoldo e Amélia, cap. IX]

DESCRIÇÃO DA BOTINA Era uma botina, já o sabemos; mas que botina! Um primor de pelica e seda, a concha mimosa de uma pérola, a faceira irmã do lindo chapim de ouro da borralheira; em uma palavra a botina desabrochada em flor, sob a inspiração de algum artista ignoto, de algum poeta de ceiró e torquês. Não era, porém, a perfeição da obra, nem mesmo a excessiva delicadeza da forma, o que seduzia o nosso leão; eram sobretudo os debuxos suaves, as ondulações voluptuosas que tinham deixado na pelica os contornos do pezinho desconhecido. A botina fora servida, e muitas vezes; embora estivesse ainda bem conservada, o desmaio de sua primitiva cor bronzeada e o esfrolamento da sola indicavam bastante uso. [cap. II]

O NARRADOR é onisciente = narrador em 3ª pessoa; não participa dos fatos relatados, mas revela que conhece tudo o que se passa com as suas personagens.

LINGUAGEM CONOTATIVA METÁFORA [elemento X está para elemento Y] O amor é sol do coração; imprime-lhe o brilho e o matiz! Vênus, a deusa da formosura, surgindo da espuma das ondas, não é outra coisa senão o mito da mulher amada, surgindo dentre as puras ilusões do coração! [cap. IV]

Este amor é um inferno,... [cap. IX]

COMPARAÇÃO [...] esta embriaguez do amor o mesmo que à embriaguez do álcool. A princípio basta-lhe o vinho fino e aristocrático; depois carece da aguardente; e por fim já não a satisfaz a infusão do gengibre em rum, isto é, a larva de um vulcão preparada à guisa de grogue. [cap. III] cabelo negro como a treva. [cap. V]

Horácio aparecia nos bailes, nos teatros, nos pontos de reunião, de relance, como um meteoro,... [cap. V]

Não se admira a Vênus de Milo, uma estátua mutilada? Admira-se a Vênus de Milo, como se admira um esboço não acabado de Rafael; como se admira a pétala de uma rosa, arrancada da corola.

A paixão é como o vinho que em uns dá para rir, e em outros para chorar. [cap. VIII]

[...] sua boca sorri como a flor em botão, que abriu com a frescura da noite. [cap. X]

Os sorrisos, em lábios tão puros e mimosos, eram como as flores de um vaso que todos os dias se substituem. [para Horácio, cap. XIII]

O afeto suave e terno é como o moscatel de Setúbal ou o vinho de Constança. O amor fero e irado é como o champanhe que ferve e espuma. [cap. XIX]

O casamento dilata a superfície da alma; em vez de sofrer-se no seu coração apenas, sofre-se na mulher, no filho, e em cada um dos fios dessa grande teia humana que se chama família. [X]

Influências da MITOLOGIA A fábula de Prometeu não exprime senão a alegoria desse fogo celeste d'alma, que anima as estátuas de Galateia, embora depois dilacere o coração como a águia do rochedo. [cap. VI] A mucama é uma Górgona, o porteiro um Cérbero; A força nunca se revela tanto como na posse de si mesma, no vigor com que se domina. Hércules, fiando aos pés de Onfale, é o último canto, o epílogo sublime da epopeia da forca humana. Exterminando a fera, a natureza e até os deuses, Hércules foi grande; abatendo a si mesmo, foi maior, porque venceu o vencedor. [cap. X]

IRONIA Não se riam, homens sérios e graves, não zombem

de semelhantes extravagâncias; são elas o delírio da febre do materialismo que ataca o século. [cap. III] TEMPO: CRONOLÓGICO Seriam duas horas da tarde. Durante a manhã tinha caído sobre a cidade uma forte neblina, que molhara as calçadas. [cap. VI] Ao cabo de duas ou três horas,

AMBIENTE: Rio Antigo Rua do Ouvidor, Largo da Lapa, Passeio Público, Rua do Ouvires, em direção ao Catete. As lojas da rua do Ouvidor atraíam as mulheres que só saíam de casa depois de horas diante do espelho. Com suas cinturinhas finas, de “vespas”, como se dizia, viviam apertadas nos espartilhos com barbatanas de aço e, por cima, se enfeitavam com caros vestidos de seda, veludo, crepe da China ou renda. Nunca se esqueciam dos chapéus de plumas, flores, luvas e sapatos de marcas famosas. Os homens não eram menos requintados. Para fazer boa presença nas confeitarias, usavam colarinhos altos, jaquetão, sobrecasaca, cartolas, luvas, polainas, monóculos, sapatos da Incroyable e chapéus da Chapelaria Watson. Já a rua do Ourives, agora travessa do Ouvidor, estavam concentradas as joalherias. Eram 66 lojas, instaladas uma ao lado da outra. Junto à ermida de N. Sª da Ajuda, aproximadamente na esquina da rua Evaristo da Veiga com a Cinelândia, contornava a lagoa do Boqueirão, onde é o Passeio Público, seguindo pelas atuais ruas da Lapa e Catete. Este caminho chamou- se inicialmente Ilharga da Ajuda, mas foi logo conhecido como Caminho do Boqueirão. Teatro Lírico, próximo a Almirante Barroso. As duas maiores casas de espetáculos do Rio, o São Pedro e o Lírico, tinham instalações precárias e antigas.

QUADRILHA vinha pedir-lhe a próxima quadrilha, ela respondia hesitando que já tinha par; [cap. IX] dança de pares de origem francesa, em voga no séc. XIX, com cinco seções caracterizadas por tempos ('andamentos') diferentes

RETICÊNCIA: omissão do que poderia ou deveria ter sido dita. — Bem vê!... Iria contrariá-la, aborrecê-la... — Cuida?... Esta palavra tinha uma reticência, e essa reticência era um sorriso que entreabria o céu de uma alma cândida. — Então amanhã?... disse Horácio. [cap. XIV] INTERTEXTUALIDADE Este romance foi baseado na fábula O leão amoroso de Jean de La Fontaine e no conto A Cinderela.

Fábula O leão amoroso, La Fontaine Um leão esta disposto a todos os sacrifícios para se casar com uma bela jovem. Enquanto filosoficamente esperava que seu criado lhe preparasse uma xícara de café, abriu um livro, que acertou ser La Fontaine. Leu ao acaso: era a fábula do leão amoroso. — É verdade! murmurou soltando uma fumaça de charuto. O leão deixou que lhe cerceassem as

garras; foi esmagado pela pata da gazela. [cap. XIX]

Desta forma, retrata, de forma irônica, a sociedade brasileira do século XIX.

É irônica a alusão a La Fontaine. O paralelo entre o “leão amoroso”, da fábula e o “leão da moda”, do romance faz ressaltar as diferenças dos dois termos: Horácio não é nada amoroso e menos ainda parece vencido.

Conto de fadas Cinderela Se você acha que as mulheres que esperam o príncipe encantado ou o homem perfeito são coisas do passado... Apesar de toda a emancipação feminina, algumas mulheres ainda têm este comportamento.

"Complexo de Cinderela" - termo criado pela psicóloga norte-americana Colette Dowling para o comportamento de mulheres que têm como grande sonho encontrar o homem "ideal", se casar e assim finalmente serem felizes - como no conto de fadas. [in DOWLING, Colette, Complexo de Cinderela]

Mary Georgina Boeira da Silva - psicóloga e psicoterapeuta, presidente da Sociedade de Psicologia do Rio Grande do Sul - acredita que o conto de fadas está a serviço da construção da sexualidade feminina. "É uma história que fala da sedução, da astúcia e da busca de um amor. E não se trata só do casamento e sim do amor." Reflita! Debata!

VISÃO CRÍTICA A Pata da Gazela foi considerada “A Cinderela da literatura brasileira”.

Alencar como Machado de Assis também se especializou na análise psicológica de suas personagens femininas, revelando seus conflitos interiores. Essa análise de caráter mais psicológico do interior das personagens remete sua obra a características peculiares dos romances realistas. [USP-SP]