COMO A PANDEMIA DO CORONAVÍRUS AFETOU A AVIAÇÃO DE NEGÓCIOS DO BRASIL EM 2020

Raul Marinho para a revista Flap - fevereiro de 2021 [email protected]

Como ocorreu nos demais setores da econo- aviação que não se enquadrem como transporte mia do país, a aviação brasileira também não estava aéreo público regular doméstico e internacional de preparada para lidar com a pandemia do coronavírus. passageiros e de cargas, pela aviação militar e pelo Mas devido à natureza de sua operação – no fim do aerodesporto, além do aeromodelismo e dos dia, a aviação é mobilidade, e a principal “drones” (RPA’s ou Aeronaves Remotamente Pilota- recomendação das autoridades sanitárias para o das) utilizados em atividades de recreação e lazer. combate ao surto do novo coronavírus foi justamente Portanto, em uma definição de mercado, a aviação a imobilidade tanto quanto fosse possível! –, as de negócios engloba a atividade aeronáutica privada consequências para o setor aéreo foram catastrófi- de transporte de passageiros; os serviços aéreos cas, como se sabe. Em alguns segmentos, como o especializados (como a aerofotografia, a publicidade da aviação comercial voltada ao transporte regular de aérea e a aviação agrícola); a instrução aeronáutica passageiros em voos domésticos e internacionais, realizada pelas escolas de aviação e pelos aero- assistimos à paralisação quase completa das oper- clubes; as aeronaves operadas pela administração ações, e a retomada vem acontecendo muito lentam- pública (incluindo as polícias militares, civis, os ente, em especial nas rotas internacionais. bombeiros, a Polícia Federal, a Polícia Rodoviária No cenário doméstico, todas as companhias Federal e as autarquias, como o IBAMA); e as aéreas do Brasil sofreram redução de demanda de Aeronaves Remotamente Pilotadas utilizadas em maneira quase idêntica a partir do final de março de operações comerciais ou institucionais. A futura 2020, apesar da recuperação estar ocorrendo mais classe dos e-VTOL (aeronaves elétricas de decola- rapidamente em algumas empresas do que em gem e pouso verticais conduzidas de maneira outras. Já na aviação de negócios, a dinâmica se autônoma ou não) igualmente se enquadrarão na mostrou muito diferente: a retração foi significativa- categoria de aviação de negócios. mente mais branda, e a recuperação está sendo consideravelmente mais rápida do que em sua prima Impactos da pandemia do Covid-19 nos difer- (ex?) rica. Analisaremos a história da aviação entes subsegmentos da aviação de negócios negócios no ano de 2020 contada pelos números do segmento em termos de movimentação aérea (pou- Nestes diferentes subsegmentos da aviação de sos e decolagens) e pela percepção subjetiva advin- negócios, o impacto da pandemia foi bastante da do relacionamento do autor com os protagonistas heterogêneo, como iremos explorar mais à frente. do segmento – empresários de táxi aéreo e oficinas Todavia, comparando o resultado operacional total de aviação, dirigentes de associações do setor, auto- da aviação regular com o da aviação geral como um ridades aeronáuticas, pilotos e demais profissionais todo (vide gráficos abaixo), percebe-se a enorme da aviação de negócios. Ou seja: neste artigo nós diferença no impacto inicial e na velocidade de recu- veremos o filme da aviação de negócios desde a peração dos dois segmentos. Enquanto a aviação eclosão do surto de Covid-19 até o encerramento do regular teve uma redução de 92,7% das operações ano de 2020. E já dando spoiler: no final, o mocinho de abril de 2020 quando comparada com abril de vence! 2019, a aviação geral obteve uma redução de menos de 50% no mesmo período; sendo que este patamar O que é a “aviação de negócios” – uma definição de 50% de redução só foi atingido pela aviação de mercado comercial em outubro de 2020, momento em que a aviação geral já estava operando em patamares Definida por exclusão, a aviação de negócios muito próximos aos de antes do início da pandemia. do Brasil é composta por todos os segmentos da Em relação às informações apresentadas nos Covid-19; ao contrário da prestação de serviços, que gráficos acima, é necessário observar que as fontes foi mais duramente impactada pelas restrições de dos dados são diferentes, o que leva a algumas mobilidade impostas pelas autoridades sanitárias, distorções para efeito de comparação. Os dados da especialmente nos primeiros meses da crise do coro- aviação regular são baseados nas informações navírus, e estas atividades se concentram nos enviadas pelas companhias aéreas à Agência Nacio- grandes centros urbanos, onde estes 33 aeródromos nal de Aviação Civil (ANAC), o que engloba 100% das principais se encontram. operações aéreas da aviação comercial. Já os dados Infelizmente não há dados estatísticos sobre a da aviação geral, que não possuem tais informações movimentação dos diferentes subsegmentos da enviadas pelos seus operadores à ANAC, se baseiam aviação de negócios – nem a ANAC nem o DECEA em relatórios do Centro de Gerenciamento da publicam dados segmentados por atividade aérea. Navegação Aérea do Departamento de Controle do Todavia, de acordo com informações obtidas em Espaço Aéreo (CGNA/DECEA), que cobrem somente campo em dezenas de entrevistas realizadas ao os 33 principais aeródromos do país e não incluem longo de 2020 como parte de meu trabalho como as operações realizadas sem apresentação de plano gerente técnico da ABAG e consultor aeronáutico, o de voo, como é o caso da maior parte das decola- cenário observado para os principais subsegmentos gens de aeronaves de asa rotativa que ocorrem sob da aviação de negócios foi o seguinte: as regras de voo visual (VFR) nos grandes centros urbanos, como São Paulo-SP e -RJ. Por este motivo, mesmo ao se avaliar somente o comportamento da curva apresentada no segundo Aeroportos de R.Janeiro/Galeão, S.Paulo/Guarul- gráfico, ainda assim a citada distorção acontece, hos, /Viracopos, Macaé, , Belém, independente de se considerar os números absolu- /Bacacheri, Brasília, BH/Confins, Campo tos. O racional que explica isto é o fato de que as Grande, Canoas, Curitiba/Afonso Pena, Cuiabá, atividades da aviação de negócios foram menos Manaus/Eduardo Gomes, Foz do Iguaçu, Flori- afetadas pela pandemia e se recuperaram mais anópolis, , Maceió, S.Paulo/Campo de rapidamente nas regiões periféricas do país, fora Marte, Natal, , Porto Seguro, Porto destes 33 aeródromos principais. O agronegócio, por Velho, Rio Branco, , R.Janeiro/Santos exemplo, uma atividade que demanda muito trans- Dumont, R.Janeiro/Santa Cruz, São José dos porte aéreo em aeronaves da aviação de negócios, Campos, São Luiz, Santa Maria, S.Paulo/Cong- foi uma atividade pouco afetada pela pandemia do onhas, Salvador e Pirassununga. • Instrução aérea

Com a interrupção dos processos seletivos para contratação de copilotos e as demissões de tripulantes nas empresas de linha aérea, esperava-se que a demanda por formação aeronáutica fosse muito fortemente impactada pela pandemia do Covid-19. A crise econômica que se abateu sobre o país também deveria escas- sear os recursos disponíveis para investir em um processo educacional tão oneroso quanto são os cursos práti- cos de instrução de pilotos, o que poderia ser outro fator negativo para o subsegmento. Finalmente, as próprias restrições sanitárias que impediram a continuidade da atividade de instrução prática realizada pelas escolas de aviação e aeroclubes por diversos meses também deveriam ter grande impacto no setor. Todavia, o que se observou no fechamento dos números de emissão de licenças de pilotos de 2020 em relação a 2019 (uma informação que revela o nível de atividade da instrução aérea) apontaram para uma redução relati- vamente modesta – vide tabela abaixo. Ainda estamos num patamar muito inferior ao auge da formação de pilotos que ocorreu em 2013, mas a dramática redução que poderia ser creditada à pandemia de 2020 não foi tão significativa quanto se esperava:

Licenças de Piloto emitidas 2020 qtd.lic. 2019 qtd.lic. 2013 qtd.lic. 2020/2019 reduç.% 2020/2013 reduç.% Piloto Privado de Avião 1.448 1.615 3.072 -10% -53% Piloto Comercial de Avião 809 968 1.712 -16% -53% Piloto Privado de Helicóptero 131 185 911 -29% -86% Piloto Comercial de Helicóptero 80 110 753 -27% -89% Fonte: ANAC – Power BI (atualizado em 02/01/2021)

A redução nas quantidades de emissão de licenças de piloto privado e piloto comercial de avião (respectiv- amente de 10% e 16%) em 2020 em relação a 2019 podem ser consideradas até “normais” em um período tão adverso quanto foi 2020. Já o fato de atualmente formarmos cerca de metade dos pilotos de avião que formáva- mos em 2013 é mais preocupante, muito embora não tenha relação com a pandemia e, portanto, com este artigo. Por outro lado, os números relativos à formação de pilotos de helicóptero são muito mais preocupantes. O fato de a redução na emissão de licenças de pilotos de asa rotativa no ano passado ter sido tão superior à redução verificada na asa fixa mostra como esta atividade foi particularmente afetada. Mas a redução observada dentro do próprio setor, de quase 90% em relação a sete anos atrás, é sinal de que os problemas na formação de pilotos de helicóptero são muito mais graves. Novamente, entretanto, não se trata de assunto para este artigo.

• Táxis aéreos 1. Venda de assentos individuais

Nos primeiros três a quatro meses da emergência Em agosto de 2020, a ANAC aprovou uma resolução sanitária – de abril a julho de 2020, aproximada- que possibilitou às empresas de táxi aéreo a comercial- mente, os táxis aéreos sofreram muito com a redução ização de assentos individuais, o que viabilizou novos de demanda decorrente da pandemia pelos mesmos modelos de negócios para o setor, principalmente: motivos que levaram à redução da atividade na linha aérea: aversão a viagens, restrições imigratórias etc. Aproveitamento de “pernas vazias Em julho, somou-se a esta redução a crise gerada pela contaminação da AVGAS, que agravou ainda No modelo convencional de fretamento, o cliente mais a situação dos táxis aéreos de menor porte, que normalmente é obrigado a pagar os voos de ida e utilizam aeronaves a pistão. Mesmo com a recuper- volta ao destino desejado. Por exemplo: uma empre- ação do mercado verificada nos últimos meses do sa de São Paulo-SP que desejasse levar seus direto- ano, o prejuízo contabilizado nos período inicial da res para um congresso de uma semana em Belo Hori- pandemia ainda vem impactando a saúde financeira zonte-BH precisaria contratar um voo S.Paulo-BH das empresas de táxi aéreo. Apesar disto, não ocor- para levar sua diretoria ao destino, e um voo reu nenhuma ação governamental de ajuda específi- BH-S.Paulo só com a tripulação (“vazio”) para trazer ca para o setor, o que fará com que as empresas de a aeronave à base; e uma semana depois realizar um táxi aéreo ainda levem muito tempo até se recuper- voo “vazio” S.Paulo-BH para pegar os diretores e arem completamente do prejuízo de 2020. outro BH-S.Paulo trazendo-os de volta. No total, Todavia, os mesmos efeitos positivos citados em seriam quatro voos (ou “pernas”), sendo que dois nossa análise de desempenho da aviação privada deles não carregariam passageiros. Os outros dois também se aplicam ao táxi aéreo convencional. As realizados “vazios” seriam o que o mercado chama empresas dotadas de frota mais sofisticada de “pernas vazias”. realizaram muitos voos de repatriação de brasileiros, Com a publicação da nova resolução da ANAC que e o agronegócio também demandou mais fretamento regulamentou a venda de assentos individuais, as do que em anos anteriores. Além disso, alguns empresas de táxi aéreo passaram a poder comercial- fatores específicos foram benéficos ao táxi aéreo em izar livremente as “pernas vazias”. Assim, no exemp- 2020, minimizando parcialmente os prejuízos no lo apresentado acima, o operador poderia anunciar subsegmento: os voos BH-S.Paulo e S.Paulo-BH que seriam realizados somente com a tripulação, vendendo os • Atividade aeronáutica privada os funkeiros, as bandas que animam grandes festas populares, e os demais profissionais do show busi- A chamada “operação 91” ou “TPP” – numa ness), os executivos de empresas do setor de entre- referência ao regulamento que a rege na ANAC e ao tenimento e de eventos, e os empresários do setor de código utilizado nas matrículas das aeronaves do serviços urbanos mais sofisticados (bancos e segu- subsegmento – é, por sua vez, subdividida em diver- radoras, consultoria industrial, TI, etc.) diminuíram sas atividades muito diferentes entre si e que tiveram significativamente o uso de aeronaves privadas. impactos igualmente díspares. Por outro lado, o enorme e pujante setor do No topo do subsegmento estão os jatos de longo agronegócio, responsável por parcela significativa da curso capazes de realizar voos transcontinentais, utilização de aeronaves privadas no Brasil, voou como os produzidos pela Gulfstream, pela Dassault, como nunca durante a pandemia. O primeiro motivo pela Bombardier, e as linhas premium de outros fabri- para isto foi que os profissionais e prestadores de cantes como a Embraer e a Cessna – o “topo da serviços para os produtores rurais, como engen- cadeia alimentar” da aviação de negócios, enfim. heiros agrônomos, representantes de empresas Esta elite da aviação de negócios foi uma das mais produtoras de defensivos agrícolas e de produtos afetadas pela pandemia, uma vez que o ingresso de veterinários, comerciantes de commodities agro- passageiros na maior parte dos países do mundo pecuárias e outros não tinham mais como acessar as sofreu sérias restrições sanitárias, e enquanto escre- propriedades rurais utilizando voos comerciais (em vo estas maltraçadas a imprensa noticia que a nova geral combinados com um trecho por via terrestre ou administração dos Estados Unidos, chefiada pelo fluvial), e a única maneira que restou ou que era mais democrata Joe Biden, deve restringir ainda mais o eficiente foi a aviação de negócios. Outro fator que ingresso de brasileiros em solo norte-americano. elevou a utilização de aeronaves pelo agronegócio foi Porém, mesmo este subsegmento mais prejudicado o próprio deslocamento pessoal dos empresários do pela calamidade sanitária ainda teve algum alento. setor e de suas respectivas famílias. Em geral, este No início da pandemia houve muitos voos de repa- público reside nas capitais dos estados, especial- triação de brasileiros que foram pegos de surpresa mente nas do Centro-Oeste; ou em cidades de porte em diversas localidades mundo afora, e que não médio espalhadas por todo o Brasil, como são os tinham mais como retornar ao Brasil devido ao casos das paulistas Ribeirão Preto, São José do Rio cancelamento de voos pelas companhias aéreas Preto e Presidente Prudente, de Rondonópolis-MT, convencionais. Este tipo de operação, que ficou de Londrina-PR, de Campina Grande-PB, e muitas conhecida como “voos humanitários”, foi muito mais outras. Quando eclodiu a pandemia, parcela signifi- comum no subsegmento dos táxis aéreos, como cativa destes empresários levou suas famílias para veremos, mas mesmo a atividade privada com residir nas suas propriedades rurais como medida de aeronaves de longo curso teve certo frenesi nas isolamento social. Isto acabou gerando uma necessi- primeiras semanas da pandemia. dade muito grande de transporte entre a sede habitu- O nível imediatamente inferior neste subseg- al da família e as propriedades rurais, uma vez que mento da operação TPP, o dos jatos mais adequados tais pessoas continuavam vinculadas às cidades em à realização de voos domésticos (eventualmente que residiam para o atendimento às suas demandas também os jatos transcontinentais adaptados às relacionadas a tratamentos médicos, educação, operações mais curtas), sofreu impactos positivos e compra de bens sofisticados, serviços jurídicos etc. negativos na pandemia. Por um lado, os proprietários Tudo isso gerou um aumento incrível no trânsito dessas aeronaves que as utilizavam eventualmente, aéreo no interior do país, em especial pelas voando como passageiro em uma companhia aérea aeronaves turboélices, como as da linha Beechcraft sempre que isto fosse possível e desfrutando do King Air e os Pilatus PC-12, e pelas aeronaves a conforto de sua a própria aeronave somente em pistão, como os bimotores Beechcraft Baron e Piper ocasiões especiais (por exemplo: quando a locali- Seneca e os monomotores da Cirrus, da Cessna e da dade de destino não era servida pela linha aérea Beechcraft. convencional ou a quantidade de passageiros a ser Finalmente, é preciso comentar um fato que transportada justificasse a operação) passaram a afetou especificamente a aviação de negócios utilizar com muito mais assiduidade o transporte realizada com as aeronaves leves, dotadas de aéreo privado, seja pela falta de oferta de passagens motores a pistão. Em julho de 2020, um lote de gaso- após a implementação da “malha aérea essencial” lina de aviação (AVGAS) contaminado foi comercial- pela aviação comercial, seja pela aversão ao compar- izado em diversas partes do país, afetando parcela tilhamento de espaços com desconhecidos como considerável da frota brasileira de aeronaves depen- ocorre na linha aérea, algo que quem pode tentou dentes deste combustível, o que impactou direta- evitar durante a pandemia. Porém, alguns usuários mente no volume de operações da aviação de frequentes das aeronaves da aviação de negócios, negócios – tanto na aviação privada quanto nos como os artistas (em especial os cantores sertanejos, demais segmentos que serão abaixo considerados. assentos individualmente, e com isso aumentar a 2. Ferramentas de fretamento via aplicativos rentabilidade da operação – ou, eventualmente, Outro fator que ajudou a minorar as perdas das ofertar um transporte menos oneroso ao seu cliente, empresas de táxi aéreo devido à pandemia foi a obtendo com isto uma vantagem comercial para a venda de fretamento convencional e de assentos venda do fretamento. Mesmo que os assentos individuais por meio de aplicativos de internet e de comercializados nas “pernas vazias” sejam vendidos smartphones. Embora já existissem no mercado tais abaixo do preço de custo, ainda assim o negócio ferramentas no mercado há alguns anos, 2020 pode valer a pena para o operador, uma vez que contou com o ingresso de novas empresas do setor e aquele voo iria ocorrer de qualquer maneira, e, restruturação da já existentes, dando um novo impul- portanto, o custo já estava sendo absorvido pela so a esta modalidade comercial. operação. Estas ferramentas foram muito úteis inicialmente para a contratação de voos de repatriação por Ligações aéreas pré-determinadas passageiros e grupos de passageiros do Brasil e do exterior. Este público normalmente não utiliza os Além do aproveitamento das “pernas vazias”, a serviços de táxi aéreo e tem muitas dificuldades para resolução da ANAC que permitiu a comercialização obter informações sobre disponibilidade e preços de de assentos individuais por empresas de táxi aéreo fretamentos, fatores que os aplicativos solucionam também permitiu que estas oferecessem ao mercado muito bem. Posteriormente, as possibilidades de as chamadas “ligações aéreas pré-determinadas” ou venda de assentos individuais, tanto nas “pernas “sistemáticas”, o que é muito semelhante à venda de vazias” quanto nas ligações aéreas sistemáticas, passagens aéreas que as companhias de aviação já adequaram-se perfeitamente a tais ferramentas, uma realizam normalmente. As principais diferenças são vez que a maioria das empresas não contava com um que existe uma limitação de volume de quinze site de vendas próprio. passagens por empresa por semana; que a legis- lação que regulamenta os direitos dos passageiros 3. Transporte de encomendas expressas na venda de passagens pelas companhias aéreas deve ser flexibilizada para a realidade operacional Na pandemia, as vendas online explodiram no das empresas de táxi aéreo; e que as operações de Brasil, gerando boas oportunidades para as empre- embarque e desembarque de passageiros podem sas de táxi aéreo. Primeiro, porque com a redução ocorrer no próprio hangar da empresa, não havendo das ligações aéreas da aviação comercial, em um a necessidade de o passageiro submeter-se aos primeiro momento escassearam as possibilidades de procedimentos convencionais realizados nos termi- transporte de carga nos porões das aeronaves de nais de passageiros dos grandes aeroportos. passageiros, abrindo novas possibilidades de trans- Também não é necessário solicitar à Agência porte cargueiro em aeronaves de menor porte . autorização prévia e nem qualquer outro procedi- Depois, porque a concorrência entre as empresas mento burocrático comum ao transporte aéreo regu- especializadas em vendas pela internet (Mercado lar de passageiros. Por exemplo, se uma determina- Livre, Amazon, Submarino, Magalu etc) levou a uma da empresa de táxi aéreo achar que lhe é conveni- escalada de necessidades cada vez maiores de ente ofertar passagens aéreas ligando o aeroporto do logística para pequenos volumes para cidades de Campo de Marte em São Paulo-SP ao aeroporto de médio e pequeno porte espalhadas pelo Brasil. -SP durante o Carnaval, basta-lhe comuni- Assim, um consumidor de Primavera do Leste-MT car ao público que tal serviço será prestado em que desejasse adquirir um tablet poderia tomar sua determinados dias e horários e nada mais. Depois de decisão devido ao fato de uma loja entregar o produ- o voo ser realizado, a empresa necessita enviar as to em 48h ao invés de outra que levasse 7 dias para informações básicas à ANAC e nenhum outro efetuar o trâmite logístico. Portanto a rapidez na procedimento formal lhe será requerido. entrega – que somente seria possível de ser obtida Tanto a venda de “pernas vazias” quanto as utilizando os serviços das empresas de táxi aéreo – ligações aéreas pré-determinadas foram excelentes passou a ser um item muito importante no ano alternativas para que as empresas de táxi aéreo passado, beneficiando as empresas de táxi aéreo. pudessem recuperar parte do prejuízo proveniente da Outra questão logística que surgiu na pandemia redução da demanda nos meses iniciais da foi a entrega de insumos médicos e o transporte de pandemia. Infelizmente, entretanto, as novas regras profissionais de saúde para atender às demandas foram publicadas somente em agosto de 2020, e as decorrentes da própria crise sanitária. Este foi outro empresas ainda não conseguiram obter resultados fator que afetou positivamente o setor de táxi aéreo, significativos com estas novas possibilidades. que começou transportando Equipamentos de Acreditamos que em 2021 estas modalidades de Proteção Individual (EPI’s) e respiradores e, já no transporte aéreo realizadas por empresas de táxi início de 2021, passou a ser um modal importantíssi- aéreo se consolidem no mercado brasileiro. mo para o transporte de oxigênio e de vacinas. 4. Operação regular – aviação regional Conclusão

Desde a reforma regulatória realizada pela A pandemia que vivemos em 2020 (e que ANAC em 2019, as empresas de táxi aéreo passaram continuaremos a viver pelo menos em parte de 2021) a poder se certificar como empresas de transporte teve e continuará tendo impactos significativos para aéreo regular, desde que utilizassem aeronaves com a aviação de negócios, que nunca mais será como capacidade de levar até 19 passageiros ou 3.400kg antes – para o bem ou para mal. É muito diferente do de payload. Porém, foi em 2020 que as empresas do que ocorre com a aviação comercial, que está sofren- setor começaram a obter as respectivas autorizações do muito com a pandemia, mas quando o mundo da ANAC para atuar neste segmento, como foi o caso voltar a se estabilizar tende a retornar ao seu velho da de Jundiaí-SP (antiga Two Flex), que leito, transportando passageiros e cargas pelo Brasil se associou à Azul Linhas Aéreas; da Asta de e pelo mundo de maneira muito parecida como Cuiabá-MT, que atualmente opera em parceria com a antes. Gol Linhas Aéreas; e da Abaeté, com sede em Salva- Na aviação de negócios, não: seus diferentes dor-BA, da Aerosul, de -PR, e da RIMA, de subsegmentos iniciaram um movimento catalisado Porto Velho-RO (esta ainda certificada como empre- pela pandemia que deverá continuar ocorrendo sa de Ligação Aérea Sistemática), que operam de mesmo depois que o problema sanitário for resolvi- maneira independente. Todas estas empresas com- do. A catmada de maior poder aquisitivo dificilmente põem a nova aviação regional (ou “sub-regional”, abandonará sua aeronave privada e voltará a se para diferenciar das empresas de linha aérea que amontoar nos check-ins dos grandes aeroportos; os operam aviões maiores) do Brasil. Esta modalidade táxis aéreos não irão deixar de vender assentos também promete muito para 2021, embora não tenha individuais; os aplicativos não irão fechar as portas; a tido um desempenho extraordinário em 2020. aviação regional não vai de ixar de crescer; e o trans- porte aeromédico mostrou que é uma ferramenta 5. Operação aeromédica indispensável a um país continental e com infraestru- tura de saúde concentrada nos grandes centros O transporte de enfermos pelo modal aéreo foi como o nosso. uma atividade muito demandada em 2020 por moti- Muitos empresários do segmento da aviação vos óbvios. A pandemia requereu um volume de de negócios estão trabalhando em novos projetos remoções médicas de emergência em níveis nunca que somente irão começar a aparecer neste ano de antes vistos pelas empresas do setor, a ponto de ter 2021 e nos próximos, e as novidades não param por sido necessária a publicação em janeiro de 2021 de aí. Dentre de pouco tempo teremos uma nova regula- um regulamento pela ANAC que, em caráter de mentação para os programas de compartilhamento exceção, permitisse que os tripulantes do setor de aeronaves que deverá trazer um novo impulso pudessem extrapolar os limites de jornada de para a aviação privada, e o desenvolvimento trabalho e de horas de voo impostos pela Lei do tecnológico das aeronaves e-VTOL não parou duran- Aeronauta, tamanha a necessidade de transporte te a pandemia – ele só foi menos noticiado porque as aeromédico. Neste cenário, as empresas de táxi informações sobre o Covid-19 foram mais relevantes aéreo certificadas para realizar remoções aeromédi- para o público em 2020. Parodiando a música do cas enfrentaram a crise econômica gerada pela Lulu Santos & Nelson Motta: “Nada na aviação de pandemia com muito mais facilidade que as empre- negócios será de novo do jeito que já foi um dia”. sas convencionais.

Versão #2 – 02/02/2021