Bibi Ferreira: a Eterna Primeira-Dama Do Teatro Brasileiro

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Bibi Ferreira: a Eterna Primeira-Dama Do Teatro Brasileiro entrevista Bibi Ferreira: a eterna primeira-dama do teatro brasileiro POR ANA Paula BELING1 (FFEREIRA, 2001).” Com apenas 24 dias de vida, a pequena Bibi – que levava o nome de sua madrinha, Quero apresentá-los à minha família: Abigail Maia, esposa de Oduvaldo Vianna, seu Aída, minha mãe, corista da Cia. de padrinho – estreou no Teatro São Pedro, no Rio Revistas Belasco [Velasco]; minha tia de Janeiro, antigo nome do Teatro João Caetano. Dora, contorcionista; minha prima Lídia, Seu pai apresentava a peça Manhãs de Sol, de trapezista; meus tios-avós, acrobatas, os Vianna, ao lado de Abigail. Minutos antes da peça Queirolo; os palhaços Chicharrão, Chic- começar, uma boneca – que representava um Chic e Torresmo; meu primo Verdaguer, bebê em cena – sumiu dos bastidores. A solução humorista; meus tios bem distantes foi, então, entrar com a pequena Bibi em cena – dos Pampas – os gloriosos Podestá – que estava no camarim –, no lugar da boneca. fundadores do teatro na Argentina; meus Abigail Maia, sua madrinha, entrou com Bibi no bisavós maternos – que se conheceram colo, substituindo a boneca desaparecida. cantando a ópera Marina em Montevidéu; Depois desta primeira aventura nos palcos, meu avô materno, o maestro-regente Bibi Ferreira começou, aos três anos de idade, a Antonio Izquierdo; papai, Procópio Ferreira, trabalhar na Companhia Velasco de Revista, em que vocês conheceram e com quem riram Santiago, no Chile. Sua mãe, Aída, havia partido tanto; e vovó Mama Irma que, não tendo a trabalho com esta companhia e Bibi Ferreira nenhuma aptidão artística, alugou um seguiu com a mãe. Nesta companhia, aprendeu camarote para assistir à vida. seu primeiro idioma, o espanhol. Participou de Bibi Ferreira várias produções, pertencendo à companhia por dois anos. Tornou-se “la niña de Velasco” e muitos De influência artística na família, Bibi Ferreira não acreditavam que se tratava de uma criança nunca pôde se queixar. Filha do grande ator precoce, mas sim de uma anã: “Minha babá era o brasileiro Procópio Ferreira com a bailarina camarim (FERREIRA, 2001).” espanhola Aída Izquierdo, Bibi Ferreira iniciou sua Retornou ao Brasil com aproximadamente carreira no teatro muito jovem, impregnada pelas sete anos de idade e ingressou na escola de diferentes trajetórias artísticas de sua raiz familiar. dança do Teatro Municipal do Rio de Janeiro. Aos O circo, o teatro, a música, a vida mambembe, o dez anos, formada em piano, começou a compor. respeito ao público e a responsabilidade com Aos quatorze anos, já havia publicado mais de a profissão foram herdados de seus pais, de dez músicas próprias. Tinha certeza de que seria seus tios, de seus primos, de seus avós, de seus bailarina. Tocava violino e dava aulas de violão. Por bisavós, também artistas. ser filha de artistas, teve recusada a sua matrícula Era ano de 1922, mês de julho, Rio de Janeiro, no conservador Colégio Sion. Estudou, portanto, quando nasceu Abigail Izquierdo Ferreira, no Colégio Anglo-Americano, se destacando pela nossa Bibi: “Nunca fui Abigail! Sempre fui Bibi facilidade em aprender. Segundo Bibi Ferreira, sua vontade primeira não era a de ser atriz. Queria ser bailarina, 1. Mestra em Teatro pelo Programa de Pós-Graduação em Teatro (PPGT), do inicialmente. Depois, seu desejo de estudar Centro de Artes da UDESC. Licenciada e Bacharela em Teatro, pela mesma universidade. Atriz, cantora, diretora, arte-educadora e produtora cultural. 62 | Caderno de Registro Macu (Pesquisa) Bibi Ferreira aos três anos, entre os pais, Aída Izquierdo e Procópio Ferreira. Foto cedida pelo ator José Fernandes, extraída do livro Bibi Ferreira: Uma Vida no Palco (Montenegro e Raman Livros, 2003). Caderno de Registro Macu (Pesquisa) | 63 entrevista Aída Izquierdo, sua mãe, dona Irma, sua avó, e Bibi Ferreira. Foto extraída do livro Bibi Ferreira: Uma Vida no Palco (Montenegro e Raman Livros, 2003). música aflorou e era esse o caminho que queria que era o teatro. Entrei, porque meu pai trilhar. Porém, uma dificuldade financeira sofrida não ia bem. Eu não tinha a mínima ideia por seu pai fez com que a menina se aproximasse de fazer teatro, nunca tinha pensado em do teatro. fazer teatro. Nem decorar uma poesia, nem coisíssima nenhuma. A arte de falar eu Recebi um telegrama de papai, que nunca usei. Eu ia ao teatro... Eu fui um bom na época encontrava em temporada em público sempre! Porque eu assisti a tudo! São Paulo, dizendo: “Quer estrear comigo Às companhias estrangeiras que vinham, próxima temporada Teatro Serrador? portuguesas, francesas e às nossas, pelo Responda. Beijos. Procópio.” Por longo amor de Deus! Eu assisti a toda a carreira tempo demorei em responder. Já estava de Dulcina, eu assisti a Olga Garrido, eu encaminhada no balé, em muitos estudos assisti a Jayme Costa, Eva Todor, a todo e sacrifícios, não pensava em entrar para o mundo eu assisti. Então, eu fui sempre um teatro. Mas acabei aceitando o convite de grande público. Mas, de repente, como as papai (FERREIRA, apud VILHENA, 2000, p. moças daquela geração, da minha geração, 29). não tinham opinião... Era assim: “Você vai entrar para o teatro, porque o negócio Sendo assim, aos dezoito anos de idade, em aqui com o seu pai não vai bem, e o seu 28 de fevereiro de 1941, Bibi Ferreira estreou pai precisa de um estouro!” [...] Aí, como eu profissionalmente no teatro, na Companhia não tinha opinião, eu entrei para o teatro. Procópio Ferreira, atuando no espetáculo La [...] Foi um casamento arranjado! Porque eu Locandiera, de Carlo Goldoni, que, no Brasil, na entrei e depois é que veio a paixão. [...] Eu tradução de Gastão Pereira da Silva, recebeu o comecei a descobrir a palavra. A beleza da nome de O Inimigo das Mulheres. Bibi, com sua palavra. A inflexão. O poderio. E quando eu Mirandolina, a estalajadeira, conquistou o público, descobri isso, aí o casamento deu certo. Eu que lotou o Teatro Serrador, no Rio de Janeiro. comecei a me entregar a esse casamento.” Segundo a artista (2008), ela não teve escolha e a paixão pelo teatro foi como a de um casamento Bibi Ferreira, com a ajuda de seu pai e também arranjado: com tudo o que herdou de sua mãe e da família Queirolo, transformou-se em uma das maiores e Eu entrei para o teatro sem saber o mais completas artistas do Brasil. Ao lado do pai, 64 | Caderno de Registro Macu (Pesquisa) Bibi manteve a tradição do teatro mambembe. Mas a carreira na Companhia Procópio Ferreira não durou muito, pouco mais de três anos, e após ser intimada a fundar sua própria companhia – “Minha filha, juntos somos uma bolsa só. É melhor nos separarmos” (FERREIRA, apud VILHENA, 2000, p. 41) – nasceu, então, em 1944, a Companhia de Comédias Bibi Ferreira. Atuou como a primeira-atriz em um novo repertório variado de clássicos, revistas e comédias ligeiras. Amadurecia a atriz, atuando em papéis cômicos, dramáticos, musicais, etc. Desempenhou incontáveis personagens com características absolutamente distintas durante toda a sua carreira. Para a atriz, a cada personagem um novo desafio. Foi Mirandolina, Miriam, Isabel, Vana, Dora, Catarina, Rebecca, Aurélia, Isabela, o noviço Carlos, Elisa, Dolly Levi, Dulcineia Aldonza, Joana, usando de uma versatilidade que impressionou público e crítica, desde os seus primeiros passos no palco. Bibi Ferreira como Mirandolina, personagem de O Foi em Divórcio (A Bill of Divorcement), de Inimigo das Mulheres. Foto extraída do livro Bibi Clemence Dane, que Bibi Ferreira estreou como Ferreira: Uma Vida no Palco (Montenegro e Raman diretora. Neste espetáculo, voltou a trabalhar com Livros, 2003). seu pai e trabalhou também como tradutora e intérprete. Mas não somente se arriscou na atuação do grande sucesso que Eva [Todor] acabava e na direção. Bibi Ferreira também experimentou de alcançar em Portugal, reuni o elenco e o papel de dramaturga, característica sua como propus que embarcássemos de Recife para artista muito pouco conhecida e explorada. Em Lisboa. Dito e feito: poucos dias depois 1943, a Companhia Procópio Ferreira estreou um embarcávamos na terceira classe do navio espetáculo denominado Bendito Entre as Mulheres. Alcântara (FERREIRA, apud VILHENA, O texto, de Bibi Ferreira, foi escrito a pedido de 2000, p. 87). seu pai. Apesar de ter sido levado primeiramente ao público, Bendito Entre as Mulheres não foi o Em 1956, a Companhia de Bibi Ferreira estreou, único, nem o primeiro texto de Bibi Ferreira. Em em Portugal, no Teatro Monumental de Lisboa, as 22 de junho de 1945, Bibi Ferreira estreou, já em comédias Diabinho de Saias, de Normal Krasna, e sua própria companhia, o espetáculo Angelus, A Pequena Catarina, de Régis Gignoux e Jacques também de sua autoria. Therry. Contudo, a crítica, que esperava da atriz Para Bibi, de todas as funções já exploradas e de sua companhia a apresentação de grandes como artista em sua trajetória, a de dramaturga clássicos do drama, se decepcionou. A temporada foi a mais fraca e a menos cultivada. Dado seu em terras portuguesas foi desastrosa. Deolinda grau de perfeccionismo, desistiu desse lado Vilhena (2000, p. 87) conta que: “Bibi chegou cênico após essas duas incursões na escrita para a ficar presa num hotel, em Santarém, como a cena. garantia do pagamento das diárias. Pressionados pelo frio e pela fome, os atores compraram Um dia, no meio de uma excursão pelo passagens para retornar ao Brasil.” Um dia antes, Nordeste, impressionada com as notícias porém, do embarque, a companhia improvisou Caderno de Registro Macu (Pesquisa) | 65 entrevista um número variado, com música e dança. Foi Tendo o primeiro ator do filme sofrido um neste momento em que Bibi Ferreira chamou a acidente durante uma cena, atrasando as atenção do empresário português Carlos Lopes gravações, Bibi Ferreira aproveitou a ocasião que, impressionado com a sua habilidade para para aproveitar seu período em Londres e entrar show-woman, convidou a atriz para estrelar em contato com o embaixador inglês, que espetáculos de revista em Lisboa.
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