Analisando à Vice-Presidência no Brasil: as regras e o perfil sociopolítico dos vice-presidentes da República (1891-2020)1

Nilton Sainz (UFPR) Icaro Engler (UFPel)

1 44° Encontro Anual da ANPOCS – SPG 06: As instituições políticas diante dos desafios contemporâneos da democracia. 1

Introdução

Os presidencialismos latino-americanos observaram nos últimos anos alguns casos em que o vice-presidente acaba sendo motivo de instabilidades, polêmicas ou até mesmo de ruptura em governos. Em 2016, com o impeachment de Dilma Rousseff, o então vice-presidente foi protagonista do aprofundamento da crise, rompendo com o governo e articulando sua escalada até o cargo mais alto da República. Em 2019, vivenciamos a escolha da ex- presidente Cristina Kirchner por ocupar à vice-presidência na Argentina, trazendo uma série de questionamentos em relação a influência de Cristina no governo de Fernández. No governo de Jair Bolsonaro, o vice Hamilton Mourão também foi alvo de polêmicas, entrando em conflito com Carlos Bolsonaro (filho de Jair) e sendo alvo de um pedido de impeachment protocolado na Câmara dos Deputados, indicando que Mourão estaria conspirando contra o Presidente da República. No Equador, somente no governo de Lenin Moreno, até meados de 2020, foram três casos de vice-presidentes que deixaram o posto, o último, Otto Sonnenholzner se quer explicou o motivo da renúncia. Apesar desses retrospectos, de maneira geral, o “caso” dos vices não é alvo de inúmeras investigações no continente latino-americano. Realizando algumas buscas na base SciELO2, é possível diagnosticar a incipiência do tema. O que observamos, são estudos de casos espalhados pelos países latino-americanos e alguns estudos comparados relacionados a instabilidade e sucessão presidencial (SARRAFERO, 1999, 2011, 2018; MIERES; PAMPÍM, 2015; BIDEGAIN, 2017; MITTELMAN, 2019a, 2019b; MARSTEINTREDET, 2019; MARSTEINTREDET; UGGLA, 2019; UGGLA, 2020). Em relação ao Brasil, são inexistentes as publicações que versam sobre essa temática na Ciência Política. Já na Ciência Política norte-americana, estudos sobre à vice-presidência estão inseridos na literatura há muitos anos (FEERICK, 1964; NATOLI, 1979, 1982; NELSON, 1988; HATFIELD et al, 1997; EDWARDS; JACOBS, 2008). As sucessões presidenciais, atreladas as transformações dessa instituição para a classe política e também o impacto do vice-presidente em eleições, são algumas das explicações para esse objeto de pesquisa ter sido consolidado ao longo dos anos. Esse paper possui dois objetivos gerais. O primeiro é contribuir para a inserção dessa agenda de pesquisa no país, realizando uma revisão acerca das regras do cargo no Brasil desde a Primeira República até o período atual. Já o segundo objetivo é dar início ao estudo empírico

2 Foram consultados os termos “Vice-Presidente”, “Vice-Governador”, “Vice-Prefeito” e “Vice”, na data de 15/11/2020. 2 sobre essa elite, examinando o conjunto de vice-presidentes do Brasil de 1891 até 2020. Trata- se de investigar o perfil sociopolítico, olhando para características sociais e políticas desses atores e responder a seguinte pergunta norteadora: qual o perfil sociopolítico daqueles que ocuparam à vice-presidência do Brasil ao longo da história? Para além dessa introdução, esse texto está divido em cinco seções, sendo a primeira resultante da revisão de literatura sobre os significados da vice-presidência em democracias representativas. A segunda trata da análise das regras institucionais relacionadas ao cargo de Vice-Presidente no Brasil. A terceira seção expõe os detalhes da metodologia aplicada à pesquisa, apresentando fontes, variáveis e tratamento de dados. A quarta apresenta os resultados obtidos com o estudo empírico acerca dos vice-presidentes e suas carreiras políticas. E por fim, a última seção faz as considerações, apresentando o conjunto de resultados e indagações a partir desse estudo.

À vice-presidência e seus significados em democracias representativas

Ao buscar definições sobre os cargos de vice em todos os níveis de governo, vamos encontrar em textos legais algo pragmático. Nesse sentido, o cargo é entendido como substituto do titular em caso de necessidade (morte, renúncia, impedimento), ou “auxiliar” do titular quando convocado, seja para substituição temporárias, como doença, férias (comum em prefeituras), e também missões especiais ou atribuições específicas, como acumular um outro cargo no governo (ministérios ou secretárias). Entretanto, é necessário pensar esses cargos para além dessa definição. Afinal, qual o sentido de elegermos um vice? Ou ainda, qual o sentido de um político profissional ambicionar ser vice em governos? Para ajudar a responder esses questionamentos, começaremos por discutir os significados desse cargo em democracias representativas, desde os motivos para existir o posto, a imagem do cargo perante o eleitorado e classe política e a função em competições eleitorais. De acordo com a constituição de cada país, as atribuições da vice-presidência podem variar. Na Argentina e nos Estados Unidos, por exemplo, além de cumprir a função de substituto do titular, à vice-presidência fica com a responsabilidade de presidir o Senado, possuindo poder de voto em caso de empate. No Brasil, quem ocupa o cargo de Vice-Presidente pode acumular outro cargo, como por exemplo, ser nomeado para alguma pasta ministerial. Entretanto, o motivo principal desse cargo em sistemas políticos é proporcionar maior estabilidade em

3 governos, servindo como garantia de que o representante eleito, em caso de impossibilidade, terá alguém para dar continuidade no projeto escolhido nas urnas, evitando os custos de novas eleições e vácuos no poder, considerados perigosos para as democracias (NATOLI; 1979; SARRAFERO, 1999). Em teoria, à vice-presidência representa minimizar os efeitos em casos de substituição do titular. Todavia, como alerta Sarrafero (1999), o vice é alguém diferente do presidente, e por mais parecido que sejam, a sucessão pode resultar em reconfigurações institucionais. Além disso, é possível que o vice venha substituir o titular após uma crise seguido por ruptura, ocasionando intensas mudanças nos quadros ministeriais e na agenda de governo, resultando em um paradoxo para as democracias representativas. A fim de prever esses impactos, a literatura internacional alertava para a necessidade de conhecer de quem são esses personagens. Segundo Edwards e Jacobs (2008) quase um em cada três vice-presidentes dos EUA veio a assumir o posto principal. Para essa literatura, devido a recorrentes substituições presidenciais, era necessário não apenas conhecer quem são os vice-presidentes, mas também compreender a consolidação dessa instituição no país. À vice-presidência ganhou maiores relevâncias conforme os anos e alterou o status de cargo “ridicularizado” e “desprezível” para um cargo estratégico na composição de chapas presidenciais e com mais funções de governo (NATOLI, 1979; HATFIELD et al, 1997; EDWARDS; JACOBS, 2008). Nota-se um crescimento da importância da vice-presidência nos EUA e até mesmo uma “institucionalização” do cargo. Nelson (1988), argumenta que o cargo passa a ser atrativo para líderes políticos ainda em desenvolvimento de carreira, indicando que o cargo estava servindo como trampolim para aqueles que desejavam escalar até o posto de presidente. Ainda, são destacadas mudanças relativas as qualificações dos ocupantes do cargo, assim como a capacidade de sucessão e lealdade as políticas presidenciais, que passaram a ganhar maiores notoriedades no momento da competição eleitoral (NELSON, 1988; EDWARDS; JACOBS, 2008). Ao passo que existem esses critérios de escolha, outra função do vice-presidente é proporcionar um equilíbrio na chapa presidencial. O vice-presidente pode significar uma mescla ao perfil da chapa, por exemplo, misturando gênero, raça, idade e ocupação profissional, aproximando o presidente de outros setores da sociedade. Segundo Garcé (2018), a pergunta feita por dirigentes partidários na hora de selecionar o vice na chapa é: quem melhor complementa o candidato? Com isso, o objetivo é reduzir custos eleitorais, utilizando o vice para agregar forças e comunicar à sociedade diferentes qualidades naquela composição eleitoral. Entretanto, também são escolhas atreladas as instituições em disputa. Um atributo

4 importante para o vice é ser um articulador, trazendo ao presidente capacidade de comunicação e negociação política. Mas também pode significar um ganho relacionado a Horário Gratuito de Propaganda Eleitoral, ou até mesmo de financiamento de campanha. Todavia, se o objetivo é reduzir custos eleitorais e posteriormente governamentais, outra importante questão assola essa seleção de candidato. A relação entre presidente e vice- presidente podem ser conturbadas, e nada mais custoso que ter ao lado um ator político na qual não existe uma relação de confiança e lealdade (SARRAFERO, 1999, 2018; NELSON, 1988). Sarrafero (1999) chama a atenção para as diferenças entre esses atores políticos, os quais podem possuir ambições particulares e em determinado momento, podem romper laços, tornando o poder Executivo um ambiente de disputa, onde o presidente passa a isolar o vice e temer com que esse venha a conspirar contra ele.

À vice-presidência no Brasil: uma análise histórica da instituição

O cargo de vice, em todos os níveis da federação, não possui na visão do eleitor brasileiro uma grande importância na política. Prova disso, é que para 53,4 % da população (SANDIN, 2019) o cargo poderia ser extinto. Uma das explicações para essa baixa popularidade do cargo, é o fato do baixo protagonismo, seja em campanhas políticas, onde na média aparecem apenas como agregados dos titulares, mas também por não possuírem funções esclarecidas durante os governos. O cargo de vice-presidente aparece pela primeira vez na Constituição norte-americana, antes disso, era desconhecido no restante do mundo (LIMA, 1949). No Brasil, o cargo de Vice- Presidente da República foi criado em 1891, ano que foi promulgada a primeira Constituição republicana. Ao ser criada a figura do Presidente da República e adotado o modelo presidencial de governo, foi decidido que ele seria acompanhado por um substituto, alguém que o poderia substituir eventualmente, em razão de ausências ou impedimentos momentâneos, assim como em definitivo, sucedendo-o. Neste mesmo ano, foi eleito indiretamente , quem primeiro ocupou o cargo no país. A seguir, e durante a Primeira República, o Presidente e o Vice-Presidente do país eram eleitos simultaneamente por sufrágio direto e maioria absoluta de votos (BRASIL, 1891; NICOLAU, 2012), mas de forma separada, ou seja, o eleitor votava em um nome para cada cargo, o que tornava possível escolher o candidato do partido A para presidente e do partido B para vice.

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Outra peculiaridade do período era a possibilidade de o mesmo candidato ficar disponível para ambos os cargos3. Além disso, o Vice-Presidente também presidia o Senado Federal, possuindo o chamado “voto de qualidade” (BRASIL, 1891; BALEEIRO, 2012; NICOLAU, 2012), o que gerou discussão na constituinte de 1891, onde o Deputado Zama alegava que o cargo feria o princípio da separação de poderes, visto que o vice era um agente do poder Executivo atuando no Legislativo (LIMA, 1949). Vale ressalvar que a existência do cargo e a competição eleitoral a nível estadual e municipal eram reguladas de acordo com as legislações de cada estado da federação, o que resultava em variações, de acordo com cada unidade federativa (LIMA, 1949; NICOLAU, 2012; BRASIL, 2014). Após 39 anos (de 1891 até 1930) de existência do cargo de Vice-Presidente da República, o governo provisório de Getúlio Vargas (1930 a 1934) extinguiu o posto. Tal determinação foi ratificada pela Constituição de 1934, que estabelecia, em seu art. 52, § 8º, como sucessores do presidente, respectivamente: presidente da Câmara dos Deputados, presidente do Senado Federal e presidente da Corte Suprema – que era a denominação adotada para o hoje Supremo Tribunal Federal (BRASIL, 1934). A ausência da figura do Vice-Presidente da República persistiu por todo o período em que Vargas esteve à frente do cargo, pois a Constituição de 1937, surgida a parir do golpe de Estado do mesmo ano e que inaugurou o chamado Estado Novo (1937-1945), também não previa essa figura. A responsabilidade pela substituição do presidente da República foi transferida para o chamado Conselho Federal, que era incumbido de eleger entre os seus membros o “presidente provisório”4 que ficara responsável em convocar o Colégio Eleitoral do presidente da República (BRASIL, 1937, art. 78). Passados 15 anos (de 1930 até 1945), com a saída de Vargas da Presidência da República, o cargo de Vice-Presidente do país volta reaparece na Constituição de 1946, ano em que é escolhido para a função , vice de Eurico Gaspar Dutra. As prerrogativas eram semelhantes às que estiveram em vigência até 1930, quem ocupasse a vice-presidência exercia o cargo de presidente do Senado Federal, possuindo voto de qualidade, e sendo escolhido simultaneamente com o Presidente da República, agora por mandato de 5 anos. Nesse período, continuava existindo a possibilidade de escolher candidatos de diferentes partidos para os cargos de Presidente e de Vice-presidente. Porém, os registros históricos não

3 Caso de Floriano Peixoto. Em 1891, ele era candidato à Presidência da República e também à Vice-Presidência, sendo eleito como vice (BATISTA, 2016). 4 O presidente provisório existente nesse texto constitucional não possuía as prerrogativas do presidente da República, assim, não se pode realizar uma equivalência entre as atribuições do cargo de presidente provisório com as atribuições que existiam no cargo de Vice-Presidente da República (BRASIL, 1937). 6 indicam a possiblidade de um mesmo candidato disputar ambos os cargos (NICOLAU, 2012). Uma singularidade desse período foi a possiblidade de reeleição imediata para o cargo de Vice- Presidente da República, algo não disponível para cargos do primeiro escalão do poder Executivo, como presidente, governador e prefeito (NICOLAU, 2012). A partir da Constituição de 1967, promulgada durante a ditadura civil-militar, o vice- presidente da República passou a ser eleito de forma indireta e em conjunto com o presidente da República, passando a impossibilitar a escolha de nomes pertencentes a diferentes chapas (BRASIL, 1967)5. Durante a ditadura, o cargo de Vice-Presidente sofreu uma desvalorização, visto que além de perder a atribuição de presidir o Senado Federal, os governos militares não deixaram os vices assumirem a presidência da República6. Desde as últimas alterações com a Constituição de 1967, o modelo de escolha dos vices (associado ao titular da chapa), suas atribuições e suas prerrogativas se mantiveram as mesmas, variando conforme os significados políticos daquele que foi eleito e de acordo com governo e chapa eleita (BRASIL, 1988). No Quadro 1, elaborou-se uma sistematização das principais regras que conduziram a instituição vice-presidência desde 1981 até 1988, ano da última Constituição Federal promulgada no país.

5 Segundo Negrão e Yamada (2011), a partir de 1965 os cargos de Presidente e de Vice-Presidente já eram escolhidos conjuntamente. 6 Exemplo disso foi o caso do civil , quando ocorreu o afastamento do Marechal Costa e Silva por problemas de saúde (VICE-PRESIDENTE..., 2014). 7

Quadro 1: Regras constitucionais acerca da vice-presidência no Brasil (1891-1988) Período Regras constitucionais Vacância Eleitorais Primeira República O Vice-Presidente é substituto Presidente e Vice-Presidente eram (1891-1930) temporário em caso de vacância escolhidos de forma separada, do cargo nos dois primeiros anos podendo não pertencer a mesma de mandato. Após os dois chapa presidencial. Era eleito primeiros anos de mantado, a Presidente do Senado Federal. substituição é definitiva. Mandatos de 4 anos. Eleições diretas. Quarta República O Vice-Presidente é substituto Presidente e Vice-Presidente eram (1946-1964) definitivo em caso de vacância escolhidos de forma separada, do cargo. podendo não pertencer a mesma chapa presidencial. Era eleito Presidente do Senado Federal. Mandato de 5 anos. Eleições diretas. Ditadura civil- O Vice-Presidente é substituto Presidente e Vice-Presidente militar (1964-1985) definitivo em caso de vacância coligados em uma única chapa do cargo. presidencial. Eleições indiretas e sem regularidade. Sexta República O Vice-Presidente é substituto Presidente e Vice-Presidente (1985 -) definitivo em caso de vacância coligados em uma única chapa do cargo. presidencial. Mandato de 4 anos. Eleições diretas. Fonte: Elaboração própria com base em LIMA (1945); BRASIL, (1891, 1946, 1967, 1988).

Metodologia aplicada

Para além dessa investigação acerca da história do cargo, com base nos textos constitucionais brasileiros, a próxima etapa do estudo faz uso de prosopografia, método já consagrado na história e também nos estudos de elites políticas. O princípio do método prosopográfico é investigar características de um grupo de atores por meio de um estudo coletivo de suas vidas (STONE, 2011). Como explica Charle (2006), é a partir de uma definição da população a ser investigada e pela formulação de critérios e variáveis que é criada uma biografia coletiva do grupo analisado. Dito isso, o estudo tem objetivo identificar e analisar os perfis sociopolíticos daqueles que foram eleitos e assumiram o cargo de Vice-Presidente ao longo da história brasileira até o momento atual. No Quadro 2, estão apresentadas as informações gerais sobre o universo da pesquisa.

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Quadro 2: Número de eleições e vice-presidentes que assumem o cargo entre 1891 e 2020 Período Primeira República Quarta República Ditadura Civil- Sexta Militar República Eleições 14 4 5 9 Assumem 11 3 5 6 Impedidos 3 0 0 0 da posse Reeleitos 0 1 0 3 Fonte: Elaboração própria.

No total, o universo de investigação considerou 32 eleições (diretas e indiretas) para vice-presidência. Desse universo de eleições, 3 foram impedidos de tomar posse7, seja por falecimento ou motivação política. Logo, analisaremos traços de perfil social e político de 25 indivíduos, distribuídos em 4 períodos históricos. Desses 25 indivíduos, 4 foram eleitos duas vezes para o cargo e assumiram o segundo mandato8, todas elas configurando reeleição imediata, ou seja, conectando um mandato ao outro. As variáveis de análise estão configuradas para proporcionar um retrato dos indivíduos eleitos para o cargo. O Quadro 3, explana as variáveis selecionadas e a maneira na qual estão organizadas para análise.

7 Foram eles: a) Silviano Brandão, falecido em 1902 antes de tomar posse do cargo; b) Urbano Santos, falecido antes do segundo mandato de Vice-Presidente em 1922; c) Vital Soares, impedido da posse por conta da Revolução de 30. Esses dois casos não foram agregados as análises. 8 Foram eles: a) João Goulart (PTB) (1955 e 1960); b) (PFL) (1994 e 1998); José Alencar (PL/PRB) (2002 e 2006); Michel Temer (PMDB) (2010 e 2014). Ainda teve a reeleição mediada de Urbano Santos, eleito em 1914 e posteriormente eleito em 1922, porém, veio a falecer antes da posse do último mandato, não valendo assim como vice reeleito. 9

Quadro 3: Variáveis de análise e descrição metodológica Tipo de variável Variável Descrição Tipo de eleição Direta/Indireta Coligado ao Presidente Sim/Não Institucional Partidos nas quais foram eleitos; Partido Político Partidos nas quais os presidentes foram eleitos Sim/Não; Acumulo de cargos Carreira anterior eletivos; Tipos de cargos acumulados Carreira Eleição presidencial Sim/Não Sim/Não; Acumulo de cargos Carreira posterior eletivos; Tipos de cargos acumulados Idade (eleito) Grupos de idades; Média por período Social Formação acadêmica Curso de graduação Ocupação profissional prévia Profissões acumuladas Fonte: Elaboração própria.

O Quadro 3 mostra a escolha metodológica por dividir em três tipos gerais de variáveis. As variáveis institucionais são responsáveis por apresentar o quadro geral dos tipos de eleições para vice-presidência, também a existência de coligações entre presidentes e vice-presidentes em diferentes contextos institucionais e por fim os partidos políticos que elegeram vice- presidentes e presidentes, proporcionando uma comparação do número de vezes que esses atores compartilhavam a mesma agremiação partidária. As variáveis de carreira são responsáveis por dar o panorama geral da profissionalização política dos vice-presidentes ao longo da história, medindo suas carreiras anteriores no acumulo e no tipo de cargos, examinando também suas ambições políticas rumo à Presidência da República e o desenvolvimento de carreiras posteriores. Já as variáveis sociais9, ficam com o encargo de retratar os perfis desses indivíduos, apresentando a média de idade em que são eleitos para o cargo, o estado brasileiro em que nasceram, também suas formações acadêmicas e ocupações profissionais, observando se existem alterações ao longo dos períodos históricos e diagnosticando as características de indivíduos que vieram a alcançar um posto de alto escalão no sistema político brasileiro.

9 A escolha por não analisar a variável de gênero se dá pelo fato de nunca na história do Brasil uma mulher ter sido eleita Vice-Presidente, significando que nosso universo é 100% formado por indivíduos do sexo masculino. Já a opção por não considerar a variável de raça/cor, se dá por conta das dificuldades de obtenção dos dados referentes a períodos históricos passados, principalmente os dois primeiros. 10

A principal fonte de dados dessa investigação foi o Centro de Pesquisa e Documentação de História Contemporânea do Brasil (CPDOC). Em casos onde existiam lacunas de informações sobre os indivíduos, principalmente aqueles mais antigos, foram consultados portais online com biografias e também jornais digitalizados e disponíveis online, somando assim um número maior de informações e confiabilidade dos dados coletados.

Resultados parciais

Partindo agora para a explanação dos resultados obtidos com a investigação, iniciaremos por aquelas variáveis institucionais, começando pelo modelo de escolha (tipo de eleição) dos vice-presidentes ao longo da nossa história. No Gráfico 1 estão divulgados os resultados dessa análise de acordo com período da história brasileira.

Gráfico 1: Tipos de eleição de vice-presidentes ao longo da história brasileira (1891- 2018)

1 Sexta República 8

5 Ditadura Civil-Militar 0

1 Quarta República 3

1 Primeira República 12

0 2 4 6 8 10 12 14

Eleição Indireta Eleição Direta

Fonte: Elaboração Própria.

Ao longo da história brasileira, os vice-presidentes foram escolhidos 8 vezes através de eleições indiretas, por meio do Congresso Nacional. Como já mencionado nesse texto, a primeira vez foi na fundação da Primeira República, quando recriado o cargo na Quarta República, somente o vice-presidente foi eleito através do Congresso. Durante os anos de Ditadura Civil-Militar, assim como os presidentes, todos os vices foram escolhidos de forma indireta, entretanto, agora sendo necessário compor a mesma chapa, não disputando as eleições presidenciais de forma separada. No retorno a democracia, a primeira eleição da Sexta

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República também ocorreu de forma indireta, sendo escolhidos os chefes do poder Executivo através do Congresso e de forma unificada. Considerando as diferentes configurações institucionais para a escolha de presidente e vice, no Gráfico 2, vamos apresentar os resultados referentes ao número de vezes que a disputa presidencial contava com presidente e vice coligados ou não coligados.

Gráfico 2: Número de vezes em que Presidente e Vice-Presidente estiveram coligados em disputas presidenciais (1891-2018)

0 Sexta República 9 0 Ditadura Civil-Militar 5 1 Quarta República 3 1 Primeira República 10

0 2 4 6 8 10 12

Não Coligadas Coligadas

Fonte: Elaboração Própria com base em CPDOC.

Sabendo que desde a Ditadura Civil-Militar as constituições obrigam que presidente e vice-presidente disputam em chapa única os cargos do Executivo, nossa atenção deve-se voltar para a Primeira República e Quarta República. O que chama a atenção nesses dados é que hegemonicamente são eleitos presidentes e vice-presidentes coligados. Esse dado é ainda mais interessante se considerarmos que na Primeira República, a ocasião na qual elegeu presidente e vice opositores foi a eleição inaugural do período, onde Deodoro da Fonseca foi eleito para Presidente da República e Floriano Peixoto foi eleito vice, ambos escolhidos de maneira indireta pelo Congresso. O resultado dessa eleição foi a renúncia de Deodoro e a tomada de poder de Floriano Peixoto, que posteriormente acabou por conspirar em golpe, visto que as regras do período exigiam novas eleições por conta da renúncia antes dos dois primeiros anos de mandato (FAUSTO, 2015; SCHWARCZ; STARLING, 2015). O outro caso de presidente e vice não coligados e oposicionistas, foi na eleição de Jânio Quadros e João Goulart. O desfecho foi semelhante ao primeiro caso, Jânio Quadros também renunciou devido as pressões oposicionistas e que conspiravam pelo golpe de 64 (FAUSTO, 2015; SCHWARCZ; STARLING, 2015), o que nesse caso não permite relacionarmos a causa

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da renúncia com o vice João Goulart, que apesar de não compor a mesma chapa de Jânio também sofreu em seu governo com forças oposicionistas e setores militares. No Quadro 4, mostraremos os resultados referentes aos partidos políticos que elegeram vice-presidentes e presidentes ao longo da história brasileira. Além disso, inserimos o dado da frequência de vezes que a chapa presidencial foi composta por membros do mesmo partido político.

Quadro 4: Partidos políticos que elegeram Vice-Presidentes e Presidentes no Brasil (1891-2018) 10 Período Vice-Presidente Presidente Mesmo Partidos N Partidos N partido (N) Primeira República PRM 5 PRM 4 PRF 3 PRP 4 PRC 1 PRC 1 2 PRP 1 PRF 1 PRRJ 1 Quarta República PTB 2 PSD 2 PSD 1 PTB 1 1 PSP 1 PTN 1 Ditadura Civil-Militar ARENA 4 ARENA 4 4 PSD 1 S/P11 1 Sexta República PMDB 3 PT 4 PFL 2 PSDB 2 PRN 1 PMDB 1 2 PL 1 PRN 1 PRB 1 PSL 1 PRTB 1 Fonte: Elaboração Própria com base em CPDOC.

Iniciando a descrição desses dados pelo período da Primeira República, observamos um domínio PRM na eleição de vice-presidentes e presidentes, o partido mineiro elegeu em 9 oportunidades seus quadros para o Executivo nacional. Em seguida, vem o PRP, que elegeu 4 presidentes e 1 vice. A frequência de vezes que elegeram presidentes e vices, a grosso modo serve para retratar a política “café com leite” da Primeira República, onde predominavam

10 Lista de siglas; a) Primeira República: Partido Republicano Mineiro (PRM); Partido Republicano Federal (PRF); Partido Republicano Conservador (PRC); Partido Republicano Paulista (PRP); Partido Republicano do Rio de Janeiro (PRRJ); b) Quarta República: Partido Trabalhista Brasileiro (PTB); Partido Social Democrático (PSD); Partido Social Progressista (PSP); Partido Trabalhista Nacional (PTN); c) Ditadura Civil-Militar: Aliança Renovadora Nacional (ARENA); d) Sexta República: Partido do Movimento Democrático Brasileiro (PMBD); Partido da Frente Liberal (PFL); Partido da Reconstrução Nacional (PRN); Partido Liberal (PL); Partido Republicano Brasileiro (PRB); Partido Renovador Trabalhista Brasileiro (PRTB); Partido dos Trabalhadores (PT); Partido da Social Democracia Brasileira (PSDB); Partido Social Liberal (PSL). 11 Sem partido político, mais precisamente representa o caso da primeira eleição indireta da Ditadura, na qual foi eleito o General Castelo Branco. 13 políticos mineiros e paulistas, indicando que à vice-presidência servia para alocar essa elite. Durante a Primeira República, somente 2 vezes presidente e vice pertenceram ao mesmo partido. Observando os dados da Quarta República, é possível notar um cenário parecido ao anterior, onde somente uma vez presidente e vice compartilhavam o mesmo partido. Nesse período, notamos o PTB e PSD como os dois partidos que mais elegeram presidentes e vices, ambos 3 vezes. Durante à ditadura, devido ao bipartidarismo e o controle dos militares no jogo político-eleitoral, esse dado perde força explicativa, entretanto, vale lembrar que a partir desse momento, vice-presidentes e presidentes deveriam ser eleitos em chapa única. Somente na primeira eleição desse período foram eleitos indiretamente um presidente sem vinculação partidária e um vice ligado ao PSD e que logo em seguida, filiou-se a ARENA. Com a volta do multipartidarismo, a Sexta República conta com o maior número de partidos que elegeram presidentes e vices. Observamos que os dois partidos que mais vezes elegeram para os cargos foram PT e PMDB, ambos 4 vezes. O período recente apresenta a mesma característica de poucas vezes presidente e vice compartilhar a mesma agremiação partidária, sendo a mescla de partidos uma característica marcante na Presidência da República em todos períodos históricos. O próximo passo da análise será examinar as variáveis de carreira. Desse modo, no Gráfico 3 iniciaremos por identificar se os vice-presidentes, antes de alcançar o cargo, já possuíam experiência em cargos eletivos, ou seja, se já acumulavam capital eleitoral, mensurando assim o grau de profissionalização política desses atores através do acumulo de cargos.

Gráfico 3: Número de cargos eletivos ocupados antes de chegar à Vice-Presidência da República (1891-2018)

2 Sexta República 3 1 Ditadura Civil-Militar 1 2 2 1 Quarta República 2 0 8 Primeira República 3 0 0 1 2 3 4 5 6 7 8 9

3-4 1-2 Nenhum

Fonte: Elaboração Própria com base em CPDOC.

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Em uma leitura geral do Gráfico 3, é possível concluir que é baixo o número de atores que alcançaram à vice-presidência sem experiência prévia em cargos eletivos, configurando 12% do universo, concentrando principalmente na Ditadura Civil-Militar com a eleição de dois militares para o cargo. O mesmo cenário reaparece na Sexta República com a eleição de Hamilton Mourão em 2018, esse também oriundo das forças armadas e sem acumulo de cargo eletivo na carreira. Logo, 88% dos nossos vice-presidentes já possuíam experiência em cargos eletivos antes de tomar posse. Examinando a carreira anterior dos vices eleitos na Primeira República, identificamos que 73% dos eleitos haviam passado por entre 3 e 4 cargos antes de alcançar à vice-presidência, o que nos permite afirmar que esses indivíduos já possuíam carreiras consolidadas. Nos outros períodos da história brasileira diminui o número de indivíduos que acumulavam em suas biografias diferentes cargos antes de alcançar o posto em análise. Na Quarta República e Sexta República, percebemos uma maior frequência daqueles com passagem por 1 ou 2 cargos eletivos. Já na ditadura, dos 3 civis eleitos, dois deles possuíam em suas carreiras experiências em 3 ou 4 cargos. Entretanto, esses dados não permitem realizar maiores inferências em relação a valorização ou desvalorização da vice-presidência ao longo da história. Na tentativa de mensurar com mais precisão o estágio da carreira prévia dos vice- presidentes, no gráfico 4, estão demonstrados por onde tiveram passagem em suas carreiras.

Gráfico 4: Carreira prévia de acordo com os cargos eletivos12 acumulados antes da Vice- Presidência da República (1891-2018)

4

7

6

4 4 1 7 1 1 2 3 3 3 2 2 2 1 1 1 1 Primeira República Quarta República Ditadura Civil-Militar Sexta República Vereador Prefeito Deputado Estadual Senador Estadual Deputado Federal Governador Senador Federal

Fonte: Elaboração Própria com base em CPDOC.

12 Quando possível, foram feitas algumas adaptações de equivalência dos cargos de acordo com o período histórico. 15

O resultado geral desse gráfico indica que os vice-presidentes, em suas carreiras prévias, passaram em maior número pelos cargos do Legislativo Federal, acumulando 15 passagens pelo cargo de Deputado Federal e 9 pelo cargo de Senador. A nível estadual, o cargo de Deputado Estadual teve 12 vice-presidentes acumulando passagem e 11 chegando ao posto de Governador. O nível municipal teve um baixo número de passagens de vice-presidentes, o que indica que suas carreiras estivem mais fortemente construídas nos dois primeiros níveis. Além disso, o panorama mostra que os vices frequentaram cargos de alto escalação antes da vice- presidência, alcançando o posto mais alto da política estadual e no Legislativo nacional. Analisando individualmente cada período histórico, é possível diagnosticar que ao longo da história a passagem por cargos mais altos na hierarquia política brasileira foi diminuindo, concentrando as maiores frequências nos governos estaduais e no senado federal durante a Primeira República. Durante a Quarta República e Ditadura Civil-Militar, realizando as ponderações necessárias em relação ao número de indivíduos em análise, é notável que os eleitos para o cargo não apresentam a experiência acumulada por políticos de outrora. As possíveis explicações para isso são: a) a retomada do cargo após a extinção na Era Vargas e a discussão da relevância do cargo (LIMA, 1949); b) a desvalorização durante a ditadura, o que pode ter levado a uma baixa ambição por parte da classe política em ocupar esse posto. Na Sexta República percebe-se um retorno de vice-presidentes com passagens por cargos maiores, entretanto, consideravelmente abaixo daquilo representado na Primeira República. No Gráfico 5, trouxemos os dados referentes aos vices que buscam disputar eleição presidencial após o cargo e também aqueles que assumem em definitivo à Presidência da República.

Gráfico 5: Frequência de Vice-Presidentes da República que disputaram eleição para presidente e que assumiram à Presidência da República (1891-2018)

4

3 3

2 2

1

0 0 0 0 Primeira República Quarta República Ditadura Civil-Militar Sexta República

Disputam à Presidência Eleitos presidentes Substituição presidencial

Fonte: Elaboração Própria com base em CPDOC.

16

Um dado importante que o gráfico revela é o número de vice-presidentes que buscaram à Presidência após o cargo. No total, dos 25 indivíduos analisados, somente 5 disputaram o cargo de Presidente da República, sendo 4 deles durante a Primeira República, convertendo em 2 presidentes eleitos. A outra candidatura foi de , eleito vice-presidente na ditadura e candidatando-se à Presidência em 1989 e não obtendo sucesso. Essas informações corroboram com o que foi descrito nos parágrafos anteriores. É evidente, que na Primeira República os vices estiveram mais profissionalizados e com ambições políticas mais progressivas, visto que nos períodos posteriores não encontramos candidaturas de vice- presidentes rumo ao cargo principal do Executivo Nacional. Por outro lado, o gráfico também demonstra a frequência de vezes que os vice- presidentes brasileiros vieram a substituir em definitivo o Presidente da República. Somente durante à Ditadura Civil-Militar os vices não protagonizaram nenhum governo. Nesse período, quando existia a necessidade de substituição eram convocadas novas eleições, evitando que um civil viesse ao poder (FAUSTO, 2015; SCHWARCZ; STARLING, 2015). Em suma, em 8 oportunidades os vices se tornaram presidentes por substituição, sendo 3 na Primeira República, 2 na Quarta República e 3 na Sexta República. Se a literatura norte-americana aponta para 1 a cada 3 vice-presidentes que assumiram o cargo principal nos EUA, no Brasil a média de vice- presidentes que assumiram o cargo de 1891 até 2020 também está em 3. O próximo passo da análise é conferir as carreiras eletivas posteriores dos vice- presidentes eleitos. No Gráfico 6 e 7, estão apresentados os dados de acordo com o acumulo e o cargo eletivo após à Vice-Presidência.

Gráfico 6: Número de cargos eletivos acumulados após à Vice-Presidência da República (1891-2018)

1 Sexta República 4 0 0 Ditadura Civil-Militar 1 4 0 Quarta República 3 0 1 Primeira República 9 1 0 1 2 3 4 5 6 7 8 9 10

3-4 1-2 Nenhum

Fonte: Elaboração Própria com base em CPDOC.

17

Gráfico 7: Cargos eletivos posteriores à Vice-Presidência da República (1891-2018)

5 3

3 4 2 1 3 3 1 1 1 1 Primeira República Quarta República Ditadura Civil-Militar Sexta República Deputado Federal Governador Senador Federal Vice-Presidente Presidente Fonte: Elaboração Própria com base em CPDOC.

Iniciando pelo Gráfico 6, o que podemos identificar é a continuação de carreiras políticas mais profissionalizadas durante a Primeira República, onde 9 indivíduos acumularam entre 1 e 2 cargos após à vice-presidência. Ao mesmo tempo, observamos que no geral não são desenvolvidas carreiras longevas após o cargo. Assim como no primeiro período analisado, na Quarta República e Sexta República, os vices voltaram a ocupar entre 1 e 2 cargos eletivos, o que também pode ser consequência da idade em que se encontravam após o mandato. Esse dado parece permitir afirmar com mais precisão a desvalorização do cargo de vice-presidente durante à Ditadura Civil-Militar, produto disso é o número de vice-presidentes que não foram mais eleitos para outros cargos. O Gráfico 7 possibilita inferências um pouco mais precisas sobre as carreiras eletivas posteriores dos vice-presidentes. A grosso modo, observamos que os vice-presidentes após o cargo não costumavam descer para cargos mais baixos, sendo reduzido a 2 o número de vezes que esses atores foram eleitos para a Câmara dos Deputados. O cargo mais alcançado por essa elite foi à Presidência da República, como já vimos, não por vias eleitorais (somente 2 vezes), mas por substituição presidencial. Entretanto, os vice-presidentes na Primeira República e Sexta República alcançam cargos relevantes em suas carreiras posteriores, como Senador e Governador. Além disso, ainda tem casos de reeleição13, sendo concentrado 1 na Quarta República e 3 na Sexta República, o que pode indicar uma retomada da significância do cargo na política contemporânea brasileira.

13 A reeleição para os cargos do Executivo era vedada durante a Primeira República (ZULINI, 2016). 18

A partir desse momento, a análise está voltada ao perfil social dos eleitos para à Vice- Presidência da República. Na Tabela 1, iniciaremos apresentando a média de idade dos indivíduos eleitos.

Tabela 1: Idade em que os vice-presidentes foram eleitos ao cargo (1891-2018) Idades Primeira Quarta Ditadura Civil- Sexta República República (N) República (N) Militar (N) (N) 36-49 4 2 1 0 50-60 7 2 0 4 61-69 0 0 4 1 70-75 0 0 0 4 Média por período 49,2 46,5 62 64,5 Fonte: Elaboração própria com base em TSE, TREs.

Esses dados descrevem a idade em que os políticos profissionais alcançaram à vice- presidência nos diferentes períodos históricos. Em suma, observamos que na Primeira República e Quarta República estão as médias de idade mais baixas dos vice-presidentes eleitos. No entanto, deve ser considerado que João Goulart, o vice-presidente mais novo a assumir o primeiro mandato, foi eleito com 36 e 41 anos, o que baixa a media no segundo período analisado. É interessante perceber que mesmo com uma baixa média de idade durante a Primeira República, os vice-presidentes desse período apresentam os maiores números de cargos acumulados em carreiras prévias. Além disso, essas informações revelam que desde a ditadura cresce a média de idade daqueles que são eleitos para o cargo de vice-presidente, ajudando a confirmar os resultados que mostram expertise da elite política que ocupa o posto, o que pode indicar o atributo da idade como estratégia eleitoral na escolha do vice. A seguir, o Gráfico 8 irá apresentar os dados ligados a formação acadêmica dos vice- presidentes na história do país, o que permite retratarmos não só a qualificação dessas pessoas e a tendência da época como também a distância que separa os representantes políticos do resto da população (MASSIMO, 2018).

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Gráfico 8: Formações acadêmicas e militares dos vice-presidentes do Brasil (1891-2018)

1 1 Sexta República 1 3

2 Ditadura Civil-Militar 1 3

Quarta República 3

1 Primeira República 1 9

Sem formação acadêmica Militar/Ciências Militares Engenharias Medicina Direito

Fonte: Elaboração Própria com base em CPDOC.

O Gráfico 8 retrata uma elite com alto grau de escolaridade, somente 1 vice-presidente não possuía formação acadêmica ou militar. No total, 72% dos vice-presidentes possuem graduação em Direito, a maior parte ficando concentrados na Primeira República, porém, essa formação se mantém como dominante no quadro geral dos vice-presidentes. A segunda formação com maior frequência é a Militar/Ciências Militares que no total aparecem 4 vezes, possuindo maior número durante a ditadura. No Gráfico 9 vamos exibir as ocupações prévias desses indivíduos, ou seja, as profissões que exerceram antes de entrar na política. Assim como a análise de formação acadêmica, essa variável ajuda a configurar o perfil padrão dessa elite que ingressa para a política, assim como seus posicionamentos sociais em diferentes sociedades.

Tabela 2: Ocupações profissionais prévias à entrada na política dos vice-presidentes do Brasil (1891-2018) Ocupação Primeira Quarta Ditadura Civil- Sexta República Total República República Militar (N) (N) (N) (N) Advogado 6 2 2 2 14 Judiciário14 7 0 0 2 9 Jornalista 6 2 2 1 11 Professor 1 1 2 3 7 Militar 1 0 2 1 4 Engenheiro 0 0 1 1 2 Empresário 0 0 0 1 1 Estancieiro 0 1 0 0 1 Policial 0 1 0 0 1 Total 21 7 9 11 Fonte: Elaboração própria com base em TSE, TREs.

14 Estão inclusos juízes, promotores, procuradores e oficiais de justiça. 20

A Tabela 2 traz um retrato geral das profissões ocupadas pelos atores analisados antes do ingresso na política. Para além das ocupações ligadas a formação de Direito, como já era esperado com análise do Gráfico 8, observamos a forte presença das ocupações de jornalistas e professores em suas biografias. A Primeira República resguarda o maior número de Advogados, Membros do Judiciário e Jornalistas, não é raro, encontrarmos na biografia dos indivíduos todas essas profissões antes da entrar para a política. Uma constatação possível de fazer, era que esses desenvolviam a função de jornalistas (muitas vezes fundavam jornais) ainda na graduação (frequentemente em Direito). Conforme vão avançados os períodos históricos, é possível notar que as ocupações profissionais da elite estudada pluralizam, crescendo principalmente o número daqueles que desempenharam papeis de professores e engenheiros. Já a profissão militar está presente em maior número durante à Ditadura Civil-Militar, onde prevaleciam as indicações do regime e que optavam por membros das forças armadas.

Considerações

O objetivo desse estudo foi iniciar uma investigação sobre os vice-presidentes eleitos ao longo da história da República. A pergunta de pesquisa na qual buscamos responder era qual o perfil sociopolítico daqueles que ocuparam à vice-presidência do país. Retomando esse questionamento, foi possível caracterizar esse grupo estudado a partir de suas características sociais e políticas. Desse modo, podemos descrever os vice-presidentes como homens, com grau superior, hegemonicamente formados em Direito e com profissões atreladas à área. São indivíduos com média de idade de aproximadamente 56 anos quando alcançam à vice-presidência, com carreira política prévia e que buscam dar continuidade na carreira eletiva após o mandato de vice- presidente, ocupando cargos de alto escalão do sistema político brasileiro em toda sua história. No Geral, não possuem ambições políticas de competir pela Presidência da República, sendo essa uma característica mais singular da classe política presente na Primeira República. Entretanto, a média de vice-presidentes que substituem o presidente em definitivo é alta ao longo da história brasileira, dos 25 indivíduos, 8 chegaram ao cargo máximo através desse dispositivo institucional, o que leva eles de um cargo com baixo protagonismo, ao topo da hierarquia política brasileira. O segundo objetivo do artigo foi proporcionar um caminho para que se construa uma agenda de pesquisa no país acerca da instituição Vice-Presidência da República, abordando não

21 questões de elites políticas e suas carreiras, mas também investigando qualitativamente os casos de substituição presidencial por motivos políticos e as diferentes atuações e relações com os presidentes ao logo da história. Além disso, parece existir um campo em aberto para compreendermos os potenciais efeitos dos “vices” em todos níveis nas competições eleitorais, assim como os padrões de coligações e formação de chapas, suas características e efeitos no sucesso eleitoral. Por fim, é necessário apontar que esse artigo possui uma série de limitações em relação as análises que ainda estão em fase de construção e aprimoramento. É necessário, a partir de agora, investigar melhor as relações do cargo com os demais postos políticos ao longo da história, buscando na literatura de sociologia política e instituições, comparações e inferências em relação a essa elite política.

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