Analisando À Vice-Presidência No Brasil: As Regras E O Perfil Sociopolítico Dos Vice-Presidentes Da República (1891-2020)1

Analisando À Vice-Presidência No Brasil: As Regras E O Perfil Sociopolítico Dos Vice-Presidentes Da República (1891-2020)1

Analisando à Vice-Presidência no Brasil: as regras e o perfil sociopolítico dos vice-presidentes da República (1891-2020)1 Nilton Sainz (UFPR) Icaro Engler (UFPel) 1 44° Encontro Anual da ANPOCS – SPG 06: As instituições políticas diante dos desafios contemporâneos da democracia. 1 Introdução Os presidencialismos latino-americanos observaram nos últimos anos alguns casos em que o vice-presidente acaba sendo motivo de instabilidades, polêmicas ou até mesmo de ruptura em governos. Em 2016, com o impeachment de Dilma Rousseff, o então vice-presidente Michel Temer foi protagonista do aprofundamento da crise, rompendo com o governo e articulando sua escalada até o cargo mais alto da República. Em 2019, vivenciamos a escolha da ex- presidente Cristina Kirchner por ocupar à vice-presidência na Argentina, trazendo uma série de questionamentos em relação a influência de Cristina no governo de Fernández. No governo de Jair Bolsonaro, o vice Hamilton Mourão também foi alvo de polêmicas, entrando em conflito com Carlos Bolsonaro (filho de Jair) e sendo alvo de um pedido de impeachment protocolado na Câmara dos Deputados, indicando que Mourão estaria conspirando contra o Presidente da República. No Equador, somente no governo de Lenin Moreno, até meados de 2020, foram três casos de vice-presidentes que deixaram o posto, o último, Otto Sonnenholzner se quer explicou o motivo da renúncia. Apesar desses retrospectos, de maneira geral, o “caso” dos vices não é alvo de inúmeras investigações no continente latino-americano. Realizando algumas buscas na base SciELO2, é possível diagnosticar a incipiência do tema. O que observamos, são estudos de casos espalhados pelos países latino-americanos e alguns estudos comparados relacionados a instabilidade e sucessão presidencial (SARRAFERO, 1999, 2011, 2018; MIERES; PAMPÍM, 2015; BIDEGAIN, 2017; MITTELMAN, 2019a, 2019b; MARSTEINTREDET, 2019; MARSTEINTREDET; UGGLA, 2019; UGGLA, 2020). Em relação ao Brasil, são inexistentes as publicações que versam sobre essa temática na Ciência Política. Já na Ciência Política norte-americana, estudos sobre à vice-presidência estão inseridos na literatura há muitos anos (FEERICK, 1964; NATOLI, 1979, 1982; NELSON, 1988; HATFIELD et al, 1997; EDWARDS; JACOBS, 2008). As sucessões presidenciais, atreladas as transformações dessa instituição para a classe política e também o impacto do vice-presidente em eleições, são algumas das explicações para esse objeto de pesquisa ter sido consolidado ao longo dos anos. Esse paper possui dois objetivos gerais. O primeiro é contribuir para a inserção dessa agenda de pesquisa no país, realizando uma revisão acerca das regras do cargo no Brasil desde a Primeira República até o período atual. Já o segundo objetivo é dar início ao estudo empírico 2 Foram consultados os termos “Vice-Presidente”, “Vice-Governador”, “Vice-Prefeito” e “Vice”, na data de 15/11/2020. 2 sobre essa elite, examinando o conjunto de vice-presidentes do Brasil de 1891 até 2020. Trata- se de investigar o perfil sociopolítico, olhando para características sociais e políticas desses atores e responder a seguinte pergunta norteadora: qual o perfil sociopolítico daqueles que ocuparam à vice-presidência do Brasil ao longo da história? Para além dessa introdução, esse texto está divido em cinco seções, sendo a primeira resultante da revisão de literatura sobre os significados da vice-presidência em democracias representativas. A segunda trata da análise das regras institucionais relacionadas ao cargo de Vice-Presidente no Brasil. A terceira seção expõe os detalhes da metodologia aplicada à pesquisa, apresentando fontes, variáveis e tratamento de dados. A quarta apresenta os resultados obtidos com o estudo empírico acerca dos vice-presidentes e suas carreiras políticas. E por fim, a última seção faz as considerações, apresentando o conjunto de resultados e indagações a partir desse estudo. À vice-presidência e seus significados em democracias representativas Ao buscar definições sobre os cargos de vice em todos os níveis de governo, vamos encontrar em textos legais algo pragmático. Nesse sentido, o cargo é entendido como substituto do titular em caso de necessidade (morte, renúncia, impedimento), ou “auxiliar” do titular quando convocado, seja para substituição temporárias, como doença, férias (comum em prefeituras), e também missões especiais ou atribuições específicas, como acumular um outro cargo no governo (ministérios ou secretárias). Entretanto, é necessário pensar esses cargos para além dessa definição. Afinal, qual o sentido de elegermos um vice? Ou ainda, qual o sentido de um político profissional ambicionar ser vice em governos? Para ajudar a responder esses questionamentos, começaremos por discutir os significados desse cargo em democracias representativas, desde os motivos para existir o posto, a imagem do cargo perante o eleitorado e classe política e a função em competições eleitorais. De acordo com a constituição de cada país, as atribuições da vice-presidência podem variar. Na Argentina e nos Estados Unidos, por exemplo, além de cumprir a função de substituto do titular, à vice-presidência fica com a responsabilidade de presidir o Senado, possuindo poder de voto em caso de empate. No Brasil, quem ocupa o cargo de Vice-Presidente pode acumular outro cargo, como por exemplo, ser nomeado para alguma pasta ministerial. Entretanto, o motivo principal desse cargo em sistemas políticos é proporcionar maior estabilidade em 3 governos, servindo como garantia de que o representante eleito, em caso de impossibilidade, terá alguém para dar continuidade no projeto escolhido nas urnas, evitando os custos de novas eleições e vácuos no poder, considerados perigosos para as democracias (NATOLI; 1979; SARRAFERO, 1999). Em teoria, à vice-presidência representa minimizar os efeitos em casos de substituição do titular. Todavia, como alerta Sarrafero (1999), o vice é alguém diferente do presidente, e por mais parecido que sejam, a sucessão pode resultar em reconfigurações institucionais. Além disso, é possível que o vice venha substituir o titular após uma crise seguido por ruptura, ocasionando intensas mudanças nos quadros ministeriais e na agenda de governo, resultando em um paradoxo para as democracias representativas. A fim de prever esses impactos, a literatura internacional alertava para a necessidade de conhecer de quem são esses personagens. Segundo Edwards e Jacobs (2008) quase um em cada três vice-presidentes dos EUA veio a assumir o posto principal. Para essa literatura, devido a recorrentes substituições presidenciais, era necessário não apenas conhecer quem são os vice-presidentes, mas também compreender a consolidação dessa instituição no país. À vice-presidência ganhou maiores relevâncias conforme os anos e alterou o status de cargo “ridicularizado” e “desprezível” para um cargo estratégico na composição de chapas presidenciais e com mais funções de governo (NATOLI, 1979; HATFIELD et al, 1997; EDWARDS; JACOBS, 2008). Nota-se um crescimento da importância da vice-presidência nos EUA e até mesmo uma “institucionalização” do cargo. Nelson (1988), argumenta que o cargo passa a ser atrativo para líderes políticos ainda em desenvolvimento de carreira, indicando que o cargo estava servindo como trampolim para aqueles que desejavam escalar até o posto de presidente. Ainda, são destacadas mudanças relativas as qualificações dos ocupantes do cargo, assim como a capacidade de sucessão e lealdade as políticas presidenciais, que passaram a ganhar maiores notoriedades no momento da competição eleitoral (NELSON, 1988; EDWARDS; JACOBS, 2008). Ao passo que existem esses critérios de escolha, outra função do vice-presidente é proporcionar um equilíbrio na chapa presidencial. O vice-presidente pode significar uma mescla ao perfil da chapa, por exemplo, misturando gênero, raça, idade e ocupação profissional, aproximando o presidente de outros setores da sociedade. Segundo Garcé (2018), a pergunta feita por dirigentes partidários na hora de selecionar o vice na chapa é: quem melhor complementa o candidato? Com isso, o objetivo é reduzir custos eleitorais, utilizando o vice para agregar forças e comunicar à sociedade diferentes qualidades naquela composição eleitoral. Entretanto, também são escolhas atreladas as instituições em disputa. Um atributo 4 importante para o vice é ser um articulador, trazendo ao presidente capacidade de comunicação e negociação política. Mas também pode significar um ganho relacionado a Horário Gratuito de Propaganda Eleitoral, ou até mesmo de financiamento de campanha. Todavia, se o objetivo é reduzir custos eleitorais e posteriormente governamentais, outra importante questão assola essa seleção de candidato. A relação entre presidente e vice- presidente podem ser conturbadas, e nada mais custoso que ter ao lado um ator político na qual não existe uma relação de confiança e lealdade (SARRAFERO, 1999, 2018; NELSON, 1988). Sarrafero (1999) chama a atenção para as diferenças entre esses atores políticos, os quais podem possuir ambições particulares e em determinado momento, podem romper laços, tornando o poder Executivo um ambiente de disputa, onde o presidente passa a isolar o vice e temer com que esse venha a conspirar contra ele. À vice-presidência no Brasil: uma análise histórica da instituição O cargo de vice, em todos os níveis da federação, não possui na visão do eleitor brasileiro uma grande importância na política. Prova disso, é que para 53,4 % da população (SANDIN, 2019) o cargo poderia ser extinto. Uma das explicações para essa baixa popularidade

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