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0021-7557/08/84-02/114 Jornal de Pediatria Copyright © 2008 by Sociedade Brasileira de Pediatria ARTIGO ORIGINAL

Epidemiology of co-sleeping and nighttime waking at 12 months in a birth cohort Epidemiologia do co-leito e do despertar noturno aos 12 meses de idade em uma coorte de nascimentos Iná S. Santos1, Denise M. Mota2, Alicia Matijasevich3

Resumo Abstract Objetivo: Investigar a prevalência e os fatores associados ao Objective: To investigate the prevalence and factors associated co-leito e ao despertar noturno entre as crianças da coorte de Pelotas with co-sleeping and nighttime waking among the children of the de 2004, aos 12 meses de idade. Pelotas 2004 cohort at 12 months of age. Métodos: Todas as crianças nascidas em 2004 em Pelotas (RS) Methods: All children born in the city of Pelotas, RS, Brazil during foram incluídas em um estudo longitudinal. Ao nascer e aos 12 meses 2004 were enrolled on a longitudinal study. Mothers were interviewed de idade, as mães foram entrevistadas sobre características at delivery and once more at 12 months of age to obtain information on their sociodemographic and reproductive characteristics and on sociodemográficas e reprodutivas e sobre o sono e o ambiente em their children’s and the environment in which their children que a criança dorme. Co-leito foi definido como o compartilhamento sleep. Co-sleeping was defined as habitually sharing the with habitual da cama com outra pessoa. As análises multivariáveis foram another person. Multivariate analysis was performed using Poisson realizadas por regressão de Poisson. regression. Resultados: A prevalência de co-leito aos 12 meses foi de 45,8% Results: The prevalence of co-sleeping at 12 months was 45.8% (IC95% 44,2-47,3). O co-leito foi maior entre as mães de baixo nível (95%CI 44.2-47.3). Co-sleeping was more common among mothers socioeconômico, menos escolarizadas, mais jovens, com maior with low socioeconomic status, less education, younger mothers, paridade e entre crianças que acordam à noite. A prevalência de mothers with more previous births and among children who wake at despertar noturno foi de 46,1% (IC95% 44,6-47,7). O despertar night. The prevalence of nighttime waking was 46.1% (95%CI noturno foi mais freqüente entre os meninos e entre filhos de mães 44.6-47.7). Nighttime waking was more common among boys and com maior paridade, e menos freqüente entre mães que trabalharam among the offspring of mothers who had had a greater number of fora durante a gravidez. previous pregnancies and of mothers who had been employed while Conclusão: O co-leito e o despertar noturno são freqüentes na pregnant. população estudada, indicando a necessidade de acompanhamento Conclusion: Co-sleeping and nighttime waking are common para observar a persistência destes hábitos ao longo da infância e among this study population, indicating a need to continue follow-up investigar suas conseqüências sobre o comportamento e o in order to observe how long these habits persist through childhood desenvolvimento infantis. and to investigate their consequences for development and behavior.

J Pediatr (Rio J). 2008;84(2):114-122: Sono, distúrbios, distúrbios J Pediatr (Rio J). 2008;84(2):114-122: Sleep, disorders, sleep do sono, criança, infância. disorders, child, childhood, waking.

Introdução de vida, sendo a duração do sono um dos fatores importantes O sono adequado na infância é importante para o cresci- nesta etapa. No primeiro ano de vida, ocorre um processo de mento, o desenvolvimento emocional e comportamental, maturação em que o sono fragmentado dos primeiros meses assim como para a aquisição das funções cognitivas, de apren- se torna contínuo durante a noite3,4. Há relatos de que os pro- dizado e atenção1,2. O desenvolvimento cerebral, junta- blemas relacionados ao sono são freqüentes em crianças, com mente com a neuroplasticidade, ocorre nos primeiros anos prevalências variando entre 20-30%, sendo influenciados por

1. Professora titular, Programa de Pós-Graduação em Epidemiologia, Universidade Federal de Pelotas (UFPel), Pelotas, RS. 2. Mestre, UFPel, Pelotas, RS. 3. Pesquisadora, Programa de Pós-Graduação em Epidemiologia, UFPel, Pelotas, RS. Não foram declarados conflitos de interesse associados à publicação deste artigo. Como citar este artigo: Santos IS, Mota DM, Matijasevich A. Epidemiology of co-sleeping and nighttime waking at 12 months in a birth cohort. J Pediatr (Rio J). 2008;84(2):114-122. Artigo submetido em 28.08.07, aceito em 01.01.08. doi:10.2223/JPED.1766

114 Co-leito e despertar noturno aos 12 meses - Santos IS et al. Jornal de Pediatria - Vol. 84, Nº 2, 2008 115 fatores biológicos, psicológicos, culturais, sociais e familia- chefe da família. Devido ao pequeno número de famílias nas res5. As manifestações mais prevalentes dos distúrbios do categorias extremas, essas foram reagrupadas em A/B, C e sono na infância são os múltiplos ou prolongados desperta- D/E. O trabalho materno remunerado foi categorizado como res durante a noite6,7, dificuldades de colocar a criança para presente ou ausente. A escolaridade materna foi obtida con- dormir8 e o co-leito. Estes problemas também podem afetar siderando os anos de escolaridade formal cursados com apro- os relacionamentos familiares, alterando os hábitos de sono vação. A idade materna foi coletada em anos completos por dos pais, levando ao estresse e a outras condições relaciona- ocasião do parto. O tipo de parto foi classificado em normal das à privação do sono9,10. (vaginal) ou cesariana.

O co-leito tem sido objeto de pesquisa há vários anos, Do recém-nascido, coletaram-se as seguintes tendo sido descritos aspectos positivos e negativos relaciona- informações: sexo, peso, idade gestacional e intercorrências dos ao desenvolvimento físico, psicossocial e emocional das neonatais. Todos os recém-nascidos foram pesados com crianças11. Sua real prevalência é difícil de ser determinada, balança digital (precisão de 100 g) e examinados pela equipe devido às variações entre as culturas e diferentes períodos de do estudo conforme o escore de Dubowitz17. Foram conside- tempo estudados. Entre vários estudos, as prevalências de rados prematuros os nascidos com menos de 37 semanas de co-leito variaram entre 6 e 70% nos primeiros 4 anos de gestação. As intercorrências neonatais relatadas pela mãe vida8,11. O co-leito é uma prática freqüente em sociedades (internação em unidade de tratamento neonatal intensivo ou de culturas não ocidentais12, sendo suas vantagens ou riscos semi-intensivo) foram registradas. Crianças com peso menor percebidos conforme os valores da sociedade13. Fatores cli- que 2.500 g foram consideradas com baixo peso ao nascer. máticos, tamanho da família, disponibilidade de espaço no domicílio e valores culturais (priorizando a independência e o Na visita domiciliar dos 12 meses, as mães foram entre- individualismo ou a interdependência familiar) têm sido des- vistadas quanto às características habituais e das 2 últimas critos como determinantes do co-leito em sociedades semanas do sono da criança. Investigou-se o local onde a industrializadas14. criança dorme; se compartilha a cama com adultos ou O despertar noturno, por sua vez, costuma gerar maior crianças; duração do sono; dificuldade em iniciar a dormir; preocupação aos pais, por interferir na rotina familiar, espe- despertar durante a noite; alimentação durante a noite; horá- cialmente se vários episódios ocorrem em uma mesma noi- rio habitual em que vai dormir e que acorda; percepção da te8. A maioria dos estudos que investigaram a prevalência de mãe sobre a qualidade do sono da criança e se o sono da co-leito e de despertar noturno foram conduzidos em países criança atrapalha seu bem-estar; e identificação de quem desenvolvidos, sendo escassas as informações sobre a epide- habitualmente atende a criança ao deitar e ao despertar. O miologia dessas características do sono em países em co-leito foi definido como o compartilhamento habitual da desenvolvimento. cama com outra pessoa (adulto ou criança), em parte ou durante toda a noite. O despertar noturno foi definido através O atual estudo teve como objetivo investigar a prevalên- da resposta afirmativa à pergunta: “A criança acorda no meio cia e os fatores associados ao co-leito e ao despertar noturno da noite?”. Para o padrão de sono nas últimas 2 semanas, entre as crianças da coorte de Pelotas de 2004, no Sul do Bra- foram investigadas as ocorrências de sestas durante o dia e a sil, ao completarem 12 meses de idade. freqüência de despertares noturnos. Métodos A análise foi realizada através do programa Stata 9.0 A metodologia da coorte de nascimentos de Pelotas de (Stata Corp., College Station, TX, EUA, 2005). Foram utiliza- 2004 encontra-se detalhada em outra publicação15. Breve- dos testes qui-quadrado para comparar prevalências con- mente, todos os nascidos entre 01/01/04 e 31/12/04 de mães forme exposições dicotômicas e qui-quadrado de tendência moradoras em Pelotas e no Jardim América (bairro contíguo linear para exposições ordinais. A força da associação entre a Pelotas), nos cinco hospitais com maternidade da cidade, as exposições e os desfechos (co-leito e despertar noturno) foram incluídos na coorte. Até o momento, além do estudo foram avaliados através das razões de prevalências, por perinatal, realizado no hospital, as crianças foram visitadas regressão de Poisson, uma vez que esses eram muito freqüen- no domicílio ao completarem 3, 12 e 24 meses de idade. As tes. As análises multivariáveis seguiram um modelo hierár- informações empregadas no atual estudo foram coletadas na quico, conforme referencial teórico de causalidade construído fase perinatal e na visita dos 12 meses. pelos autores. Nesse modelo, a idade materna e a paridade No estudo perinatal, as mães responderam um questio- ocupavam o primeiro nível, mais cranial, de determinação do nário sobre as condições socioeconômicas da família, traba- co-leito ou do despertar noturno, seguidas no segundo nível lho materno remunerado durante a gestação, escolaridade, pelas variáveis socioeconômicas (situação socioeconômica, idade, paridade e tipo de parto. A situação socioeconômica escolaridade materna e trabalho materno remunerado foi definida pela Associação Nacional de Empresas de Pes- durante a gestação) e, mais caudalmente, pelas variáveis da quisa (ANEP)16, que classifica as famílias em ordem decres- criança. Os dois desfechos foram analisados no mesmo nível cente, deAaE,conforme a posse de bens e escolaridade do e ajustados um para o outro. 116 Jornal de Pediatria - Vol. 84, Nº 2, 2008 Co-leito e despertar noturno aos 12 meses - Santos IS et al.

O estudo foi aprovado pela Comissão de Ética e Pesquisa sem co-leito (média de 2,1±1,4 vezes versus 1,9±1,2). Acor- da Faculdade de Medicina da Universidade Federal de Pelo- dar na madrugada para mamar foi duas vezes mais fre- tas. As mães assinaram consentimento para participar do qüente no grupo com do que no sem co-leito estudo. (respectivamente, 41,8 e 21,1%) (dados não mostrados nas tabelas). Resultados Ainda na Tabela1, observam-se as prevalências de co-leito As 4.231 crianças que nasceram vivas foram incluídas no e despertar noturno, de acordo com as características das estudo perinatal (0,8% de perdas e recusas). Na visita dos 12 mães e das crianças. O co-leito foi mais freqüente entre os meses, foram entrevistadas as mães de 3.907 crianças (6,1% mais pobres. Observou-se associação inversa com a escola- de perdas e recusas). Os gêmeos foram excluídos da atual ridade materna, sendo mais de três vezes mais freqüente análise. entre as crianças das mães com escolaridade de até 4 anos Na Tabela 1, cerca de 50% das mães estavam na faixa etá- (64,7%), em comparação às de mães com 12 anos ou mais ria de 20-29 anos e 18,6% eram adolescentes. A escolari- de educação formal (18,7%). Associação inversa foi também dade média das mães foi de 8,2±3,5 anos, sendo que 41% observada com a idade materna: 58,1% das mães adolescen- tinham entre 5-8 anos de educação formal. Cerca de 40% tes relataram co-leito, contra 42,1% daquelas com 40 anos eram primigestas, 47,6% eram das classes D/E e 39,4% tra- ou mais. Com a paridade, a associação foi direta, havendo balharam fora durante a gestação. maior relato de co-leito entre as mães com quatro ou mais partos (59,7%), comparativamente às primíparas (41%). As Dos recém-nascidos, 51,8% eram do sexo masculino; mães que trabalharam fora durante a gestação relataram 14,1%, pré-termos; 8,3% tinham baixo peso ao nascer; co-leito menos freqüentemente do que as que não trabalha- 45,2% nasceram por cesariana; e 11,3% apresentaram inter- ram (respectivamente, 30,4 e 49,9%). O co-leito foi mais fre- corrências neonatais (Tabela 1). qüente entre as crianças nascidas de parto normal.

A prevalência habitual de co-leito foi de 45,8% (IC95% O despertar noturno foi mais comum entre os meninos. 44,2-47,3), e de despertar noturno, de 46,1% (IC95% 44,6- Observou-se associação inversa com a escolaridade materna 47,7). Somente 6,1% das crianças dormiam sozinhas no (53,5% entre os filhos de mães com menor escolaridade ver- quarto, e 48,1% não dividiam a cama, mas compartilhavam sus 44,9% entre as com 12 anos ou mais de escola) e direta o quarto com outras pessoas. Dentre as que apresentavam com a paridade (49,9% entre as com quatro ou mais partos co-leito, a maioria (60,8%) dividia a cama com ambos os pais anteriores versus 43,6% entre as primíparas). O despertar (Tabela 2) e 89,9% compartilhavam a cama durante a noite noturno foi mais freqüentemente relatado pelas mães que não inteira. Geralmente, eram as mães que faziam as crianças dor- trabalharam fora durante a gestação. mir (77,7%) e quem as atendia nos despertares noturnos A Tabela 3 mostra os resultados da análise bruta e ajus- (87,1%). Um terço das mães (33,6%) considerava que as tada, tendo o co-leito como desfecho. Na análise multivariá- crianças demoravam a adormecer.Mais da metade das crian- vel, observou-se que escolaridade, idade e paridade ças (59%) recebiam alimentação de madrugada, a maioria maternas, nível socioeconômico e despertar noturno esta- leite materno. Apenas 16,1% das mães relataram que a qua- vam independentemente associados com a prevalência de lidade do sono da criança atrapalhava seu bem-estar. co-leito. A probabilidade de co-leito aumentou com a pari- Nas 2 últimas semanas, as crianças dormiram em média dade e associou-se inversamente com o nível socioeconô- 10±1,6 horas por noite (dados não mostrados); 64,4% acor- mico, a idade e a escolaridade maternas. O despertar noturno daram no meio da noite, sendo que 56,5% acordaram todas mostrou associação com o co-leito, protegendo em 8%. as noites e, geralmente, duas ou mais vezes na mesma noite. Na Tabela 4, encontram-se os resultados da análise bruta De acordo com a mãe, na maioria das vezes, o sono foi atra- e ajustada do despertar noturno como desfecho. Na análise palhado por doenças da criança (53,9%). A erupção dentária multivariável, foram estatisticamente significativas as asso- foi a segunda causa mais atribuída pelas mães de despertar ciações com paridade, trabalho materno e sexo da criança. A noturno (12,2%). Praticamente todas as crianças sestearam associação com a paridade foi direta. Entre as mães que tra- durante o dia (99%), sendo que 62,4%, duas ou mais vezes balharam na gestação, a probabilidade de despertar noturno ao dia, dormindo em média 79,6±45,4 minutos (dados não foi 11% menor do que entre os filhos de mães que não traba- mostrados). O sono da criança nas 2 últimas semanas foi clas- lharam. As meninas tiveram probabilidade 10% menor de sificado por 21,8% das mães como regular ou ruim. acordar do que os meninos. Comparando o sono das crianças com e sem co-leito, não Discussão se observou diferença quanto à demora em pegar no sono ou à freqüência de despertar noturno, tanto habitualmente como Foi alta a prevalência habitual de co-leito observada no nas 2 últimas semanas. No entanto, as crianças com co-leito atual estudo, estando associada aos níveis econômicos mais acordavam todas as noites mais freqüentemente (38,6 ver- pobres, à menor escolaridade e idade materna e maior pari- sus 34,6%) e um maior número de vezes por noite do que as dade. Prevalência semelhante foi descrita em outra coorte Co-leito e despertar noturno aos 12 meses - Santos IS et al. Jornal de Pediatria - Vol. 84, Nº 2, 2008 117

Tabela 1 - Descrição da amostra e prevalência de co-leito e de despertar noturno, aos 12 meses de idade, de acordo com características mater- nas e neonatais das crianças (coorte de nascimentos de Pelotas, RS, 2004; n = 3.870)

Variável Total (%) Co-leito (%) Despertar noturno (%)

Idade materna (anos) p < 0,001* p = 0,2

< 20 720 (18,6) 58,1 45,0

20-29 1.922 (49,7) 45,7 45,3

30-39 1.100 (28,4) 38,1 48,3

≥ 40 126 (3,3) 42,1 45,2

Escolaridade materna (anos) (n = 3.832) p < 0,001* p < 0,001

0-4 583 (15,2) 64,7 53,5

5-8 1.573 (41,0) 53,9 45,4

9-11 1.286 (33,6) 35,9 44,2

≥ 12 390 (10,2) 18,7 44,9

Paridade p < 0,001* p = 0,01*

1 1.531 (39,5) 41,0 43,6

2 1.009 (26,1) 43,3 47,3

3 629 (16,3) 45,6 46,1

≥ 4 700 (18,1) 59,7 49,9

Nível socioeconômico (n = 3.108) p < 0,001* p = 0,6

A/B 545 (17,5) 20,2 46,8

C 1.085 (34,9) 35,9 43,5

D/E 1.478 (47,6) 61,0 46,7

Trabalho mãe fora de casa p < 0,001 p < 0,001

Sim 1.523 (39,4) 39,4 42,7

Não 2.344 (60,6) 49,9 48,4

Sexo da criança p = 0,4 p = 0,02

Masculino 2.006 (51,8) 46,4 47,9

Feminino 1.864 (48,2) 45,1 44,2

Prematuridade p = 0,2 p = 0,4

Sim 546 (14,1) 48,2 47,8

Não 3.320 (85,9) 45,4 45,8

Baixo peso ao nascer (< 2.500) p = 0,2 p = 0,6

Sim 321 (8,3) 48,9 47,4

Não 3.548 (91,7) 45,5 46,0

Tipo de parto p < 0,001 p = 0,5

Normal 2.122 (54,8) 51,3 46,7

Cesariana 1.748 (45,2) 39,0 45,5

Intercorrências neonatais p = 0,1 p = 0,7

Sim 435 (11,3) 42,1 46,9

Não 3.426 (88,7) 46,1 46,0

Total 3.870 (100) 45,8 46,1

* Valor de p com teste qui-quadrado e tendência linear. 118 Jornal de Pediatria - Vol. 84, Nº 2, 2008 Co-leito e despertar noturno aos 12 meses - Santos IS et al.

Tabela 2 - Características habituais e das últimas 2 semanas do sono das crianças aos 12 meses de idade (coorte de nascimentos de Pelotas, RS, 2004; n = 3.870)

Características do sono n %

Características habituais

Com quem dorme na cama*

Só com mãe 456 25,8

Só com pai 2 0,1

Só com outra criança 158 8,9

Com mãe e pai 1.075 60,8

Outro adulto 78 4,4

Dorme com alguém*

A noite inteira 1.592 89,9

Parte da noite 177 10,1

Quem faz a criança dormir

Mãe 3.006 77,7

Pai 313 8,1

Mãe e pai 114 3,0

Pega no sono sozinha 178 4,6

Outras pessoas 258 6,7

Quem atende a criança ao despertar à noite†

Mãe 2.172 56,2

Pai 82 2,1

Pai e mãe 168 4,3

Outras pessoas 72 1,8

Não acorda 1.375 35,6

Demora a pegar no sono 1.299 33,6

Acorda para alimentação na madrugada

Leite materno 1.180 30,5

Leite artificial (em vaca ou em pó) 1.103 29,7

Não 1.587 39,8

Sono atrapalha bem-estar da mãe 621 16,1

Características nas 2 últimas semanas

Acordou no meio da noite 2.494 64,4

Número de noites que acordou†

1-5 870 34,9

6-13 213 8,6

Todas as noites 1.408 56,5

Quantas vezes a criança acordou por noite†

1 1.147 46,1

2-3 1.080 43,5

≥ 4 258 10,4

* Entre as crianças que não dormem sozinhas (1.770). Cont. † Entre as crianças que acordaram à noite nas 2 últimas semanas. ‡ Entre as crianças que sestearam. Co-leito e despertar noturno aos 12 meses - Santos IS et al. Jornal de Pediatria - Vol. 84, Nº 2, 2008 119

Tabela 2 - Características habituais e das últimas 2 semanas do sono das crianças aos 12 meses de idade (coorte de nascimentos de Pelotas, RS, 2004; n = 3.870) (Cont.)

Características do sono n %

Causas do despertar†

Doenças da criança 694 53,9

Erupção dentária 157 12,2

Outras 437 33,9

Sesteou durante o dia 3.830 99,0

Número de sestas durante o dia

1 1.439 37,6

2 1.944 50,8

3 ou mais 443 11,6

Como mãe considerou o sono da criança‡

Excelente/muito bom 1.110 28,7

Bom 1.913 49,4

Regular/ruim 846 21,8

* Entre as crianças que não dormem sozinhas (1.770). † Entre as crianças que acordaram à noite nas 2 últimas semanas. ‡ Entre as crianças que sestearam.

gaúcha de recém-nascidos, na cidade de Passo Fundo (RS)18. mais pobres22. Ser mãe solteira, ter menor escolaridade e ter No estudo de Passo Fundo, o quarto dos pais era o ambiente dois quartos ou menos para dormir no domicílio foram fato- utilizado para o sono de 97% das crianças nos primeiros 3 res associados ao co-leito22. Em Cleveland, nos EUA, o co-leito meses de vida. O co-leito ocorria em 44,3%, e os demais uti- foi observado entre 35% das crianças de 6 meses a 4 anos de lizavam berço próprio. Um estudo no Reino Unido e outro nos idade pertencentes a famílias brancas e entre 70% das per- EUA identificaram o co-leito como uma prática comum a 50% tencentes a famílias negras. Entre as crianças de famílias ou mais das famílias19,20. brancas, o co-leito associou-se à menor escolaridade dos pais11. As taxas de co-leito, no entanto, e os fatores associados à sua ocorrência têm variado nos diferentes estudos. Na Ingla- Por outro lado, entre os controles populacionais de um terra, em 2004, a prevalência nacional de co-leito entre os estudo de caso-controle realizado na Inglaterra23, para ava- neonatos foi de 46% (IC95% 34-58). Entre crianças de3a12 liar o efeito do co-leito sobre a incidência de morte súbita entre meses de idade, a prevalência habitual de co-leito foi uni- menores de 1 ano de idade, a prevalência habitual de co-leito forme, de 21% (IC95% 18-24), não estando associada à idade entre maiores de 6 meses de idade foi de 6%. Já o comparti- materna, à ausência de companheiro, ou a famílias mais lhamento do quarto foi verificado em 41% das crianças (pró- numerosas. Tampouco ocorreu mais freqüentemente nos ximo ao verificado no atual estudo), ao passo que 53% meses mais frios, nos fins de semana ou entre os mais dormiam sozinhas. Da mesma forma, em uma coorte de 493 pobres19. crianças suíças acompanhadas desde o nascimento até os 10 A associação inversa verificada no atual estudo entre anos de idade8, menos de 10% apresentaram co-leito no pri- co-leito e situação socioeconômica tem sido descrita por meiro ano de vida. A prevalência de crianças que acordavam 21,22 outros autores . Nos EUA, um estudo transversal com 101 durante a noite foi de aproximadamente 30%. mães ou cuidadores detectou uma taxa de co-leito de 88%. O co-leito distribuiu-se de forma desigual entre as classes eco- A prevalência detectada de despertar noturno (46,1%) no nômicas, com ocorrência significativamente maior entre os atual estudo foi maior do que a relatada por outros autores 120 Jornal de Pediatria - Vol. 84, Nº 2, 2008 Co-leito e despertar noturno aos 12 meses - Santos IS et al.

Tabela 3 - Análise bruta e ajustada do co-leito aos 12 meses de idade, segundo variáveis maternas e da criança (coorte de nascimentos de Pelotas, RS, 2004; n = 3.870)

Razão de prevalências bruta Razão de prevalências ajustada* Variável (IC95%) (IC95%)

Escolaridade materna (anos) (n = 3.832) p < 0,001 p < 0,001

0-4 1,00 1,00

5-8 0,83 (0,77-0,90) 0,92 (0,85-1,01)

9-11 0,56 (0,51-0,61) 0,79 (0,70-0,90)

≥ 12 0,29 (0,23-0,36) 0,58 (0,45-0,76)

Idade materna (anos) p < 0,001 p < 0,001

< 20 1,00 1,00

20-29 0,79 (0,73-0,85) 0,64 (0,59-0,70)

30-39 0,66 (0,60-0,72) 0,47 (0,42-0,53)

≥ 40 0,72 (0,58-0,90) 0,46 ( 0,37-0,57)

Paridade p < 0,001 p < 0,001

1 1,00 1,00

2 1,06 (0,96-1,16) 1,26 (1,14-1,38)

3 1,11 (1,00-1,23) 1,44 (1,29-1,61)

≥ 4 1,45 (1,34-1,58) 2,00 (1,81-2,21)

Nível socioeconômico (n = 3.108) p < 0,001 p < 0,001

A/B 0,59 (0,54-0,64) 0,47 (0,39-0,57)

C 0,33 (0,28-0,39) 0,69 (0,63-0,76)

D/E 1,00 1,00

Acorda à noite p = 0,09 p = 0,04

Não 1,00 1,00

Sim 1,06 (0,99-1,14) 0,92 (0,86-0,99)

* Modelo ajustado para idade materna, paridade, escolaridade materna, nível socioeconômico, trabalho materno remunerado durante a gravidez, inter- corrências neonatais e despertar noturno. As variáveis que não estão na tabela não foram significativas.

(20 a 30% entre crianças de1a3anosdeidade)24,25 e criança for amamentada28. As mães com co-leito que ama- mostrou-se associada à escolaridade materna, ao trabalho mentam despertam e respondem mais freqüente e rapida- materno remunerado durante a gestação e ao sexo masculino. mente aos estímulos, mesmo que discretos, da criança29.

Alguns estudos detectaram que crianças com co-leito des- pertam mais freqüentemente durante a noite26,27. No atual Finalmente, é necessário destacar que a variação nas estudo, a comparação descritiva das crianças com e sem taxas de co-leito e de despertar noturno verificada nos dife- co-leito confirmou esse achado. As análises de efeito, no rentes estudos refletem não apenas diversidades culturais e entanto, não mostraram o co-leito como um determinante socioeconômicas das populações estudadas, mas também independente de despertar noturno, e esse último, por sua diferenças metodológicas na definição de variáveis e na coleta vez, foi protetor para a ocorrência de co-leito. É possível que de dados. Limitações comuns à maioria dos estudos compre- o despertar das crianças com e sem co-leito seja percebido endem desde a possibilidade de viés de memória (decorrente de forma diferente pelas mães. Há relatos de que, no co-leito, do tempo a que se refere o período de recordatório sobre o é mais forte a interação mãe-bebê13, particularmente se a padrão do sono da criança) até a forma como as informações Co-leito e despertar noturno aos 12 meses - Santos IS et al. Jornal de Pediatria - Vol. 84, Nº 2, 2008 121

Tabela 4 - Análise bruta e ajustada do despertar noturno aos 12 meses de idade, segundo variáveis maternas e da criança (coorte de nascimen- tos de Pelotas, RS, 2004; n = 3.870)

Razão de prevalências bruta Razão de prevalências ajustada* Variável (IC95%) (IC95%)

Paridade p = 0,008 p = 0,008

1 1,00 1,00

2 1,08 (0,99-1,18) 1,08 (0,99-1,18)

3 1,06 (0,95-1,17) 1,06 (0,95-1,17)

≥ 4 1,14 (1,04-1,26) 1,14 (1,04-1,26)

Trabalho mãe fora de casa p = 0,001 p = 0,001

Sim 0,88 (0,82-0,95) 0,89 (0,83-0,95)

Não 1,00 1,00

Sexo da criança p = 0,022 p = 0,002

Masculino 1,00 1,00

Feminino 0,92 (0,86-0,99) 0,90 (0,84-0,96)

* Modelo ajustado para idade materna, paridade, escolaridade materna, nível socioeconômico, trabalho materno remunerado na gravidez, sexo da criança e co-leito. As variáveis que não estão na tabela não foram significativas.

são obtidas. Neste, como na maioria dos estudos, as variá- 7. Armstrong KL, Quinn RA, Dadds MR. The sleep patterns of veis sobre o sono e o despertar da criança foram obtidas atra- normal children. Med J Aust. 1994;161:202-6. vés de informação coletada com a mãe, podendo os achados 8. Jenni OG, Fuhrer HZ, Iglowstein I, Molinari L, Largo RH. A refletir mais precisamente suas percepções do que as carac- longitudinal study of bed sharing and sleep problems among Swiss children in the first 10 years of life. . 2005; terísticas propriamente ditas do sono da criança. 115:233-40.

Em resumo, este estudo mostrou que a prática do co-leito 9. Thome M, Alder B. A telephone intervention to reduce fatigue é freqüente na população estudada. Da mesma forma, o des- and symptom distress in mothers with difficult infants in the community. J Adv Nurs. 1999;29:128-37. pertar noturno é um distúrbio altamente prevalente. É neces- sário que a persistência desses hábitos, ao longo da infância, 10. Van Tassel EB. The relative influence of child and environmental characteristics on sleep disturbances in the first and second years seja observada e que suas conseqüências sobre o comporta- of life. J Dev Behav Pediatr. 1985;6:81-6. mento e desenvolvimento infantil sejam investigadas. 11. Lozoff B, Wolf AW, Davis NS. Cosleeping in urban with young children in the United States. Pediatrics. 1984;74:171-82.

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