António Aniceto Monteiro – Lutas, Perseguiç˜Oes E Ex´Ilios Introduç˜Ao
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Antonio´ Aniceto Monteiro – lutas, perseguic¸oes˜ e ex´ılios Jorge Rezende Departamento de Matem´atica da Faculdade de Ciˆencias,e Grupo de F´ısica-Matem´atica Universidade de Lisboa e-mail: [email protected] Resumo: Neste artigo descreve-se a actividade pol´ıtica conhecida de Ant´onioAniceto Monteiro e apontam-se as raz˜oesque o levaram a dois ex´ılios. Introdu¸c˜ao Em 2015, a Sociedade Portuguesa de Matem´atica(SPM), fundada em As- sembleia Geral realizada em 12 de Dezembro de 1940, comemorou 75 anos. Segundo Jos´eMorgado, Ant´onioAniceto Monteiro foi o grande anima- dor de toda a actividade que precedeu a realiza¸c˜aodesta Assembleia [JCM] tendo sido eleito seu Secret´ario-Geral.Monteiro, um dos maiores dinamiza- dores do Movimento Matem´aticodos anos 30 e 40, est´a,assim, profunda- mente ligado `ainstitui¸c˜aoque ´ea SPM, pelo que ´ede inteira justi¸ca que os leitores deste Boletim conhe¸cammelhor o seu posicionamento social e pol´ıticobem como as circunstˆanciasexactas que o obrigaram a abandonar Portugal e, mais tarde, o Brasil. Embora eu j´atenha abordado este assunto no artigo Sobre as persegui¸c˜oesa cientistas durante o fascismo [JR2], refor¸coaqui as motiva¸c˜oesque levaram Monteiro a dois ex´ılios, apresen- tando, tamb´em,outros argumentos. Mais informa¸c˜aofoi obtida recorrendo `aconsulta da correspondˆenciapol´ıticade Ant´oniode Oliveira Salazar com Pedro Teot´onioPereira [JMA], dos livros de Manuela CˆancioReis e de Gi- ovanni Ricciardi e, sobretudo, da hemeroteca digital do Brasil que nos per- mite, `adistˆancia de uns cliques, ter acesso a todos os jornais brasileiros. Ao contr´ariodo que sucedia em Portugal, esses jornais, de 1945 e 1946, n˜ao eram censurados podendo-se, assim, obter muita informa¸c˜ao,at´esobre o que se passava no nosso pa´ıs. Deste modo verificamos que aquilo que Ant´onio Aniceto Monteiro n˜aopodia dizer abertamente c´a,foi dizˆe-lol´a,em duas entrevistas, pelo menos, que, transcritas integralmente, constituem outros tantos anexos deste artigo. Boletim da SPM 74, Novembro 2016, pp. 135-172 136 Antonio´ Aniceto Monteiro – lutas, perseguic¸oes˜ e ex´ılios Matar os insubmissos `afome Numa entrevista ao jornal brasileiro Correio da Manh˜a de 10 de No- vembro de 1945, `apergunta E´ exacto que n˜aodeu aulas em Portugal?, Ant´onioAniceto Monteiro respondeu: N˜ao.Dei muitas aulas particulares, desde 1936 at´e`aminha vinda, e desenvolvi no meu sector grandes esfor¸cos. Simplesmente, recusei assinar um papel de compromisso pol´ıtico para poder leccionar. matem´atica. Por isso n˜aome nomearam; nem modesto fun- cion´ariopodia ser l´a. Teria que morrer `afome, com os meus, doutorado pela Sorbonne. Para compreendermos bem que compromisso pol´ıticoera esse, lembremos que Portugal vivia desde o golpe militar de 28 de Maio de 1926 debaixo de uma ditadura que rapidamente adquiriu contornos fascistas, com as suas pol´ıcias,as suas pris˜oes,os seus tribunais e as suas leis. Em 13 de Maio de 1935 ´epublicado o Decreto-lei no 25317 que, no seu artigo 1o, dizia o seguinte: Os funcion´ariosou empregados, civis ou militares que tenham revelado ou revelem esp´ırito de oposi¸c˜aoaos princ´ıpios fundamentais da Constitui¸c˜aoPol´ıtica ou n˜aodeem garantias de cooperar na realiza¸c˜aodos fins superiores do Estado ser˜aoaposentados ou reformados, se a isso tiverem direito, ou demitidos em caso contr´ario. Foi invocando este decreto que muitos funcion´ariosforam afastados da´ıem diante. Logo no dia seguinte `asa´ıda deste decreto, 14 de Maio, foram afastados 33 funcion´arios, entre os quais professores e militares. No ano seguinte, 1936, no dia 14 de Setembro, sai o Decreto-lei no 27003 que diz: Para admiss˜aoa concurso, nomea¸c˜aoefectiva ou interina, assalaria- mento, recondu¸c˜ao,promo¸c˜aoou acesso, comiss˜aode servi¸co,concess˜aode diuturnidades e transferˆenciavolunt´aria,em rela¸c˜aoaos lugares do estado e servi¸cosaut´onomos, bem como dos corpos e corpora¸c˜oesadministrativos, ´eexigido o seguinte documento com assinatura reconhecida: Declaro por minha honra que estou integrado na ordem social estabelecida pela Cons- titui¸c˜aoPol´ıtica de 1933, com activo rep´udiodo comunismo e de todas as ideias subversivas. (. ) Os directores e chefes dos servi¸cosser˜aodemitidos, reformados ou apo- sentados compulsivamente sempre que algum dos respectivos funcion´ariosou empregados professe doutrinas subversivas, e se verifique que n˜aousaram da sua autoridade ou n˜aoinformaram superiormente. Este decreto impunha que o candidato a um emprego p´ublicose humilhasse renunciando `assuas convic¸c˜oese aos que tinham responsabilidades na ad- ministra¸c˜aoobrigava-os a fazerem de pol´ıciasou de delatores. Em resumo, Boletim da SPM 74, Novembro 2016, pp. 135-172 Historia´ da Matematica´ 137 colocava pessoas perante o angustiante dilema: ou perderem o emprego ou perderem a honra. Foi o compromisso Declaro por minha honra que estou integrado na ordem social estabelecida pela Constitui¸c˜aoPol´ıtica de 1933, com activo rep´udiodo comunismo e de todas as ideias subversivas que Ant´onioAniceto Monteiro se recusou a assinar. Ele n˜aofoi o ´unico,longe disso. Por exemplo, quando, em 1940, o director de programas da Emissora Nacional, Pedro Prado, amigo e antigo colega de Conservat´oriode Fernando Lopes-Gra¸ca,o convidou para assumir a direc¸c˜aoda sec¸c˜aode m´usicada esta¸c˜ao,o m´usicorecusou [LL], justamente por n˜aoquerer assinar o compromisso imposto pelo Decreto-lei no 27003. Lopes-Gra¸capassou dificuldades e chegou a pensar em emigrar [LL]. Apesar disso, ajudou a subsidiar a revista Portugaliae Mathema- tica quando, em Dezembro de 1950, uma primeira audi¸c˜aode uma sonata sua foi realizada, pela Junta de Investiga¸c˜aoMatem´atica,no cinema Bata- lha, no Porto [RLG]. Mas n˜aose pense que estas atitudes de grande firmeza perante o opressor s˜ao um exclusivo portuguˆes. E´ de assinalar a similitude destes comportamentos com aqueles que Einstein defendeu mais tarde aquando do macartismo, nos EUA. Em 1932 The Woman Patriot Corporation enviou ao Departamento de Estado dos EUA uma carta denunciando Albert Einstein: Nem mesmo Stalin est´afiliado em tantos grupos internacionais anarco-comunistas. E´ o primeiro documento de um enorme ficheiro organizado pelo FBI contra o famoso f´ısicoque apenas seria encerrado com a sua morte. Einstein s´o fixaria residˆencianos EUA, fugido do terror nazi, em 1933; em 1940, obteria a cidadania americana. Nos EUA, o per´ıodo que vai do final dos anos 40 (in´ıcioda chamada Guerra Fria) at´emeados da segunda metade dos anos 50 ficou conhecido pela per- segui¸c˜aosistem´atica a todas as pessoas ou institui¸c˜oesconsideradas sub- versivas, em particular as comunistas ou vistas como tal. Muitas pessoas foram chamadas a comiss˜oesdo senado para testemunhar, tendo-se distin- guido nessa ca¸ca`asbruxas, pela sua sanha persecut´oria,o senador Joseph McCarthy. Einstein foi intensamente vigiado pelo FBI e J. Edgar Hoover teria gos- tado de o denunciar publicamente, mas isso era muito complicado dado o prest´ıgiointernacional do f´ısico.Este, que sempre tinha apoiado os direitos humanos e o pacifismo, nos ´ultimosanos da sua vida dedicou-se a lutar ac- tivamente contra o macartismo. Muitas pessoas perseguidas procuraram o cientista simplesmente batendo-lhe `aporta de casa. Einstein recebia-as in- Boletim da SPM 74, Novembro 2016, pp. 135-172 138 Antonio´ Aniceto Monteiro – lutas, perseguic¸oes˜ e ex´ılios formalmente e elas, nervosas de in´ıcio,rapidamente se sentiam confort´aveis e `avontade. Pode sentir-se um pouco desse ambiente de confian¸caquando se vˆeuma fotografia do cientista com William Frauenglass, professor de liceu em Nova Iorque, e esposa, tirada pelo filho de ambos. William Frauenglass foi chamado a depor em 1953 e recusou. Para tentar evitar ser demitido por esse facto, escreveu a Einstein pedindo-lhe apoio. Este respondeu-lhe em carta datada de 16 de Maio [THP] que foi publicada na primeira p´aginado New York Times de 12 de Junho: O problema com o qual os intelectuais deste pa´ısest˜aoconfrontados ´emuito s´erio. Os pol´ıticos reaccion´ariosconseguiram instilar no p´ublico a suspei¸c˜aosobre todas as actividades intelectuais agitando um perigo vindo do estrangeiro. Tendo sido bem sucedidos, pretendem agora suprimir a liberdade de ensinar e privar dos seus postos de trabalho todos aqueles que se mostrem insubmissos, i.e., mat´a-los`afome. O que deve fazer a minoria de intelectuais contra este mal? Franca- mente, eu s´ovejo a maneira revolucion´ariada n˜aocoopera¸c˜aono sentido de Gandhi. Todo o intelectual que seja chamado perante uma das comiss˜oes deve recusar-se a depor, i.e., tem que estar preparado para ser preso e fi- car arruinado economicamente, o que significa o sacrif´ıciodo seu bem-estar pessoal no interesse do bem-estar cultural deste pa´ıs. [Todavia] esta recusa a depor [n˜ao]deve ser baseada [no conhecido sub- terf´ugiode invocar a Quinta Emenda contra uma poss´ıvelauto-incrimina¸c˜ao mas] na posi¸c˜aode que ´evergonhoso para um inocente cidad˜aosubmeter-se a tal inquisi¸c˜aoe que esta esp´eciede inquisi¸c˜aoviola o esp´ırito da consti- tui¸c˜ao. Se muitas pessoas estiverem dispostas a dar este passo, ser˜aobem sucedidas. Caso contr´ario,os intelectuais deste pa´ısnada melhor merecem do que a escravatura que lhes ´edestinada. Entre parˆentesis rectos, uma parte n˜aoinclu´ıdano jornal, a pedido de Frau- englass a que Einstein acedeu, facto de que o f´ısicose arrependeu mais tarde. Einstein defendia que algu´emque fosse chamado a depor perante uma co- miss˜aodo Congresso devia invocar a primeira emenda da Constitui¸c˜aodos EUA, que garante a liberdade de opini˜aoe associa¸c˜ao.Segundo ele, era er- rado invocar a quinta emenda, que confere a prerrogativa de uma pessoa n˜ao se auto-incriminar, porque tal seria admitir que o exerc´ıciode um direito (ser membro de um partido, por exemplo) pudesse ser incriminat´orio.