O Louco E Os Outros: Contributo Para O Conhecimento Do Louco E Da Loucura Nas Comunidades Rurais Do Sul Da Beira Interior
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JOGOS MATEMÁTICOS GRAVADOS NA PEDRA NA REGIÃO DE CASTELO BRANCO CONTRIBUTOS DA ERA DIGITAL PARA A ARQUEOLOGIA Helena Campos Pinho, Rui Duarte, Ana Filipa Alves, Beatriz Sarreira e Joana Dias O LOUCO E OS OUTROS: CONTRIBUTO PARA O CONHECIMENTO DO LOUCO E DA LOUCURA NAS COMUNIDADES RURAIS DO SUL DA BEIRA INTERIOR The mad and the others Francisco José Ribeiro Henriques Antropólogo. Associação de Estudos do Alto Tejo. Associação para a Formação e Investigação em Saúde Mental. [email protected] Palavras-chave Antropologia médica, louco, loucura, Beira Baixa Keywords Medical anthropology, mad, madness, Beira Baixa Vila Velha de Ródão, 2019 AÇAFA On Line, nº 12 (2017) Associação de Estudos do Alto Tejo www.altotejo.org O LOUCO E OS OUTROS Francisco José Ribeiro Henriques Um agradecimento muito especial ao amigo José Manuel Baptista pela revisão do texto e apoio prestado no tratamento de termos e expressões usados na psicopatologia da região. Resumo Aos funcionários do Departamento de Psiquiatria e Saúde Mental do Hospital Amato Este trabalho regista o modo como as comunidades rurais dos concelhos de Castelo Lusitano e em especial ao seu ex-director, Dr. Duarte Osório. Branco, Idanha-a-Nova, Proença-a-Nova e Vila Velha de Ródão vivem e convivem com a loucura. Pretende responder a questões como a etiologia da doença mental para estas Aos informantes: Adelino Américo Lourenço [padre, Idanha-a-Nova]; Adriano Martinho comunidades. Quais os sinais e sintomas que o sujeito deve apresentar; quem [Bairrada]; Adozinda Moreira Raposo [Medelim]; Alfredo Dias, [padre, Proença-a-Nova]; diagnostica, quais os terapeutas, as terapias usadas e a concepção de louco para estas Amélia [vidente, Castelo Branco]; António Borrego Raposo [Oledo]; António Escarameia gentes. No final, constitui-se um rol de vocabulário e expressões usadas na [padre, V. V. Ródão]; António Fonseca [médico, V. V. Ródão]; Carlos Henriques [vidente, psicopatologia da região. Ladoeiro]; Domingos Romão [Zebreira]; Duarte Osório [médico, Castelo Branco]; Encarnação Milheiro [Proença-a-Velha]; Eugénia da Glória [Proença-a-Velha]; Glória Martins [vidente, Lisga]; Ilda da Conceição [Cimadas Cimeiras]; Isabel Chambino Abstract [Rosmaninhal]; Joaquim Martins [V. V. Ródão]; José Alexandre Martins [Fratel]; José This work register the way rural communities of the municipalities of Castelo Branco, Henriques Almeida [Monsanto]; Manuel Ferreira [Vilar de boi]; Manuel Gonçalves Dias Idanha-a-Nova, Proença-a-Nova and Vila Velha de Ródão live and cope with madness. It [Perna do Galego]; Maria do Carmo [Montes da Senhora]; Maria Emília Gomes Figueira aims to answer questions such as the etiology of mental illness for these communities. [Monsanto]; Maria Helena Rosário Pereira [S. José das Matas]; Maria Luis [Penha What are the signs and symptoms the subject should present; who diagnoses, which Garcia]; Maria Lurdes Pires Pereira Martins [V. V. Ródão]; Maria Rosa [Almaceda]; Maria therapists, therapies used and the mad concept for these people. In the end, there is a do Rosário Martins [Fratel]; Patronilha Maria [Proença-a-Velha]; Rosa Mendes [Vilar de list of vocabulary and expressions used in the psychopathology of the region . Boi]. Aos responsáveis e funcionários de: Biblioteca da Escola Superior de Enfermagem Dedicatória Bissaya Barreto [Coimbra]; Biblioteca da Escola Superior de Enfermagem Ângelo da Fonseca [Coimbra]; Biblioteca da Escola Superior de Enfermagem Lopes Dias [Castelo As páginas que se seguem são uma singela retribuição aos Meus Doentes e às famílias: Branco]; Biblioteca do Hospital Psiquiátrico do Sobral Cid [Coimbra]; Biblioteca do - pela amizade e cumplicidades de mais de oito anos de relação; Departamento de Psiquiatria e Saúde Mental do Hospital Amato Lusitano [Castelo Branco]; Biblioteca Municipal de Castelo Branco; Biblioteca Municipal de Idanha-a-Nova - pelo modo simples, cordial e amigo com que sou recebido nas suas casas. Este [Dr.ª Lurdes Grilo]; Centro Municipal de Cultura de Vila Velha de Ródão [Dr.ª Graça sentimento pessoal é praticamente intraduzível; Baptista]; Biblioteca Municipal de Proença-a-Nova; Arquivo Municipal de Idanha-a-Nova - pelo que aprendi com eles, principalmente a pressentir os limites entre o normal e o [Sr. Vítor Mascarenhas]. patológico e o quanto há de indefinição nestes limites. Aos directores e funcionários dos periódicos: Ecos da Sobreira [Sobreira Formosa]; O Concelho de Proença-a-Nova [Proença-a-Nova]; Raiano [Idanha-a-Nova]; Povo da Beira Agradecimentos [Castelo Branco]. Aos amigos que, cada um a seu modo, contribuíram para o bom termo deste trabalho: Por último, um agradecimento ao Instituto Português da Juventude, Delegação de Maria dos Anjos Henriques; Carlos Magro, Fátima Dias, Paula Godinho, João Carlos Castelo Branco, e ao seu director Dr. Francisco Abreu pelo modo como apoiou este Caninas, Joaquim Baptista, Luísa Filipe, Jorge Gouveia e José Silvestre Ribeiro. projecto. AÇAFA On Line, nº 12 (2017-2018) Associação de Estudos do Alto Tejo www.altotejo.org 460 O LOUCO E OS OUTROS Francisco José Ribeiro Henriques O Pouco Juízo necessidade de protecção. Para a maioria das pessoas a loucura é um fenómeno estranho e incompreensível, o que provoca angústia, medos e rejeição. “Um homem chamado Pouco Juízo tinha tantos filhos que já não lhes achava padrinho. Resolveu ir a outros sítios a procurar alguém que servisse de padrinho aos seus filhos. Todos temos receio do desconhecido, medo de ficar loucos, de perder a razão. A cultura Foi andando e encontrou Jesus Cristo que lhe perguntou: - Aonde vás? E ele científica elabora hipóteses de explicação para todos os fenómenos de patologia mental, respondeu: - Vou procurar alguém que queira ser padrinho do meu filho. a cultura popular também tem necessidade de explicar a origem e o conteúdo da loucura e essa explicação varia ao longo da história e das culturas, embora utilize o mesmo tipo Volta para trás e eu te sirvo, disse Jesus. - Quem Sois? Perguntou Pouco Juízo. - Sou de métodos de explicação, frequentemente sobrenaturais. Jesus. - Convosco não quero nada, porque a uns deixais tudo e a outros nada, disse o Pouco Juízo. Foi andando e encontrou S. Pedro, que lhe perguntou: - Aonde vás? Ele O autor realizou dezenas de entrevistas, analisou milhares de fichas clínicas, estudou respondeu: - Vou procurar quem sirva de padrinho ao meu filho. - Volta para trás. Eu te milhares de estrofes e centenas de contos populares. Verificou que os sinais da loucura sirvo, disse S. Pedro. - Quem sois? Perguntou Pouco Juízo. - Sou S. Pedro. - Convosco que encontrou derivavam “da perda do senso comum e da violação dos códigos sociais não quero nada, porque a uns abres as portas do céu e a outros fecha-las, disse Pouco do grupo”. Também constatou que o conceito de loucura, na cultura popular desta Juízo. Continuando o seu caminho, encontrou uma mulher vestida de preto, que lhe região, não é estática, pelo contrário, alguns elementos foram perdendo importância na perguntou: - Aonde vás? E ele lhe disse o mesmo que tinha dito a S. Pedro. E ela Disse- caracterização popular da loucura (parto, menstruação, etc.), outros (droga, TV etc.) lhe: - Volta para trás. Que eu te sirvo. - Quem Sois? Disse ele. - Sou a Morte respondeu foram introduzidos, trazendo novos contornos à apreciação popular da loucura. Na a mulher - Convosco é que eu quero tudo, porque levais rico e pobre, grande e pequeno cultura popular a doença como “castigo” parece manter-se, ao longo dos tempos, como e não deixais ninguém. uma das formas mais frequentes de encarar a loucura. E foram. Mas o Pouco Juízo fechou a Morte. Jesus, tardando-lhe, disse-lhe: - Solta a No trabalho realizado ressalta a maior facilidade de comunicação com o louco das Morte. Pouco Juízo disse: - Solto-a, mas é preciso que nunca a cá mande para me levar! bruxas e videntes relativamente ao médico, por utilizarem o mesmo padrão cultural, as Jesus não queria, mas, não vendo outro remédio, teve de dizer-lhe: - Solta e fica para aí mesmas vivências e a mesma linguagem. sempre, Pouco Juízo. É por isso que o Pouco Juízo ainda existe.” (Dias, 1963a:43-44) É um trabalho meticuloso, sério, envolvendo muitas noites de trabalho, muitas horas de recolha de dados e de reflexão. EM JEITO DE PREFÁCIO… Investigador dedicado à causa do estudo do Homem, Francisco Henriques, quis lançar Duarte Osório (Psiquiatra, Director do Hospital Amato Lusitano) pistas para o conhecimento do conteúdo popular da loucura e conseguiu-o plenamente. Um prefácio quer-se consistente e profundo, sintetizando criativamente a obra Estamos de parabéns todos os que trabalhamos, na nossa região, na área da prefaciada, ou mais leve e discreto, apresentando autor e obra? prevenção, tratamento e reabilitação da doença mental porque agora podemos utilizar este contributo indispensável para a sua compreensão global. Nesta encruzilhada de conceitos e metodologias optei pela última hipótese, por considerá-la mais adequada à situação e por me faltar “engenho e arte” para texto de Bem hajas. maior fôlego. Castelo Branco, 24 de Agosto de 1998 A loucura é das poucas coisas democráticas no mundo (Basaglia): distribui-se uniformemente por todas as culturas, etnias, classes sociais e épocas, só a forma de se Prefácio expressar e o modo como é encarada é que varia. Os loucos, ao longo dos tempos, têm Carlos Magro (Enfermeiro, docente no Curso Estudos Superiores Especializados de sido considerados como possessos do demónio, perigosos malfeitores, intermediários Enfermagem de Saúde Mental e Psiquiátrica da Escola Superior de Enfermagem de com as divindades ou mesmo, em alguns casos, uns “pobres coitados” com Bissaya Barreto) AÇAFA On Line, nº 12 (2017-2018) Associação de Estudos do Alto Tejo www.altotejo.org 461 O LOUCO E OS OUTROS Francisco José Ribeiro Henriques Erasmo no “Elogio da Loucura” escreve que “São tão abundantes as formas de pedaço territorial a linguagem é simples e espontânea e adquire traços distintos de estultícia, nascem tantas todos os dias...”, que nos reporta à importância em aceitar ordem formal, semântica e prosódica que alicerçam o património comunicativo, o cada homem como ele é, com a sua maneira de estar no mundo e reconhecer que a animam e acrescem em neologias inesperadas.