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Texto Completo (Pdf) estudossemióticos www.fflch.usp.br/dl/semiotica/es issn1980-4016 vol.8,n.1 junhode2012 semestral p.80-90 Mentirassincerasouocantodogrãodeamor LeonardoDavinodeOliveira* Resumo: Estetrabalhoinvestigacomoaspoéticasdacanção,apartirdaperspectivadavozdossujeitos cancionais, podem auxiliar na discussão sobre as categorias fluidas da verdade e da mentira. Intensificandoadiscussãoqueselocalizanafronteiramovediçaentreficçãoerealidade,taispersonagens sãoaproposiçãopossíveldeinvestigação,postoquesesituamnafronteira.Umadascaracterísticasmais radicais da verdade,prima-irmãdarealidade,éserincapturável.A verdade,no sentido deessência,é impossível de ser percebida, pois ela se prolifera em várias e insuspeitadas direções, dificultando a apreensão de sua origem. No entanto, amparados pela hegemonia de uma filosofia que tem na desvocalizaçãodo logos suabase,temosatravessadoépocasembuscadeumalógicaclara.Analisandoo discurso,afala,avozdetrêssujeitoscancionais–asaber:osdascanções“Rock’n’Raul”,deCaetano Veloso, “Para mano Caetano”, de Lobão e “Lobão tem razão”, também de Caetano, seguindo a cronologia de suas feituras –, o objetivo é entender os cantos (existenciais) sugeridos dentro das três canções:aconstruçãometacancional,aquiloqueestáatrásdasuperfíciedoqueécantado.Oumelhor, aquilo que faz da superfície o profundo. Este ensaio é atravessado pela leitura atenta e analítica dos ensaiosquecompõemolivro Críticaeverdade ,deRolandBarthes,evisaalançarcontribuiçõesàquilo quesetemclassificadodesemióticadodiscurso. Palavras-chave: mentira,verdade,CaetanoVeloso,Lobão,metacanção 1. Chegadeverdade sentidosmúltiplos?”(p.193).Háumsentidocerto da palavra? Este ensaio é atravessado pela leitura atenta e Uma das características mais radicais da analítica dos ensaios que compõem o livro Crítica e verdade,prima-irmãdarealidade,éserincapturável.A verdade(2003),deRolandBarthes,epelomeuobjeto verdade, no sentido de essência, é impossível de ser deestudo:acançãopopularmediatizada.Naverdade, percebida, pois ela se prolifera em várias e meu gesto aqui foi o de cruzar, justapor, cantar insuspeitadasdireções,dificultandoaapreensãodesua paralelamente, leituras e objetos a fim de pensar as origem. A originalidade, assim, está no arranjo dos ideiaseasinvestigaçõesdeBarthessobreaexperiência conceitos, ou, como Roland Barthes (2003, p. 192) críticaeanoçãodeverdade. questiona,com“oquefazercomosentidodapalavra”, Tentoanalisarascançõesobjetodesteensaiode jáqueela“nãotemmaisvalorreferencial,masapenas modoafixarasregrasdeconjunçãodaatividadecrítica mercantil” (p. 195). Ou seja, “a que instrumento de de arranjo dos compositores: forma e conteúdo se verificação, a que dicionário iremos submeter essa imbricam, no meu gesto de dar novo sentido aos segundalinguagem,profunda,vasta,simbólica,daqual objetos. éfeitaaobra,equeéprecisamentealinguagemdos *UniversidadedoEstadodoRiodeJaneiro.Endereçoparacorrespondência:[email protected] estudossemióticos,vol8,n°1(junho2012) Desse modo, este ensaio é motivado pela Rock'n'roll querela (amorosa) entre Caetano Veloso e Lobão. O Rock'n'Raul objetivo é estabelecer relações para além do diálogo (público)entreosdoiscompositores.Tomo,portanto, Hojequalquerzé-mané ostextosecantosdos doiscomo pretextos para meu QualquerCaetano canto paralelo (minha paráfrase, ou melhor, noutro Podedizer campodesentido,maisbarthesiano,meuarranjo)sobre QuenaBahia ossentidosdaverdadeedarealidade.ParaBarthes,em MeuKrig-HaBandolo Crítica e verdade, o novo crítico é aquele que canta Épuroourodetolo(Eolobobolo) arranjandoaquiloquejáfoiditodeummodoacriar Masminhaalegria novos e luminosos sentidos. Eis o meu movimento Minhaironia aqui.Nãocabeaocrítico“clarear”aobra;ela,porsi,já Ébemmaiordoqueessaporcaria basta. Cabe ao crítico penetrar e ser penetrado pela obra,cantarjunto:lançarmundosnomundo. Lobão,criatropicalistaeherdeirodeRaul,não reconhece a máscara usada por Caetano. Muito 1.1.Querelaamorosa menos aceita quando o doce bardo, digo, o Raul Seixasficcionalizado,refere-seacerto“lobobolo”a fim de rimar com “ouro de tolo”, título de uma Em 2000 (no disco Noites do Norte ), Caetano canção de Raul (já cantada e gravada pelo dandi- Veloso lançou a canção “Rock’n’Raul”, uma dendê). Escusado dizer que, se Caetano canta ao homenagemàobradeRaulSeixas.Nacanção(letrae modo de Raul, Lobão canta ao modo dos dois: o melodia), Caetano faz às vezes de ghostwriter do canto de Lobão é duplo do duplo, labirinto de espírito de Raul, que, por sua vez, labirintos. As máscaras, com suas respectivas autobiograficamente,passaemrevistasuaestadiapor personas, dançam em um espiral de fumaça. Eis a aqui, pelo mundo dos vivos, entre outras coisas, letra de “Para o mano Caetano” ( 2001 – Uma apontando seus herdeiros: “Manos” que tentam odisséia no universo paralelo (CD).Brasil,Popcorn implantar o jeito norte-americanês de sobreviver: a Records,2001): ideologiadasegregaçãoracialexplícita,cantadapelo rap e hiphop ,porexemplo,quesedesviadalinhade Oquefazerdoouro-de-tolo/Quandoum cordialidade brasileira. Eis a letra da canção de doce bardo brada à toda a brida, / Em “Rock’n’Raul” ( Noites do Norte (CD) . Brasil, velas pandas, suas esquisitas rimas? / UniversalMusic,2000): Geografia de verdades, Guanabaras postiças / Saudades banguelas, tropicais Quandoeupasseiporaqui preguiças?/Abocacheiadedentes/De Aminhalutafoiexibir um implacável sorriso / Morre a cada Umavontadefela-da-puta instante/ Que devoraa voz do mortoe, Deseramericano(Ehojeolhaosmano) com isso, / Ressuscita vampira, sem o DeficarsónoArkansas menor aviso / A voz do morto que não EsbórnianaCalifórnia prestadepoimento/Perpetuaseusilêncio DiasruinsemNewOrleans deesquecimento/Nalápidepós-moderna OgrandemagoemChicago do eterno desalento: / E é o Raul, é o TerumranchodeéternoTexas Jackson,éopovobrasileiro/Éohiphop, UmaplantationdemaconhanoWyoming aentropia,entropicáliadopandeiro/Do Nadadeaxé,DodôeCuruzu passado e do futuro, sem presente nem AverdadeiraBahiaéoRioGrandedoSul devir/Éoputeiroqueoscanalhas/Não conseguem habitar, mas cafetinam / É a Rock'n'me belezadeveludo/Queosub-mundotem Rock'n'you 2 LeonardoDavinodeOliveira pra dar mas os canalhas subestimam / E balaperdidaquetefala,rapá!Teamo,te regurgitando territórios-corrimões / De amo. umreboladoagonizante/Restaoglamour fim-de-festa-ACM / De um império do Lobão considera as “rimas esquisitas” e parte Medocarnavalizante/Seráqueahoraé para o ataque, lançando (em 2001) a canção “Para o essa?/Abocacheiadedentesvaticina:/ mano Caetano”, uma bala que percorre a biografia Nãoprosmano,Nãoprasmina/Simpro estética e social de Caetano Veloso, espalhando uma meu umbigo, meu abrigo / Minhas tetas quantidade considerável de metonímias e metáforas profanadas / Santo Amaro doce amaro, queintencionamrestituireinstaurarumCaetanopara vacas purificadas / Amaro bárbaro, si,paraLobão.Umdiscursoentoadoporumavozirada Dândi-dendê/Minhasnarinasaorelento/ e apaixonada. Aqui, a mistura entre rock (ênfase no Cumulando de bundões que, por anos ritmo, que impulsiona a ira) e hip hop (ênfase na acalento / Estes sim, um monte de zé- palavra, que incomoda, pelo tom impositivo e mané / Que sob minha égide se intimidador) auxiliam na montagem do transformam em gênios / Sem quê nem testemunho/canto indignado de Lobão. Aliás, como a porquê / Sobrancelho Victor Mature / intençãosecretadetodapalavra(escritaoucantada)é Delineando barravento / Eu, americano? encontrarooutro,abalanãoétãoperdidaquantoquer não.Baiano./SoyloboportiHollywood ser.Elatemdestinocerto:asverdadesqueooutrotenta /Quempudermedesnature/Sobosolde construir. Mas, afinal, como Nietzsche pergunta em Copacabana /Eeusoy lobo-bolo?lobo- Eccehomo (1995,p.57):“Quantodeverdadesuporta bolo/Tipo,prarimarcomouro-de-tolo?/ umespírito,quantodeverdadeousaumespírito?”. Oh, Narciso Peixe Ornamental! / Tease Ao buscar referências, não apenas na vida real, me, tease me outra vez / Ou em banto mas também na obra ficcional de Caetano Veloso, baiano/OuemportuguêsdePortugal/Se Lobão motiva a dúvida sobre o que se entende por quiser, até mesmo em americano / De verdade. Lobão investe, desse modo, em uma crítica Natal/Issoélíngua!/ Línguaéfesta!/ nãodomundo,masdodiscursoficcionaledogestode Que um involuntário da frátria / Com verdade desempenhados por Caetano. Assim, o gesto certeza me empresta / Numa canção de de cantar, semelhante ao gesto de escrever, exílio manifesta / Aquele banzo baiano / institucionaliza a subjetividade: a verdade de cada Meu amado Caetano / Me ensinando a sujeito. falar inglês / London, London / E É desse modo que entendemos quando Barthes verdades,queeu,Lobóncontesto/Como (2003,p.221)afirmaque“ocríticonãopodepretender empolgado aprendiz / Enviando esta ‘traduzir’aobra,sobretudodemodomaisclaro,pois aresta / A quem tanto me disse e diz: / nãohánadamaisclarodoqueaobra”.Paraoautorde AmadoCaetano:Chegadeverdade/Viva O prazer do texto , o que o crítico pode fazer é alguns enganos / Viva o samba, meio “engendrar” certo sentido derivando-o de uma forma troncho,/Meiojácambaleando/Abossa queéaobra.Ouseja,acríticafeitaporLobãoduplica já não é tão nova / Como pensam os ossentidos,“fazflutuaracimadaprimeiralinguagem americanos / A tropicália será sempre o daobra[deCaetano]uma segundalinguagem,istoé, nosso / Sargent Pepper’s pós baiano / O umacoerênciadossignos”. Roqueerrou,vocêsabe,/Digoissosem Analisar o objeto é destruir o objeto; Lobão engano/Eeuseiquevouteamar,sejalá analisa e destrói para coroarcom o “eu te amo”, em comofor,portanto/Umbeijonoseulado repetições cansadas, no final de seu testemunho. A super bacana / Uma borracha no dark críticaéumaleituraprofunda:dequemama.Elanão
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