Unisal Ariadne Rodrigues Vieira

Oficinas de arte africana como intervenção educativa na cultura quilombola do Morro Seco

Americana 2011 Unisal

Ariadne Rodrigues Vieira

Oficinas de arte africana como intervenção educativa na cultura quilombola do Morro Seco

Dissertação apresentada como exigência parcial para obtenção do grau de Mestre em Educação à Comissão Julgadora do Centro Universitário Salesiano de São Paulo, sob a orientação dos Profs. Dr. Severino Antonio Moreira Barbosa e Dr. Paulo de Tarso Gomes

Americana

2011 Vieira, Ariadne Rodrigues V713o Oficinas de arte africana como intervenção educativa na cultura quilombola do Morro Seco / Ariadne Rodrigues Vieira. – Americana: Centro Universitário Salesiano de São Paulo, 2011. 261 f.

Dissertação (Mestrado em Educação). UNISAL – SP. Orientador: Dr. Severino Antônio Moreira Barbosa; Co-orientador: Dr. Paulo de Tarso Gomes. Inclui bibliografia.

1. Arte. 2. Oficina de arte africana. 3. Quilombo. 4. Arte educação. I. Título. CDD – 372.5

Catalogação elaborada por Terezinha Aparecida Galassi Antonio - CRB- 8/2606 Bibliotecária do UNISAL – Unidade Universitária de Americana - SP Ariadne Rodrigues Vieira

Oficinas de arte africana como intervenção educativa na cultura quilombola do Morro Seco

Dissertação apresentada como exigência parcial para obtenção do grau de Mestre em Educação, do Programa de Mestrado do Centro Universitário Salesiano de São Paulo.

Trabalho de Conclusão de Curso defendido e aprovado em ____/____/______, pela comissão julgadora:

______Dr. Severino Antonio Moreira Barbosa / Unisal

______Dr. Marcos Francisco Martins / UFSCar

______Dr. Paulo de Tarso Gomes / IFSP

Americana 2011 Dedico a minha mãe e irmã Erika pelo estímulo e compreensão. A todos os professores que acreditaram no meu trabalho. A minha amiga Gervânia pelo apoio e colaboração. Enfim, a todos que, direita ou indiretamente, contribuíram para conclusão de mais esta etapa. AGRADECIMENTOS

Agradeço, primeiramente, a DEUS, que me possibilitou realizar este trabalho.

A todos os professores que contribuíram para o meu enriquecimento cultural ao longo desses dois anos de mestrado.

Ao meu orientador Dr. Paulo de Tarso Gomes, pelo apoio, conversas e discussões no processo de elaboração desta dissertação, que compartilhou parte da sua sabedoria, conduzindo o trabalho de maneira firme, porém amiga, deixando uma contribuição extremamente importante e positiva nesta fase da minha vida acadêmica.

Aos alunos do grupo de estudo e de modo especial à Comunidade Quilombola do Morro Seco por oportunizarem a realização deste trabalho. RESUMO

A presente dissertação revela os resultados da pesquisa na Comunidade Quilombola do Morro Seco, situada em Iguape – SP, Brasil. As referências teóricas metodológicas utilizadas para o desenvolvimento do trabalho foram embasadas na metodologia Triangular defendida por Ana Mae Barbosa e na metodologia Rizomática idealizada pelas educadoras Miriam Martins Celeste e Gisa Picosque. O ponto de partida foi o Projeto “Somos Brotos de Velhas Raízes” que previa ações concretas que centrassem os jovens como protagonistas na comunidade que residem, envolvendo a temática das africanidades. Para tanto, foi organizado um grupo de estudo constituído na sua maioria por alunos afro-descendentes e remanescentes quilombolas. O grupo de alunos remanescentes quilombolas idealizou ao longo do desenvolvimento dos trabalhos a realização de oficinas de arte africana em sua comunidade para promover uma maior integração e fortalecimento dos vínculos entre os jovens e demais integrantes da comunidade. Busca-se definir quais são as contribuições das oficinas de arte africana implantadas na comunidade como ação pedagógica na construção da identidade quilombola pelos jovens através da mediação das pessoas mais idosas da comunidade. Esta pesquisa gerou processos de interação, pois propiciou a todos os envolvidos a experiência de ensinar e aprender tendo por base a exploração da tradição oral, alimentada pela proximidade do interlocutor, neste caso representado pelas pessoas mais idosas da comunidade, que por meio de seus contos, causos e falares, nutriam a memória e a herança cultural dos jovens remanescentes quilombolas de modo a enriquecer seu repertório pessoal. A comunicação estabelecida foi viva e dinâmica, motivada pela simplicidade das experiências acumuladas ao longo de uma existência.

Palavras-chave: Arte e educação, oficinas de arte africana, quilombo. ABSTRACT

This research reveals the results from studies in the Quilombo Community of Morro Seco, located in Iguape – SP, Brazil. The starting point was the project" We Are Old Shoots Roots" concerning actions that focus they young protagonists who live-in the community, involving Africans theme. Thus, a study group was organized consisting mostly of African students and remaining African descent. The group of remaining African descent students devised African art workshops in their community to promote greater integration and strengthening linkages between youth and other members of the community. It attempted to define what the contributions of African art workshops deployed as pedagogical action in the community, assist in the construction of Quilombo identity by young people through older people mediation in the community. This research has generated interaction processes, because it gave everyone involved to the experience of teaching and learning based on the oral tradition exploitation, powered by the proximity of the interlocutor, in this case represented by older people of the community, who through their tales, stories and speak, cherished the memory and cultural heritage of young afro- descendents in order to enrich their personal repertory. The communication set was lively and dynamic, motivated by the simplicity of the accumulated experiences over a lifetime.

Keywords: Art, African art workshops, Quilombo, Art Education SUMÁRIO

INTRODUÇÃO ...... 1 1.ARTE E EDUCAÇÃO ...... 7 1.1 As possibilidades da arte como intervenção educativa ...... 19 1.2 A possibilidades da arte nas relações interétnicas ...... 20 1.3 Arte Africana ...... 27 1.4A dinâmica das oficinas de arte africana como prática educativa ...... 44 2- PROCESSO HISTÓRICO E PERCEPÇÃO DA COMUNIDADE DO MORRO SECO ...... 49 2.1 Caracterização da Comunidade do Morro Seco ...... 51 2.2 Ser quilombola: elemento formador da identidade ...... 53 2.3 Genealogia da comunidade do Morro Seco ...... 59 3- ESTUDO DE CASO: FORMAÇÃO DO GRUPO DE ESTUDOS E OFICINA DE ARTE NO QUILOMBO DO MORRO SECO ...... 63 2009-Primeiros encaminhamentos para a implantação das oficinas de arte africana - reunião com a Associação do Quilombo do Morro Seco...... 63 3.1 Grupo de estudo convite a reflexão ...... 68 3.2 Um olhar sobre o percurso vivenciado pelo Projeto “Somos Brotos De Velhas Raízes” e a proposição para novas perspectivas ...... 71 3.3 Primeiros encaminhamentos para a implantação das oficinas de arte africana - reunião com a Associação do Quilombo do Morro Seco ...... 109 3.4 Oficinas de Arte Africana na comunidade quilombola do Morro Seco ...... 114 3.5.1.Registro das oficinas ...... 115 3.5.2.1-1ª Reunião – Oficina de Arte Africana ...... 115 3.5.2.2. - 2ª Reunião – Oficina de Arte Africana ...... 120 3.5.2.3 -3ª Reunião – Oficina de Arte Africana ...... 125 3.5.2.4 - 4ª Reunião – Oficina de Arte Africana ...... 136 3.5.2.5- 5ª Reunião – Oficina de Arte Africana ...... 141 3.5.2.6-6ª Reunião – Oficina de Arte Africana ...... 144 3.5.2.7-7ª Reunião – Oficina de Arte Africana ...... 148 3.5.2.8-8ª Reunião – Oficina de Arte Africana ...... 154 3.5.2.8 -9ª Reunião – Oficina de Arte Africana ...... 157 3.5.2.10-10ª Reunião – Oficina de Arte Africana ...... 163 3.5.2.11-11ª Reunião – Oficina de Arte Africana ...... 168 3.5.2.12 - 12ª Reunião – Oficina de Arte Africana ...... 182 3.5.2.13 - 13ª Reunião - Oficinas de pintura de pano ...... 184 3.5.2.14 -14ª Reunião – Oficina de Arte Africana ...... 187 3.5.2.15 - 15ª Reunião – Oficina de Arte Africana ...... 190 3.5.2.16 - 16ª Reunião – Oficina de Arte Africana ...... 192 3.5.2.17 - 17ª Reunião – Oficina de Arte Africana ...... 194 3.5.2.18 - 18ª Reunião – Oficina de Arte Africana ...... 196 3.6 Análise/avaliação da experiência com as oficinas de Arte...... 199 CONSIDERAÇÕES FINAIS ...... 202 REFERÊNCIA ...... 205 ANEXO 1- FICHA DESCRITIVA DO PROJETO “SOMOS BROTOS DE VELHAS RAÍZES” ...... 212 ANEXO 2- AGENDA SOCIOAMBIENTAL DO MORRO SECO ...... 222 ANEXO 3 – GENEALOGIA DA COMUNIDADE DE MORRO SECO ...... 255 1

INTRODUÇÃO

Essa pesquisa tem sua origem no desenvolvimento de oficinas de arte africana na Comunidade Quilombola do Morro Seco situada em Iguape-SP, iniciadas no ano de 2009, desenvolvida com o objetivo de promover uma intervenção por meio de uma prática educativa em arte. Utilizei a pesquisa-ação e a pesquisa documental para levantar as contribuições legais, culturais e científicas já existentes sobre a comunidade. Este processo também envolveu: reformulação dos trabalhos relacionados ao Projeto “Somos Brotos De Velhas Raízes”, organização e sistematização dos trabalhos de um grupo de estudos envolvendo alunos da comunidade quilombola do Morro Seco e implantação de oficinas de arte africana na referida comunidade. As discussões dos alunos do grupo de estudos, visando a encontrar novas maneiras de expandir as ações do projeto por meio de intervenções, trouxeram à tona a problemática de relacionamento vivenciado por um lado pelos jovens, que tímidos ansiavam por mais oportunidades de convivência junto às pessoas adultas e idosas da comunidade e, por outro lado, os idosos, que muito respeitosamente apresentavam-se preocupados, pois sentiam certo distanciamento nas relações interpessoais com os jovens; mas revelavam-se dispostos a compartilhar suas experiências de vida junto a esses jovens contribuindo assim para o enriquecimento do repertório pessoal dos mesmos. À medida que as proposições revelavam o desejo dos jovens de estreitar este vínculo com os adultos e idosos da comunidade e estes também revelavam o mesmo desejo, vislumbrei no vasto universo da arte campo profícuo para o desenvolvimento de uma proposta que remetia a um grande desafio, a questão era saber: até que ponto a arte enquanto intervenção educativa poderia contribuir para fortalecer a integração dos jovens e favorecer a construção da identidade dos jovens quilombolas? A comunidade Quilombola do Morro Seco sempre vislumbrou e nutriu no bojo de suas relações sócio culturais novas formas de contemplar o futuro. Frente à possibilidade de realizar uma parceria com o Projeto “Somos Brotos de Velhas Raízes” destacou que valoriza os elementos basilares que compõe 2

sua origem e assume uma postura de acolhimento a propostas que venham ao encontro de auxiliá-los no processo de valorização dos seus costumes. Assim com o aval da Associação dos Quilombolas da Comunidade conseguimos implantar as oficinas de arte africana na comunidade num clima de muita expectativa. . Para promover a integração do jovem junto à comunidade quilombola escolhi por meio de uma intervenção educativa optei, dentre tantos recursos pela arte, e esta é vista como oportunidade, pois ao desenvolver as atividades propostas nas oficinas de arte africana e produzirem seus objetos artísticos os jovens quilombolas foram levados a perceber e refletir que o produto artístico produzido por eles e por seus pares faz referência à cultura e ela é valorizada como elemento formador da identidade quilombola. No primeiro capítulo discorro sobre arte e educação. Para que a percepção fosse despertada com relação à necessidade de implementar mudanças no Projeto e as transformações ocorressem de fato, lançando a equipe escolar ao desafio de levar os conteúdos trabalhados sobre africanidades para além dos muros escolares era preciso despertar a consciência, precisávamos nos colocar em novo devir. Para tanto o componente curricular arte apresentou-se não com um olhar superficial, ingênuo, passivo, submisso, desatento ou distraído. Foi necessário responder, de forma ativa e participativa, a este desafio. A equipe escolar mobilizou os saberes estéticos e culturais na execução das atividades relacionadas ao projeto. Com relação aos demais componentes curricular desenvolvidos, destaco que houve um aprofundamento das questões que dizem respeito aos signos africanos em suas manifestações artísticas: dança, música, pintura, escultura, poesia - embasamos nosso pensamento sobre a arte e seu sistema simbólico social, oferecendo aos envolvidos com a proposta das oficinas, principalmente os alunos, a ampliação da nossa atuação como intérpretes da cultura quilombola. Acrescento que o estudo da arte implantado pelas oficinas de arte africana focaram como platôs principais: nutrição estética e patrimônio- e mediação cultural visando a oportunizar a ampliação do olhar acerca da cultura e das heranças culturais que marcam e dão referência sobre quem somos. 3

A arte é um campo fértil e para que ocorra a aprendizagem, ela nos provoca, causa rupturas, desconcerta nossas percepções e sensações nos permitem mergulhar na ambiência criadora da invenção que nos leva a pensar, despertando o desejo de descobrir em nós novas perspectivas que impulsionam nosso olhar, pensar, sentir e agir, provocando uma intervenção educativa. A arte apresentada em suas diversas linguagens – artes visuais, musical, cênica, dança - convergente e híbridas possuem um sistema de signos que é movente, cultural, histórico e fluído. Para que as intervenções artísticas e culturais previstas na realização das oficinas de arte quilombola ocorressem foi necessário mergulhar nas perspectivas atuais de concepção de área do componente curricular de arte implantado pelo Governo do Estado de São Paulo através do programa São Paulo Faz Escola- Uma proposta curricular para o Estado.

1 A metodologia rizomática implantada no Estado a princípio foi elaborada pelas educadoras Gisa Picosque e Mirian Celeste Martins para as linguagens artes visuais e música. Após a redação do documento preliminar elaborado por elas outros educadores vieram compor com a formatação desta nova linha metodológica, as proposições pensadas para as demais linguagens artísticas foram ampliadas para outros profissionais - Geraldo de Oliveira Suzigan, responsável pela linguagem de teatro, e Sayonara Pereira, responsável pela linguagem de dança; juntos apresentam um pensamento curricular múltiplo, diversificado e, rizomático, que organiza o universo da arte e da cultura em segmentos – platôs, capazes de serem conectados por meio de conceitos e conteúdos específicos da área, gerando processos educativos artísticos em potencial sempre embasados na relação arte, vida e cultura: [...] Em nossa prática como educadoras na formação de educadores, e como escritoras de material educativo para exposição de arte, há algum tempo estamos burilando a idéia de um mapa dos saberes da arte traçado na forma de um rizoma. A idéia de rizoma aparece pela primeira vez em Mil Platôs, Capitalismo e Esquizofrenia, livro escrito por Gilles Deleuze e Felix Guatari (1995) e toma de empréstimo um termo do vocabulário da botânica, que define os sistemas de caules subterrâneos de plantas flexíveis que dão brotos e raízes adventícias em sua parte inferior – ex: rizoma de íris-. O rizoma é um processo de ramificação aberta, não remete a um centro ou núcleo, e expande-se em direções móveis e indeterminadas. Os sistemas em rizoma ou em treliça podem

1 Este tema será melhor explicitado nas páginas seguintes 4

derivar infinitamente, estabelecer conexões transversais sem que se possa centrá-los ou cercá-los. A estrutura da Internet como rede de computadores ligados entre si e não mediados por um núcleo ou uma central é o fato contemporâneo que mais se aproxima aos princípios de um rizoma [...]. (MARTINS E PICOSQUE, 2004).

Tal concepção visa uma reestruturação, um desejo de realocação, reorientação da prática educativa em arte, um verdadeiro convite a desterritorializar-se para que o educador e seus alunos vivenciem intensos processos de experimentações. Ao atuar como educadora de arte na Comunidade Quilombola do Morro Seco, percebendo que a arte poderia alimentar possibilidades nas relações interétnicas, vislumbrei a oportunidade de construir relações com o outro, com o mundo, a partir de um processo educativo. Levei em conta a realidade da comunidade. Acreditei e trabalhei junto aos alunos a perspectiva de que é possível tomar novos rumos, de mudar o destino, de quebrar preconceitos e livrar-se de estereótipos. O trabalho cuidadoso de intervenção por meio de uma ação pedagógica desenvolvida junto a Comunidade Quilombola do Morro Seco pela implantação das oficinas de arte africana era centrado nos conteúdos e referências que a arte africana oferecia. As atividades artísticas explorando danças, músicas, pinturas, esculturas eram um reflexo fiel das ricas histórias, crenças e da representação abstrata e naturalista nas obras que produziam, respeitando-se as filosofias dos habitantes deste enorme continente. Em muitos momentos aquela pequena comunidade refletia o desejo e a luta de manterem vivas as referências que os ligavam ao povo africano, por meio dos causos, contos, histórias, a dança do fandango, o reisado, os modos de celebrar, os pratos típicos, ou seja, eles procuravam transmitir as crianças e aos jovens as memórias e heranças culturais pelo repertório pessoal de imagens, gestos, falas, sons, personagens As oficinas de arte fazem parte de um conjunto de proposições planejadas pelo grupo de estudos e coordenadas por mim para implementar ações impactantes do Projeto “Somos Brotos de Velhas Raízes” da EE. Prof.ª Alice Rodrigues Motta, localizada na cidade de Juquiá-SP. O segundo capítulo apresenta aspectos que tratam do processo histórico e percepção da Comunidade do Morro Seco. As informações contida nessa 5

parte do trabalho foram pesquisadas no Relatório Técnico Científico solicitado pela Fundação Instituto de Terras de São Paulo (ITESP), à antropóloga Maria Cecília Manzoli Turatti (2008). A referida comunidade está localizada próxima a rodovia Regis Bittencourt (BR 116), na altura do Km 418, sentido Curitiba/São Paulo, é composta por 47 famílias. Nesta etapa abro um espaço para comentar e caracterizar como os integrantes desta comunidade vivem e lutam pela manutenção de sua cultura. Na perspectiva de situar o modo de viver do quilombola como elemento formador da identidade, destaco que para os moradores do Quilombo do Morro Seco a pessoa que assume as implicações desta condição deve valorizar suas tradições, manter viva sua fé, pois esta molda os valores e princípio das pessoas da comunidade. Apresento nesse capítulo a genealogia da comunidade do Morro Seco. Para os moradores, o Relatório Técnico Científico que apresenta essa informação é respeitado como símbolo de sua identidade, uma vez que põe fim aos conflitos, tais como a invasão das terras, a falta de recursos e de investimentos na área da saúde, da educação e da produção agrícola, por meio desse relatório alcançaram o reconhecimento identitários de comunidade quilombola, daí a necessidade de o cercarem de todo o respeito e cuidados possíveis. No terceiro capítulo apresento o estudo de caso: oficinas de arte africana no quilombo do Morro Seco, que documenta a etapa dos registros. Nas oficinas de arte africana trabalho com grupo de alunos formado por jovens afro- descendentes que residem na comunidade, mas não são diretamente ligados às famílias quilombolas e remanescentes quilombolas, organizados com o propósito de comporem um grupo de estudos que se responsabilizou em preparar e desenvolver as atividades relacionadas às oficinas de arte africana implantadas na comunidade no ano de 2009. As oficinas desenvolvem atividades de dança, música, teatro, dinâmicas de relacionamento interpessoais, técnicas de pintura e escultura. Os alunos remanescentes quilombolas idealizaram como parte das ações concretas previstas para o Projeto “Somos Brotos De Velhas Raízes” a implantação e a realização de oficinas de arte africana na referida comunidade. 6

Como intervenção educativa, as oficinas de arte africana visavam a atender a necessidade de oferecer um espaço de convivência que propiciaria por meio de atividades artísticas relacionadas às africanidades, o fortalecimento do vínculo entre jovens e idosos da comunidade de modo a fomentar a construção de sua identidade quilombola. Nesta etapa do trabalho relato a organização e realizações das oficinas de Arte na comunidade quilombola, atividade que garantirá a inserção do jovem no coletivo da comunidade. As atividades realizadas na oficina de Arte explorando as diferentes linguagens artísticas despertaram a atenção dos jovens para perceber-se como agente de transformação social, responsável e consciente dos seus próprios limites e possibilidades. 7

1. ARTE E EDUCAÇÃO

Houve um tempo em que na escola se estudava desenho geométrico, artes plásticas e música. Em outra escola também se aprendia teatro. E em quase todos os trabalhos manuais. Houve um tempo de ditadura, e mudanças radicais: Lei de diretrizes e Bases 5691/73. A Educação Artística como atividade, os professores das antigas disciplinas voltando às faculdades para complementar seus cursos, na formação em “licenciatura curta”: artes plásticas, música e teatro em dois anos. (FINI, 2008, p.13)

O desejo pela reinvenção da prática pedagógica do ensino da arte era a muito almejado pelos educadores da área, pois até o surgimento da última LDB – Lei de Diretrizes e Bases da Educação, em 1996, e dos novos PCN's- Parâmetros Curriculares Nacionais, prevalecia o ensino das Artes Plásticas. E as mudanças foram ocorrendo e atendendo as prerrogativas da LDB Lei no. 9.394/96, em que a Arte é considerada disciplina obrigatória na educação básica conforme o seu artigo 26, parágrafo 2°, no qual o ensino de arte constituiria componente curricular obrigatório, nos diversos níveis da educação básica, visando o desenvolvimento cultural dos alunos. Com o Parâmetro Curricular Nacional de Arte – PCN – Parâmetros Curriculares Nacionais – Arte - o ensino das diferentes linguagens artísticas está submetido à orientação geral, apresentada na primeira parte do documento, que estabelece três diretrizes básicas para a ação pedagógica. São diretrizes que retomam, embora não explicitamente, os eixos da chamada "Metodologia Triangular" - ou melhor, "Proposta Triangular”, defendida por Ana- Mae Barbosa na área de artes plásticas. Segundo os próprios Parâmetros: O conjunto de conteúdos está articulado dentro do processo de ensino e aprendizagem e explicitado por intermédio de ações em três eixos norteadores: produção, fruição e reflexão. (PCN-Arte, 2004, p.55) A Proposta Triangular representa a tendência de resgate dos conteúdos específicos da área, na medida em que apresenta como base para a ação pedagógica três ações mental e sensorialmente básicas produção, fruição e reflexão, que dizem respeito ao modo como se processa o conhecimento em arte. Assim, observamos que: 8

O eixo produção refere-se ao fazer artístico e ao conjunto de questões a ele relacionadas, no âmbito do fazer do aluno e dos produtores de arte. O eixo fruição refere-se à apreciação de arte e do universo a ela relacionada. Tal ação contempla a fruição da produção dos alunos e da produção histórico-social em sua diversidade. O eixo reflexão refere-se à construção de conhecimento sobre o trabalho artístico pessoal, dos colegas e sobre a arte como produto da história e da multiplicidade das culturas humanas. (PCN-Arte, 2004, p. 56).

Nesta proposta os três eixos estão articulados, ao mesmo tempo em que mantêm suas próprias características e os conteúdos a elas vinculados podem ser trabalhados em qualquer ordem, desde que atenda o desenho curricular da escola. A arte, se assim permitir, pode ser ativadora de consideráveis mudanças em nós, provocando movimentos que nos levam a vivenciar inúmeros processos de experimentações.

Acredito que uma pedagogia estética e artística compõe-se de práticas sensíveis que “demandam relacionar arte e vida, onde o conhecer, o fazer, o expressar, o comunicar e o interagir instauram práticas inventivas a partir das vivências de cada um” (MEIRA, 2003, p.122).

Meu primeiro contato com a concepção rizomática em arte foi em 2004, ao lecionar na rede particular de ensino. Em linhas gerais esta concepção nos remete à ideia de que o universo da arte propicia conexões por meio de seus infinitos lineamentos, revelando propostas grávidas de possibilidades expressivas que fomentarão a poética e a estética dos alunos. Na ocasião o ensino de arte na escola em que lecionava passou por uma reformulação. O texto do referencial curricular de arte que embasava aquela resposta foi elaborado pelas educadoras Mirian Celeste Martins e Gisa Picosque, a versão preliminar somente as linguagens das artes visuais e da música foram exploradas.

A concepção de área para o componente curricular arte solicita uma proposta de pensamento curricular múltiplo, diversificado, rizomático, que organize o Universo Arte e Cultura em segmentos - PLATÔS -capazes de serem conectados por meio de conceitos e conteúdos específicos da área, gerar processos educativos artísticos em 9

potencial sempre embasados na relação Arte Vida e Cultura (MARTINS E PICOSQUE, 2004).

Para as idealizadoras desta nova concepção de área para o componente curricular arte, os princípios do rizoma que deverão nortear e embasar a prática pedagógica do educador devem contemplar: -Conexão: Qualquer ponto do rizoma pode ser conectado a qualquer outro e deve sê-lo. -Heterogeneidade: Qualquer conexão é possível, marcando um arranjamento por elementos e ordenações distintas. - Multiplicidade: Não há noção de unidade, há um arranjamento de linhas que se definem pelo fora, pela desterritorialização, a qual as linhas mudam de natureza ao se conectarem com as outras. -Ruptura de hierarquização: Não há uma única direção, pode ser rompido, quebrado em lugar qualquer, e também retomado segundo uma ou outra de suas linhas e segundo outras linhas. -Cartografia: Pode ser mapeado, cartografado, e tal cartografia nos mostra que ele possui entradas múltiplas, isto é, o rizoma pode ser acessado de infinitos pontos, podendo aí remeter a quaisquer outro ponto em seu território. Pensar uma organização curricular a partir dos princípios do rizoma significa propor um liame de fios e nós, sem começo e sem fim, com infinitas possibilidades de transitar entre eles, sem nenhum vestígio de hierarquia. Ou seja, não há uma unidade principal, mas uma forma de trânsito por entre os saberes, estabelecendo cortes transversais que articulam diferentes campos de saberes para a experiência de aprendizagem (MARTINS E PICOSQUE, 2004)

Essa concepção de Arte também foi implantada em 2009 na rede estadual de ensino pelo Projeto: São Paulo Faz Escola uma proposta curricular para o Estado.

Os cadernos espelharam-se, de forma objetiva, na Proposta Curricular, referência comum a todas as escolas da Rede Estadual revelando uma maneira inédita de relacionar teoria e prática e integrando disciplinas e as séries em um projeto interdisciplinar por meio do enfoque filosófico de Educação que definiu conteúdos, competências e habilidades, metodologias, avaliação e recursos didáticos. (FINI, 2009, p. 6)

Essa concepção de arte contempla, na organização dos conteúdos, todas as linguagens da arte – artes visuais, música, dança, teatro, híbridas e convergente - apresentando os conteúdo de forma ampla e contextualizada, garantindo ao aluno um estudo teórico, contextualizado aliado a prática expressiva. A abordagem da arte apresentada prevê a atuação de um educador pensante em sua prática pedagógica e que seja tomado pelo desejo de 10

criação, os mesmos são motivados a tornarem-se educadores – pesquisadores em arte. Prevê, ainda, a organização dos conteúdos divididos em platôs- territórios da arte, em que o estudo das diferentes linguagens artísticas são organizados por meio da construção da composição de um mapa, que viabilizará o encontro entre as diferentes áreas da arte sob vários ângulos de observação. Na ocasião da implantação dessa proposta, durante as reuniões de planejamento, os educadores de arte foram motivados a construírem mapas que utilizassem os princípios do rizoma na elaboração dos planos de ensino. Estes deveriam apresentar um desenho sem núcleo central, focando o ideal de rizoma - Deleuze e Guattari - que contemplasse as múltiplas entradas e direções, com lineamentos que podem se encontrar provocando conexões múltiplas. Foi um exercício que nos levou apensar arte na cultura, de modo a destacar seu próprio sistema sob diferentes ângulos de observação. O caderno do professor que acompanha as apostilas enviadas as unidades escolares pela Secretaria da Educação apresentava a obra “Estudo para superfície e linha”, da artista Iole de Freitas (Caderno do Professor EF, 2009) para concretizar a forma de se representar o plano de ensino em arte:

Na obra, superfícies de policarbonato e linhas tubulares retesam-se ou descomprimem-se em generosos arqueamentos, que nos leva a experiências sensoriais de interior e exterior, leve e pesado, contínuo e descontínuo. Essas constantes mutações sensoriais provocadas pela obra dão a sensação de uma arquitetura mole, em que o curso da linha nos põe em movimento, a bailar no espaço em superfícies múltiplas. A obra nos põe a imaginar. E, por proximidade, o curso da linha nos faz pensar em caminhos, em veredas, numa imaginação fluída que abre passagem ao exercício de invenção de uma outra configuração para o curso dessa linha. (Caderno do Professor Arte – EF, 2009). 11

Abaixo destaco a obra que concretizou a configuração do mapa dos territórios da arte para a proposta de pensamento curricular em arte.

Fig. 1- Iole de Freitas. Estudo para superfície e linha, 2005. Policarbonato e aço inox, 4,2 x 30,0 x 10,6 m. Instalação no Centro Cultural Banco do Brasil (Rio de Janeiro, RJ).

Fonte: Caderno do Professor Arte – EF, 2009.

Fig.1ª – Configuração de linhas a partir da obra da artista, para composição do mapa dos territórios da arte

Fonte: Caderno do Professor Arte – EF, 2009.

Dessa outra configuração é que se torna visível a imagem do mapa dos territórios da arte, para a proposta de pensamento curricular em arte. (Caderno do Professor Arte – EF, 2009)

Estruturar um plano de ensino de arte nos moldes do pensamento rizomático, foi um desafio. Romper com o padrão vertical de formatação, seguir as listas pré-concebidas de conteúdos relacionados à história da arte que eram 12

explorados em ordem cronológica e que vez ou outra abriam brechas para tratar isoladamente os elementos que compõe as linguagens artísticas, estes elementos limitavam a ação pedagógica do educador em arte e por meio desta nova proposição fomos motivado e visualizamos enfim uma proposta grávida de possibilidades criativas, inventivas. O educador despertou para a importância de garantir a sua própria nutrição em arte. Afinal o que alimenta seu ser, pensar e agir, o que desperta seus sentimentos, o que o leva a despertar, iniciar e concluir um processo de criação.

A imagem abaixo apresentada foi criada por Miriam Celeste Martins e Gisa Picosque. Composição do pensamento curricular em arte para mapeamento de conceitos e conteúdos direcionados aos segmentos da 5ª série do Ensino Fundamental até a 2ª série do Ensino Médio, para a Secretaria da Educação de São Paulo, em 2007. (FINI, 2008)

Fig. 2- Mapa dos territórios da Arte.Caderno do Professor de EF e EM.

Processos de criação

Patrimônio Cultural

Saberes estéticos e culturais Forma e conteúdo Mediação cultural

zarpando

Fonte: Caderno do Professor Arte – EF, 2009.

Na ocasião em que tive contato com a metodologia fui estimulada e motivada a repensar uma nova maneira de estruturar o plano de ensino de arte. As educadoras responsáveis pela implantação desta metodologia por meio de vídeos-conferência e oficinas virtuais, promoveram vários exercícios gráficos para que os professores rompessem com a forma linear de estruturar os conteúdos da arte e apresentassem um plano de ensino de arte como no exemplo acima uma cartografia dos saberes em arte. A figura 2 acima revela as infinitas possibilidades de conexões entre os territórios-platôs da arte. 13

De 2004, ano em que tive o primeiro contato com a metodologia rizomática, até 2008, data da apresentação desta proposta nos cadernos do Estado, com a formatação acima, percorri um caminho que despertou momentos de estudo e desconstrução, de ruptura com o passado. A proposta impactou no sentido de despertar o educador para a necessidade de buscar embasamento teórico exercitando o saber-fazer em arte garantindo assim segurança para transitar no mapa dos saberes em arte, visitando e revisitando seus lineamentos, sendo convidado a criar. Abaixo relaciono os mapeamentos que as educadoras acima citado consideram como platôs – territórios da arte e da cultura - por meio dos quais a arte poderá transitar vivenciando intensidades e inter-relacionando-se em múltiplas conexões.

• 6º ano – Platô de Forma e conteúdo Garante conhecimento sobre os elementos das diferentes linguagens da arte e desperta o entendimento sobre a inseparabilidade da forma e do conteúdo.

• 7º e 8º ano – Platô de Materialidade Leva-nos a compreender que a materialidade é signica, suporta significados. Este platô engloba-procedimentos com a matéria, suportes e ferramentas revelando que se relacionam entre si.

• 9º Ensino Fundamental ao 2º ano do Ensino Médio –Platô de Mediação Cultural e Patrimônio Cultural Desperta no educando o sentido de valorizar a reflexão, a crítica, a ampliação dos saberes e a produção pautada no respeito à individualidade do jovem bem como as relações sociais que estabelece a compreensão dos bens simbólicos, da preservação e memória, além do acesso a espaços culturais.

A adoção dessa configuração pretende superar escolhas de conteúdos que são pautadas em teorias de desenvolvimento que se perguntam o que falta à cognição da criança e do adolescente para chegar à cognição adulta. Nele, se apresenta um modo de olhar o conteúdo que se faz num fechamento progressivo. 14

Contrariamente, o que caracteriza esse arranjo é um giro no ponto de partida: saímos do centro daquele que aprende para pensar a partir da própria linguagem da arte. A preocupação não está em oferecer conteúdos que vão do simples para o complexo, mas em dar hipóteses de bifurcação entre os platôs que agrupam os segmentos e possíveis mapas de intensidades que podem ser explorados. (MARTINS E PICOSQUE, 2004).

Durante as aulas semanais do Ensino Fundamental e Ensino Médio os platôs - forma e conteúdo, materialidade, mediação cultural e patrimônio cultural - foram explorados no caderno-apostila do aluno, por meio das atividades propostas e aplicadas. Vale destacar que todos os cadernos-apostila ao longo do ano contemplam conteúdos abrangendo temáticas relacionadas à africanidade. Esta reformulação na prática pedagógica do ensino de arte apresentada pela proposta curricular prevê que a experiência estética deve provocar a educação dos sentidos e o despertar das emoções. Abaixo relaciono o Platô da Nutrição estética, lineamento importante da cartografia dos saberes em arte, que deve ser visitado pelo educador na ocasião do planejamento e construção das atividades apresentadas na intensidade de cada platô acima destacado.

[...] Platô da Nutrição Estética, presente em todos os demais platôs como alimento, como sustento, como alicerce, incluindo a abertura para zarpar para fora dos seus limites. Todos os outros pontos de nossa Via Láctea estão ali, como portas abertas para os demais lineamentos. (MARTINS E PICOSQUE, 2004).

• Platô da Nutrição estética

Segundo as autoras no território da arte existem vários aspectos que funcionam como nutrientes – motivação, despertam os sentimentos -, que estão presentes na processualidade da experiência de aprendizagem em arte.

Estes nutrientes atraem nossos sentimentos, produzem percepções, geram imaginação, sugerem emoções e provocam pensamentos por meio dos signos artísticos. Neste platô as autoras destacam os nutrientes abaixo relacionados que em maior ou menor dosagem participam da processualidade do aprender-ensinar arte em qualquer segmento da escola.(MARTINS E PICOSQUE, 2004). 15

Abaixo relaciono os nutrientes, ou seja, lineamentos que permitirão ao educador envolver, motivar, sensibilizar os educando para que possam impregnar-se da arte.

• Vetores Mobilizantes

Este lineamento nos permite realizar um mergulho no pensamento criador, no sentir, olhar, pensar e agir em arte. É o conjunto dos seguintes aspectos: a imaginação, a percepção, a ação criadora, a memória e as heranças culturais. São nomeados desta forma, pois movem a ação expressiva levando os alunos a promoverem rearranjos no seu modo de olhar, fazer e pensar estética e poeticamente. Liga-se a este aspecto a idéia de que o pensamento estético e poético da arte se da sob a dimensão de um sistema simbólico, gestado pelo modo como ser humano pensa e sente mergulhado em sua cultura e no espaço/tempo de seu repertório pessoal. (MARTINS E PICOSQUE, 2004)

• Saberes estéticos e culturais

Engloba o estudo dos sistemas simbólicos em arte, criadores e produtores de arte, mediação da experiência estética e estésica, saberes estruturantes; estes norteiam o pensar arte e oferecem subsídios para que possamos atuar como intérpretes da cultura.

Esta experiência estética e estésica pede envolvimento com o modo de operar o sistema simbólico da arte, das práticas culturais e dos caminhos da mediação, assim como da ampliação do ponto de vista por meio dos saberes como a história da arte das diferentes linguagens que compõe o universo da arte. (MARTINS E PICOSQUE, 2004)

• Conexões Transdisciplinares

Aqui observamos que a arte oferece a possibilidade de realizarmos conexões que nos levam a compreender e explorar conceitos e conteúdos integrados a vida do educando, compreendendo as linguagens e códigos afins (literatura, música, teatro, dança, informática, moda, publicidade), com as ciências humanas (Filosofia, História, Antropologia, Ética, Política, Religião e 16

Mitologia), com as ciências da natureza (meio ambiente, saúde auditiva, poluição sonora e visual, problemas de visão e audição), com a ciência e a tecnologia (acústica, eletroacústica, matemática, informática, eletrônica, digitalização de imagens e sons) e com os códigos afins (Literatura, Música, Teatro, Dança, Informática, Moda e Publicidade).

• Zarpando para outros lineamentos

Este lineamento nos oportuniza a mudança no foco do estudo em arte. Imbuído de conhecimento para o educador-pesquisador, ao prever que o conteúdo foi explorado em sua plenitude ou que os alunos estabelecem novas proposições, sente-se seguro e motivado para zarpar para novos deslocamentos visitando outros lineamentos. É válido destacar que as atividades geradas neste platô potencializam experiências estéticas e estésicas, motiva os alunos a gerar curadorias, a perceber os agentes culturais e suas funções, a ativar culturalmente as produções culturais, tomando consciência de questões como gosto e juízo universal. A arte nos auxilia a ver o mundo e alimenta uma reflexão que nos traz clareza, possibilitando encontrar respostas no sentido de alimentar reflexões sobre ele. Retomamos nosso vínculo com o mundo, nos colocamos em devir e alinhamos nossos sentidos/sensações, o sentimento, a razão e a ação que transforma e liberta pela ação interrogativa sobre a vida. Frente à elaboração do projeto e das oficinas de arte realizadas na comunidade o referencial curricular auxiliou na elaboração dos trabalhos, visto que anteriormente os objetivos e conteúdos eram explorados respeitando-se um planejamento linear, compacto, onde não se vislumbrava a possibilidade de conexões concretas entre todas as linguagens da arte; destaco que os educadores de arte lançaram mão de um aprimoramento no sentido de viver intensamente o fazer arte permitindo-se impregnar-se das linguagens artísticas, tornando-se um professor pesquisador da arte. Outro destaque é dado ao surgimento de um novo direcionamento nas aulas e projetos de arte: hoje convivemos com uma história da arte que é viva, que explora um conteúdo dentro de um contexto amplo e reflexivo, movendo a apreciação impulsionando 17

processos de ação expressiva, a arte que trabalhamos têm ressonância em nós, pois desperta o desejo de sentir, criar, refletir, recriar num constante movimento. Dentre os lineamentos acima relacionados, apresento a opção por estabelecer uma linha condutora nos trabalhos a serem desenvolvidos, escolhi o Platô da Nutrição estética, que engloba os seguintes nutrientes:

Vetores mobilizantes que compreende -Linguagem e linguagens artísticas; -Sistema simbólico: códigos sonoros e visuais; -Signos;

-Mediação da experiência estética e estésica -Metodologia da mediação; -Desenvolvimento estético; -Decepção; -Fruição e apreciação; -Leitura e interpretação; -Crítica e juízo estético;

Práticas culturais -Multiculturalidade; -Estética do cotidiano; -Pluralidade cultural; -Globalização e regionalismo;

Criadores e produtores de arte e cultura -Processo de criação; -Acesso e divulgação da obra e produto; -Compositor; -Intérprete; -Aprendiz; -História da arte; -Imaginação; 18

-Percepção;

Memória e heranças culturais -Repertório pessoal de imagem, gestos, falas, sons, personagens, repertório de cultura; ação criadora.

Conexões transdisciplinares,

-Arte e ciências humanas Filosofia, História, Antropologia, Ética, Política, Religião e Mitologia; -Linguagem e códigos afins: literatura, música, teatro, dança. Informática moda e publicidade. Estes conteúdos visam potencializar a atitude crítica do adolescente leitor do mundo, instigando-o a ver o mundo contemporâneo sem desvalorizar o passado, o aluno foi motivado a perceber-se e a perceber a vida como uma rede intrincada de relações que refletem sua poética pessoal. Os nutrientes acima destacados contribuíram para complementar as ações trabalhadas em sala e oportunizaram a chance dos alunos vivenciarem com responsabilidade e compromisso as atividades propostas sobre os aspectos sociais e culturais que envolvem as temáticas relacionadas a africanidade, levando-os a assumir frente as atividades do projeto e da oficina uma entrega total em que olhar, escutar,e tocar desperta a construção de um saber gestado na sensibilidade do ser impulsionando o educando a desenvolver uma postura de protagonistas. 19

1.1 As possibilidades da arte como intervenção educativa

A arte possui uma força poética, ela é o alimento dos nossos interesses culturais. O desafio de ver a arte como intervenção educativa é compor de modo inventivo conteúdos e conceitos para a criação de aulas no tempo possível dos bimestres, tendo os pés na realidade da sala de aula, observando a quantidade de alunos, o tempo-duração-aula. Educar pela arte é transformar, é descortinar o universo da arte para o aluno é garantir possibilidade de que a ele cabe suas escolhas, que ele é um sujeito participante de sua reflexão sobre o mundo em que vive, assumindo a responsabilidade pelos seus atos e das mudanças que fizer acontecer. A arte mobilizando projeto transdisciplinar possibilita rupturas necessárias e aglutina forças que garantem sustentação de espaços nos quais o novo seja buscado, construído e refletido. Em meio a tantas desigualdades, contradições a arte oportuniza um despertar da consciência. Auxilia o aluno a nutrir uma compreensão de si mesmos e do contexto sócio-político-histórico cultural em que esta inserido.É tempo de transformar e conviver com as diferenças, tempo de entender que o bem-estar pessoal passa pelo bem-estar coletivo levando a uma cidadania participativa. A arte enquanto recurso de intervenção educativa favorece e oportuniza o estreitamento de relações sociais, fomenta o sentido de confiança e respeito entre os envolvidos no processo, orienta através da ação criadora vários percursos de experimentação como investigação, pesquisa, classificação, registro, produção, leitura, argumentação, permitindo ao educando o despertar do senso crítico, bem como um posicionamento que o impulsiona a impregnar- se do sentido de pertença frente à comunidade que nutre suas heranças e memórias culturais. A arte vivenciada no sentido de levar o indivíduo a partilhar sentimentos, sensações e emoções por meio de atividade inseridas numa intervenção educativa alimenta a esperança da manutenção das tradições, amplia os espaços de e convivência, pois oportuniza a construção de um diálogo aberto e 20

franco que traz alimento para fomentar a consciência crítica e sensível dos quilombolas no que diz respeito aos valores já constituídos e solidificados e outros que passam por um movimento de ressignificação ao garantir espaço para a participação ativa dos jovens.

1.2 A possibilidades da arte nas relações interétnicas

A escolha pela abordagem de uma temática focando questões das africanidades no bojo do projeto educacional intitulado Somos Brotos de Velhas Raízes da EE Prof.ª Alice Motta em Juquiá-SP, encontra ressonância nos PCN- Parâmetros Curriculares Nacionais no caderno sobre Pluralidade Cultural; nas Diretrizes Nacionais para a Educação das Relações Étnico-Raciais e para o Ensino de História e Cultura Afro-Brasileira e Africana e na Proposta Curricular do Estado de São Paulo. Dentre os temas transversais apresentados pelos Parâmetros Curriculares Nacionais (PCN) destaco o eixo interdisciplinar Pluralidade Cultural que trata da diversidade étnica e cultural, plural em sua identidade: é índio, afro-descendente, imigrante, é urbano, sertanejo, caiçara, enfatizando as inversas heranças culturais que convivem na população brasileira, oferecendo informações que contribuem para a formação de novas mentalidades, voltadas para todas as formas de discriminação e exclusão. Dentro deste contexto as aulas de arte adquirem um sentido pleno quando transformadas em práxis, e esta deve encontrar ressonância na vida de educandos e educadores, em particular e da sociedade em geral. A arte nos convida a um aprofundamento na realidade sociocultural da região. Ao mencionar os Parâmetros Curriculares Nacionais – Pluralidade Cultural destaco a abordagem realizada no sentido de situar o ser humano vinculado a um contexto cultural que constitui sede história, características, códigos simbólicos, com uma dinâmica viva, traduzida em valores, por meio dos quais o indivíduo nasce, cresce e é introduzido nas obrigações do grupo social que as concebeu. Complementando este sentido, apresento abaixo o conceito de cultura que exploro em minhas aulas quando a abordagem inspira uma reflexão entre arte e pluralidade cultura. 21

Todas as culturas estão em constante processo de reelaboração, introduzindo novos símbolos, atualizando valores, adaptando seu acervo tradicional às novas condições historicamente construídas pela sociedade. A cultura pode assumir sentido de sobrevivência, estímulo e resistência. Quando valorizada, reconhecida como parte indispensável das identidades individuais e sociais, apresenta-se como componente do pluralismo próprio da vida democrática. Por isso, fortalecer a cultura de cada grupo social, cultural e étnico que compõe a sociedade brasileira, promover seu reconhecimento, valorização e conhecimento mútuo, é fortalecer a igualdade, a justiça, a liberdade, o diálogo e, portanto, a democracia. (PCN-Arte-EF, 2004).

A democracia e relações interétnicas podem ser facilitadas pelo estudo da cultura, por meio das abordagens e conexões que o componente curricular arte abarca.

A obrigatoriedade de inclusão de História e Cultura Afro-Brasileira e Africana nos currículos da Educação Básica trata-se de decisão política, com fortes repercussões pedagógicas, inclusive na formação de professores. Com esta medida, reconhece-se que, além de garantir vagas para negros nos bancos escolares, é preciso valorizar devidamente a história e cultura de seu povo, buscando reparar danos, que se repetem há cinco séculos, à sua identidade e a seus direitos. A relevância do estudo de temas decorrentes da história e cultura afro-brasileira e africana não se restringem à população negra, ao contrário, dizem respeito a todos os brasileiros, uma vez que devem educar-se enquanto cidadãos atuantes no seio de uma sociedade multicultural e pluriétnica, capazes de construir uma nação democrática. (Diretrizes, 2004, p. 17).

Neste sentido as relações interétnicas revelando pluralidades características, representa uma das complexidades do país e devem ser compreendidas para ampliar os horizontes e assim atender a manutenção da democracia. Dentre os blocos de conteúdos sugeridos pelos Parâmetros Curriculares Nacionais para explorar o campo da pluralidade cultural e favorecem as vivências em arte nas relações interétnicas destaco o bloco – O ser humano como agente social e produtor de cultura.Ao situarmos o ser humano neste contexto – agente e produtor cultural, não nos cabe o crivo de avaliações preconceituosas às diferenças de linguagens e tradições, nosso papel enquanto educadores é o de respeitarmos suas origens, suas histórias elaboradas ao longo da sua existência. 22

Sendo assim, relaciono abaixo alguns itens que possibilitam a abordagem da arte no campo das relações interétnicas por intermédio dos conteúdos que compõe o referido bloco:

a) Conhecimento, respeito e valorização das diferentes linguagens pelas quais se expressa à pluralidade cultural

Este bloco possibilita uma transversalidade com o universo da arte favorecendo atitudes de diálogo e respeito com diferentes culturas, através do recurso da modelagem, músicas e danças. É importante destacar que as atividades devem ser desenvolvidas respeitando-se a contextualização e importância das técnicas para o grupo étnico que pertence, pois estas encerram formas de linguagem que estruturam a manifestação da vida destes grupos.

b) Levantamento e valorização das formas de produção cultural mediadas pela tradição oral

As tradições e formas de produção cultural são mediadas por meio da oralidade, para tanto o grupo social delega autoridade a algumas pessoas da comunidade para falar em nome delas e por elas atribuindo-lhes legitimidade a sua forma de expressão, este status na comunidade é alcançado pelas pessoas mais velhas do grupo respeita-se a ancestralidade. Estas pessoas são escolhidas pelas informações que receberam dos seus antepassados e pelo testemunho do grupo de suas experiências e da sabedoria que nutrem em sua interioridade. O papel da escola é propiciar atividade de pesquisa de cunho literário, na escola e junto às comunidades, colher depoimentos, registrar relatos de descendentes de escravos, indígenas e imigrantes – visando valorizar estas vozes que detêm em suas memórias as heranças culturais de seu povo garantindo as futuras gerações conhecimento e manutenção dos elementos ligados as diferentes tradições culturais. 23

c) Conhecimento de usos e costumes de diferentes grupos sociais em sua trajetória histórica

Neste item que compreende os usos e costumes de grupos sociais os jovens revelam preferência em aprofundar conhecimentos sobre: vestuário abrangendo questões relacionadas a diferenciação de gênero, idade, posição social, profissão; festas e celebrações – as etnias encontram formas diferentes de organização, de envolvimento dos participantes; objetos presentes no cotidiano, de uso pessoal ou coletivo – formas de preservação, formas de utilização, tecnologia empregada na fabricação, se o objeto é sagrado, como o objeto é guardado Ao explorar estas questões com os alunos garantiremos uma reordenação e produção a partir de diferentes códigos e valores de diferentes culturas, ampliando o conceito de cultura, e garantindo acesso ao acervo cultural da comunidade.

d) Conhecimento e compreensão da produção artística como expressão de identidade etnocultural

A produção artística como expressão de identidade etnocultural revela- se através da música – ritmos, melodias, instrumentos; nos ritos – representação, poética do gestual presente nos movimentos que imprimem expressão e nos levam a compreender as identidades culturais; nas esculturas – escolha dos materiais, a criação da forma na relação do homem com a natureza; na pintura – interação e significados atribuídos as cores, aos traços, na representação da figura humana em relação com o outro e com a natureza; no teatro – caráter sacro profano do espaço teatral,vivências que provoquem interação do jovem com a ação teatral; na literatura – movimentos, escolas literárias, identidade nacional, obras constante e coletiva, valores de diferentes épocas, denúncia e reivindicações de diversos grupos sociais, por intermédio de suas criações literárias, linguagens do mundo e sua interação na vida cotidiana. 24

e) Conhecimento e compreensão da língua como fator de identidade na interação sociopolítica e cultural

Neste item explora-se o conhecimento e compreensão da língua como fator de identidade que revela a diversidade através dos bilinguismos e multilinguismos. No multilinguismo, ou plurilinguismo, ocorre a interação de línguas diferentes numa mesma comunidade. O bilinguismo compreende o processo de aquisição de uma segunda língua e o significado dessa aquisição do ponto de vista social, cultural e econômico, considerando o indivíduo e o grupo social de que participa. O estudo de variantes linguísticas pode ser contemplado ao abordar ritos, calendários permitindo que o educando tenha acesso as expressões típicas de grupos étnicos, assim como com regionalismos. O estudo de variantes lexicais pode cooperar para a valorização das variantes linguísticas e desperta para a precaução com relação ao uso adequado de vocabulário. Esta abordagem permite uma visão em que contatos linguísticos explorem conteúdos transversalizados entre os componentes curriculares de História e Geografia, tais como, contexto da conquista, entre o índio, o português e o africano, no contexto dos movimentos de imigração e de migração interna, no contexto da Língua Brasileira de Sinais dos surdos, expressões típicas regionais, explorar diferentes significados de uma mesma palavra, enfim possibilitando um interação sociopolítica e cultural.

f) Conhecimento, análise e valorização de visões de mundo, relações com a natureza e com o corpo, em diferentes culturas

O conhecimento, análise e valorização de visões de mundo e das relações com a natureza e com o corpo oportunizam o fomentar do potencial criativo, auxilia no desenvolvimento de atitudes de diálogo e respeito em relação à pluralidade cultural, o educando assume um posicionamento e desperta para explorá-la a integração das organizações e das expressões culturais. 25

As heranças e memórias culturais da humanidade, constituídas alimentadas por meio de características etnoculturais, podem ser transversalizadas em Matemática – revelando diferentes sistemas de numeração e medida, origem do sistema decimal, dos algarismos; em Português explorando a expressão étnica na literatura – canções, lendas, casos, ditados e fábulas; na Medicina alternativa, por meio de prescrições e curas – chás, simpatias, benzimentos. Desta forma é válido considerar que o ser humano expressa-se, significa e ressignifica o mundo onde vive por meio da linguagem e dentre elas encontramos as linguagens da arte – dança, música, teatro, artes visuais - que facilitam o diálogo democrático ao transversalizar conhecimentos de outras áreas propiciando o desenvolvimento e enriquecimento do potencial expressivo centrado na manutenção das relações interétnicas. Com respeito a estas relações interétnicas vale destacar o parecer das Diretrizes Nacionais para a Educação das Relações Étnico-Raciais e para o Ensino de História e Cultura Afro-Brasileira e Africana que estabelece a obrigatoriedade do ensino de História e Cultura Afro-Brasileira e Africana na Educação Básica. Destaco a obrigatoriedade de inclusão de História e Cultura Afro-brasileira e Africana nos currículos da Educação Básica, que impulsionou na rotina escolar a elaboração de projetos de aprendizagem de cunho interdisciplinar que atendessem a demanda vindo a valorizar a história da cultura do povo africano. A relevância do estudo de temas decorrentes da história e cultura afro- brasileira e africana não se restringem à população negra, ao contrário, dizem respeito a todos os brasileiros, uma vez que devem educar-se enquanto cidadãos atuantes no seio de uma sociedade multicultural e pluriétnica, capazes de construir uma nação democrática. (PCN-Arte -EF, 2004)

Esta obrigatoriedade colocou os educadores em constante devir no sentido de contemplar em seus planos, conteúdos que abordam as relações interétnicas e este por sua vez também são exploradas nos Parâmetros Curriculares Nacionais (PCN) de arte, reforçam que é papel da escola como um lócus de reconhecimento e de respeito às diversidades culturais, desenvolver práticas educativas que favoreçam o estudo sobre a diversidade étnica/cultural no Brasil. Caberá a escola assumir o desafio de sensibilizar a 26

equipe docente e discente para o compromisso de ampliar a ação educativa para além dos muros escolares estabelecendo novos campos de atuação como – oficinas de arte, palestras, roda de contadores de causos, apresentações de danças e músicas – disponibilizando campos de atuação para que as memórias e as heranças culturais possam alimentar o imaginário da comunidade garantindo a manutenção das tradições.

O que se coloca, portanto, é o desafio de a escola se constituir em um espaço de resistência, isto é, de criação de outras formas de relação social e interpessoal mediante a interação entre o trabalho educativo escolar e as questões sociais, posicionando-se crítica e responsavelmente perante elas (PCN MEC, 2004 apud PEREIRA, 2007, p.18).

As aulas de arte assumem um sério compromisso ao oportunizarem por meio das diferentes linguagens que compõe seu universo, atividades diversificadas e envolventes com o propósito de despertar e motivar nos educandos o interesse pelas diversidades étnicas, culturais, econômicas e estéticas gerando processos de interação e criação.

É importante destacar que não se trata de mudar um foco etnocêntrico marcadamente de raiz européia por um africano, mas de ampliar o foco dos currículos escolares para a diversidade cultural, racial, social e econômica brasileira. Nesta perspectiva, cabe às escolas incluir no contexto dos estudos e atividades, que proporciona diariamente, também as contribuições histórico-culturais dos povos indígenas e dos descendentes de asiáticos, além das de raiz africana e européia. É preciso ter clareza que o Art. 26A acrescido à Lei 9394/1996 provoca bem mais do que inclusão de novos conteúdos, exige que se repensem relações étnico-raciais, sociais, pedagógicas, procedimentos de ensino, condições oferecidas para aprendizagem, objetivos tácitos e explícitos da educação oferecida pelas escola. (PCN-Arte -EF, 2004).

A ação pedagógica conduzida pelo componente curricular arte visando às relações étnico-raciais apresenta propostas que contemplam trocas de conhecimentos e experiências entre brancos e negros, quebra de desconfianças, combate ao racismo, num esforço constante para por fim a desigualdade social e racial. Ações que serão mediadas via intercâmbio por meio de intervenções, entrevista, palestras, apresentações culturais entre os quilombos e grupos culturais negros da cidade, como previsto no artigo 4º das Diretrizes Curriculares Nacionais para a Educação das Relações Étnico-Raciais 27

e para o Ensino de História e Cultura Afro-Brasileira e Africana:

Art. 4° Os sistemas e os estabelecimentos de ensino poderão estabelecer canais de comunicação com grupos do Movimento Negro, grupos culturais negros, instituições formadoras de professores, núcleos de estudos e pesquisas, como os Núcleos de Estudos Afro-Brasileiros, com a finalidade de buscar subsídios e trocar experiências para planos institucionais, planos pedagógicos, planos e projetos de ensino. (PCN-Arte -EF, 2004).

O estudo da arte contemplando as relações interétnicas que envolvem patrimônio cultural oportuniza a ampliação do olhar acerca da cultura e das heranças culturais que Marcam e dão referência sobre quem somos e este estudo aliado aos saberes estéticos e culturais que embasam o pensamento sobre a arte e seu sistema simbólico ou social, fomentarão outras referências para nossa atuação como intérpretes da cultura.

1.3 Arte Africana

Ao destacar aspectos relacionados aos processos de formação da arte africana como foco deste capítulo apresento os elementos intimamente relacionados às diferentes manifestações artísticas deste povo. Manifestações que por vezes encontram enfrentamentos relacionados à ideia que situa a África como continente perdido na obscuridade dos primórdios da civilização, em plena barbárie, numa luta entre o homem e a natureza (SOUZA, 2008). Alguns pensamentos permanecem cristalizados, visto que foram originados na tentativa de justificar a barbárie que subjugou esta nação a ponto de negar-lhe uma história de conquistas no âmbito material, espiritual, intelectual e artístico que a situa como berço da civilização e do conhecimento.

E é isso que fez com que a distorção da imagem do continente africano, atingisse também os povos que ali habitavam. De acordo com as ciências do século XIX, inspiradas no evolucionismo biológico de Charles Darwin, povos como os africanos estariam num estágio cultural e histórico correspondente aos ancestrais da Humanidade. Dotados do alfabeto como instrumento de dominação não apenas cultural, mas econômica também, os europeus estavam em busca de suas origens, sentindo-se no vértice da pirâmide do desenvolvimento humano e da História. Vem daí as relações estabelecidas entre Raça e Cultura, corroborando com essa distorção (SALUM, 2011). 28

Este pensamento contribuiu para dificultar a compreensão acerca da história da África. Antes do contato com o mundo ocidental era como se não existisse uma história ali constituída, identificada pelas conquistas científicas, culturais e sociais expressas na forma diversa e independente do povo africano viver e modelar sua existência, a África antes do fato colonial e depois com estruturas fundamentadas no modo de produção capitalista, do etnocentrismo das ciências européias de século XIX, definitivamente não existe, cai no esquecimento e convencionalmente passou a ser chamada de África tradicional. Na organização das sociedades africanas tradicionais as atividades econômicas eram desenvolvidas de acordo com o meio ambiente em que viviam. Alguns povos eram nômades e outros sedentários, este último ao delimitar seu território chegaram a constituir grandes reinos. A atividade econômica produtiva atendia às necessidades de sobrevivência tanto ao que se refere a bens de consumo como de bens de prestígio, destacando-se aqui as várias arte de escultura e metalurgia. Os africanos desenvolveram complexas formas de organização do governo, algumas delas baseavam-se em ordem genealógica - clãs e linhagens-, outras por meio processos iniciáticos - classes de idéia e existem ainda aquelas que são organizadas por chefias – unidades políticas, sob várias formas. Alguns estados tradicionais são conhecidos desde o século IV. A cerâmica e escultura Nok cultura da Nigéria, testemunha a existência de grandes civilizações no século V a. C ao II séculos d.C. A existência dos variados impérios no território africano como Gana, Mali, Lunda, Luba, Kongo contribuíram para a formação plural da arte africana em que as diferenças observadas nas disputas territoriais, nas características e valores destes povos, somando-se a isto a penetração árabe no século VII, alicerçam e carregam a expressão artística destes povos de uma história permeada pela luta, e pela existência e fortalecimento da relação do Homem com a Natureza e a Cultura imprimindo a dinâmica da humanidade em suas produções, posicionando os estados tradicionais africanos num patamar onde não eram apenas instrumentos e agentes eficazes do governo, mas fomentadores da produção do patrimônio material numa escala grandiosa como também é o caso das arte de Ifé, , Luba e Kuba, das esculturas em 29

rocha no Saara, em Níger, das artes culturais das tribos ocidentais, dos artefatos do Egito antigo e artesanatos indígenas do sul enriquecendo a arte africana. Vale destacar que os objetos de arte destes povos estão impregnados dos elementos que contam sua história por meio de mensagens codificadas por signos e símbolos que podem ser traduzidos, ou interpretados, como é o caso de objetos proverbiais revelando uma existência milenar e plural-onde cada etnia atribui vez e voz a sua identidade, distante das proposições que as consideram uma civilização primitiva.

Arte africana pode parecer muito redutora, amalgamando, como monolítica, uma vasta produção técnica, estilística e ontológica de centenas de sociedades, reinos e culturas da África tradicional. Mas é essa mesma expressão que nos permite sempre lembrar que as artes das sociedades da África foram, antes, rotuladas no singular, depois de terem sido chamadas de "arte primitiva" ou "selvagem". Isso quer dizer que, ao mesmo tempo em que plural, trata-se de uma arte única diante do mundo, mas que foi minimizada diante das ideologias que se vêm construindo desde o renascimento europeu, que culminaram na escravidão nas Américas e na colonização do continente africano, e que ameaçam até hoje a aceitação das diferenças individuais e coletivas e do pluralismo cultural em todo o mundo. (RESENDE, 2011)

Ao longo de sua existência o povo africano assume uma expressão plural e simbólica, representadas por meio das formas, estruturas e objetos que produz. Dentre estas expressões destacam-se as artes visuais carregadas de simbolismos que representam as heranças e memórias culturais, os aspectos geográficos que as caracterizam e as relações entre arte e religião. Segundo Isabel Areias: A Arte Negra não é a criação da arte por si mesma, nem um conjunto de artefactos mal concebidos devido à rudeza e ignorância tribal. A verdade guardada nesta magnífica arte está presente no seu tesouro simbólico que nasce de um princípio base: a utilização da arte como forma de conexão metafísica e Divina. A ligação com o Cosmos, os Deuses, os espíritos ancestrais, os mistérios do Homem e da Natureza, a evocação à Grande Mãe e ao Uno, são a verdadeira essência da Arte Africana. A oposição entre o espírito e a matéria, o conceito de dualidade como algo a superar, a fim de alcançar a unidade primordial, está sempre presente na força que emana dos ritos que materializam o Sagrado. O ressoar dos tambores, as danças que desenham na terra as formas do Cosmos, a luta entre o bem e o mal narrada nos confrontos teatrais, a imposição das flechas e outras armas de combate a fim de enfrentar a divindade inimiga e o som de campainhas, gritos e evocações humanas, causam uma sensação de terror mas ao mesmo tempo de verdadeira conexão com algo superior (AREIAS, 2011). 30

Mergulhada neste contexto as esculturas são objetos rituais, de comunicação com os deuses,uma maneira de se revelar e distinguir-se das demais comunidades. Inserido neste contexto o artista é a voz que expressa à maneira de ser, pensar e agir de sua etnia, embora sendo indivíduo é parte de um todo interligando a proposta de sua etnia em busca de alcançar harmonia e equilíbrio, desta formatodos se sentem inseridos no processo de criação. Na cultura africana, ao contrário do que ocorre com a cultura ocidentalo artista não expressa sua individualidade: por meio de suas mãos a expressão do coletivo se concretiza, o grupo deve ser valorizado para que a comunidade viva, cada um deve participar seguindo o papel que pertence respeitando-se a vivência expiritual e terrena, impregnando a obra de arte com elementos da história dos seus antepassados. Ao artista cabe o papel de interpretar os sentimentos, valores e expressões de todos e concretiza-las em suas produções artísticas, principalmente na produção das esculturas que representa a visão de mundo da etnia a que pertence.Ssegundo Priscila Gorzoni: Na cultura africana o artista deve ficar incognito, pois não importa quem é ele, mas sim a mensagem social, artística e reliosa da qual ele é o portador. O artista africano desfruta de certo respeito e poder na comunidade, embora sua posição esteja sujeita a mudanças pois em alguns casos ele é visto antes do agricultor e em outras é inferior. Em alguns reinados o artista é usado como instrumetno de ostentação do rei, neste caso o artista deve produzir obras que ostentem o poder e a riqueza do rei. Na grande maioria dos casos o escultor pertence a uma família de artista, onde passará por um processo de abstinência e purificação antes de iniciar a escultura e aprenderá a fazer usos das ferramentas e instrumentos que o auxiliarão a desenvolver as atividades artísticas. Se algum jovem da comunidade revelar interesse pelas atividades relacionadas aarte e não pertencer a uma família de artista deverá começar como aprendiz, copiando modelos do mestre e depois criar seus próprios trabalhos, tendo o cuidado para obedecer e respeitar os estilos vigentes da comunidade. (GORZONI, 2011).

Na arte africana as temáticas inspiram-se na representação dos usos e costumes e na representação da natureza, com interpretações abstratas carregadas de simbolismos revelando a presença de animais, vida vegetal, ou desenhos naturais e formas. O objeto de arte é funcional dotado de sensibilidade, a obra fala por si só, é um objeto de testemunho vivo, nos leva a ouvir e sentir a voz de uma coletividade ou de dos antepassados dos povos africanos. 31

Nas atividades de pinturas, assim como nas de esculturas, a presença da figura humana identifica a preocupação com os valores étnicos, morais e religiosos. A pintura é empregada na decoração das paredes dos palácios reais, celeiros, das choupas sagradas. Seus motivos, muito variados, vão desde formas essencialmente geométricas até a reprodução de cenas de caça e guerra. Serve também para o acabamento das máscaras e para os adornos corporais. A expressão artística mais importante na arte africana é a escultura. A é um dos materiais preferidos e ao promover um diálogo com a materialidade o escultor a explora de várias formas por meio de entalhes e da associção a outras técnicas (cestaria, pintura, colagem de tecidos). Segundo Priscila Gorzoni, a escolha do material para a execussão de uma escultura é cercada de muitos cuidados. Segundo Prisicla Gorzoni:

Dentre tantos materiais explorados na criação das esculturas a madeira é preferencialmente escolhida pois para o povo africano a árvore é guardiã de poderes mágicos. O artista escolhe uma árvore que apresente um tronco cilíndrico que vai afinando com o auxílo de suas ferramentas. Ao término da escultura a peça passa por um processo em que é embebida em óleo de palmeira e posteriormente é carbonizada. (GORZONI, 2011).

Além da madeira os artistas africanos exploram como materialidade em suas obras a pedra, o marfim, ouro, cobre e bronze. Segundo Priscila Gorzoni as esculturas são revestidas de características que imprimem uma identidade a cultura que pertence. Durante as aulas de arte caracterizei as esculturas dos povos do Norte da Nigéria, da Savana, Costa do Marfim e Atlântica da Guiné, Korhogo, Costa do Marfim, região ocidental da África e do povo Dogon localizado em Mali, os Mendis pescadores e agricultores de Serra Leoa, na parte ocidental da África, os Bamileke fixados no planalto dos Camarões Ocidental, os Pangwe, habitantes do Gabão, região central ou equatorial da África. Existem muitas semelhanças entre estas duas comunidades, os Bakongo, os Pangwe, os Bena-lulua, de origem baluba, no Congo encontramos os Warega. 32

As figuras com expressões graves e severas e o revestimento escurecido pelo óleo de palma e pintado de branco são os elementos das obras dos Pangwe, habitantes do Gabão, região central ou equatorial da África. Existem muitas semelhanças entre estas duas comunidades, com a diferença de que os primeiros (Bakongo) conferem às suas esculturas rostos imaginários com significações simbólicas, enquanto os Pangwe são realistas. Os Bena-lulua, de origem baluba, destacam-se pelo estilo individual e expressivo. Suas esculturas exibem detalhes como: cabelos anelados, tatuagens, círculos concêntricos (simbolizando o centro místico da vida) e umbigo proeminente. (GORZONI, 2011).

Outro elemento que compõe as expressões artísticas africanas são as máscaras, são as formas mais conhecidas da plástica africana. Constituem síntese de elementos simbólicos mais variados, observamos nos exemplos acima que na grande maioria as representações o rosto humano é estilizado, simplificado, não segue a uma representação real, essa forma de expressão artística transcende o plano terreno, o bojetivo do artista é estabelecer um vínculo da máscara com o sobrenatural., com o divino. Mas para que a máscara relialize esta função o corpo humano deve vesti-la, para intermediar essa relação entre os mundos físico e sobrenatural. Deste modo as máscaras são elaboradas para serem vistas em movimento.Diferentemente das máscaras da sociedade ocidental, para as comunidades africanas toda a indumentária que cobre o corpo do mascarado é considerada máscara; e geralmente são os homens quem dançam mascarados. A utilização de máscaras em cerimoniais é prática comum há milhares de anos. As máscaras são de fundamental importância e estão ligadas a vários tipos de rituais religiosos: guerra, entretenimento,fertilidade, funerários, como elemento de afirmação étnica, expondo características particulares de cada grupo e também são utilizadas em rituais religiosos, com o propósito de evocação e representação de espíritos ancestrais, neste caso objetivam controlar as forças espirituais – benéficas ou malignas- das comunidades para um determinado propósito,englobando uma gama de eventos sociais e religiosos diversificados. Assim como na escultura a materialidade explorada na produção das máscaras é cercada de significados, a madeira é novamente escolhida para a 33

produção de objetos artísticos. Embora outros materiais sejam explorados na elaboração das máscaras a madeira é a matéria prima mais comum,porque os artistas acreditam que as árvores possuem uma alma, um espírito. A madeira seria interpretada como um receptáculo espiritual, sendo que parte dessa essência animista é transferida para a máscara, conferindo ao seu portador alguma espécie de poder. A processo que envolve a criação de uma máscara passa por vários rituais, que vão desde a escolha da madeira, dada a sua importância e significado acima relatado bem como rituais que envolvem processos de purificação do próprio artista, este se isola em meio à mata, para dar início à criação da máscara, pois, acredita que assim procedendo contará com a assistência dos bons espíritos, a produção da máscaras é cercada de rezas direcionadas aos espíritos ancestrais e às forças divinas sendo protegida de influências exteriores.Segundo Isabel Areias, investigadora e diretora da Organização Internacional Nova Acrópole em Huambo – Angola -, a produção de uma máscara obedece a um caráter Sagrado e Zoomórfico:

Repletas de um forte componente simbólico, as máscaras ganham ritmo ao abraçarem as potencialidades dos animais e estabelecerem um contacto Divino. O homem e o animal estabelecem uma proteção mútua, sendo o último um meio pelo qual o Homem manifesta a sua espiritualidade. Na Guiné, a imagem de um pelicano transportando no seu dorso os animais primordiais da criação, aqueles que pela primeira vez ensinaram ao Homem as regras de viver na terra, demonstra esta magnífica relação. Os membros das Sociedades Secretas estabelecem uma aliança com os animais e as forças que estes evocam. A virilidade do búfalo, a autoridade do elefante, a beleza da hiena ou a força do antílope são alguns exemplos utilizados nas máscaras. As cores, unidas às forças zoomórficas, aproximam esta união com o Divino, onde o branco está ligado à morte, o vermelho à vida e o negro às forças maléficas. Também existem máscaras fabricadas no atelier real com o intuito de evocar o espírito de riqueza, autoridade, poder e justiça. Também aparecem máscaras teatrais que colocam em ridículo algumas pessoas da aldeia, como as mulheres negligentes que não cumprem com o seu trabalho. No plano recreativo recitam-se provérbios conhecidos, cantam-se músicas e revivem-se os antigos contos, a fim de divertir o público (AREIAS, 2011).

Assim procedendo e cercando-se de muitos cuidados o artista acredita que as forças divinas sejam transferidas para a máscara durante o processo de sua criação. A produção de uma nova máscara por vezes procede à substituição de outra e, segundo Isabel Areias, investigadora e diretora da 34

Organização Internacional Nova Acrópole em Huambo – Angola -, este processo é coordenado por Sociedades Secretas.

Todos os procedimentos inerentes aos rituais e à fabricação das máscaras está a cargo destas Sociedades que desempenham um importante papel espiritual, político e jurídico. A concepção da máscara passa por estas Confrarias que entregam o desenho ao artesão devendo este executar a obra tal como lhe foi indicada sem colocar qualquer tipo de alteração. Todo o conhecimento simbólico está entregue às Sociedades Secretas, pois estas encerram em si a profunda Sabedoria do Homem, do Cosmos e da Natureza. A activação energética e espiritual das Máscaras realiza-se durante a sua construção e na sua primeira aparição. Este processo está entregue às já referidas Sociedades que, por exemplo no Zaire, utilizam a Máscara como activadora de outras Máscaras. Estátuas, ornamentos, máscaras e objectos cerimoniais são concebidos pelos membros superiores da Sociedades Secretas, cuja presença marca três principais momentos: Ritos de Fertilidade, Iniciação na Vida Adulta, e Ritos Funerários (AREIAS, 2011).

Estando a máscara pronta e sendo utilizada sobre o rosto ou corpo do bailarino cumpre esta o papel de transformar o corpo do mesmo conservando sua individualidade. O corpo passa a ser suporte vivo e animado, encarnando a outro ser; gênio, animal mítico que é representando durante as atividades das comunidades como rituais de iniciação e de passagem. Uma máscara é um ser que protege quem a carrega. Está destinada a captar a força vital que escapa de um ser humano ou de um animal, no momento de sua morte. A energia captada na máscara é controlada e posteriormente redistribuída em benefício da coletividade. Como exemplo dessas máscaras destacamos as Epa e as Gueledeé ou Gelede. Neste contexto, os rituais de iniciação e de passagem poderiam ser definidos como a figuração simbólica de uma transformação de personalidade. Estes rituais têm por função materializar a passagem de um indivíduo para outro estado. Apresentam relação com a morte e ressurreição (de um novo indivíduo), tendo em vista que o iniciado, concluído o rito, assume uma nova identidade. É valido ressaltar que a utilização das máscaras na intimidade das relações estabelecidas pelo grupo que a criou obedece aos objetivos e finalidades de acordo com os costumes da etnia que a utiliza, daí a variedade materiais, técnicas de confecção e aplicação das mesmas. Quando as máscaras africanas são expostas em museus, toda a religiosidade e sentido que reveste este objeto não chega ao conhecimento do 35

público, este por sua vez passa a contemplar a máscara apenas como objeto de arte. No Brasil as máscaras foram introduzidas pelos africanos feitos escravos nas manifestações culturais e religiosas por meio de releituras dos rituais onde era utilizada. Aqui a religiosidade e o poder atribuído as máscaras são utilizados em folguedos para homenagear os antepassados, como o que ocorre em Zambiapunga dn cidade de Nilo Peçanha e no Candomblé dos Egunguns na Ilha de Itapacarica – Bahia, nas duas manifestações culturais e religiosas executadas por pessoas de diferentes etnias africanas, as pessoas envolvidas nos rituais estão mascaradas. Outra linguagem da arte africana que merece destaque é a dança.As danças africanas ensinam padrões e valores sociais, auxilia no trabalho do grupo. Desde o início da história da África a dança desempenhou um papel muito importante na vida dos povos tribais. Segundo as danças foram usadas para: [...] afastar o perigo e para pedir prosperidade, para expressar sentimentos e emoções e para celebrar cerimônias, como o nascimento ou casamento. Ela também desempenhou um papel importante em rituais religiosos tribais. Como parte das atividades diárias, a dança foi uma forma de passar o tempo,aproveitar e firmar a vida,de expressar desejos comuns, valores e criatividade coletiva. (History of African Dance, tradução Google, 2011)

Na ocasião da execução das músicas para a realização das danças, dentre a variedade de instrumentos existentes na cultura africana o tambor ganha destaque. O som do tambor representa o sinal de vida, seu ritmo é o coração da comunidade, ele tem a função de evocar emoções e mover as expressão dos sentimentos, tocar os corações e a alma de quem escuta seu ritmo. O som do tambor aliado aos ritmos que produz, constitui o coração pulsante da dança. Para o africano o som do tambor desperta o sentido de pertença a uma comunidade e de solidariedade no sentido do som ser um chamamento, de agregar as pessoas da comunidade sem distinção, para fazer parte do ritmo da vida. A maioria das danças africanas ocorre de forma coletiva expressando a vida da comunidade em detrimento do indivíduo ou casais. As danças africanas são organizadas por gêneros, estruturas comunitárias e por meio de parentesco e idade. Em muitas ocasiões os expectadores são convidados a 36

participarem da desempenho, salvo ocasiões envolvendo questões espirituais, religiosas ou danças de iniciação. Vale destacar que outro elemento explorado e valorizado nas apresentações das danças africanas é a voz. Na ocasião da execução dos passos de dança os homens executam passos explorando a posição eretado corpo por meio de pulos e saltos, já a mulher explora a posição inclinada - o corpo posiciona-se com o tronco dobrado e os joelhos flexionados, sendo seus movimentos menores. A formação em círculo ou meia lua é explorada por vários grupos, muitas vezes bailarinos e músicos executam solos e por vezes os casais também manifestam suas evoluções no centro do círculo. A dança é presença marcante na vida da sociedade, a sensibilização e o despertar desta linguagem na criança é de total responsabilidade das mulheres. Segundo o Pe.Toninho Nunes, missionário na Costa do Marfim por 19 anos:

A sociedade africana, apesar de machista (esta é uma herança cultural), delega a responsabilidade da educação dos filhos à mulher. Isso porque a mulher (mãe) convive com as crianças mais tempo do que os homens. Até na hora das refeições, a mãe come em separado com as crianças e o pai fica com os seus filhos adultos ou amigos do outro lado. O fato da criança viver os seus primeiros meses de vida “grudado” na mãe. A mãe amarra o filho todo nu nas suas costas, que também estão nuas. Este contato, no sentido literal do termo, faz com que a mãe transmita para a criança todo o seu ser maternal, como se os fluídos do seu corpo penetrassem diretamente na criança. [...] A criança é a companheira fiel da mãe em todas as suas ações durante o dia e, à noite, ainda dorme no chão encostadinho na mãe. Podemos relacionar ainda outro aspecto que é estritamente cultural: o sistema matriarcal. Esse sistema determina que a herança vem do lado maternal e não do paternal. Logo, a criança é bem educada e orientada pela sua família do lado maternal. (NUNES, 2011).

As crianças são iniciadas na dança no convívio e contato com o corpo da mãe que se expressa durante as celebrações de sua sociedade e pelos ancestrais, estes ensinam as crianças a dançarem no ritmo dos tambores e outros instrumentos, para o africano é importante que a criança aprenda cedo a dançar para que possa manter viva a cultura de seu povo comemorando seus antepassados. Uma das características ensinadas às crianças com relação à dança africana é a marcação rítmica pesada dos pés, estes obedecem as batidas dos tambores, se a música for agressiva as batidas dos pés serão forte, se for fraca 37

os movimentos diminuirão sua força e agilidade. Enquanto os pés marcam o ritmo dos tambores ao caminhar a criança movimenta mãos e outras partes do corpo. A expressividade simbólica revelada através dos movimentos criados pelas mãos das crianças é de grande importância para as sociedades africanas.Cabe aos anciãos ensinar as crianças os simbolismos relacionados às tradições que impregnam os gestos utilizados nas danças. As crianças aprendem a explorar três posturas básicas que são utilizadas na danças. A primeira postura é ereta, simbolizando força e autoridade. A segunda postura é inclinar o corpo para frente na direção do chão e a terceira posição é posicionar o corpo de modo que fique quase paralelo ao chão. É deste convívio que a criança vai desenvolvendo habilidades para dançar diferentes ritmos ao explorar diferentes partes do corpo simultaneamente. Na cultura africana a criança deve aprender a dançar exatamente como ensinado sem variação. Improvisação ou uma nova variação vem somente depois de dominar a dança, performance, e recebendo o reconhecimento dos espectadores e a sanção dos anciãos da aldeia. Uma das características marcantes da dança africana é que ela é policêntrica, o corpo do bailarino não é tratado com uma única unidade central, o corpo do africano é dividido em vários centros: ombro, tórax, peito, braços, pélvis, pernas, dominando articulação total do corpo ao dançar. Seu corpo consegue articular movimentos complexos que se movem em conjunto com outro movimento abrangendo diferentes ritmo da música. Cada uma das sociedades africanas dá ênfase a uma determinada parte do corpo. Os povos de Anto-Ewe do Gana movimentam a parte superior do corpo; no Kalabari da Nigéria os movimentos dos quadris é valorizado; no Agbor ocorre forte movimentação de liberação dos movimentos de contração da pélvis e do tronco, característica presente nas danças masculinas e femininas deste povo; já os Akan de Gana movimentam os pés e as mãos de forma específica; as bailarinas da Nigéria conseguem combinam dois ritmos em seus movimentos e a mistura de três ritmos pode ser observada em bailarinos altamente preparados. A movimentação de quatro ritmos é muito rara. A dança umteyo realizada nas sociedade do Xhosa localizada ao Sul da 38

África, que apresenta como característica forte agitação como movimentos peculiares da região do tórax do corpo. Cabe neste capítulo o registro de algumas das diferentes formas de expressão em dança; não revelo a pretensão de mapear todos os estilos de dança presentes na vasta cultura africana, mas apresentar por meio de uma visão geral o modo como a dança está presente na cultura africana revelando sua expressão rítmica e a preocupação com a valorização de uma coletividade. As danças tradicionais africanas são executadas na ocasião das atividades culturais da sociedade a qual pertence. Dentre elas se destacam: danças tribais, dança de guerreiro, danças do amor, ritos de passagem e Sekere e danças de posse e convocação. Na Angola as danças atendem as diferentes necessidades de expressão do povo, que encontra nos diversos estilos variadas opções para celebrar sentido de coletividade. Segundo Pedro Vieira Dias Tomás, coordenador, bailarino-coreografo e membro fundador do Ballet Tradicional Kilandukilu:

Os bailes em Angola, eram organizados, entre amigos, que se definiam como "as turmas", nestes bailes dançavam ao som dos instrumentos como a dikanza conhecido como reco-reco, o ngoma conhecido como batuque, o apito, a ngaieta um tipo de gaita, e o acordéon, que eram os mais usados na época nos ritmos como o semba, a rebita, a kazukuta kabetula os rumbas e muitos outros tocados nos 50/70, à qual chamamos” música e dança dos cotas’- dança dos mais velhos. Nesta época eram consumidos outros gêneros de música mas adaptados ao nosso estilo de dança; muitas fusões foram feitas em relação aos ritmos provenientes de outros continentes fluindo assim nos estilos como o Bolero os Tangos, as Plenas e tantos outros sons, que eram” soletrados nos pés” como que se os bailarinos escrevessem com os pés enquanto dançavam. A boa dança era praticada nos bairros suburbanos de Luanda, nas ruas e nos quintais.Estes estilos chamados outrora "dança dos operários" ou dos marginais eram as dançadas pelos grandes farristas conhecidos como homens de festa, ai depois do quintal, foram levadas para as salas de bailes, que deixou de ser só dos operários porque a pequena burguesia também já dançava, uns meios escondidos, pelo motivo de serem mal vistos nessa época. Dentre os estilos presentes executava-se o semba que era chamado a dança da umbigada, que deu origem ao samba brasileiro.Os bailes frequentados pelas "turmas" eram chamados as boas kizombadas grandes festas ou "festas de quintal” (TOMÁS, 2011).

Os estilos de dança mais explorados na Angola são: Kizomba, Kuduro, Rebita, Semba, Kazukuta, Kabeluta, Sungura, Kilapanga, Wala, Kitolo, Schikatt, Gnawa, Ahouach, 39

A música e dança em Cabo Verde

Os bailes em Cabo Verde desempenham importante papel na organização da comunidade uma vez que oportuniza momentos de convívio e confraternização segundo Pedro Vieira Dias Tomás:

Os bailes eram animados por grupos acústicos com violino, violão, , bandolim ou banjo, que mantinham uma relação estreita com o lançador que com os seus passos e momentos de improvisação influenciava e acompanhava o músico solista sua maneira de tocar e este, por sua vez, a ele. Assim nasceram nas salas e nos terreiros músicas e danças que hoje fazem parte do panorama cultural de Cabo Verde.É claro que a dança também teve um e transformação que acompanhou os tempos e a mudança de mentalidade, como também teve influências exteriores muitas delas, de fraca representatividade.Aquilo que era gosto de dançar tornou-se com o tempo no gosto pelo sensual, pelo ligeirismo e banalidade que atinge por vezes o vulgar.As danças de pares (Coladera, Morna, Funaná, Mazurca) “são danças em que o homem possui como quase toda a cultura do mundo da dança, o cavalheiresco modo de dirigir os passos a seu belo gosto. A sequência dos passos está dependente do virtuosismo dos dançarinos e, de certa maneira, do espaço da sala".(TOMÁS, 2011).

As danças que caracterizam a expressividade e beleza presente em alguns estilos de dança presentes no Cabo Verde são: Funaná,Morna, Batuque, Finaçon, Tabanca, , Kola San Jon, Contradança e Mazurka – importadas da corte européia. Em São Tomé e Príncipe observamos as danças: Ússua, Dexa, Puita e d’Jambi, Bligá (ou jogo do cacete) e Socopé. Na sequenciaacrescento algumas informações sobre a linguagem artística musical do povo africano. O panorama musical da África revela-se vasto e diversificado devido as distintas formas de expressão presentes nas regiões, nações e grupos étnicos que a compõe. Segundo Maria Bijóias: 40

Na sociedade africana, a música é um elemento indispensável no cumprimento de certos ritos sociais e religiosos. Os instrumentos musicais não servem apenas para tocar, aparecendo, similarmente, como veículos de correspondência com os outros e com a divindade. Por vezes, adquirem o poder de invocar entes espirituais com fins curativos e, nalguns casos, tornam-se mesmo a voz da divindade e dos antepassados. (BIJÓIAS, 2011).

A África caracteriza-se por revelar um intricado mosaico cultural onde as riquezas que impregnam a singularidade presente nas tradições dos diferentes grupos étnicos se mesclam por meio dos contatos e intercâmbios entre os povos ocasionando o surgimento de estilos, técnicas e expressões comuns entre algumas sociedades. A música tocada ou cantada está integrada a vida do povo africano, é o elemento indispensável na ocasião em que se realizam ritos religiosos ou sociais estreitando um vínculo com a magia e a religião. Segundo Maria Bujóias a música africana desempenha várias funções, embora, por vezes, uma única música venha a desempenhar várias funções simultaneamente, a saber:

[...] Identificativa, quando se realiza para distinguir uma personagem, uma situação ou um objecto; narrativa-descritiva, ao manifestar ou relatar uma coisa qualquer; anímica, para exprimir os estados de alma, um acontecimento, um episódio específico, uma circunstância vivida na primeira pessoa ou que causou uma forte impressão no autor da música; reguladora-indutora dos estados de alma, ao utilizar a música para conseguir um determinado estado de espírito em quem a escuta; agregação, em que usa a música como contributo para reforçar o sentimento de pertença a um grupo, concorrendo para um sentido de união entre as pessoas que tocam, cantam e/ou escutam a música; lúdico-organizativa, sempre que o objetivo de quem faz a música é o prazer proporcionado pela harmonia dos sons, pela combinação elegante de ritmos, timbres, melodias. (BIJÓIAS, 2011).

Ao longo da história da África muitos foram às influências culturais de outros países. No século VII o povo africano recebe influência da cultura árabe imprimindo novas contribuições com relação à construção e utilização de instrumentos musicais. O instrumento musical na cultura africana é considerado um veiculo de interação entre as pessoas da comunidade e as divindades que celebram, são manuseados com o propósito e poder de invocar entidades com fins curativos. 41

A beleza da música africana está nas simples características que constituem sua essência: vincula um tempo forte, obtendo desta forma a troca de acento –síncope-, a improvisação, a presença da percussão e a estrutura antifônica –entoação e réplica-, é polirritmica,uma mesma composição musical pode explorar dois ou mais ritmos contando com as intervenções oportunas dos cantores ao baterem mãos e pés, a música africana não é registrada em partituras convencionais como ocasionalmente ocorre na cultura ocidental, os músicos executam suas composições de ouvido. Os instrumentos elaborados pela criatividade e originalidade do povo africano marcam e evidenciam a expressão das músicas e danças. Alguns instrumentos: afoxé, agogô, arghul, balafon, bendir, berimbau, caxixi, chiquitzi, conga ou atabaque, cuíca, djimba, djembe, ganzá, ghaita, kalungu, kalimba, korá, lira africana, quissanga, reco- reco, senza, ud, uffataha, tambus, tambor de fricção, tambores-kalungus, sinos, chocalhos, maracás, balafon, quissange ou sanza,tambor de água, rombo, trompa travessa ou natural, dentre outros são produzidos a partir de materiais simples como: peles, madeira, fibras vegetais, cabaças, pedras e, mais raramente, o ferro são as matérias-primas com que se fabricam tais instrumentos. As linguagens artísticas exploradas neste capítulo revelam a tentativa de explorar aspectos relacionados à herança e memória cultural do povo africano, mais a frente quando tratarmos das atividades desenvolvidas nas oficinas de arte afro-brasileira no Quilombo do Morro Seco estabeleceremos uma ponte relacionando as tradições dos povos africanos com a luta da comunidade quilombola em manter viva as suas tradições. Segundo Isabel Areias:

Captar a verdadeira essência da Arte Africana requer uma total desconexão com os cânones artísticos, culturais e religiosos do Ocidente. Sem essa tomada de consciência, torna-se impossível entrar na verdadeira raiz desta arte «primeira» e conquistar a beleza que encerra dentro de si. Repleta de um profundo simbolismo, a Arte Africana não se deixa desvelar aos olhos do profano estando destinada à compreensão daqueles que encontram a sua chave de interpretação. (AREIAS, 2011)

Ao deslocar nosso foco da arte africana para a arte afro-brasileira, devemos considerar que ela reúne no Brasil um conjunto de manifestações culturais que sofreram certo grau de influência da cultura africana, européias e indígenas. Alguns aspectos marcantes da cultura africana que impregnaram a 42

cultura brasileira forama música, religião, culinária, artesanatos e os diferentes folguedos que povoam nosso imaginário poético. Segundo José Maria Nunes Pereira : Embora nascida a partir de uma funda raiz africana, a arte afro- brasileira teve um longo percurso de séculos que lhe possibilitou, não só uma visível autonomia, como uma criatividade própria. Ela percorreu uma trajetória de trocas, sobretudo com os europeus, no seio de um mundo escravocrata e católico que lhe acarretou perdas e ganhos, continuidade e mudança, sem, contudo ter havido uma ruptura. (PEREIRA, 2011).

Observamos que na comunidade Quilombola do Morro Seco as atividades relacionadas a arte afro-brasileira: dança música, folguedos e festas religiosas ligadas ao catolicismo não cumpre a função de reprodução da realidade ou de um objeto de pura contemplação, enquanto coletividade posicionam –se no sentido de respeitar os aspectos religiosos e estéticos que definem e defendem seus valores emocionais e costumes ligados a um saber cultural que possuem enquanto quilombolas, alimentando o desejo de perpetuar e alimentar a memória e a herança cultural de forma viva e contextualizada. Embora os moradores do quilombo não possam nomear especificamente a sociedade africana da qual descendem seus ancestrais,o sentido de pertencimento enquanto quilombola fomenta uma capacidade de compreensão do ser quilombola e manutenção de suas tradições, levando-os a serem valorizados pelo que representam. Segundo Marina de Mello e Souza:

Ao serem escravizados, os africanos tinham todos os seus laços sociais anteriores rompidos, quando chegavam ao Brasil eram comercializados e distribuídos nos inúmeros nichos escravocratas.Em contato com outras pessoas viam a possibilidade de buscar pontos de referência e estabelecer novos laços de convivência que orientassem seu comportamento, aqui encontraram pessoas que os compreenderam e com os quais compartilharam as coisas do cotidiano.Estes relacionamentos auxiliavam na manutenção da inserção do africano, que sentia como prioridade a necessidade de constituir comunidade visando a manutenção de seus conhecimentos, padrões de comportamento, sensibilidade, maneiras de pensar e suas tradições; é válido destacar que por meio de relacionamentos os africanos também ofereciam resistência à sociedade escravista. (SOUZA, 2008).

Durante trezentos anos os africanos foram vitimados pela escravidão. Enfrentaram a violência com requintes de crueldades, obrigados a aprender o português para que pudessem atender ao comando do seu senhor. Sua identidade também foi reconstruída, pois seu nome, sua família, as aldeias que habitavam, ficaram no passado, agora tratados como mercadoria eram designados pela região a que pertenciam – Guiné, Costa da Mina ou Angola ou dos portos nos quais embarcavam como Benguela, das feiras nas quais foram 43

comercializados, como Cassanje; essas qualificações designavam a qualidade do negro escravo. O negro de nação era o africano, e o negro crioulo nativo da América. Aos poucos a mãe África tornava-se um sonho distante e o Brasil passava a ser modelado pela influência deste povo. O tempo passou consolidando a cultura afro-brasileira. Segundo Marina de Mello e Souza:

[...] No final do século XIX, quando a escravidão foi abolida, ainda havia africano vivo no Brasil, com os quais algumas pessoas que se interessavam por manifestações afro-brasileiras conversavam, registrando as informações que então obtiveram. Mas os laços com a África, especialmente com alguns portos da Costa da Mina e de Angola, se desfizeram com a interrupção do comércio com o outro lado do Atlântico. O que havia de africano no Brasil continuou o ser cultivado, mas nada de novo foi introduzido. A partir daí, o que as comunidades negras criaram pode ser considerado assunto exclusivamente brasileiro (Souza, 2008).

A música criada pelos afro-brasileiros tem forte influência de toda a África subsaariana com elementos da música portuguesa e, em menor grau, indígena e influências de outras culturas, fator que veio a contribuir com a produção de uma grande variedade de estilos. As expressões de música afro- brasileira mais conhecidas são o samba, maracatu, ijexá, coco, jongo, carimbó, lambade, maxixe, baiano, baião-de pares, bambelo ou coco-de - zambê-de roda, bate-baú-de roda, batuque-de-fileira, calango-de-pares, carimbó-de-roda, caxambu-roda, frevo-individual, jongo-de-roda, lundu-de-pares, macunlelê-de- fileira, mineiro-pau-de-pares, pagode de amarante de fileira, partido-alto-de- roda, samba-de-roda, tambor-de-crioula-de-roda. Dentre as danças portuguesas que influenciaram a cultura afro-brasileira encontra-se o fandango. No Quilombo do Morro Seco os moradores executam os passos com roupas coloridas e tamancos nos pés. Músicas típicas são cantadas com o acompanhamento de rabeca, violão e viola. Na comunidade do Morro Seco acontece principalmente quando há mutirão ou quando é determinada uma ocasião, festas e outras comemorações. De maneira geral, tanto na época colonial como durante o século XIX no Brasil, as manifestações culturais afro-brasileiras foram muitas vezes desprezadas, desestimuladas e até proibidas. Assim, as religiões afro- brasileiras e a arte marcial da capoeira foram frequentemente perseguidas 44

pelas autoridades. Por outro lado, algumas manifestações de origem folclórico, como as congadas, assim como expressões musicais como o lundu, foram toleradas e até estimuladas. Entretanto, a partir de meados do século XX, as expressões culturais afro-brasileiras começaram a ser gradualmente mais aceitas e admiradas pelas elites brasileiras como expressões artísticas genuinamente nacionais. Nem todas as manifestações culturais foram aceitas ao mesmo tempo. O samba foi uma das primeiras expressões da cultura afro-brasileira a ser admirada quando ocupou posição de destaque na música popular, no início do século XX. Outras manifestações artísticas da cultura afro-brasileira serão contempladas no estudo de caso das oficinas de arte afrobrasileiras.

1.4 A dinâmica das oficinas de arte africana como prática educativa

A oficina de arte pode ser definida como um recurso de encaminhamento de atividades contextualizadas e relacionadas ao universo da arte neste caso abrangendo a cultura africana. É um espaço que reúne certo número de participantes com o propósito de aprofundarem reflexões sobre determinada temática de modo a sensibilizá-los nutrindo-os esteticamente para que vivenciem e concretizem produções expressivas e criativas. Como o objetivo de toda a oficina é proporcionar a aplicação de um conteúdo trabalhado em criações práticas o espaço escolhido para a realização das mesmas deve ser escolhido com antecedência, com muito cuidado, respeitando-se alguns critérios: o ambiente deve ser amplo, arejado e bem iluminado, com mesas largas,pias para garantir a limpeza dos instrumentos, espaço para organizar e guardar a produção dos participante caso seja necessário dar continuidade na atividade em outra ocasião e ambiente para realização de paradas para um pequeno lanche. A produção resultante do processo de criação desenvolvido durante as oficinas fica com o participante, podendo ser requisitada pelo profissional que conduz a mesma para posterior socialização e exposição de encerramento dos trabalhos. 45

O trabalho com oficinas de arte inserido numa proposta artística ou envolvendo outras áreas do conhecimento vem sendo largamente utilizada como recurso de aprendizado em vários segmentos da sociedade, vale destacar o trabalho desenvolvido por Maria Cristina da Rosa que desenvolveu uma proposta de formação por meio de oficinas que oportunizaram aos professores aspectos relacionados à cultura africana e afro-brasileira, segundo ela: Após a sistematização de diversos conteúdos de antropologia, arte, história e educação, iniciei uma série de quatro oficinas para professores de arte com ênfase nos conteúdos de história e cultura africana e afro-brasileira. As quatro oficinas tinham em comum o fato de serem de curta duração, acontecerem de maneira isolada, haver uma mudança de público e a maioria das pessoas que as frequentavam terem pouca informação a respeito do tema (...) (ROSA, 2011).

Ainda focando a importância da formação e do preparado dos professores para lidar com as temáticas relacionadas a perspectiva multicultural crítica por meio das oficinas, Maria Cristina da Rosa relata:

Estamos diante de uma tarefa de dimensões gigantescas: resgatar as possibilidades de ressarcimento às populações afrodescendentes, por meio das ações afirmativas, dando visibilidade às suas culturas, às suas religiosidades, aos seus contextos históricos, aos seus heróis e à dignidade no modo de viver e na distribuição de renda. Nesse sentido, o ensino de arte tem tarefa primordial na mudança do eixo eurocêntrico que domina o currículo. Assim, a aproximação das culturas diferenciadas da escola poderá prestigiar outros grupos artístico-culturais, ao mesmo tempo em que romperá a visão de que as artes européias e norte-americanas são a única referência possível para as diversas formas de arte e cultura brasileiras (ROSA, 2011).

Os conteúdos relacionados à história e cultura africana abordados durante as aula se reuniões de grupo de estudo deveriam ser explorados com grande responsabilidade, uma vez que serviam de nutrição estética que alimentava a formação cultural dos jovens quilombolas, estabelecendo direta ou indiretamente uma ponte com a comunidade, de certa forma tudo que os alunos vivenciavam e apreendiam era explorado posteriormente na comunidade. 46

Para tanto foi viabilizado a implantação de oficinas de arte africana na comunidade quilombola que os alunos residem para também atender as necessidades de integração dos jovens quilombolas junto à sua comunidade. A metodologia explorada nas oficinas contemplava a prática educativa concreta oportunizada por meio de atividades diversificadas, estas fomentaram uma centelha de esperança que significou e resignificou aspectos relacionados a cultura africana dos jovens envolvidos. As atividades propostas pela oficina – pinturas, modelagens, exercícios e jogos teatrais, dança música, entrevistas com os anciãos da comunidade - permitia que os alunos mergulhassem no universo do próximo valendo-se da sensibilidade, da criatividade, do autoconhecimento, construindo uma relação de respeito e valorização da coletividade.Durante as atividades das oficinas de arte na comunidade realizadas durante um ano 2009 a 2010, optei por transitar livremente entre as linguagens da Arte (Artes Visuais, Dança, Música, Teatro, Hibridas e Convergentes), de maneira a garantir flexibilidade frente à escolha de técnicas para atender as solicitações dos alunos. Segundo Pereira:

Para ser e estar em sociedade é necessário que o sujeito torne mais aguda as suas competências para conhecer o que foi o que é e o que pretende ser. No relacionamento com o outro, por uma questão fundamental de respeito, é importante que o sujeito tenha semelhante agudez para conhecer o que o outro foi como se apresenta e como se projeta no convívio social. (PEREIRA, 2007).

As oficinas de arte africana foram implantadas com o propósito de oferecer e de ampliar um ambiente de convivência, cumprindo assim o papel de agregar, de possibilitar o fortalecimento de laços afetivos já construídos na comunidade.Neste sentido promover junto aos envolvidos uma reflexão no sentido de despertar para as questões que permeiam o processo de criação e posterior reflexão sobre as construções poéticas e estéticas exploradas em conformidade com assuntos relacionados a sua cultura configurou-se um desafio, levando-se em conta a distância e quase isolamento da comunidade, a falta de registros que oportunizassem conhecimentos sobre a história, memória e heranças culturais da mesma. Os conteúdos e atividades planejadas para as oficinas que seriam desenvolvidas na comunidade passavam por um processo de seleção, 47

construção e aplicação conduzido pela ação dos alunos que participam de um grupo de estudos inserido num projeto que aborda questões sobre as africanidades, os alunos eram os protagonistas das ações desenvolvidas contando é claro com a minha atuação como mediadora no processo.Os alunos promoviam e vislumbravam por meio da escolha dos conteúdos a serem trabalhados uma forma de atender as suas necessidades e a dos moradores, recriando e fortalecendo um elo entre a arte africana e os valores civilizatórios afro-brasileiros garantindo por meio do desencadeamento das atividades desenvolvidas a possibilidade de contextualizar as proposições artísticas inter- relacionando conhecimentos ancestrais e a expressão contemporânea de resistência dos quilombolas atuais. Para os idoso se alguns adultos suas memórias e referencias culturais ainda estavam latentes, mas o jovem quilombola precisava ter acesso a este alimento cultural - o jovem desejava nutrir-se destas lembranças- uma vez que as referências culturais da comunidade estavam pulverizadas entre os moradores dificultando acesso a muitas histórias, causos, fragmentos de uma herança que luta para sobreviver. A realização das oficinas possibilitou uma convivência coletiva onde estes conhecimentos eram socializados no pensar, fazer e refletir artístico. Segundo Pereira:

As trocas e valores culturais -que incluem relações marcadas pela negociação e pelo conflito – são, desde sempre, um atributo fundamental das sociedades humanas que auxilia o sujeito a solidificar noções de identidade e alteridade, bem como a criar vínculos históricos, políticos, econômicos e estéticos responsáveis pela estrutura ideal e concretada sociedade. (PEREIRA, 2007).

As oficinas de arte africana inserida numa proposta de prática educativa viabiliza um espaço de convivência onde o conhecimento sobre aspectos culturais e artístico é alimentado através de vivências, experiências e atividades expressivas coletivas. Os envolvidos são constantemente motivados a nutrir a expressão de seu macro e micro universo cultural africano ao se envolveram com os conteúdos e lançarem-se a realizar suas produções artísticas.

Art. 4° Os conteúdos, competências, atitudes e valores a serem aprendidos com a Educação das Relações Étnico-Raciais e o estudo de História e Cultura Afro-Brasileira, bem como de História e Cultura 48

Africana, serão estabelecidos pelos estabelecimentos de ensino e seus professores, com o apoio e supervisão dos sistemas de ensino, entidades mantenedoras e coordenações pedagógicas, atendidas as indicações, recomendações, diretrizes explicitadas no Parecer CNE/CP 003/2004.

Para concretizar o conteúdo do artigo acima citado as oficinas contemplam atividades artísticas onde o exercício de valores e princípios contextualizados, rememorados e aplicados fortaleciam o relacionamento e a inserção dos jovens junto aos adultos e idosos em sua comunidade por meio de um espaço de convivência oportunizada pela prática artística e orientada. As oficinas iniciavam seus trabalhos motivando os envolvidos com uma calorosa acolhida seguida de um breve comentário sobre o trabalho a ser desenvolvido. Em seguida o conteúdo ou assunto era colocado na roda de discussão para ser debatido e refletido pelos moradores da comunidade, deste ponto partíamos para a prática, era chegado o momento dedicado a produção artística, ao término da atividade socializávamos as impressões sobre o processo de criação. As oficinas eram avaliadas na comunidade junto aos participantes contando com a participação oral ou escrita dos mesmos; na escola, as atividades desenvolvidas na comunidade eram socializados para posteriormente planejar a próxima oficina. Em seguida encerrávamos a oficina com um belo café da tarde confraternizando-nos. As atividades artísticas desenvolvidas por meio das oficinas de arte coloca o ser em constante devir, possibilitando a este infinitos deslocamentos que os levam a ter contato com o ponto de origem de sua cultura alimentando possibilidades de executar conexões com seus ancestrais ao acionar suas heranças e memórias culturais e ao fomentar possibilidade que ampliem o convívio coletivo em sua comunidade. A Arte é vista como oportunidade. Ao desenvolver as atividades propostas nas oficinas de arte africana e ao produzirem seus objetos artísticos os jovens quilombolas foram levados a perceber e refletir que o produto artístico produzido por eles e por seus pares faz referência a cultura e ela é valorizada como elemento formador da identidade quilombola 49

2- PROCESSO HISTÓRICO E PERCEPÇÃO DA COMUNIDADE DO MORRO SECO

As informações que se seguem são uma síntese do que consta do Relatório Técnico Científico solicitado pela Fundação Instituto de Terras de São Paulo (ITESP), à antropóloga Maria Cecília Manzoli Turatti, em 2006. Para reconhecer uma localidade como comunidade quilombola a de se levantar dados que comprovem a existência de ancestrais fundadores, reconhecidos como escravos ou ex escravos, mas, isto não ocorre na comunidade do Morro Seco. Os líderes comunitários Sr. Bonifácio – 77 anos e Sr. Armando – 65 anos, mantém viva em suas memória somente as lembranças de seus avós paternos e maternos, não revelando nenhuma história que contextualize a chegada e permanência nas terras em que nasceram e vivem até hoje. Segundo a antropóloga Maria Cecília Manzoli Turatti: De acordo com o ponto memorial mais longevo alcançado pela comunidade na construção de sua genealogia, o núcleo familiar mais antigo seria aquele formado por Joaquim Alves Sabino, sua esposa Maria Constância do Espírito Santo e seus oito filhos. Outro núcleo familiar adjacente é aquele formado por Teobaldino Onório Pereira, sua esposa Rita Modesto Pereira e seus três filhos (TURATTI, 2006).

Uma das lembranças dos atuais moradores com relação aos escravos é de Juari Alves Pereira:

Geraldina Rita Modesta Alves, nossa mãe, dizia quando ainda éramos pequenos: Minha avó era escrava (TURATTI, 2006).

Seu pai, Hermes Modesto Pereira, de 65 anos, conta que seu pai, Joaquim Soares Alves relatava:

Acho que meu pai era escravo, por ser mais preto do que eu, por ter o nariz bem grande e os lábios grossos (TURATTI, 2006). . Considerando a influência de outros povos na formação da comunidade, o Sr. Armando Modesto Pereira líder da comunidade quilombola, relatou: 50

Minha avó era branca, de cabelos pretos e longos (TURATTI, 2006).

Izaltina Geraldina Modesto, também uma moradora quilombola, afirma:

Ela era descendente de português (TURATTI, 2006).

A maioria dos moradores da comunidade descendem da união dos filhos desses dois casais-chave: - Maria Constância do Espírito Santo – ascendência portuguesa - e Joaquim Alves Sabino – negro. - Rita Modesto Pereira – negra - e Teobaldino Onório Pereira – branco -.

Existem pouquíssimas listagens populacionais referentes à Iguape no período em que Rita pudesse estar listada como escrava (1835 -1870). Nas duas únicas listagens disponíveis, as do ano de 1836 e 1846, acharam diversas escravas de nome Rita com idades mais ou menos compatíveis à idade presumida da Rita, mas não é possível concluir pela correspondência exata entre uma dessas escravas e a Rita Modesto Pereira do Morro Seco (TURATTI, 2006).

Os irmãos e líderes: Armando, Hermes e Bonifácio deixam evidência da existência de um vínculo com seus ancestrais por meio das lembranças que povoam suas memórias. Segundo Sr. Bonifácio:

“Com referência ao caso da escravidão, quando meu pai falava da escravidão, para nós era como se ele tava contando uma história que diz que aconteceu (...) [Rita, avó materna] ela contava muita história, mas para nós era como que... nós não guardava porque tava contando uma coisa que para nós era um negócio de passatempo... eu acho que uma história, quando a gente conta uma história e a gente tem certa noção à gente segura isso. Agora, quando é uma ‘falagem’ só – porque para nós era uma ‘falagem’ – nós não segura. A razão disto era que nós não tinha estudo pra confirmar se isso era verdade. Por isso que para poder nós dar crédito, era preciso que os nosso pais contassem aquilo como um caso sério, mas eles não contavam como caso sério, era como passatempo. (...) Meu pai contava quantas e quantas histórias que nós tomamos aquilo como ‘coisa do pé de cinza’, como dizia antes”. (TURATTI, 2006).

Os moradores mais antigos do quilombo não conseguem oferecer referência de um dado mito que os caracterize como grupo remanescentes de quilombolas mas a verdade histórica, cultural, que impregna sua maneira de ser, pensar e agir; a luta que estes moradores enfrentam dia-a-dia para garantir 51

a manutenção de sua origem ancestral salta aos olhos,pois é cultivada na seara da fé e do exercício coletivo que impregnam suas ações. Em 1999, iniciaram-se discussões internas sobre a criação de uma associação local. Atualmente a comunidade se organiza em torno da Associação dos remanescentes de Quilombo do Bairro de Morro Seco, fundada em 2002 e legalmente instituída em 2003. As organizações não - governamentais apontadas com atuantes na comunidade foram: o ISA (Instituto Sócio Ambiental), as Pastorais da Igreja Católica (Liturgia, Juventude, Catequese) e o Itesp (Instituto de Terras do Estado de São Paulo) como organização governamental. A comunidade do Morro Seco em parceria com o ITESP solicitou o reconhecimento oficial de comunidade quilombola, o que ocorreu em 2006.

2.1 Caracterização da Comunidade do Morro Seco

O referido quilombo situa-se próximo a rodovia Regis Bittencourt (BR 116), na altura do Km 418, sentido Curitiba/São Paulo. Para se ter acesso a comunidade é necessário se fazer um retorno na altura do KM 418, e na altura dos km 413 e 414, devemos entrar por uma estrada de terra que dará acesso a “Fazenda Progresso,”, ou seja, a Comunidade Quilombola do Morro Seco. Embora geograficamente pertencente ao município de Iguape - a comunidade faz uso dos serviços sociais e econômicos do município de Juquiá pela sua proximidade e fácil acesso através da rodovia acima citada. A comunidade do Morro Seco pertence ao município de Iguape, que entre os séculos XVI e XVII exerceu atividade mineradora – ciclo do ouro - ocasião que chegaram os primeiros escravos na região. Segundo a Agenda Socioambiental do Morro Seco (anexo 2), a comunidade formada por 47 famílias ocupa as terras que conformam seu território desde tempos imemoriais, produzindo e reproduzindo ali sua cultura material e simbolicamente, permeada pela tradição, presentes no lazer – festas, danças e comemorações; na religão - catolicismo e nos conhecimentos –ervas medicinais, remédios caseiros e na prática do mutirão. Hoje às margens do mercado, devido à distância, falta de recursos para implementar e escoar a produção praticam a agricultura somente para subsistência e alimentam 52

expectativas quanto à introdução de novas atividades econômicas (piscicultura) que lhes garantam melhores condições de vida.

Estrada de acesso ao Quilombo do Morro Seco Vista parcial das casas da comunidade

Ariadne Vieira, 2010. Ariadne Vieira, Vieira,2010 2010

A localidade possui um agrupamento central na qual há uma igreja católica, um galpão comunitário em que realizam as reuniões da associação, festas religiosas da comunidade, ensaio do fandango e outra atividades, um telefone público, acesso à Internet e a escola municipal que oferece - Educação Infantil e Ensino Fundamental do 1º ao 5º ano. Mais da metade das casas possui fossa negra. Menos da metade delas despeja água da pia da cozinha, em cursos d’água próximos. A água que abastece a comunidade, armazenada em uma caixa d’água e escoada até as casas por mangueiras, é oriunda de minas existentes na comunidade. Esta água armazenada não sofre nenhum tipo de tratamento. Apenas duas casas utilizam água de poço. A prática da queima do lixo é hábito da maioria dos moradores. Alguns moradores juntam materiais recicláveis, como plásticos e vidros, para serem vendidos. Já o lixo orgânico é utilizado como adubo, além de servir para alimentar as criações domésticas. Mais da 53

metade das famílias possui fogão e geladeira, e metade das famílias tem TV e rádio em suas casas. Na comunidade não há linha própria de transporte público. Os moradores utilizam o ônibus escolar (disponibilizado pela Prefeitura Municipal de Juquiá), que circula em quatro horários semanalmente, saindo de Juquiá até a comunidade. Estima-se que mensalmente 20 pessoas da comunidade se desloquem até Juquiá, e cinco (5) pessoas até Iguape e Registro, para uso dos serviços de saúde, bancários, aquisição de gêneros alimentícios e outros. Os equipamentos e a infra-estrutura existentes de uso comunitário são: um trator de pequeno porte e dois galpões comunitários com acesso à internet oferecido pelo Governo Federal. O ensino fundamental de 1º ao 5º ano oferecido próximo ao bairro, sendo que para darem continuidade a seus estudos no Ensino Fundamental e posteriormente no Ensino Médio alunos precisam se deslocar ate Juquiá, para isso contam com o serviço de transporte gratuito cedido pela prefeitura do município. O posto de saúde existente na comunidade está desativado. Desta forma, o atendimento médico realizado por profissionais da área da saúde do município de Juquiá, ocorre mensalmente, no Centro Comunitário.

2.2 Ser quilombola: elemento formador da identidade

O problema chave que motivará o estudo de caso é a identidade. Ao se refletir sobre a identidade étnica de uma comunidade deve-se considerar todo o processo de auto-identificação dinâmico que a comunidade mobilizou para se constituir enquanto quilombo, levando-se em conta os processos de organização política e social, das relações que estabelece entre os seus integrantes e com outros grupos com quem se relaciona das referências sobre seus ancestrais, elementos linguísticos, religiosos e culturais, e a antiguidade da ocupação de suas terras, todos esses fatores devem ser observados em consonância com as práticas de resistência na manutenção e reprodução de seus modos de vida característicos do lugar que habitam. Observando modernas formas de se conceituar antropologicamente remanescentes quilombolas verificam-se que os elementos que devem ser considerados importantes ao me reportar a identidade do Quilombo, do Morro 54

Seco é a questão da identidade e a territorialidade no sentido de considerar com destaque o sentimento de pertencimento que liga o grupo ao território, onde durante toda a sua existência mantiveram vivas suas expressões étnicas e de territorialidade relacionadas as suas memórias e heranças culturais. A relação território e parentesco é alimentada nas ações cotidianas vivenciadas por exemplo, pelos moradores do Quilombo do Morro Seco. A luta da comunidade pelo reconhecimento enquanto quilombolas advêm do fato de serem herdeiros das terras onde moram, configurando-os como herdeiros legítimos de escravos que habitavam a cidade de Iguape, município ao qual o bairro Morro Seco pertence. Segundo F. Barth:

A concepção de flexibilidade dos grupos étnicos e, sobretudo, a idéia de que um grupo, confrontado por uma situação histórica peculiar, realça determinados traços culturais que julga relevantes em tal ocasião. É o caso da identidade quilombola, construída a partir da necessidade de lutar pela terra ao longo das últimas duas décadas (BARTH. F.,1976 apud SCHMITT, TURATTI, CARVALHO, 2011).

Os moradores do bairro do Morro Seco vem há muito tempo colocando- se em constante devir no sentido de lutar contra as mazelas dos grileiro se fazendeiros garantindo assim direito a terra que lhes pertence por herança. Frente a estes conflitos a comunidade lançou-se ao desafio de pleitear junto às autoridades competentes o reconhecimento enquanto comunidade quilombola amparada pela relação território-parentesco o que já se constitui para a mesma uma conquista real desde 2006.Atualmente a luta se faz pela titulação de suas terras. Ao longo de toda a luta pelo reconhecimento de suas terras, a comunidade cujos moradores se denominaram quilombolas, mergulhou na proposta de mobilizar ações culturais – rememorando a prática dos fandangos e reisados executados pelos seus parentes mais longevos. Frente ao trabalho de levantar dados sobre a história da comunidade de modo a garantir a fomentação e a incorporação da identidade africana a Igreja Católica sempre esteve presente promovendo uma catequese cultural, tudo isto aliado a instrumentalização política forjada na luta em defesa de suas terras auxilia a comunidade a reconstruir o mosaico de sua africanidade sendo agentes de sua própria história. 55

Neste momento do texto irei antecipar o relato da oficina em que os próprios sujeitos da pesquisa vão definir o que é ser quilombola e posteriormente irei confrontar essa definição com termos acadêmicos. Na ocasião da realização das primeiras oficinas percebi um clima de inquietação entre os representantes mais idosos da comunidade. Ao serem questionados a Srª Suzana relatou a problemática: “percebemos que neste grupo de jovens que frequentam a oficina de Arte existem os que não são quilombolas, ficamos preocupados com esta situação. Como um jovem não quilombola vai saber falar o que é ser quilombola. É uma situação muito complicada”. Após a fala da Srª Suzana o Sr. Hermes interviu, e olhando para os jovens disse: “Vocês sabem o que é ser quilombola”. O silêncio fez-se presente. Ele apresentou seu parecer dizendo: “Ser quilombola é se agrupar com uma comunidade de raça de origem africana é resistência, é cultura, mas não é só tradição é também cuidar da parte religiosa que prepara nossa forma de cuidar e respeitar as pessoas da comunidade. Entendemos que para falar do que é ser quilombola devemos escutar as pessoas com mais experiência na comunidade”. Após a fala do senhor Hermes os presentes refletiram e concordaram com a opinião externada pelo mesmo chegando a seguinte conclusão: Todas as vezes que fosse tratado aspectos da cultura quilombola ou do ser quilombola, somente os mais idosos ou adultos poderiam pronunciar- se a fim de que os jovens quilombolas recebessem informações pontuais que Vale destacar que esta comunidade não se intitula remanescente quilombola, eles denominam-se quilombolas. Ser quilombola, para os moradores do quilombo do Morro Seco, é levar uma vida que não seja pautada somente em seu imaginário, pois para eles ser quilombola é também valorizar suas tradições, manter viva sua fé, elemento que segundo Sr Bonifácio é de suma importância, pois molda os valores e princípio das pessoas da comunidade. A definição acima relatada vem ao encontro da concepção apresentada por Lopes, ao que se refere como estrutura e organização do modo de viver do quilombola do Morro Seco:

[...] comunidades em que os habitantes se identificam por laços comuns de africanidade, reforçados por relações de parentesco e compadrio, antiguidade na ocupação de sua base física (fundamentada em posses seculares e por tradições culturais próprias) dentro de um sistema que combina apropriação privada e 56

práticas de uso comum, em uma esfera jurídica infra-estatal (LOPES; 2004, p.551)

Na ocasião em que os participantes conceituavam quilombo aproveitei a oportunidade para apresentar algumas definições sobre a etimologia da palavra quilombo segundo LOPES, 2004:

[...] Com origem no quimbundo Kilombo, “acampamento”, “arraial”, “povoação”, ”povoado”, “capital”, “união”, exército”, o vocábulo segundo Adriano Pereira, tinha nos séculos XV e XVII, dupla conotação, uma toponímica e outra antropológica, porque eram também assim designados, por que eram assim designados os arraiais militares mais ou menos permanentes e também as feiras e mercados de Kasanji, de Mpungo-a-Ndongo, da Matamba e do Kongo. [...] Em 1740 o Conselho Ultramarino definia como quilombo todo núcleo reunindo mais de cinco escravos fugidos, mesmo sem nenhum tipo de edificação. Contrapondo-se ao simplismo dessa definição, o historiador Joel Rufino dos Santos demonstra a complexidade da instituição quando vê o quilombo como um “modelo de sociedade alternativa à sociedade colonial escravista”.

Sr Hermes - líder comunitário e Sr Bonifácio – Líder comunitário esposa

Mirtes Beatriz da Costa, 2008

Mirtes Beatriz da Costa, 2008

Quando questionei se os jovens poderiam continuar manifestando-se sobre a cultura africana de modo geral por meio das linguagens da arte (artes visuais, música, teatro, dança), pois eles traziam este conteúdo vivenciado na 57

escola pelas reuniões com o grupo de estudos, eles não se opuseram, disseram que valorizavam tudo que a educação podia fazer para ampliar e esclarecer seus conhecimentos sobre o assunto. Para retomar o trabalho, ainda na roda de discussões, perguntei informalmente aos integrantes da comunidade como definiam quilombo e eles assim responderam: Regiane Rosimeire Alves Pereira – 24 anos R: São descendentes de escravos que residem em suas terras, procurando manter suas culturas vivas, buscando organização em conjunto.

Suzana Maria Pereira – 43 anos R: Quilombo é descendente de escravos, que trabalham e vivem em grupos. Vivem em função de seus costumes culturais, trabalhos e comidas típicas.

Bernadete Maria Pereira Alves – 46 anos R: Quilombo é um conjunto de pessoas de raça africana que se aglomeraram no Brasil para manter viva a sua cultura nas terras que residem.

Porfíria Câncio Alves – 48 anos R: Quilombo é ser uma raça reconhecida, aceitada e respeitada.

Conceição Alves Pereira – 62 anos É ser descendente de escravos que vivem em grupos, de raça africana que residem em suas terras.

Maria Sabino – 69 anos Quilombo é descendente de escravo, que ainda vivem em grupos formando comunidade de trabalho e mais: cultivando seus costumes tradicionais e culturais.

Bonifácio Modesto Pereira – 86 anos R: Quilombo é um grupo de raça africana que se encontra no Brasil com o intuito de se organizar para o progresso e para fazer valer sua identidade. 58

Ao observar aqueles senhores idosos expressando-se com tamanha propriedade sobre o que é ser quilombola pude aquilatar a grandiosidade do conhecimento que eles possuíam sobre sua cultura. Nutrem valores com relação à formação integral dos jovens quilombolas. O Sr Hermes chegou a relatar: “Não é porque se aprende determinada questão na escola que os pais não devem intervir, a família deve ser a base para sustentar a educação destes jovens. Os jovens precisam ser instruídos e motivados pela educação formal e religiosa, mas também devem estar atentos aos seus repertórios de memória e a cultura de seu povo”. A maneira pela qual os grupos sociais definem a própria identidade é resultado de uma confluência de fatores, escolhidos por eles mesmos: de uma ancestralidade comum, formas de organização política e social a elementos linguístico, religiosos, relacionados a identidade e a territorialidade. Na perspectiva deste relato de caso, quilombo é uma comunidade com ancestralidade negra, que residem num mesmo território,que por um lado lutam pela sobrevivência e manutenção de sua cultura, alimentados pela fé, resistência, autonomia e pela tradição. Por outro lado buscam meios de se reinventar pelas conquistas assinaladas pela juventude quilombola. É um povo forte, guerreiro que alimenta a construção no seu novo status de ser quilombola nas ações cotidianas. No âmbito de uma pesquisa-ação, embora possa existir um conceito ideal de quilombola, importa para esse trabalho a voz dos sujeitos que expressaram o que é ser quilombola e essa expressão foi determinante para implementar ações desenvolvidas posteriormente junto às oficinas de arte africana, questões que serão tratadas no estudo de caso. 59

2.3 Genealogia da comunidade do Morro Seco

Dentro do processo de reconhecimento da comunidade quilombola e posterior titulação das terras, existe uma critério que envolve as relações genealógicas do grupo familiar que ocupa. Esse estudo visando a uma reconstituição da ancestralidade inerente dos remanescentes de quilombo indica se existe uma família ou um núcleo com diversas ramificações, sendo todas inter-relacionadas, garantindo historicamente que os ascendentes residiam no mesmo local, comprovadamente. O exercício de memória empreendido pelos moradores do Bairro do Morro Seco durante as entrevistas para a sistematização dos dados que comporiam o registro do RTC – Relatório Técnico Científico - , solicitada pelos moradores da mesma, para poder usufruir os programas de desenvolvimento socioeconômico que vêm sendo oferecidos pela Fundação Instituto de Terras do Estado de São Paulo, bem como reafirmar sua identidade no processo de interação com outros grupos e instituições não permitiu reunir indicadores muito expressivos desta memória. Segundo Maria Cecília Manzoli Turatti que coordenou os estudos na comunidade:

[...] a fundação da comunidade Morro Seco não obedece a critérios encontrados em outras comunidades de quilombos nas quais já trabalhamos. Nestas, via de regra, há um ancestral fundador, geralmente reconhecido como ex-escravo. Em Morro Seco, os informantes mais antigos – Sr. Bonifácio, de 77 anos e Sr. Armando, de 65 anos – não conseguem se remeter, em termos genealógicos, para além de seus avós paternos e maternos e não apresentam nenhuma história a respeito de como seus antepassados chegaram à área em que nasceram e vivem até agora. De acordo com o ponto memorial mais longevo alcançado pela comunidade na construção de sua genealogia, o núcleo familiar mais antigo seria aquele formado por Joaquim Alves Sabino, sua esposa Maria Constância do Espírito Santo e seus oito filhos. Um outro núcleo familiar adjacente é aquele formado por Teobaldino Onório Pereira, sua esposa Rita Modesto Pereira e seus três filhos. Grande parte dos moradores atuais da comunidade descende das uniões formadas pelos filhos desses dois casais-chave. A lembrança dos avós, para Sr. Bonifácio e Sr. Armando, nos remete vagamente à origem deles. Maria Constância do Espírito Santo teria ascendência portuguesa enquanto Joaquim Alves Sabino era negro. Em nossas pesquisas no Arquivo do Estado descobrimos, consultando os Maços de População, que esse tipo de ligação familiar de homens negros ou pardos com mulheres brancas era bastante comum na região de Iguape, o que corrobora a memória dos nossos informantes. 60

Já Teobaldino Onório Pereira é descrito como “branco”, enquanto Rita Modesto Pereira era “uma negra bem escura, africana pura, pequenina com pés e orelhas muito grandes, que se casou bem de idade”. Nossos informantes acreditam que ela “provavelmente” foi escrava. Existem pouquíssimas listagens populacionais referentes a Iguape no período em que acreditamos que Rita pudesse estar listada como escrava (1835-1870, de acordo com nossas aproximações geracionais). Nas duas únicas listagens disponíveis, as do ano de 1836 e 1846, achamos diversas escravas de nome Rita com idades mais ou menos compatíveis à idade presumida da Rita que procurávamos, mas não é possível concluir pela correspondência exata entre uma dessas escravas e a Rita Modesto Pereira de Morro Seco. Quando indagados sobre a ligação desses ancestrais com a escravidão, nossos informantes dizem que esse assunto nunca foi levantado pelos mais velhos a não ser como um “causo”, uma “falagem”, algo que tanto poderia ser verdade como pura ficção. Segundo relata o Sr. Bonifácio: Com efeito, embora não haja um ‘mito de origem’ da comunidade ligado à escravidão, é quase um truísmo valer-se de muitos procedimentos para tentar afirmar uma ascendência escrava para o grupo desnecessário afirmar que negros brasileiros cujos pais não aportaram nestas terras a passeio após 1889, são todos descendentes de negros cativos. (TURATTI, 2008).

Portanto a identidade desta comunidade está vinculada às relações que o grupo estabeleceu entre território e parentesco, a antiguidade da ocupação do grupo e sua ascendência escrava, estabelece as bases para o direito territorial sobre esta área. Esta relação entre território e parentesco vem sendo fortalecida por meio de um trabalho coordenado pelo IPHAN: Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional, onde se realiza um inventário sobre as expressões, dos modos de fazer, pensar e as formas de se relacionar entre si e com a sua natureza, integrando um conjunto de saberes e práticas que merecem ser reconhecidos em suas dimensões etnográficas e poéticas. Neste ponto, irei antecipar este relato para poder caracterizar os sujeitos da pesquisa por meio de sua memória. Na ocasião da penúltima oficina de arte quilombola indaguei para algumas senhoras que estavam arrumando o salão se tinham informações sobre a árvore genealógica (genealogia) da comunidade e se podiam indicar uma referência para pesquisar sobre o assunto, a Sra. Suzana relatou que o grupo possuía um documento RTC (Relatório Técnico Científico) coordenado pela antropóloga Maria Cecília Manzoli Turatti que buscou analisar dados a fim de retratar os aspectos etnológicos que possibilitam a reconstrução da história 61

da comunidade e o resgate de sua origem étnica e da sua identidade grupal, esta última fundamentada pelas redes de sociabilidade calcadas no parentesco e nas relações de trabalho quanto à relação material simbólica que o grupo mantém com o a área que ocupa. A Sra. Suzana apresentou, na reunião da Associação da comunidade, meu interesse em pesquisar o conteúdo do relatório, destacando que o documento seria utilizado na presença de moradores no galpão de atividades comunitária. Após discussão, os associados consentiram em permitir o acesso às informações históricas e culturais, que a meu ver iriam impactar o trabalho, junto ao grupo de estudos dos alunos remanescentes quilombolas da EE Prof.ª Alice Rodrigues Motta e os trabalhos das oficinas de arte na comunidade para o próximo ano. Na ocasião da finalização das oficinas de arte na comunidade, a Sra. Suzana apresentou-me o RTC, ao observá-lo percebi que não haveria tempo hábil de realizar os registros na localidade da comunidade. Procurei negociar com as senhoras presentes, se haveria a possibilidade de abrir o galpão por alguns dias para que eu pudesse realizar as pesquisas ou se uma das senhoras poderiam me acompanhar até a cidade mais próxima para xerografar o documento. Passado alguns minutos de discussão a Sra. Porfíria manifestou- se dizendo que iria a cidade no dia seguinte para comprar material de construção, pois precisava ampliar a casa a fim de acomodar melhor seus parentes e amigos para as festas de final de ano e que eu deveria encontrá-la no ponto de ônibus às 7h, para ela me acompanhasse até o comércio local para tirar cópia do documento. Ao me entregar o documento para ser xerografado a Sra. Porfíria manifestou-se: “Sabe Ariadne, não é nada pessoal, e que este documento fala de quem somos da nossa negritude, ele é muito importante para nossa comunidade”. Após esta fala, a Srª Porfíria num gesto quase solene me entregou o embrulho que acondicionava o Relatório Técnico Científico, e com muito respeito e cuidado realizamos a cópia do referido documento. Ao referir-se ao Relatório como símbolo de sua negritude Porfíria destaca que a existência do mesmo põe fim aos conflitos (invasão das terras,falta de recursos e investimentos na área da saúde, educação, produção agrícola), que a comunidade enfrenta, pois por meio dele alcançaram o reconhecimento identitário de comunidade quilombola, daí a necessidade de cercarem o mesmo de todo o respeito e cuidados possíveis. 62

Ao ter acesso as informações registradas no Relatório Técnico Científico vislumbrei a oportunidade de aprofundar conhecimentos junto ao grupo de estudos, pois o mesmo apresentava dados riquíssimos sobre o modo de ser e conviver dos moradores do quilombo do Morro Seco. A sistematização das informações referentes a ancestralidade da comunidade coordenado pela antropóloga Maria Cecília Manzolli Turatti, para atender a solicitação da mesma junto ao ITESP de modo a garantir a comunidade do Morro Seco o reconhecimento da identidade quilombolas, foram convertidas em um diagrama genealógico.O diagrama construído com base nas informações genealógicas do grupo familiar identificado na pesquisa de 2006 indica uma rede densa de parentesco que envolve44 famílias (anexo 3). Posteriormente quando implementava uma leitura mais cuidadosa do diagrama que apresentava a genealogia da comunidade do Morro Seco percebi que o público que acompanhava as oficinas era constituído pelo pai ou mãe que se alternavam vez ou outra para acompanhar o desenvolvimento das atividades junto aos filhos e netos. A frequência as oficinas pelos mais velhos era a garantia de que as crianças e jovens estariam sendo assistidos da melhor forma possível, a presença dos adultos e idosos da comunidade trazia para as discussões aspectos relacionados a ancestralidade e a memória da comunidade. Desta forma os conteúdos trabalhados deveriam sempre atender as necessidades da comunidade de modo a contribuir com a aproximação entre jovens, adultos e idosos, mas e fomentar a cultura africana na comunidade por meio das atividades artísticas coordenadas por mim e pelos jovens. 63

3- ESTUDO DE CASO: FORMAÇÃO DO GRUPO DE ESTUDOS E OFICINA DE ARTE NO QUILOMBO DO MORRO SECO

A fim de propiciar uma orientação apresento inicialmente um quadro- resumo em que observaremos a cronologia do projeto. 1997- Início do Projeto: “Somos Brotos De Velhas Raízes” na E.E.Profª Alice Rodrigues Motta. 2005- Visita a comunidade Quilombola do Morro Seco e entrevista com o Senhor Bonifácio, líder comunitário. 2009- Passei a compor a equipe que coordena o Projeto “Somos Brotos de Velhas Raízes”. 2009- Organização de um grupo de estudos com alunos quilombolas e afro-descendentes. 2009-Primeiros encaminhamentos para a implantação das oficinas de arte africana - reunião com a Associação do Quilombo do Morro Seco. 2009- Implantação das Oficinas de Arte na Comunidade Quilombola do Morro Seco. 2009- Socialização dos trabalhos interdisciplinares inseridos no Projeto “Somos Brotos De Velhas Raízes”. 2010- Continuidade nos trabalhos com a Comunidade Quilombola do Morro Seco por meio das oficinas de Arte e implantação da oficina de pintura em pano de prato. 2010- Socialização dos trabalhos interdisciplinares inseridos no Projeto Somos Brotos De Velhas Raízes. Nos primeiros anos em que se deu a implantação do Projeto “Somos Brotos De Velhas Raízes” na EE Profª Alice Rodigues Motta localizada em Juquiá-SP, no ano de 1997, os componentes curriculares de História, Geografia e Arte eram os carros chefes do projeto. Com o passar do tempo, discussões foram conduzidas no sentido de que o projeto deveria assumir um posicionamento que levasse a uma reflexão sobre a dimensão do outro ao contemplar processos de intervenções artísticas, ao trabalhar o respeito às diferenças culturais permitindo a nossa transformação interior. O projeto deveria envolver profundas reflexões, que contextualizasse as temáticas relacionadas a História e Cultura Afro-Brasileira e Africana, impulsionando novas perspectivas, fugindo assim da formatação de comemorações festivas. 64

Nos anos anteriores participei como colaboradora do projeto, em 2009 passei a compor a equipe que coordenava as ações do projeto. Neste relato irei destacar as ações desenvolvidas durante o ano de 2009 a 2010. Para implementar as ações do projeto no ano de 2009 propus aos colegas que compõem a equipe de coordenação a organização de um grupo de estudos, constituído por jovens que residem nas diferentes comunidades do município de Juquiá. Os professores consideraram a proposta relevante. As reuniões do grupo de estudo ficaram agendadas para as sextas- feiras das 10h40min às 11h30min. De acordo com a dinâmica do encontro (estudos teóricos, ensaios coreográficos, escuta musical, jogos teatrais e apreciação de filmes, preparo das oficinas de arte), procurava ocupar diferentes ambientes da escola: Biblioteca, sala dos professores, pátio, refeitório, sala de vídeo. O grupo de estudos e destinatário deste estudo de caso é composto por 39 integrantes, formado por jovens afro-descendentes e quilombolas da comunidade do Morro Seco, cursando o do Ensino Fundamental do 6º ano – Terma B,três mulheres com idades de 11 anos residentes nos bairros: Colônia Santo, Morro Seco e Centro; do 7º ano – Turma A, duas mulheres e dois homens, com idades de 12 a 13 anos, residentes nos bairros: Ribeirão Fundo de Cima, Parque Nacional e Vila Florindo de cima;no 7º ano- turma B, 6 alunos, sendo 2 mulheres e 4 homens com a idade de 13 a 14 anos, residentes nos bairros: Ribeirãozinho, Morro Seco, Centro, Ribeirão Fundo e Vila Pedreira;do 8º ano- turma A, contamos com a participação de 9alunos, sendo 7 mulheres e 2 homens, com idade de 15 anos, residentes nos bairros: Cachoeirinha, Estação, CBA, Vila Sanches, Centro, Vila dos Pássaros e Ribeirãozinho; 8º ano – turma B, 4 homens, residentes no bairro do Morro Seco; do Ensino Médio, turma do 1º A, contamos com a participação de 5 jovens,4 mulheres e 1 homem, residentes nos bairros: Parque Nacional, Morro Seco, Vila Sanches, do 1º ano do EM-turma B, contamos com a participação de 2 jovens, 1 homem e 1 mulher, residentes no bairro do Morro Seco; no 2º EM - turma A, 5 jovens participaram, sendo 4 mulheres e 1 homem, residentes no bairro do Morro Seco; no 2º EM – turma B, uma jovem residente no bairro do Morro Seco; no 3º Em -turma A- 2 jovens, residente no Bairro do Morro Seco. Optei por compor um grupo de estudos com alunos das comunidades rurais por considerar que 65

grande parte dos adolescentes que compõe o corpo discente desta unidade escolar no período da manhã convergem das vinte e três comunidades rurais do município. Propositalmente a grande maioria dos alunos convidados para compor o grupo de estudos reside no Bairro do Morro Seco localidade em que encontramos a organização de uma comunidade quilombola, acreditei ser pertinente para o desenvolvimento do projeto, pois contaríamos com a presença de jovens que no seu cotidiano vivenciam as questões relacionadas à cultura africana de forma intensa. Nas primeiras reuniões com os grupos de estudo procurei motivar os jovens, desenvolvendo reflexões sobre a cultura africana, explorei em várias ocasiões dinâmicas que fortaleciam o entrosamento, a confiança e a segurança do grupo. Na ocasião em que propus aos alunos que pensassem emações de intervenção do projeto nos bairros da cidade, os alunos revelaram se entusiasmados e motivados, acreditavam na sua capacidade, demonstrando interesse em provocar transformações com as ações planejadas por eles. Até então as atividades relacionadas ao projeto eram restritas ao âmbito escolar. As sugestões de intervenção elaboradas pelos alunos variavam entre: oficinas de percussão, oficinas de máscaras, apresentações de capoeira, oficinas sobre a música e dança africana na praça central da cidade, enfim muitas ideias criativas aqueceram a discussão. Mas, ao final da socialização das mesmas um grupo de alunos que residem no quilombo sugeriu que poderíamos realizar oficinas de Arte africana no quilombo. Esta idéia impactou positivamente os outros alunos quilombolas que começaram a trabalhar para implantar o funcionamento das oficinas na comunidade Ao refletir e comentar a proposta de intervenção dos alunos me ocorreu a lembrança de uma visita que realizei em 2005 na Comunidade do Morro Seco, durante uma conversa sobre a vida na comunidade quilombola o Sr Bonifácio disse: Nossa maior preocupação aqui na comunidade é de motivar os jovens a manter viva as tradições da cultura quilombola (Entrevista, 2005). Passados cinco anos entre a conversa com o líder da comunidade e os trabalhos desenvolvidos pelo projeto junto a escola, surge a oportunidade de atender as duas frentes da comunidade. Como educadora senti o peso da responsabilidade frente a este desafio: de um lado os jovens buscando levar atividades artísticas e culturais para o quilombo onde residiam, e do outro a 66

comunidade na figura do líder comunitário externando a preocupação em estreitar os vínculos de relacionamento com os mais jovens de modo a envolvê-los nas atividades que garantem a manutenção das tradições na comunidade. A fala do Senhor Bonifácio aliada à preocupação dos jovens, garantia uma porta de acesso para o desenvolvimento do trabalho. Organizados com o propósito de estudarem, planejarem e aplicarem as atividades de arte africana na comunidade sob minha orientação encontrei uma rica oportunidade para abordar estas questões delicadíssimas envolvendo o relacionamento entre os pares de uma comunidade por meio da realização das oficinas de arte,que oportunizariam segundo os jovens a integração dos mesmos junto aos adultos e idosos. Por meio desta proposição sugerida pelos alunos vislumbrei a possibilidade de implementar um trabalho de pesquisa voltado para um processo de intervenção sócio comunitária no referido quilombo focando o problema: como a arte enquanto intervenção educativa poderia contribuir para fortalecer a integração dos jovens e favorecer a construção da identidade dos jovens quilombolas? A partir deste momento vislumbrei a possibilidade de pinçar estas inquietações como o foco do meu estudo para o programa de mestrado e lancei-me ao desafio para buscar a resposta a estes questionamento. Os platôs da arte escolhidos para o desenvolvimento das atividades foram: Mediação e patrimônio cultural, e nutrição estética. A arte foi escolhida como recurso a ser explorado em todas as frentes do projeto: grupos de estudo, oficinas de arte africana e atividades interdisciplinares envolvendo a temática das africanidades devido as múltiplas possibilidades de proposições que suas linguagens proporcionam. É por meio dela e de seus símbolos que podemos compreender melhor a humanidade e provocar intervenções que venham a propiciar mudanças sociais concretas. A fim atender as perspectivas dos alunos frente às atividades que iriam desenvolver junto ao grupo de estudos e posteriormente oficinas de arte, organizei o trabalho em duas etapas. Primeiramente, eram abordados conteúdos sobre a cultura africana para analisar o processo de construção e/ou fortalecimento da identidade dos adolescentes afro-descendentes e quilombolas com relação à sua auto-estima, quando envolvidos com ações 67

comunitárias artísticas, buscando o autoconhecimento e o exercício dos direitos e deveres, de modo a facilitar a inserção no coletivo. O grupo de estudos explorou as seguintes unidades temática: a) Um olhar sobre a diversidade; b) Modos de Ver: Valores Civilizatórios Afro-brasileiros; c) Heróis de todos os tempos; d) Adinkra – símbolos africanos; e) Quilombos do passado/Quilombos Contemporâneos; f) África: berço da civilização e do conhecimento: Ciência e Tecnologia; g) Mancalas- jogos; h) Artistas fotógrafos brasileiros; i) Memória das palavras; i) Arte Africana: máscaras, esculturas, pintura, música.

Numa segunda etapa do trabalho a proposta seria organizar os preparativos das oficinas de arte africana. Todo o processo desencadeado com a implantação das oficinas levou os alunos a, refletirem, e a organizarem a estrutura de funcionamento das oficinas Aos alunos coube a seleção das temáticas que seriam abordadas, as técnicas, a localidade, tempo de duração da realização das oficinas, a possibilidade de garantir lanche para um momento de confraternização visto que estas ocasiões favorecem o encontro entre as partes envolvidas devido ao caráter festivo, lúdico e informal que caracteriza estes momentos. A metodologia utilizada pelo grupo de estudo englobava: a) estudo teórico, análise de filmes, escuta musical, análise estética de obras de Arte, dinâmicas de relacionamento interpessoal; b) entrevistas com pessoas que tiveram e tem experiências práticas com a Arte em intervenções sócio-comunitárias com o foco nas africanidades; estudo de caso: alunos e professores das escolas da rede municipal, estadual e particulares de ensino; c) análise do repertório pesquisado, de maneira a estimular a compreensão da temática estudada; 68

d) oficinas de arte (Música, Dança, Teatro, Artes Visuais), artesanato, linguagens híbridas e linguagens convergentes para explorar as temáticas relacionadas às africanidades; e) mapeamento das atividades artísticas desenvolvidas na comunidade quilombola; f) palestras, seminários, oficinas e apresentações dos alunos que participam do grupo de estudos na comunidade quilombola, nas escolas estaduais, públicas e particulares da cidade. O grupo de estudos adotou alguns critérios como instrumentos avaliativos para acompanhar o desempenho dos alunos: 1. Presença aos encontros; 2. Participação nos debates aferida mediante: 3. A frequência das intervenções; 4. A pertinência das observações e questões formuladas; 5. Relato semanal da reunião realizado pelos alunos; 6. Produção de trabalhos bidimensionais e tridimensional.

Com o passar do tempo percebi que os jovens tornaram-se motivados, engajados, pela proposta, pois pesquisavam dinâmicas, conteúdos relacionados à africanidade como poesias, músicas, imagens; criavam apresentações utilizando multimídia para mostrar fotos das atividades do projeto desenvolvido na escola para a comunidade. Sentiam que precisavam buscar meios para dialogar com a sua cultura. Percebi que o meu trabalho mais do que um empreendimento salvador da cultura era na verdade um trabalho delicado no sentido de fomentar por meio de uma pratica educativa em arte, o envolvimento dos integrantes da comunidade na construção da identidade entre o olhar/sentir/interagir.

3.1 Grupo de estudo convite a reflexão

Durante as reuniões com o grupo de alunos quilombolas, refletimos sobre suas ações na comunidade e muitos relataram as dificuldades sócio- econômicas que enfrentam. A grande maioria dos jovens, após o término do segundo grau, deixa a comunidade em busca de emprego, os que 69

permanecem encontram dificuldade em absorver ou mesmo lutar pela a riqueza cultural das tradições quilombolas. Ao longo das atividades desenvolvidas no grupo de estudos, os jovens quilombolas relataram que nas ações cotidianas enfrentam processos de exclusão: Destacaram que vivem este processo na comunidade quilombola, pois o bairro do Morro Seco está localizado no município de Iguape, mas quem atende as necessidades sociais, religiosas e educacionais (incluindo o transporte escolar) é o município de Juquiá, soma-se a isso a crescente necessidade dos jovens deixarem a comunidade em busca de trabalho, para viabilizar uma estratégia de sobrevivência. Os moradores ainda enfrentam conflitos, pois o quilombo do Morro Seco ainda não recebeu titulação e assim que esta sair, todos os proprietários de terras que não pertencerem à associação quilombola ou não forem remanescentes quilombolas deverão deixar o local. Na cidade, ao iniciar os estudos, enfrentam conflitos relacionados ao preconceito. Sozinhos, sem a proteção da rede comunitária em que foram criados, sentem-se desprotegidos, acuados, os jovens acabam por revelar certa resistência e desconforto causado pela timidez, quando inquiridos sobre ser um jovem quilombola. Neste sentido, o trabalho com o grupo de estudos e posteriormente a organização das oficinas de Arte na comunidade atendeu às prerrogativas previstas pelas Diretrizes Curriculares Nacionais para a Educação das Relações Étnico-Raciais e para o Ensino de História e Cultura Afro-Brasileira e Africana no sentido de situar os alunos quilombolas como protagonistas de ações que os levassem a rememorar suas memórias e heranças culturais, abraçando a possibilidade de provocar ações comunitárias visando o fortalecimento da rede de experiências entre eles e os demais integrantes da comunidade. O intercâmbio de informações sobre a cultura quilombola do Morro Seco vivenciada por meio das oficinas de arte africana e trazida ao grupo de estudos posteriormente para ser compartilhada com outros alunos oportunizaria uma rica troca de experiências no sentido de levar os alunos a uma reflexão sobre o impacto das vivências artísticas neles e nos demais integrantes da 70

comunidade; fortalecendo o diálogo entre as partes envolvidas e no que diz respeito aos alunos do grupo de estudos, favoreceria a elaboração de novas proposições de atividades a serem aplicadas no quilombo e fomentaria novas ações para enriquecer o projeto na escola, impactando e sensibilizando os jovens a se com prometerem com suas origens culturais, atendendo o objetivo idealizado pelas oficinas. Um dos trabalhos desenvolvidos que auxiliou os alunos a mergulhar na proposta de intervenção artística na comunidade por meio das oficinas foi a criação de um blog. Este recurso foi construído pelos alunos quilombolas em parceria com a equipe do Acessa Escola, um programa do Governo do Estado de São Paulo desenvolvido pelas Secretarias de Estado da Educação e de Gestão Pública, sob a coordenação da Fundação para o Desenvolvimento da Educação (FDE), que tem por objetivo promover a inclusão digital e social dos alunos, professores e funcionários das escolas da rede pública estadual foi à criação um blog da africanidade que pode ser acessado no http://africanidaderaizes.blogspot.com. O objetivo do blog era postar as ações do Projeto “Somos Brotos De Velhas Raízes”, as atividades das oficinas de Arte africana e ainda estimular e favorecer o contato com jovens de outros quilombos. Na ocasião da socialização das atividades do “Projeto Somos Brotos de Velhas Raízes” em novembro de 2010 o blog foi apresentado aos visitantes e autoridades que estiveram na escola. A comunidade do quilombo do Morro Seco teve acesso a Internet em outubro de 2010, o que veio a facilitar ainda mais o trabalho dos alunos. Na comunidade os computadores ficam a disposição dos alunos para a realização de pesquisas e projetos. O blog da africanidade foi apresentado a Associação quilombola que acolheu a iniciativa positivamente. As ações afirmativas desencadeadas pelo Projeto: Somos brotos de velhas raízes no âmbito escolar e na comunidade quilombola do Morro Seco, focalizaram necessidades, apontaram diferenças estruturais entre as realidades vivenciadas pelos jovens, buscou despertar o interesse dos jovens pela cultura modelada pela tradição africana da comunidade contribuindo para o princípio de igualdade e autonomia dos jovens. 71

3.2 Um olhar sobre o percurso vivenciado pelo Projeto “Somos Brotos De Velhas Raízes” e a proposição para novas perspectivas

Ao iniciar as atividades escolares em fevereiro por meio das reuniões de replanejamento na E.E.Profª Alice Rodrigues Motta, o grupo de professores responsáveis pela coordenação do Projeto “Somos Brotos De Velhas Raízes”, analisou o desenvolvimento das atividades, visando implementar mudanças na estrutura do mesmo. Para que estes novos direcionamentos ocorressem solicitei autorização da Equipe Diretiva para realizar em algumas reuniões de HTPC, uma retomada dos trabalhos relacionados ao Projeto “Somos Brotos De Velhas Raízes. Saliento que a parceria da equipe diretiva foi fundamental para redirecionar as ações do projeto. Na ocasião das reuniões de HTPC, discutimos sobre a possibilidade de ampliar as ações do projeto para além dos muros da escola,com este desejo os professores alimentaram uma carta de intenções visando promover ações que provocassem intervenções culturais. As cartas de intenções apresentavam três itens: ações elencadas para a comunidade local, ações elencadas para envolver a participação do Quilombo do Morro Seco, Ações envolvendo o intercâmbio com a EEBP Fundação Bradesco. Abaixo relaciono as idéias construídas junto aos professores para implementar novas ações na versão 2009 do projeto. Ações elencadas para a comunidade local, a curto e médio prazo: - Socialização dos trabalhos interdisciplinares desenvolvidos na escola para a comunidade local pela exposição de painéis em espaços públicos da cidade. - Apresentações culturais com destaque para os artistas afro-brasileiros da cidade e participação do grupo de reisado e fandango do Quilombo do Morro Seco. - Palestras nas escolas municipais e estaduais sobre a importância de abordarmos as temáticas relacionadas às africanidades. 72

Ações elencadas para envolver a participação do Quilombo do Morro Seco. médio prazo:

- Produção de cartas endereçadas ao Prefeito municipal e a Câmara dos vereadores, revelando apelo dos jovens quilombolas para que atendam as necessidades do bairro onde o quilombo se localiza.

Ações envolvendo o intercâmbio com a EEBP Fundação Bradesco, a médio e longo prazo:

-apresentações culturais: Fandango e reisado do Quilombo do Morro Seco; -palestras dos jovens quilombolas aos alunos da escola; -troca de correspondências entre os alunos das escolas; -socialização dos trabalhos sobre a africanidades para os alunos quilombolas.

Para que todas as atividades fossem desenvolvidas e atendessem seus objetivos, paralelamente as reuniões do grupo de estudo,durante as aulas semanais de Arte previstas na carga horária - duas aulas semanais-, foram planejadas atividades culturais que desencadearam proposições reflexivas, críticas e criativas (participação em concursos externos, planejamento e campanhas contra o preconceito, palestras sobre a temática relacionada à cultura africana, replanejamento das ações vinculadas ao Projeto “Somos Brotos De Velhas Raízes”. Estas atividades contribuíram fortalecendo a auto- estima, o sentido de pertença para com as projeto, grupo de estudos e oficinas levando a despertar nos alunos o entendimento dos problemas que estavam enfrentando e ainda favoreceu enfrentamento civilizatório das realidades (campo e cidade) em que residem e estudam. Vivenciando situações que os levavam a refletir não apenas na inclusão social, mas também no direito a tentar desidentificações com o passado opressor, com a lógica do mercado, com o preconceito, buscando o novo e o exercício da crítica e de reinvenções identitárias. 73

O nome do projeto partiu de uma sugestão minha apresentada aos colega durante as reuniões, este nome representa as novas perspectiva que o projeto desejava alcançar. Posteriormente na ocasião das reuniões realizadas com os alunos quilombolas estes durante as discussões para escolha da atividade refletiram relacionando o nome do Projeto “Somos Brotos de Velhas Raízes com a sua própria origem. Expressaram que eram pequenos brotos semeados na terra fértil cultivada pelas lutas e conquistas de seus antepassados que imortalizados pela lembrança de suas ações faziam-se presentes no cotidiano do quilombo e inspiravam suas novas ações As atividades desencadeadas pelo grupo de estudo impulsionaram um engajamento mais efetivo, envolvendo um número maior de participantes. Diferentes componentes curriculares envolveram-se, estabelecendo conexões comprometidas com a proposta do projeto. Optei por apresentar a ficha descritiva do projeto no anexo 1. Abaixo relaciono as atividades do Projeto “Somos Brotos De Velhas Raízes, que foram socializadas ao final do ano. As ações apresentadas oportunizaram aos alunos afro-descendentes e quilombola conhecimentos e segurança para orgulharem-se da sua origem africana; para os demais alunos envolvidos, as ações permitiram que os alunos ampliassem seus olhares e identificaram as influências, a contribuição, a participação e a importância da história e da cultura dos negros no seu jeito de ser, viver, de se relacionar com as outras pessoas, notadamente as negras, estas conquistas enquanto aprendizagem que movimenta e impulsiona transformações visíveis nas relações interpessoais. 74

Atividades - Heróis de todos os tempos 7º anos – Turmas: A/B

Os alunos foram orientados a pesquisar a vida dos heróis e heroínas negros e negras que cotidianamente auxiliaram a nutrir a cultura brasileira com seu jeito de ser, pensar e agir. 75

Atividade: Memórias e referências culturais - Caixas cultural - 9º anos –Turmas: A/B

Os alunos foram motivados criar uma caixa cultural. O interior da caixa deveria apresentar objetos da cultura africana que influenciaram a memória e a herança cultural de sua família. E do lado de fora deveriam estampar a caixa com os valores civilizatórios afro-brasileiros presentes em sua educação. 76

Atividades: Brinquedos e brincadeiras de origem africana – 6º anos – Turmas: A/B

Após estudo realizado sobre o valor civilizatório- ludicidade, as crianças pesquisaram os brinquedos de origem africana, em seguida criaram representações dos mesmos: bonecas, gangorras e amarelinha. 77 78

Atividade - Instrumentos musicais de origem africana 1º EM – Turmas: A/B

Os alunos representaram a contribuição do africano na formação da musicalidade do povo brasileiro, elaborando cartazes que representavam os principais instrumentos musicais, em seguida participaram de oficinas de percussão e vivenciaram dinâmicas musicais 79 80

Atividade: Produção de Maquetes- Quilombo no passado e no presente – 7º anos Turmas: A/B

Os alunos produziram nas aulas de Geografia maquetes que contextualizavam a vida dos africanos na formação do quilombo do passado e a vida dos afro-descendentes na atualidade. 81 82 83

Atividade -A fermentação da cana-de-açúcar e de milho para produzir pinga – 1º E.M. – Turmas: A/B

Durante as aulas de Química sob a coordenação do Profº Carlos, os alunos aprenderam o processo de fermentação da cana-de-açuçar e de milho para a produção da pinga. 84 85

Atividade- Gráficos - 2º anos do E.M. Turmas: A/B

Nas aulas de Geografia a Professora Joelma Magalhães Silva, os alunos construíram gráficos sobre: População brasileira segundo a cor; Brasil: Terra de desemprego por grupos étnicos e Brasil: Taxa de frequência líquida por sexo e grupos étnicos. 86

Palestra: Melanina e preconceito – Realizada pela Profª de Biologia Priscila Zamarchi 87

Atividade: Elaboração de Mapas 2º E.M. Turmas: A/B

Orientados pela professora de Geografia os alunos construíram mapas da localização dos quilombos no Vale do Ribeira e da África – Berço da civilização e do conhecimento 88 89

Oficina de Culinária africana – com a participação dos alunos do grupo de estudos.

Como o auxílio da SrªMarlice, voluntária da comunidade, os alunos elaboraram vários pratos da culinária africana. Posteriormente foram vendidos no intervalo da socialização das atividades do Projeto:”Somos Brotos De Velhas Raízes”, ao centro observamos um painel que apresenta várias receitas da culinária africana. 90

Atividade: Adinkra 9º anos – Turmas: A/B

Os alunos pesquisaram os símbolos de origem africana e os aplicaram em acessórios, objetos de decoração, capas de CD,etc. 91

Atividades- Estudos e reflexões 9º anos – Turmas: A/B

Durante as aulas de Geografias os alunos realizaram estudos sobre a criminalização do racismo e a influência cultural africana no Brasil 92 93

Exposição dos trabalhos produzidos ao longo do Projeto: “Somos Brotos De Velhas Raízes” 94

Atividade- Livro do artista/ livro objeto – Memória e herança cultural 9º anos- Turmas: A/B

Os alunos produziram nas aulas de Arte livros objeto expressando em cada página sua memória e suas heranças culturais. 95

Atividades: Bandeiras e máscaras 7º anos- Turmas: A/B

Durante as aulas de arte os alunos produziram bandeiras representando a pluralidade cultural e estudaram a escultura africana vindo posteriormente a produzir máscaras de argila. 96 97

Atividade: Danças com referência afro Ensino Fundamental e Ensino Médio

Após estudo sobre o valor civilizatório musicalidade e corporeidade os alunos foram motivados a vivenciar um projeto de intervenção ao explorar danças com referências africanas. 98

Atividade - Premiação:Concurso de poesias africanas Alunos do Ensino Fundamental e Ensino Médio

As professoras de Língua Portuguesa coordenaram um concurso de poesia africana . A premiação ocorreu durante a socialização das atividades. 99 100

Atividades: Jograis e apresentações musicais – Alunos do Ensino Fundamental, Ensino Médio e Professores

Na ocasião da socialização das atividades interdisciplinares do projeto contamos com várias apresentações de jograis e músicas. 101

Atividade- Apresentação de Capoeira – Grupo Maranas

Na ocasião da socialização das atividades interdisciplinares, alguns alunos que participam do grupo de capoeira fizeram uma belíssima apresentação. 102 103

Atividade: Ilustração de provérbios 6º ano 9º ano do Ensino Fundamental

Durante as aulas de Língua Portuguesa os alunos pesquisaram e ilustraram provérbios de origem africana. 104

Atividade: Mãos que trabalham por um mundo melhor Alunos do Ensino Fundamental e Ensino Médio.

Desenho do contorno da mão e produção de uma frase ou poesia que apresentasse uma mensagem de paz e esperança contra o preconceito e o racismo. 105

Atividade- Exposição do painel coletivo produzido pelos moradores do Quilombo do Morro Seco e artesanato da comunidade. 106

Atividade: Exposição dos bens materiais da comunidade do Morro Seco.

Durante a socialização dos trabalhos interdisciplinares os alunos quilombolas que participam do grupo de estudos mostraram durante a exposição alguns dos bens materiais que a comunidade quilombola possui. 107 108 109

3.3 Primeiros encaminhamentos para a implantação das oficinas de arte africana - reunião com a Associação do Quilombo do Morro Seco

Nesta etapa do trabalho, relato os primeiros encaminhamentos para a implantação das oficinas de arte africana junto a Associação do quilombo do Morro Seco. Observaremos pelos relatos, aspectos que revelam a contribuição da mesma para a inserção do jovem no coletivo da comunidade. As atividades realizadas na oficina de Arte, explorando as diferentes linguagens artísticas, despertaram a atenção dos jovens para perceber-se como agente de transformação social, responsável e consciente dos seus próprios limites e possibilidades. Na comunidade, aprender requer uma atitude fundamental - respeito atencioso dos menos experientes para com os mais experientes, do aprendiz para com o mestre, dos mais jovens ara com os mais velhos. Aprender demanda atenção, trabalho, esforço para interpretar dados e situações, enfrentar dificuldades, resolver problemas, planejar empreendimentos. Para aprender é necessário que alguém mais experiente, em geral mais velho, se disponha a demonstrar, a acompanhar a realização de tarefas, sem interferir, a aprovar o resultado ou a exigir que seja refeita. A ação concreta do Projeto “Somos Brotos De Velhas Raízes” na comunidade quilombola idealizada pelas oficinas de Arte organizadas pelos alunos do grupo de estudos previa que o jovem interagisse com os adultos e idosos da comunidade. Na visão dos alunos quilombolas a realização das oficinas seria uma rica oportunidade, pela qual jovens, adultos e idosos participariam, vivenciariam e compartilhariam aspectos da cultura africana aprendidas por eles durante as atividades realizadas no projeto. A realização das oficinas de arte seria uma ocasião de encontros e vivências, momentos de estreitar os laços de convivência entre todos. Na ocasião da organização da reunião no Quilombo fui informada pela aluna Luma que o ITESP solicitou a presença dos integrantes da associação do Quilombo, bem como a participação de um representante do ITESP. 110

Nesta etapa do trabalho considerei importante compartilhar com a PCOP Professora Adosinda responsável pela coordenação dos projetos relacionados à pluralidade cultural via Diretoria de Ensino às ações do Projeto “Somos Brotos De Velhas Raízes” para o ano de 2010, ela considerou que todas as proposições eram relevantes e que daria o apoio necessário à implantação das oficinas na comunidade. Os primeiros contatos com o ITESP foram realizados pela Professora Coordenadora da Oficina Pedagógica Adosinda, nos quais definimos o local, o dia e o horário, atendendo as necessidades da comunidade. Os alunos que participam do grupo de estudos entregaram os convites aos integrantes da associação e aos demais jovens que moram na comunidade. Também fixaram cartazes na capela da comunidade. Os alunos produziram as pastas de canto, organizaram o cronograma da reunião, os crachás, as lembrancinhas, escolheram o cardápio do lanche. A expectativa para a realização da reunião era muito grande. Chegamos ao local determinado, o barracão da comunidade do Morro Seco, ao lado da Igreja Católica, com meia hora de antecedência. Assim que localizei os alunos que moram na comunidade e que participam do grupo de estudos procuramos os senhores Modesto e Hermes,respectivamente, (Presidente e Vice - presidente da Associação Quilombola do Morro Seco), e apresentamos a pauta que os alunos haviam preparado para a realização da reunião. Após a permissão para a realização das atividades programadas os alunos organizaram o ambiente da reunião: recepção com crachás, as cadeiras organizadas em círculo no centro do salão, mesas com as lembranças, música africana ambiente, mesa ao fundo do salão preparada para a confraternização ao final da reunião. À medida que as pessoas da comunidade que compõe a associação iam chegando, os jovens realizavam a acolhida, pediam para que a pessoa assinasse a lista de presença e em seguida entregavam um crachá que apresentava a figura de uma rabeca, - (instrumento musical tradicionalmente utilizado na comunidade nos momentos em que os moradores executam o fandango e o reisado-). Estando todos devidamente acomodados – ao todo eram quarenta pessoas entre jovens, representantes da Associação Quilombola e convidados 111

externos - o Senhor Modesto - Presidente da Associação do Quilombo do Morro Seco realizou as devidas apresentações: PCOP de Pluralidade Cultural da Diretoria Regional de Miracatu – Prof.ª Adosinda Cortesia Mendes, e a Professora de Arte da EE Prof.ª Alice Rodrigues Motta – Ariadne Rodrigues Vieira e destacou que ambas solicitamos a realização da reunião junto à diretoria da associação para propor a execução de um projeto na comunidade. Destaquei que representava a escola EE Prof.ª Alice Rodrigues Motta e me apresentei como responsável pelo projeto: “Somos Brotos De Velhas Raízes” que a U.E. Desenvolve, destacando a atuação dos jovens quilombolas frente às atividades. Solicitei a associação permissão para realizar uma ação do projeto junto à comunidade. A intenção inicial era a de que os jovens que participavam do projeto pudessem compartilhar seus conhecimentos com a comunidade e vice-versa por meio da realização de oficinas culturais. Neste momento a PCOP Prof.ª Adosinda chegou a perguntar se na comunidade existia uma escola em que se trabalhassem os valores e referência da matriz africana. Ao que os integrantes responderam que não havia. A professora Adosinda perguntou se eles gostariam de ter na comunidade uma escola que ensinasse a partir da referência africana, os integrantes da Associação Quilombola responderam que não havia necessidade, pois na comunidade já havia uma escola que atendia as crianças do ensino fundamental e depois elas continuavam os estudos na cidade de Juquiá Dando continuidade a discussão, apresentei a proposta da realização de Oficinas de Arte na comunidade aos domingos, destacando que trabalharíamos a princípio com atividades artísticas em que os mais experientes da comunidade compartilhariam seus conteúdos (-relatos de causos, histórias, piadas, experiências-) com os mais jovens, estes reescreveriam os relatos e juntos: adultos, jovens e idosos aplicaram estas informações em atividade artísticas (- pintura, colagem, modelagem, bordados, etc.-). Seria uma tentativa de aproximar ainda mais o jovem das histórias que compõe a tradição quilombola da comunidade. As produções advindas dos relatos dos mais velhos para os mais jovens seriam transformadas num livro: “Contos e Recontos da Comunidade Quilombola do Morro Seco”. 112

A proposta das Oficinas de Arte Africana foi acolhida com entusiasmo pela comunidade. Os integrantes da comunidade manifestaram-se a favor da realização das mesmas, pois seria uma rica oportunidade de estreitar o vínculo com os mais jovens da comunidade. O grupo de estudos optou por explorar neste momento da reunião os valores civilizatórios africanos e afro-brasileiros no sentido fazer um chamamento aos valores que acreditavam terem herdado de seus antepassados e repassados a eles por seus familiares. Para os jovens quilombolas este trabalho fortaleceria o sentido de coletividade, da diversidade, da cooperação e da convivência em comunidade. Dando continuidade às atividades previstas para a reunião, os jovens realizaram a apresentação “Valores Civilizatórios Afro-brasileiros”. Os jovens organizaram uma linha espiralada com fitas de cetim coloridas no chão e em seguida solicitaram para que cada um dos participantes colocassem sobre as fita os valores civilizatórios pintados em pequenas placas previamente distribuídas na recepção do encontro: - axé, musicalidade, corporeidade, religiosidade, ludicidade, cooperação, oralidade, ancestralidade -, à medida que as placas eram organizadas sobre as fitas os alunos explicavam seu significado e sua importância. Em seguida realizaram o jogral: “Ser gente”. Os jovens ficaram sensibilizados com a receptividade da comunidade. Na sequência, organizamos a estrutura das oficinas e discutimos sobre o dia, horário e local em que as Oficinas de Arte aconteceriam. A associação decidiu que os encontros seriam realizados após o culto dominical, das 13h às 14: 30h. Para encerrar as atividades preparadas pelos alunos, estes cantaram a música: “É preciso saber viver” e entregaram lembrancinhas:- uma flor feita de jujuba com um cartão contendo o provérbio: “Uma boa árvore é aquela que se lembra da semente que a gerou”. Ao final da apresentação o Senhor Modesto, um dos pilares da comunidade, dirigiu-se ao grupo muito sensibilizado dizendo: “Este momento é um dia de muita felicidade para a comunidade, pois os jovens tiveram uma apresentação marcante, apresentaram-se e mostraram respeito pela cultura africana, é o sonho que há muito tempo queremos realizar, que é o 113

de reunir toda a juventude da comunidade para falar sobre as questões do quilombo.

Apresentação musical

Erika Vieira, 2009

Participantes da reunião

Erika Vieira, 2009

O Sr. Hermes agradeceu o modo como a reunião foi cuidadosamente organizada, desde a recepção, as apresentações e as discussões. Ao final realizamos uma confraternização: lanche de ao som de músicas africanas. 114

3.4 Oficinas de Arte Africana na comunidade quilombola do Morro Seco

Em meados do mês de abril de 2009, quando o grupo de estudos reuniu- se para programar as atividades da oficina de Arte africana, discutimos como poderíamos promover atividades que fizessem os moradores da comunidade refletir obre o que é ser quilombola, sobre o espaço que ocupam o valor que atribuíam ao local em que lutavam pela manutenção da tradição quilombola, qual era o papel do jovem quilombola, como o jovem quilombola interagia com sua cultura. As atividades desenvolvidas durante as oficinas de arte contemplavam conteúdos que envolviam: articulação entre passado, presente e futuro no âmbito de experiências, construções e pensamentos produzidos em diferentes circunstâncias e realidades do povo negro; organizações negras, incluindo a história dos quilombos, a começar pelo de Palmares, e de remanescentes de quilombos, que têm contribuído para o desenvolvimento da comunidade, neste caso focamos a vida e a luta dos irmãos: Hermes, Bonifácio e Armando pelo reconhecimento da comunidade onde residem como Quilombo; o respeito ao próprio jeito de ser, viver e pensar manifestado tanto no dia a dia, quanto em celebrações religiosas; as contribuições do Egito para a ciência e filosofia ocidentais; as universidades africanas Tambkotu, Gao, Djene que floresciam no século XVI; as tecnologias de agricultura, de beneficiamento de cultivos, de mineração e de edificações trazidas pelos escravizados, bem como a produção científica, artística (artes plásticas, literatura, música, dança, teatro) política, na atualidade. Optamos nesta primeira oficina por explorar as cores da terra da comunidade quilombola um território que para todos é um elemento formador da identidade, pois é herança legada a eles por seus ancestrais. Nos textos em anexo apresento a ficha descritiva do Projeto “Somos Brotos De Velhas Raízes e a Agenda Socioambiental da Comunidade do Morro Seco com o objetivo de oferecer elementos que auxiliam a contextualizar a realidade desta comunidade. 115

3.5.1.Registro das oficinas

A seguir apresento registro do trabalho de intervenção realizado pelas Oficinas de Arte Africana na comunidade quilombola do Morro Seco.

3.5.2.1-1ª Reunião – Oficina de Arte Africana Juquiá, 20 de dezembro de 2009 Horário: 13h às 14: 30h Local: Salão da Associação dos Moradores do Morro Seco

Programa Horário Atividades 13h às 13h10 Recepção 13h10 às 13h20 Objetivo do encontro 13h10 às 13h40 Discussões/reflexões 13h40 às 14h10 Apresentações dos alunos 14h10 às 14h30 Lanche

Materiais Quantidade Materiais Descrição 30 Folhas de cartolina Branca 30 Pincéis chatos Nº14 e nº 26 01 Litro-colacascorez Rótulo azul 01 Máquina fotográfica Digital

Lanche Quantidade Descrição 4 Litros de refrigerante 2 Formas de bolo de chocolate 100 Croasant de presunto e queijo 1 Pacote do copo descartável

Desenvolvimento da atividade

Ao chegarmos ao local combinado para realizar a oficina no galpão da comunidade, solicitamos aos líderes autorização para organizar o ambiente de trabalho.Ordenamos as cadeiras de plástico no centro do salão em forma de círculo e em seguida pedimos que cada integrante da roda escolhesse uma 116

bexiga, enchesse-a e amarasse-a. Todos foram orientados que ao som da música não poderiam deixar cair uma bexiga sequer no chão, uns deveriam ajudar a cuidar da bexiga do outro, nenhuma bexiga poderia cair no chão. Ao final da atividade os integrantes foram orientados a estourar os balões. No interior de cada balão, os participantes encontraram pequenos pedaços de papel dobrado contendo provérbios africanos que foram lidos e comentados. Em seguida todos foram convidados pelos alunos a apreciarem o Filme:“O início da construção do mundo” produzido pelo projeto A cor da Cultura que reconhece a importância e o valor da História e da cultura negra e africana e afro-brasileira, o que implica saber dividir, ser companheiro (malungo), dividir/compartilhar o espaço e o poder. Após refletirmos sobre o conteúdo do filme, realizamos a leitura estética de pinturas africanas realizadas com pigmento natural. Então nos dirigimos para fora do galpão, e os participantes recolheram vários tipos e cores de terra. Em seguida peneiramos e socamos os pigmentos coletados no almofariz. Misturamos a terra cola e água. Repetimos esta operação até que todos os pigmentos coletados estivessem preparados e prontos para serem aplicados sobre a superfície da cartolina. Os moradores da comunidade ficaram impressionados com a gama de cores e com a textura da tinta que produziram a partir da terra da localidade onde estavam. Os alunos do grupo de estudo auxiliaram na organização do espaço e no agrupamento dos integrantes da comunidade nas mesas. Cada grupo produziu uma pintura abstrata utilizando como materialidade os pigmentos naturais coletados na comunidade.

Dinâmica com balões Pintura com pigmento natural

Ariadne Vieira, 2010 Ariadne Vieira, 2010 117

Pintura com pigmento natural Pintura com pigmento natural

Ariadne Vieira, 2010 Ariadne Vieira, 2010

Ao final da produção expomos as pinturas. Os participantes da oficina ficaram muito contentes com o resultado. Alguns chegaram a criar padronagens africanas nas figuras abstratas, o resultado ficou muito interessante. Acreditei ser de muita importância impactar a comunidade com um trabalho de arte que falasse de seu apresso pela terra que ocupam, pelo valor histórico, cultural:cantando, dançando, praticando suas devoções. Terra esta que congrega através da tradição e da religião, segundo as palavras do Sr. Bonifácio. 118

Pintura- Pigmento Natural

Ariadne Vieira, 2010 Ariadne Vieira, 2010 Ariadne Vieira, 2010

Ariadne Vieira, 2010 Ariadne Vieira, 2010 Ariadne Vieira, 2010

Ariadne Vieira, 2010 Ariadne Vieira, 2010 Ariadne Vieira, 2010

A atividade de pintura com pigmento natural os remeteu a lembrança da sua ancestralidade. Ao término da pintura coloquei um mapa do continente 119

africano no chão e à medida que apresentava as informações abaixo relacionadas indicava a localidade no mapa. Os participantes da oficina demonstraram certa satisfação pois assim como seus ancestais eles também haviam explorado nas pinturas com pigmento natural as interpretações abstratas de animais, vida vegetal explorando diferentes formas de registro.

Observações No início do encontro percebi certa resistência, os jovens não participavam, desviavam o olhar revelavam certa timidez, atitude que aos poucos se deu lugar a participação sobre os olhares atentos dos adultos e idosos da comunidade. Gostaria de relatar as primeiras dificuldades encontradas para realizar as oficinas na comunidade. Quando a escola estabeleceu contato com a Diretoria de Ensino da Região de Miracatu, colocando-os a par da execução do projeto: Somos brotos de velhas raízes, a PCOP da Diversidade Cultural Prof.ª Adosinda, assumiu junto à escola que os materiais e o lanche ficariam sobre sua responsabilidade. Mas frente às primeiras solicitações de materiais nos deparamos com as dificuldades financeiras. A PCOP disse que não havia no momento possibilidade de atender a solicitação dos materiais. Na mesma semana recebi informações de que a Diretoria não iria mais fornecer o lanche para as oficinas Destaco ainda que nas primeiras reuniões em que pudemos contar com a doação do lanche via Diretoria de Ensino para a realização das oficinas eu precisava buscá-lo na cidade vizinha (20 km) e depois levá-lo para o local em que seriam ministradas as oficinas, mais 28 km. Frente a esta situação assumi os encargos financeiros e estruturais para dar continuidade ao trabalho, tendo em vista o envolvimento dos alunos quilombolas com a proposta de trabalho. 120

3.5.2.2. - 2ª Reunião – Oficina de Arte Africana

Juquiá, 20 de dezembro de 2009 Horário: 13h às 14:30h Local: Salão da Associação dos Moradores do Morro Seco

Programação Horário Atividades 13h às 13h10 Recepção 13h10 às 13h20 Objetivo do encontro 13h10 às 13h40 Depoimento dos jovens 13h40 às 14h10 Música: Rap da Africanidade 14h10 às 14h30 Lanche

Materiais Quantidade Materiais Descrição 01 Data Show 01 Aparelho de som 01 Notebook 01 Máquina fotográfica Digital

Lanche Quantidade Descrição 4 Litros de refrigerante 2 Formas de bolo de chocolate 100 Croasant de presunto e queijo 1 Pacote do copo descartável

Desenvolvimento da atividade Na ocasião do terceiro encontro os alunos do grupo de estudo compartilharam com os demais participantes da oficina de arte sua opinião sobre o que é ser um jovem negro na sociedade contemporânea.

Nome do Aluno: Felipe Godoi – 8ª B Ser negro é ser feliz, ser gentil e alegre. Todos os negros são alegres. Só porque não é negro você vai ser preconceituoso, ter nojo de uma pessoa negra. Ser negro é tudo na vida.Todo negro sempre foi trabalhador. Todo negro foi trabalhador quando era escravo, mas mesmo assim ele lutou pela sua liberdade e hoje eles são livres pelos seus direitos. 121

Agora eles são livres, voam param onde quiserem e viajam pelo mundo.

Nome do Aluno: Adriano França de Assis - 8º série B Africanidades:temos pessoas mais velhas para contar histórias tristes e felizes. Eu nunca imaginei que existia tanta história, boas e interessantes para serem contadas para muitas pessoas que se interessam por este tipo de contos. Para mim, esta sendo uma grande honra, estar expondo esses maravilhosos contos e estar reanimando os conhecimentos da comunidade dos negros.

Nome do aluno: Andressa - 7º A Os jovens de hoje não se interessam mais pelas histórias passadas de um povo negro, ou mesmo, pelo próprio lugar onde moram, “um quilombo”, hoje em dia eles andam meio afastados da comunidade, se afastam de vergonha, pois tem medo do mundo lá fora, fingem não serem da mesma origem, mas por dentro de si carregam o sangue negro, o mesmo sangue que anos atrás foi muito derramado devido a acontecimentos que são muito tristes de serem relembrados. Não devemos nos envergonhar só porque moramos em um quilombo ou por termos origem de negros, no futuro quem sabe, o que aprendemos hoje poderá ensinar amanhã, e como vamos ensinar algo no dia de amanhã, se no dia de hoje não aprendemos nada, como todos sabemos no Brasil inteiro ainda há a descriminação, passou anos e nada disto tem um fim, mas não é por isso que devemos desistir, não vamos deixar que os sonhos de muitas pessoas se acabem, nunca deixe para amanhã o que se pode fazer hoje, façam com que o Quilombo do Morro Seco seja sempre lembrado, e jamais esquecido. Pense bem no futuro você poderá contar a história do Quilombo para várias pessoas. E lembre-se a vida é feita de momentos felizes. Mas a felicidade é algo difícil de atingir, pois só atingimos tornando felizes os outros.

Nome do Aluno: Adriana e Elaine – 2º E.M. Jovens da comunidade de hoje e que serão o futuro de amanhã. 122

Os jovens andam meio afastados da comunidade, pois não se interessam muito por essas coisas sobre a comunidade, isso quer dizer: sobre o “Quilombo”. Só que esses jovens não sabem o quanto é importante para nós morar em um quilombo, o quanto é prazeroso saber que você mora em um lugar em que pessoas sofreram muito, mas também viveram momentos felizes. Muitos jovens sentem vergonha de ser negro, não gostam e não aceitam ser como são muitos sentem vergonha por saber que na sua família existe um afro-descendente, sendo que em sua veia corre o mesmo tipo de sangue. Vergonha é ser ladrão, vagabundo e sem caráter. Pois eu me sinto orgulhosa por morar em um lugar como este, sabendo que colocaram sua própria vida em risco para ganharem a vitória e contar esta história para nós. Fico feliz em saber que as pessoas guardam estas histórias, e que vão passar para outras crianças, para os jovens do amanhã e que isto nunca será apagado da memória de ninguém. Pois todos conhecem a história do “Quilombo do Morro Seco”. É claro que nós não vamos contar como seu Bonifácio, Seu Hermes ou o seu Armando ou outra pessoa, mas o que aprendemos com eles futuramente poderá passar a outras pessoas. É uma história do “Quilombo’, que levaremos conosco até a morte. Ao final das leituras os participantes da oficina opinaram com relação aos relatos. Recordo-me que o relato do aluno Lucas impactou os adultos e idosos da comunidade, pois no início ele relata que alguns jovens afastam-se da comunidade por desinteresse e até mesmo por vergonha. Os Líderes da comunidade posicionaram-se dizendo que eram motivo de muito orgulho ser quilombola e que há seu tempo os jovens iriam reconhecer isso. Enquanto os alunos liam seus depoimentos percebi certa inquietação no grupo.Ao serem questionados a Srª Suzana relatou a problemática: Percebemos que neste grupo de jovens que frequentam a oficina de Arte existem jovens que não são quilombolas, ficamos preocupados com esta situação. Como um jovem não quilombola vai saber falar o que é ser quilombola. É uma situação muito complicada. Neste momento o Sr Hermes interviu, e olhando para os jovens disse: Vocês sabem o que é ser quilombola. O silêncio fez-se presente. Ele apresentou seu parecer dizendo. Ser quilombola 123

é se agrupar comum a comunidade de raça de origem africana é resistência, é cultura,mas não é só tradição é também cuidar da parte religiosa que prepara nossa forma de cuidar e respeitar as pessoas da comunidade. Entendemos que para falar do que é ser quilombola devemos escutar as pessoas com mais experiência na comunidade. Discutimos e refletimos sobre a questão concordando com a opinião externada pelo Sr Hermes. Refletimos e a acordamos que para tratar dos assuntos pertinentes a formação do jovem quilombola na comunidade somente os mais velhos o poderiam fazê-lo. Solicitei que eles sugerissem a temática a ser trabalhada na próxima oficina e após algumas discussões chegamos a uma conclusão. No próximo encontro daríamos início as atividades de contos e recontos, oportunidade em que os mais idosos da comunidade poderiam compartilhar suas experiências de quilombola com os mais novos e estes reescreveriam e ilustrariam as histórias. Após as reflexões os alunos realizaram uma apresentação musical: Rap da Africanidade produzidos por eles durante as atividades do grupo de estudo.

RAP DA AFRICANIDADE

Branco, negro, tanto faz, somos todos iguais Este é o rap da paz, e você aí rapaz O que é faz, para manter a paz, nessa sociedade tão desigual Este é o rap que faz, é o rap da paz Homens, mulheres e crianças, sempre gostaram de música, música da paz É na dança, é na ginga, é na luta pela paz que a sociedade se fortalece e se satisfaz. Este é rap que faz é rap da paz (2x) E você ai jovem que busca a paz, cante este rap que toda a diferença faz. Viva o direito, viva a união e fortaleça essa canção. Este é o rap que faz, é o rap da paz. (2x) 124

Ao final do encontro retomei a discussão com o grupo sobre a minha presença na comunidade. Estava ali, desenvolvendo um trabalho junto à comunidade que desde adolescente aprendi a respeitar e considerar como elemento determinante para a formação do meu repertório cultural fosse: nas celebrações religiosas, nos encontros promovidos entre os jovens da cidade e do campo promovidos pela PJ (pastoral da Juventude da Diocese de Registro, lembro-me que as catequistas nos levavam a pé da cidade até a comunidade, era uma aventura. Depois como professora tive o prazer de tê-los presentes em várias atividades que envolvia assuntos relacionados às africanidades: Desfiles cívicos, palestras, apresentações de capoeira, apresentações do fandango e reisado. Mas, agora vivendo esta nova etapa da minha vida profissional acreditei que o Projeto “Somos Brotos De Velhas Raízes” poderia romper com as barreiras dos murros escolares e ganhar ações efetivas numa comunidade quilombola, principalmente porque muitos dos nosso s alunos vivem e se nutrem desta realidade. O desejo de explorar este desafio junto aos alunos também veio ao encontro a minha busca enquanto educadora para delimitar um tema a ser desenvolvido no programa do mestrado, pois queria entender como se estabeleciam as conexões entre os mais jovens e o mais velhos na manutenção de sua cultura e que na medida do possível gostaria de auxiliá-los neste trabalho. Expliquei para eles que todo o trabalho seria documentado por fotos e registros e para tanto necessitava da autorização deles para fazê-lo. Em seguida realizei a leitura do documento explicando cada parágrafo e ao final o Sr Bonifácio manifestou-se dizendo que o documento deveria ser discutido na reunião da Associação quilombola, pois o Presidente da Associação, Sr. Hermes, que toma as decisões referentes aos assuntos relacionados ao quilombo não se encontrava presente. Na hora da despedida o Sr Bonifácio, um dos líderes da comunidade, me presenteou com a Agenda Socioambiental de Comunidades Quilombolas do Vale do Ribeira coordenado pelo Instituto Sócio Ambiental (ISA), assumi o compromisso de explorar o conteúdo da Agenda nas reuniões com o grupo de estudo. Encerramos o encontro com o lanche. 125

3.5.2.3 -3ª Reunião – Oficina de Arte Africana

Juquiá, 14 de fevereiro de 2010 Horário: 13h às 14:30h Local: Salão da Associação dos Moradores do Morro Seco

Programação Horário Atividades 13h às 13h10 Recepção 13h10 às 13h20 Objetivo do encontro 13h10 às 13h40 Contos e Recontos 13h40 às 14h10 Socialização dos trabalhos 14h10 às 14h30 Lanche

Materiais Quanti Materiais Descrição dade 30 Canetas esferográficas Azul 30 Lápis grafite 01 Máquina fotográfica Digital

Lanche Quantidade Descrição 4 Litros de refrigerante 2 Formas de bolo de chocolate 100 Croasant de presunto e queijo 1 Pacote do copo descartável

Desenvolvimento da atividade: Nesta oficina destacamos a importância do valor civilizatório ancestralidade afro-brasileiro. Ver/ouvir pessoas idosas, mais vividas, as memórias da vivência afro- brasileira que elas trazem, carregam e compartilham. É uma atividade de pesquisa, investigação e construção do conhecimento, marcada pela aproximação, pelo contato direto, não só pelo vídeo, pelo imediato, pelo distante. Ir ao encontro. Conversar/entrevistar uma ou mais idosas, uma negra e uma branca ou de outra etnia, e comparar as percepções afro-brasileiras, tirar conclusões a respeito, sempre atento ao próprio preconceito. Pensar e descobrir o que essas pessoas carregam nos seus corpos como memória do ser negro brasileiro. 126

A memória compõe nossa identidade. É por intermédio da memória que construímos nossa história. Ao construir a memória, construímos a lembrança, que para existir precisa do outro e necessita ser compartilhada. A idéia era que os mais jovens tivessem a oportunidade de escutar contos, causos, lendas das pessoas mais antigas da comunidade. Este tipo de atividade irá repetir-se ao longo do ano. À medida que estivermos organizados um número considerável de registros e ilustrações dos contos, desejamos promover um evento cultural para divulgá-los em forma de pequenos cadernos, ou panfletos. Os participantes foram organizados em grupos. Cada grupo era composto por jovens e um adulto ou idoso da comunidade. A princípio os jovens realizaram uma breve entrevista junto aos contadores de causos e depois estes fizeram seus relatos. O texto baixo contempla entrevista e transcrição de relatos realizados pelos alunos remanescentes quilombolas junto aos integrantes da comunidade quilombola do Morro Seco que compartilharam suas experiências expressando- se pelos causos, lendas, piadas e histórias que povoam a herança e a memória cultural da comunidade. 127

Registro de entrevistas e contos

Conto: Eram três irmãos -Nome: Armando Modesto Pereira -Data de nascimento: 20/11/1934 -Natural de:Bº Morro Seco Estado: São Paulo -Profissão: agricultor -Estado civil: Casado número de filhos:12 -Quanto tempo morra no Bairro do Morro Seco:75 anos -O que é ser quilombola: É quem tem a sua história e que vive muito tempo no lugar onde nasceu.

Título da História: Eram três irmãos Eram três irmãos muito pobres. E um dia o irmão mais velho chegou da roça para almoçar e a irmã disse que não tinha mais farinha, o irmão mais velho disse para ela ir buscar farinha na casa do vizinho e ela pegou uma toalha e o irmão caçula e foi. Quando ela estava voltando, ela chegou a uma ladeira e se deparou com uma onça, ela pensou em dar o irmão caçula para ela comer, mas não fez isso. A onça deu dois pulos na direção dela e ela jogou a farinha para a onça, a onça achando que era carne mordeu a toalha e foi embora. Quando ela chegou a casa, o irmão a viu, toda ensanguentada. Correu para avisar todos os vizinhos para matar a onça. Todos os homens reuniram-se e tinha um homem bem magricelo, raquítico que queria ir e outro homem disse: você é muito magro para ir caçar a onça, ela vai te comer, mas ele insistiu falando: e vou! E foi. Quando encontrou a onça o homem tentou disparar o primeiro tiro, mas não saiu; o segundo tiro, mas também não saiu. Ele quebrou o cano da espingarda e foi para cima da onça, mas a onça era mais forte. Ai o magricelo furou a onça com três golpes de lança e matou a onça.

Redator: Lucas A. Pereira de Brito - 13 anos 128

Conto: Festa Junina

-Nome: Suzana Maria Pereira -Data de nascimento: 02/05/1967 -Natural de:Bº Morro Seco Estado: São Paulo -Profissão: trabalhadora rural -Estado civil: Casada número de filhos:03 -Quanto tempo morra no Bairro do Morro Seco: 43 anos -O que é ser quilombola: É aquela pessoa que luta para manter sua cultura.

Título da História: Festa Junina

Antigamente, lá pelo ano de 1973 não tinha energia aqui na comunidade e então era usado lampião.Em uma festa junina da comunidade fizeram uma fogueira. Depois que a fogueira estava quase apagando, só na brasa o Afonso e o Saturnino resolveram se mostrar.Combinaram os dois de pularem a fogueira, um vinha de um lado e o outro do outro lado. Quando os dois pularam, os dois caíram na brasa, e todos que estavam na festa ficaram apavorados. Todos queriam ajudar, um puxava daqui o outro puxava de lá. Afonso fez um corte perto do olho e Saturnino é que levou a pior, caiu uma brasa dentro das calças dele que queimou a virilha, só viram quando ele saiu correndo da Capela e pulou dentro de um brejo, um primeiro lugar que ele encontrou água. Até hoje o Afonso tem a cicatriz e até hoje as pessoas riem com isso Essa é uma história real.

Redator: Elaine Regina Moura de Freitas – 15 anos 129

Piadas: Teobaldino e Tio Luiz

-Nome: Porfíria Cancio Alves -Data de nascimento: 04/05/1962 -Natural de:Bº Morro Seco Estado: São Paulo -Profissão: dona de casa -Estado civil: Casada número de filhos: 48 anos -Quanto tempo morra no Bairro do Morro Seco:há anos -O que é ser quilombola: Ser quilombola é viver a vida dos nossos antepassados, dos nossos pais e avós porque com essas pessoas aprendemos coisas ótimas.

Título da Piada: Piada do Teobaldino Em festas de louvor a São João, os integrantes da comunidade comemoravam e festejavam com fogos e roqueira (uma espécie de cilindro de ferro, no qual se colocam os fogos, depois enterram parte da roqueira no chão e ela estoura fazendo um enorme barulho). Havia um Senhor chamado Teobaldino que falava as palavras de forma errada, e na hora dos fogos ele dizia: “Vamos ortá fogo nos ovo de São João”.

Título da Piada:Piada do Tio Luiz

Alguns evangélicos chegaram para ele e disseram: Você quer ser testemunha de Jeová? Ele respondeu: Eu não vi a briga!

Redatoras: Tatiana de A. Pereira e Luma Jane P. de Brito 130

Piada: Pedro e Conhaque

-Nome: Armando Modesto Pereira -Data de nascimento: 28/11/1934 -Natural de:Bº Morro Seco Estado: São Paulo -Profissão: Trabalhador Rural -Estado civil: Casado número de filhos: 12 -Quanto tempo morra no Bairro do Morro Seco:75anos -O que é ser quilombola: É quem tem a sua história e que vive muito tempo no lugar onde nasceu.

Título da Piada: Pedro e Conhaque

Eram dois amigos que trabalhavam sempre juntos. Um dia Conhaque foi passear sozinho e encontrou um homem que vendia porco bem baratinho, mas o dinheiro dele não dava pra comprar o porco. Então ele chamou a Pedro para comprarem de as meia, e assim compraram o porco, no caminho eles resolveram deixar o porco com Pedro porque Pedro tinha uma mangueira para criar porcos. Então eles combinaram que Pedro dava de comer um a semana e Conhaque outra semana. Conhaque se mandou e não voltou mais. Aí Pedro mandou um aviso pra Conhaque vir pra cuidar do porco. Conhaque veio e Pedro perguntou, porque ele não vinha. Ele respondeu que estava apertado não podia comprar ração para o porco. Conhaque falou: Vamos dividir o porco. Pedro ficou com a direita e Conhaque com a esquerda. Pedro quebrou todo o dente do porco do lado esquerdo, e o porco só engordou do lado direito, porque do lado esquerdo não tinha dente para comer.

Redatora: Liamara Cristina Pereira 131

Piada: Dor de dente

-Nome: Armando Modesto Pereira -Data de nascimento: 28/11/1934 -Natural de:Bº Morro Seco Estado: São Paulo -Profissão: Trabalhador Rural -Estado civil: Casado número de filhos: 12 -Quanto tempo morra no Bairro do Morro Seco:75 anos -O que é ser quilombola: É quem tem a sua história e que vive muito tempo no lugar onde nasceu.

Título da Piada: Dor de dente

Um homem sentia muita dor de dente. Num certo dia ele estava se queixando para um amigo que o dente dele estava doendo muito. Então o amigo falou: Por que você não tira esse dente? O homem respondeu: Mas como, aqui não tem dentista. Você não tem aquele burro, amarre um barbante no dente e amarre o outro pedaço no rabo do burro e mande tocar o burro, mas afirme a cabeça para o dente sair. Tocaram o burro, mas arrancou o rabo do burro e o dente não saiu.

Redator: Joemir Alves Pereira 132

Piada: O pão matou Ana

-Nome: Bonifácio Modesto Pereira -Data de nascimento: 13/05/1925 -Natural de:Bº Morro Seco Estado: São Paulo -Profissão: Trabalhador Rural -Estado civil: Casado número de filhos: 12 -Quanto tempo morra no Bairro do Morro Seco:75 anos -O que é ser quilombola: É um ou uma pessoa que pertence à família do quilombo. Poderia dizer que pertence a raça dos africanos.

Título da Piada: O pão matou Ana O pão matou Ana, Ana matou a três, eu tirei um, assei com fogo de palavras divinas e comi e tomei água do céu na terra, e o vivo faz o que o morto diz. Esta é a história de um homem viajante, que no meio do caminho encontrou outro homem que lhe ofereceu pão e o homem pegou. O viajante pegou o pão, mas não ofereceu para a cachorrinha e ela morreu.

Redator: Ludmila Pereira de Brito. 133

História oral: Minha vida

-Nome: Maria Sabino Pereira -Data de nascimento: 09/03/1941 -Natural de:Bº Morro Seco - Estado: São Paulo -Profissão: Do lar -Estado civil: Casada - número de filhos:12 -Quanto tempo morra no Bairro do Morro Seco: 69 anos -O que é ser quilombola: Sou quilombola porque gosto da minha raça e quero continuar os trabalhos dos meus pais.

Título da História: Minha Vida Dona Maria é uma mulher que não teve muitas oportunidades de estudar quando era criança mais nunca desistiu de correr atrás de seus objetivos. Ela tentou estudar, mas não tinha condições, foi forçada pelas condições a trabalhar na roça com sua família. Nesse trabalho percorriam 15 km para trabalhar num bairro vizinho Guariruva. Alguns anos depois foi convidada por Isaltina, que assim seria sua futura cunhada para trabalhar em um colégio em Registro. Tempo depois foi transferida para São Paulo. Com 17 anos de idade foi trabalhar em São Paulo, lá ela teve oportunidade de cursar o supletivo, mas, devido a problemas de saúde, ela parou de estudar. Ela voltou para o Morro Seco e se casou com o Sr Armando. Tiveram doze filhos seu maior orgulho e hoje todos eles tiveram oportunidade de estudar. Hoje ela vive com seu marido em sua casa

Redator: Luiz Henrique P. de Brito. 134

Observações

Após o registro, socializamos os contos, piadas e relatos de vida, cada aluno apresentou a ilustração correspondente ao relato compartilhado pelos idosos e adultos junto a eles e destacaram aspectos engraçados, curiosos, que impactaram suas emoções de forma positiva. Os participantes consideraram este momento de partilha muito importante, pois contar histórias reaproxima espaços, tempos e mentalidades por meio da força estruturadora que a narrativa contém. As experiências humanas foram e são narradas. E ouvir histórias é apropriado a todas as idades. As histórias foram apresentadas num clima de total liberdade, pois permitiu a todos transitar por lembranças de acontecimentos passados e presentes. Nelas, os conteúdos de um imaginário social revelam-se, provocando lembranças enriquecedoras e identificações que alimentam referências de modo que auxiliam a compor a identidade dos jovens quilombolas tanto a nível individual como coletivamente. Os jovens quilombolas foram motivados a ouvir, olhar e sentir para poderem assimilar os conteúdos narrados através das histórias pelos adultos e idosos, tornando-se testemunhas dos gestos, das decisões, encaminhamentos e das formas de agir da sua comunidade.Entende que o ser humano precisa de histórias para nutrir sua essência. 135 136

3.5.2.4 - 4ª Reunião – Oficina de Arte Africana Juquiá, 28 de fevereiro de 2010 Horário: 13h às 14:30h Local: Salão da Associação dos Moradores do Morro Seco

Programação Horário Atividades 13h às 13h10 Recepção 13h10 às 13h20 Objetivo do encontro 13h10 às 13h40 Valor civilizatório afro-brasileiro- Musicalidade 13h40 às 14h10 Exercícios de aquecimento, ensaios coreográficos, relaxamento e pintura de composição abstrata. 14h10 às 14h30 Lanche

Materiais Quantidade Materiais Descrição 01 Aparelho de som Leitor de Cd 50 Cartazes Desenho dos instrumentos musicais africanos 02 CDs Músicas africanas 30 Pedaços de fitas de cetim Cores sortidas 30 Pincéis chatos Nº 32 e 36 06 Potes de guache - 250 ml Nas cores: verde, preta,azul, branca, amarelo e vermelho 30 Folhas de cartolina Branca 10 Recipientes Plástico para lavar os pincéis 30 Copinhos de café Plástico p/ colocar as tintas 01 Máquina fotográfica Digital

Lanche Quantidade Descrição 2 Litros de refrigerante 2 Formas de sanduíche 1 Forma de bolo pullmam

Desenvolvimento da atividade

No início da oficina organizamos o círculo e os jovens me auxiliaram a colocar os cartazes contendo imagens dos instrumentos musicais brasileiros. Em seguida retomei junto aos participantes importâncias do valor civilizatório afro-brasileiro: musicalidade. A música, a sonoridade, a melodia, o ritmo, a canção estão presentes, de modo particular, na cultura e na história afro-brasileira, de tal modo que muitos dos referenciais da musicalidade brasileira são de origem afro. Neste 137

momento pedi aos participantes que observassem os cartazes. Muitos se revelaram surpresos com a quantidade, nomes e forma dos mesmos. É importante sublinhar que um tema destaque em qualquer abordagem musical é o da tradição oral. A oralidade é uma característica inerente ao ato musical, seja no aspecto da criação, da execução ou da preservação dos seus códigos. O Sr Bonifácio mostrou os tambores ecajóns - um instrumento de percussão que teve sua origem no Peru colonial, onde os escravos africanos, separados de seus instrumentos de percussão pelos feitores da época, utilizaram-se de caixas de madeira e gavetas para tocarem seus ritmos-, que a comunidade encomendou, para serem utilizados nos fandangos e reisados.

Cajón de madeira. Fonte: Google imagem

Com relação ao valor civilizatório afro-brasileiro – musicalidade, segundo Ana Paula Brandão: Faz parte do senso comum à marca que a música imprime em nossa brasilidade, o quanto somos musicais, o quanto nossa música se destaca. Contudo, é preciso também que valorizemos a música brasileira, fazendo frente ao processos de massificação, alienação e despotencialização desse nosso patrimônio cultural. (Brandão,p. 41. 2006)

Em seguida realizamos leitura estética dos cartazes que apresentavam imagens dos instrumentos musicais de origem africana à medida que os instrumentos eram comentados, um dos jovens presentes ligava o aparelho de som para que pudéssemos apreciar a gravação do som do instrumento, já que não tínhamos levado os mesmos.Motivei os participantes a riscarem uma linha no chão e conforme o ritmo era apreciado eles caminhavam sobre a linha riscada no chão representando com movimentos corporais suas impressões. Segundo Ana Paula Brandão: 138

A música, a sonoridade, a melodia, o ritmo, a canção estão presentes, de modo particular, na cultura e na história afro-brasileira, de tal modo que muitos dos referências da musicalidade brasileira são de origem afro (Brandão, 2006)

As músicas e as danças revelam um modo de existir – colheitas, casamentos, funerais, eventos religiosos-. Não apenas jogo, mas celebração, participação e não espetáculo, a dança está presa à magia e à religião, ao trabalho, a festa, ao amor e à morte. O conhecimento compartilhado por meio das atividades artísticas exploradas nas oficinas de arte africana nos deu a condição de perceber a importância do outro para significar e resignificar nossa existência.Fortaleceu e garantiu o entrosamento, criando um clima de seguranças para desenvolver as atividades. Sempre motivei os alunos a celebrarem suas vitórias, a dança, a música nos levam a mergulhar em nossas emoções mais profundas e nos auxiliam a expressar nossas conquistas, nossas dificuldades, nossos sonhos e esperanças Nutrimos em nós o belo e passamos a acreditar na magia e no mistério que há em nós e no mundo. Na música e na dança, o processo de nossa vida se refaz dela e por ela. Juntos revelam a energia que revelam o corpo - recriando a vida. Escutar uma música e dançar é antes de tudo estabelecer relação ativa entre o homem e a natureza, é participar do movimento cósmico e do domínio sobre ele. Em seguida solicitei aos participantes que ficassem em pé para darmos início à parte prática, as atividades que envolveram música e dança africana.

1ª Atividade de sensibilização

- De início realizamos exercícios de alongamento – explorando movimentações com a cabeça, braços, pernas e de todo o corpo. - Dando prosseguimento falei:agora andando pela sala, vamos respirar e, quem sabe, lembrar da energia forte que inspiramos no momento do nosso nascimento. Expire pelas narinas e expire o medo e a ansiedade. Agora, faça este mesmo exercício marcando o ritmo de seus passos. - Sinta o seu corpo que caminha, respira e pensa. Tente sincronizar respiração e passo...Respiração e passo... Ande 1...2...3...passos. Inspire. 139

Tome consciência de seu corpo, segure a respiração e solte-a lentamente (fazer o exercício cinco vezes). - Depois deste ensaio, já podemos criar a nossa coreografia do cotidiano.Podemos dar sentidos aos nossos passos e expressões, tocando os nossos companheiros, conscientizando-nos da importância dos gestos e encontros que consideramos banais: um aperto de mão, um abraço, um olhar, um toque, um sorriso. - Olhe para as pessoas, aproxime-se delas... Sem pressa, sinta cada gesto coreografado, em câmera lenta. Pare em silêncio, feche os olhos e sinta a energia das pessoas. - Ao abrir os olhos, escolha uma pessoa para você realizar com ela mais uma atividade. - Na sequência...Em pares, de frente um para o outro, como se enxergássemos nos corpos de nossos colegas fios de uma marionete. Imite um espetáculo. Você é o artista – após esta operação trocar o comando.

2ª Atividade:Ensaio coreográfico

- Em seguida ao som da música:tambor de cores da África, do grupo Olodum, distribui para cada participante um pedaço de fita de cetim e solicitei que eles se espalhassem pelo salão e criassem movimentos com muita liberdade.

3ª Atividade: Relaxamento: Música: “Storms in África” de Enya - Sinta cada parte de seu corpo. Solte-se. - Agora se transporte mentalmente para um lugar da comunidade. Entregue-se o som da chuva... A água bate no seu corpo... A sensação do vento que vai e vem... - Sinta as ondas desta música, sons graves e agudos, sons que dão tranquilidade e paz a você. - Preste atenção no seu corpo e escute sua música interior. - Levante-se renovado. 140

Dando sequência à atividade todos produziram uma composição abstrata com guache revelando as emoções despertadas com a atividade anteriormente realizada.

Observações

Para finalizar realizamos a socialização dos trabalhos. Os participantes adoraram a experiência, relataram que gostariam de vivenciar novas experiências em que pudessem novamente dançar. À medida que os assuntos eram trabalhados, me reportava aos participantes perguntando quais as temáticas que gostariam de explorar com os jovens nas próximas oficinas de Arte. O silêncio se fazia presente, por mais que eu os insistisse não sinalizavam espontaneamente o que gostariam de explorar. Explicava para eles que eu não podia interferir na cultura deles, ao que a Srª Suzana disse: nós devemos valorizar o que é nossa tradição, mas gostaríamos de conhecer coisas novas sobre Africanidade. No final, acabava dando sugestões e eles escolhiam a atividade que mais lhes despertava interesse. Realizamos a confraternização com o lanche e encerramos a atividade. 141

3.5.2.5- 5ª Reunião – Oficina de Arte Africana Juquiá, 07 de abril de 2010 Horário: 13h às 14:30h Local: Salão da Associação dos Moradores do Morro Seco

Programa Horário Atividades 13h às 13h Recepção 13h10 às 13h20 Objetivo do encontro 13h10 às 13h40 Dinâmica musical 13h40 às 14h10 Modelagem em argila 14h10 às 14h30h Lanche

Materiais Quantidade Materiais Descrição 01 Aparelho de som Leitor de Cd 02 CDs Músicas africanas 30 Kg de argila Faiança 20 Estecas Peças para desbastar ou dar acabamento nos trabalhos de argila 04 Pacotes Jornal 01 Saco de palitos Churrasco 01 Máquina fotográfica Digital

Lanche Quantidade Descrição 2 Litros de refrigerante 2 Formas de sanduíche 1 Forma de bolo pullmam

Desenvolvimento da atividade

Iniciamos a oficina apreciamos as músicas:Negro Nagô e Negra Mariana (músicas cantadas em celebrações da Missa Afro) em pé e cada um criou a sua coreografia pessoal. Em seguida, os participantes manifestaram-se sobre a escuta musical: A Sra. Porfíria manifestou-se:“é muito legal deixar o corpo dançar, dá um calor danado, mas a gente fica tão feliz”. Dando continuidade, mostrei aos participantes o material com o qual iríamos trabalhar naquela tarde: argila, estecas - pequenas ferramentas de madeira ou alumínio que auxiliam a debastar ou modelas argila-, palitos, 142

recipientes com água. Pedi que se lembrasse de algo muito importante na comunidade e que representassem na argila. À medida que as peças eram terminadas e cuidadosamente colocadas sobre a mesa para que realizássemos uma posterior socialização, os participantes teciam comentários engraçados e todos caiam na gargalhada.

Of. Arte Africana- Modelagem em argila Of. Arte Africana- Modelagem em argila

Gervania Neves, 2010 Gervania Neves, 2010

Of. Arte Africana- Modelagem em argila Of. Arte Africana- Modelagem em argila

Gervania Neves, 2010 Gervania Neves, 2010

Em seguida observamos os trabalhos produzidos por todos. Eram potinhos, animais, instrumentos musicais, casais dançando fandango, que revelam a maneira de ser, pesar e agir daquela comunidade. 143

Comuniquei aos participantes da oficina que iríamos aguardar a secagem das peças e numa próxima oportunidade iríamos dar uma base nas peças com Suvinil branco e cola cascorez e depois de secas, iríamos pintá-las com guache. Encerramos a oficina com o lanche.

Observações Foi uma experiência inesquecível observar crianças, jovens, adultos e idosos vivenciando aquele momento em conjunto, num ambiente de troca de experiências favorecido pelo diálogo e ação expressiva manifestadas por meio das produções tridimensionais em argila. 144

3.5.2.6-6ª Reunião – Oficina de Arte Africana Juquiá, 18 de abril de 2010 Horário: 13h às 14:30h Local: Salão da Associação dos Moradores do Morro Seco

Programação Horário Atividades 13h às 13h10 Recepção 13h10 às 13h20 Objetivo do encontro – Valor civilizatório afro-brasileiro: Ancestralidade 13h10 às 13h40 Dinâmicas de relacionamento interpessoal 13h40 às 14h10 Ensaios teatrais 14h10 às 14h30 Lanche

Materiais Quantidade Materiais Descrição O1 Notebook 01 Data show 01 Máquina fotográfica Digital 40 Balões Cores sortidas

Lanche Quantidade Descrição 2 Litros de refrigerante 2 Formas de sanduíche 1 Forma de bolo pullmam

Desenvolvimento da atividade

No início da oficina projetamos, utilizando ata show, fotografias dos trabalhos desenvolvidos até o presente momento durante as oficinas. À medida que as imagens eram projetadas os participantes da oficina apontavam para a tela revelando alegria e admiração. Nesta etapa dos trabalhos da oficina optei por explorar o valor civilizatório ancestralidade como memória. Comentei com eles que ver, ouvir pessoas idosas, mais vividas, as memórias da vivência afro-brasileira que elas trazem, carrega e compartilha...É uma atividade de pesquisa, investigação e construção do conhecimento, marcada pela aproximação, pelo contato direto. Ir ao encontro. Conversar/entrevistar um ou outro idoso. Pensar, descobrir o que essas 145

pessoas carregam nos seus corpos como memória do ser negro brasileiro. Segundo Ana Paula Brandão: A memória compõe nossa identidade. É por intermédio da memória, construímos lembrança, que para existir precisa do outro e necessita ser compartilhada (Brandão, 2006)

Em seguida realizamos a dinâmica: não estamos sozinhos. Posicionei o grupo em círculo; distribui um balão para cada um; cada participante, inclusive eu deveria falar algo de bom que lhe aconteceu na vida. À medida que a pessoa contava uma coisa positiva ela deveria assoprar o balão, o círculo vai se repetindo e contando coisas boas até que o balão encha (se ocorresse do balão estourar, o participante receberia outro balão).Depois de encherem todos os balões...Uns mais ou menos cheios conforme a pessoa compartilhar coisas boas que lhe aconteceu, todos devem dar um nó no balão e jogar o mesmo para cima. Após alguns minutos todos devem estourar os balões para simbolizar o compartilhar de coisas boas de uns para com os outros no grupo. Em seguida organizamos pequenos grupos mesclados por crianças, jovens e adultos. Os participantes deveriam organizar utilizando mímica uma cena real que representasse o valor que atribuem às pessoas adultas e idosas da comunidade. 1º Grupo:Tema- “Conflito entre gerações e a atuação dos idosos da comunidade”. Liderado pela Sra. Suzana explicou que os participantes encenaram uma mímica que demonstrava a mãe repreendendo a filha e esta discutia com sua mãe, chegando a um ponto em que ambas viraram-se de costas uma para a outra. Neste momento entra em cena o Sr Armando (de 75 anos) e pegando na mão da filha e da mãe promove o reencontro entre elas, estabelecendo a paz na família novamente. 146

Oficina de arte africana- teatro

Gervania Neves, 2010

2º Grupo: “Tema-Respeito aos mais idosos” - Patrick jovem quilombola explicou a cena: primeiro apareceu em cena o Sr. Bonifácio (75 anos) ele apresentava dificuldades para se locomover. Um grupo de jovens quilombolas passou por ele, observaram que estavam com problemas. Aproximaram-se dele e se colocaram a disposição para ajudá-lo. Então colocaram o Sr Bonifácio na cadeira e deram uma volta com ele. Para finalizar acrescentou: Nossa mímica mostrou o quanto os jovens da comunidade são solidários com os mais idosos.

Oficina de arte africana- teatro

Gervania Neves, 2010 147

3º Grupo: Tema: “Jovem precisando ser auxiliado” – Lucas representava um jovem com deficiência visual e era acolhido e auxiliado por suas amigas da comunidade.

Oficina de arte africana- teatro

Gervania Neves, 2010

Ao término das apresentações nos organizamos em círculo, e os participantes comentaram a atividade,o Sr Bonifácio disse: “Devemos observar a importância do papel da família na educação dos filhos, os pais e avós são o exemplo, desde pequena a criança deve aprender o que é certo e o que é errado”. Na maioria das apresentações os adultos e idosos foram apresentados como referência a ser seguida e respeitada. Perguntei a comunidade se na próxima oficina poderíamos trabalhar novamente com a técnica da modelagem só que utilizando massa epóxi. Eles concordaram e organizaram-se para trazer garrafas e recipientes de vidro para a próxima oficina.

Observações

A oficina foi muito rica no sentido de oportunizar diálogo favorecendo o entrosamento entre os participantes. Jovens e adultos construíram em harmonia as encenações resgatando memórias que externavam seus valores e sentimentos relacionados ao bem conviver em comunidade. 148

3.5.2.7-7ª Reunião – Oficina de Arte Africana Juquiá, 02 de maio de 2010 Horário: 13h às 14:30h Local: Salão da Associação dos Moradores do Morro Seco

Programação Horário Atividades 13h às 13h10 Recepção 13h10 às 13h20 Objetivo do encontro – Oralidade- Valor civilizatório afro- brasileiro 13h10 às 13h40 Leitura de letras de música e poesias africanas 13h40 às 14h10 Modelagem com massa epóxi 14h10 às 14h30 Lanche

Materiais Quantidade Materiais Descrição 40 Caixas de durepox - 01 Saco de palito Churrasco 01 Máquina fotográfica Digital 04 Maços Jornal velho 30 Recipientes ou garrafas Vidro

Lanche Quantidade Descrição 2 Litros de refrigerante 2 Formas de sanduíche 1 Forma de bolo pullmam

Desenvolvimento do trabalho

Ao iniciar a oficina destaquei que iríamos explorar aspectos relacionados ao valor civilizatório afro-brasileiro: Oralidade. Destaquei que a fala, a palavra dita ou silenciada, ouvida ou pronunciada, tem uma carga de poder muito grande. Na oralidade os saberes, poderes, quereres são transmitidos, compartilhados, legitimados. Se a fala é valorizada, a escuta também. O conto, a lenda, a história, a música, o dito, o não-dito, o fuxico...A palavra carrega uma grande e poderosa carga afetiva. Segundo Ana Paula Brandão: A expressão oral em todas as suas possibilidades é uma força a ser potencializada, vivenciada. O oral aqui não como negação da escrita, mas como afirmação de independência, de autonomia relacional, de comunicação, de contato. 149

A oralidade nos associa ao nosso corpo: nossa voz, nosso som faz parte do nosso repertório de expressão corporal; nossa memória registra e recria nosso repertório corporal-cultural; nossa possibilidade confere ritmo próprio, singularidade à nossa corporeidade, está marcada pelo nosso pertencimento a um grupo, na medida em que para nos comunicar com o outro precisamos ser reconhecidos por ele, estar em interação, em diálogo com ele. A oralidade. Para nós, deveria estar associada à reação constante do falar-ouvir e ouvir-falar. A oralidade de que se manifesta no cantar e no falar. (Brandão, pg.35, 36, 2006).

Neste momento eu solicitei que alguns jovens lessem poesias africanas. Abaixo apresento as letras das músicas e poesias trabalhadas.

À Volta da Fogueira Martinho da Vila Composição: Rui Mingas – Manoel Monteiro e Martinho da Vila Os meninos à volta da fogueira Vão aprender coisas de sonho e de verdade Vão perceber como se ganha uma bandeira E vão saber o que custou a liberdade

Palavras são palavras, não são trovas Palavras deste tempo sempre novo Lá os meninos aprenderam coisas novas E até já dizem que as estrelas são do povo Aqui os homens permanecem lá no alto Com suas contas engraçadas de somar Não se aproximam das favelas nem dos campos E têm medo de tudo que é popular

Mas os meninos deste continente novo Hão de saber fazer história e ensinar

Após a leitura da letra da música, o Sr Armando declarou que apreciou as leitura e que era muito importante alimentar nosso conhecimento com boas histórias. 150

Solicitei que os mais velhos lembrassem palavras, dizeres antigos, expressões que utilizavam no passado para que os jovens tivessem conhecimento sobre elas. O Sr. Armando, se recostando na cadeira falou: nossa! Mas é muito difícil! Mas pera lá, me lembrei. Dirigindo-se aos jovens ele perguntou: vocês sabem o que é jaguapoca ou jaguarava: Eles responderam que não sabiam, e ela continuou: Jaguapoca é o que chamamos de cachorro vadio, malandro Já a senhora Porfíria acrescentou: E quando nossos pais falavam que iam bater em nós porque fazíamos alguma bagunça.Eles diziam: Venha cá, vou te dar uma tiçoada. Tiçoada era quando o pai ou mãe pegava uma brasa quente e descia na gente.Todos gargalhavam frente às expressões que eram apresentadas, pois os adultos e idosos interpretavam com seus corpos o significado das palavras. O Sr Bonifácio contribuiu com outras expressões:Latrina significava banheiro sujo; estar com pandulho significava barriga cheia. A Sra. Suzana lembrou-se de outras expressões: Nhá, Nhá que significava vovó e Nhô Nhôque significava vovô; e quando as pessoas diziam maenga, na verdade elas estavam dizendo que estavam com dó de alguém; mecê era a expressão que significava você; quando alguém na comunidade era chamado de manhoso era porque esta pessoa era muito chorão. A Sra. Maria contribuiu com a expressão báia, nome dado as portas das casas antigamente, as portas eram feitas de lascas de juçara e pontas de emoscar; esteira de piri era o nome dado a taboa material utilizado para confeccionar a cama de dormir; cantaneira do cavaco (lasca oca que se desprendia das árvores) era o lugar onde se colocava as louças na cozinha, uma espécie de prateleira ou se guardava a banha para cozinhar num lugar alto da cozinha para os bichos não chegarem até ela. Os jovens da comunidade ficaram demonstraram um misto de curiosidade e alegria ao envolverem-se com a fala de suas mães, avós e avôs, foi uma experiência enriquecedora. Em seguida desfizemos o círculo e organizamos o espaço para a próxima etapa de trabalho, cada participante colocou sobre a mesa garrafas e recipientes de vidro que haviam sido solicitados na oficina anterior. 151

Antes de iniciar a atividade comentei que poderíamos deixar para pintar as peça de argila juntamente com as peças de modelagem em massa epóxi, assim finalizaríamos o acabamento das peças de modelagem com técnicas de pintura variadas. Ao que todos concordaram. Os participantes da oficina deveriam modelar em massa epóxi sobre garrafas ou recipientes de vidro, objetos relacionados às palavras que escutaram. Orientei os participantes quanto à técnica para misturar as duas cores de massa até que aparecesse a cor cinza claro. Em seguida motivei o grupo a iniciar os trabalhos. Durante o desenvolvimento da atividade percebi que a Sra. Maria estava tímida, afastada do grupo, sentada em um banco de madeira. Sentei-me ao seu lado e perguntei: A senhora não vai participar da atividade. Ela respondeu: Minha filha...Eu não sei fazer nada não. Então,segurei um pedaço de massa epóxi e comecei a fazer pequeninas bolinhas de argila, pouco a pouco fui grudando as bolinhas na garrafa, observei a expressão do seu rosto e falei: a Sra. poderia começar com as bolinhas e aí a idéia vai surgir na sua cabeça. Ela pegou a massa epóxi da minha mão e falou: Peraí que eu vou encher esta garrafinha de catapora. Quando retornei, ela havia tirado a garrafa do banco e estava trabalhando em conjunto com outras senhoras e jovens da comunidade, naquele momento ela estava,modelando a cara de um macaco com uma perfeição incrível.Elogiei a produção das integrantes da mesa e recebi um enorme sorriso de Dona Maria. O Sr Bonifácio e Hermes mostraram-se muito descontraídos ao modelar suas peças, um ria (num gesto de carinho e profunda amizade) do outro durante a produção dos trabalhos, ao que os jovens acompanhavam as brincadeiras e se divertiam também. À medida que os trabalhos eram concluídos, os participantes os arrumaram numa mesa próxima aos trabalhos da modelagem em argila. Ao final observamos a produção. Os participantes exaltavam as qualidades dos trabalhos dizendo: “Olha só, Suzana é uma artista!E veja os instrumentos musicais do Vovô Hermes. Ficaram lindos. Olha! O macaco da Maria ficou lindo”! 152

Of. de arte africana- modelagem com Of. de arte africana – modelagem em massa epoxi massa epoxi

Gervania Neves, 2010 Gervania Neves, 2010

Observações

Quando atribuímos sentido à nossa vida e à nossa comunidade, quando construímos nossa identidade, a oralidade assume um importante papel na comunidade quilombola do Morro Seco.Segundo Ana Paula Brandão:

A oralidade, para nós, está associada à relação constante do falar- ouvir e ouvir –falar. A oralidade que se manifesta no cantar e falar. [...] A palavra do outro pode ser vista como elemento de construção centrada no diálogo entre as pessoas e no infinito de possibilidades que esse diálogo pode vir a propiciar em trocas, criações, conspirações, alegrias e compartilhamentos (BRANDÃO, 2006, p. 36).

A palavra é dita olhando-se nos olhos de quem a recebe, daí a importância das comunidades quilombolas respeitarem o valor civilizatório da circularidade – sempre que uma reunião é articulada na comunidade, os participantes envolvidos organizam as cadeiras ou bancos em círculo, a fim de garantir que todos estejam de frente uns para os outros, o círculo remete a ideia de movimento, de valorização do ser humano, das comemorações ligadas a ancestralidade, estar sentado em círculo é atribuir as palavras é atribuir um significado que desencadeia uma revelação sobre algo que existe e o que pode vir a tornar-se realidade, para o africano-descendente silenciar-se também é 153

fazer uso da palavra.As opiniões são expressas após um período de observação e escuta de quem está fazendo uso da palavra. Para o Sr. Bonifácio “É necessário ter experiência de vida para se chegar a boa palavra”. Sempre que chegamos e cumprimentamos os integrantes da comunidade somos acolhidas eu e minha amiga Gervania que me acompanha para auxiliar nos registros fotográficos e gravações somos presenteadas com um causo, ou relato de um acontecimento pelo Sr. Bonifácio, aos poucos acalmei minha ansiedade de aplicar as atividade e senti que na comunidade o tempo é outro, que aprender a ouvir é uma conquista muito importante para o ser, pois nos transporta para a vida, a história do outro que a partir daquele momento fará parte da sua história, são momentos em que assimila a essência do que é viver com simplicidade e plenitude. Todos se sentiram muito bem frente à atividade desenvolvida. Encerramos as atividades com o lanche. 154

3.5.2.8-8ª Reunião – Oficina de Arte Africana Juquiá, 16 de maiode2010 Horário: 13h às 14:30h Local: Salão da Associação dos Moradores do Morro Seco

Programação Horário Atividades 13h às 13h10 Recepção 13h10 às 13h20 Objetivo do encontro – Oralidade- Valor civilizatório afro- brasileiro 13h10 às 13h40 Leitura de letras de música e poesias africanas 13h40 às 14h10 Modelagem com massa epoxi 14h10 às 14h30 Lanche

Materiais Quantidade Materiais Descrição 05 Latas de spray Cores sortidas 01 Máquina fotográfica Digital 30 Pincéis chatos Nº 32 e 36 06 Potes de guache de 250 ml Nas cores: vermelho, amarelo, azul, verde, branca e preta 10 Recipientes Plástico para lavar os pincéis 30 Copinhos de café Plástico para colocar as tintas

Lanche Quantidade Descrição 2 Litros de refrigerante 2 Formas de sanduíche 1 Forma de bolo pullmam 155

Desenvolvimento da atividade

Ao chegarmos organizamos o espaço para dar início aos trabalhos da oficina e a Sra. Suzana falou: Menina sabia que ontem teve um arrasta pé danado de bom e as peças foram quebradas. Quando eu me virei para ela segurando uma mesa ela disse: É brincadeirinha! E chamou a Ludmila e seu filho Lucas para buscar as peças num quartinho ao lado do salão. Organizei os participantes em dois grupos. Um grupo ficaria no salão e o outro iria para o lado de fora para pintar as peças de durepox com spray. Quando levei o grupo para demonstrar como deveriam manusear as latas de spray, uma a uma fui testando e a tinta não saia, estavam todas entupidas. O pessoal tirou um maior barato, aí me desculpei com todos e pedi que voltássemos ao salão. No interior do salão todos se dedicaram a pintar as peças de argila.

Of. De arte africana- Pintura das peças de argila Of. De arte africana - Peças pintadas

Gervânia Neves, 2010 Gervania Neves, 2010 156

Os participantes misturaram as cores, pediam para que os mais jovens os auxiliassem nos detalhes. Mais uma oportunidade de interação entre os jovens, adultos e idosos ocorreu durante a pintura. Durante a pintura as senhoras atribuíam nomes e contextos as peças como: “olha só ela esta de mãos dadas com seu companheiro, que romântico! Nossa! Este gato tá danado de feio! Cadê o rabo deste bicho”! Cada comentário despertava uma gargalhada, tudo virava diversão. Mais do que palavras soltas, representavam fragmentos do contexto de suas vidas, formando um colcha de retalhos cultural. Ao finalizarmos a pintura, organizamos a mesa do lanche e encerramos a oficina.

Observações

Durante o mês de junho aconteceram alguns contratempos. Na ocasião da realização da 8ª oficina realizada no dia 06 de junho, quando encontramos com os moradores do quilombo e os cumprimentava a Sra. Suzana veio ao meu encontro e falou: “Esqueci de avisar meu Lucas para falar pra você que hoje a comunidade vai se reunir em mutirão para tirar os peixes do tanque. Falei para a Sra. Suzana que estava tudo bem e disse que gostaria de deixar o lanche da oficina para eles levarem ao mutirão, já que estavam saindo direto do culto dominical para os tanques”. Combinamos de realizar a oficina na próxima semana. Quando cheguei à comunidade outra surpresa. A Sra. Suzana veio ao meu encontro e disse que havia se esquecido de avisar a comunidade no momento dos avisos finais do culto dominical que haveria oficina e como atrasei a minha chegada a comunidade 13h15 a grande maioria tinha ido embora. No caminho de volta encontrei como Sr Hermes e pedi que se fosse possível ele lembrasse a comunidade que no próximo domingo haveria oficina se assim ele achasse conveniente, caso contrário se poderia mandar um recado para os alunos que participavam do grupo de estudos. Ele concordou e nos despedimos. 157

3.5.2.8 -9ª Reunião – Oficina de Arte Africana Juquiá, 20 de junho de 2010 Horário: 13h às 14:30h Local: Salão da Associação dos Moradores do Morro Seco

Programação Horário Atividades 13h às 13h10 Recepção 13h10 às 13h20 Objetivo do encontro - Ritos de Passagem 13h10 às 13h40 Dinâmica: o Presente 13h40 às 14h10 Socialização das atividades relacionadas aos ritos de passagem na cultura africana Ndebeles e no Quilombo do Morro Seco. 14h10 às 14h30 Lanche

Materiais Quantidade Materiais Descrição 01 Máquina fotográfica Digital 01 Cesta Vime 04 Caixas Chocolate bis 01 Folha de papel De presente 01 Pedaço de fita Cetim

Lanche Quantidade Descrição 2 Litros de refrigerante 2 Formas de sanduíche 1 Forma de bolo pullmam

Desenvolvimento da atividade

Iniciei a oficina dizendo que iríamos realizar uma dinâmica de relacionamento chamada de: “O Presente”- Neste momento fique em pé e iniciei a explicação dos passos que deveríamos seguir. Dinâmica:O presente Iniciei a dinâmica realizando um sorteio. Depois, eu falei: Parabéns! Você tem muita sorte, foi sorteado com este presente.Ele simboliza a compreensão, a confraternização e a amizade que temos e ampliaremos. Mas o presente não será seu. Observe os amigos e aquele que considera mais organizado será o ganhador dele. 158

A organização é algo de tanto valor e você é possuidor desta virtude, irá levantar-se para entregar este presente ao amigo que você considera mais feliz. Você é feliz, construa sempre a sua felicidade em bases solidas. A felicidade não depende dos outros, mas de todos nós mesmos, mas o presente ainda não será seu. Entregue-o para uma pessoa, que em sua opinião, é muito meiga. A meiguice é algo muito raro, e você possui.Parabéns, mas o presente ainda não será seu. E você com jeito amigo não vai fazer questão de entregá-lo a quem você acha mais extrovertido. Por ter esse jeito extrovertido é que você está sendo escolhido para receber este presente, mas infelizmente ele não é seu, passe-o para quem você considera muito corajoso. Você foi contemplado com este presente, e agora demonstrando a virtude da coragem pela qual você foi escolhida para recebê-lo, o entregue a quem você considera mais inteligente. A inteligência nos foi dada por Deus, parabéns por ter dado oportunidade de mostrar este talento, pois muitos de nossos irmãos são inteligentes, mas a sociedade muitas vezes os impede que desenvolvam sua inteligência. Agora, passe o presente para quem você considera mais simpático. Para comemorar a escolha distribua largos sorrisos aos amigos, o mudo está tão amargo e para melhorarmos um pouco necessitamos de pessoas simpáticas como você. Parabéns pela simpatia, não fique triste, o presente não será seu, passe-o a quem você considera mais dinâmico. Dinamismo são a fortaleza, a coragem, compromisso e energia. Seja sempre agente multiplicador de boas idéias e boas ações em seu meio.Precisamos de pessoas como você, parabéns, mas passe o presente a quem você acha mais solidário. Solidariedade é coisa rara no mundo em que vivemos de pessoas egocêntricas. Você está de parabéns por ser tão solidário com a sua comunidade, mas o presente não será seu, passe-o a quem você acha alegre. Alegria! Você nessa reunião poderá fazer renascer em muitos corações a alegria de viver, pessoas alegres como você transmitem otimismo e alto astral. Com sua alegria passe o presente a quem você considerar mais elegante. 159

Parabéns! A elegância completa a citação humana sua presença se torna mais marcante, mas o presente não será seu, passe-o para o amigo que você considerar mais bonito. Que bom! Você foi escolhido o amigo mais bonito entre o grupo, por isso mostre desfilando para todos observarem o quanto você é bonito. Mas o presente não será seu, passe-o para quem lhe transmite paz. O mundo inteiro clama por paz e você gratuitamente transmite esta riqueza tão preciosa, parabéns!Você está fazendo falta, a grande potência do mundo, responsáveis por tantos conflitos entre a humanidade. O presente é seu! Pode abri-lo, compartilhando o conteúdo do presente com todos os participantes da oficina. Durante a dinâmica, ao passar o presente de uma pessoa para a outra, os participantes deveriam dizer uma qualidade que atribuíam à pessoa escolhida. Naquele momento os jovens perceberam o quanto foram valorizados pelas qualidades apresentadas. Quando o presente era entregue para outra pessoa do grupo, todos ficavam atentos para escutar qual era a qualidade da pessoa a ser destacada. O participante que recebia o presente era aplaudido por todos. Até os pequenos participantes do grupo (3 e 4 anos) receberam das mãos dos líderes da comunidade o presente como esperança de que eles crescessem e continuassem a manter viva a tradição quilombola. Ao final como descrito acima todos compartilharam o interior do presente. Deliciamo-nos com chocolates. 160

Oficina de arte africana- Dinâmica de relacionamento inter-pessoal

Gervania Neves,2010

Oficina de arte africana- Dinâmica de relacionamento inter-pessoal

Gervania Neves, 2010

Em seguida comentei com os participantes da oficina que iríamos falar um pouquinho sobre ritos de passagem ou ritos de iniciação. Destaquei que em comunidades africanas como os “Ndebeles que de quatro em quatro anos, e durante três meses, os rapazes de 18 a 22 anos partem em weia, que significa “atravessar o rio”. Longe da família, vivem em abrigos feitos de galhos, e pinta o rosto e o corpo com argila branca, sinal de pureza. 161

Sob o controle de dois anciãos, os jovens se chicoteiam mutuamente, para se tornar mais duros. Aprendem seu novo papel de adulto Ndebele, e a circuncisão encerra a iniciação. Durante todo esse período, suas mães - as mulheres girafas pintam novamente as casas. Elas amarram em seus bandos as longas lágrimas, feitas de miçangas que pendem de cada lado do rosto e chegam quase ao chão. Esses enfeites representam a alegria e a tristeza que sentem por seus filhos, que se tornaram adultos. No quintal da fazenda, ornamentadas dos pés a cabeça, as mulheres da família cantam, dançam e batem no chão com porretes cobertos de miçangas. É como se fosse um apoio à dor dos rapazes que estão longe, nas colinas. Quando eles voltam, começa a festa: a cerveja de sorgo – um cereal africano – corre a rodo e serve-se aos convidados um festim de carne. Para terminar, o filho recebe da mãe um presente comprado na cidade. Para as moças, a iniciação ocorre durante a puberdade. Elas são trancadas na casa dos pais para aprender em segredo ao abrigo dos olhares, a arte de pintar e tecer as contas. Ao fim de três meses, quando o ensino terminou, saem e usam o esiphetu, um avental de contas tecido por suas avós. O pescoço delas é cercado de nkosi, essas argolas de metal que os maridos continuarão a lhes oferecer. Seu busto, seus braços e pernas desapareceram sob uma profusão de pulseiras e coroas de palha bordadas de contas. Depois da festa em homenagem a elas, recebe uma boneca como lembrança de sua vida de menina. Essa bonequinha representa também o filho que mais tarde porão no mundo (QUENTIM, 2008. p.24-25). Após comentar sobre os ritos de passagem do povo Ndebeles perguntei aos adultos e senhores da comunidade se dentre eles havia a tradição de se praticar ritos de passagem. O Sr. Hermes falou: “Não me lembro da comunidade ter esta prática, mas me lembro que um jovem no passado só poderia contribuir numa conversa de gente grande e assumir um compromisso quando tirava um fio de barba, batia na mesa segurando-o como sinal de sua palavra, pois se tinha barba já podia ser respeitado como adulto”. O Sr. Bonifácio acrescentou: “Nos dias de hoje os jovens tem mais espaço para se colocar e são mais respeitados em suas opiniões”. 162

Observações

Encerramos os trabalhos compartilhando o lanche. Quando fui combinar a data da próxima oficina a Sra. Suzana comentou que não poderíamos realizar as oficinas no próximo domingo, pois a comunidade estaria envolvida com o preparo da Quermesse que iriam organizar no próximo final de semana. Combinei então que retornaria os trabalhos das oficinas após as férias escolares, no mês de agosto. Vale ressaltar um fato curioso, a frequência dos jovens quilombolas nas oficinas estava vinculada à realização das reuniões do grupo de estudos sobre o Projeto: Somos brotos de velhas raízes. Pois os comunicados referentes à realização das oficinas na comunidade eram combinados durante as reuniões com os jovens; a comunidade possui somente um orelhão que apresenta problemas de funcionamento. E o celular da Sra. Suzana apresenta problemas de conexão, dada a distância entre o bairro e a cidade. 163

3.5.2.10-10ª Reunião – Oficina de Arte Africana Juquiá, 08 de agosto de 2010 Horário: 13h às 14:30h Local: Salão da Associação dos Moradores do Morro Seco

Programação Horário Atividades 13h às 13h10 Recepção 13h10 às 13h20 Objetivo do encontro - Relacionamento inter pessoal 13h10 às 13h40 Dinâmica rolo de barbante 13h40 às 14h10 Painel coletivo 14h10 às 14h30 Lanche

Materiais Quantidade Materiais Descrição 01 Máquina fotográfica Digital 04 Metros de tecido Branco 05 Potes de tinta Acrilex Branco,preto, vermelho, verde e azul 30 Pincéis chatos Nº 32 e 36 06 Potes de guache de 250 ml Nas cores: azul, verde, vermelho, amarelo, branca e preta 30 Copinhos de café Plástico para colocar as tintas 01 Máquina fotográfica Digital 01 Saquinho de pedrinhas Brasileiras 01 Pistola de cola quente Grossa 10 Bastões de cola quente Grossa

Lanche Quantidade Descrição 2 Litros de refrigerante 2 Formas de sanduíche 1 Forma de bolo pullmam

Desenvolvimento da atividade

Ao chegarmos ao local para iniciarmos a organização do espaço determinado para realizar a oficina de arte tivemos uma surpresa, todo o mobiliário da capela estava no galpão onde a atividade iria acontecer. Dirigi-me ao Sr. Hermes e perguntei se poderíamos realizar a oficina, visto que a capela estava organizada naquele ambiente. Ele disse que sim e que a mudança era provisória, pois a capela estava passando por uma rápida reforma. Em seguida realizamos uma dinâmica: “O barbante”. 164

Neste ponto a Sra. Maria disse: Oba, hoje vai ter mais brincadeira.

1º momento -Todos ficaram em pé, dispostos em uma roda, em seguida, distribui um balão vazio para cada um. Guardei um balão no bolso com a palavra equilíbrio escrita nele Ao iniciar esta dinâmica, comentei como certos comportamentos negativos (impaciência, desconfiança, egoísmo, preconceito, medos, angústias, etc.) impedem que o espírito desenvolva o seu potencial e evolua, são barreiras que nos impedem de formar uma rede, uma sintonia integrada, precisamos nos concentrar, buscar um objetivo comum, para que possamos construir uma rede de vibrações positivas. A seguir, orientei aos participantes que enchessem seus balões, ao mesmo tempo pensassem em que estavam colocando dentro deles, ao soprarem estes e outros comportamentos negativos. Os balões devem ser, após fechados, colocados no centro da roda, no chão.

2º momento - Entreguei o rolo de barbante para qualquer um dos participantes, orientando que, ao recebê-lo, quem recebe deve jogá-lo para outro colega, falando um sentimento ou comportamento positivo. • Ao jogar o rolo para outra pessoa, a primeira (que recebeu o barbante das suas mãos) deve segurar a ponta solta do rolo. A segunda pessoa que recebe o rolo deve segurar uma parte do barbante (de modo que fique esticado entre a 1ª e a 2ª pessoa) e jogar o rolo para outro colega da roda, igualmente explicando porque escolheu tal pessoa. • Esse passo é repetido até que todos os componentes da roda tenham sua parte do barbante. Estará formada, então, uma grande teia, como demonstrado na figura de exemplo: • O último integrante deve jogar o rolo para o primeiro membro que recebeu, “fechando a rede”.

3º momento - Com a “rede fechada”, comentei. “Cada indivíduo dessa roda é uma parte que forma um todo. Podemos comparar essas partes com os mais variados trabalhos da comunidade. É importante perceber que essas partes estão interligadas, se comunicam,interagem e dependem umas das 165

outras para que o todo viva e funcione adequadamente. Essa é a essência de trabalhar e conviver em comunidade. Quando atingimos esta condição, atingimos o equilíbrio. E podemos conquistar qualquer objetivo. Esta rede de sentimentos positivos irá sustentar qualquer objetivo nosso; bem acima de qualquer comportamento ou sentimento negativo.” Enquanto comento estas palavras, encho o balão e o coloco no centro da “teia”. Prossegui, dizendo: “Esse balão, que está sendo sustentado pela nossa rede, representa o equilíbrio ideal resultante da interação de cada parte. Observem que para que o balão esteja perfeitamente equilibrado é importante que todas as partes colaborem entre si. Assim é tudo o que há ao nosso redor; tudo integra uma rede maior e igualmente é formado de “redes menores”. A comunidade quilombola do Morro Seco, nosso trabalho, nossa casa onde vivemos e nossos amigos. Por exemplo: um átomo forma uma molécula, que forma uma célula, que forma um organismo vivo, que forma a parte viva de um planeta, que integra um sistema solar, que é uma parte de uma galáxia, que é integrante do Universo. E tudo isso, todos e partes, estão interdependentes numa totalidade harmônica e funcional, numa perpétua oscilação onde os todos e as partes se mantêm mutuamente.”

4º momento – Em seguida tirei da mão de cada um o pedaço de barbante que a pessoa segurava, deixando-o cair e, enquanto isso; continuei a explicação do que está acontecendo: “Entretanto, movidos por interesses egoístas, onde as partes tentam sobreporem, por cima de outras, rompemos a harmonia da equipe. E o que acontece quando não há uma perfeita sinergia entre as partes do todo ou quando não há a colaboração de todas as partes? (nesse momento, você deve ter tirado o barbante das mãos de diversos integrantes e o balão, que você colocou no centro da teia, já está no chão). “Acontece o mesmo que aconteceu com esse balão: perde-se o equilíbrio do sistema até que ele desmorone e o nosso objetivo comum desaparece em meio a tantos comportamentos negativos.“

5º momento - Neste momento, pegue o seu balão e continue, dizendo: “Ainda a tempo de recuperar o equilíbrio se todos resgatarem firmemente a sua 166

parte do barbante. Do contrário, se demorar muito, pode ser tarde demais” (ao dizer isso, estoure o seu balão). Para finalizar, comentei que todos devem lutar para manter o equilíbrio da rede formada em uma comunidade, incentivando-se mutuamente e substituindo os comportamentos que comprometem essa integração, por outros, mais coerentes e alinhados com a união entre todos. Para encerrar, instrui a todos que se abraçassem, enquanto estouravam todos os balões com os pés, com uma salva de palmas Foi uma dinâmica muito rica, possibilitaram reflexões individuais sobre o papel de cada um no grupo e na comunidade, dos compromissos assumidos e da importância de não deixarmos nosso barbante no chão. O Sr. Bonifácio falou: “Somos uma equipe, trabalhamos em conjunto, em harmonia, devemos sempre manter uma rede de amor, seja em casa, no trabalho, no Lar... Em todos os momentos de nossa vida”. Em seguida com o auxílio do grupo organizamos o ambiente, furamos o chão com uma lona e distribuímos tinta para todos.A proposta era que os participantes (crianças, jovens, adultos e idosos) realizassem um painel coletivo. Para minha surpresa a Jovem Liamara (agente cultural do quilombo do Morro Seco) começou a pintar no centro do Painel as palavras Morro Seco aos demais participantes coube representar cenas do dia-a-dia do quilombo, na ocasião da Pintura uma das crianças o Guilherme (3 anos), começou a pintar linhas entrelaçadas, na borda do painel, o efeito foi muito criativo, tivemos a idéia de ele continuar a pintura de modo a criar uma moldura para o pinel, ficou lindo. Solicitei a Liamara que me auxiliasse a colar capiá- uma sementinha pequena de cor cinza utilizada tradicionalmente na região na produção artesanal de colares-,e pedrinhas, criando uma padronagem na margem do painel. Enquanto isso sem quere o Sr. Hermes pisou na tinta do painel e deixou a marca da metade do seu pé. Neste momento tive uma idéia, perguntei a ele se não autorizasse que os jovens pintassem o seu pé para deixá-lo marcado no painel, ele topou a idéia, sentamos seu Hermes próximo do painel, enquanto uns seguram suas pernas, outros pintavam seus pés de azul. Ao terminarem de pintar seus pés, os jovens levantaram a cadeira com o seu Hermes sentado 167

e a posicionamos de frente para a letra M, da palavra morro seco, neste ponto disse a ele que seria legal se ele conseguisse colocar cada um dos seus pés num pedaço da letra e assim ele o fez, foi muito divertido vê-lo se descontrair, quando menos esperávamos, ele deu um pulo e carimbou seus pés na letra. Para voltar colocamos a cadeira perto dele e o levantamos para sentá-lo na cadeira e afasta – lá do painel. Em seguida limpamos os pés do Sr. Hermes.Ele ficou muito feliz, pois deu sua contribuição para a produção do painel coletivo, sua pegada, sua caminhada na comunidade estava ali representada.

Of. de arte africana – Painel coletivo Of. de arte africana – Painel coletivo

Gervania Neves, 2010 Gervania Neves,2010

Ao final da pintura nos colocamos em pé ao redor do painel e os participantes comentaram: “Ficou lindo! Teve a participação de todos! Até as crianças ajudaram”! Perguntei a eles se poderia expor o painel pintado pela comunidade na escola, na ocasião da socialização dos trabalhos do projeto, juntamente com as fotos das oficinas e eles concordaram. E para comemoramos o resultado do painel coletivo e celebramos a ocasião com o lanche. 168

3.5.2.11-11ª Reunião – Oficina de Arte Africana Juquiá, 22 de agosto de 2010 Horário: 13h às 14:30h Local: Salão da Associação dos Moradores do Morro Seco

Programação Horário Atividades 13h às 13h10 Recepção 13h10 às 13h20 Objetivo do encontro - Entrevistas 13h10 às 13h40 Entrevistas conduzidas pelos jovens 13h40 às 14h10 Entrevistas conduzidas pelos adultos 14h10 às 14h30 Lanche

Materiais Quantidade Materiais Descrição 01 Máquina fotográfica Digital 30 Folhas de sulfite 30 Lápis grafite 30 Canetas esferográficas

Lanche Quantidade Descrição 2 Litros de refrigerante 2 Formas de sanduíche 1 Forma de bolo pullmam

Desenvolvimento das atividades

Solicitei aos participantes que se organizassem em grupos mesclando jovens e adultos. Numa primeira rodada os jovens iriam entrevistar os adultos e numa segunda rodada os adultos iriam entrevistar o s jovens. Abaixo seguem os registros das perguntas e das respostas da entrevista dos jovens realizadas com os adultos socializadas no grupo.

1ª Pergunta: O que é ser quilombola? Nome: Maria Sabino Pereira Atividade na comunidade:Auxiliar geral Idade: 69 anos 169

R: Eu sou quilombola porque gosta da minha raça, porque quero continuar os trabalhos dos meus pais.

Nome: Bonifácio Modesto Pereira Atividade na comunidade: Sou apenas companheiro e ex-presidente. Idade: 86 anos R: É um ou uma pessoa que pertence à família dos quilombos: pode-se dizer da raça dos africanos.

Nome: Conceição Alves Pereira Atividade na comunidade: Secretaria da Associação Quilombola do Morro Seco Idade: 62 anos R:Ser quilombola é um ser igual a qualquer raça

Nome: Bernadete Maria Pereira Alves Atividade na comunidade:Vice coordenadora da Associação Quilombola do Morro Seco Idade:46 anos R: Quilombola é ter sua cultura, sua cor e sua raça, pois negra é raça, preto é cor, e eu me considero quilombola por ser um ser humano igual a todos.

Nome: Porfíria Câncio Alves Atividade na comunidade: Fiscal da Associação Quilombola do Morro Seco Idade: 48 anos R: Ser quilombola é viver a vida dos nossos antepassados, dos nossos pais, avôs e bisavôs, porque com essas pessoas aprendemos muitas coisas ótimas.

Nome: Suzana Maria Pereira Atividade na comunidade: Fiscal da Associação Quilombola Idade:43 170

R: Ser quilombola, não muda nada diante de qualquer outra raça, pois diante de qualquer raça ou costumes que tenhamos somos todos humanos.

Nome:Regiane Rosimeire Alves Pereira Atividade na comunidade: Auxiliar Geral Idade: 24 anos R: É mostrar a cultura no nosso sangue, e procurar demonstrá-la através do nosso jeito de ser. Como as outras culturas e raças.

2ª Pergunta: De quais atividades os jovens participam na comunidade?

Nome: Maria Sabino Pereira R: Todos: Mutirão (para retirar os peixes do tanque), nos eventos religiosos, participa do reisado, procissões religiosas, ensaio de cantos,orações,etc.

Nome: Bonifácio Modesto Pereira R:Os jovens da comunidade participam de todas as atividades

Nome: Conceição Alves Pereira R: De tudo que eles sabem fazer, por exemplo: dançar reisado

Nome: Bernadete Maria Pereira Alves R:Na minha comunidade eles participam de tudo

Nome: Porfíria Câncio Alves R:Os jovens participam de várias atividades culturais e religiosas, como, fandango, reisado e várias outras atividades na Igreja

Nome: Suzana Maria Pereira R:Felizmente os jovens participam de todas as atividades. Sejam mutirões, trabalhos religiosos, e todas as atividades que estejam ao seu alcance. 171

Nome:Regiane Rosimeire Alves Pereira R:De todas as atividades que a comunidade se desenvolve.

3ª Pergunta: Vocês sentem alguma dificuldade em fazer com os jovens entendam o valor de ser quilombola? Quais?

Nome: Maria Sabino Pereira R:Alguns sentem dificuldade (ela não relatou quais seriam), mas são auxiliados pelos adultos e idosos da comunidade.

Nome: Bonifácio Modesto Pereira R:Temos algumas dificuldades, isso porque se falou de quilombo há pouco tempo, por isso dá um pouco de trabalho

Nome: Conceição Alves Pereira R: Não existe dificuldade nenhuma

Nome: Bernadete Maria Pereira Alves R:Não existe dificuldade porque quando eles saiam para trabalhar fora não é porque não sabem respeitar o quilombo, mas quando saem é para melhorar de vida e voltam com oportunidade de trabalho para todos.

Nome: Porfíria Câncio Alves R:Aqui na nossa comunidade graças a Deus não temos esta dificuldade, porque todos entendem e aceitam tudo muito bem Nome: Suzana Maria Pereira R:Não existe dificuldade

Nome:Regiane Rosimeire Alves Pereira R:Os jovens entendem o que é ser quilombola então não existe nenhuma dificuldade 172

3ª Pergunta: Vocês sentem alguma dificuldade em fazer com os jovens entendam o valor de ser quilombola? Quais?

Nome: Maria Sabino Pereira R:Alguns sentem dificuldade (ela não relatou quais seriam), mas são auxiliados pelos adultos e idosos da comunidade.

Nome: Bonifácio Modesto Pereira R:Temos algumas dificuldades, isso porque se falou de quilombo há pouco tempo, por isso dá um pouco de trabalho

Nome: Conceição Alves Pereira R: Não existe dificuldade nenhuma

Nome: Bernadete Maria Pereira Alves R:Não existe dificuldade porque quando eles saiam para trabalhar fora não é porque não sabem respeitar o quilombo, mas quando saem é para melhorar de vida e voltam com oportunidade de trabalho para todos.

Nome: Porfíria Câncio Alves R:Aqui na nossa comunidade graças a Deus não temos esta dificuldade, porque todos entendem e aceitam tudo muito bem

Nome: Suzana Maria Pereira R:Não existe dificuldade

Nome:Regiane Rosimeire Alves Pereira R:Os jovens entendem o que é ser quilombola então não existe nenhuma dificuldade

4ª Pergunta: O que poderíamos fazer para aproximar os jovens da cultura quilombola? 173

R: Muito diálogo, muita persistência

Nome: Maria Sabino Pereira R: Muito diálogo, muita persistência

Nome: Bonifácio Modesto Pereira R:Tudo só se consegue através de lutas: portanto vamos conseguir lutando, assim logo veremos os resultados

Nome: Conceição Alves Pereira R: Dar chance para todos

Nome: Bernadete Maria Pereira Alves R:Dialogar mais com eles, incentivar para que eles não desanimem

Nome: Porfíria Câncio Alves R:Continuar o diálogo vivo com os jovens

Nome: Suzana Maria Pereira R:Na cultura quilombola o espaço é aberto principalmente aos jovens

Nome:Regiane Rosimeire Alves Pereira R:Já tem oportunidade para todos.Basta eles terem vontade de praticar

5ª Pergunta: Qual é o papel do jovem na comunidade?

Nome: Maria Sabino Pereira R:Estudar, auxiliar nas atividades da comunidade.

Nome: Bonifácio Modesto Pereira R:O papel dos jovens na comunidade é o mesmo dos adultos, com exceção do modo de educar, pois eles têm mais vantagem de talento físico 174

Nome: Conceição Alves Pereira R: Estudar e trabalhar

Nome: Bernadete Maria Pereira Alves R:É unir a todos com objetivos ricos, muitas das vexe trazidas até da própria escola.

Nome: Porfíria Câncio Alves R:Não desanimar jamais e levar a frente todo esse trabalho em comunidade

Nome: Suzana Maria Pereira R:É a participação em todos os eventos, sejam culturais ou religiosos

Nome:Regiane Rosimeire Alves Pereira R:Estudar e participar de outras atividades

6ª Pergunta: Qual é o papel do adulto na comunidade?

Nome: Maria Sabino Pereira R: Depende da boa vontade: roças, capinar, rezar, ensaiar.

Nome: Bonifácio Modesto Pereira R:O adulto na comunidade tem uma tarefa prolongada, porque está com a missão de educar. Nome: Conceição Alves Pereira R: Cuidar das pescas, roças e plantações

Nome: Bernadete Maria Pereira Alves R:O papel do adulto é incentivar, para que todos sejam iguais na luta do dia-a-dia, nos trabalhos culturais e tradicionais 175

Nome: Porfíria Câncio Alves R:O papel do adulto é incentivar, dialogar e não desanimar

Nome: Suzana Maria Pereira R:É incentivar adolescentes e jovens, seja no trabalho, na educação,a religiosidade, mostrando isso não apenas com teorias, mas na prática.

Nome:Regiane Rosimeire Alves Pereira R:Trabalhar nos mutirões (roças, pesca), na associação e encontros religiosos.

7ª Pergunta: Qual é o papel do idoso na comunidade?

Nome: Maria Sabino Pereira R: Vai doar suas forças, é o sustento da comunidade

Nome: Bonifácio Modesto Pereira R:O papel do adulto é apresentar-se como pessoa exemplar, oferecendo chance aos outros as coisas que já passaram

Nome: Conceição Alves Pereira R: Passar instruções para pessoas mais jovens

Nome: Bernadete Maria Pereira Alves R:O papel do idoso é o mesmo do adulto porque é com eles que se aprendem as coisas. Nome: Porfíria Câncio Alves R:Passar as coisas boas que aprenderam

Nome: Suzana Maria Pereira R:Dar apoio aos mais jovens, mas não descansar de seus trabalhos

Nome:Regiane Rosimeire Alves Pereira 176

R:É colocar ou passar instruções para os mais novos, do que eles já aprenderam no passado ou que ainda aprendem.

8ª Pergunta: Qual é papel da mulher na comunidade?

Nome: Maria Sabino Pereira R: Fazer biju, farinha d’água, cuscuz, artesanato com taboa, coroas para o reisado, participar das reuniões da associação e dos ensaios do fandango.

Nome: Bonifácio Modesto Pereira R:A mulher é a companheira indispensável do marido, ouvindo e também dando seu parecer, com um fim de melhorar o meio de viver.

Nome: Conceição Alves Pereira R: Trabalhar juntas nos mutirões aprendendo também as variedades de comidas tradicionais

Nome: Bernadete Maria Pereira Alves R:O papel da mulher é incentivar também as meninas, pois é muito bom aprender as comidas típicas dos antepassados, as danças e tudo mais

Nome: Porfíria Câncio Alves R:Saber que nós mulheres também temos capacidade para trabalhar junto a comunidade sempre incentivando para nunca desistirem dos nossos objetivos. Nome: Suzana Maria Pereira R:Na comunidade a mulher exerce todos os trabalhos que estejam ao seu alcance, pois na comunidade não há distinção entre trabalhos de homens e mulheres, desde que elas consigam exercer.

Nome:Regiane Rosimeire Alves Pereira 177

R:O papel da mulher também é de trabalhar junto, aprendendo as comidas típicas dos antepassados, aprenderem de tudo um pouco, e outras coisas novas que vier. Em seguida os adultos realizaram a entrevista aos jovens. À medida que os jovens iam respondendo iam alimentando o interior da silueta de um boneco que os representava. Ao final os cartazes foram expostos no salão.

1ª Pergunta: Quais são as qualidades que você herdou da sua família?

Patrick A. Pereira- Data de nascimento:15/09/1995 R: Sou divertido, gosto muito de música, sou muito da paz

Tatiana de Assis Pereira – Data de nascimento: 19/07/1994 R: Sou feliz, romântica e engraçada

Helder de Assis Pereira – Data de nascimento:25/10/1995 R: Sou amigável, alegre e feliz

João da Graça – Data de nascimento:22/07/1995 R:Responsável, feliz e alegre

Cícero J. Teixeira R: Responsável, inteligente e educado

2ª Pergunta: Qual foi o gesto que você realizou no dia-a-dia da comunidade que marcou sua vida de forma positiva.

Patrick A. Pereira 178

R: Além de respeitar os mais velhos sempre ajudo na preparação de alguma celebração ou festa, inclusive a folia de reis.

Tatiana de Assis Pereira R: O que me trouxe bem estar, afeto e união foi participar do trabalho D.N.H.

Helder de Assis Pereira R: Frequentar mais as reuniões das oficinas

João da Graça R:Descobrir que moro num lugar alegre e bem bonito

Cícero J. Teixeira R: Respeitar os mais velhos

3ª Pergunta: Qual foi a sua maior conquista com relação às atividades da comunidade em que você atua

Patrick A. Pereira R: Eu melhoria minha atuação na missa para tocar, ajudaria mais nos mutirões e nos projetos da comunidade

Tatiana de Assis Pereira R: A crisma Helder de Assis Pereira R: A primeira comunhão

João da Graça R:Ir mais a Igreja

Cícero J. Teixeira R: Participar mais dos cultos e missas 179

4ª Pergunta: Qual é o sentimento que nutre por ser um jovem quilombola

Patrick A. Pereira R: Moro no Morro Seco, lugar onde encontrei muitas pessoas legais, gentis. Para mim, morar aqui é uma honra, por isso vim de Bertioga para morar aqui.

Tatiana de Assis Pereira R: Aqui compartilhamos muito amor uns para com os outros

Helder de Assis Pereira R: É pelo simples prazer que sinto em morar aqui

João da Graça R:Sentimento de alegria

Cícero J. Teixeira R: Este lugar é muito prazeroso

5ª Pergunta: A sua caminhada na comunidade o levou a quais conquistas durante este ano?

Patrick A. Pereira R: Ajudei na organização das celebrações do padroeiro e nas missas. E vou ajudar nas festas de Folias de Reis deste ano.

Tatiana de Assis Pereira R: Participei mais das celebrações da comunidade

Helder de Assis Pereira R: Fiz minha primeira comunhão 180

João da Graça R:Aprendi mais a ser quilombola

Cícero J. Teixeira R: Eu participei do Projeto: Somos brotos de velhas raízes

6ª Pergunta: Qual é o sonho que deseja realizar na comunidade

Patrick A. Pereira R: meu sonho é ajudar todos na minha comunidade. Gostariam que todos tivessem oportunidade de ganhar um salário justo para não ter que deixar a comunidade.

Tatiana de Assis Pereira R: Ajudar aqueles que mais precisam

Helder de Assis Pereira R: Aprender tocar rabeca

João da Graça R: Desejo participar mais das atividades

Cícero J. Teixeira R: Acabar com os bares, pois a bebida leva a morte

Observações

As entrevistas transcorreram num clima de amizade e respeito entre os participantes. A opinião de todos foi respeitada e acolhida pelo grupo. Durante a realização das oficinas percebi que os integrantes da comunidade não se sentiam muito a vontade quando eu me aventurava a realizar entrevistas para levantar aspectos referentes a vida em comunidade, cultura, festejos. Sentia 181

que os adultos e idosos queriam aproveitar as atividades das oficinas para manter um contato mais próximo com os jovens, era uma forma de fortalecer a convivência entre eles. Em diferentes ocasiões os jovens observavam atentamente seus pais, mães, avós e avôs durante a realização de suas atividades. Seus rostos iluminavam-se de alegria pelo simples fato de poderem compartilhar momento sem que construíam objetos ou realizavam uma atividade artística envolvendo contos, músicas e danças. As atividades ocorreram num clima de liberdade e cumplicidade entre as parte. 182

3.5.2.12 - 12ª Reunião – Oficina de Arte Africana Juquiá, 05 de setembro de 2010 Horário: 13h às 14:30h Local: Salão da Associação dos Moradores do Morro Seco

Programação: Horário Atividades 13h às 13h10 Recepção 13h10 às 13h20 Objetivo do encontro - Cooperação 13h10 às 13h40 Valor civilizatório afro-brasileiro: cooperação/ comunitarismo 13h40 às 14h10 Pintura- colcha de retalhos 14h10 às 14h30 Lanche

Materiais Quantidade Materiais Descrição 01 Máquina fotográfica Digital 30 Pincéis chatos Nº 32 e 36 06 Potes de guache de 250 ml Nas cores: vermelho, amarelo, azul, verde, branca e preta 10 Recipientes Plástico para lavar os pincéis 30 Copinhos de café Plástico para colocar as tintas 30 Pedaços de tecido 30x30 Branco

Lanche Quantidade Descrição 2 Litros de refrigerante 2 Formas de sanduíche 1 Forma de bolo pullmam

Desenvolvimento da atividade

Iniciei a oficina conversando com os participantes sobre a importância do valor civilizatório afro-brasileiro: cooperação/comunitarismo. Segundo Ana Paula Brandão: [...] não existe cultura negra sem coletivo.Pensar em africanidades é pensar em coletivo, em pessoas, em diversidade, em cooperação e comunidade. Imaginem o que teria sido dessa população se não tivesse como princípio a parceria, o diálogo e a cooperação, num sistema escravista. E hoje, numa sociedade racista excludente? [...] reconhecer a importância e o valor da história e da cultura negra, o que implica saber dividir, ser companheiro (malungo), dividir/ compartilhar o espaço e o poder (BRANDÃO, 2006, p. 46).

Em seguida mostrei ao grupo uma colcha de retalhos e falei aos participantes que naquela oficina iríamos produzir uma colcha de retalhos da 183

comunidade. Procurei sensibilizar os participantes dizendo que confeccionar uma colcha de retalhos é uma atividade interessante para ser feita em grupo porque permite que se trabalhem vários aspectos de uma só vez como a memória, a cooperação e a união. Muitas pessoas ainda gostam de fazer suas colchas. Elas podem contar histórias, registrar memórias, ser feitas de remendo de pano (quadrados, triângulos, etc.). Muito mais que uma possibilidade de expressão artística, esse trabalho pode significar liberdade! Informei aos participantes que muitas afro- americanas do Norte compravam suas cartas de autoria com a renda obtida na venda dessas colchas de retalhos. Após os comentários iniciais, distribui o material e cada participante pintou cenas do cotidiano, sentimentos, animais, elementos da natureza, etc.Em seguida colamos as extremidades do pano pintado sobre tiras de juta. Os trabalhos revelaram muita sensibilidade e criatividade. Todos os participantes envolveram-se com a proposta.

Observações

Antes de finalizar a oficina, fiz uma proposta às senhoras da comunidade. Pedi que consultassem a Associação Quilombola para ver a possibilidade das senhoras se reunirem às terças-feiras para que pudéssemos fazer um trabalho que atendesse ao interesse delas. Mais que depressa elas conversaram e combinaram o horário: às 14h, elas mostraram interesse em aprender a pintura em pano de prato. O objetivo era oportunizar um espaço em que elas pudessem descontrair-se, confraternizar aprendendo algo que despertasse o interesse delas. 184

3.5.2.13 - 13ª Reunião - Oficinas de pintura de pano Desenvolvimento das atividades

As oficinas de pintura em pano de prato ocorreram nos meses de setembro, outubro e novembro. Procurei levar desenhos que apresentassem somente referências africanas Na ocasião tive a oportunidade de estreitar vínculos de amizade com as senhoras. No ambiente das oficinas de pintura as senhoras levavam seus filhos e filhas adolescentes. Para a Sra. Maria Sabino era uma alegria participar das oficinas de pintura, era a oportunidade de largar a lida pesada e fazer algo por ela. Os adolescentes que acompanhavam as mães também aprenderam a pintar. As crianças de 3 a 5 anos que acompanhavam as mães recebiam folhas de sulfite e guache e eram acompanhadas durante a atividade por suas mães.

Encontro com a agente cultural do IPHAN em Morro Seco

Numa das oficinas de pano de prato uma jovem que já participava das oficinas aos domingos apresentou–se como agente cultural do Quilombo do Morro Seco. Na ocasião perguntei a Liamara Cristina se ela poderia responder algumas perguntas de modo a entender a função que desempenhava frente às atividades da comunidade. Ela concordou e colocou-me a par do trabalho que estava realizando. OISA: Instituto Sócio-ambiental e o IPHAN: Instituto do Patrimônio Histórico Artístico Nacional solicitaram da comunidade um jovem que pudesse representá-la com o objetivo de realizar um inventário de referências culturais das comunidades quilombolas. Pelo inventário a comunidade espera que o IPHAN incentive quaisquer que sejam os bens já cadastrados. O trabalho realizado pela agente cultural tem como objetivo promover um levantamento sobre as expressões, dos modos de fazer, pensar e as formas de se relacionar entre si e com a sua natureza, integrando um conjunto 185

de saberes e práticas que merecem ser reconhecidos em suas dimensões etnográficas e poéticas. Com o objetivo de reconhecer o valor patrimonial das expressões culturais quilombolas do Vale do Ribeira o projeto de Inventário realiza o levantamento dos bens culturais em 16 comunidades. Por meio da participação de agentes culturais locais, o projeto aplica a metodologia do inventário Nacional de Referências Culturais elaborado pelo IPHAN. O IPHAN classifica os bens culturais imateriais em cinco categorias: Formas de expressão, celebrações, ofícios e modos de fazer, lugares e edificações. Quando perguntei se poderia ter acesso às informações sobre os bens imateriais da comunidade para trabalhar com o grupo de estudos dentro do projeto: Somos brotos de velhas raízes, ela me respondeu que não poderia revelar o teor das pesquisas e disse que em breve as pesquisas se fossem aprovadas pelo IPHAN seriam publicadas, aí segundo ela todos poderiam ter acesso às informações. As maiores dificuldades que enfrentou frente às entrevistas foram sem dúvida entender algumas palavras no anexo (documento encaminhado pelos institutos para realizar a pesquisa), e o fato de ser tímida. Liamara relata que aprendeu muito e acredita que hoje já é mais desinibida ao entrevistar as pessoas da comunidade. Os fatores que facilitaram as entrevistas foi o prazer com que as pessoas da comunidade respondiam as perguntas, Liamara relatou que as pessoas sentiam prazer em ensinar, contavam coisas que existiam e das quais não tinha o menor conhecimento.Para ela é uma oportunidade de aprendizado. Liamara destaca que os idosos são fundamentais neste trabalho que esta desenvolvendo na comunidade, ela acredita que eles são a base de tudo para os jovens. Com relação aos jovens, Liamara destaca: Para ser bem sincera são poucos os interessados, claro que estão sempre ajudando em celebrações, em festas, etc. Mas acho que poderia melhorar, acho que poderia haver mais interesse pelas questões da comunidade. 186

Ao longo do trabalho desenvolvido percebeu que a mulher quilombola tem um desempenho importante: nas danças como o fandango, em mutirões, etc. Mas são tímidas para tomar algumas decisões, claro que não são todas. As crianças na comunidade com o passar do tempo vão sendo inseridas nas atividades da comunidade: danças e cultos religiosos.

Observações

A entrevista revelou que a grande maioria dos jovens da comunidade desconhece os aspectos de sua cultura imaterial. Destaquei para Liamara que este trabalho era de grande importância e que poderia auxiliar os jovens quilombolas a aprofundarem conhecimentos sobre sua cultura. É preciso ampliar a memória para que nossos alunos possam construir a noção de sua própria identidade. Para isso, deve-se proporcionar um encontro entre as informações que os alunos têm sobre a sua vida, os seus antepassados, a sua história, e construir, dentro de uma perspectiva que vai do passado ao presente, as linhas de memória que os constituíram. Destaquei que gostaria de entrar em contato com a antropóloga que está coordenando o trabalho para que no próximo ano: 2011 pudéssemos desenvolver as oficinas de modo a levar as informações coletadas com as entrevistas para todos os jovens. Ela ficou de discutir com a antropóloga, na ocasião da entrega dos formulários finais. O encontro entre elas só acontecerá em dezembro, e como irei retornar as atividades no mês de janeiro fiquei no aguardo de maiores informações. 187

3.5.2.14 -14ª Reunião – Oficina de Arte Africana Juquiá, 19 de setembro de 2010 Horário: 13h às 14:30h Local: Salão da Associação dos Moradores do Morro Seco

Programação Horário Atividades 13h às 13h10 Recepção 13h10 às 13h20 Objetivo do encontro - memória como corporeidade 13h10 às 13h40 Valor civilizatório afro-brasileiro: corporeidade 13h40 às 14h10 Dinâmicas, círculos de danças. 14h10 às 14h30 Lanche

Materiais Quantidade Materiais Descrição 01 Máquina fotográfica Digital 01 Aparelho de som - 01 CDs Músicas africanas 10 Kits de pintura de palhaço Cores sortidas 20 Pincéis chatos Nº 12 Panos para limpar o rosto

Lanche Quantidade Descrição 2 Litros de refrigerante 2 Formas de sanduíche 1 Forma de bolo pullmam 188

Desenvolvimento da atividade

Nesta oficina exploramos o valor civilizatório afro-brasileiro corporeidade. Segundo Ana Paula Brandão.

A corporeidade como um valor nos remete ao respeito ao corpo inteiro, corpo presente em ação, em diálogo e interação com outros corpos. Descarta a dimensão racional como imperativa, em detrimento d dimensão corpora. O corpo atua, registra nele próprio a memória de vários modos, cantando, dançando, brincando, desenhando, escrevendo e falando. Das músicas às danças. O que elas expressam, anunciam, denuncia. Os corpos dançantes revelam histórias, memórias coletivas (Brandão, p.61. 2006).

Durante a primeira atividade solicitei que todos ficassem de pé, fiz um breve aquecimento e em seguida solicitei que se espalhassem pelo salão e que ouvindo a música, todos juntos, pudéssemos dançá-la e deixar o corpo se expressar ao seu comando. Em seguida organizados em círculo segurando um caxixe, atravessei a roda dançando na direção oposta e quando cheguei à frente do jovem Cícero expliquei que iria realizar um movimento de dança e todos deveriam repeti-lo. Na sequência passando o instrumento para o Cícero, ele deveria escolher outra pessoa criar outra sequência de movimentos, até que todos tivessem vivenciado a experiência. Dando continuidade as atividades agora organizados em trios, os participantes receberam kits com pintura de palhaço, pincéis e panos. Os mais velhos receberam a missão de pintar o rosto dos mais novos com as “marcas da comunidade”. Foi um momento de muita descontração e alegria. Assim que todos os grupos concluíram suas pinturas (bodyart), os jovens foram desfilar para os participantes. As pinturas apresentavam referências à natureza, ao clima, as celebrações religiosas, a peixes, etc. Ao final do desfile socializei com a comunidade vídeos que apresentavam as danças tradicionais da África: tribais, guerreira, amos, ritos de passagem, boas vindas, posse e convocação. 189

Ainda apresentei os estilos de dança da Angola são: Kizomba, Kuduro, Rebita, Semba, Kazukuta, Kabeluta, Sungura, Kilapanga, Wala, Kitolo, Schikatt, Gnawa, Ahouach; as danças de Cabo Verde são: Funaná,Morna, Batuque, Finaçon, Tabanca, Coladeira, Kola San Jon, Contradança e Mazurka – importadas da corte européia e as de São - Tomé e Príncipe observamos as danças: Ússua, Dexa, Puita e d’Jambi, Bligá (ou jogo do cacete) e Socopé. Após a apreciação dos filmes, coloquei uma música instrumental africana e juntos dançamos explorando diferentes ritmos com o corpo.

Observações

A atividade levou os participantes a compreenderem que o corpo é vida, é aqui e agora, é potência, possibilidade. Com o corpo se afirma a vida, se vive a existência individual e coletivamente. Ele traz uma história individual e coletiva, uma memória a ser preservada, inscrita e compartilhada. O corpo conta histórias com a boca e com os gestos, manifestados no jeito de trabalhar, na ginga, nas brincadeiras na manutenção da própria ancestralidade. 190

3.5.2.15 - 15ª Reunião – Oficina de Arte Africana Juquiá, 10 de outubro de 2010 Horário: 13h às 14:30h Local: Salão da Associação dos Moradores do Morro Seco

Programação Horário Atividades 13h às 13h10 Recepção 13h10 às 13h20 Objetivo do encontro - princípio do axé 13h10 às 13h40 Energia vital 13h40 às 14h10 Pintura com guache 14h10 às 14h30 Lanche

Materiais Quantidade Materiais Descrição 01 Máquina fotográfica Digital 30 Pincéis chatos Nº 32 e 36 06 Potes de guache de 250 ml Nas cores: vermelho, amarelo, azul, verde, branca e preta 10 Recipientes Plástico para lavar os pincéis 30 Copinhos de café Plástico para colocar as tintas 30 Cartolinas Brancas

Lanche Quantidade Descrição 2 Litros de refrigerante 2 Formas de sanduíche 1 Forma de bolo pullmam 191

Desenvolvimento da atividade

Iniciamos a oficina com a escuta da música: Andar com fé de Gilberto Gil. Em seguida expliquei para os participantes que a educação que tem o princípio do axé como um valor está alicerçada no cotidiano, no fluxo da vida, na capacidade de criar, arriscar, inventar, de amar como afirmação de existência. Não são uma educação engessada em normas, burocracias, métodos rígidos e imutáveis, mas no desejo e na alegria. Comentei com os participantes que é comum na ocasião de apresentações de artistas afro-descendentes eles agradecerem ao público com um caloroso axé, os artistas espalmam a mão direita no ar e pronunciam de forma calorosa a palavra axé. Inclusive na escola, durante ensaios e apresentações e no encerramento das reuniões de estudo este tipo de cumprimento é realizado. Quando cumprimentamos alguém com axé estamos mentalizando e refletindo sobre a força vital, que encerra a vontade de viver, de aprender. Viver com vigor, com alegria, com o brilho no olho, acreditando que a vida é um presente. Em seguida organizamos o espaço para a realização de uma atividade de pintura com guache. Cada participante pintou sobre a cartolina a palavra axé e representou sobre as letras aquilo que mais lhe fazia feliz. Na hora de socializar as pinturas observamos uma explosão de corres e simbologias: famílias, mãos, pegadas, filhos, temas religiosos, instrumentos musicais. Em seguida encerramos os trabalhos da oficina realizando um círculo e espalmando as mãos no ar nos cumprimentamos com um caloroso axé. 192

3.5.2.16 - 16ª Reunião – Oficina de Arte Africana Juquiá, 24 de outubro de 2010 Horário: 13h às 14:30h Local: Salão da Associação dos Moradores do Morro Seco

Programação Horário Atividades 13h às 13h10 Recepção 13h10 às 13h20 Objetivo do encontro - Adinkra 13h10 às 13h40 Adinkra – um pano repleto de simbologias 13h40 às 14h10 Atividade de pintura com guache 14h10 às 14h30 Lanche

Materiais Quantidade Materiais Descrição 01 Máquina fotográfica Digital 30 Pincéis chatos Nº 32 e 36 06 Potes de guache de 250 ml Nas cores: vermelho, amarelo, azul, verde, branca e preta 10 Recipientes Plástico para lavar os pincéis 30 Copinhos de café Plástico para colocar as tintas 30 Cartolinas Brancas

Lanche Quantidade Descrição 2 Litros de refrigerante 2 Formas de sanduíche 1 Forma de bolo pullmam 193

Desenvolvimento da atividades

Na oficina deste final de semana exploramos os símbolos de origem africana, conhecidos pelo nome de adinkras. Segundo Ana Paula Brandão: Adinkra tradicionalmente é um pano cheio de desenhos, sendo que cada um deles representa um símbolo. Antigamente, esse tecido era usado por líderes espirituais e sacerdotes, em rituais secretos e cerimônias, como, por exemplo, nos funerais. Nos dias de atuais, contudo, é encontrado em várias atividades sociais: casamentos, festas, cerimônias e rituais, além do uso tradicional. Sua origem é associada aos povos de Asante (Ashanti) de Gana e aos povos da Costa do Marfim. Em épocas modernas, entretanto, os panos do adinkra são usados para uma escala larga de atividades sociais. Além dos tecidos, seus desenhistas criam acessórios para roupas, decoração de interiores, papéis diversos, capa de livros. Cada um dos símbolos tem um significado e um nome, formando um corpus de provérbios, eventos históricos, atitude, humano, comportamento animal, vida de planta...Em sua totalidade, o simbolismo do adinkraé uma representação visual do pensamento social. (BRANDÃO, 2006, p. 71).

Em seguida realizamos a leitura dos cartazes que apresentavam alguns dos dezenove símbolos do adinkra. Vale destacar que os cartazes foram produzidos pelos alunos durante as atividades do grupo de estudo. Cada participante recebeu material de pintura e criou um símbolo que melhor representasse a comunidade quilombola do Morro Seco. Sugeri aos participantes que também criassem um símbolo (para a confecção de etiquetas que identificassem a procedência do artesanato. as para que as peças produzidas por elas no futuro pudessem ser comercializadas nas feiras que ocorrem entre os quilombos. Seria uma fonte de renda. Na segunda-feira a jovem Ludmila entregou-me na escola um desenho feito por ela e outro realizado pela sua mãe a Srª Suzana uma referência entre as mulheres da comunidade. O desenho contemplava ao fundo montanhas, sobre elas as coroas do reisado, a palavra Morro Seco foi escrita acima dos morros, em baixo das coroas estavam representados os instrumentos utilizados por eles no reisado (rabeca, tambor e violão). Fiquei responsável por pesquisar na gráfica o valor da etiqueta e depois apresentar na comunidade o valor. Encerramos o encontro como lanche. 194

3.5.2.17 - 17ª Reunião – Oficina de Arte Africana Juquiá, 14 de novembro de 2010 Horário: 13h às 14:30h Local: Salão da Associação dos Moradores do Morro Seco

Programação Horário Atividades 13h às 13h10 Recepção 13h10 às 13h20 Objetivo do encontro - Socialização dos trabalhos desenvolvidos pelos jovens quilombolas na EE Prof.ª Alice Rodrigues Motta. 13h10 às 13h40 Apresentação e reflexão frente às atividades desenvolvidas 13h40 às 14h10 Lanche

Materiais Quantidade Materiais Descrição 01 Máquina fotográfica Digital 01 Data show 01 Note book

Lanche Quantidade Descrição 2 Litros de refrigerante 2 Formas de sanduíche 1 Forma de bolo pullmam

Desenvolvimento da atividade

Nesta etapa do trabalho considerei importante socializar com a comunidade os trabalhos que os jovens estavam ajudando a coordenar frente ao projeto: Somos brotos de velhas raízes. A princípio apresentei as propostas elaboradas por cada um dos componentes curriculares envolvidos com o trabalho e depois pontuei a atuação do grupo de estudos frente a organização dos espaços expositivos, cronograma de apresentações, divulgação do evento, pesquisas, etc. A comunidade revelou-se envolvida com os trabalhos que seus filhos e netos desenvolviam. Combinamos que no dia da socialização dos trabalhos na escola 22/11 um ônibus da prefeitura os buscaria para que pudessem prestigiar a exposições dos trabalhos desenvolvidos pelos diferentes componentes curriculares envolvidos no projeto assim como assistir as apresentações de 195

danças, músicas, poesias, teatros focando as questões relacionadas as temáticas da africanidade. Antes de encerrarmos as atividades, comuniquei aos presentes que a próxima oficina seria a última a ser realizada este ano. O que causou espanto nas senhoras. Discuti a possibilidade de elaborarmos em conjunto as coroas do reisado e finalizarmos as atividades pendentes (acabamento nas peças de artesanato). Comuniquei aos participantes que o Sr. Hermes havia conversado comigo sobre a assinatura do termo de consentimento livre e esclarecido e que concordava em assinar, só que ele não poderia ficar na reunião. Perguntei a ele se poderia falar com os membros da comunidade que participavam da oficina sobre isso novamente e ele disse que sim. Sendo assim, expliquei novamente a necessidade que tinha de ter a assinatura dos participantes nos termos de consentimento livre e esclarecido. E como era o último encontro caso eles não concordassem, eu teria que mudar todo o foco da minha pesquisa, pois sem a autorização deles eu não poderia escrever ou documentar nada através das fotos. Pedi autorização do grupo para ler novamente o documento e explicar tópico a tópico, para que eles tirassem qualquer dúvida sobre o conteúdo do mesmo. Ao final da leitura, após calorosa explicação e reflexão o Sr. Bonifácio falou: “vamos deixar para mostrar este documento na reunião de amanhã, pois o nosso presidente da associação não está presente, não é mesmo. A Sra. Suzana disse: “Fique tranquila minha filha, tudo vai dar certo””. Perguntei se na comunidade alguém tinha máquina de costura, e as senhoras disseram que não. Então me comprometi em levar os panos de prato e fazer a costura de acabamento das extremidades do pano. Como já sabia da necessidade de material para a produção das coroas do reisado, entreguei as senhoras da comunidade miçangas e fio de nylon para que elas pudessem começar a tecer os cordões que iriam enfeitar as coroas. Como nenhuma das senhoras sabe crochê combinamos de costurar fuxicos e criar uma composição nas barras dos panos de prato. 196

3.5.2.18 - 18ª Reunião – Oficina de Arte Africana Juquiá, 28 de novembro de 2010 Horário: 13h às 14:30h Local: Salão da Associação dos Moradores do Morro Seco

Programação Horário Atividades 13h às 13h10 Recepção 13h10 às 13h20 Objetivo do encontro - Coroas da Folia de Reis 13h10 às 13h40 Produção das coroas da Folia de Reis 13h40 às 14h10 Confraternização 14h10 às 14h30 Lanche

Materiais Quantidade Materiais Descrição 01 Máquina fotográfica Digital 05 Pacotinhos de miçangas Cores sortidas 03 Metros de fitas de cetim Nas cores: vermelha, laranja e amarela 02 Pistola de cola quente Grossa 20 Pedras de acrílico Enfeitar as coroas

Lanche Quantidade Descrição 2 Litros de refrigerante 2 Formas de sanduíche 1 Forma de bolo pullmam

Desenvolvimento da atividade

Iniciamos a oficina dividindo as frentes de trabalho, pois como iria ser a última, precisávamos terminar todos os trabalhos que estavam precisando de acabamento, finalizar as pinturas nos panos de prato e produzir as coroas para a Folia de Reis. O clima era de festa, animação e partilha. A cena formada no salão era contagiante. De um lado um grupo de senhoras discutindo como suas avós pregavam as contas de miçangas antigamente, pois naquela época não tinha cola quente, elas explicavam para as moças mais jovens que antigamente era produzida uma pasta a base de farinha e água para colar capiá e correntes douradas nas coroas. Solicitei a Sra. Suzana que desenhasse o modelo das coroas para que as moças pudessem recortá-lo em EVA. Ela explicou que duas coroas eram 197

iguais e somente a coroa do rei que ficava no meio era diferente. Então desenhamos e recortamos as coroas. Levada a mesa no centro do salão estavam as senhoras mais velhas da comunidade terminando a tarefa a elas confiada. A elas coube a função de tecer as pacienciosamente as fileiras de contas e miçangas, alguns cordões chegava a ter até três metros. Do outro lado do salão encontravam-se um grupo de senhoras e jovens dando os últimos retoques nas pinturas de pano de prato. E mais a frente outro grupo ia costurando os fuxicos na barra dos panos para dar acabamento nas peças. A Sra. Maria perguntou se no próximo ano eu continuaria atendendo a comunidade com as oficinas, pois elas lhe trazem muita felicidade. Eu afirmei que sim. Mais uma vez voltei a discutir com elas a possibilidade de levarem as peças produzidas para as feiras que ocorrem entre os quilombolas na ocasião das trocas de sementes. Pois nestas ocasiões os quilombos também comercializam o artesanato produzido na comunidade. Mostrei como poderiam colocar a etiqueta de identificação do artesanato do quilombo do Morro Seco nas peças e elas ficaram toas orgulhosas. À certa altura a Sra. Suzana falou: “Professora estamos com fome, a que hora será servido o lanche”. Eu fiquei meio sem graça, pois nas oficinas de terça feira como as reuniões ocorrem às 14h eu não levo lanche. Mas aproveitei a oportunidade para perguntar quais eram as comidas típicas da comunidade e as senhoras foram respondendo:arroz com frango caipira, farofa de carne seca, arroz com palmito, feijão com frango, farofa de carne seca com feijão, arroz com carne de porco, toucinho com feijão, café com caldo de cana, cará, tabacui, paçoca de cará com torresmo, bolo certo, beiju, coruja, cuscus, canjica, linguiça caipira e caldo de betara e muitos outros. Ainda são feitas para o consumo da família ou por toda a comunidade em festas e outras ocasiões especiais. Durante as atividades as crianças tinham a sua disposição cartolina e guache para pintar, as mães e as avós alternavam- se para cuidar do processo de criação das crianças. Num dado momento, distraímo-nos e quando olhamos para as crianças, estavam todas pintadas de azul e vermelho deixando as 198

marcas de seus pés pelo assoalho do salão. Foi um corre-corre seguido de muitas gargalhadas. Observações

O momento que considerei de muita importância e sensibilidade foi quando as jovens, adultas e idosas reuniram-se em torno da mesa central para colar as peças de acrílico e costurar as miçangas nas coroas. As mais jovens e as adultas ficavam atentas as instruções das senhoras da comunidade.Todas tinham suas opiniões respeitadas. Mas na hora de fixar as miçangas, as senhoras comandavam dando instruções as mais jovens. Percebi certa movimentação na cozinha e quando dei por mim uma farta mesa com suco natural de mamão e laranja e bandejas de cuscuz de milho e bolo de mandioca, estavam postas. A Sra. Suzana fazendo uso da palavra disse: “professora, a Senhora nos deu um baita susto dizendo que hoje iria ser o nosso último encontro. Foi uma loucura, quando a senhora saiu no domingo nos organizamos e corremos cortar bananeira para fazer o artesanato com a sua fibra. Passamos segunda e terça aqui no barracão preparando as peças para a senhora”. Neste momento uma fila de senhoras estava se formando a minha frente, das mais velhas para as mais jovens, até a crianças traziam em suas mãos artesanatos produzidos por elas. Foi muito emocionante. Pra variar fiquei emocionada e chorei. Agradeci imensamente o gesto de carinho. Comprometendo-me em retornar as atividades no início do ano letivo de 2011. 199

3.6 Análise/avaliação da experiência com as oficinas de Arte.

Analisando as oficinas de arte africana concluo que a Arte, enquanto forma de conhecimento, aliada à sensibilidade, à criatividade e à vontade propiciou reflexões que refletirão em longo prazo mudanças dos pensamentos e sentimentos impulsionando ações que fortaleçam as relações de convivência entre os jovens e demais integrantes da comunidade. O trabalho das Oficinas de Arte com o auxílio de um mediador externo foi acolhido pela comunidade porque veio atender a demanda relacionada a cultura e lazer apontadas pelos moradores do quilombo na Agenda Socioambiental organizada pelo ITESP junto a comunidade no ano de 2008 que previa o fortalecimento da participação dos jovens nas atividades da comunidade. Na ocasião da organização da agenda a comunidade apontou como encaminhamento para a realização deste trabalho o estabelecimento de parcerias junto a Secretaria da Educação, Prefeitura, Ministério da Cultura dentre outras. As oficinas propiciaram um aprofundamento no movimento de formação que a comunidade está vivenciando. Soma-se a isto o fato de conhecerem previamente minha atuação enquanto educadora na comunidade. As ações desenvolvidas ao longo das oficinas oportunizaram um mergulho no conhecimento sobre esta realidade histórica, social e cultural do quilombo do Morro Seco no sentido de me levar a compreender e respeitar o saber que se condensa nesta cultura, universo simbólico pelo qual se atribui significado à experiência de vida. A Arte – não outra forma de conhecimento – por meio das diversas atividades desenvolvidas alimentou a possibilidade de um encontro entre os integrantes da comunidade, levando-os a reflexões sobre sua ancestralidade e sua interioridade. Despertou os sentimentos de modo a levá-los a refletir sobre elas mesmas, estabelecendo conexões com seu passado, sua herança e seu futuro. O contexto artístico que envolveu a comunidade quilombola permitia que os participantes refletissem sobre seu pensamento, sentimento e os motivava a implantar ações no sentido de fortalecer o vínculo que existia entre eles de modo a colaborar com o processo de formação da identidade dos jovens. 200

Destaco que um aspecto importante da vivência com os moradores da comunidade quilombola do Morro Seco foi aprender a importância e o significado da identidade afirmativa que eles conquistaram nas relações que estabelecem cotidianamente junto aos seus pares. As intervenções provocadas pelas oficinas de Arte africana oportunizaram mais um espaço de convivência . Na ocasião da realização da primeira reunião visando à implantação das oficinas, o Senhor Modesto, um dos pilares da comunidade, dirigiu-se ao grupo muito sensibilizado dizendo: “Este momento é um dia de muita felicidade para a comunidade, pois os jovens tiveram uma apresentação marcante, apresentaram-se e mostraram respeito pela cultura africana, é o sonho que há muito tempo queremos realizar, que é o de reunir toda a juventude da comunidade para falar sobre as questões do quilombo. Ao idealizarmos a implantação de oficinas de arte africana envolvendo os alunos quilombolas e sua comunidade, oportunizamos aos envolvidos nesta ação e posteriormente à comunidade escolar, vivências enriquecedoras. O intercâmbio de informações, o contato direto com os líderes comunitários do Quilombo do Morro Seco em apresentações artísticas e culturais (apresentação de capoeira, fandango, reisado) na escola, palestras, acrescentou um diferencial, fortalecemos o elo cultural e histórico dos alunos. As aulas dentro deste contexto de aproximação e valorização da realidade dos alunos, destinadas a elaboração e socialização das atividades vinculadas ao projeto nutriam de forma intensa as poéticas pessoais e as manifestações estéticas dos alunos visto que valorizava a educação patrimonial e cultural afro- brasileiro, visando a preservá-lo e a difundi-lo. Estas ações foram planejadas e executadas levando-se em conta os princípios que envolvem ações educativas de combate ao racismo e a discriminação, na mudança de mentalidade, de maneiras de pensar e agir dos indivíduos em particular, assim como das instituições e de suas tradições culturais previsto nas Diretrizes Nacionais para a Educação das Relações Étnico-Raciais e para o Ensino de História e Cultura Afro-Brasileira e Africana. Observa-se por meio das propostas desenvolvidas ao longo das oficinas e das experiências compartilhadas evidências de que a identidade do jovem quilombola está em construção. É o caso do levantamento dos bens materiais e imateriais junto aos idosos e adultos, que está sendo realizado pela agente 201

cultural Liamara. Quando os jovens quilombolas da comunidade tiverem acesso a este material, lhes será oportunizado conhecer aspectos importantes sobre a história da comunidade. Para os idosos e alguns adultos suas memórias e referencias culturais ainda estão latentes, mas o jovem quilombola precisava ter acesso a este alimento cultural - o jovem desejava nutrir-se destas lembranças- uma vez que as referências culturais da comunidade estavam pulverizadas entre os moradores dificultando acesso a muitas histórias, causos, fragmentos de uma herança que luta para sobreviver. A realização das oficinas possibilitou uma convivência coletiva onde estes conhecimentos eram socializados no pensar, fazer e refletir artístico Deste processo em que revisitam sua memória e heranças culturais participam ativamente os adultos e idosos. A formação cultural do ser quilombola é cercada de muita responsabilidade, sensibilidade e compromisso, a comunidade permitiu o desenvolvimento das oficinas de arte no sentido delas oportunizarem um espaço de convivência que auxiliaria no processo de formação da identidade dos jovens quilombolas, fosse por meio das propostas artísticas trabalhadas, ou por meio das intervenções diretas dos líderes da comunidade e demais participantes. Neste movimento de formação identitária o jovem quilombola sabe o que é e sabe o que quer. Viver sua cultura, manter sua integridade de seres humanos e de cidadãos capazes de lutar com todas as suas forças para dignificar sua vida, recriando sua cultura, seja lutando para manter sua terra, seja tocando seus instrumentos musicais, respeitando as tradições de seus antepassados, dançando e cantando, e fazendo da festa negra a alegria de festejar a vida. Este trabalho despertou o sentido de que para perceber-se, primeiramente é preciso querer. Depois, ter consciência de que uma pessoa só existe porque existe o outro. 202

CONSIDERAÇÕES FINAIS

O trabalho desenvolvido junto ao grupo e estudos e das oficinas de Arte, enquanto intervenção, favoreceu e estimulou o processo de construção da identidade quilombola pelos jovens, pois contou com o auxílio dos adultos e idosos da comunidade que alimentaram os momentos de encontro, transformando-os em ricas oportunidades de convivência, aproximando as faixas etárias, promovendo o despertar de novas emoções e sentimentos de ser quilombola. O jovem quilombola vislumbrou a importância e a responsabilidade de sua atuação frente às ações que a comunidade desenvolve. Junto aos alunos remanescentes quilombolas lutei por uma prática pedagógica transformadora, no sentido de organizar os desejos e as necessidades da comunidade em que se encontram inseridos. No momento em que nos reuníamos para realizar os estudos referentes aos conteúdos das africanidades que seriam abordados na comunidade buscávamos em conjunto encontrar caminhos, a pensar em alternativas para a atuação junto aos integrantes da comunidade para despertar o entendimento do que significava estar com o outro, partilhando experiências e sentimentos. Durante a realização das atividades do projeto e grupo de estudo por meio das pesquisas, leituras estéticas, ação expressiva de vivências com técnicas artísticas os alunos conheceram as características da arte africana, levando a essência da mesma para ser trabalhada nas oficinas de arte no quilombo, aspecto que veio nutrir e fomentar a cultura da comunidade. Durante a execução das atividades propostas valores como oralidade, ancestralidade, religiosidade, memória, ludicidade, musicalidade, comunitarismo e cooperativismo, axé-energia vital e corporeidade, foram reconhecidos pelos adultos e idosos como valores a muito explorados por eles nas ações que envolviam a educação das crianças e jovens quilombolas, valores estes que evidenciam a identidade quilombola da comunidade. O estudo da arte contemplando as relações interétnicas que envolvem patrimônio cultural oportunizou a ampliação do olhar acerca da cultura e das heranças culturais que marcam e dão referência sobre quem somos e este 203

estudo aliado aos saberes estéticos e culturais que embasam o pensamento sobre a arte e seu sistema simbólico ou social, fomentou outras referências para a atuação dos jovens quilombolas como intérpretes da cultura, pois cada indivíduo é parte de um todo, ligados pela força da tradição e da fé que nutre uma eterna busca por expressar-se. Outro conceito fundamental na filosofia da existência africana é a importância do grupo, para que a comunidade viva, cada integrante deve participar seguindo o papel que lhe pertence em nível espiritual, cultural, social e terreno. E assim eles procedem frente ao preparo das danças do reisado e do fandango, na confecção das coroas que reunem as idosas, adultas e jovens, no artesanato em fibra de bananeira. Podemos dizer que vem desse diálogo entre arte-cultura, continente-conteúdo, matéria-pensamento, tradição e ruptura, espaço-energia - o sopro que renova os laços de convivência entre jovens, adultos e idosos na comunidade e colabora na consolidação da identidade. A arte enquanto área de conhecimento nos auxilia a ver o mundo e alimenta uma reflexão que nos traz clareza sobre a nossa maneira de ser, pensar e agir, possibilitando encontrar respostas no sentido de alimentar reflexões sobre ele. Retomamos nosso vínculo com o mundo, nos colocamos em devir e alinhamos nossos sentidos/sensações, o sentimento, a razão e a ação que transforma e liberta pela ação interrogativa sobre a vida, são estes preceitos que ao meu ver são grandes facilitadores da intervenção educativa em arte ocorrida no Morro Seco. A arte é uma área do conhecimento por meio da qual os sentimentos e as emoções são a matéria prima que sensibiliza o ser por meio do despertar dos sentimentos e emoções, levando os integrantes da comunidade como um todo a descobrir-se, a significar e resignificar suas ações. A dinâmica das oficinas oportuniza aos jovens e demais integrantes da comunidade manifestarem-se por diferentes formas de expressão e de organização de raciocínios e pensamentos de raiz da cultura africana; promovia a oportunidades de diálogo em que se fortaleciam os vínculos de relacionamento alimentando formas de convivência respeitosa. Os alunos foram encorajados a expor, defender sua especificidade étnico-racial e a buscar garantias para que todos o façam. Os alunos foram motivados a 204

interpretar-se reciprocamente, respeitando os valores, visões de mundo, raciocínios e pensamentos de cada um. O que costumamos designar como educação entre os africanos e afro- descendentes é considerado por aprender a conduzir a própria vida. Viver a aventura dessa pesquisa no quilombo foi uma oportunidade de aprender outra dimensão da experiência humana até então para mim desconhecida. Aprender que na simplicidade encontramos a essência do que é significativo para assimilarmos as verdades que irão revolucionar nossa forma de ser, pensar e agir. As limitações encontradas ao longo da realização da proposta de intervenção educativa por meio das oficinas deram-se pela dificuldade de comunicação – o celular não funciona, o único orelhão da comunidade fica próximo a Igreja, afastado das casas - quando ocorriam eventuais problemas que me impediam de chegar à comunidade para desenvolver o trabalho em conjunto com os alunos, e eventuais períodos de chuva, tendo em vista que o acesso a comunidade é garantido via estrada de barro. Este trabalho me lançou a delinear novas perspectivas de envolvimento com a comunidade quilombola do Morro Seco no sentido de dar continuidade a realização das oficinas de Arte e de incentivá-los a desenvolver um trabalho que favoreça o contato entre os jovens quilombolas do Vale do Ribeira. 205

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ANEXO 1- FICHA DESCRITIVA DO PROJETO “SOMOS BROTOS DE VELHAS RAÍZES” Título do Projeto: Somos Brotos de Velhas Raízes Proponente:EE Prof.ªAlice Rodrigues Motta” D.E. Região de Miracatu

Fone: (013) 3844-4373 Email: Fax: (013) 3844-1248 [email protected].

Nome da Professora responsável: Ariadne Rodrigues Vieira

Disciplina/Área de Estudo: Código de Linguagem / Ciências / Humanas e Matemática

População Alvo: Alunos, professores, funcionários e comunidade

Sexo: Nível de Ensino: Séries: F ( ) M ( ) 5a.a8a. EF e 1º ao 3º EM Ambos (X)

No. de Alunos Professore Outros participantes s Direção- 647 300 20 2/Sup.1/P Adm-4/PC- 2/P S Gerais-6 Merendeiras – 2/inspetores 3/APM- 10/ Convidados e Comunidade 100

Total: 8H e 60 minutos 213

Datas/Período de realização: 06/05 a 16/12 No. de horas por dia/período:Manhã – 4h e 30 minutos Tarde – 4h e 30 minutos Parcerias: sim(x)não () Entidades/ Parcerias: Escolas Municipais Escolas Estaduais EEBP Fundação Bradesco- Registro

Articulador (es) Responsável (is):

Maria Dolores Cabral Hedjazi: História Joelma Magalhães Silva: Geografia Ariadne Rodrigues Vieira: Arte

Educadores Envolvidos: Maria Dolores Cabral Hedjazi: História Ariadne Rodrigues Vieira: Artes Educadores Envolvidos: Neuza Machado de Castro: História Leôncio Alves de Souza: História Solange Martins Vieira: História Gisele das Neves Gonçalves: Geografia Raquel Tumasz Ribeiro: Geografia Luciana Jacqueline C. Rocha - Língua Portuguesa Gilson da Silva Cordeiro: Língua Portuguesa Neide Marisa de Lima Nascimento- Língua Portuguesa Noêmia Keiko Akamine Sobrinho: Língua Portuguesa Tânia Maria Rodrigues Alfredo: Língua Portuguesa Cecília Martins de Azevedo: Língua Portuguesa Fátima Cavalcanti Silva: Inglês Daniela dos Santos Costa: Educação Física Priscila Cristina Zamarchi de Almeida: Ciências Carlos Alberto Marinho Freire: Química 214

Vera Lúcia Alves Feitosa: Matemática

Envolvidos Externos: - Quilombo do Morro Seco - Iguape

Temas Transversais: - Ética (x) - Meio Ambiente () - Orientação sexual (X) - Pluralidade Cultural (X) - Saúde () - Trabalho e Consumo ()

Introdução:

O Projeto: Somos brotos de velhas raízes, vem sendo desenvolvido na EE Prof.ª Alice Rodrigues Motta, localizada na cidade de Juquiá-SP, no Bairro da Vila Sanches, sendo este carente de bens públicos e de capital humano. Esta U.E. atende alunos deste bairro e de outras vinte e três comunidades rurais da cidade principalmente no período da manhã. Dado a distância dos bairros (Lajeado, Rancho dos Veados, Araribá,), alguns alunos enfrentam uma rotina pesada, pois acordam às 4h da manhã para chegar à estrada (dada a distância em que se localizam suas moradias), e esperaram o ônibus que passa às h, chegando este a cidade às 7h, estudar constitui um enorme desafio para estes jovens. Os alunos que participam diretamente do projeto residem no Bairro do Morro Seco que fica a uns 80 km da escola onde estudam, muitos enfrentam a mesma situação. No âmbito escolar o Projeto: Somos brotos de velhas raízes desencadeou atividades interdisciplinares por meio de ações afirmativas favorecendo o processo de construção da identidade afro-descendente, bem como o fortalecimento dos adolescentes com relação a sua auto-estima, o que os levou a um o autoconhecimento e o exercício dos direitos e deveres. Ao longo do desenvolvimento das atividades propostas pelo projeto os alunos residentes no Quilombo do Morro Seco relataram suas experiências e 215

dificuldades (econômicas) enfrentadas, pois dia a dia lidavam em suas relações sociais com diferentes posicionamentos: Como jovens quilombolas (mesmo revelando certa resistência ao participar das atividades), sentiam que a família é o grande ponto de apoio, na comunidade contam com uma rede de proteção. Como jovens estrangeiros, recém chegados na escola da cidade (os alunos da zona rural realizam o ciclo I no bairro que residem), pulverizados nas diferentes unidades escolares da cidade, sentiam-se a princípios ameaçados, inseguros, longe do alcance da comunidade quilombola. A mudança brusca na rotina diária envolvendo as relações interpessoais da escola da cidade, hábitos, interesses, interfere e gera conflito nas duas tarefas sócio-existenciais básicas da adolescência que seriam: a construção da identidade (levando-se em conta a herança quilombola) e a construção do projeto de vida. Pois de um lado lutam para manter viva a herança cultural legada pelos seus ancestrais e do outro lado vivenciam a luta pela sobrevivência em meio às dificuldades sócio-econômicas que o quilombo enfrenta. Muitos jovens ao término do 2º grau deixam a comunidade em busca de trabalho, em alguns casos rompem o vínculo com as atividades da comunidade quilombola. - Na Escola frente à realização das atividades do projeto focando conteúdos referentes a Africanidades os jovens sentem-se livres para pesquisar, discutir, criar intervenções, mas quando o assunto gira em torno dos conteúdos vivenciados na comunidade, estes jovens manifestavam-se de forma tímida, revelando pouco envolvimento com a cultura quilombola. Percebe-se certo distanciamento com relação à participação das atividades culturais (Fandangos, reisados) que a comunidade desenvolve. Já na ocasião da realização dos encontros promovidos pelo projeto no salão da associação da comunidade quilombola aos finais de semana percebe- se de início certa resistência e timidez dos jovens, que aos poucos sede lugar a participação sobre os olhares atentos dos adultos e idosos da comunidade. Estes distanciamentos, que os jovens quilombolas revelam frente às atividades da comunidade, esbarram no enfrentamento de processos de exclusão: 216

- Na comunidade quilombola, pois o bairro do Morro Seco está localizado no município de Iguape, mas quem atende as necessidades sociais, religiosas e educacionais (incluindo o transporte escolar) é o município de Juquiá, soma-se a isso a crescente necessidade dos jovens deixarem a comunidade em busca de trabalho, para viabilizar uma estratégia de sobrevivência. Somado a esta realidade os moradores enfrentam conflitos, pois o quilombo do Morro Seco ainda não recebeu titulação e assim que esta sair, todos os proprietários de terras que não pertencerem à associação quilombola ou não forem remanescentes quilombolas deverão deixar o local. - Na cidade, ao iniciar os estudos enfrentam conflitos relacionados ao preconceito, violência sexual, bullying. Sozinhos, sem a proteção da rede comunitária em que foram criados, sentem-se desprotegidos, acuados os jovens acabam por revelar certa agressividade, resistência e desconforto quando inquiridos sobre ser um jovem remanescente quilombola. Para melhor equacionar este processo de exclusão os jovens remanescentes quilombolas foram envolvidos em atividades culturais que desencadearam ações: reflexiva, críticas e criativas, que vieram a colaborar com o entendimento e fortalecer o enfrentamento civilizatório das realidades (campo e cidade) em que residem e estudam. Vivenciando situações que os levavam a refletir não apenas na inclusão social, mas também no direito a tentar desidentificações com o passado opressor, com a lógica do mercado, com o preconceito, buscando o novo e o exercício da crítica e de reinvenções identitárias. . As ações afirmativas desencadeadas pelo Projeto: Somos brotos de velhas raízes no âmbito escolar e na comunidade quilombola do Morro Seco, focalizaram necessidades, apontaram diferenças estruturais entre as realidades vivenciadas pelos jovens, buscou despertar o interesse dos jovens pela cultura modelada pela tradição africana da comunidade contribuindo para o princípio de autonomia dos jovens.

Justificativa:

Em tempos confusos do panorama mundial, estamos conduzindo nossos alunos a reflexões relacionadas aos direitos universais, à cidadania e direitos 217

humanos - como um desafio e uma tarefa urgentes a todos os cidadãos do mundo; à garantia de direitos às minorias e excluídos; à consciência da cidadania e participação, porém, uma participação com princípios para uma prática democrática, tolerante, solidária, respeitosa e amistosa, repudiando atos de violência que gerem conflitos e confrontos. O direito à igualdade com superação das desigualdades locais e globais, o bem comum do homem – a vida, a busca da erradicação da discriminação (racial, religiosa, étnica, social e de qualquer outra forma), o fim da impunidade, a construção da cidadania e a consolidação da democracia e da busca dos direitos sociais e dos chamados direitos da 3ª geração – o direito à paz e ao desenvolvimento, serão temas abordados ao longo do trabalho. Além disso, precisamos também associar tudo o que observamos com outras informações provenientes dos conhecimentos acumulados por nós e pela cultura humana longo dos tempos. É um jogo em que, às vezes, mergulhamos na emoção e, às vezes, tentamos fazer uma análise crítica por meio do raciocínio e da razão. Enfim, nunca podemos nos entregar passivamente, sem uma participação ativa. A sensibilidade, a inteligência e a vontade são os agentes principais dessa atividade, ao mesmo tempo intelectual e emocional, que é a experiência estética. Ou seja, para que a percepção esteja bem afinada, não basta um olhar ingênuo, passivo, submisso, desatento ou distraído. É necessário responder, é preciso ser atuante, participante, ativo. Colocamos as capacidades de nossa mente e de nossa sensibilidade em intensa atividade no que tange a sensibilização e intervenção sócio-comunitária produzidas pela cultura artística dos afro-descendentes. Problemáticas Pensar o país em que vivemos com sua formação histórica e sua marca africana indelevelmente deixada em todas as instâncias da vida nacional é sedimentar nossa identidade (ainda inconclusa), como bem comum a ser preservado por todos. Portanto: Quais ações educativa - afirmativas a escola poderia desenvolver para atender a formação cultural dos alunos relacionada aos aspectos da? Africanidade? 218

Como motivar a participação dos jovens quilombolas de modo a garantir sua total inserção, levando-os a vivenciar junto a adultos e idosos da comunidade um processo de formação identitária?

Objetivos: • Refletir sobre a dimensão do outro ao contemplar processos de intervenções artísticas, ao trabalhar o respeito as diferenças culturais permitindo a nossa transformação interior. • Constatar as diferenças culturais como um processo de criação, atividade, movimento e fluxo de vida sobre os aspectos que envolvem nossa complexidade humana.

Hipóteses: • Analisar o processo de construção e/ou fortalecimento dos adolescentes com relação a sua auto-estima, quando envolvidos em atividades interdisciplinares com foco na africanidade, buscando o autoconhecimento e o exercício dos direitos e deveres. • Observar as relações entre a realidade da comunidade quilombola e sua cultura, refletindo, investigando, indagando, com interesse e curiosidade, exercitando a discussão, a sensibilidade, argumentando e apreciando suas experiências de modo sensível frente as relações que se estabelecem em seu cotidiano.

Métodos: Inicialmente solicitei autorização da Equipe Diretiva para realizar em algumas reuniões de HTPC, uma retomada dos trabalhos relacionados ao projeto africanidades que a escola vem desenvolvendo. Saliento que a parceria da equipe diretiva foi fundamental para redirecionar as ações do projeto: Africanidades. Na ocasião relembramos e reavaliamos a trajetória do projeto africanidades (foi implantado na escola desde 1997), refletindo sobre o compromisso da escola em dar continuidade as ações do mesmo, dado a sua relevância para a comunidade escolar. 219

Discutimos sobre a possibilidade de ampliar as ações do projeto para além dos muros da escola, e com este desejo os professores alimentaram uma carta de intenções visando promover ações que provocassem intervenções culturais:

Metas: Buscar atingir a redução em 20% de retenção e evasão. Levando a integração das diferentes áreas de maneira dinâmica de modo a estimular habilidades e competências em nossos alunos.

Ações por disciplina: 1º. Ciências Humanas História

Antes Durante o projeto - Reflexões, pesquisas, - Oficinas com a equipe de alunos estudos do meio, dinâmicas, que irão atuar junto à comunidade: ensaio relatórios sobre a construção da fotográfico, redação de cartas as identidade do nosso povo. autoridades, confecção de painéis temáticos, construção de maquetes

Geografia

Antes Durante o projeto - Sensibilização, leitura de - Oficinas com a equipe imagens, produções de cartazes. visando analisar o impacto das transformações naturais, sociais e econômicas no “seu lugar-mundo”, através da produção de cartazes, gráficos, reflexões, entrevistas, etc. 220

2o. Ciências da Natureza e Matemática: Matemática, Ciências, Química, Biologia

Antes Durante o projeto - Pesquisas, entrevistas, -Construção de gráficos, cartazes e palestras tabelas para demonstrar os resultados acerca dos temas trabalhados, exposição de plantas e ervas medicinais, oficina de tapioca, fermentação da cana e produção da pinga e melaço - Apresentação Teatral.

Códigos de Linguagem:

Português: Antes Durante o projeto

- Estudos e reflexões sobre Exposição de textos criados nas escolas literárias. oficinas - Ensaios de peças teatrais Realização de um sarau explorando a literatura afro- Concurso de poesias brasileira. Produção de clipes a partir da criação de músicas Criação de Movie Maker- Melanina e preconceito- Painéis destacando esportistas brasileiros. Estudo e prática dos jogos africanos:mancalas. Ilustração de provérbios -Criação de jogos explorando aspectos da cultura africana

Arte: 221

Antes Durante o projeto - Sensibilizações por meio - Oficinas de artes plásticas de reflexões, estudos, dinâmicas e explorando técnicas bidimensionais e jogos teatrais, produções de obras tridimensionais, jogos dramáticos, ensaios de arte bidimensionais e teatrais, ensaios coreográficos, ensaios tridimensionais, apreciação fotográficos, apresentações musicais, estética de obras de arte, etc.. tecelagem, técnicas de tingimento de tecidos.

Avaliação do Projeto “Somos Brotos De Velhas Raízes” Renovar, alterar, propor práticas curriculares que contemplem a diversidade cultural. Eis mais alguns aspectos da função social da escola do nosso tempo. Essa função está sendo cada vez mais alargada, devido à pressão e atuação dos sujeitos sociais, que, cada vez mais, se organizam através: dos movimentos sociais, grupos culturais, grupos juvenis, associações, e colocam em cena a luta pela construção de políticas da identidade. Os educadores e educadoras não podem ficar à parte desse movimento. Entender a relação entre escola, currículo e diversidade cultural, seja por meio de recorte étnico-racial ou de tantos outros recortes possíveis, é assumir um posicionamento político e ético que transforme o nosso discurso em prol da escola democrática e da diversidade em práticas efetivas e concretas. Entendo ser esta uma das grandes tarefas do terceiro milênio. O projeto contribuiu para o fortalecimento, aprendizado, compromisso de todos os envolvidos com a formação da consciência cidadã, nutrindo nossos alunos com aspectos críticos e criando referências positivas sobre a cultura afro-brasileira. 222

ANEXO 2- AGENDA SOCIOAMBIENTAL DO MORRO SECO

Localização e origem da comunidade quilombola do Morro Seco- município de Juquiá- SP.

Localizada no município de Iguape, o acesso é pela rodovia BR-116, na altura do Km 419, sentido Curitiba/São Paulo. Nesse ponto entra-se numa estrada de terra localizada à direita da rodovia, no município de Juquiá, percorrendo-se5 km, até alcançar as primeiras casas da comunidade. A área onde hoje é a terra quilombola de Morro Seco era de propriedade da família Modesto Pereira. Ainda que parte dela tenha sido vendida, restou aos herdeiros, lideranças atuantes da comunidade, uma área de aproximadamente150 hectares. O conceito de comunidade chegou ao Morro Seco trazido por um representante da Igreja Católica, em meados do século XIX, quando os moradores do local começaram a se organizar como um grupo único. Formaram-se representantes de grupo para dialogar, quando necessário, com as pessoas de fora da comunidade. Em 1999, iniciaram-se discussões internas sobre a criação de uma associação local, se auto-reconhecendo como comunidade remanescente de quilombos. No ano seguinte, solicitaram ao Itesp o reconhecimento oficial, o que ocorreu em 2006.

Aspectos sócio-econômicos

1. Perfil dos entrevistados

Entrevistados: 22 chefes de família, totalizando 100% das famílias da comunidade. Local de origem: maioria nascida no município de Iguape.

2. Perfil da população (faixa etária, ocupação e fontes de renda)

A população levantada é de 75 pessoas – 50,6% do sexo feminino e 49,4%do sexo masculino. 223

Quase metade da população (40%) tem idade acima de 30 anos, enquanto que 12% dos moradores declaram ter entre 21 e 25 anos, conforme demonstra o Gráfico 1. Constata-se que a população de Morro Seco é majoritariamente formada por adultos.

Gráfico 1. Faixa etária

Fonte: ITESP

Os benefícios e auxílios do governo são as fontes de renda mais presentes no orçamento das famílias de Morro Seco, conforme pode ser observado no Gráfico 2. 224

Gráfico 2. Fontes de renda

Fonte: ITESP

Alguns moradores produzem lichia nos quintais e vendem a produção no fim de ano (período da safra da fruta). O artesanato tradicional quilombola é para os artesãos da comunidade uma fonte complementar de renda, de caráter sazonal. Recentemente, um grupo de mulheres da comunidade se organizou para produzir e vender pães caseiros na comunidade. Pode-se verificar no Gráfico 3 que aproximadamente 26% da população declarou-se agricultor, enquanto que 22,67% dos moradores são estudantes. As Agentes de Saúde estão representadas pela categoria “outras” do mesmo gráfico, assim como a profissão de pedreiro e a atividade de coordenação da comunidade. 225

Gráfico 3. Ocupação

Fonte: ITESP

3. Infra- estrutura, bens e serviços:

A comunidade possui um agrupamento central onde há uma igreja católica,um galpão comunitário, um telefone público, a escola municipal (pré- escola até a 4ª série do ensino fundamental) e várias casas. Outras casas estão localizadas ao longo da estrada que corta a comunidade. Mais da metade das casas possui fossa negra. Menos da metade delas despeja água da pia da cozinha em cursos d água próximos. A água que abastece a comunidade, armazenada em uma caixa d’água e escoada até as casas por mangueiras, é oriunda de minas existentes na comunidade. Esta água armazenada não sofre nenhum tipo de tratamento. Apenas duas casas utilizam água de poço. A prática da queima do lixo é hábito da maioria dos moradores. Alguns moradores juntam materiais recicláveis, como plásticos e vidros, para serem vendidos. Já o lixo orgânico é utilizado como adubo, além de servir para alimentaras criações domésticas. 226

Mais da metade das famílias possui fogão e geladeira, e metade das famílias tem TV e rádio em suas casas. Na comunidade não há linha de transporte público. Os moradores utilizam o ônibus escolar que circula em quatro horários semanalmente, saindo de Juquiá até a comunidade. Os equipamentos e a infra-estrutura existentes de uso comunitário são:um trator de pequeno porte e dois galpões comunitários. A cidade mais frequentada por um maior número de moradores é Juquiá. Estima-se que mensalmente, 20 pessoas da comunidade se desloquem até Juquiá,e 5 pessoas até Iguape e Registro, para uso dos serviços de saúde, bancários,aquisição de gêneros alimentícios e outros.

4. Saúde e Educação: Na comunidade existe uma escola de ensino fundamental, de 1ª a 4ª série. Algumas crianças e jovens se deslocam até o município de Juquiá para cursar o restante do ensino fundamental e o ensino médio. O posto de saúde existente na comunidade está desativado. Desta forma,o atendimento médico, mensal, ocorre no Centro Comunitário.

5. Lazer, Cultura e Religião:

As festividades mais expressivas são: a Festa do Padroeiro, São Miguel Arcanjo, a Festa de Reis ou Epifania, as festas juninas e a Dança do Fandango. Vale destacar que na comunidade há um grupo de fandango, conhecido como Fandango de Morro Seco, composto por jovens e lideranças da comunidade. O grupo se apresenta nas comemorações festivas de várias localidades do Vale do Ribeira e na cidade de São Paulo nos eventos relacionados aos quilombos. Os rituais religiosos, como missas e rezas, são comumente realizados. O catolicismo é a religião seguida por todos os membros da comunidade. 227

A diretoria da Associação, em certas épocas do ano, organiza festejos como bailes para arrecadar fundos.

6. Forma de Organização:

A comunidade se organiza em torno da Associação dos Remanescentes de Quilombo do Bairro de Morro Seco, fundada em 2002 e legalmente instituída em 2003. As organizações não-governamentais apontadas com atuantes na comunidade foram: o ISA, o Moab, a Eaacone, as Pastorais da Igreja Católica e o Itesp como organização governamental.

Aspectos do uso e ocupação da terra 1. Distribuição espacial das formas de uso

A área total reconhecida de Morro Seco é de 164, 6869 hectares (Itesp,2006), com parte do espaço ocupado por não-quilombolas.

Quilombo Morro Seco

Uso e ocupação da terra em 2007

Área total do território (Itesp, 2006) 164,69 hectares 228

Quilombo Morro Seco

Fonte: ITESP 229

Logo após a cobertura vegetal natural (vegetação rasteira, capoeiras em diversos estágios e mata), a classe de uso da terra mais significativa espacialmente (conforme observado no mapa de uso e ocupação da terra de Morro Seco) é a formada pelos bananais, ocupando 16,22% das terras de Morro Seco. Entretanto, dos 26,71 hectares de bananais, 18 hectares aproximadamente são de particulares, ou seja, 67,42%. O cultivo de mandioca é a forma de uso de maior expressão, dentre os exercidos predominantemente por moradores quilombolas, ocupando 2,03%de Morro Seco. Outros dados podem ser observados na Tabela 1.

Tabela 1. Formas de uso da terra em Morro Seco em 2007 Classes de uso da Área ocupada Área ocupada (96) *** terra (hectares) Bananal 26,71 16,22 Pastagem 6,78 4,12 Horta 0,4 0,24 Pomar 0,82 0,5 Cultivo de mandioca 3,35 2,03 Cultivo de palmito 0,28 0,17 Cultivo de pupunha 3,39 2,06 Vegetação rasteira 20,75 12,06 Capoeira/capoeirinha 19 11,54 Mata/capoeirão 81,17 49,29 Vila/estrada 1,95 1,19 Corpos d’água 0,07 0,04 Área de repovoamento 5,09 3,09 de palmito Total 164,68 100 Fonte: ITESP

* O cálculo de áreas foi efetuado pelo Sistema de Informações Geográficas do ISA, acarretando algumas diferenças em relação à área oficial do Quilombo de Morro Seco. ** A área ocupada por esta classe de uso não foi considerada no valor total, posto que se sobrepõe a outras classes. ***Estes valores são relativos à área total de Morro Seco segundo o limite digitalizado pelo ISA(164,68 hectares), com base no memorial descritivo fornecido pelo Itesp.

Logo após a cobertura vegetal natural (vegetação rasteira, capoeiras em diversos estágios e mata), a classe de uso da terra mais significativa 230

espacialmente (conforme observado no mapa de uso e ocupação da terra de Morro Seco) é a formada pelos bananais, ocupando 16,22% das terras de Morro Seco. Entretanto, dos 26,71 hectares de bananais, 18 hectares aproximadamente são de particulares, ou seja, 67,42%. O cultivo de mandioca é a forma de uso de maior expressão, dentre os exercidos predominantemente por moradores quilombolas, ocupando 2,03%de Morro Seco. Outros dados podem ser observados na Tabela 1.

2. Casas e quintais

As casas são de alvenaria, de modo geral, e a parte da cozinha de muitas delas se mantém com a estrutura original – madeira, bambu e barro obtido na própria comunidade. Nos quintais e/ou terreiros, com tamanho médio de1.000m2, são cultivadas frutíferas, hortaliças e plantas de uso medicinal e também o palmito (Euterpes edulis). Neles são encontradas também as criações domésticas de galinhas, patos e, por vezes, de porcos, para consumo alimentar. As principais frutíferas plantadas nos quintais são jaca, laranja, abacate e limão. As hortaliças mais cultivadas são alface e couve. Já as plantas de uso medicinal mais cultivadas são o poejo e a anador (Tabela 2).

3. Agricultura

As sementes utilizadas nos plantios, na maioria das vezes, são originárias das roças da própria comunidade, assim como as ramas de mandioca.

Tabela 2. Cultivos existentes nos quintais* Frutíferas Hortaliças Medicinais Jaca Alface Poejo Laranja Couve Anador Abacate Cebola Sabugueiro Limão Cebolinha Fedegoso Goiabada Salsinha Hortelã preto 231

Lichia Cenoura Hortelã Jabuticaba Chicória Erva-doce Caqui Almeirão Ampicilina Mexirica-Poncâ Hortelã Gordo Boldo Banana Tomate Quebra-pedra Mamão Abóbora Alecrim Seriguela Beterraba Novalgina Ameixa Brócolis Erva Moira Caju Cebola Verde Babosa Cacau Colorau Doril Tangerina Manjerona Espinheira Santa Maria Cabeluda Milho Gerbão Pimenta Alfazema Quiabo Saguassajá Repolho Rúcula Fonte: ITESP

*Plantas apontadas pelos moradores entrevistados por seu nome popular. Alguns nomes coincidem com os utilizados pela indústria farmacêutica.

A escolha das áreas para as roças depende do tipo de cultura escolhida e da idade da terra (tempo de uso). Derrubar a vegetação da área da futura roça é uma atividade realizada pelos homens, cabendo às mulheres auxiliar no plantio e na capina. Os cultivos existentes são mandioca, feijão, milho, arroz, cana, banana,batata-doce, cará, cará roxo, inhame, taioba, também conhecido por taiá. Entre esses cultivares, a banana é vendida para atravessadores e a farinha de mandioca para comerciantes de Juquiá. A mandioca e o feijão são as variedades plantadas por um número maior de agricultores, se comparado às demais (Gráfico 4).

Gráfico 4. Variedades cultivadas nas hortas familiares

Fonte: ITESP 232

Não é prática dos agricultores da comunidade utilizar adubação química nas roças, mas, nas áreas destinadas ao cultivo de hortaliças, tem sido introduzido o uso de calcário no preparo da terra. A maioria dos agricultores avaliou que a roça, como núcleo de produção de alimentos básicos para a alimentação familiar, não é mais suficiente. Isto devido ao declínio significativo do número de quilombolas que estão praticando a agricultura tradicional. A maioria tem se ocupado com trabalhos fora da comunidade– como empregados – diminuindo o tempo para o cultivo de suas roças.

4. Recursos naturais

Os recursos existentes e sazonalmente coletados são cipós e taquaras. O cipó timbopeva é usado na confecção de utensílios domésticos e artesanato. As nascentes d água existentes na área da comunidade são consideradas como o recurso natural de maior relevância para a comunidade. Os moradores apontaram que as margens do ribeirão da Bezerra e do ribeirão Prancha (não identificadas no mapa de uso e ocupação da terra na comunidade de Morro Seco) precisam ser reflorestadas. Uma das ameaças à manutenção dos recursos florestais nas terras de Morro Seco é a extração de palmito por pessoas de fora da comunidade. Abaixo segue o registro da Agenda das demandas e Recomendações 233

Agenda das demandas e Recomendações

Demandas Justificativ Níveis Encaminhamentos a da de Quais são as Quem deve Como Quando realizá-las demanda Priorida ações realizar estas estas E.U.=com extrema de: necessárias ações ações urgência (2007/2008); extrem para que devem ser M.P.= em médio prazo; amente esta realizadas L.P.= em longo prazo alta (10; demanda muito seja alta (2); solucionada alta (3) 1. Conservar Buscar um Ação conjunta Ação civil

e Reflorestar os recursos intermediador entre órgãos publica e t beiras de naturais, para ambientais e ente os o n i e r i rio e outras evitar 2 negociação organizações que atores E.U. á b i

d áreas na assoreamen com trabalham com as sociais e m n A u comunidad to, melhorar terceiros, comunidades órgãos F o i e a vida da criar projeto envolvidos e

M fauna e de flora, conscientizaç recuperação ão junto à da água. comunidade 234

2. Acabar Perda da Buscar novos Todos os Capacitaçã com a biodiversida parceiros que movimentos o para ameaça de e socio sejam envolvidos na equipe de das diversidade contrários a questão da articulação barragens provocam essa barragem e E.U. no Rio êxodo para iniciativa, (contrários) comunicaç Ribeira de as cidades, 1 buscar fontes ão, Iguape perda da confiáveis divulgação cidadania e para discutir em nível da cultura os aspectos internacion quilombola técnicos al e comunidade s tradicionais 235

3. Perda da Oferecer A Secretaria do Projetos Implement espécie ajuda de Meio Ambiente, com ar um custo para junto com ONGs e parceiros programa quem corta comunidades, envolvidos, de melhorar a buscando ter fiscalizaçã fiscalização alternativas alternativas o com a 1 por parte da de geração participaçã SMA, de renda. M.P. o da trabalho de comunidad conscientizaç e para ão junto aos impedir a palmiteiros, entrada de acabar com palmiteiros atravessador no es (assim território não tem para do quem quilombo vender). 236

4. Para evitar Pressionar os Associações junto Em forma Autorizaçã a perda das órgãos com os órgãos de o para licenças competentes que trabalham nas reuniões abertura anuais, como SMA, comunidades nas de área valorizar os DEPRN e comunidad para roça aspectos 1 formação de es e junto E.U. por culturais, GT para ao órgão período de garantir a definir as competent 10 anos e subsistência áreas a e, SMA, áreas das famílias serem DEPRN, maiores autorizadas Itesp que beneficiem a comunidad e 237

5. Porque são Buscar junto Comunidades, Ofício, Adequaçã poucas as aos órgãos órgãos públicos reuniões, o da melhores competentes audiências, legislação áreas a solução do mobilizaçã ambiental disponíveis problema, o, para para cultivo IBAMA, articulação permitir a que não DEPRN, em nível abertura estejam SMA, MDA regional de roça de protegidas 2 E.U. subsistênci pelo Código a com o Florestal uso de (art.215/216 fogo em ) ou pela Lei locais da Mata onde o Atlântica estágio de (nº11. 428, recuperaçã de o da 22/12/06). vegetação Além disso, está as roças de aumentand subsistência o sob são proteção considerada legal s pela ciência como lavouras de mínimo impacto. 238

6. Falta Elaboração GT que envolva as Formar o Interpretaç clareza e de um comunidades e GT e ão e entendiment material assessores para definir o explicação o pelas escrito de compor conteúdo cronogram M.P. sobre as comunidade 1 forma do material a de leis simplificada trabalho ambientais em linguagem acessível às comunidad es 7- Retirada Para Relatar os Comunidades Fotos, dos garantir o fatos que devem relatar os documento terceiros território e estão fatos e solicitar s, B.O., e do sustentabilid 1 acontecendo aos órgãos encaminha E.U território ade e evitar e levar ao responsáveis r ao órgão danos poder velocidades no competent ambientais público, processo e acelerar o processo de indenização de terceiros 239

8- Para A Associação, A partir do o i Regulariza garantir o comunidade comunidades e conhecime r á i ção território e deve órgãos nto dos d

n Fundiária/ aumento da conhecer responsáveis territórios u

F Titulação produção, 1 bem o criar E.U. e

resgatar território para embasame e t valores poder nto político n e

i tradicionais pressionar e jurídico e b e culturais, política e pressionar m

A garantir a juridicamente os órgãos o

i sustentabilid os órgãos competent e ade da competentes es M comunidade 9 – Para fazer Formar GT As comunidades Fazer um o i Obtenção uso do para fazer junto ao GT e estudo e r á i do direito território e estudo órgãos manejar as d

n de uso das áreas dessas áreas competentes áreas para u

F para a abertas que e solicitar discutir E.U. e

comunidad são 2 junto na com o GT e t e das ocupadas justiça as n e

i áreas por medidas b abertas terceiros, cabíveis m

A (sem mas não o

i mata) que estão em e estão em uso M mãos de terceiros 240

10- As Necessidad Tem que ter São os agentes Tem que o i comunidad e de colaboração socioambientais ter r á i es terem desenvolvim dos quilombolas. diagnóstico d

n um ento associados e Associação e das u

F planejame cultural, 2 o apoio das parceiros, como comunidad e

nto sócio- social e instituições Itesp, Moab, ISA, es, e t econômico ambiental do Governo e Fundação seminários, M.P. n e

i e das da Sociedade Florestal encontros, b ambiental comunidade civil para oficina de m

A sustentáve s implementaç mapeamen o

i l ão da agenda to dos e territórios e M troca de informaçõe s.

1- Já está Garantir a PDA, ISA e Negociar a o Continuida acontecend continuidade Fundação continuidad m s de do o, mas Florestal e do PDA, M.P. i v i programa necessita 2 Associação t a

r de de apoio , ISA e t x reflorestam para Fundação E

e ento de continuar Florestal e o

j palmito discutir e projeto n a M 241 a i 1- As estradas Melhorar o Prefeitura Associação d a Manutençã estão em acesso às reivindica e r o o de péssimas estradas, cobra o E.U. m estradas condições, 1 cascalhar, poder e

e existentes dificultando fazer público t r

o na o acesso, lombadas e p comunidad principalme sinalizar. s n e nte aos a r t

alunos da , e escola d a 2- Porque Capacitação Associação, ISA, Solicitar L.P. d i

c Instalação queremos 3 de jovens Gesac e Banco do ajuda junta i r t de Internet participar da para ajudar Brasil às e l inclusão na parcerias e E

. digital e comunidade órgãos o

ã social públicos ç a

c (Gesac, i n Itesp, ISA, u Banco do m o Brasil e C Prefeitura) 242

3- Porque a Reivindicar Associação e Solicitar Obtenção comunidade junto às Prefeitura ônibus de tem difícil prefeituras junto ao transporte acesso a 1 uma linha Departame E.U. coletivo transporte coletiva nto de para regular transporte atender a da comunidad Prefeitura e

Fonte: ITESP Agenda das demandas e Recomendações

Demandas Justificativa Níveis Encaminhamentos da demanda de Quais são Quem deve Como Quando realizá-las Priorida as ações realizar estas estas E.U.=com extrema de: necessária ações ações urgência (2007/2008); extrem s para que devem ser M.P.= em médio prazo; amente esta realizadas L.P.= em longo prazo alta (10; demanda muito seja alta (2); solucionad alta (3) a 243

1- Não há Reunião Associação com a Através de Aquisição ambulâncias com a comunidade e Assembléi

E de uma que possam Secretaria Prefeitura a com a D

Ú ambulânc levar doentes 1 da Saúde e comunidad E.U.

A ia das Prefeitura e e reunião S comunidades com para a cidade Prefeitura e Secretaria da Saúde 2- Há Pressionar Associação e Através de Aumento necessidade a Secretaria Prefeitura cobrança e de tratamento de Saúde junto ao regularid médico nas 1 junto aos órgão ade da comunidades órgãos competent E.U. frequênci estaduais e e a do municipais atendime nto médico e odontológ ico 3- Há Pressionar Associação e Através de Melhoria necessidade 1 a Secretaria Prefeitura cobrança na de tratamento de Saúde junto ao E.U. qualidade médico nas junto com órgão do comunidade órgãos competent serviço estaduais e e de saúde municipais 244

4- Contaminaçã Reflorestam Associação com a Reuniões Conscien o da água, ento de rios, comunidade e com os tização solo, ar, faz nascentes, parceiros moradores dos mal para a usar adubos e apoio bananicul saúde e orgânicos, dos órgãos tores prejudica os devolução ambientais sobre os animais 1 de cuidados embalagens com o de uso de agrotóxicos agrotóxic nas lojas os, que destino comercializa correto m das embalage ns e a compra ilegal desses produtos para evitar doenças. 245

5- É a Pressionar Associação e Audiência Instalaçã necessidade 1 o Estado e Prefeitura com o de do bairro Prefeitura departame Posto de para ter nto de E.U. Saúde acesso à saúde do saúde Estado e órgãos competent es

o 1- Porque o Construção Prefeitura com Associação c i s Instalaçã tratamento é de fossas fiscalização da e á

B o de rede indispensável 1 sépticas e Associação comunidad E.U. o

t de esgoto para a saúde rede de e n

e e da esgoto pressionar m tratament comunidade Prefeitura a e o n a 2- Porque esta Construção Sabesp, Funasa, Realizar S Melhoria comunidade de um Prefeitura, Itesp reuniões na não tem água reservatório com esses E.U. captação tratada 1 central para órgãos de água canalização reivindican e e do datas e equipame distribuição prazos ntos de para distribuiç instalação ão 246

3- Porque o lixo Cursos e Associação e Parceria Reciclage esta afetando palestras de Prefeitura com E.U. m Do lixo o meio 1 esclarecime Prefeitura ambiente da nto de como e comunidade realizar a Instituições coleta e atuantes separação do lixo Fonte: ITESP

Demandas Justificati Níveis Encaminhamentos va da de Quais são as Quem deve Como estas Quando realizá-las demanda Priorid ações realizar estas ações devem E.U.=com extrema ade: necessárias ações ser realizadas urgência extre para que esta (2007/2008); M.P.= mame demanda seja em médio prazo; nte solucionada L.P.= em longo alta prazo (10; muito alta (2); alta (3) 247

1- Conservaç Através de A própria Fortalecimento Divulgaçã ão da histórias, comunidade, entre as r

e o das história e palestras e com parceiros: Associações e z a coisas cultura, 2 prática, órgãos públicos troca de E.U. L tradiciona pois as tentando e ONGs experiências e

a is da culturas realizar as entre elas r u

t comunida estão se tarefas que l u de perdendo, eram C

e há realizadas

necessida

de de

resgate

cultural

2- Promove Organizar A Associação e Através de Fortaleci geração exposições ONGs, Minc, projetos e mento do de renda e 1 Secretaria da parceiras artesanat resgate do Cultura M.P. o artesanato quilombol regional a 248

3- Projeto A falta de Tendo esporte, Precisa de Promovendo de participaçã cultura, lazer e parcerias, como atividades em incentivo o de inclusão digital Prefeitura, projetos que E.U. para jovens 1 Secretaria do atraiam os integraçã Esporte, da jovens com o de Educação e uma linguagem crianças Ministério da atraente e jovens Cultura na comunida de 1- Para Capacitação Associação Em conjunto Melhoria trabalhar de com órgão da com o no ensino com temas professores, educação comunidades, ã

ç Fundame específicos envolver a professores e E.U. a c ntal à realidade 1 comunidade delegacias de u d existente quilombola nesse ensino E na e processo comunida aumentar (levar pessoas de e o da implantaç conhecime comunidade ão de nto sobre para dar ensino sua cultura palestras na diferencia escola) do 249

2-Ter um A Capacitar Entidades Em conjunto educador preservaçã pessoas da parcerias (ISA, entre ambiental o dos rios, 3 comunidade Itesp) Associação e matas, entidades M.P. coleta de parceiras lixo, trabalho e conscientiz ação sobre o lixo nas comunidad e 3- Ensino A escola As ações Secretaria de A Secretaria Médio na fica longe devem ser Educação depois de comunida da 1 decididas em Estadual, informada deve de comunidad reunião entre Municipal e tomar as e, Associação e Associação medidas tornando Comunidade, necessárias E.U. difícil o junto com acesso Delegacia de para os Ensino e alunos Secretaria Municipal de Educação 250

4- Curso Devida à Mobilizar, Criar um grupo Buscar apoio de necessida motivar a junto com a junto à formação de de 1 comunidade Associação Prefeitura e M.P. para a conhecime para participar para coordenar instituições cidadania nto sobre destes cursos. este trabalho. parceiras este assunto

e 1- Para Crédito, Petrobrás, PDA Elaborar s s a Aquisição escoament doação (fundo e outras projetos, a r v u i t de um o da 2 perdido) Associações, E.U. t u u r caminhão produção, ISA e outros, t d s o r

e evitando procurar - P a passar por doadores r s f e

n atravessad i d

, a ores s d i e

v 2- Para Crédito, Para crédito, os Fazer projetos, d i t a Aquisição escoar doação (fundo bancos são associações d A i

v de trator produtos perdido) apontados e em parcerias i t

a da doação, a com ISA (

a agricultura 3 Petrobrás e r

u familiar; e PDA Mata t l

u para entrar Atlântica. c i

r em g variantes A

s de difícil o t

n acesso e 3-Apoio Para Doação de Fundação Criar ponte m

a para promover sementes e Florestal, Itesp entre ISA e a p i

u melhorar geração mudas e ISA organização q

e produção de renda 2 doadora para E.U. 251 e captar os comercial recursos ização necessários das cultura banana, horta, pomar, pupunha/ 4- Trabalhar Cobrar da Prefeitura e Através de Receber melhor a Prefeitura e Itesp requerimento assistênci utilização 1 Itesp encaminhamen E.U. a técnico- da terra to a Prefeitura agrícola pela e Itesp própria comunidad e 5- Eliminar a Venda direta Grupos de Pesquisa de Melhorar comercializ ao mercado produtores da Mercado e a ação por consumidor Associação e organização da comercial atravessad através do parceiros (ISA, comunidade E.U. ização da ores e 1 programa da Itesp) produção viabilizar a Conab, agrícola sustentabili evitando da dade das atravessadore comunida famílias s de 6- Para não Fundo de Associação e O ISA vai Fortaleci perder as sementes ISA formar o fundo mento sementes de sementes; 252

para e garantir 1 organizar uma manutenç alimentos feira dos ão das saudáveis quilombos E.U. sementes tradiciona is e aquisição das sementes que eles não têm s

a 1- A falta de Cursos de Associação, Definir com os v i

t Atividade opções de capacitação, grupo de jovens suas u de trabalho inclusão digital jovens, ISA E expectativas e d o

r geração nas outros parceiros oportunidades E.U. P de renda comunidad 1 e transformá- s e que e las em projetos d a incentive d i

v m a i t permanê A ncia dos jovens na comunida de 253

o 2- Cursos Necessida Definir os Sebrae, Senac, Organizar uma ã ç

a profission de de temas e as outros parceiros conversa som i r alizantes pessoas formas de (Ibama, Itesp, Sebrae e c -

a para os capacitada capacitação, ISA, Idesc) Senac e M.P. r t

x jovens s para 2 criar espaço elaborar e gerenciar para projetos e

s os projetos capacitação e i a

t existentes aquisição de s

e e para equipamentos r o

l implantaçã necessários f

o o de novos r

g projetos a - a r t x E

Fonte: ITESP 254 255

ANEXO 3 – GENEALOGIA DA COMUNIDADE DE MORRO SECO 256 257 258 259 260 261 262 263 264 265