1 SARDELLA, O DOS POBRES NO BIXIGA INVESTIGAÇÕES PRELIMINARES

ISABELLA MAGALHÃES CALLIA *

INTRODUÇÃO

Este é um trabalho original, baseado em hipóteses, que se vale de uma amarração conceitual consolidada pela historiografia. Propõe-se a investigar as origens históricas da pasta em conserva chamada sardella. Para tal, estabelece o momento de sua vinda da Calábria para São Paulo através dos fluxos migratórios, entre 1870 e 1920, e analisa o motivo de sua quase onipresença, em versões de receitas adaptadas, nas mesas das cantinas e restaurantes paulistanos 1. Durante as investigações preliminares, de abril a julho do presente ano, não foi identificada nenhuma bibliografia sobre a conserva, tornando necessária uma futura pesquisa aprofundada in loco, na Calábria e no Bixiga. Trata-se de uma conserva em forma de pasta espessa, cujos ingredientes são os alevinos: minúsculas sardinhas recém-nascidas, a páprica doce ou picante, as sementes de erva-doce e o sal grosso marinho. O azeite extravirgem é adicionado posteriormente, como elemento conservante e umectante. Esta especialidade mediterrânea possui outros nomes de acordo com a localidade onde é produzida, dentre eles, Garo, Rosamarina ou Caviale dei Poveri (Caviar dos Pobres). Varia o nome, não os ingredientes. A sardella é um produto estritamente calabrês, de produção limitada e difícil de ser encontrado nas mesas italianas de outras regiões, o que suscita a indagação que motiva a pesquisa, de como esta conserva tão peculiar, exclusiva de um território, acabou por tornar-se um popularíssimo antepasto paulistano. O artigo consiste em uma introdução sobre a região originária da receita, apresentando a relação dos ingredientes com o território, bem como seu modo de preparo. Uma hipótese emergiu nesta fase da pesquisa: devido a algumas similitudes de ingredientes,

* Centro Universitário SENAC Aclimação São Paulo, 2014. Pós-graduanda em Gastronomia: História e Cultura

1 De origem italiana meridional

2 artefatos utilizados e modos de fazer, surgiu a suposição de que o condimento líquido da Antiguidade greco-romana, o , pudesse vir a ser seu predecessor. Teoria que se aplica também a uma verdadeira linhagem de outros condimentos e conservas, os quais contam, porém, com ampla bibliografia. Em seguida, o trabalho aborda brevemente os fluxos migratórios, forma pela qual supostamente a conserva chegou e se estabeleceu em São Paulo. Em seu processo de adaptação e transformação em um novo território, a sardella calabresa se torna sardela paulistana. Finalmente esta investigação preliminar analisa duas receitas. A primeira, de 1950, pertence a um livro de receitas de família, e a segunda de 2007, encontrada na internet. Método para evidenciar, grosso modo , o que se manteve da receita original calabresa, algumas das adequações tecnológicas, e as miscigenações ocorridas com o passar do tempo, conforme o gosto pela conserva foi se disseminando entre cantinas, padarias e restaurantes paulistanos. É sabido que o conjunto de códigos referentes às práticas alimentares que permeiam os processos migratórios seja de grande relevância nas mestiçagens culturais. Porém o que aqui é digno de ênfase é a particularidade de a sardella não ser um alimento do quotidiano, mas uma iguaria, atestando que para o imigrante ocorre, dentre tantos efeitos psicosociológicos, também uma inversão de valores onde “O objeto de desejo não é mais o alimento abundante, mas aquele raro”, (MONTANARI, 2004:94) (tradução própria) num processo de diferenciação de forte cunho simbólico, como se houvesse uma “[...] necessidade do intelecto anterior à do estômago.” (PRAVETTONI, 2010:9) (idem)

1. Calábria: sardella e Antiguidade Mediterrânea

A Calabria é uma região da Itália meridional cuja identidade culinária remonta a 3.000 anos de tradição. O livro Ars Culinaria (2012) promove um minucioso estudo sobre os pratos dos antigos romanos e de como estes se apresentam reconfigurados nas mesas italianas da atualidade. As autoras afirmam que a Calábria, juntamente com a Sicília, é onde hoje melhor se preservaram as receitas da antiga cozinha greco-romana. A região pertenceu à Magna Grécia até 280 a.C. e, após a batalha de Heracléia, foi anexada ao território do Império Romano. Cultivou sua tradição costeira de pratos e molhos à base de peixes, como tantas outras regiões mediterrâneas, porém com o diferencial de ser rota estratégica de navegação, portanto, encontrava-se em contato constante com o comércio internacional de outros povos e das culturas fenícia, grega, romana, árabe, normanda, bizantina, sarracena e aragonesa. Uma

3 característica marcante da região é a importância dada aos alimentos em conserva, como as anchovas marinadas (e posteriormente imersas no azeite), os embutidos de porco, como a ‘nduja 2 e a soppressata 3 calabresa, os queijos, as verduras em conserva de azeite e os tomates secos. A longa duração destas conservas garantia a sobrevivência dos povoados durante as carestias, além dos frequentes períodos de cerco e de invasões dos piratas turcos. As pesquisadoras também afirmam que o salame macio ‘nduja, “já era apreciado pelos romanos.” (DOSI; SARTORIO, 2012:375) (tradução própria) Naturalmente não na versão atual, uma vez que a pimenta caiena, peperoncino , e os pimentões, peperoni , são de origem milenar mexicana, da família Capsicum annuun, e só chegariam à Espanha com as expedições do século XVI 4. Pela historicidade de seus ingredientes, outra hipótese que o presente trabalho apresenta é que o surgimento da sardella, sob sua configuração atual, tenha se dado somente após o século XVI, quando o continente europeu tomou conhecimento da existência destes dois ingredientes. Na Itália chegaram através da Espanha, também por intermédio da Calábria. Este é um dado de grande relevância para a narrativa das origens da sardella, pois a partir do século XIII os Aragoneses conquistariam a Dinastia Angioina e, desta forma, hegemonizaram todo o sul da Itália 5. Por esta razão certos componentes americanos se condensaram de forma particular no sul da Itália e não no resto da península. Os pimentões e a pimenta caiena são uma prova disto. Não por acaso, a Calábria concentra alta incidência de produtos de picância elevada. O fato se deve a dois fatores: custo e adaptabilidade. Quando a pimenta caiena foi trazida da América, a Coroa Espanhola esperava lucrar muito com sua comercialização, juntamente com a de outras especiarias, vindas da Índia e de outros confins. O que se desconhecida, porém, era a grande adaptabilidade da planta em novas terras e climas. A pimenta caiena se adaptou e prosperou onde quer que fosse plantada, tonando-se uma verdadeira “droga dos pobres”. Enquanto as especiarias eram caras e inacessíveis, o peperoncino estava ao alcance de todos 6. Devido à localização geográfica da Calábria, a história da sardella se desenrola através de um fio condutor que une a região à Espanha, chegando à civilização greco-romana, e por tal motivo uma mistura de diversas culturas. Graças ao artigo científico Il Pesce (2011), uma particularidade linguística veio à tona. A conserva em sua região originária é conhecida

2 O salame macio, de carne porco moída, e muito picante ‘nduja , é típico da cidade de Spilinga. 3 Embutido feito de porco, com grãos de pimenta preta, sementes de erva-doce, sal e pimenta vermelha. 4 Fonte: http://www.eusebiano.it/rubriche/cucina/peperone...e-peperoncino 5 Fonte: http://www.treccani.it/enciclopedia/regno-di-napoli/ 6 Fonte: http://www.peperoncino.org/old/storia.html

4 sob diversos nomes, através de várias denominações, de acordo com a localidade onde é produzida. Na província de Crotone, banhada pelo Mar Jônico, encontram-se duas cidades com diferentes denominações para a sardella . Garo , mustica e bianchetto salato , em Cirò Marina, e sardella crucolese em Torretta di Crucoli. Já na província de Catanzaro, encontra-se a sardella impepata , em Catanzaro Lido (Mar Jônico), e nas cidades de Amantea e Campora San Giovanni, ambas banhadas pelo Mar Tirreno, a Rosamarina . Dentre algumas de suas designações, os pesquisadores explicam que,

A sardella foi apelidada de ‘Caviar dos Pobres’, devido ao prestígio que o produto tem no mercado, tirando desta forma seu estigma de origem pobre. O vermelho apimentado, o prateado da sardinha e o dourado do azeite extra virgem constituem um insolúvel trio de amantes, como são definidos popularmente pela sua “simbiose de mar e terra, água e sol”. (MARRONE; LIGUORE, 2011:117) (tradução própria)

Ainda segundo o artigo, é produzida na versão original, e taxativamente calabresa, apenas com alevinos , de Sardina pilchardus, ou de anchovas. Após pescados, os alevinos deverão ser lavados em água doce, colocados sobre tampos de mármore para secar e imersos por algumas semanas em salmoura dentro de recipientes que poderão ser de terracota, tarzaruli , ou de madeira, tineddri . Em seguida serão amalgamados delicadamente ao pó vermelho da páprica e finalmente serão acrescentadas sementes de erva-doce selvagem. Esta pasta espessa será conservada em vidros pequenos ou médios, de abril a outubro, em local seco, protegido da luz e do calor. O produto artesanal acabado se apresenta como uma pasta de vermelho escuro, de cheiro intenso e de sabor que pode variar do suave ao picantíssimo, com uma validade de 6 a 12 meses. A pasta pode ser utilizada como antepasto, sobre o pão com um fio de azeite extravirgem, como condimento para um prato de spaghetti , junto com ovos mexidos, para acompanhar queijos ou rechear pães 7. O artigo se conclui ressaltando que a pesca dos alevinos da Sardina philcardus no mar Mediterrâneo é rigidamente controlada como forma de precaução contra sua extinção e prevê que o período de pesca de pescados juvenis aconteça somente entre 15 de fevereiro a 15 de abril.

1.2 Império Romano (Garum e Allec) e atualidade ( e )

7 Fonte: http://spazioinwind.libero.it/ingcelsi/crucoli/primosito/index.html

5 No decorrer das pesquisas feitas sobre a tradição greco-romana na culinária do território da Calábria, foram examinadas informações sobre as possíveis raízes etimológicas da conserva, analisando alguns de seus nomes. Deste panorama surgiu um condimento correlato ao tema que compartilha de seu território, de alguns de seus ingredientes bem como de artefatos empregados em sua técnica de preparo. Trata-se do condimento líquido da Antiguidade chamado garum. Liliane Plouvier, historiadora belga especialista em alimentação europeia, afirma em seu artigo Les avatars du garum (2013) que as origens do garum “são provavelmente babilônicas”, e que foi transmitido aos romanos pelos gregos, que o utilizavam desde o século V a.C.. Dado particularmente interessante dentre as similitudes é o fato de uma das designações, em Cirò Marina, da sardella ser garo , coincidindo com um dos nomes do ancestral condimento. “Nas palavras de Plinio, o Velho, ( N.H . XXXI, 93) o garum original era preparado somente com um pequeno peixe ( garos ou garus ), de difícil classificação.” (DOSI; SARTORIO, 2012:134) (tradução nossa) Posteriormente o nome garo foi catalogado por Isidoro de Sevilha,

No vigésimo livro do capítulo dedicado aos alimentos em Etimologias, o garo é apresentado como um “líquido salgado de peixes que outrora fora confeccionado a partir do peixe que os gregos chamam de garon e, ainda que seu tempo fosse de infinitas espécies de peixe, mantinha o nome antigo que levava desde o início.” (ASFORA, p. 121, 2009)

O abastado e excêntrico gastrônomo romano, Marco Gavio Apicio 8, em seu receituário do século I d.C., De re Coquinaria , promove uma abrangente compilação das mais variadas receitas de sua época. 9 É notável a predileção por um determinado molho líquido (liquamen ), à base de peixes, denominado garum . A. Dosi e G. P. Sartorio explicam que sua função era salgar, e que seu uso extensivo perpetuou do período clássico greco-romano à Alta Idade Média, em todo tipo de prato, até mesmo sobre o pão e doces. Sobre o preparo do garum , as pesquisadoras relatam que eram colocados minúsculos peixes (tais como os alevinos das sardinhas, anchovas e arenques), eviscerados, juntamente com pedaços de atum e cavalinha dentro de um vaso de terracota. Alternava-se um estrato de peixe, um de ervas aromáticas (timo, anis, erva-doce, salsão, sálvia, menta,

8 Viveu entre 25 a.C.e 37 d.C. 9 Piccolo,Emilio. Apicio. De re coquinaria. Classici Latini Loffredo. Napoli, 2009.

6 orégano, coentro, segurelha e arruda), outro de sal grosso marinho, e assim sucessivamente, até o gargalo do recipiente. Em seguida fechava-se com uma tampa de cortiça ou de madeira. Deixava-se o recipiente ao sol (melhor se no verão) por vinte dias. Durante dois meses mexia- se todos os dias seu conteúdo. No final de dois meses o conteúdo ainda não desintegrado pelo sal era prensado e se recolhia o líquido aflorado na superfície, o garum. A fermentação e maturação dos ingredientes gerava este dispendioso líquido residual de forte odor, que seria posteriormente acondicionado em pequenas ânforas.

Quando tudo era removido e filtrado, no fundo do recipiente permanecia uma espécie de pasta de peixe chamada allec . Esta era servida seja como condimento, seja como acompanhamento no pão, para quem não pudesse ser dar ao luxo do garum verdadeiro. (DOSI; SARTORIO, 2012:136) (tradução própria)

As autoras prosseguem: caso o allec se originasse de um garum de qualidade, este era servido de antepasto com sal, pimenta ( piper nigrum ), borra de vinho e cenouras, para abrir o apetite. O que coincide com a afirmação de Liliane Plouvier, em Les avatars du garum (2013), no qual atesta que “o garum pode se apresentar sob a forma sólida (purê ou pasta) ou líquida (caldo ou molho). O eminente latinista francês, especialista em cozinha Romana, Jacques André, afirma que a primeira precede a segunda.” (tradução própria) Devido às semelhanças de ingredientes, das técnicas de preparo, nos sabores picantes e ácidos, nas cores alaranjado/vermelho escuro, e até mesmo à classe social de baixo poder aquisitivo à qual tinha acesso, a sardella calabresa aparenta dispor de um parentesco com a pasta allec . Das pesquisas deste artigo feitas sobre o garum , surgiu uma linhagem de outros dois produtos mediterrâneos 10 , onde outrora se estabeleceram colônias Romanas. Diferentemente da sardella , no caso destes dois produtos é possível encontrar documentação bibliográfica sobre seus parentescos com o milenar condimento. Um deles é a Colatura di Alici 11 , um condimento líquido. Seu nome significa “gotejamento de anchovas” e se encontra na cidade de Cetara, na costa Amalfitana, . Outro descendente do garum, porém mais próximo da sardella como consistência e técnica , é uma especialidade da cidade de Nice, a conserva em pasta a base de alevinos chamada pissalat (em niçardo peis-salat , peixe salgado).

10 Outros possíveis condimentos não mediterrâneos são o nuoc mam do Vietnam, o nam pla da Tailândia e o do Camboja. Fonte: http://semanticus.info/es/meaning/Fish-sauce-231973/ 11 Fonte: http://ildiariodelpinterre.blogspot.com.br/

7 A observação, ainda que superficial e baseada em hipóteses, sobre o trânsito do garum do Mediterrâneo para a península Itálica, e posteriormente para o continente europeu, evidenciou modificações e adaptações em ingredientes e formas de seu preparo, bem como a gênese de outros produtos a partir de seus ingredientes e suas técnicas de preparo. As reflexões sobre reconfigurações de ingredientes e procedimentos perpetuadas culturalmente, em contextos distintos, levam à retomada da observação circunstancial pela qual ocorreu a migração da sardella para terras paulistanas. De como se deu o processo de adaptação, no qual se estabelece no bairro do Bixiga em São Paulo. O dado curioso aqui é que a versão reconfigurada, a sardela do Bixiga, acabará por tornar-se mais popular nas mesas paulistanas, enquanto migrante, que em seu próprio território, reforçando seu significado idílico de sabor perdido. Observação legitimada pelos preceitos do antropólogo cultural calabrês, Vito Teti, ao considerar a comida do migrado uma defesa de sua identidade cultural, onde “a necessidade de encontrar sentido e lugar em um novo espaço é marcada pelo apego às comidas perdidas, com um sentido de sacralidade que acompanha a refeição.” (HORN, 2001:156) (tradução própria)

2. Bixiga: sardella e sardela - tradição e tradução

O alimento representa um código cultural, pois mesmo sendo onívoro, o ser humano é capaz de definir predileções imbuídas de valor simbólico , como define o sociólogo francês Pierre Bourdieu, em sua obra A Distinção: crítica social do julgamento (1979). Para o autor, “o gosto é o operador prático das transmutações das coisas em sinais distintos e distintivos [...]” (2007:166). O migrante traz consigo sua identidade regional latente, e buscará dentro de suas manifestações culturais, tais como língua, culinária, religião e códigos de conduta, glorificar e perpetuar esta noção emblemática de pertencimento. É patente que a imigração italiana do século XIX, relacionada à demanda de mão de obra livre para os cafezais, estabeleceu italianos pelo interior paulista, ligados à lavoura, e outros, por distintos motivos, fixaram-se nos centros urbanos, como artesãos autônomos ou empregaram-se na indústria, construção civil e no comércio. Neste ambiente muitos se destacaram dando origem a novos “estabelecimentos que vendiam gêneros alimentícios próprios das cozinhas regionais italianas”. (ROLIM, 2007:2) Houve um profundo entrelaçamento de culturas nacionais e estrangeiras no período, notoriamente nos bairros que mais recebiam estrangeiros, no caso dos italianos, principalmente o Brás, Bixiga, Bom Retiro e Barra Funda. Ser o receptáculo de

8 processos migratórios fez com que estes bairros sorvessem inúmeras “transformações dos costumes” e dos “hábitos alimentares”. (TETI, 2001:577-586) (tradução própria)

A difusão dos pratos típicos da Itália foi lenta, iniciada no meio urbano, principalmente em hotéis e pensões de proprietários italianos, e atualmente, percebe-se que estão totalmente incorporados à alimentação do brasileiro. (ROLIM, 2007:2)

De acordo com documentos históricos, “em 1897, os italianos superavam os brasileiros na capital na proporção de dois para um, provindos de correntes ininterruptas desde 1882”. (VÉRAS, 1994:603) Assim como o estabelecimento de colônias calabresas em terrenos paulistanos onde hoje se denomina o bairro do Bixiga. De acordo com informações publicadas pelo Estado de São Paulo sobre o Museu Memória do Bixiga, “em 23 de junho de 1878, o proprietário de uma fazenda pôs à venda lotes de mata” (VEIGA, 2010) e, por seu valor acessível, muitos italianos ali se estabeleceram. “Dos imigrantes italianos, os calabreses ficaram no bairro do Bexiga (atual Bela Vista), os vênetos no Bom Retiro, e os napolitanos, quase todos, se fixaram no Brás.” (VÉRAS, 1994:604) No ambiente socialmente plural do Bixiga, a comida teve um papel relevante como elemento de identidade cultural de sociabilização e integração dentro do difícil processo de adaptação. O imigrante, ao ser destituído de sua terra natal, recorreu à memória como único meio de visitá-la, e, uma vez estabelecido num ambiente estranho, buscou reconhecer semelhanças e decodificar diferenças visando adaptar e preservar seu modo de vida. Ali concentram-se suas tradições alimentares. O testemunho histórico documental contido nas receitas é dos melhores exemplos da adaptabilidade cultural de um povo ao vivenciar o processo migratório, instaurando desta forma nova ordem , como certifica Vito Teti,

Na realidade, no movimento emigratório continuidade e mutação, tradição e inovação, conservação e transformação convivem, coexistem, se encontram e concorrem na construção de uma “nova ordem” em respeito à aquela de origem, que de qualquer forma, real ou imaginária, verdadeira ou inventada, permanece um inevitável ponto de referência e de “retorno”. (TETI, 2001:576-577) (tradução própria)

A perpetuação de uma receita, a evocação da memória de um sabor, de uma lembrança, a passagem da oralidade dos procedimentos de um prato para a escrita, a mutação

9 que busca sua preservação, todos estes atávicos processos de salvaguarda cultural propiciam que certa prática alimentar possa perdurar, em distintos territórios e culturas.

A relação entre a comida e a identidade pode ser definida sinteticamente sobre dois eixos importantes. De uma parte se almeja a salvaguarda dos princípios identitários fundados sobre a pureza, sobre o retorno a uma identidade original e à manutenção da tradição e dos saberes, que pode resultar [...] num comportamento de separação e exclusão; de outra, se delineia a formação de identidades híbridas, da mestiçagem cultural [...]. Estes dois sistemas identitários se identificam com a dialética das identidades de Stuart Hall, sintetizadas no binômio tradição/tradução [...]. (HORN, 2010:174) (tradução própria)

Uma leitura cabível ao binômio tradição/tradução encontra-se na relação sardella /sardela, de “conservação e transformação”. (TETI, 2001:576-577) Em relação à primeira, há em seu território uma postura fechada a influências com intuito de preservar a pureza original, como a preservação dos modos de fazer e de seus ingredientes ligados ao território. Já a segunda atravessou fronteiras, o que implica na formação de uma identidade sui generis “em um processo de negociação com as novas culturas com as quais o indivíduo deslocado vem a ter contato [...].” (HORN, 2010:174) (tradução própria) A sardela é portanto um alimento traduzido, plural em sua mestiçagem, que ainda assim busca uma pureza ao evocar sua identidade original. A sardela paulistana (diferenciada graficamente por um l) é um revival da sardella calabresa. Inevitável explicitar o fenômeno tradição/tradução da cantina paulistana, ao abordar a notoriedade da sardela nas mesas paulistanas. Na língua italiana significa adega, em geral é num cômodo subterrâneo, onde são conservados queijos, vinhos e outros alimentos. A versão da cantina como restaurante surgiu em São Paulo, nos bairros de predominância italiana-meridional, nos primeiros anos do século XX, justamente no período dos grandes fluxos migratórios, como alento ao sentimento nostálgico em relação ao ambiente social e culinário perdido, apelando para releituras, mestiçagens, hibridizações e invenções culinárias e culturais. O próprio caráter folclórico do ambiente da cantina remete a um local idílico (uma materialização da Cuccagna?), onde se congregam diversos símbolos e arquétipos reconfortantes e porções enormes no cardápio, enaltecendo a fartura da nova ordem . Contudo, todo este cenário só é original de fato se assegurado pela presença familiar e tradicional dos proprietários, que garantem uma culinária dita autêntica.

10 As cantinas paulistanas surgiram no início do século 20, com a figura da mamma italiana preparando pratos caseiros que ajudavam a aliviar a saudade que os imigrantes sentiam de sua terra-natal. No cardápio, há massa ao molho, polenta com rabada e risoto, mas muitas das receitas foram inventadas pelos descendentes de italianos, em São Paulo mesmo. (CHAVES; FREIXA, 2010)

Inserida neste ambiente revigorante para os ânimos dos expatriados, a sardela paulistana é mais um dos alimentos traduzidos e que ganhou força e visibilidade com o passar do tempo. Faltam dados formais imediatos que atestem formalmente seu “reinado”, pois até o presente momento não foi localizada bibliografia relativa à sardela. Há, porém, uma infinidade de citações informais na internet sobre onde encontrá-la e sobre suas muitas receitas paulistanas, o que pode comprovar uma possível predileção popular pelo antepasto, como se lê no site www.obagastronomia.com.br 12 :

A sardela é o antepasto típico das cantinas italianas. Principalmente em São Paulo ela reina absoluta nas mesas de trattorias. (BAUMEL, 2010)

Um italiano que não seja calabrês terá mais chance de conhecer a versão brasileira da sardella numa cantina italiana em São Paulo que na própria Itália. A não ser que ele vá à Calábria. A sardella não é um antepasto popular na Itália. Trata-se de uma especialidade apreciada fora da Calábria por um restrito nicho de mercado. Na Itália esta complexa iguaria não se encontra com tanta facilidade, como acontece aqui na sua versão paulistana. Na cidade de São Paulo pode-se encontrar a sardela na maioria dos restaurantes e padarias tradicionais de origem meridional. Fato não registrado na Itália, onde, a priori, apenas na Calábria é produzida e comercializada. Trecho de um artigo pode ser aqui utilizado como dado enriquecedor desta teoria. Trata-se da apreciação explicitada pelo escritor milanês, Luigi Veronelli, ao degustá-la pela primeira vez em São Paulo:

Foi assim que ela conquistou o apreço do gastrônomo, crítico de vinhos e escritor milanês Luigi Veronelli (1926–2004). “A sardella alcançou o máximo da minha avaliação”, afirmou. Na década de 1990, visitando São Paulo, ofereceram-lhe o nosso antepasto . Veronelli aprovou. (LOPES, 2013) (grifo nosso)

12 Fonte: http://www.obagastronomia.com.br/sardella-meridionale

11 É significativo, aliás, o lapso por parte do jornalista Dias Lopes ao se referir à sardela como “nosso antepasto”, pois de fato a versão paulistana acha-se tão distante da receita calabresa que poderia se dizer ter havido mesmo uma cisão entre a sardella calabresa e a sardela paulistana. A sardella , após mais de cem anos em terras paulistanas, se modificou não apenas em sua grafia, mas em ingredientes e procedimentos, processo este evidenciado pelo sociólogo Carlos Alberto Dória, quando designa que “a receita estabelece relações entre ingredientes e processos de transformação cujo resultado esperado é sempre um produto do qual idealizamos o sabor.” (2009:145) Ao se estabelecer em uma cidade grande, sem litoral, o imigrante calabrês se deu conta de que se desejasse voltar a consumir a conserva da “simbiose de mar e terra, água e sol” (MARRONE; LIGUORI, 2011:117), teria de adaptar e adequar sua receita. Para tal, fez- se necessária a substituição inicial de ingredientes que distanciaria a sardella da sardela: a utilização de filezinhos de anchova, ou de sardinha anchovada, vendidos prontos, em conserva industrial. Criou-se uma versão acalentadora. Outro fator que gerou modificações está na simplificação da páprica pronta. Ainda hoje, nos locais tradicionais de produção na Calábria, os pimentões, e a pimenta caiena, são assados no forno e posteriormente transformados em pó, para então serem amalgamado à pasta de alevinos marinados. Na versão paulistana esta etapa foi substituída ou pelo pó pronto, no caso da receita dos anos 50, pelo colorau 13 , ou então, a presença dos pimentões se transformou em molho de panela, a ser misturado manualmente ou no liquidificador. Prevalece o sabor idealizado .

2.1 Duas receitas

Por ser este trabalho uma investigação preliminar, excluíram-se centenas de outras fontes redundantes para enfatizar a mediação temporal entre as receitas atuais e a vinda dos italianos no final do século XIX. Foram tomados, portanto, como exemplos uma receita manuscrita, de 1950, e uma receita de 2007, encontrada na internet. No livro de Lina Theresa Vicentin Parisi, filha de italianos, e nascida em São Paulo em 1916, é possível constatar, como, no decorrer dos cinquenta anos de sua chegada, a sardella ganhou em praticidade em seu modo de preparo e aumentou seu número de ingredientes, tais como: alho, vinagre, óleo e colorau. Cozinha-se em panela uma parte dos ingredientes para depois concluir o preparo

13 Tempero corante que se apresenta sob a forma de pó vermelho-terra que confere aos alimentos um sabor picante, um tanto acre e amargo. Contém cúrcuma. Pequeno Dicionário da Gula (2000:114).

12 trabalhando-os no liquidificador, em temperatura ambiente. Assim, para a sardela paulistana, o peixe não vem mais do mar, mas da lata; e a mistura não resulta mais da sedimentação, mas de um giro no liquidificador. No site www.tudogostoso.com.br 14 , a receita da sardela *verdadeira* conta com mais um acréscimo de ingrediente, desta vez a cebola. No entanto, o que chama atenção é seu modo preparo. Aqui a receita é toda cozida na panela. Em sua receita tradicional calabresa, (com exceção na elaboração da páprica), não existe a presença do calor. Seu preparo se dá integralmente em temperatura ambiente, alla cruda (cru).

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Sardella, o Caviar dos Pobres no Bixiga é um trabalho inédito, interdisciplinar, baseado em hipóteses. Sua temática é tão pouco documentada oficialmente que a bibliografia se faz híbrida, porém necessária para açodar o campo do hipotético, em construção. O objeto de estudo é a observação sobre a perpetuação de uma conserva calabresa após a sua vinda para a cidade de São Paulo, em determinadas circunstâncias. Para João Carlos Dória a receita é a “relação estabelecida entre os ingredientes e os processos de transformações”, que se encontram diretamente submetidos a variações em “vários planos simultaneamente”. Em um encontram-se as “modas, idiossincrasias dos consumidores e adaptações regionais de componentes dos pratos”. Em outro, o “contexto social de consumo: rituais, cotidianidade, etc.” E em outro ainda a “tecnologia e a divisão social do trabalho”. (2009:145) Todos juntos, agindo simultaneamente sobre um dado cultural. Esta dinâmica de transformação da receita almeja sempre “[...] chegar a um produto que antecipamos em nossas mentes, como uma ordem de feição e gosto desejados.” (idem), em que a leitura do binômio sardella /sardela se presta como exemplo desta relação intrincada, submetida a uma equação de fatores, externos (tempo e espaço) e internos (íntimos humanos). Pertencente ao plano do contexto social, o processo migratório pode ser lido aqui, ambiguamente “[...] ora como elemento de “conservação” ora como fenômeno de “ruptura” da ordem tradicional, e os emigrantes “[...] ora como incuráveis nostálgicos, ora como rebeldes […].” (TETI, 2001:576-577) (tradução própria)

14 Fonte: http://www.tudogostoso.com.br/receita/13450-sardela-verdadeira.html

13 No que tange a instigante hipótese sobre o parentesco da sardella com o garum, se faz necessário um estudo aprofundado, in loco e sobre publicações e documentos, por ora não localizados ou acessíveis/disponíveis, deixando à vista disso, inúmeras lacunas e suposições a serem verificadas. Todavia, destas investigações preliminares, o garum se sobressai como um elemento estruturante, componente tônico de reconfigurações. Este expressivo pipocamento de manifestações tais como a colatura di alici , o pissalat , o allec e, provavelmente , a sardella, pode ser lido como um dado cultural gastronômico determinante que, por alguma razão, surge reconfigurado em outros contextos completamente distintos. Argumento amplamente tratado pela antropologia estruturalista de Claude Lévi-Strauss. A manifestação da estrutura mental que se replica materialmente através de dados culturais, aqui, a receita. Para se referir às transformações dos sistemas mitológicos, o antropólogo recorre a uma metáfora cósmica, a qual conclui, por ora, as considerações deste artigo, no qual “em sua periferia reinam ainda a incerteza e a confusão”. (1991:13)

À medida que a nebulosa se expande, portanto, o seu núcleo se condensa e se organiza. Filamentos esparsos se soldam, lacunas se preenchem, conexões se estabelecem, algo que se assemelha a uma ordem transparece sobre o caos. Como numa molécula germinal, seqüências onde ondas em grupos de transformações vêm agregar-se ao grupo inicial, reproduzindo-lhe a estrutura e as determinações. Nasce um corpo multidimensional, cuja organização é revelada nas partes centrais, enquanto em sua periferia reinam ainda a incerteza e a confusão. (LÉVI-STRAUSS, 1991:13)

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

ALBERT, Jean-Marc. Às mesas do poder . Dos banquetes gregos ao eliseu. São Paulo: Senac, 2009.

ALGRANTI, Marcia. Pequeno dicionário da gula . Rio de Janeiro: Record, 2000.

ASFORA, Wanessa. Apício: história da incorporação de um livro de cozinha na Alta Idade Média (séculos VIII e IX) . Tese de doutorado apresentada ao Departamento de História da USP/SP em 2009.

BAUMEL, Orlando. Sardella Meridionale . Disponível em: http://www.obagastronomia.com.br/sardella- meridionale/ . Acesso em 26/04/2014.

14

BOURDIEU, Pierre. A Distinção: crítica social do julgamento . Porto Algre: Zouk, 2007.

CHAVES, Guta; FREIXA, Dolores. Comida pelo mundo . Região Sudeste. Disponível em: http://comida.ig.com.br/pelomundo/regiao-sudeste/4fd6328063a8bb36eb418591.html . Acesso em 18/07/2014.

CUNHA, Angelica. Sardela Verdadeira . Disponível em: http://www.tudogostoso.com.br/receita/13450- sardela-verdadeira.html . Acesso em 28/04/2014.

DÓRIA, Carlos Alberto. A Culinária materialista : Construção racional do alimento e do prazer gastronômico. São Paulo: SENAC, 2009.

DOSI, Antonietta; SARTORIO, Giuseppina Pisani. Ars culinaria : Dal Piemonte alla Sicilia, i piatti degli antichi Romani sulle loro (e sulle nostre) tavole. Roma: Donzelli, 2012.

Fish . Disponível em: http://semanticus.info/es/meaning/Fish-sauce-231973/ . Acesso em 16/07/2014.

Gastronomia crucolese. Disponível em: http://spazioinwind.libero.it/ingcelsi/crucoli/primosito/index.html.Acesso em 15/07/2014. Acesso em 10/04/2014.

HORN, Vera. Assaporare la Tradizione : Cibo, Identità e Senso di Appartenenza nella Letteratura Migrante. Italianística XIX-XX, Departamento de Letras Modernas/USP, 2010.

Il garum e la colatura di alici. Disponível em: http://ildiariodelpinterre.blogspot.com.br/2012/01/quando- la-cucina-incontra-la-storia-il.html . Acesso em: 13/07/2014.

LÉVIS-STRAUSS, Claude. O cru e o cozido . Mitológicas. São Paulo: Brasiliense, 1991.

LOPES, José Antonio Dias. Sardella Paulistana . Disponível em: http://www.estadao.com.br/noticias/geral,dias-lopes-receitas-veja-a-de-sardella-e-outras- ja-publicadas-no-site-jadiaslopesgmailcom-imp-,1002606 . Acesso em 26/04/2014.

MACIEL, Maria Eunice. Cultura e alimentação ou o que têm a ver os macaquinhos de Koshima com Brillat-Savarin? Horizontes Antropológicos. ano 07. Porto Alegre, 2001.

15 MARRONE, Raffaele; LIGUORI, Giovanna. La sardella calabrese : processo tradizionale di produzione e valutazione dei punti critici.I Pesce,Modena, n.06, 2011.

MOLLINARI, Mirella. Alle Origini del Gusto . Sfogliando il libro “Ars culinaria” si viaggia nella storia della cucina italiana: Greci e Romani apprezzavano la ’nduja e i cibi calabresi. Società: Corriere della Calabria, 2012.

MONTANARI, Massimo. Il Cibo come cultura . Bari: Laterza, 2012.

Napoli, regno di . Disponível em: http://www.treccani.it/enciclopedia/regno-di-napoli/ . Acesso em 16/06/2014.

Peperone e … peperoncino . Disponível em: http://www.eusebiano.it/rubriche/cucina/peperone...e- peperoncino . Acesso em 16/07/2014.

PICCOLO, Emilio. Apicio . De re coquinaria. Napoli: Classici Latini Loffredo, 2009.

Pissala ou Pissalat (peis sala ou peis salat) Disponível em: http://terroirs.denfrance.free.fr/p/produits_terroirs/paca/pissalat_pissala.html . Acesso em: 17/07/2014.

PLOUVIER, Liliane. Les avatars du garum. Disponível em: http://histoiredepates.net/2013/07/09/les- avatars-du-garum/ . Acesso em 16/07/2014.

PRAVVETTONI, Riccardo. Il Cibo come Elemento di Identità Culturale nel Processo Migratorio . Università di Bologna. Italia, 2010.

Prodotti Tipici Calabresi . Disponível em: http://www.tipicimediterranei.it/prodotti-tipici- calabresi/prodotti-tipici-calabresi.html#.U7ybSfldVMc . Acesso em 15/07/2014.

ROLIM, Silvia de Souza. O início da Influência Italiana na Alimentação Brasileira . Disponível em: http://www.nutrociencia.com.br/textos_mostra.asp?vid=826&cid=7 . Acesso em 23/04/2014.

SLOAN, Donald. Gastronomia, restaurantes e comportamento do consumidor . Barueri: Manole, 2005.

Storia di un business mancato. Disponível em: http://www.peperoncino.org/old/storia.html . Acesso em 18/07/2014.

16 TETI, Vito, Emigrazione alimentazione, culture popolari . In: HORN, Vera. Assaporare la Tradizione : Cibo, Identità e Senso di Appartenenza nella Letteratura Migrante. Italianística XIX-XX, Departamento de Letras Modernas/USP, 2010.

VEIGA, Edson. Museu expões memória e sotaque do Bexiga . Disponível em: http://sao- paulo.estadao.com.br/noticias/geral,museu-expoe-memoria-e-sotaque-do-bexiga-em-sao-paulo,525967 . Acesso em 13/03/2014.

VÉRAS, Maura Pardini Bicudo. O Bairro do Brás: Um século de Transformações do Espaço Urbano ou Diferentes Versões da Segregação Social. Tese de Doutorado apresentada ao Departamento de Sociologia da PUC/SP, em 1991.