A COLUNA PRESTES E A POLÍTICA EXTERNA BRASILEIRA NA DÉCADA DE 1920 – AS RELAÇÕES BRASIL-ARGENTINA

MATEUS FERNANDEZ XAVIER

Brasília Julho de 2011 Universidade de Brasília – UnB Instituto de Relações Internacionais Programa de pós-graduação em Relações Internacionais

A COLUNA PRESTES E A POLÍTICA EXTERNA BRASILEIRA NA DÉCADA DE 1920 – AS RELAÇÕES BRASIL-ARGENTINA

Dissertação apresentada ao programa de pós- graduação em Relações Internacionais como requisito parcial para obtenção do título de mestre em Relações Internacionais.

Orientador: Prof. Dr. Antônio Carlos Lessa

MATEUS FERNANDEZ XAVIER

Brasília Julho de 2011

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TERMO DE APROVAÇÃO

Universidade de Brasília – UnB Instituto de Relações Internacionais Programa de pós-graduação em Relações Internacionais

A COLUNA PRESTES E A POLÍTICA EXTERNA BRASILEIRA NA DÉCADA DE 1920 – AS RELAÇÕES BRASIL-ARGENTINA

MATEUS FERNANDEZ XAVIER

Banca examinadora:

______Prof. Dr. Antônio Carlos Lessa (orientador) Instituto de Relações Internacionais – UnB

______Prof. Dra. Tânia Manzur (membro) Instituto de Relações Internacionais – UnB

______Prof. Dr. Virgílio Arraes (membro) Departamento de História – UnB

Brasília, 15 de julho de 2011

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(...) quanto ao Governo Argentino seria fácil um gesto de boa amizade, vedando terminantemente tudo isso, como de certo o faríamos, invertidos os papéis. Direito de refúgio levado esse grau de tolerância é antes um pleno consentimento à atividade revolucionária contra a paz constitucional do Brasil. (...) As amizades sinceras nas horas amargas é que se comprovam e se afirmam.

Félix Pacheco, 19241.

Solamente los idiotas están muy seguros de lo que dicen y de eso estoy completamente seguro.

Rubén Aguirre no papel de Profesor Jirafales.

1Pacheco a Toledo, tel. nº 77, RJ, 20 nov., 1924, AHI, 208/03/01. 4

A minha mãe, Maria Dolores Fernandez, a Aldayr de Souza, a meu avô, José Antelo Fernandez, e a Lívia Carvalho Bergamaschine dedico este trabalho.

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AGRADECIMENTOS

A constatação da existência de significativa lacuna nos estudos de política externa brasileira sobre a década de 1920 e o fato de o governo Artur Bernardes ter sido caracterizado por grande agitação interna despertaram interesse para o estudo dos anos compreendidos entre 1922 e 1926. A decisão de pesquisar sobre a Coluna Prestes foi tomada quando tive ciência da grande agitação ideológica dentro das Forças Armadas brasileiras, entre 1900 e 1930. Uma vez que a marcha revolucionária de Isidoro Dias Lopes, Miguel Costa, Luiz Carlos Prestes, Siqueira Campos, Cordeiro de Farias, Juarez Távora e João Alberto passou por regiões próximas à fronteira do Brasil com a Argentina, atravessou território paraguaio para ingressar no e exilou-se na Bolívia, concluir que esse movimento produziu impactos internacionais parecia ser algo plausível. A decisão de dar maior atenção às relações com a Argentina ocorreu após alguns estudos preliminares apontarem para o fato de que esse país abrigou a base de operações logísticas dos revolucionários, por fornecer grande potencial à implementação de rede de abastecimento de armas, munições e víveres. Em 2010, ao visitar o Arquivo Histórico do Itamaraty, pude constatar grande quantidade de correspondência existente a respeito do tema. A redação do presente trabalho começou logo após a leitura do material recolhido no Rio de Janeiro. Ao longo de dois anos, muitos me ajudaram na consecução do empreendimento desta dissertação. Em primeiro lugar, gostaria de agradecer a meu orientador, Antônio Carlos Lessa, pela confiança depositada no projeto apresentado e pela pronta ajuda disponibilizada. Os conselhos e as orientações sobre pesquisa em arquivo foram de grande valia à minha visita ao Arquivo Histórico do Itamaraty (AHI). As observações quanto ao conteúdo da dissertação foram essenciais para a estruturação e o desenvolvimento desse trabalho. À minha família agradeço pela confiança e pelo suporte fornecidos. A minha mãe agradeço pelo exemplo de vida e por seu caráter. A Aldayr, por tudo o que fez pela minha formação. A meu avô, pela presença e pelos incentivos ao estudo, dados desde minha infância. A Lívia Bergamaschine, pela paciência e pelo apoio para superar momentos difíceis. Aos amigos de Relações Internacionais, de Ciências Sociais, do Centro de Preparação dos Oficiais da Reserva de Belo Horizonte, da Agência Nacional de

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Telecomunicações e do Ministério das Relações Exteriores agradeço pelo companheirismo e pelos momentos juntos. A meus superiores na ANATEL, Walter Calil Jabur, Affonso Feijó e Adeílson Nascimento, agradeço pelo incentivo dado aos estudos para o mestrado e pela flexibilidade que possibilitou conciliar minhas necessidades acadêmicas e meus deveres institucionais na Agência. Agradeço aos professores Juliana Campos de Andrade, José Flávio Sombra Saraiva, Norma Breda, Eugênio Vargas Garcia, Virgílio Arraes, Francisco Doratioto e Henrique Menezes pela ajuda fornecida à pesquisa realizada. À primeira, minha gratidão pela paciência e pela atenção dispensada entre 2007 e 2010. Sem sua ajuda, a vitória alcançada em julho de 2010 não seria possível. Aos professores Saraiva e Norma Breda, pelas indicações de leitura e pelas conversas sobre meu tema de pesquisa. Ao professor Eugênio Garcia sou grato pela orientação dada durante minha visita ao AHI. Aos professores Virgílio Arraes e Francisco Doratioto agradeço pela atenção dada a meu projeto de pesquisa e pelas observações levantadas com relação a estrutura e objetivos iniciais da dissertação. Ao professor Menezes meu muito obrigado pela ajuda na elaboração do projeto de pesquisa, que deu ensejo ao ingresso na Universidade de Brasília. Aos colegas do Programa de Mestrado em Relações Internacionais da Universidade de Brasília, aos amigos Daniel Mangabeira, Günther Mros, Luciano Muñoz e Jonas Paloschi, companheiros de trajetória, e aos funcionários do Instituto de Relações Internacionais da UnB, Odalva e Gustavo, meus agradecimentos. Por fim, minha gratidão aos membros da banca, por disponibilizarem seu tempo para a apreciação deste trabalho.

Mateus Fernandez Xavier Brasília, 14 de junho de 2011.

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SUMÁRIO

Resumo ------10

Summary ------11

Introdução ------12

Capítulo 1 – A DÉCADA DE 1920 NO BRASIL – SOCIEDADE, ECONOMIA, POLÍTICA EXTERNA E A CONFIGURAÇÃO DO EXÉRCITO BRASILEIRO ---- 17

1.1 Sociedade e política doméstica ------20

1.2 A política externa brasileira na década de 1920 ------31

1.3 A configuração do Exército Brasileiro ------40

1.4 Conclusão ------46

Capítulo 2 – AS REBELIÕES DA DÉCADA DE 1920 – AS ORIGENS DA COLUNA PRESTES ------50

2.1 O Primeiro 5 de Julho – A revolta no Rio de Janeiro ------51

2.2 O Segundo 5 de Julho – A revolta em São Paulo ------55

2.3 Agitações e levantes em outros pontos do país ------64

2.4 As revoltas no e a formação da Coluna Prestes ------69

2.5 Conclusão ------76

Capítulo 3 – A MARCHA DA COLUNA PRESTES E SEUS IMPACTOS NA POLÍTICA DOMÉSTICA ------78

3.1 A marcha da Coluna Prestes pelo país ------78

3.2 Do Paraguai ao Maranhão ------83

3.3 Do Maranhão a ------91

3.4 De Minas Gerais à Bolívia ------98

3.5 Conclusão ------105

Capítulo 4 – AS RELAÇÕES BRASIL - ARGENTINA E AS INFLUÊNCIAS DA COLUNA PRESTES SOBRE A POLÍTICA EXTERNA BRASILEIRA ------108

4.1 A Argentina em 1920 e sua política externa ------108

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4.2 O Itamaraty no combate à Coluna Prestes e aos movimentos que deram origem à marcha rebelde – a repercussão na política externa brasileira ------117

4.2.1 A repercussão dos levantes no exterior e as reclamações estrangeiras ------118

4.2.2 O levantamento de dados e informações pela rede diplomática do Brasil e as despesas extraordinárias ------126

4.2.3 O combate ao tráfico de armas e víveres pelo Itamaraty e a cooperação argentina ------136

4.3 Conclusão ------149

CONSIDERAÇÕES FINAIS ------152

Fontes ------158

Anexos – Mapas sobre a marcha da Coluna Prestes ------164

Mapa 01 – Cerco a São Luiz Gonzaga/RS ------164

Mapa 02 – Marcha entre Rio Grande do Sul e oeste do Paraná ------165

Mapa 03 – Marcha entre Paraguai e sertão de Goiás ------166

Mapa 04 – Marcha entre Goiás e Maranhão ------167

Mapa 05 – Marcha em Maranhão e Piauí ------168

Mapa 06 – Marcha entre Ceará e Pernambuco ------169

Mapa 07 – Marcha de travessia de Pernambuco ------169

Mapa 08 – Marcha pela Bahia e por Minas Gerais ------170

Mapa 09 – Trajetória da Coluna Prestes pelo Brasil – marcha de ida e volta ------171

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RESUMO

A presente dissertação tem como objetivo apontar influências da Coluna Prestes sobre a política externa brasileira da década de 1920. Por meio da análise do contexto político, social, econômico e internacional do país, foi possível compreender as condicionalidades impostas à atuação externa do Brasil. A apresentação da configuração do Exército Brasileiro e dos movimentos subversivos que tiveram origem no interior dessa instituição também forneceu elementos importantes para o estabelecimento da relação existente entre a Coluna Prestes e as medidas tomadas pelas chancelarias de Félix Pacheco e, em menor medida, de Otávio Mangabeira. Por meio da correlação de dados e informações levantados foi possível perceber como o Ministério das Relações Exteriores foi utilizado como instrumento de repressão a movimentos que contestaram a ordem oligárquica da República Velha.

Palavras-chave: Coluna Prestes; política externa brasileira; movimentos revolucionários; repressão; Ministério das Relações Exteriores.

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SUMMARY

This dissertation attempts to describe some influences that the „Coluna Prestes‟ had on the Brazilian foreign policy during the 1920 decade. Analyzing the political, social, economic and international context of that period, it was possible to understand which limits of action affected Brazilian international movements. The description of the configuration and the analysis of the insurgent revolutionary movements that were triggered by ideologies of this institution, furnish important information on the impacts of „Coluna Prestes‟ over the chancelleries of Félix Pacheco and, to a lesser extent, of Otávio Mangabeira. Correlating all data obtained, it is possible to perceive how the Ministry of External Relations was used as an instrument of repression against the movements that opposed the oligarchic order of the República Velha.

Key-words: Coluna Prestes; Brazilian foreign policy; revolutionary uprisings; repression; Ministry of External Relations.

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INTRODUÇÃO

A República Velha (1889-1930) foi período histórico que se iniciou de maneira conturbada. Ao golpe militar contra o Império, seguiu-se uma série de agitações e levantes que foram responsáveis pela renúncia de Deodoro da Fonseca e pelas medidas autoritárias de Floriano Peixoto. A fase final da República Oligárquica apresentou as mesmas características, sendo anos de mudanças sociais significativas e de rebeliões cívico-militares. Certa estabilidade foi alcançada nos anos compreendidos entre os governos de Campos Sales (1898-1902) e de Epitácio Pessoa (1919-1922), quando condições básicas de governabilidade foram obtidas pelos Presidentes que assumiram entre esses dois mandatos.2 Essa ordem começou a ser abalada ainda durante o governo de Epitácio Pessoa. A ordem política estruturada por meio da Política dos Governadores, por não dar margem a oposições, excluiu da vida política nacional outros atores sociais que começavam a despontar economicamente, em decorrência do processo de industrialização pelo qual a economia brasileira atravessava e que havia começado no século XIX e se intensificado nas décadas de 1910 e 1920. O mesmo pode ser dito para aqueles setores que surgiam decorrentes da maior complexidade que a sociedade brasileira ia adquirindo com seu incipiente processo de urbanização. Por meio de revoltas e levantes, camadas médias urbanas, militares e oligarquias dissidentes passaram a contestar a ordem então vigente. A eleição de Artur Bernardes, em março de 1922, demonstrou o clima tenso do contexto brasileiro do início da década de 1920. No meio militar, o descontentamento com a situação política do país consubstanciou-se em revoltas e levantes armados após o fechamento do Clube Militar pelo Presidente Epitácio Pessoa ao final do seu mandato. O levante do forte de Copacabana e as rebeliões em São Paulo e no Rio Grande do Sul, que se uniram posteriormente, para a formação da Coluna Prestes, são exemplos importantes. O ano de 1922 também se destacou pelo surgimento do Partido Comunista Brasileiro e pela Semana de Arte Moderna. Enquanto o primeiro se fortaleceu como alternativa aos princípios anarquistas, o Modernismo rompeu com os padrões estéticos até então vigentes no país, sendo ambos os fatos reflexos das agitações sociais e ideológicas do período,.

2 A Presidência do Marechal Hermes da Fonseca foi conturbada em certa medida, mas nada que se compare aos mandatos de Deodoro da Fonseca, Floriano Peixoto, Prudente de Morais, Artur Bernardes e Washington Luis. Os três primeiros atuaram no início desse período histórico, enquanto os dois últimos, já ao final. 12

As principais exigências dos movimentos militares e civis de contestação desses anos foram as implementações do voto secreto, da justiça eleitoral, da educação pública obrigatória, da moralidade política e administrativa e da maior independência do Legislativo e do Judiciário. Além de estarem presentes nas Forças Armadas, tais reivindicações já faziam eco nas camadas médias urbanas e também adquiriam, com o tempo, apoio de algumas oligarquias dissidentes. O ano de 1930 foi o auge do processo de aproximação entre esses três grupos. Para combater insurgências civis e militares do período, Artur Bernardes utilizou-se de medidas centralizadoras, como a decretação do estado de sítio, obtendo, assim, grande poder de atuação. No que tange à política externa brasileira, o governo de Artur Bernardes também foi caracterizado por agitações. Segundo Eugênio Vargas Garcia, o legado de Artur Bernardes para a política externa foi um dos piores do período da República Velha. Após Bernardes, o Brasil encontrava-se politicamente isolado na América do Sul, malvisto na Europa e ignorado pela política externa dos Estados Unidos, em função das tensões criadas pela atuação nacional na Liga das Nações e no âmbito sul-americano. Como se verá, foi nesse contexto de distanciamento em relação aos vizinhos sul- americanos que a chancelaria de Félix Pacheco buscou cooperação com Argentina, Paraguai e Uruguai no combate aos revolucionários da Coluna Prestes. O movimento rebelde causou repercussão principalmente na América do Sul. As missões diplomáticas do Brasil em Assunção, Buenos Aires, Montevidéu e La Paz mandavam, ao Rio de Janeiro, informes, telegramas e outras correspondências diplomáticas com frequência, dando ciência ao governo federal de todas as ações do movimento revolucionário naqueles países. A busca por víveres, suprimentos e armamentos nos países vizinhos era fundamental para a continuidade da marcha rebelde, e o governo federal o sabia. Dessa maneira, durante o mandato de Artur Bernardes, a política externa brasileira para a região platina foi caracterizada por significativo esforço junto às nações vizinhas, para neutralizar o empreendimento logístico da Coluna e amenizar as más repercussões advindas do combate ao movimento. Percebe-se que a década de 1920 foi período dos mais complexos da história recente do país. Não obstante, a historiografia tem dado pouca atenção a esse contexto em contraste com a abundante produção acadêmica sobre a década de 1930 e o que ficou conhecido como Período Vargas. Uma das razões para isso pode ser decorrente do fato de que, com relação à estrutura burocrática do Estado, muitas mudanças

13 engendradas por Getúlio Vargas persistem, em grande medida, até os dias de hoje, tendo significativo impacto sobre o desenvolvimento econômico e social do país ao longo do século XX3. Sendo assim, pode-se melhor compreender por que o período entre 1930 e 1945 exerce atração sobre muitos intelectuais. Com a difusão de trabalhos e pesquisas acadêmicas cujo foco recai sobre a Era Vargas, os anos anteriores a 1930 sofrem algumas simplificações explicativas. Há muitos exemplos nesse sentido: as diversas rebeliões ocorridas na década de 1920, encetadas pelas Forças Armadas e pelas Forças Públicas estaduais passaram a ser agrupadas em conceito denominado “tenentismo”; as relações entre os governos estaduais e as lideranças regionais, assim como entre as oligarquias regionais e a população do interior, foram apresentadas como pertencentes a uma estrutura de poder denominada “coronelismo”; as relações políticas entre governo central e governos estaduais foram explicadas pela expressão “Política dos Estados”. Toda essa nomenclatura seguida de simples definições atende à finalidade dos trabalhos que se atêm a períodos posteriores a 1930. No entanto, quando a análise recai sobre as décadas de 1910 e 1920, tais conceitos tornam-se significativamente pobres quando não se demonstram as bases factuais nas quais estão fundados. Sendo a década de 1920 o principal período abordado no presente trabalho, os fatos históricos que deram suporte à criação dos conceitos supracitados serão tratados com maior destaque ao longo da dissertação. Para compreender os impactos da Coluna Prestes e dos movimentos que a originaram sobre a política externa brasileira, é importante entender, previamente, a situação política, social e econômica do Brasil à época desses levantes revolucionários. A elucidação do contexto histórico da década de 1920 possibilita melhor interpretação sobre a atuação dos principais atores desse período. Dessa maneira, será possível compreender as principais ideologias que orientaram as Forças Armadas e os rebeldes da Coluna Prestes – já que muitos de seus comandantes eram militares – além de estabelecer as diretrizes essenciais que pautaram a política externa brasileira no período em análise. Como o objetivo desse trabalho não é o de explicar de modo exaustivo o surgimento e desenvolvimento das principais ideologias existentes dentro das Forças Armadas, mas apontar os principais parâmetros, diretrizes, valores e diferenças existentes entre cada uma dessas ideologias, houve necessidade de excluir pontos

3 FAUSTO, 2008, p. 313-315; JANOTTI, 1999, p. 118. 14 significativos do desenvolvimento das ideias existentes no meio militar. Assim, o Hermismo e a Política de Salvações da década de 1910 não receberam atenção detalhada, por exemplo. Destaque-se o fato de que ainda que sejam aspectos importantes dentro da trajetória do pensamento militar do começo do século XX, esses aspectos não são fundamentais aos objetivos dessa dissertação O sentido do presente trabalho pode ser encontrado nas epígrafes escolhidas. A frase de Félix Pacheco demonstra a exasperação do chanceler brasileiro com relação ao governo argentino em 1924. Tendo em vista o agitado contexto doméstico do Brasil à época, Artur Bernardes esperou cooperação mais assertiva por parte da Argentina, sem, no entanto, obtê-la. Como se verá, o governo de Buenos Aires não negou ajuda à causa brasileira, mas as ações portenhas, fundamentadas em aspectos legalistas, estiveram longe das medidas desejadas pelo governo brasileiro e, por isso, irritaram bastante as autoridades nacionais. A citação de Rubén Aguirre traduz a realidade do historiador. Não há verdades que durem eternamente, mas, sim, afirmações e interpretações temporárias a respeito dos acontecimentos históricos. Partilha-se, assim, da perspectiva de que o saber histórico é alterado com o passar do tempo, na medida em que mais fontes, mais recursos e mais pesquisadores se disponibilizem a tratar de determinado tema. O papel da Coluna Prestes na história social, política e internacional do Brasil não está, pois, esgotado, e, ainda que pequenas contribuições, como a presente dissertação, sejam produzidas, o assunto não será exaurido. No interessante debate feito por Barbara W. Tuchman com as ideias do inglês Edward Hallet Carr, o presente trabalho compartilha dos ensinamentos do mestre inglês, ao considerar que “a crença num núcleo irredutível de fatos históricos que existem independentemente da interpretação do historiador é uma falácia absurda, mas muito difícil de vencer”.4 À resposta dada por Tuchman de que “as provas me parecem mais importantes do que a interpretação, e os fatos são história, quer sejam interpretados ou não”5, vale a pena relembrar um aforismo de Goethe, segundo o qual “the highest wisdom is to realize that every fact is already a theory”6. A presente dissertação destaca a Coluna Prestes e os movimentos militares revolucionários que lhe deram origem, tendo como base os contextos social, político e

4 CARR, Edward H. apud TUCHMAN, 1995, p. 18. 5 TUCHMAN, 1995, p. 19. 6 GOETHE, Johann W. apud ELMAN; ELMAN, 2003, p. ix 15 econômico brasileiros da década de 1920. Após compreensão da situação subjacente ao Brasil, durante o conturbado contexto da época, define-se como esse movimento foi percebido pelas ideologias dominantes dentro do Exército Brasileiro e, assim, busca-se entender como a marcha da coluna rebelde e suas reivindicações produziram impactos sobre a política externa brasileira, tendo especial atenção as relações com a Argentina. O trabalho está dividido em cinco partes. O primeiro capítulo versa sobre o contexto político, econômico e cultural e explica como o Exército Brasileiro estava estruturado na década de 1920, citando as principais ideologias que perpassavam essa organização e expondo as diretrizes de política externa do período. O segundo capítulo é dedicado às revoltas e aos levantes ocorridos entre 1924 e 1927, tanto os que precederam a Coluna Prestes, dando condições para o surgimento dessa marcha, quanto os que ocorreram depois da formação da Coluna. O terceiro capítulo tem como objetivo descrever a trajetória da Coluna revolucionária pelo país em sua marcha de mais de 25.000 quilômetros. As principais dificuldades e combates enfrentados pela Coluna são apresentados, assim como as perspectivas e as decisões dos rebeldes ao longo da campanha. O quarto capítulo faz breve explanação do contexto político e econômico da Argentina na década de 1920 e dos impactos da Coluna Prestes no âmbito internacional, com destaque para as relações entre Brasil e Argentina. São examinadas as divergências entre Buenos Aires e Rio de Janeiro no que tange a matérias de política externa e de rearmamento das Forças Armadas. Para compreender a influência dos movimentos revolucionários e da Coluna Prestes sobre a atuação do Ministério das Relações Exteriores e sobre a formulação da política externa brasileira, entre 1924 e 1927, o presente trabalho utilizou como principal fonte os telegramas trocados entre, de um lado, as missões do Brasil na região platina e, de outro, a Secretaria de Estado no Rio de Janeiro. Assim sendo, privilegiou- se a visão do Estado com relação à política externa do período. A última parte é composta por breve conclusão que encerra a presente dissertação.

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CAPÍTULO 01 - A DÉCADA DE 1920 NO BRASIL – SOCIEDADE, ECONOMIA, POLÍTICA EXTERNA E A CONFIGURAÇÃO DO EXÉRCITO BRASILEIRO

O período denominado pela historiografia brasileira de República Velha (1889 – 1930) foi configurado por anos de grande instabilidade política e social. Desde os governos militares de Deodoro da Fonseca e Floriano Peixoto até a Revolução de Trinta e a ascensão de Vargas ao poder, o país vivenciou diversas revoltas e sublevações de cunho militar, além de inúmeras contestações civis. A Proclamação da República deu início a período histórico em que os militares começaram a transformar em ações políticas suas ideias e valores. O positivismo de Augusto Comte, difundido nos meios militares por Benjamin Constant, foi exemplo disso7. Em 1891, a falta de estabilidade política agravou-se com o fechamento do Congresso por Deodoro da Fonseca. Capitaneada por Custódio de Mello, houve a primeira Revolta da Armada, que conseguiu tirar Deodoro da Fonseca da Presidência da República. O vice-presidente à época, Floriano Peixoto, passou a exercer a chefia do Executivo sob o título de “presidente em exercício”, ao invés de convocar novas eleições, como previa a Constituição de 1891. O “marechal de ferro”, tal como ficou conhecido, enfrentou vários distúrbios sociais e militares, entre os quais se destacam as duas Revoltas da Armada no Rio de Janeiro e a Revolução Federalista no Rio Grande do Sul. A vitória de Floriano Peixoto sobre os federalistas do sul ocasionou a mudança do nome da cidade de Nossa Senhora do Desterro para Florianópolis. A situação de agitação durante a República Velha foi amenizada após a implementação da “Política dos Governadores” ou “Política dos Estados” no governo Campos Sales – 1898-1902. Essa complexa estrutura político-social adaptou-se, de maneira eficaz, à configuração social da época e conseguiu garantir boa sustentação aos governantes que se seguiram, dando-lhes o mínimo de governabilidade necessária para exercerem seus mandatos8. A Política dos Estados pode ser entendida como uma estrutura de poder que funcionava da seguinte maneira: o governo federal dava suporte financeiro e apoio aos governos estaduais que, em contrapartida, comprometiam-se a garantir as bases para a eleição de bancadas parlamentares de apoio ao governo federal. No âmbito estadual, essa mesma lógica repetia-se, garantindo ao governador do estado o apoio dos líderes

7 CARVALHO, 2005, p. 38-40. 8 FAUSTO, 2008, p. 258-259; LEAL, 1997, p. 278-280. 17 locais, denominados coronéis. Como recompensa, os ditos coronéis recebiam verbas e outros recursos provenientes da esfera estadual9. A fim de garantir os votos necessários à eleição dos deputados indicados pelos coronéis, os eleitores recebiam favores diversos, como empregos públicos, instrumentos de trabalho para suas pequenas propriedades e leitos em hospitais. Aqueles que não se submetiam a tal dinâmica por bem eram coagidos pelos líderes locais. Sendo o voto aberto, não havia meios de essas camadas populares mais humildes e sem instrução esquivarem-se das pressões advindas dos coronéis10. Ao contrário do que possa parecer, o centro desse elaborado sistema não era a esfera federal nem a estadual, mas, sim, o município e o poder local exercido nesse âmbito. Victor Nunes Leal considera que o surgimento do “coronelismo” foi decorrente de compromisso entre, por um lado, o poder cada vez maior do Estado e, por outro, as forças em decadência de setores privados locais. Assim, embora a presença do Estado se tenha fortalecido em todo país, ao final do século XIX e ao início do século XX, esse ator social ainda não tinha forças suficientes para fazer valer seus interesses em todas as partes da nação, em especial nas áreas rurais. Victor Nunes Leal considera que o avanço da urbanização enfraqueceu o “coronelismo”, no entanto o fenômeno de crescimento de cidades sempre ocorreu de maneira diversa, no território nacional, assumindo, em alguns lugares, maior intensidade do que em outros. Desse modo, o “coronelismo” ainda é sistema presente nos dias atuais, apesar de estar condenado a desaparecer da vida política do país, em algum momento. Os compromissos assumidos pelos coronéis em decadência e o poder público em processo de fortalecimento foram os principais responsáveis pela sustentação da configuração da “Política dos Estados”, conforme Nunes Leal analisou:

A superposição do regime representativo em base ampla, a essa inadequada estrutura econômica e social, havendo incorporado à cidadania ativa um volumoso contingente de eleitores incapacitados para o consciente desempenho de sua missão política, vinculou os detentores do poder público, em larga medida, aos condutores daquele rebanho eleitoral. Eis aí a debilidade particular do poder constituído, que o levou a compor-se com o remanescente poder privado dos donos de terras no peculiar compromisso do ―coronelismo‖. Despejando seus votos nos candidatos governistas nas eleições estaduais e federais, os dirigentes políticos do interior fazem-se credores de especial recompensa, que consiste em ficarem com as mãos livres para consolidarem sua dominação no município. Essa função eleitoral do ―coronelismo‖ é tão importante que sem ela dificilmente se poderia

9 LEAL, op. cit., p. 278-281. 10 LEAL, op. cit., p. 280-282. 18

compreender o do ut des que anima todo o sistema. O regime federativo também contribuiu, relevantemente, para a produção do fenômeno: ao tornar inteiramente eletivo o governo dos Estados, permitiu a montagem, nas antigas províncias, de sólidas máquinas eleitorais; essas máquinas eleitorais estáveis, que determinaram a instituição da ―política dos governadores‖, repousavam justamente no compromisso ―coronelista‖. (LEAL, 1997, p. 278-279)

Desconsiderando o interregno do Governo do marechal Hermes da Fonseca - 1910-1914 – marcado pela política salvacionaista11, o Brasil apresentou relativa estabilidade política e social em seus governos estaduais e em seu governo central, entre 1900 e 1920. Ironicamente, a maior fraqueza dessa estrutura de poder adveio da estabilidade auferida pelo compromisso entre coronéis e políticos estaduais e federais. Como a rede de apoios criada entre líderes locais, governos estaduais e governo central não dava margem para que setores de oposição pudessem expressar suas demandas e tentar alcançar o poder, a frustração política acentuou-se entre diferentes grupos sociais que não encontravam espaço no aparelho eleitoral do Estado para seus anseios12. Com o decorrer dos anos, essa engenhosa estrutura política concebida e consolidada com a Política dos Estados começou a não ser capaz de absorver novos atores que surgiram da crescente diversificação da sociedade brasileira. As oligarquias dissidentes, as camadas médias urbanas, o Exército Brasileiro, a Marinha e a incipiente burguesia industrial reclamavam maior participação na vida política do país. Como esses atores não conseguiam ser bem-sucedidos – a Campanha Civilista de Ruy Barbosa, em 1910, e a Reação Republicana de Nilo Peçanha, em 1921, são exemplares nesse sentido – começaram a indispor-se com a dinâmica da política nacional e passaram a procurar outras maneiras para dar vazão a seus objetivos que não a via institucional dominada pelos grupos das oligarquias tradicionais. Por meio de revoltas e levantes, camadas médias urbanas, militares e oligarquias dissidentes passaram a contestar a ordem estabelecida13.

11 A “Política de Salvações” ou simplesmente “salvacionismo” foi conjunto de medidas tomadas pelo marechal Hermes da Fonseca quando de sua presidência, com objetivo de moralizar a vida política nacional. Tais ações receberam forte apoio de setores militares descontentes com as oligarquias dominantes e geraram grandes agitações em diversos estados que sofreram intervenções do poder federal. Exemplo dessas ações e de sua falta de sucesso foi a “Guerra do Cariri” entre a tradicional oligarquia cearense chefiada por Antonio Nogueira Acioli e os setores liderados por Franco Rabelo. Para mais detalhes do Salvacionismo e da Guerra do Cariri cf. CARONE, 1974; FAUSTO, 2008; JANOTTI, 1999. 12 IGLESIAS, 1993, p. 221-228; LINHARES, 1990, p. 319. 13 FAUSTO, op. cit. p. 295-303; 305-313; 315-318; GARCIA, 2006, p.26. 19

1.1. SOCIEDADE E POLÍTICA DOMÉSTICA

A eleição de Artur Bernardes demonstrou o clima tenso vigente no contexto político da década de 1920. O político mineiro era candidato com apoio das oligarquias dominantes de Minas Gerais e São Paulo. Seu opositor, Nilo Peçanha, era candidato pela Reação Republicana e recebeu suporte de oligarquias dissidentes de estados, como Rio de Janeiro, Pernambuco, Bahia, Rio Grande do Sul, e de setores do Exército ligados a Hermes da Fonseca14. A oposição tentou mobilizar as massas urbanas do país, percorrendo grande número de cidades e baseando-se em promessas de voto secreto, moralização do sistema eleitoral do país e austeridade fiscal com vistas ao combate da inflação. Os privilégios que o café recebia pela política econômica federal também foram criticados, na medida em que deixavam outros produtos nacionais sem a mesma proteção. A ideia dos grupos de apoio a Nilo Peçanha não era acabar com a Política de Valorização do Café, mas, sim, expandir tal mecanismo a outros produtos.15 A agitação no contexto eleitoral cresceu ainda mais, após o episódio das cartas falsas publicadas no jornal Correio da Manhã. De suposta autoria de Bernardes e contendo teor agressivo e difamatório ao marechal Hermes da Fonseca, uma das cartas continha os seguintes trechos:

Ilmo. Raul Soares. Saudações afetuosas. Estou informado do ridículo e acintoso banquete dado pelo Hermes, esse sargentão sem compostura, aos seus apaniguados e de tudo o que nessa orgia se passou. Espero que use de toda a energia, de acordo com minhas últimas instruções, pois esse canalha precisa de uma reprimenda para entrar na disciplina. Veja se o Epitácio mostra agora a sua apregoada energia, punindo severamente esses ousados, prendendo os que saíram da disciplina e removendo para bem longe esses generais anarquizadores. Se o Epitácio com medo não atender, use de diplomacia que depois do meu reconhecimento ajustaremos contas. A situação não admite contemporizações: os que forem venais, que é quase a totalidade, compre-os com todos os seus bordados e galões. Abraços do Artur Bernardes (APULCHRO, apud CARONE, 1974a, p. 5616)

14 CARONE, 1974a, p. 56-57; FAUSTO, op. cit. p. 305-307. 15 FAUSTO, op. cit. p. 306. 16 APULCHRO, Xisto. A verdade histórica (da convenção de junho de 1921 à revolução de julho de 1922), Rio de Janeiro, s/e, 1922, p. 303. 20

A carta fazia alusão ao banquete promovido por Hermes da Fonseca por ocasião de sua posse na presidência do Clube Militar. Mesmo depois de alguns dias de descoberta a farsa e de os responsáveis por ela terem confessado a autoria, forte oposição militar surgiu à candidatura do oligarca mineiro17. Temendo uma situação de revolta generalizada, levantou-se a hipótese de desistência da candidatura, mas Bernardes rejeitou-a e acabou sendo eleito18. Em junho de 1922, setores militares tiveram nova indisposição contra as políticas das tradicionais oligarquias. Após intervenção federal em Pernambuco, o Clube Militar lançou protesto contra esse ato. Em resposta, Epitácio Pessoa determinou repreensão e prisão do marechal Hermes da Fonseca, além do fechamento do Clube Militar19. A partir de então, alguns setores das Forças Armadas passaram a pregar, abertamente, insubordinação e levantes contra o governo. O discurso do tenente Gwaier Azevedo em sessão no Clube Militar revela bem o clima de animosidade que o episódio das cartas falsas e o iminente fechamento do Clube Militar geraram sobre setores militares à época.20 Outro episódio que bem ilustrou o clima tenso do período foi a chegada de Artur Bernardes à capital da República, o Rio de Janeiro. Segundo relato de Afonso Arinos de Melo Franco, uma multidão hostil misturou-se à comitiva de políticos e militares que receberam o político mineiro. Impropérios, ameaças de agressões físicas, vaias, trancos nos carros, gritos, gracejos e todo tipo de desrespeito a autoridades, a políticos e ao presidente foram cometidos na ocasião. A cena foi marcante para Melo Franco, que a tem como recordação de infância e classifica-a como revoltante21. A esse contexto somou-se a insatisfação de setores da sociedade brasileira alijados do processo de decisão política desde início do século: operários, camadas médias urbanas, forças armadas e crescente número de oligarquias dissidentes demandavam a implantação do voto secreto, a criação de uma justiça eleitoral, a disponibilização de educação pública obrigatória, a independência do Legislativo e do

17 MCCANN, 2007, op. cit. p. 336. 18 CARONE, 1974b, p. 347. 19 CARONE, 1974b, p. 337-341; FAUSTO, op. cit. p. 305-307. 20 MCCANN, 2007, 304-305 e 340. Parte do discurso do Tenente Gwaier está reproduzida mais à frente, no item 1.4. CONCLUSÃO. 21 CARONE, 1974b, p. 339; SODRÉ, 1979, p. 202. 21

Judiciário em relação ao Executivo e maior moralidade política e administrativa no país.22 Ao longo do final do século XIX e no início do XX, a sociedade brasileira tornou-se mais complexa. Os processos de urbanização e industrialização fizeram surgir classe operária nas maiores cidades da época, como, por exemplo, São Paulo e Rio de Janeiro, que tiveram suas populações aumentadas de 239.820 para 1.322.643 e de 691.565 para 1.896.998, respectivamente, entre 1900 e 193923. A grande maioria desses operários era composta por imigrantes europeus com destaque para os italianos. Junto com suas idiossincrasias culturais, os trabalhadores chegavam ao país, trazendo as principais ideologias difundidas em seus contextos de origem. Foi assim que ideias anarquistas e socialistas chegaram às cidades brasileiras, no início do século XX24. A princípio, o anarquismo foi a ideologia hegemônica entre o operariado nacional, no entanto seu anticlericalismo e antimilitarismo contribuíram para reduzir sua penetração na sociedade brasileira. Ademais, em 1917, a rebelião operária generalizada ocorrida na cidade de São Paulo demonstrou que os líderes anarquistas não sabiam o que fazer depois de o governador ter abandonado a capital em suas mãos. A partir desse episódio, o anarquismo no Brasil passou a perder influência para outras ideologias, com destaque para o comunismo25. Em 1922, na cidade de Niterói, foi fundado o Partido Comunista do Brasil. A década de 1920 foi marcada pela ascensão da influência dessa ideologia sobre setores das camadas médias urbanas da sociedade brasileira, como operários, profissionais liberais e intelectuais. Além disso, alguns elementos das Forças Armadas também aderiram ao comunismo, apesar de nunca terem constituído parcela significativa do Exército ou da Marinha. Desse período até a década de 1980, a ideologia comunista teve relevante importância na política brasileira26. Outro setor da sociedade que teve origem nos processos de industrialização e urbanização foram as camadas médias urbanas. Esse conjunto de agentes nunca teve grande coesão em suas ações, pelo fato de ser composto por diferentes grupos cujos interesses eram diversos. Desse modo, filhos de famílias proprietárias decadentes,

22 CARVALHO, 2006, p. 89-95; IGLESIAS, op. cit. p. 225; FAUSTO, op. cit. p. 300, 313-315; LINHARES, op. cit. p. 318-319. 23 LINHARES, op. cit. p. 310. 24 CARONE, 1972, p. 191-193; FAUSTO, op. cit. p. 297-303; GARCIA, op.cit., p. 510-515; LINHARES, op. cit. 320-321. 25 CARONE, 1972, p. 212-216; FAUSTO, op. cit. p. 297-298. 26 CARONE, op. cit. p. 325-326; FAUSTO, op. cit. p. 305-307; LINHARES, op. cit. p. 320. 22 profissionais liberais, pequenos proprietários de fábricas, comerciantes, funcionários públicos e intelectuais compunham o crescente setor médio da sociedade e passaram a reivindicar maior participação na vida política do país. Com relação às consequências da heterogeneidade na composição desse setor social, Sônia Regina de Mendonça expôs, de maneira elucidativa, o modo pelo qual as camadas médias urbanas se portavam nas décadas de 1910 e 1920:

Tal característica27 explicaria, em si mesma, a dubiedade de seu comportamento político e visão de mundo. Dessa feita, se podemos constatar nos representantes dos setores médios críticas efetivas ao regime político – sobretudo ao longo da década de 1920 – também é verdade que seu conteúdo inscrevia-se nos estritos limites do universo liberal de que partilham, pugnando, no máximo, pela purificação de seus princípios, sem que isso equivalesse, necessariamente, nem à plena realização da democracia, nem à possibilidade de alianças com os demais setores subalternos. Como aponta Fausto, o único dos segmentos passível de ser aproximado a setores médios que teve expressão política efetiva no período – os tenentes – desenvolveu um programa elitista, ratificando o caráter legalista do liberalismo brasileiro. (MENDONÇA in LINHARES, 1990, p. 32028)

Os referidos “tenentes” foram outro ator social relevante do período. Sendo constituído por jovens oficiais das Forças Armadas e das Forças Públicas estaduais, o movimento denominado “tenentismo” representou ações de um grupo específico de militares vinculados a uma ideologia em voga, naquele período, no Exército Brasileiro. Por isso, não pode ser considerado como conjunto de ações que representava a política institucional de nenhuma das Forças Armadas29. É necessário registrar que tal posicionamento não encontra apoio em alguns autores que entendem as Forças Armadas como expressão dos anseios e das demandas das camadas médias urbanas da época. Nelson Werneck Sodré e Anita L. Prestes defendem que as ações dos jovens militares refletiam a visão de mundo que as camadas médias tinham a respeito do contexto da década de 1920, conforme exposto por ambos:

Numa fase em que o proletariado brasileiro mal dava os primeiros passos em sua organização, pesava no conjunto das forças renovadoras a burguesia e, entre as suas camadas, a pequena burguesia se destacava como a mais combativa. Pertenceria ao grupo militar, nesta, a função de vanguarda, função que se iniciou nos fins do século XIX e que persistiu até depois da Revolução de 1930, embora com alternativas e desvios, como aquele de que

27 A característica em questão refere-se à heterogeneidade da composição das camadas médias urbanas. 28 MENDONÇA, Sônia Regina. A consolidação da República oligárquica. In LINHARES, Maria Yedda (org). História geral do Brasil. 9ª ed. Rio de Janeiro: Elsevier, 1990, p. 320. 29 CARVALHO, 2005, p. 14; MCCANN, op. cit., p. 326, 336-340. 23

resultou a campanha civilista, dividindo a pequena burguesia. (SODRÉ, 1978, p. 209)

(...) Os ―tenentes‖ eram parte de uma corporação militar com interesses próprios, mas essa instituição não estava afastada da sociedade e dos seus problemas por uma muralha chinesa; ao contrário, os militares não só provinham, em sua maioria, dos setores médios dessa sociedade, como mantinham estreito contato com as populações civis, com a vida nacional. É nesse complexo emaranhado de relações sociais que devem ser compreendidas as suas posições e atitudes, o seu comportamento político. (PRESTES, 1997, p. 73)

De outro modo, por entender que a denominação “instituição total”30, de Erving Goffman (1987), aplica-se às Forças Armadas, consideraram-se essas instituições como autônomas em relação às camadas médias urbanas:

A sociologia tem mostrado exaustivamente, no entanto, que organizações possuem características e vida próprias que não podem ser reduzidas a meros reflexos de influências externas. Isto vale particularmente para as organizações militares que, além de serem de grande complexidade, se enquadram no que Erving Goffman chama de instituições totais. Essas instituições, pelo fato de envolverem todas as dimensões da vida se seus membros, constroem identidades mais fortes. (CARVALHO, 2005, p. 13)

É muito comum ouvir-se a afirmação de que os ―tenentes‖ foram os representantes da classe média urbana. Ela é explicável pela aparente analogia entre setores intermediários da sociedade e do Exército e pelo inegável prestígio do ―tenentismo‖ na população urbana até o fim da década de 20. Entretanto, considerar o ―tenentismo‖ um movimento representativo de classe seria uma simplificação de sua natureza. (...) Acima de tudo, devemos lembrar que os ―tenentes‖ eram tenentes, ou seja, integrantes do Exército. Sua visão de mundo formou-se sobretudo por sua socialização no interior das Forças Armadas. Essa visão era específica deles, assim como as queixas contra a instituição de que faziam parte. (FAUSTO, 2008, p. 314- 315)

Adotou-se o entendimento de José Murilo de Carvalho31, que mostra a existência, no Exército Brasileiro, naquele momento, de três grupos com diferentes ideologias. Assim sendo, ainda que tivessem aspirações políticas coincidentes com as dos setores médios, a atuação dos militares rebeldes, durante a década de 1920, representou ideário de um segmento específico das Forças Armadas, tal como será visto no item 1.332. Outro fato relevante na composição sociopolítica da década de 1920 foi o crescente poder que oligarquias dissidentes começaram a obter. Segundo Boris Fausto,

30 Para mais detalhes a respeito das características das “instituições totais”, cf. GOFFMAN, 1987, p. 15- 108. 31 CARVALHO, 2005, p. 38-43. 32 DRUMMOND, 1999, p. 15. 24 nesses dez anos, a evolução política de São Paulo e do Rio Grande do Sul teve sentidos opostos. Enquanto, no sul, o Pacto de Pedras Altas marcou o princípio da aproximação entre setores da elite gaúcha, depois de anos de disputas entre chimangos e maragatos, em São Paulo, as lideranças políticas cindiram-se. Em 1926, o Partido Democrático foi criado, sendo composto por dissidentes do Partido Republicano Paulista. Em Minas Gerais, o poderoso Partido Republicano Mineiro também apresentou dissidências ao longo da década de 1920, culminando na cisão com relação às eleições de 1930.33 Em um contexto político caracterizado pela divisão das tradicionais oligarquias de São Paulo e de Minas Gerais, pela união e pelo fortalecimento das elites de estados, como Rio Grande do Sul e Pernambuco, e pelo surgimento de novos atores, grandes transformações não tardaram a acontecer. Os levantes civis e militares desse período foram o prenúncio da Revolução de 1930. A agitação desse período não ficou restrita à política. Grandes mudanças também ocorreram na cultura e na economia. A década de 1920 é considerada como marco na evolução artística nacional. Uma onda de renovação cultural deu ensejo ao movimento modernista no Brasil, tendo como ponto de inflexão a Semana de Arte Moderna, realizada em São Paulo, entre os dias 13 e 17 de fevereiro de 1922. Antonio Candido definiu, de modo claro, o que esse movimento significou para a intelectualidade brasileira:

(...) O nosso Modernismo importa essencialmente, em sua fase heróica, na libertação de uma série de recalques históricos, sociais, étnicos, que são trazidos triunfalmente à tona da consciência literária. Este sentimento de triunfo, que assinala o fim da posição de inferioridade no diálogo secular com Portugal e já nem o leva mais em conta define a originalidade própria do Modernismo na dialética do geral com o particular. (...) Parece que o Modernismo (tomado o conceito no sentido amplo de movimento das idéias, e não apenas das letras) corresponde à tendência mais autentica da arte e do pensamento brasileiro. Nele, e sobretudo na culminância em que todos os seus frutos amadureceram (1930-40), fundiram-se a libertação do academicismo, dos recalques históricos, do oficialismo literário; as tendências de educação política e reforma social; o ardor de conhecer o país. A sua expansão coincidiu com a radicalização posterior à crise de 1929, que marcou em todo o mundo civilizado uma fase nova de inquietação social e ideológica. (...) A alegria turbulenta e iconoclástica dos modernistas preparou, no Brasil, os caminhos para a arte interessada e a investigação histórico-sociológica do decênio de 30. (...) (CANDIDO, 2000, p. 110, 114-115)

33 CARONE, 1974a, p. 56-58; FAUSTO, op.cit., p. 316-321. 25

Nesse contexto de efervescência cultural, surgiram diferentes vertentes do Modernismo. Como exemplos de movimentos nacionalistas expressos por meio da estética, pode-se citar o Verdeamarelismo, o Movimento da Anta. Na esfera política, o Integralismo foi exemplo de nacionalismo. Os elementos recalcados de nossa sociedade ganharam destaque em movimentos, como Pau Brasil e Antropofagia, que valorizaram o negro, o mestiço e a malandragem do povo brasileiro. Importante papel também foi desempenhado pelos romancistas que se concentraram em elaborar obras de denúncia social, destacando-se José Lins do Rego, Jorge Amado, Graciliano Ramos, entre outros.34 Muitos expoentes dessas correntes ideológicas obtiveram destaque na vida política e cultural do país, nas décadas seguintes, demonstrando como o contexto dos anos 20 foi importante para a concepção de nova maneira de percepção do Brasil e de seu povo. No campo econômico, o período em análise teve relevância no que se refere às atividades comerciais e bancárias. Depois da Primeira Guerra Mundial, a Grã Bretanha começou a apresentar declínio relativo em sua predominância financeira e comercial no mercado brasileiro. Os espaços deixados pelos britânicos foram, aos poucos, ocupados pelos norte-americanos. Durante toda década de 1920, empresas e bancos dos EUA ganharam importância no mercado brasileiro e, na década seguinte, consolidaram-se como os principais agentes econômicos estrangeiros do país.35 O movimento de transferência do centro hegemônico do sistema capitalista de Londres para Washington, já evidenciado pelo Barão do Rio Branco durante sua chancelaria – 1902-1912 – ganhou contornos claros nos dez anos limitados pelos governos de Epitácio Pessoa, Artur Bernardes e Washington Luis. O número de empresas britânicas que deixaram de ser concessionárias de serviços públicos no Brasil ou foram vendidas a outros atores econômicos presentes em nosso mercado foi tão significativo quanto a crescente entrada de capitais norte-americanos.36 Em termos macroeconômicos, até 1914, o Brasil adotou o Padrão-Ouro como meio de estabilizar a taxa de câmbio. Logo após o início da Primeira Guerra Mundial, a Caixa de Conversão, responsável por garantir o funcionamento do sistema, foi fechada, refletindo, na prática, o abandono da paridade Mil-Réis-Ouro. Como a maior parte das receitas do governo dependia de impostos sobre importações, a redução no volume do

34 JANOTTI, 1999, p. 88-89. 35 GARCIA, op. cit., p. 132-145 e 275-345. 36 GARCIA, op. cit., p. 149-152 e 333-334. 26 comércio internacional entre 1914 e 1918 teve impacto direto sobre as receitas do Estado. A assinatura do 2° funding loan foi decorrente dessa situação.37 Com a Primeira Guerra Mundial, o processo de industrialização foi acelerado. Na impossibilidade de adquirir bens manufaturados do resto do mundo, a indústria nacional passou a suprir parcela da demanda doméstica. Como não se registraram entradas significativas de bens de capital no período, pode-se concluir que a expansão da atividade industrial do país foi realizada sobre capacidade ociosa previamente instalada.38 À época, o café era o principal produto brasileiro, e a receita da esfera federal era baseada em taxas sobre a importação de produtos. A esfera estadual era responsável pela arrecadação de impostos sobre as exportações. Assim sendo, tanto a receita do setor privado quanto a do setor público dependiam da venda do café no mercado mundial. Os produtores tinham suas receitas atreladas diretamente às suas exportações, e o Estado dependia do café por via indireta. Caso os cafeicultores brasileiros não tivessem capacidade financeira para importar, o governo, por consequência, deixaria de arrecadar. Deste modo, interessava a ambos os agentes econômicos uma política de valorização do café, tal como iniciada pelo Convênio de Taubaté, em 1906 e repetida em 1917. As oscilações do comércio mundial deixavam tanto o governo quanto os cafeicultores em situação vulnerável, e a criação de uma política de valorização do café que tivesse caráter permanente passou a ser considerada pelas autoridades federais e pelas oligarquias estaduais. Durante algum tempo, a questão sobre quem deveria arcar com os custos de manutenção de tal política foi discutida, recaindo essa responsabilidade sobre o Governo Federal, que, pouco depois, repassou-a ao estado de São Paulo.39 Apesar de dificuldades financeiras enfrentadas pelo governo de Epitácio Pessoa, o mandato de Artur Bernardes começou em contexto de recuperação econômica. Segundo Winston Fritsch, esse quadro favorável foi criado pelos efeitos anticíclicos que a política de valorização do café gerava e não pela adoção consciente de medidas estabilizadoras pelo Governo.40

37 FRITSCH, 1992, p. 41-42. 38 FRITSCH, op. cit., p. 43-44; FURTADO, 2000, p. 210-211. 39 FRITSCH, op. cit., p. 55. 40 FRITSCH, op. cit., p. 50. 27

Em outro sentido, ainda que houvesse um quadro de recuperação econômica, Artur Bernardes teve dificuldades a enfrentar no início de seu mandato:

O governo Bernardes herdava, entretanto, um balanço de pagamentos extremamente vulnerável e crônica crise fiscal que atingira gravemente a capacidade de financiamento do Banco do Brasil e que condicionaria a definição de seu programa de política econômica. O ponto básico do programa de Bernardes seria a realização de uma reforma monetária que transformasse o Banco do Brasil em banco central, retirando do Tesouro os poderes de emissão de moeda. A estabilização das receitas de exportação com vistas ao fortalecimento da posição externa (...) seria cumprida pela institucionalização de novo e ousado programa, dito ―permanente‖, de defesa dos preços do café. (FRITSCH, 1992, p. 51.)

A política econômica conduzida por Artur Bernardes pode ser considerada como ortodoxa em função das medidas monetárias e fiscais tomadas. No final de 1924, tal característica ficou evidente, após o governo federal passar para o estado de São Paulo a responsabilidade pelo programa de valorização do café. Como resultado final, apesar de terem tido alto custo social por levar a perdas no nível de emprego e no índice do produto41, as medidas tomadas pela equipe econômica de Bernardes alcançaram seus principais objetivos: a taxa de câmbio apreciou-se, e a inflação diminuiu.42 O governo de Washington Luis foi caracterizado pela continuação da ortodoxia na esfera econômica, embora tenha alterado algumas diretrizes fiscais e monetárias estabelecidas entre 1922 e 1926. O ponto culminante da austeridade ortodoxa apresentada pela equipe de Washington Luis foi o retorno ao Padrão-Ouro, por meio da criação da Caixa de Estabilização43. A insistência do governo federal em não abrir mão do sistema de paridade fixa entre o Ouro e o Mil-Réis foi um dos fatores que contribuiu para agravar os efeitos da crise de 1929 sobre a economia brasileira, tendo sido abandonado somente após a instauração do governo provisório, em 1930.44 Diante de contexto caracterizado pelo surgimento de novos atores políticos, sociais e econômicos, a manutenção da ordem então vigente passou a ser problemática. Contestações nas esferas política e cultural foram constantes ao longo da década de 1920. No campo econômico, as medidas ortodoxas adotadas pelo governo federal contribuíram para desacelerar as atividades produtivas internas, gerando impacto direto sobre a vida dos trabalhadores urbanos. Somou-se a esse quadro doméstico a

41 MCCANN, op.cit., p. 312. 42 FRITSCH, op. cit., p. 55-56. 43 As funções cambiais da Caixa de Estabilização eram praticamente as mesmas da extinta Caixa de Conversão, que vigorou até início da Primeira Guerra Mundial. 44 FRITSCH, op. cit., p. 60-62. 28 insatisfação de parcela significativa de militares, que passaram a reivindicar melhores condições de trabalho e a criticar abertamente a política nacional dominada pelas tradicionais oligarquias. Assim sendo, percebe-se que o contexto da época foi marcado por uma série de agitações civis e militares que fizeram o Executivo federal promover medidas duras e intransigentes, a fim de manter a ordem. Para fazer frente a tais insurgências, Artur Bernardes utilizou-se de prerrogativas autoritárias e de políticas centralizadoras, como a decretação do estado de sítio durante grande parte de seu governo, dando margem a medidas extremadas.45 De outro modo, o fato de esse presidente ter realizado uma série de reformas na Constituição demonstrou que, apesar de possuir viés autoritário, o governo não era refratário às pressões advindas dos novos atores sociais e, de alguma maneira, respondia aos questionamentos que surgiram, mesmo porque os interesses de quem comandava a política e dos novos atores não eram totalmente estanques quanto possa parecer. No contexto socioeconômico, o processo de industrialização foi bom exemplo de processo no qual interesses diversos se interpenetravam. Ao longo do primeiro conflito mundial, houve aumento na produção industrial sem que houvesse incremento na importação de bens de capital. Conclui-se, desse modo, que o crescimento da produção nacional foi baseado em capacidade industrial previamente instalada e que se encontrava ociosa antes da guerra, tal como já exposto. A existência de capacidade industrial ociosa, em 1915, revela que houve investimentos nesse setor da economia ao longo das últimas décadas do século XIX e nos primeiros decênios do século XX. Isso ocorreu, porque grandes fazendeiros utilizaram parcela dos ganhos provenientes das exportações de café para investirem em atividades industriais, minimizando riscos sobre seu capital produtivo. Assim, quando a cafeicultura entrava em crise, as atividades industriais aumentavam e, quando os lucros advindos do café eram elevados, parcela desse capital era investida na compra de maquinarias.46

45 A criação da famosa colônia penal de Clevelândia, na região onde hoje é o estado do Amapá, demonstrou a tendência autoritária do presidente à época. Essa colônia penal foi instalada em região distante da capital federal e tinha características insalubres. Grande parte dos presos enviados para o local morreu em decorrência de problemas de saúde ocasionados pelas condições de Clevelândia. Ademais, o fato de tratar suspeitos e detidos políticos como condenados da justiça também evidenciou a arbitrariedade reinante à época. Para maiores detalhes Cf. MEIRELLES, 1997, p. 444-447; 629-632. 46 FURTADO, op. cit. p. 210-211. 29

Em diversos casos, o mesmo indivíduo produtor de café no interior do país possuía fábricas em cidades, como São Paulo e Rio de Janeiro. Por essa razão, a ideia de luta de classe entre o setor rural e o setor urbano industrial não faz sentido para o Brasil47. Como Celso Furtado demonstrou em Formação Econômica do Brasil, grande parte do capital formador da indústria nacional derivou do complexo agrário- exportador. À época, as tarifas externas estipuladas pelo governo federal beneficiaram tanto os exportadores de café quanto os industriais. As medidas governamentais que deram ensejo à “socialização das perdas” beneficiaram o setor agrário-exportador e o setor industrial, ao garantir aos cafeicultores menores prejuízos e ao elevar os custos dos bens importados.48 A Revolução de 1930 é outro exemplo que corrobora a complexidade do jogo de interesses da década de 1920. Enquanto as tradicionais oligarquias de São Paulo e Minas Gerais se mantiveram unidas, os novos atores da esfera política permaneceram alijados do processo decisório nacional. A sucessão de Washington Luis permitiu o surgimento de cisão entre Minas e São Paulo, abrindo espaço para nova composição de forças. Assim, oligarquias dissidentes, camadas médias urbanas e militares descontentes uniram-se para levar adiante o movimento liderado por Getúlio Vargas e Osvaldo Aranha. Destaca-se que, em primeiro momento, os industriais foram contra a Revolução de 1930:

Os grandes industriais contavam com a proteção do PRP, no qual estavam representados. Não tinham também razões para simpatizar com a oposição, pois eram um dos alvos de suas críticas. Por isso, não é de se estranhar que as associações industriais tenham apoiado abertamente a candidatura de Julio Prestes. (...) É bem verdade que, logo após a vitória dos revolucionários, os industriais do Rio de Janeiro trataram de se aproximar do governo, mas isso não quer dizer que Getúlio Vargas fosse o representante do empresariado. Apenas mostra que, antes ou depois de 1930, a aproximação com o Estado era fator decisivo para o fortalecimento da burguesia industrial. Esses fatos são suficientes para mostrar que é simplista a tese segundo a qual a Revolução de 1930 significou a tomada direta do poder por esta ou aquela classe social. Os vitoriosos de 1930 compunham um quadro heterogêneo, tanto do ponto de vista social como político. (FAUSTO, 2008, p. 326)

Após delinear as principais características culturais e econômicas da época e de ter demonstrado a complexidade da composição político-social do Brasil na década de

47 LINHARES, op. cit. p. 319-320. 48 FURTADO, op. cit. p. 203-220. 30

1920, passa-se à análise da política externa do período, com destaque para o mandato de Artur Bernardes.

1.2. A POLÍTICA EXTERNA BRASILEIRA NA DÉCADA DE 1920

Até por volta de 1990, a década de 1920 não havia recebido tanta atenção pelos estudiosos da política externa brasileira, diferentemente da produção historiográfica a respeito das agitações políticas, culturais e econômicas do período. A grande carência de trabalhos acadêmicos sobre a atuação externa brasileira nesse contexto só agora começa a ser sanada, por meio de autores, como Eugênio Vargas Garcia, Norma Breda dos Santos e Amado Luiz Cervo. Segundo Eugênio Vargas Garcia, a década de 1920 foi caracterizada por três eixos de ação da política externa brasileira: os Estados Unidos, a Europa e a América do Sul. A análise da ação externa, nesse período, deve levar em conta:

(...) um contexto interno de crise política e institucional, prevalência do modelo agroexportador, dificuldades econômicas, dependência do capital estrangeiro e limitada capacidade estratégico-militar. Convém assinalar que a formulação e a execução da política externa estavam dominadas por pequeno círculo de elite, basicamente atores ligados ao Ministério das Relações Exteriores e a setores do governo federal. (GARCIA, 2006, p. 25)

Relevante também para compreender a ação externa brasileira do período é perceber como o processo decisório de política externa à época era centrado no Presidente da República e em grupos de interesses políticos e econômicos, tal como ocorria em outros setores da política, durante a República Velha.49

Claro está que, embora os cafeicultores paulistas não ―controlassem‖ o Estado, o peso relativo do setor cafeeiro tinha de ser levado em conta pelo governo federal, independente da origem estadual do Presidente da República. (...) a conduta internacional do país não deixava de espelhar certa relação de compromisso com os setores que dominavam parcela expressiva da riqueza nacional. (GARCIA, 2006, p. 27)

Eugênio Vargas Garcia afirma que, nesse contexto, é possível contestar a capacidade de a política externa encetada refletir aspirações nacionais, uma vez que lhe faltava legitimidade e poucos eram os atores que conseguiam influenciar seu processo de formulação. As agitações sociais e políticas ocorridas ao longo da década de 1920

49 CARONE, op. cit. p. 267-271; GARCIA, op. cit. p. 25-26. 31 demonstraram como o sistema político encontrava-se fechado à participação dos novos atores sociais que ganhavam força.50 Além desses fatores, para melhor compreender a atuação externa do país durante essa década, é necessário entender os impactos sobre a projeção mundial do Brasil decorrentes da participação nacional na I Guerra Mundial. O modo como os formuladores da política externa do período interpretaram essa nova projeção do país também é importante para analisar como as diretrizes da atuação externa brasileira foram estabelecidas. O Brasil foi o único país da América do Sul a participar do conflito mundial de 1914-1918. As razões para engajar-se em atividades bélicas no Atlântico e na Europa foram várias, entre as quais se destacaram a ideologia pan-americanista, em ascensão no país, desde a Proclamação da República; os ganhos econômicos e de cooperação que o esforço de guerra acarretaria; a possibilidade de apreender dezenas de navios alemães ancorados nos portos nacionais; o prestígio internacional; a possibilidade de participar das negociações de paz em Versalhes e, assim, influenciar o novo ordenamento mundial que surgiria desse evento.51 O Brasil participou da I Guerra Mundial, enviando 13 oficiais aviadores que se integraram à RAF; uma missão composta de 100 médicos-cirurgiões à França; um corpo de estudantes e soldados do Exército para fazer a guarda do Hospital do Brasil. Formou-se, ainda, a Divisão Naval de Operações de Guerra – DNOG – composta pelos cruzadores Bahia e Rio Grande do Sul e pelos contratorpedeiros Piauí, Rio Grande do Norte, Paraíba e , sob comando do contra-almirante Pedro Max Fernando de Frontin.52 Antes de entrar em combate, a DNOG foi acometida por surto de gripe espanhola, sendo esse fator responsável pelo atraso na incorporação das forças navais brasileiras ao efetivo aliado. A DNOG entrou no Mediterrâneo um dia antes da assinatura do armistício e não chegou a travar nenhum combate contra forças inimigas53. Como exposto, o contexto em análise foi caracterizado por uma transição hegemônica da Inglaterra para os EUA em termos comerciais e financeiros. Frente a esse fato, a chancelaria brasileira não foi refratária a tais mudanças estruturais do

50 GARCIA, op. cit. p. 25-26; PRESTES, 1997, p. 61-63. 51 CERVO, op. cit. p. 211-217; GARCIA, op. cit. p. 44-45. 52 CERVO, op. cit. p. 209-210; Relatório do MRE, 1917-1918, p. 109-116. 53 GARCIA, op. cit. p. 210-211; MCCANN, op. cit. p. 279. 32 sistema internacional. A busca por melhor posicionamento nas novas ordens econômica e política que, então, surgiam foi encetada com vigor pelos chanceleres que estiveram à frente do MRE, ao longo da década de 1920, tendo início na Conferência de Paz de Versalhes. Havia o sentimento de que era chegada a hora de o Brasil alçar uma projeção internacional que não fosse meramente regional, mas, sim, universal. Segundo o pensamento dominante à época, a participação brasileira na “Grande Guerra” – posteriormente denominada “I Guerra Mundial” – e na consequente conferência de paz de 1919 seria sinal de que uma inserção universal para o país era possível e tinha bases concretas. Com a decisão de criar uma organização internacional cujos objetivos eram regular as desavenças entre os países e garantir a paz mundial, o assento permanente no conselho desse órgão seria somente o reconhecimento do restante do mundo de novo patamar alcançado pelo Brasil no sistema internacional. O fato de que a projeção brasileira se elevava com os anos era indiscutível. O que se mostrou inadequado para alguns pesquisadores atuais e, à época, para atores internacionais foi o grau de relevância que os formuladores da política externa daquele momento, principalmente Félix Pacheco, creditavam ao Brasil. Além disso, a atuação externa brasileira sofreu oscilações decorrentes do humor de alguns presidentes, já que opções políticas ou preferências diplomáticas eram elaboradas de acordo com necessidades de cada momento.54 Lutando por um assento permanente no Conselho da Liga das Nações, o Brasil pareceu demonstrar não ter calculado bem seu peso na esfera internacional, no período Entre – Guerras e acabou por gerar crise de certa relevância no âmbito da Liga, ao vetar a entrada da Alemanha na organização e, depois, anunciar sua retirada do Conselho e da própria Liga.55 Mesmo tendo sido aconselhado por seu representante em Genebra, Afrânio de Mello Franco, a recuar em sua empreitada, o presidente Bernardes levou até as últimas consequências seu pleito, abrindo margens para a construção de uma imagem negativa do país no concerto europeu de nações.56 Amado Luiz Cervo não discorda de José Carlos de Macedo Soares, ao apresentar a tese deste último de que a atribulada gestão de Félix Pacheco era uma maneira de tentar neutralizar as repercussões das revoltas internas tanto na esfera internacional

54 BREDA DOS SANTOS, 2003, p. 89-88; CERVO, op. cit., 226-228; GARCIA, op. cit., p. 25-26. 55 CERVO, op. cit., p. 224-227; GARCIA, op.cit., p. 412-414; SILVA, 1998, p. 149-150. 56 CERVO, op. cit. p. 227; GARCIA, op. cit. p. 392-402. 33 quanto no âmbito doméstico.57 Eugênio Vargas Garcia demonstrou também como o corpo burocrático do Ministério das Relações Exteriores – MRE – foi utilizado para tentar neutralizar os efeitos e as repercussões danosos que os movimentos domésticos de contestação tiveram no exterior.58 Exemplo dessa constatação pode ser encontrado, ao analisar a marcha da Coluna Prestes. Esse movimento causou repercussão principalmente na América do Sul. As missões diplomáticas do Brasil em Assunção, Buenos Aires, Montevidéu e La Paz mandavam ao Rio de Janeiro informes e outras correspondências diplomáticas com frequência, dando ciência ao governo federal de todos os passos dos jovens oficiais59. A busca por víveres, suprimentos e armamentos nos países vizinhos era fundamental para a continuidade da marcha dos rebeldes, e o Executivo bem o sabia. Dessa maneira, a política externa platina do Brasil, durante o mandato de Bernardes, empreendeu significativo esforço junto às nações vizinhas, para neutralizar o empreendimento logístico da Coluna e amenizar as más repercussões advindas do combate contra ela.60 Subjacente ao uso da política externa como forma de desviar atenção do conturbado contexto social interno e de combater e neutralizar as ações de movimentos rebeldes, como a Coluna Prestes, existiram outros interesses e objetivos que produziram efeitos na formulação e na implementação da política externa do período. Esses aspectos devem ser levados em consideração para melhor compreender a lógica da gestão de Félix Pacheco e permitir situar, de maneira adequada, o esforço empreendido contra a Coluna nesse conjunto. Ainda que fosse suscetível a alterações causadas pelo Executivo, a diplomacia das oligarquias apresentou algumas diretrizes que não se modificaram ao longo da República Velha. A transferência da ideologia do patronato político do âmbito interno para o externo é exemplo disso. A falta de distinção entre público e privado foi outro ponto que também perpassou a produção da política externa do período, estando presente nas relações com os Estados Unidos à época – os pedidos brasileiros de apoio

57 CERVO, op. cit. p. 226-227. 58 CURVO, 2005, p. 89-93; GARCIA, op. cit. 491-492 e 601; AHI 202/02/01, AHI 208/02/03; AHI 208/02/04; AHI 208/02/05; AHI 208/02/06; AHI 208/03/01, AHI 208/03/02, AHI, Lata 46, maço 378. 59 GARCIA, op. cit. 548; AHI 202/02/01, AHI 208/02/03; AHI 208/02/04; AHI 208/02/05; AHI 208/02/06; AHI 208/03/01, AHI 208/03/02, AHI, Lata 46, maço 378. 60 GARCIA, op. cit. p. 541-552; AHI 202/02/01, AHI 208/02/03; AHI 208/02/04; AHI 208/02/05; AHI 208/02/06; AHI 208/03/01, AHI 208/03/02, AHI, Lata 46, maço 378. 34 norte-americano durante a Conferência de Paz em Versalhes foram baseados na crença de amizade entre os dois países.61

Levadas à sua dimensão internacional, essas relações de compadrio e camaradagem eram dominadas pelo primado da cortesia, a cordialidade protocolar, a retórica floreada, a forma sobre o conteúdo, o discurso como norma e fundamento para a ação. Era grande a importância ligada às considerações de status e prestígio para a obtenção de reconhecimento internacional (...). (GARCIA, 2006, op. cit. p. 580)

Buscando reconhecimento internacional, a atuação externa do Brasil deixava transparecer sentimentos de inferioridade em relação às grandes potências europeias e buscava autoafirmação perante elas. A política externa nacional lutava contra a hierarquia no âmbito internacional, por meio da defesa do princípio da igualdade jurídica entre os Estados, mas esforçava-se para diferenciar o país das demais nações da América do Sul.62 A ideologia pan-americana destacou-se como diretriz que perpassou a política externa brasileira durante a década de 1920, tendo forte presença na visão de mundo dos formuladores de nossa diplomacia. Tal conjunto de valores forneceu unidade lógica para os discursos diplomáticos dos diferentes chanceleres, além de gerar uma visão de mundo a respeito do contexto internacional para as elites dirigentes. Para Eugênio Vargas Garcia:

A crença na natureza distinta e (superior) da América em relação à Europa e ao resto do mundo era de certo modo instrumental como dispositivo retórico para a política externa brasileira, pois: a) colocava a aproximação com os Estados Unidos em plano mais elevado que o mero alinhamento; b) embasava a cordialidade com os países vizinhos e o apaziguamento com a rival Argentina; e c) servia para elevar as credenciais do Brasil na Europa ou, alternativamente, para negar o Velho Mundo quando a oportunidade para tanto se apresentasse. (GARCIA, 2006, p. 579)

Assim sendo, a vontade de obter reconhecimento para a projeção universal brasileira era impregnada de princípios do patronato político e da confusão entre público e privado, ambos vigentes em nossa esfera doméstica. A esses fatores somaram-se valores pan-americanos impregnados às concepções das elites brasileiras, fazendo que o

61 FAORO, 2001, p. 830-833; GARCIA, op. cit. p. 579-580 e 583-586. 62 BREDA DOS SANTOS, op. cit. p. 105; GARCIA, op. cit. p. 580. 35 grupo controlador da formulação da política exterior tivesse visão de mundo deturpada e errônea no que tange ao peso do Brasil no sistema internacional.63 As principais áreas de atuação da diplomacia brasileira no período em análise foram os Estados Unidos, a América do Sul e a Europa, sendo as relações com os dois primeiros polos bastante influenciadas pela ideologia pan-americana. Com os Estados Unidos, a crença de “relação especial” começou com o advento da República, em 1889, ganhou força com a chancelaria do Barão do Rio Branco e persistiu por mais alguns decênios, na concepção diplomática brasileira. Na década de 1920, o pan-americanismo ainda era forte, mas a visão que os formuladores de nossa política externa tinham a respeito das relações com os Estados Unidos era dissonantes da vigente na diplomacia norte-americana. Embora primasse pela neutralidade e pela manutenção de equilíbrio entre Brasil e Argentina, na América do Sul,64 os Estados Unidos trataram o Brasil como afilhado político em ocasiões, como a Conferência de Paz de 1919. “Na cultura política oligárquica, a „amizade‟ pressupunha compromissos e obrigações mútuas entre os membros da comunidade. A amizade entre iguais significava aliança, a amizade entre desiguais proteção em troca de lealdade.”65 Enquanto o Brasil compreendia sua relação com os EUA como sendo entre iguais, os norte-americanos, quando cobravam o preço por sua proteção, não recebiam o que esperavam, e esse quadro gerava dissonâncias nas relações entre os dois países, fazendo que ambos tivessem dificuldades para compreender as ações externas um do outro. As expectativas norte-americanas de lealdade brasileira não se confirmaram, porque, durante a década de 1920, a política externa brasileira não se caracterizou por atitude de “alinhamento automático” com os EUA. A recusa do Brasil em assinar o Pacto Briand- Kellog – ou Tratado de Paris – e a decisão de não se retirar da Liga das Nações, em primeiro momento, demonstraram tal assertiva.66 No âmbito da América do Sul, a diplomacia brasileira não se pautou por preocupações econômicas, uma vez que, nos anos de 1920, o comércio exterior do país era feito majoritariamente com os EUA e com a Europa. As principais preocupações do Brasil com relação à sua vizinhança passavam por questões estratégicas e políticas.

63 BREDA DOS SANTOS, op. cit. p. 103-104; GARCIA, op. cit. p. 578-581; SILVA, op. cit. p. 150. 64 GARCIA, op. cit. p. 224-225. O objetivo norte-americano de manter equilíbrio entre Brasil e Argentina, na América do Sul, continuou a orientar o Departamento de Estado dos EUA pelo menos até o fim da década de 1940, conforme os estudos de Gerson Moura atestam. MOURA, 1991, p.34-38. 65 GARCIA, op. cit. p. 585. 66 CUNHA, 2008, p. 30-32; GARCIA, op. cit. p. 585-587. 36

Nesse período, a rivalidade com a Argentina foi acentuada em função do desejo brasileiro de reequipar suas Forças Armadas.67 Desde o final da I Guerra Mundial, o Brasil percebeu a obsolescência de suas Forças Armadas e a necessidade de modernizar o treinamento dispensado a elas. Levando esse fato em consideração, a diplomacia brasileira passou a buscar, no exterior, meios para reaparelhar suas tropas e dar-lhes adestramento adequado. A Missão Militar francesa e a Missão Naval norte-americana, chefiadas respectivamente por Gamelin e Vogelgesang, foram tentativas empreendidas pelo governo brasileiro para sanar as deficiências de defesa que o país enfrentava.68 Os efeitos dos esforços brasileiros para modernizar suas Forças Armadas foram danosos à imagem externa do país. Após a I Guerra Mundial, tópicos sobre desarmamento e limitação da capacidade bélica dos países dominavam a agenda internacional. Desse modo, a diplomacia nacional trabalhou no sentido oposto ao do restante do mundo e suscitou desconfianças em sua vizinhança. Desde a chancelaria de Rio Branco, a rivalidade com a Argentina já se havia intensificado. O temor de uma “relação especial” entre Brasil e Estados Unidos e o desejo do primeiro em reequipar-se militarmente despertaram temores nos argentinos. Próximo da realização da Conferência Pan-Americana de 1923, o Brasil propôs uma Conferência Preliminar em Valparaíso, entre Argentina, Brasil e Chile, para debater questões relativas a armamentos e equilíbrio naval entre os três países e, com isso, tentar apaziguar os ânimos de Buenos Aires. Com o fracasso da proposta brasileira, o país ganhou imagem armamentista em sua vizinhança e viu-se isolado politicamente.69 Diferentemente do entorno sul-americano, a política externa brasileira tinha como principais preocupações na Europa questões comerciais e financeiras. O envolvimento do Brasil em assuntos políticos no Velho Continente não possuía outros objetivos além da busca por prestígio internacional.70 Como visto, ao não conseguir o lugar permanente no Conselho da Liga das Nações, a diplomacia brasileira saiu da Europa com imagem arranhada e afastou-se de questões políticas do Velho Continente até a eclosão da II Guerra Mundial.

67 GARCIA, op. cit. p. 587-588. 68 GARCIA, op. cit. p. 196-202; 209-216; 587-588. 69 GARCIA, op. cit. p. 218-221; 587-588; PARADISO, op. cit. p. 109-110. 70 BREDA DOS SANTOS, op. cit. p. 88-89; GARCIA, op. cit. p. 589. 37

Estrategicamente mal-concebida, a diplomacia ―entre-amigos‖ das oligarquias gerou um descompasso entre as expectativas brasileiras e a realidade da política mundial, pautada por outras regras. A percepção incorreta do funcionamento do meio internacional levou a políticas deslocadas e, às vezes, inatingíveis. (GARCIA, 2006, p. 581.)

No que se refere ao quadriênio compreendido entre 1922 e 1926, o legado de Artur Bernardes para a política externa foi um dos piores entre os presidentes da República Velha. Após Bernardes, o país encontrava-se isolado politicamente na América do Sul, em decorrência das questões armamentistas, e malvisto na Europa, tanto por ocasião do veto à entrada da Alemanha na Liga das Nações quanto pela posterior retirada brasileira da organização, em razão do não atendimento de seu pleito a um assento permanente no Conselho. Além disso, o país via-se ignorado pela política externa dos Estados Unidos, o que aumentava a percepção de isolamento brasileiro no cenário internacional.71 Como visto, na área econômica, o decênio de 1920 foi caracterizado pela competição entre o capital inglês e o norte-americano. Dotado de inserção liberal na economia mundial, o Brasil presenciou a tradicional preponderância inglesa ceder espaço aos investimentos dos Estados Unidos, tendo, inclusive, contribuído para isso. O objetivo brasileiro, ao atuar desse modo, foi reduzir sua dependência em relação à Grã- Bretanha. Tendo outro ator econômico relevante para poder barganhar, o país pôde auferir benefícios que, dificilmente, obteria caso permanecesse na mesma situação da Argentina, qual seja, a de dependência financeira e comercial em relação aos britânicos.72 Vale lembrar que, na década de 1920, a disputa entre Grã-Bretanha e Estados Unidos ocorreu somente no âmbito econômico, tendo a preponderância política dos britânicos sobre o Brasil cedido lugar aos EUA ainda no século XIX. Por sua vez, os interesses comerciais e financeiros da Grã-Bretanha sobre o mercado brasileiro encontravam-se bem consolidados até a I Guerra Mundial, e, somente após 1918, começa a haver dificuldades em manter o status quo em face da competição norte- americana e dos problemas domésticos que a economia britânica enfrentou após o conflito mundial.73 Sendo o Brasil país exportador de bens-primários, seria natural que as oligarquias dominantes à época utilizassem a diplomacia para expandir os mercados de

71 GARCIA, op. cit. p. 597-599. 72 GARCIA, op. cit. p. 590-596; GILPIN, 2002, p. 149-152; PARADISO, 2005, p. 97. 73 BUENO, 2003, p. 29-37; GARCIA, op. cit. p. 592-593. 38 seus produtos. Isso foi feito, sem, porém, constituir vetor principal da política externa produzida. A década de 1920 foi caracterizada por maior envolvimento de nossa chancelaria na Liga das Nações, na resistência às propostas de limitação de armamentos e no combate aos rebeldes do que na promoção das exportações nacionais.74 Será justamente na “diplomacia anti-revolução” das oligarquias que o esforço de combate à Coluna Prestes é enquadrado. Nesse sentido, o padrão de atuação externa utilizado pelas oligarquias da época:

(...)representou, por fim, esforço derradeiro para a manutenção de determinadas estruturas político-sociais vigentes no Brasil. O despertar do nacionalismo brasileiro, o comunismo, o tenentismo, as vanguardas modernistas e as novas idéias que iam surgindo no pós-guerra colocavam em xeque o modo de vida e as aspirações da elite agroexportadora, a um só tempo aristocrática, liberal e cosmopolita. A política externa, ao invés de se reduzir ao ornamentalismo, serviu então como instrumento repressivo nas mãos da elite dirigente do Brasil oligárquico. (GARCIA, 2006, p. 600)

Será como instrumento repressivo, manipulado por grupos da elite nacional que a política externa do período afetará a Coluna Prestes. Voltando a atenção para o contexto doméstico e compreendendo os movimentos ideológicos que perpassavam o arcabouço organizacional das Forças Armadas, pode-se entender como a atuação dessa instituição em âmbito nacional sofreu restrições não somente provenientes do contexto social moldado pela política dos governadores, mas também provenientes de seu próprio interior. Na medida em que esses grupos internos expressavam suas idéias, a organização agia no âmbito nacional e, por conseqüência, produzia reflexos nas políticas do Ministério das Relações Exteriores. Como exemplo podem-se citar a atuação da chancelaria brasileira perante os efeitos das manifestações tenentistas no exterior – notadamente a Coluna Prestes –, e a cooperação militar internacional, com missões estrangeiras ao país. Cada um desses fatos vinculou-se a um grupo específico da força terrestre do Brasil, que não tinha condições de, efetivamente, representar o todo da organização75. Após delinear as principais características da sociedade e da vida política no Brasil e as diretrizes da política externa durante a década de 1920, passa-se a apresentar as estruturas das Forças Armadas à época e a configuração ideológica de cada grupo de seu interior.

74 GARCIA, op. cit. p. 591. 75 CARVALHO, 2005, p. 13-14. 39

1.3. A CONFIGURAÇÃO DO EXÉRCITO BRASILEIRO

Ao longo de sua história, o Exército Brasileiro sofreu com deficiências instrumentais, táticas e técnicas no recrutamento e no adestramento de sua tropa. Esse fato começou durante o Império, quando a Guarda Nacional era controlada por líderes locais e conseguia, por esta razão, auferir mais recursos econômicos e políticos do que o Exército76. O advento da República trouxe modificações na estrutura do Exército, uma vez que, em 1918, a Guarda Nacional foi extinta. Apesar de o fim da Guarda Nacional ter representado um fortalecimento do Exército Brasileiro, o surgimento das Forças Públicas Estaduais continuou a servir de contraponto. Do ponto de vista dos vizinhos brasileiros, as Forças Públicas eram consideradas uma ameaça, mas também algo positivo. Tais grupos eram tidos como perigosos, porque possibilitavam ao Brasil constituir um exército de reserva que poderia ser eventualmente utilizado contra os países sul-americanos. No entanto, na medida em que essas Forças Públicas representavam um contraponto à unidade nacional do Exército, elas contribuíam para enfraquecer essa instituição, impedindo o desenvolvimento de um governo central forte que pudesse ampliar, de modo eficaz, suas influências para além das fronteiras.77 Entre 1889 e 1930, significativos esforços para modernizar a força terrestre brasileira foram realizados,78 sem, contudo, conseguir diminuir, de maneira significativa, a distância existente entre o exército nacional e os principais exércitos do mundo. Somente na década de 1940, em decorrência da cooperação com os Estados Unidos, o Brasil conseguiu reequipar e instituir programa de treinamento moderno às suas tropas.79 Nelson Werneck Sodré e Luis Carlos Prestes ilustram bem a situação do Exército na década de 1910 e 192080:

76 Para um estudo detalhado a respeito da Guarda Nacional e suas relações com a sociedade, cf. URICOECHEA, Fernando. O minotauro imperial: a burocratização do Estado patrimonial brasileiro no século XIX. Rio de Janeiro, Difel, 1978. 77 MCCANN, 2007, p. 294-295. 78 MCCANN, op. cit., p. 306-307, 311, 327-329. É importante ressaltar que, no lugar da Guarda Nacional, surgiram as Forças Públicas Estaduais, que, na prática, constituíam, em alguns casos, contrapontos ao Exército. No entanto, pelo menos na esfera federal, o Exército era o único ator a receber recursos para fins militares, enquanto as Forças Públicas deveriam ser sustentadas por membros federados. Esse fato em si já representava significativo avanço nas dotações orçamentárias da Força Terrestre. MCCANN, op.cit., p. 294-295. 79 CARONE, 1972, p. 348-352; CARVALHO, op.cit., p. 22-24; SODRÉ, op. cit. p. 198. 80 MCCANN, op. p. 329-330. 40

A instrução estava abandonada: predominavam a ordem unida, tipo das que impressionam esteticamente e dão coesão à tropa‘; a de combate não existia; as unidades estavam desfalcadas ou mesmo sem efetivos e sem verbas: ―De norte a sul chovem telegramas sobre a situação precária da força, sem cobertores, sem capotes, sem fardamento, sem quartéis, sem viaturas, prés retardados, instrução nula‘. A cavalaria não tinha cavalos, a artilharia não tinha canhões, a infantaria não tinha fuzis: a norma fora liquidar a instituição: ela estava praticamente liquidada. (SODRÉ, 1979, p. 19581)

Eu conheci bem aquilo ali (...). E via o que é que aqueles oficiais faziam. Chegavam de manhã, às seis da manhã, vinham para o quartel, davam uns gritos lá com o cabo ou sargento, depois vinham para o cassino82 e ali ficavam jogando, falando mal da vida alheia, até a hora do almoço. (...) Depois que almoçavam, iam pra Companhia, assinavam o expediente e voltavam para o cassino e ficavam olhando para o relógio e xingando o comandante porque não saía. (...) Botavam um cabo ou um sargento para dar instrução. Era isso só. E o resto era falar mal da vida alheia. (PRESTES apud PRESTES, 1997, p. 7583)

O recrutamento de oficiais realizado no Exército foi caracterizado por atingir as parcelas mais carentes da sociedade. Os filhos das camadas mais abastadas geralmente preferiam alistar-se na Marinha – reconhecida por ser uma força armada mais nobre – ou servir à Guarda Nacional, que possuía serviço militar mais brando e com poucos impactos nos afazeres da vida civil.84 Nas décadas de 1910 e 1920, o ingresso no Exército era visto por muitas famílias humildes como oportunidade de dar melhores perspectivas a seus filhos85. Vários oficiais da liderança da Coluna Prestes tinham esse perfil, conforme José Murilo de Carvalho e Edgard Carone demonstram:

Não existem bons dados sobre a origem social dos oficiais durante a Primeira República. Mas, das várias biografias e autobiografias publicadas, pode-se perceber que a quase totalidade dos líderes tenentistas, por exemplo, era proveniente de famílias pobres. Estão nessa situação os dois Távoras, Luis Carlos Prestes, Nunes de Carvalho, Siqueira Campos, João Alberto. Alguns como os Távora, confessadamente entraram para o Exército como o único caminho disponível para continuarem os estudos, dada a insuficiência das rendas familiares. (CARVALHO, 2005, p. 17)

Assim com raras exceções, as famílias de João Alberto, Luis Carlos Prestes, Siqueira Campos e centenas de outras, são da baixa classe média ou de

81 Sodré atribuiu algumas passagens a Pandiá Calógeras, intercalando-as com outras de sua autoria. Como não foi possível distinguir esses trechos, segue a referência feita por ele no meio da passagem: CALÓGERAS, Pandiá. Problemas de administração. 2ª ed.. São Paulo, s/e, 1938, p. 101 e 119. 82 No quartel, o local destinado a descanso, recreação e almoço dos oficiais é denominado “cassino”. 83 Depoimento de Luis Carlos Prestes à autora. 84 CARONE, 1972, p. 353 e 367; CARVALHO, op.cit., p. 17-19; 85 MCCANN, op.cit., p. 308. 41

ramos decadentes de grandes famílias. O mesmo sucede por todo o Brasil. Vocação e necessidade explicam a preferência, e isso não somente nos Estados mais pobres, onde existem menos condições de ascensão – Nordeste, Norte e Centro-Oeste. Na verdade o problema não é particular, mas geral. (CARONE, 1972, p. 353)

No que tange à formação dos oficiais, no início do século XX, a influência do pensamento positivista era grande no meio militar do Brasil. As escolas preparatórias dos oficiais tinham grande ênfase na preparação intelectual dos alunos, relegando as tarefas práticas a nível quase nulo. Assim, quando esses oficiais chegavam aos quartéis, a instrução à tropa era deixada aos cuidados de um cabo ou sargento quando não era simplesmente ignorada. Isso gerava crescente afastamento entre parte da oficialidade e tropa, dificultando o adestramento dos soldados e diminuindo a eficiência do Exército.86 Nesse contexto, era premente a necessidade de reformar o Exército tanto no que se refere a recursos materiais quanto no que tange às ideias subjacentes a essa instituição87. Esse esforço começa a ocorrer em 1907 e 1908, quando Hermes da Fonseca era ministro da Guerra de Afonso Pena. Entre outros, os relatórios feitos por esse militar dão destaque para a necessidade de remodelar a administração do Exército, instituir o serviço militar obrigatório, construir fábricas de pólvora e cartuchos, adquirir armamentos e materiais diversos, renovar os quadros e aperfeiçoar o ensino.88 Além desses pontos, fator importante que permitiu a abertura de novas perspectivas à jovem oficialidade brasileira foram as verbas do Ministério da Guerra destinadas ao financiamento da ida desses militares ao exterior, para aprender com os modernos exércitos europeus por meio de contato direto. Barão do Rio Branco, chanceler à época, foi responsável pelas negociações e subsequente envio de pequenas turmas de oficiais para estágios no exército prussiano, entre 1906 e 1910.89 Esses intercâmbios permitiram maior estreitamento dos laços de cooperação militar entre os dois países, tendo seu auge quando da visita de Hermes da Fonseca à Prússia e da

86 CARONE, 1972, p. 346. 87 CURVO, 2005, p.32. 88 CARONE, 1972, p. 348-349; MCCANN, op. cit., p. 329-331. 89 Posteriormente, os jovens oficiais que permaneceram durante algum tempo na Prússia e retornaram ao país com ímpetos reformistas foram denominados “jovens turcos”, em alusão à coalizão de grupos reformistas presentes no Império Otomano, no período anterior à I Guerra Mundial. Esse grupo de jovens oficiais brasileiros foi caracterizado pela forte tendência legalista e pelo desejo de reformar as Forças Armadas brasileiras em termos institucionais e doutrinários, sendo enquadrados na segunda ideologia estabelecida por José Murilo da Carvalho, conforme será visto adiante. 42 assunção de compromisso em contratar uma missão militar alemã para instruir as tropas brasileiras.90 A boa cooperação militar entre os dois países traduziu-se em aplicação dos critérios e das teorias militares prussianos no Brasil. A princípio, vários setores do Exército resistiram à aplicação dos novos métodos. Entre 1910 e 1915, Estevão Leitão de Carvalho, Bertoldo Klinger e outros oficiais lutaram para impor as novas regras de disciplina, combate e instrução à rotina vigente no Exército Brasileiro. Além disso, forte esforço de divulgação desses princípios também foi realizado por meio da Revista dos Militares, de 1910 a 1913, e de A Defesa Militar, de 1913 em diante.91 Para o quadriênio entre 1914 e 1918, o General José Caetano de Faria foi nomeado Ministro da Guerra. Nesse período, uma série de reformas baseadas nas teorias defendidas pelas alas mais jovens da oficialidade foi efetivada. A velocidade com que foram implementadas tais mudanças foi decorrente do trabalho feito anteriormente por esse general quando de sua condição de chefe do Estado-Maior do Exército.92 Entre todas as medidas tomadas para reestruturar e modernizar o Exército, o fato mais significativo da década de 1910 foi a vinda da Missão Militar Francesa ao país. Apesar da simpatia do governo brasileiro pelo exército alemão – aspecto demonstrado ao longo das décadas de 1900 e 1910 – a derrota da Prússia na Primeira Guerra Mundial inviabilizou qualquer tipo de cooperação com as Forças Armada desse país, em detrimento de outras nações. A França foi escolhida por ser uma das potências vencedoras e por contar com apoio de parcela considerável da oficialidade brasileira. Os “jovens turcos” fizeram restrições, mas não conseguiram impedir a vinda dos militares franceses, que foram recebidos com frieza por eles, mas com entusiasmo por outra parcela do Exército. Apesar do ceticismo dos “jovens turcos”, os resultados gerados pela Missão estrangeira foram positivos à instituição93. “A presença da Missão Militar Francesa representa a superação completa da mentalidade positivista representada pela Escola Militar da Praia Vermelha e pelo profissionalismo da Escola Militar do Realengo”94. Assim, a década de 1920 foi período caracterizado pela existência de diversidade ideológica nos quadros do Exército. A superação do positivismo ocorreu ao mesmo

90 CARONE, 1972, p. 349-350. 91 CARONE, 1972, p. 350. 92 CARONE, 1972, p. 351. 93 MCCANN, op. cit., p. 317-318 e 326. 94 CARONE, 1972, p. 352. 43 tempo em que os “jovens turcos” defendiam seus princípios, e nova perspectiva a respeito do papel do Exército na sociedade brasileira começava a surgir. Segundo José Murilo de Carvalho, havia três grupos com diferentes ideologias dentro da força terrestre. A primeira girava em torno da ideia de “soldado-cidadão” e caracterizava-se, principalmente, pelo aspecto de que, além das obrigações militares, todos os membros do Exército tinham o dever de exercer papel cívico ativo na esfera política. Tal corrente surgiu ao fim do Império, esteve vinculada aos defensores do positivismo e incitou participação política generalizada por parte da tropa, tanto de praças como de oficiais. Essa visão ressurgiu na década de 1920 por meio dos ideais dos jovens tenentes rebeldes95. Nesse contexto, o positivismo não era mais necessário para fundamentar a atuação desses militares. O argumento utilizado era o de a “força armada é hoje parte integrante do povo.”96 O problema dessa perspectiva era o enfraquecimento da hierarquia do Exército proporcionado por sua prática. Quando necessária, a atuação do militar poderia ocorrer mesmo em oposição a seus superiores, já que os ideais da pátria estariam acima de tudo. “A ideologia do soldado-cidadão representava tendências sociais renovadoras, mas implicava o enfraquecimento da corporação.”97 “Os tenentes pregavam uma intervenção reformista a ser feita pelo militar independente da organização, ou mesmo contra ela.98 Em oposição a isso, a segunda ideologia defendia que, para haver uma profissionalização militar adequada, era necessário distanciar o Exército da vida política nacional e não permitir que militares ocupassem cargos públicos99. Os jovens oficiais que realizaram estágio de dois anos no exército alemão, entre 1906 e 1910, e que receberam instrução da Missão Militar Francesa possuíam forte cunho reformista e, em sua maioria, permaneceram à margem das contestações de seus pares, durante a década de 1920. Esses defensores da figura do “soldado profissional” tinham em Leitão de Carvalho seu representante típico. Ao contrário da corrente ideológica anterior, essa

95 CARVALHO, 2005, p. 38-40. A vasta maioria dos oficiais participantes da Coluna Prestes agiu motivada por essa primeira ideologia. Os rebeldes opuseram-se a seus superiores e às autoridades civis da época em prol de princípios que julgavam como sendo de interesse nacional. 96 TAVORA, Juarez. À guisa de depoimento sobre a revolução brasileira de 1924. São Paulo: O Combate, 1927. 1º vol. p. 89. apud CARVALHO, 2005, p. 39. 97 CARVALHO, 2005, p. 40. 98 CARVALHO, 2005, p. 42; MCCANN, op. cit., p.326. 99 MCCANN, op. cit. p. 338. 44 perspectiva fomentava a unidade da instituição, fortalecendo o Exército100 e possibilitando o surgimento da terceira ideologia presente naquele contexto.101 Esse terceiro conjunto de ideias reunia algumas características das duas anteriores, mas diferenciava-se pelo caráter centralizador e hierárquico. Os militares adeptos de tal posicionamento admitam a indispensabilidade de profissionalizar o corpo do Exército e a necessidade de eventuais intervenções na vida política e social do país. No entanto, o que dava singularidade a eles era a concepção de que somente por meio de uma intervenção centralizada e planejada pelo alto escalão – no caso o Estado-Maior do Exército – seria possível uma política da instituição Exército ao invés de várias políticas realizadas no interior dessa Força Armada. Essa racionalidade teria o objetivo de extinguir a ideia de intervenções de cunho contestatório para dar lugar a uma intervenção controladora.102 Os principais defensores dessa ideologia foram, a princípio, Bertoldo Klinger e Góes Monteiro. Em 1930, esse grupo conseguiu fazer desaparecer as intervenções contestatórias, cooptou grande parte dos tenentes rebeldes e deu ensejo às intervenções controladoras. Os exemplos dessas atuações foram a Revolução de 1930, capitaneada por B. Klinger; a instituição do Estado Novo, em 1937; a redemocratização do país, em 1945, ambas lideradas por Góes Monteiro; em certa medida, o rompimento da ordem constitucional de 1964. Na década de 1960, muitos dos tenentes que atuaram na Coluna Prestes e defenderam as intervenções contestatórias ocupavam posições de comando no Exército e apoiaram as intervenções controladoras.103 Vale destacar o fato de que Luis Carlos Prestes não aceitou o comando militar do movimento revolucionário de 1930 em função de sua conversão ao comunismo. Enquanto se encontrava exilado na Argentina, após sua participação na Marcha Revolucionária, Prestes teve contato com literatura comunista e passou a defender, até o fim de sua vida, os ideais marxista-leninistas. Assim, na década de 1930, esse revolucionário já era marxista, não se enquadrando, pois, em nenhuma das três correntes propostas por José Murilo de Carvalho. Deste modo, o período entre 1922 e 1926 abrangeu grande debate ideológico no interior da força terrestre nacional. O aumento da percepção militar de que a participação política do Exército era necessária não somente à sociedade, mas também

100 MCCANN, op. cit. p. 334. 101 CARVALHO, 2005, p. 40-41; MCCANN, op. cit. p. 339. 102 CARVALHO, 2005, p. 41-43. 103 CARVALHO, 2005, p. 42-43. 45 ao desenvolvimento do país gerou uma série de atuações institucionais desse ator entre 1930 e 1964. É interessante notar que, na maior parte do século XX, o Exército Brasileiro não conseguiu apresentar-se como ator coeso no aspecto ideológico. A existência dessas três correntes de pensamento, durante a República Velha, e a oposição entre a chamada “linha dura” e o denominado “grupo da Sorbonne”, durante o período entre 1964 e 1985, podem demonstrar bem tal percepção.

1.4. CONCLUSÃO

Após a exposição do contexto político, social e econômico do período em análise e das principais diretrizes que pautaram a política externa brasileira, é possível perceber que a agitação presente no interior das Forças Armadas não foi decorrente somente de fatores internos à vida militar. O esforço por reformar e reestruturar o Exército Brasileiro nas décadas de 1900 e 1910 conseguiu dar maior agilidade a essa instituição, mas, ainda assim, seus resultados permaneceram longe do ideal desejado pelas parcelas mais jovens da oficialidade. José Murilo de Carvalho aponta para o fato de que a predominância numérica de tenentes, a caracterização de baixo grau de controle hierárquico e um quadro institucional de lentas promoções favoreceram as rebeliões e o envolvimento desses oficiais em lutas políticas de caráter contestatório.104 Não conseguindo dar vazão a suas reivindicações políticas e sociais e sendo impulsionados pela insatisfação com a situação profissional na carreira militar, os jovens tenentes passaram a contestar a ordem vigente na República Velha de modo violento, recorrendo a armas e a rebeliões. O Levante do Forte de Copacabana, em 5 de julho de 1922, foi o princípio de uma série de rebeliões militares e civis contra o sistema de poder representado pela Política dos Estados. Em discurso no Clube Militar, pouco antes da revolta dos 18 do Forte, o tenente Asdrubal Gwaier de Azevedo produziu discurso que ilustra bem a tensão que pairava não só sobre a sociedade da época, mas também no interior do Exército Brasileiro:

Ten. Gwaier: Está direito, V. Exa. submeterá o requerimento à votação, Sr. Presidente. Os jornais noticiam que o Sr. Presidente da República, para enxovalhar o Exército, vai mandar amanhã seus agentes fecharem o Clube Militar, baseado numa lei que fecha as sociedades de anarquistas, de cáftens e de exploradores de lenocínio. Maior injúria não se pode fazer. Suprema afronta jogada às faces do Exército Nacional. Maj. Figueiredo: O Sr. Presidente da República tem toda a razão.

104 CARVALHO, 2005, p. 36-37. 46

Ten. Gwaier: V. Exa. concorda que o Presidente da República feche o Clube Militar baseado naquela Lei? Maj. Figueiredo: Concordo. Ten. Gwaier: Então V. Exa. é cáften? É explorador do lenocínio? É anarquista? Queira me desculpar porque, francamente, eu não sabia. Maj.Figueiredo: Eu respondo a V. Exa como homem. Respondo sua audácia. Ten. Gwaier: À vontade. Escolha o lugar e marque hora. Sob minha honra de militar o juro, lá estarei. Marechal Presidente: O Sr. Ten. Gwaier vai modificar essa linguagem. V. Exa. está convidando seus superiores para brigar. (...) Ten. Gwaier: Sr. Presidente, se eu soubesse que os defensores do governo epitacista aparteariam o Ten. Brito com tanta rudeza de linguagem e grosseria, não teria tocado na prisão daquele oficial, para não assanhar os gaviões e os abutres que rasgam a dignidade alheia. Ten. Pacheco: Gavião é V. Exa. Ten. Gwaier: Sou o gavião e V. Exa. é a rolinha. Gen. Potiguara: Está se dirigindo a mim? Ten. Gwaier: V. Exa. aparteou o Ten. Brito com grosseria? Gen. Potiguara: Não. Mas estou solidário com os apartes dados a V. Exa. Ten. Gwaier: Então permita que lhe diga: V. Exa. também é um corvo faminto que procura raspar a honra alheia. Gen. Potiguara: Protesto! Isto revolta, senhores oficiais! Ten. Gwaier: O que revolta é V. Exa. emprestar seus galões e a força que comanda a um bandido como o Sr. Epitácio Pessoa, deixando ele livremente cavalgar o Exército, fechando o Clube Militar baseado numa lei infame, injuriosa e opressora. Gen. Potiguara: V. Exa. se atreve a chamar o Sr. Presidente da República de bandido? Gen. Hastinfilo: Eu lhe repilo, tenente. Ten. Gwaier: Ele não é somente bandido, é ladrão também. Está provado. (...) Ten. Gwaier: Até quando sofreremos tão grandes ignomínias? Unamo-nos e teremos os aplausos da Nação inteira, toda ela mais ou menos ferida pela perfídia, pela inépcia… (protestos — muito bem!)… pela prepotência de um presidente cretino, infame e déspota. Gen. Potiguara: Cretino é V. Exa. Ten. Gwaier. Cretino é V. Exa. Não estamos no Contestado, onde V. Exa. mandava fuzilar a torto e a direito. Isto é um costume seu, e muito antigo. Coronel Santa Cruz: Eu estou revoltado com a linguagem desse oficial. Ten. Gwaier: V. Exa. está revoltado porque não pode me pegar no 1º Regimento de Cavalaria, para me raspar a cabeça, como faz com os soldados. Cel. Santa Cruz: Isto é uma infâmia. Ten. Gwaier: V. Exa. pode me informar por que todo mundo o conhece por ―Rapa-Coco‖? (...) Gen. H. Moura: V. Exa. está preso! Ten. Gwaier: Perdeu boa ocasião de ficar calado. Se eu, dizendo tudo isso, não soubesse que seria preso, seria idiota. Gen. José de Lima: V. Exa é um indisciplinado! Ten. Gwaier: É verdade. (...) Gen.: Setembrino: Fosse eu presidente do Clube, esse oficial não continuaria a falar. Ten. Gwaier: V. Exa. podia ser, mas não com meu voto. Poderia ser presidente do Clube Militar um oficial general que, na campanha do Contestado, de parceria com os peculatários, roubou a nação em 2.600 contos, assinando recibos fantásticos de víveres e deixando os soldados morrer de fome?

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Gen. Setembrino: V. Exa. provará isso? Ten. Gwaier: Pois não! Os documentos existem. Almirante Souza e Silva: Se dessem uma comissão a V. Exa. não há dúvida que se calaria imediatamente. Ten. Gwaier: Não julgue o meu critério pelo de V. Exa. V. Exa. é um concessionário que dorme regaladamente nas gavetas dos fornecedores de carvão para a Esquadra e teve o despudor de engolir 1.600 contos, a pretexto de abastecer de combustível o depósito da Ponta do Galeão, onde o Almirante V. de Matos, militar digno e respeitado por todos os títulos, indo lá nada encontrou nem mesmo sombra de combustível. Alm. Souza e Silva: Isto é uma balela. Ten. Gwaier: O Sr. Almirante V. de Matos declarou ou não tudo isso que eu acabei de afirmar? Faça o favor de responder, pois eu apelo para sua dignidade de militar e para o seu passado. Alm. V. de Matos: O que V. Exa. disse é uma verdade e ele não me desmentirá. Ten. Gwaier: Veja Sr. Presidente, eu não estou caluniando. Gen. Potiguara: Caluniador V. Exa. o é. Ten. Gwaier: Foi também V. Exa. quem mandou encher de palha 15 vagões que deviam levar roupas para nossos soldados no Contestado; e, em vez de 30 volumes de granadas, remeteu 30 volumes de pedras. Foi finalmente V. Exa. que, como o General Setembrino, fluidificou 20 mil pares de botas de montaria do Exército, que nunca foram vistos em ponto algum do planeta, a não ser nas algibeiras de V. Exa. vastas como o oceano (protesto — muito bem!) (O presidente chama a atenção dos oficiais). Gen. Lima: Ladrão pode ser V. Exa. Ten. Gwaier: V. Exa. manifestou-se sem ser chamado. Também terá que ouvir sua fé de ofício. Ei-la! V. Exa. construiu uma estrada de ferro da Fábrica de Pólvora com o célebre túnel pelo qual as locomotivas só puderam passar depois de arrancadas as suas chaminés, porque não foi prevista altura suficiente, sendo que a via férrea era tão bem feita que os trens gastaram 74 horas para percorrer 120 quilômetros. Desminta-me se é capaz. Gen. Ache: Torna-se necessária uma reação de nossa parte porque esse oficial está nos enxovalhando! Ten. Gwaier: V. Exa. também tem rabo comprido. Gen. Ache: V. Exa. que aponte uma irregularidade minha. Ten. Gwaier: Vou satisfazer V. Exa. com todo o prazer. V. Exa. na França, requisitou dinheiro do Tesouro para pagar dívidas contraídas na França e na Alemanha em conseqüência de jogo e libertinagem, aliás, libertinagem senil, em que V. Exa. se contentava com os elogios das proxenetas à artificial eternidade do vigor brasileiro. Isto está no relatório do embaixador do Brasil enviado ao Ministério do Exterior. Gen. Ache: O embaixador é um infame. Ten. Gwaier: Não sou culpado, entenda-se com ele. Gen. Ache: V. Exa. é um oficial degenerado, provocador destas cenas vergonhosas. Ten. Gwaier: Dignas, entretanto, de vossa presença. Gen. Andrade Neves: O Sr. General Ache está muito acima das injúrias desse oficial energúmeno. Ten. Gwaier: Antes ser energúmeno do que ser um devasso como V. Exa., que já desviou fundos de subscrições públicas em proveito de suas numerosas concubinas. (Protestos. Muito bem!) (...) Ten. Gwaier: Sr. Presidente, estamos às portas de uma Revolução. (AZEVEDO, apud SODRÉ, 1979, p. 203-208105)

105 AZEVEDO, Gwaier de. Discurso Pronunciado no Clube Militar no dia 25 de junho de 1922, Recife, 1932, p. 8-11. 48

O discurso acima é elucidativo a respeito da configuração do Exército Brasileiro na década de 1920 e do clima sociopolítico vivido à época106. Fica clara a oposição existente entre os oficiais de patentes mais baixas em face dos oficiais superiores. Além das dificuldades encontradas dentro da carreira militar no que diz respeito às promoções e às atuações de cada jovem tenente e capitão, a corrupção existente nos escalões superiores das Forças Armadas vinculava as figuras dos oficiais graduados à imagem dos políticos e oligarcas que colocavam seus interesses particulares acima dos nacionais. Conclui-se, então, que, para os tenentes rebeldes, a luta pela moralização da vida política do Brasil começava dentro dos quartéis107. Nesse sentido, percebe-se ser simplista considerar o descontentamento militar com a República Velha algo inerente a todos os escalões das Forças Armadas. Também há pouco sentido em considerar que os levantes rebeldes ocorridos durante a década de 1920 foram reflexos dos anseios advindos das camadas médias urbanas uma vez que a maior parte dos jovens oficiais viera desse estrato social. Como já demonstrado, as instituições militares são exemplos de organizações capazes de ressocializar seus membros, transmitindo-lhes valores e princípios típicos da vida na caserna. As divisões existentes nas Forças Armadas consistiam em divergências sobre a política nacional e sobre qual o papel reservado aos militares na sociedade brasileira. Não havia questionamento a respeito dos valores que caracterizavam os militares, mas, sim, qual deveria ser o escopo de atuação política deles. Além disso, caso a oficialidade das Forças Armadas apenas refletisse a visão de mundo das camadas médias urbanas, dificilmente poderia ocorrer cisão no que diz respeito à ação política e no que se reivindicava para a sociedade brasileira, já que os oficiais seriam dotados de visão semelhante a respeito desses temas. A discordância existente no interior das Forças Armadas gerou crescente descontentamento entre os oficiais mais jovens, impulsionando-os às rebeliões armadas, que refletiam o desejo de mudança social e política do país, assim como alterações nas estruturas institucionais das Forças Armadas. A década de 1920 foi caracterizada por várias revoltas nesse sentido denominadas em seu conjunto “tenentismo”. Esse será o objeto do próximo capítulo, uma vez que a Coluna Prestes teve sua origem nesses movimentos rebeldes.

106 MCCANN, op.cit., p. 312. 107 MCCANN, op.cit., p. 336. 49

CAPÍTULO 02 – AS REBELIÕES DA DÉCADA DE 1920 – AS ORIGENS DA COLUNA PRESTES

Levando em conta os contextos doméstico e externo presentes durante o período de governo de Artur Bernardes, passa-se a explicar os movimentos rebeldes em sua formação, desenvolvimento e término, assim como seus efeitos sobre a política doméstica entre os anos de 1922 a 1927. Após a mencionada exposição, será possível evidenciar a maneira pela qual a Coluna Prestes surgiu e influenciou a Política Externa Brasileira. O movimento rebelde liderado por Isidoro Dias Lopes, com a participação de Miguel Costa, Cordeiro de Farias, Siqueira Campos, Djalma Dutra, João Alberto, João Cabanas, dos irmãos Joaquim e Juarez Távora e, posteriormente, de Luis Carlos Prestes, foi gestado durante o período de um ano. Nesse tempo, não havia intenção de criar o que ficou conhecido como Coluna Prestes. A ideia dos rebeldes era sublevar-se para derrubar Artur Bernardes, que, segundo suas convicções, governava ao arrepio da lei. O Presidente representava a política corrupta, fisiologista e elitista das oligarquias regionais, e a insatisfação militar contra essa situação estava presente em todas as regiões do país108. A coordenação logística entre os rebeldes era precária. Durante todo o movimento da Coluna, os vários levantes estimulados pela marcha rebelde sofreram essa mesma característica. Apesar de os revoltosos encetarem contatos e trocarem informações entre si,109 cada movimento teve de eclodir com recursos próprios, tanto no que se refere a material bélico quanto em termos financeiros. A partir do exterior, o movimento iniciado pelo general Isidoro Dias Lopes tentou captar e centralizar recursos para os diversos levantes em todo o país. Entretanto, a atividade diplomática brasileira combateu tais articulações de maneira relativamente eficaz e conseguiu desmontar quaisquer tentativas de coordenação entre os rebeldes e os recursos obtidos. O resultado foi o isolamento da maior parte das revoltas surgidas entre 1922 e 1927, propiciando melhores condições ao governo federal para combatê-las.110 Assim sendo, este capítulo é destinado à exposição dos movimentos rebeldes que eclodiram na década de 1920, no Brasil, sendo a Coluna Prestes originária da união

108 FAUSTO, 2008, p. 313-315; JANOTTI, 1999, p. 95-105; PRESTES, 1997, p. 91-98; CARVALHO, 2005, p. 59-50 e 59-61; MEIRELLES, 1997, p. 107. 109 CURVO, 2005, p. 44-48. 110 GARCIA, 2006, p. 539-547. 50 de dois desses eventos. O contexto de agitação política e social do início do século foi agravado com a eclosão dos movimentos militares de contestação. Entre 1922 e 1927, as rebeliões militares do tipo “intervenção reformista”111 ou contestatória foram responsáveis por enfraquecer as bases sociais sobre as quais a República Velha estava fundada. Tal fato possibilitou o surgimento da bem-sucedida “intervenção moderadora”112 do Exército em 1930. Como será exposto, as consequências geradas pelos movimentos rebeldes dos jovens tenentes possibilitaram a vitória dos setores ligados a Getúlio Vargas e puseram fim à República Oligárquica.

2.1. O PRIMEIRO 5 DE JULHO – A REVOLTA NO RIO DE JANEIRO

No meio do ano de 1922, ocorreram eleições locais nos estados. Em Pernambuco, a data foi marcada para o dia 27 de maio, e as votações transcorreram de modo calmo. Apesar disso, no dia seguinte, tropas federais ocuparam Recife, desencadeando conflitos armados entre partidários de Manoel Borba e de Joaquim Pimenta, candidatos que se declararam vencedores do pleito. Diante desses acontecimentos, o Presidente Epitácio Pessoa liberou nota pública, afirmando seu compromisso com a neutralidade em questões eleitorais e a não intervenção no estado.113 Nesse contexto de agitação política em Pernambuco, o Marechal Hermes da Fonseca, recém-reeleito para a Presidência do Clube Militar, recebeu telegrama de oficiais desse estado, alertando para o fato do uso das forças federais contra a população local do Recife. Seguiu-se repressão a vários militares do Rio de Janeiro e de Pernambuco que foram transferidos ou presos. Enquanto isso, o governo federal continuou a enviar forças de terra e mar para o Recife114. Motivado pelos efeitos desse telegrama, Hermes da Fonseca enviou a Epitácio Pessoa mensagem, lembrando as funções constitucionais das Forças Armadas e concitando-o a eximir o Exército de qualquer atuação em questões políticas, como as em curso em Pernambuco.

111 CARVALHO, 2005, p. 38-40. 112 CARVALHO, op. cit., p. 41-43. 113 CARONE, 1974b, p. 350-351. 114 CARONE, 1974b, p. 351. 51

À prisão de Hermes da Fonseca (2.7.1922) segue-se o fechamento do Clube Militar (3.7), baseado na lei de 1921, contra associações nocivas ou contrárias à sociedade. Em Pernambuco, as duas facções resolvem entrar em acordo, a eleição é anulada e as partes escolhem o juiz Sérgio Loreto para candidato único (3.7). Aparentemente a situação está controlada pelo governo, mas a conspiração militar está em marcha. (CARONE, 1974b, p. 352).

Várias conspirações ocorreram em São Paulo, Pernambuco, Rio Grande do Sul, Mato Grosso e Rio de Janeiro, no entanto, somente nos dois últimos estados, houve ação rebelde, ainda que pouco eficiente115. No Rio de Janeiro, a revolta começou pela Vila Militar. Como o comando legalista soube de antemão que oficiais estranhos à guarnição estavam a caminho para ajudá-la no levante, providências necessárias para desarticular o movimento puderam ser tomadas de modo mais fácil.116 Na Escola Militar do Realengo, houve repercussões mais sérias. Alunos e oficiais tomaram a fábrica de cartuchos, municiaram-se e formaram uma coluna composta pelas três armas (infantaria, cavalaria e artilharia), marchando em direção à Vila Militar. Ao chegar ao quartel da Engenharia, os rebeldes enfrentaram forças legais por mais de quatro horas. Após esse período, os rebelados abandonaram suas posições, e o coronel Xavier de Brito, que comandava o destacamento revolucionário, voltou à Escola do Realengo e entregou-se.117 Na manhã de 5 de julho de 1922, o Forte de Copacabana também se rebelou contra o governo federal. Epitácio Pessoa, presidente à época, usou todos os recursos disponíveis para debelar o movimento, sendo bem-sucedido. Segundo McCann, a maior parte dos envolvidos no levante do Forte de Copacabana:

(...) era produto dos esforços pela reforma das décadas anteriores e usou seu dispendioso treinamento contra o próprio sistema que o possibilitara. Foi irônico o forte de Copacabana ter disparado o canhão sinalizando a revolta, pois aquela era a mais moderna fortificação do governo e a-menina-dos- olhos do ministro Calógeras. Ele tratara os oficiais do forte com especial consideração, especialmente Delso Mendes da Fonseca e Antônio de Siqueira Campos. (MCCANN, 2007, p. 340.)

Todo esforço empreendido pelo governo federal para modernizar o Exército Brasileiro ainda era considerado insuficiente para a grande maioria dos militares, que sabiam da defasagem do país frente a seus vizinhos e às maiores potências do mundo.118

115 CARONE, 1974b, p. 353-354. 116 CARONE, 1974b, p. 354. 117 CARONE, 1974b, p. 354-355. 118 MCCANN, 2007, p. 328-329. 52

Como visto no capítulo anterior, os tenentes rebeldes diferenciavam-se dos “jovens turcos” pelo fato de suas reivindicações irem além da esfera militar. A reforma da política brasileira e o fim das administrações corruptas encetadas pelos políticos oligarcas da República Velha eram fundamentos para as demais demandas desse conjunto de oficiais rebeldes. Somente tendo esse fato em consideração, é possível compreender por que o forte mais moderno e mais bem equipado se rebelou em 1922. Não se tratava apenas de insatisfações com aspectos técnicos das Forças Armadas, mas também de descontentamento com a estrutura social que perpassava todo o contexto brasileiro à época. Os primeiros tiros do Forte de Copacabana foram de aviso, seguidos de fogos bem-sucedidos contra a ilha das Cobras, o depósito naval e o túnel novo, sendo todas essas posições redutos de tropas legalistas. O ministro da Guerra, Pandiá Calógeras, passou a negociar diretamente com os revoltosos sem aval prévio de Epitácio Pessoa. O ministro tentou convencer os rebeldes a entregar-se, participando-os do fracasso dos levantes ocorridos nos outros pontos da cidade. O comandante da guarnição, capitão Euclides Hermes da Fonseca, filho do marechal preso, decidiu, então, dar liberdade a quem quisesse para deixar o forte. Dos 300 militares que estavam rebelados em Copacabana, 272 decidiram entregar-se, sendo, entre eles, 19 oficiais. Todos aqueles que permaneceram estavam dispostos a resistir até a morte, segundo o capitão Euclides.119 Tendo em vista o objetivo de evitar enfrentamento entre rebelados e legalistas, a negociação entre as duas partes fracassou. A partir de então, o governo empregou todos os recursos de que tinha à disposição para acabar com a revolta. O Forte de Santa Cruz passou a bombardear o Forte de Copacabana, tropas legais foram enviadas para sitiar o local da revolta, e o encouraçado São Paulo, com ajuda de aviões, passou a atacar também os rebelados.120 Ao perceberem que a situação se tornara insustentável, os 27 militares que ainda estavam no Forte de Copacabana decidiram deixar o local; 10 deles fugiram pelas adjacências enquanto os demais marcharam de encontro às tropas legais, pela orla da praia. Um civil, Otávio Correa, juntou-se a eles, completando os 18 do Forte. O

119 CARONE, 1974b, p. 355; FAUSTO, op. cit. p. 307-308. 120 CARONE, 1974b, p. 355-356. 53 massacre ocorreu poucos metros depois, sobrevivendo apenas os tenentes Eduardo Gomes e Siqueira Campos dentre os rebeldes e tendo falecido 35 militares legalistas.121 O Mato Grosso foi outro estado em que a revolta dos militares ocorreu. Os rebeldes chegam a tomar grande parte das unidades militares, mas, ao deslocar-se para a fronteira com São Paulo, depararam com grande contingente da Força Pública paulista e descobriram que os levantes no Rio de Janeiro haviam fracassado. Para evitar derramamento desnecessário de sangue, o líder da revolta, general Clodoaldo da Fonseca entregou-se e a rebelião terminou.122 O levante de 5 de julho de 1922 gerou consequências negativas à Escola do Realengo em razão dos debates suscitados em torno da readmissão dos estudantes expulsos e da anistia a todos os envolvidos no conflito. Entre os vários fatores que desencadearam a revolta ocorrida dois anos depois, em São Paulo, a questão da anistia negada aos rebeldes de 1922 foi aspecto importante.123 É importante destacar como, apesar de toda conspiração anterior à eclosão do movimento, os jovens rebeldes encontraram-se sozinhos quando da revolta de 1922:

Mas, o movimento vencido, que aparentemente tem características somente de levante militar, também vira afastar-se de si, antes de 5 de julho, o apoio de segmentos da pequena burguesia civil e dos operários (...) Isolado, o tenentismo vai sofrer as conseqüências de uma repressão generalizada, que engloba todas as formas legais de oposição. O que se dá é o reforço das oligarquias dominantes e o apoio total às medidas julgadas necessárias para o momento (...). (CARONE, 1974b, p. 359)

Esse fato comprova quão importante era estar de acordo com o governo federal, no contexto da República Velha. Como poderá ser percebido, a posição de isolamento em que os jovens tenentes se encontravam em 1922 foi substancialmente alterada no decorrer da década de 1920, tendo-se as camadas médias urbanas e as oligarquias dissidentes aproximado desses elementos rebeldes, para conseguir efetivar a Revolução de 1930. A importância desse levante para o período entre 1922 a 1930 é essencial. Grande parte da historiografia considera essa data como início do período marcado. Essa revolta foi crucial para compreender como e por que as demais rebeliões da década de 1920 ocorreram.124 Segundo Curvo:

121FAUSTO, op. cit., p. 308; CARONE, 1974b, p. 356; CURVO, 2005, p. 41. 122 CARONE, 1974b, p. 357; CURVO, 2005, p. 41. 123CURVO, op. cit. p. 42-44; MCCANN, 2007, p. 316. 124 CURVO, op. cit., p. 32. 54

Às vésperas da eclosão do levante, os ex-cadetes de Realengo e futuros dirigentes da Coluna Miguel Costa-Prestes estavam assim distribuídos: Siqueira Campos no forte de Copacabana; Prestes na Cia. Ferroviária de Deodoro; Juarez Távora na Escola de Realengo; João Alberto no 1º Regimento de Artilharia Montada e Cordeiro de Farias na Escola do Campo dos Afonsos, todos no Rio de Janeiro. Djalma Dutra se encontrava no Regimento de Dom Pedrito no Rio Grande do Sul. Todos participaram do movimento de 22, seja na articulação, seja na luta armada. (CURVO, 2005, p. 38)

O fato de grande parte dos tenentes rebeldes que, posteriormente, lideraram a Coluna Prestes terem participado dos levantes de 1922 não é casual. Tal como descrito no capítulo anterior, esses militares eram de grupo específico dentro do Exército e tinham como característica a luta pela moralização política e social não só da instituição à qual pertenciam, mas também do país. O 5 de julho de 1922 foi importante, porque inaugurou ciclo de levantes rebeldes estimulados por esse grupo contestador. De 1922 até 1927, a sociedade brasileira enfrentou período dos mais conturbados de sua história republicana.

2.2. O SEGUNDO 5 DE JULHO – A REVOLTA EM SÃO PAULO

O plano dos oficiais rebeldes era relativamente simples. Na madrugada do dia 5 de julho de 1924 – exatamente dois anos após o levante dos Dezoito do Forte de Copacabana –, os quartéis do Exército e da Força Pública do estado de São Paulo seriam sublevados pelo movimento de modo sincronizado, sem derramamento de sangue125. Após ganhar o controle da capital do estado, os revoltosos marchariam até o Rio de Janeiro, para depor o presidente Artur Bernardes, alijando do poder não somente a pessoa que consideravam inimiga do Exército, mas também todo o estamento político que era representado por ele: as corruptas oligarquias regionais que colocavam seus interesses particulares acima dos nacionais e utilizavam os instrumentos burocráticos do Estado para auferir benefícios privados126. A maneira como a sublevação dos referidos quartéis foi conduzida indicou, no entanto, o quão politicamente despreparados eram os rebeldes e como fundamentos

125 MEIRELLES, op. cit. p. 42-43. 126Cf. entre outros, FAUSTO, 2008, p. 313-315; CARVALHO, 2006, p. 83; CARVALHO, 2005, p. 48- 50; MCCANN, op. cit. p. 346-350. 55 militares básicos foram negligenciados durante a operação.127 Como exemplo do primeiro aspecto, pode-se ressaltar a falta de articulação entre militares e líderes civis da sociedade paulista e brasileira, com vistas à consecução de meta de grande envergadura como era derrubar o Executivo Federal. Os líderes do movimento pensaram que poderiam resolver a situação política do país por meio de um movimento militar com pouco contato com os demais setores sociais alijados do poder128:

Para os ―tenentes‖, cabia aos militares desempenhar esse papel: salvar o país e as instituições dos maus políticos, recorrendo, se preciso fosse, à força das armas para estabelecer o ―legítimo poder civil‖, que cumpriria a missão de regenerar a Nação através da efetiva obediência às leis e à Constituição. Era uma postura elitista e excludente em relação às massas populares, inclusive das camadas médias urbanas, na medida em que a revolução seria feita pelos militares, imbuídos do seu papel salvador, sendo que por revolução entendia-se o recurso às armas (...). Em outras palavras, era a luta pela garantia da representatividade do voto universal e secreto e de uma justiça unificada e livre de quaisquer compromissos com os interesses oligárquicos dominantes, o que deveria assegurar na prática a liquidação do sistema eleitoral em vigor (PRESTES, 1997, p. 95).

Como exemplo do despreparo estratégico dos rebeldes, destaca-se a não ocupação imediata do telégrafo de São Paulo, deixando as comunicações da cidade com o Rio de Janeiro sob controle de forças legalistas durante boa parte do dia do levante. Sabendo do movimento revolucionário, o governo federal pôde organizar-se para resistir ao avanço da rebelião, enviando tropas para sufocar o levante em seu início. O elemento surpresa, tão caro aos rebeldes, foi perdido, e o plano de marchar sobre o Rio de Janeiro não pôde ser levado adiante, em função da dificuldade dos revoltosos em obter controle de todas as unidades militares da cidade de São Paulo. Tanto o 4º quanto o 5º Batalhão da Força Pública de São Paulo resistiram aos rebeldes por vários dias, impedindo-os de avançar para além da capital paulista, como planejado129. Mesmo enfrentando dificuldades não previstas, após 4 dias de lutas entre as forças rebeldes e as tropas legalistas, o movimento revolucionário fez o Presidente do estado de São Paulo, Carlos de Campos, abandonar o palácio dos Campos Elíseos. A capital paulista, com significativo parque industrial, passou a ser controlada pelas forças rebeldes sob comando do general Isidoro Dias Lopes. Rapidamente, o Governo Revolucionário estabeleceu contatos com as elites da cidade e impôs ordem pública a

127 MEIRELLES, op. cit. p. 46 e p. 79. 128 MCCANN, op. cit., p. 339. 129 MEIRELLES, op. cit. p. 66 e 78. 56 toda a área urbana, evitando saques e depredações a propriedades particulares por populares130. Apesar de ter existido articulações entre civis e militares no planejamento e na execução da revolta iniciada em 5 de julho de 1924, tais vínculos nunca contaram com autoridades capazes de alterar o modo pelo qual se fazia política no país. Alguns representantes das camadas médias urbanas, como empresários, funcionários públicos, jornalistas e comerciantes, participaram da organização de vários complôs e atentados contra o governo federal, conforme os anos de presidência de Artur Bernardes testemunharam. No entanto, no contexto brasileiro da época, a força política desses atores e dos jovens tenentes não era suficiente para fazer o Executivo e o Legislativo atenderem às reivindicações dos rebeldes.131 Mesmo parlamentares, como o deputado Batista Luzardo132, que tinha fortes ligações com os revolucionários e servia-lhes de porta-voz no Congresso Nacional, não puderam influenciar o sistema político no sentido desejado pelos tenentes. Como se viu em 1930, somente com o apoio das oligarquias dissidentes, foi possível alterar, de modo significativo, o curso político do país.133 Se, no âmbito doméstico, o movimento rebelde foi inapto no sentido de se articular-se politicamente com setores sociais relevantes e angariar apoio à sua causa, desde o seu surgimento, as ações revolucionárias que deram origem à Coluna Prestes apresentaram ligações com o exterior. Foram estabelecidas redes de contatos que teriam grande importância para o abastecimento logístico dos revolucionários, conforme planejamento inicial dos líderes do movimento:

A interceptação de um telegrama por agentes secretos do governo brasileiro confirmava não só a existência da conspiração como também as suas ligações com o exterior. Esse telegrama, redigido em inglês, havia sido enviado da capital argentina para os Estados Unidos, comunicando que a revolução estava prestes a estourar. (MEIRELLES, 1997, p. 49)

As ligações entre as ações dos rebeldes em solo nacional e na Argentina foram recorrentes ao longo de toda a marcha revolucionária, entre 1924 e 1927, ainda que por diversas vezes, o comando geral rebelde na Argentina tenha enfrentado dificuldades para entrar em contato com os revolucionários da Coluna. Tais aspectos serão melhor apresentados mais adiante.

130 MEIRELLES, op. cit. p. 93-100 e 105. 131 CURVO, op. cit. p. 44-45. 132 Toledo a Pacheco, tel. nº 83, Buenos Aires, 12 fev., 1925, AHI, 208/02/04. 133 PRESTES, op. cit. p. 154-155; FAUSTO, 2008, p. 313-315. 57

Como um dos primeiros impactos da Revolta em São Paulo sobre as relações exteriores do país, podem-se destacar as preocupações do corpo consular estrangeiro com as consequências advindas da Revolta. O impacto mundial causado pela revolução Bolchevique de 1917 ainda alarmava as potências ocidentais, e havia receio de São Paulo transformar-se em movimento similar ao russo nas avaliações do cônsul Inglês, Francis Patron, por exemplo. Na década de vinte, o Brasil ainda tinha a Inglaterra como principal credora financeira e detentora da maior parte dos investimentos estrangeiros feitos no país. Assim sendo, a ameaça ao capital inglês de ter seu patrimônio desapropriado sem indenizações era a principal preocupação dos britânicos.134 A partir da retirada do governador da capital paulista, o Governo Federal passou a bombardear incessantemente a cidade. Durante quase 20 dias, Artur Bernardes empregou os melhores recursos do Exército Brasileiro para sufocar a revolta: tanques modernos comprados à França, artilharia pesada com calibres semelhantes aos utilizados na 1ª Guerra Mundial e aviões para bombardeios aéreos sistemáticos foram utilizados contra os rebeldes e não se ativeram a alvos eminentemente militares135. A estratégia do Governo Federal contra a rebelião parece ter sido a do terror, tendo inclusive disposição de reduzir a segunda maior cidade do país a ruínas em nome da ordem nacional, conforme fica evidenciado em nota do Presidente de São Paulo em agradecimento ao apoio recebido pelo Congresso Nacional:

Em nome de São Paulo e no meu próprio, agradeço a esse ramo do poder legislativo as saudações que nos envia e o alento que elas nos trazem. Estou certo de que São Paulo prefere ver destruída sua formosa capital antes que destruída a legalidade no Brasil. (COSTA e GÓES apud MEIRELLES, 1997, p. 122136)

A feroz repressão que o governo central usou contra os rebeldes foi responsável por péssimas repercussões no exterior e por inúmeras reclamações de países estrangeiros.137 A capital paulista era cidade repleta de imigrantes de origem europeia. Italianos, espanhóis, alemães e outros povos da Europa oriental faziam parte da camada da população que mais crescia em decorrência da industrialização das atividades

134GARCIA, op. cit. p. 145; MEIRELLES, 1997, p. 98-99. 135 CURVO, op. cit. p.48-49; MEIRELLES, 1997, p. 109-113. Após o início das rebeliões da década de 1920, Artur Bernardes retirou apoio financeiro e imobilizou a recém-criada unidade de aviação do Exército, temendo possível revolta nessa unidade militar. MCCANN, 2007, p. 319. 136 COSTA, Cyro e GOES, Eurico de. Sob a metralha... São Paulo, p. 70, Cia. Gráfico-Editora Monteiro Lobato, 1924. 137 AHI 215/01/04; AHI 215/01/05; AHI Lata 478, Maço 7453. 58 econômicas nessa cidade. Era natural, assim, que os países do Velho Continente viessem a protestar contra a violenta repressão que afetou seus nacionais, tendo muitos deles morrido durante os combates entre rebeldes e governistas138. A má repercussão no exterior, causada pelo método escolhido para combater os rebeldes, foi enfrentada pelo Ministério das Relações Exteriores. Segundo a chancelaria brasileira, o país estava sendo vítima de uma campanha de difamação internacional cujo centro era Buenos Aires. As embaixadas foram instruídas a repelir, com vigor, os “boatos alarmantes” que correspondentes estrangeiros recebiam na capital argentina139. No período anterior à revolta e ao longo de todo seu transcurso, os rebeldes haviam estabelecido contatos com jornais argentinos para conseguir driblar a censura interna e fazer que os desdobramentos do movimento revolucionário e suas reivindicações fossem conhecidos. Por meio da intermediação entre os rebeldes e o governo federal, feita pelo general Abílio de Noronha, foi possível saber algumas das aspirações político-sociais dos militares amotinados em São Paulo. As exigências dos comandados de Isidoro Dias Lopes para depor as armas foram escritas em correspondência destinada ao general Abílio de Noronha que, por sua vez, deveria encaminhá-las ao presidente Artur Bernardes:

São Paulo, 17 de julho de 1924, Exmo. Senhor General Abílio de Noronha. Saudações. Em resposta à carta que dirigistes ao Exmo. Senhor Dr. J. C. de Macedo Soares e cuja cópia me foi entregue, no sentido de dar solução ao caso revolucionário sem ser pelas armas, basta que tenhais conhecimento daquilo que exigimos para depor as armas. Com a maior clareza vos interareis dos nossos desígnios pelo documento que vai por mim assinado. Convém declarar que há nesse documento a cláusula 7ª que escrevi a tinta e em letra corrente. Com os meus aplausos aos vossos nobres intuitos na questão, recebei os protestos da minha mais alta consideração. Vosso admirador, (assinado) General Isidoro Dias Lopes Chefe das forças revolucionárias. (NORONHA, 1925, p. 82)

Segundo o general Abílio de Noronha, há, em seguida, em duas folhas com rubricas – Lopes – General, os requisitos necessários para a deposição das armas:

Entrega imediata do Governo da União a um governo provisório composto de nomes de reconhecida probidade e da confiança dos revolucionários.

138 MEIRELLES, op. cit. p. 124-125. 139 MEIRELLES, op. cit. p. 114 e AHI 208/03/01 59

Exemplo: - Dr. Wenceslau Braz. O Governo Provisório convocará, quando julgar oportuno, uma Constituinte que manterá obrigatoriamente: 1º. – Forma de Governo Republicana Federativa. 2º. – As atuais fronteiras dos Estados em tudo que disser respeito aos interesses regionais, com a possível diminuição do número das unidades na Federação, a fim de torná-las mais equilibradas. 3º. – A separação da Igreja do Estado, firmando o princípio de liberdade religiosa e a defesa da maioria católica nos seus direitos constitucionais contra as intolerâncias da irreligiosidade. 4º. – Atribuição da Justiça de conhecer da constitucionalidade dos atos legislativos. 5º. – Proibição dos impostos interestaduais. 6º. – Tudo o que se refere à declaração dos direitos aos brasileiros, não se admitindo modificação alguma, senão ampliativa. 7º. – Proibição da reeleição do Presidente da República e dos Presidentes dos Estados140. Do mesmo modo a mesma proibição quanto a deputados estaduais, federais e senadores, salvo se alcançarem o sufrágio de dois terços do eleitorado comparecente141. O governo Provisório se obrigará logo que possível: 1º. – No que diz respeito às relações internacionais, será mantida a política tradicional do Brasil de liquidar pacificamente os conflitos internacionais; 2º. – A manter, rigorosamente, todos os compromissos atuais da União, dos Estados e dos Municípios; 3º. – Decretar o voto secreto; 4º. – A realizar as reformas tributárias e aduaneiras, sendo que será proibida a participação dos agentes fiscais e alfandegários no lucro das multas e apreensões. Em relação às classes armadas, será exigido um absoluto respeito da administração aos direitos legais dos militares e da legislatura aos seus direitos constitucionais. São Paulo, 17 de Julho de 1924. (assinado) General Isidoro Dias Lopes Chefe das forças revolucionárias. (NORONHA, 1925, p. 82-84)

A princípio, do ponto de vista político, as demandas dos rebeldes podem parecer ingênuas. É necessário relembrar, no entanto, o clima tenso em que os anos vinte estavam imersos. Como visto no capítulo anterior, as eleições de 1º de março de 1922 deram vitória a Artur Bernardes de modo conturbado. O final do governo de Epitácio Pessoal e quase todo o mandato de A. Bernardes foram marcados por grande descontentamento militar com a situação política da época. O fechamento do Clube Militar, o 5 de julho de 1922 e o segundo 5 de julho de 1924 demonstraram o quão insatisfeitos os jovens militares estavam. Assim sendo, a crença em uma revolução militar capaz de derrubar o Governo Federal não surgiu do acaso ou do desejo repentino dos rebeldes paulistas, mas era, antes, desejo de significativa parcela dos oficiais

140 São os atuais governadores de estado – chefes dos Executivos estaduais. 141 À época, o voto não era obrigatório. 60 subalternos do Exército e da Marinha que almejavam melhorar a situação política do país.142 Dada a negativa do general Abílio de Noronha em solicitar, em nome dos rebeldes de São Paulo, a renúncia do Presidente da República, não foi possível acordo entre o Governo e os comandados de Isidoro Dias Lopes.143 Os bombardeios sobre a capital da província mais rica do país foram retomados de maneira ainda mais vigorosa. Das 700 mil pessoas que viviam em São Paulo, 300 mil já haviam abandonado a cidade. Por incrível que possa parecer, de acordo com folhetos lançados pela aviação legalista sobre a capital paulista, o desejo do Governo Federal era fazer que a população, de fato, abandonasse a cidade, para que o combate aos rebeldes pudesse ser melhor conduzido.144 Os conflitos prosseguiram até os rebeldes resolverem abandonar a cidade em direção ao interior do estado, em decorrência do fato de seus recursos materiais e bélicos estarem exaurindo-se rapidamente e em função do massacre de civis ocasionado pelos bombardeios do governo.145 Na madrugada do dia 28 de julho de 1924, os rebeldes abandonaram São Paulo. A partir de então, em apoio à rebelião de Isidoro Dias Lopes, diversas revoltas militares eclodiram por todo o país sem que, no entanto, os rebeldes paulistas soubessem. Uma das primeiras providências tomadas por Artur Bernardes como modo de assegurar ordem ao país foi o estado de sítio decretado no mesmo dia da eclosão da revolta em São Paulo146. Com isso, o governo central obteve controle das notícias que circulavam nos maiores jornais do país e pôde abafar as repercussões de várias rebeliões, liberando informações somente 3 a 15 dias depois de seus inícios e, mesmo assim, com forte viés pró-governo147. Essa foi outra razão que levou a chancelaria de Félix Pacheco a entrar em conflito com representações estrangeiras creditadas no Brasil. Muitos correspondentes estrangeiros no país tiveram censurados, pelo governo federal, os telegramas que enviavam a suas agências internacionais com a justificativa de que se tratava de medida necessária para acabar com as calúnias que se espalhavam contra o Brasil no exterior.

142 CURVO, op. cit. p. 19-25; GARCIA, op. cit. p. 25-27; PRESTES, op. cit. p. 85; CARVALHO, 2005, p. 48-50. 143 NORONHA, op. cit. p. 84-87. 144 MEIRELLES, op. cit. p. 164. 145 MEIRELLES, op. cit. p. 180-182. 146 MEIRELLES, op. cit. p. 76-78. 147 MEIRELLES, op. cit. p. 101. 61

Tais atos causaram protesto formal da Embaixada norte-americana no Rio de Janeiro148, por exemplo. A retirada dos rebeldes de São Paulo contribuiu para que o serviço de inteligência do Governo Federal encontrasse vasta documentação revolucionária que elucidava muitas das ligações dos revoltosos com outros militares espalhados pelo país. Assim sendo, novamente em função da desorganização dos revoltosos, o Governo pôde desarticular redes subversivas e prender militares e civis envolvidos com os levantes de 1922 e 1924.149 Marchando em direção ao interior paulista, as tropas de Isidoro Dias Lopes tinham à retaguarda a Coluna da Morte, chefiada pelo tenente João Cabanas. Depois de ocupar São Paulo, as forças legalistas compostas, em maioria, por mineiros e gaúchos, foram ao encalço dos revoltosos. Dois planos dividem o comando revolucionário. O primeiro, defendido por Isidoro D. Lopes, visava à invasão do Mato Grosso até Três Lagoas. O segundo, proposto pelo coronel João Francisco, tinha como objetivo descer o rio Paraná, para unir forças com os militares comprometidos com a revolta no Rio Grande do Sul.150 Tendo o comando da rebelião, o general Isidoro Dias Lopes ordenou a composição de uma força de 800 homens sob comando de Juarez Távora. Os soldados deveriam deslocar-se até Porto Independência e, de lá, marchar em direção a Três Lagoas, tomando a cidade. O resultado dessa empreitada foi desastroso para os rebeldes: 400 mortos e feridos, 15 prisioneiros e 40 desaparecidos após conflito ocorrido em lugar conhecido como Campo Japonês. As tropas legalistas haviam incendiado o local de batalha e quase conseguiram fechar um círculo de fogo em torno dos rebeldes. As perdas humanas e materiais foram significativas para os revoltosos. O abalo na moral dos combatentes rebeldes foi de tal monta que, quando retornou com suas forças, Juarez Távora ordenou que seus homens desembarcassem do outro lado do rio Paraná, para não contagiar, negativamente, o restante da tropa.151 A despeito de ter recebido o apoio do Estado-Maior revolucionário, o plano de Isidoro Dias Lopes de invadir o Mato Grosso havia sido um desastre do ponto de vista militar. A divergência entre marchar sobre Três Lagoas ou ir ao encontro dos revolucionários gaúchos não foi apenas uma discordância pontual entre o general

148 GARCIA, 2006, p. 533-534 e MEIRELLES, op. cit. p. 137-138. 149 MEIRELLES, op. cit. p. 184-186. 150 MEIRELLES, op. cit. p. 212. 151 MEIRELLES op. cit. p. 213-217. 62

Isidoro Dias Lopes e o coronel João Francisco. Os dois comandantes tinham estratégias muito distintas de como o combate contra o Governo Federal deveria ocorrer. Enquanto o primeiro tinha a percepção clássica de combate de posição, o segundo tinha a percepção mais próxima da guerra de movimento que Luis Carlos Prestes, posteriormente, defenderia em carta ao general Isidoro Dias Lopes, talvez, porque ambos conheciam o modo como os conflitos entre as oligarquias do sul aconteciam.152 Assim, de Porto Tibiriça/SP, onde estava acampado o grosso da tropa rebelde, até Foz do Iguaçu, eram mais 300 km de rio, navegável por quase toda sua extensão. Tal trecho era pouco movimentado, sendo transitado, basicamente, por vapores da Companhia Fluvial São Paulo – Mato Grosso e da Companhia Mate Laranjeira, cuja atividade se concentrava na exploração de erva-mate no estado do Paraná. Os rebeldes iniciaram seu deslocamento no dia 23 de agosto de 1924153 e chegaram a Guaíra/PR, no dia 14 de setembro de 1924, onde encontraram pouca resistência legalista. Apenas dez dias depois, em 24 de setembro, Foz do Iguaçu estava sob controle dos revolucionários. Os 500 homens comandados por João Francisco encontraram a cidade desguarnecida e abandonada pelos habitantes. Grande parte da população da cidade, alarmada com as notícias espalhadas pelo Governo Federal, havia fugido para Puerto Aguirre, cidade argentina situada de frente à Foz do Iguaçu e, hoje, denominada Puerto Iguazu.154A região ocupada possuía boas condições para reorganizar as forças rebeldes e retomar o combate ao Governo Federal com novo ânimo. De Guaíra a Foz do Iguaçu e desta cidade até a Serra do Medeiros, podia-se traçar um triângulo cujos lados estariam bem guarnecidos. Dois deles, pela fronteira com Argentina e Paraguai, garantiam saída para o exterior se necessário; o terceiro, beneficiado por acidentes do relevo, dava grande vantagem defensiva aos rebeldes. Moreira Lima resume, deste modo, os acontecimentos até a chegada dos revoltosos ao Paraná:

152 As potreadas eram destacamentos de homens que se separavam do grosso das tropas em busca de animais, víveres e armamentos, sendo muito utilizadas pelos combatentes maragatos e chimangos no Rio Grande do Sul. Com a Coluna Prestes, essa técnica deixaria, aos poucos, de ser apenas instrumento de suporte da tropa e seria utilizada como meio de combate. Luis Carlos Prestes e seus comandados gaúchos inserem no país a noção de “guerra de movimento” em contraposição à “guerra de posição” ensinada pelos instrutores da missão francesa aos oficiais do Exército Brasileiro. 153 A exatidão das datas dos principais acontecimentos da Coluna Prestes é controversa. Preferiu-se utilizar aquelas coincidentes em mais de um autor, tendo como base os relatos de Lourenço Moreira Lima, os de Luis Carlos Prestes – por meio das entrevistas concedidas a sua filha, Anita Prestes – e a obra de Domingos Meirelles. 154 MOREIRA LIMA, 1979, p. 99-101; MEIRELLES op. cit. p. 220-225. 63

De Bauru, onde se concentraram as tropas procedentes daquela cidade (São Paulo), marchou a coluna revolucionária, pela estrada de ferro Sorocabana, até o Porto Joaquim Távora155, na margem esquerda do Paraná. Enquanto o grosso dessas forças avançava para aquele porto, sua flanco- guarda, sob comando do major Juarez Távora, combatia vantajosamente o inimigo em Vitória, Araquá e Botucatu, e a retaguarda, constituída pela Brigada Miguel Costa, empenhava-se em várias ações em Salto Grande, Paraguaçu, Água Clara, Indiana, Santo Anastácio, Coatá e Caiuá. Ao chegar a vanguarda das forças no referido porto, teve de enfrentar, conseguindo desalojá-la, numerosa tropa inimiga comandada pelo coronel Germano Fachnes, que se estabelecera na margem direita do citado rio, na Foz do Pardo, em território mato-grossense. Com o fim de se apoderar de Mato Grosso, levou a efeito o Exército Revolucionário alguns ataques a Três Lagoas, ponto inicial da estrada de ferro Noroeste do Brasil, no dito estado. Fracassada essa tentativa, que custou a vida do bravo tenente Berbedo, foi encaminhada a marcha para a região do Iguaçú. O Exército desceu o rio Paraná em quatro pequenos vapores, localizando-se na margem esquerda do mesmo rio, de Guaira à foz do Iguaçú, e estendendo a sua ocupação até a serra do Medeiros, a leste. (MOREIRA LIMA, 1979, p. 100)

No oeste do Paraná, os rebeldes vindos de São Paulo iriam esperar os revoltosos gaúchos com quantidade significativa de homens entrincheirados em Catanduvas, por mais de cinco meses. A manobra visava garantir que a Coluna comandada por Prestes conseguisse chegar até a base rebelde em Foz do Iguaçu, e, apesar da rendição dos 400 combatentes revolucionários em 30 de março de 1925, o objetivo de unir as forças gauchas e paulista foi alcançado.156

2.3. AGITAÇÕES E LEVANTES EM OUTROS PONTOS DO PAÍS

O Segundo 5 de Julho fez que outras revoltas eclodissem pelo país. Solidárias aos ideais e aos propósitos dos rebeldes paulistas, sublevações de unidades militares ocorreram em Sergipe, Mato Grosso, Amazonas e Pará. Como punição pelo envolvimento direto ou indireto no levante do Forte de Copacabana, o Governo Federal transferiu para organizações militares distantes vários oficiais subalternos. Essa ação, no entanto, ao invés de arrefecer os ímpetos dos rebeldes, ajudou a disseminar o espírito revolucionário para outros pontos do país.157 O primeiro movimento em apoio à revolta em São Paulo ocorreu em 12 de julho de 1924, em Bela Vista, no Mato Grosso. Jovens oficiais tentaram sublevar o Décimo

155 Os rebeldes renomearam a cidade de Presidente Epitácio como Porto Joaquim Távora em homenagem ao capitão rebelde, irmão de Juarez Távora, morto nos combates em São Paulo. 156 CURVO, op. cit. p. 52; MEIRELLES, op. cit. p. 353-354. 157 CURVO, op. cit. p. 47; MEIRELLES, op. cit. p. 218. 64

Regimento de Cavalaria, mas não obtiveram sucesso. No dia 13 de julho, ocorreu levante em Sergipe. Com sede em Aracaju, o 28º Batalhão de Caçadores do Exército rebelou-se, após recusar enviar parte de seu efetivo para combater os rebeldes paulistas. Os militares prenderam o governador do estado, Graco Cardoso, e criaram uma Junta Governativa Militar, preservando a estrutura político-administrativa de Sergipe e mantendo prefeitos e outras autoridades em seus cargos. A revolta nesse estado durou 19 dias. Assim como os comandados de Isidoro Dias Lopes, os rebeldes liderados pelo tenente Maynard Gomes não estabeleceram contatos com as lideranças políticas locais. O Governo Federal agrupou forças no interior do estado e contou com apoio logístico da 6ª Região Militar, com sede em Salvador, para prender os rebelados e acabar com o movimento em Sergipe.158 Em 26 de julho de 1924, o 26º Batalhão de Caçadores do Exército, com sede em Belém, também se rebelou. No entanto, o governador do Pará, auxiliado pela Força Pública daquele estado conseguiu sufocar a revolta em seu início. Ao perceberem que a revolta paraense estava perdida, vários soldados e oficiais fugiram para Manaus, a fim de juntar-se aos revolucionários do Amazonas. Os rebeldes paulistas não souberam das revoltas que eclodiam pelo país. Como Artur Bernardes governava em estado de sítio, a censura à imprensa impediu que a notícia desses levantes chegasse ao restante do território nacional. Durante todo o governo de Artur Bernardes, era comum que a população brasileira tivesse menos conhecimento do que se passava dentro do país do que os governos estrangeiros. O governo norte-americano, por exemplo, recebia relatórios de seus cônsules com detalhes do que ocorria nas principais cidades do Brasil, e muitos desses fatos só chegavam ao conhecimento da população brasileira, depois de semanas ou mesmo meses.159 Em 23 de julho de 1924, Manaus foi tomada por rebeldes do 27º Batalhão de Caçadores do Exército. Após atacar o quartel da Força Pública do estado e ocupar as estações de telégrafo e o Palácio do Governo, os militares revolucionários tomaram o controle do estado. A rebelião no Amazonas foi diferente das ocorridas até então. Contrariamente ao levante de São Paulo, os jovens oficiais envolvidos no movimento amazonense estabeleceram, desde o início, contatos significativos com alguns setores civis da sociedade. Ressalte-se, no entanto, que tais grupos não tinham grande expressão na política local, mas foram amplamente favoráveis ao movimento rebelde. Uma das

158 CURVO, op. cit. p. 49; MEIRELLES, op. cit. p. 196-199. 159 MEIRELLES, op. cit. p. 162. 65 razões desse apoio foi que, além de ser contra o governo federal, a rebelião foi direcionada também contra a oligarquia regional que dominava, há décadas, o estado amazonense.160 A família Rego Monteiro controlava a vida política no Amazonas, no início do século. A corrupção e o nepotismo eram comuns no aparelho estatal, e, como exemplo, pode-se citar o controle da polícia, do Judiciário e do Legislativo por parentes do governador César Rego Monteiro: o filho Cláudio era secretário-geral do governo; o filho Mário era juiz de Direito e chefe de Polícia do Estado; Sila, outro filho, era oficial de Gabinete do pai; o superintendente de Manaus era Edgard, mais um filho do governador; o presidente da Assembléia Legislativa era seu genro, Turiano Meira. Em pouco mais de vinte dias, o governo militar provisório chefiado pelo tenente Ribeiro Junior tornou-se significativamente popular, por ter prendido várias pessoas ligadas à família Rego Monteiro, desapropriado seus bens e colocado atrás das grades os oligarcas que dominavam o Amazonas. O apoio recebido pelo povo, no entanto, não foi suficiente para garantir que os jovens oficiais permanecessem à frente do estado. Após perderem o controle do Forte de Óbidos, os rebeldes sabiam que o fim da revolta estava próximo, pois uma vitória sobre as forças legalistas comandadas pelo general Mena Barreto era improvável.161 O levante comandado pelos tenentes Ribeiro Junior, Joaquim de Magalhães Barata e José Bacher Azamor foi debelado sem que os revoltosos tivessem conhecimento do desfecho do movimento em São Paulo. Também nessa revolta, uma das primeiras ações tomadas por Artur Bernardes foi isolar as comunicações dos revolucionários com o restante do país. O fato de os EUA estarem bem informados a respeito dos desdobramentos do levante em Manaus, novamente, demonstra que a população brasileira tinha menos conhecimento do que se passava em território nacional do que os diplomatas estrangeiros.162 O fracasso da estratégia do governo de arrefecer os impulsos revolucionários por meio do envio a quartéis distantes de militares acusados de participarem do levante do Forte de Copacabana em 1922 é demonstrada, ao analisar os envolvidos nos levantes em Sergipe e Manaus. Tanto os tenentes Ribeiro Junior, Joaquim de Magalhães Barata e José Bacher Azamor como o tenente Maynard Gomes foram acusados de envolvimento

160 MEIRELLES, op. cit. p. 200-201 e 218. 161 MEIRELLES, op. cit. p. 218-219. 162 MEIRELLES, op. cit. p. 219. 66 no primeiro 5 de julho, no Rio de Janeiro, e deslocados para Manaus e Sergipe, respectivamente. Revolta que também merece destaque foi a do Dreadnought São Paulo. Em 1910, o Brasil havia encomendado três navios de combate Dreadnought à Inglaterra. Em função de um acordo com a Argentina, no entanto, um deles foi passado à Turquia, ficando a Marinha Brasileira com os navios Minas Gerais e São Paulo.163 Após episódio conhecido como a Revolta da Chibata, os dois navios foram novamente alvos de revolta, mas, ao invés de ter origem nas patentes mais baixas – como no caso da Revolta da Chibata – , em 1924, foram os oficiais os responsáveis por sublevar os navios. Os principais envolvidos na revolta foram Hercolino Cascardo, Ademar Siqueira, Arnaldo Pinheiro de Andrade, Paulo Alcanforado da Natividade, Mario de Freitas, Benjamim Xavier e Augusto do Amaral Peixoto.164 O plano inicial dos rebeldes era sublevar o Minas Gerais e o São Paulo, para, com o poder de fogo de ambos os navios, obrigar o presidente a renunciar. O movimento contaria com apoio dos fortes localizados na Baía de Guanabara e de outras embarcações fundeadas na área. Diante da iminente ameaça de bombardeio, não restaria outra saída a Artur Bernardes a não ser abrir mão da presidência. Sob o comando do marechal Carneiro da Fontoura, a polícia do Distrito Federal já havia feito várias investigações que deram ensejo a prisões de pessoas vinculadas ao levante nos dois encouraçados. Assim, o movimento foi prejudicado, e o apoio planejado das outras embarcações e dos fortes da Guanabara não pôde ser obtido. Com dificuldades, os rebeldes conseguiram sublevar o Dreadnought São Paulo, mas não foram capazes de fazer o mesmo com o Minas Gerais. Isolados, os rebelados saíram da Baía de Guanabara e partiram para o sul do país. Como os rumores a respeito das revoltas no Rio Grande do Sul já haviam chegado ao conhecimento dos rebeldes, a ideia era tentar juntar-se aos revolucionários gaúchos.165 Os tripulantes do encouraçado São Paulo decidiram, então, seguir para o Uruguai, pedir asilo político ao governo de Montevidéu, para, posteriormente, cruzar a fronteira e juntar-se às forças revolucionárias que atuavam no Rio Grande do Sul166. Pouco depois de asilar-se na capital uruguaia, os rebeldes passaram a planejar como se

163 SODRÉ, 1979, p. 188-189; MEIRELLES, op. cit. p. 257. 164 MEIRELLES, op. cit. p. 251-252; CURVO, op. cit. p. 50. 165 MEIRELLES, op. cit. p. 258-265 e 293-295; CURVO, op. cit. p. 50. 166 GARCIA, op. cit. p. 540-545; Pacheco a legação em Assunção, tel., Rio de Janeiro, 12 nov. 1924, AHI 202/02/01. 67 uniriam às tropas gaúchas. Um destacamento de marinheiros foi enviado a Rivera, para averiguar o melhor momento e o modo para juntar a tripulação do São Paulo às forças rebeldes localizadas em São Luis Gonzaga.167 Sem autorização dos tenentes no sul e no Uruguai, alguns chefes maragatos168 gaúchos resolveram arregimentar os marinheiros em Rivera, para combater forças de Borges de Medeiros localizadas em Santana do Livramento. Tendo o ataque sido um fracasso, as forças comandadas por Julio de Barros cruzaram a fronteira e fugiram para a região uruguaia conhecida como “Los Galpones”, tendo, em seu encalço, os homens de Borges de Medeiros. Por não saberem cavalgar como os gaúchos e por desconhecerem a região, alguns marujos do São Paulo foram degolados pelos chimangos juntamente com outros rebeldes, dando ensejo ao que ficou conhecido como o “massacre de Los Galpones”. Entre as vítimas, encontrava-se um sobrinho de Assis Brasil que havia deixado o Rio de Janeiro, para juntar-se aos revoltosos169. O fato provocou incidente diplomático entre Brasil e Uruguai, posteriormente contornado pelos esforços do governo brasileiro170, assim descritos por Eugênio Vargas Garcia:

A violência da chacina, divulgada com riqueza de detalhes nos jornais da capital uruguaia, gerou indignação e protestos no Uruguai, abrindo uma crise diplomática entre os dois países. O governo brasileiro encaminhou um pedido formal de desculpas ao Uruguai pelo ocorrido, tentando justificar a transposição indevida da linha fronteiriça pelas forças legalistas sob o argumento da não-intencionalidade do ato. Nas circunstâncias em que se produziu o combate, frisava a nota brasileira ‗a surpresa, a veemência e a rapidez da luta degeneraram logo em violentos impulsos em que só o próprio instinto de conservação mandava e criaram uma verdadeira situação de confusão‘. Os soldados legais cuidavam de ‗salvar suas vidas e vencer aos que pretendiam oprimi-los‘. Em uma emergência ‗assim tão áspera‘, não teria sobrado tempo para ‗obrar deliberadamente no sentido de invadir território contíguo‘. Se tal chegou a ocorrer, ‗nosso dever é pedir desculpas por isso ao governo do Uruguai, como agora o fazemos, e dar as satisfações que são de estilo, pelas regras de justiça e o dever de leais e bons vizinhos‘. (GARCIA, 2006, p. 542).171

167 MEIRELLES, op. cit. p. 270-278. 168 Conforme melhor explicado no próximo item, no Rio Grande do Sul, desde o final do século XIX, dois grupos políticos disputavam o controle da política estadual. Os herdeiros de Julio de Castilho ficaram conhecidos como “chimangos” enquanto seus opositores tinham a alcunha de “maragatos”. Na década de vinte do século passado, os principais representantes de chimangos e maragatos eram Borges de Medeiros e Assis Brasil, respectivamente. 169 MEIRELLES, op. cit. p. 298-301. 170 Relatório do MRE, 1924-1925. Anexo A, p. 267-271. 171 Cf. também Relatório do MRE, 1924-1925. Anexo A, p. 270. 68

2.4. AS REVOLTAS NO RIO GRANDE DO SUL E A FORMAÇÃO DA COLUNA PRESTES

As rebeliões militares que eclodiram em Alagoas e Amazonas não obtiveram sucesso e foram reprimidas pelo governo central sem maiores dificuldades. No Rio Grande do Sul, no entanto, o desfecho foi diferente. Um contingente de oficiais rebeldes, de vários quartéis do estado, planejava ações para sublevar-se com algum grau de coordenação com os militares de São Paulo, em especial Juarez e Joaquim Távora. A figura do capitão Luis Carlos Prestes foi fundamental para a revolta iniciar-se no sul.172 A situação no Rio Grande do Sul tinha suas peculiaridades, mas também se inseriu no contexto sociopolítico que dominou o Brasil no início do século XX. A disputa entre chimangos e maragatos, sempre muito violenta, chegou ao seu auge, com a Revolta Federalista de 1893, que pretendia tirar do poder Julio de Castilhos. Em 1895, houve a vitória das forças legalistas, e, em 1898, Borges de Medeiros, seguidor político de Julio de Castilhos, subiu ao poder Executivo desse estado.173 Borges de Medeiros governou o Rio Grande do Sul entre 1898 e 1908 e, depois, de 1913 a 1928; o interregno compreendido entre 1909 e 1912 ficou sob controle de seu afilhado político, Carlos Barbosa Gonçalves. Assim sendo, esse estado ficou sob controle político do líder do Partido Republicano rio-grandense por trinta anos. A revolta iniciada em 1923 tinha como objetivo derrubar Borges de Medeiros, que se reelegia sucessivamente, graças a um dispositivo constitucional que assim o permitia. O Pacto de Pedras Altas, de dezembro de 1923, terminou formalmente com a disputa entre chimangos e maragatos e confirmou a eleição de Borges de Medeiros para um último mandato. A insatisfação em grande parcela de líderes maragatos, no entanto, ainda se fez presente durante algum tempo e serviu para os jovens oficiais angariarem apoios à sua causa174. Luis Carlos Prestes, à frente de grande contingente e em conjunto com Siqueira Campos, Juarez Távora e líderes locais, conseguiu sublevar quantidade significativa de militares e homens que prestavam serviços aos maragatos insatisfeitos175. O plano inicial era sublevar as guarnições de Uruguaiana, São Pedro Borja, São Luis e Santo Ângelo por meio das ações de Juarez Távora, Siqueira Campos, João

172 PRESTES, op. cit. p. 117-119; CURVO op. cit. p. 50. 173 FAUSTO, op. cit. p. 255-256. 174 FAUSTO, op. cit. p. 316-317. 175 MEIRELLES, op. cit. p. 246-248; PRESTES, op. cit. p. 117-119. 69

Pedro Gay e Luis Carlos Prestes, respectivamente. Havia a esperança de que unidades militares em Alegrete, Dom Pedrito, Santana, Santiago e Palmeira também aderissem à revolta. A data acertada para o levante foi 29 de outubro de 1924. Para isso, os rebeldes teriam suporte logístico pelo exterior. Antes da eclosão da revolta, a conspiração recebia armas e munição por meio da fronteira com a Argentina. Assis Brasil e outros rebeldes compravam-nas em Buenos Aires e enviavam-nas a Paso de Los Libres. De lá, os armamentos entravam no Rio Grande do Sul disfarçados de alimentos ou outras mercadorias.176 Apesar do planejamento prévio e de linhas de abastecimento que julgavam confiáveis, os rebeldes não conseguiram manter sob seu controle a maior parte das unidades militares que se haviam rebelado. A atuação repressora do governo foi significativa. Luis Carlos Prestes e o Batalhão Ferroviário abandonaram a cidade de Santo Ângelo – localizada em um terminal de linha férrea – e dominaram a região de São Luiz Gonzaga em função do isolamento geográfico desse local. Essa foi uma das razões que possibilitou a sustentação da revolta nessa área.177 No início de novembro, São Luiz Gonzaga já se havia tornado o centro de comando das operações rebeldes no sul. De lá partiram as forças comandas por Aníbal Benévolo e Siqueira Campos com intuito de tomar a cidade de Itaqui. Sendo bem defendida pelo advogado e líder local, Osvaldo Aranha, o ataque rebelde foi frustrado. Em meados de novembro, Luis Carlos Prestes encontrou-se com o general João Francisco, enviado por Isidoro Dias Lopes para articular os próximos movimentos dos rebeldes paulistas e gaúchos. João Francisco prometeu a Prestes o recebimento de armas e munições que deveriam chegar pela fronteira com a Argentina.178 Nessa ocasião, ficou decidido a junção das duas forças revolucionárias em Foz do Iguaçu, cidade para onde os paulistas se dirigiam naquele momento.179 Deste modo, as forças reunidas em São Luiz Gonzaga, sob comando de Luis Carlos Prestes, prepararam-se para furar o cerco que o governo armava sobre a região e começaram a estudar a melhor maneira de marchar rumo ao oeste do Paraná. A primeira organização do efetivo sob comando de Prestes foi feita de modo a constituir treze regimentos de cavalaria. Três desses grupos ficaram sob comando direto dos tenentes

176 MEIRELLES, op. cit. p. 246; PRESTES, op. cit. p. 130; Toledo a Pacheco, tel., Buenos Aires, 1 jul. 1925, AHI 208/03/01. 177 PRESTES, op. cit. p. 120-124. 178 MEIRELLES, op. cit. p. 296-297; PRESTES, op. cit. p. 128-131. 179 CURVO, op. cit. p. 51; MEIRELLES, op. cit. p. 283-284; PRESTES, op. cit. p. 128-131. 70

João Alberto, Portela e Pedro Gay; os demais regimentos ficaram sob ordens dos líderes maragatos que se uniram aos rebeldes. Durante algum tempo, os revolucionários esperaram a ajuda logística prometida pelo general João Francisco, mas, como esta não chegou, a marcha rumo ao Paraná iniciou-se.180 Contrariando as manobras militares ensinadas ao Exército Brasileiro pela Missão Francesa de 1919, Prestes defendeu a “Guerra de Movimento” em detrimento à “Guerra de Posição”. A estratégia de Prestes foi tão revolucionária para o meio militar da época que muitos oficiais rebeldes se opuseram a ela no princípio. No entanto, o sucesso obtido pela marcha empreendida de São Luiz Gonzaga até Foz do Iguaçu e as dificuldades sofridas pelos rebeldes em São Paulo e, posteriormente, em Catanduvas, fizeram que a resistência à estratégia de Luis Carlos Prestes perdesse sentido entre os revolucionários181. Ao retirar-se do Rio Grande do Sul para unir-se aos rebeldes de São Paulo, Prestes iniciou sua estratégia de guerra de movimento, sendo este um dos fatores principais para explicar a invencibilidade da Coluna ao longo de seu trajeto pelo interior brasileiro. Desde a região de Foz do Iguaçu, onde o movimento rebelde sofreu a derrota de Catantuvas, até a retirada para o exílio na Bolívia, em princípio de 1927, a Coluna Prestes não sofreu nenhuma outra derrota militar. O primeiro sucesso da guerra de movimento foi o rompimento do cerco governista a São Luiz Gonzaga. As tropas rebeldes conseguiram escapar de sete destacamentos governistas que se aproximavam da região por todos os lados. Marchando por entre dois destes destacamentos, Prestes e seus homens seguiram para São Miguel das Missões e, de lá, foram para Ijuí, enquanto os efetivos do governo continuaram a marchar rumo a São Luiz Gonzaga. As tropas legalistas só tomaram conhecimento de que os rebeldes haviam rompido seu cerco quando Prestes e seus homens chegaram a Ijuí e, de lá, partiram para Ramada, local em que uma força legalista, mobilizada às pressas, deu-lhe combate. Abriu-se, assim, distância de 180 quilômetros entre os rebeldes e o grosso das forças legais.182

180 MEIRELLES, op. cit. p. 303-304; PRESTES, op. cit. p. 132. Por alguma razão, as autoridades argentinas que haviam sido subornadas para permitir a passagem dos armamentos negaram-se a cumprir com o acordado. Tanto Meirelles quanto Prestes atribuem tal fato a pressões da chancelaria brasileira junto à Argentina, no sentido de cobrar do país vizinho maior vigilância do trafego de pessoas e de bens em sua fronteira com o Brasil. Apesar de tal explicação ser verossímil, ela não pode ser estendida ao ponto de afirmar-se que o compromisso argentino com as autoridades brasileiras foi cumprido com o mesmo rigor, durante toda a campanha da Coluna, conforme analisado nos próximos capítulos. 181 PRESTES, op. cit. p. 142-147. 182MOREIRA LIMA, op. cit. p. 105; PRESTES, op. cit. p. 144-149. 71

Segundo depoimentos de Luis Carlos Prestes para Anita Prestes, as principais razões para o fracasso do cerco legalista foram as seguintes:

Pelo relato de Prestes, fica evidente que a obsessão pelo ―objetivo geográfico‖ fizera com que as tropas governistas se deslocassem para São Luis sem manter guardas de flanco e sem observar, portanto, o que acontecia ao seu lado, entre cada uma das sete colunas que avançavam preparadas para sufocar os rebeldes na cidade. Enquanto isso, os soldados de Prestes passavam, durante a noite, entre duas colunas inimigas, sem serem percebidos. O próprio coronel Claudino Nunes Pereira, que se defrontava com os combatentes de João Alberto e Nestor Veríssimo, avançava, diante do recuo rebelde, sem notar que o grosso da Coluna já havia retirado de São Miguel. (PRESTES, 1997, p. 147)

Em carta a Isidoro Dias Lopes, Prestes escreveu o famoso trecho que resume bem sua visão militar a respeito do Exército e do movimento rebelde à época:

A guerra no Brasil, qualquer que seja o terreno, é a guerra de movimento. Para nós revolucionários, o movimento é a vitória. A guerra de reserva é a que mais convém ao governo que tem fábricas de munição, fábricas de dinheiro e bastantes analfabetos para jogar contra as nossas metralhadoras. (PRESTES, apud MOREIRA LIMA, 1979, p. 110183)

Na mesma carta, Prestes deixa claro a Isidoro Dias Lopes quais eram seus objetivos militares e suas perspectivas com relação ao movimento revolucionário:

Com minha coluna armada e municiada, sem exagero, julgo não ser otimismo afirmar a V. Exa. que conseguirei marchar para o Norte e dentro de pouco tempo atravessar o Paraná e São Paulo, dirigindo-me ao Rio de Janeiro, talvez por Minas Gerais. (...) Espero, porém, de vosso esclarecido espírito e reconhecida prática de comando as necessárias ordens a fim de poder o mais eficazmente auxiliar a Revolução, cuja vitória final parece não mais ser duvidosa. (...). (PRESTES, apud MOREIRA LIMA, 1979, p. 111184)

Após a vitória em Ramada, as tropas gaúchas começaram a apresentar maior coordenação entre si, e o comando único entre os efetivos rebeldes começou a instaurar-se. Vale lembrar que a composição da coluna gaúcha era feita de militares oriundos de diferentes quartéis e de civis que combatiam pelos líderes caudilhos locais. Assim sendo, foi natural que houvesse a necessidade de tempo para que esse grupo

183 Trecho de carta de Luis Carlos Prestes ao marechal Isidoro Dias Lopes, escrita em Barracão, Paraná. 184 Trecho de carta de Luis Carlos Prestes ao marechal Isidoro Dias Lopes, escrita em Barracão, Paraná. 72 aumentasse seu grau de disciplina e de organização sob a condução de um comando único liderado por Prestes, Siqueira Campos, Cordeiro de Farias e João Alberto.185 Depois de Ramada, os rebeldes marcharam em direção ao norte e, no dia 5 de janeiro de 1925, enfrentaram tropas legalistas em Campos Novos, ainda no Rio Grande do Sul. Dois dias depois, pegaram picada186 em direção à Colônia Militar do Alto Uruguai. Apesar de a distância percorrida ser de, aproximadamente, 60 quilômetros, as tropas gaúchas levaram quase nove dias para fazê-lo. A densidade da mata na região do Rio Uruguai era tão forte que, além do atraso na marcha, outro dano ao movimento revolucionário foi o grande número de debandadas ocorridas. Apesar de o número de combatentes que deixaram São Luiz Gonzaga ter sido em torno de 1500, menos de 700 homens chegaram a Barracão, no Paraná.187 Segundo Luis Carlos Prestes, muitos gaúchos relutaram em sair de seu estado para levar o movimento revolucionário a outras partes do país. Quando o comando revolucionário decidiu deslocar as tropas rebeldes gaúchas do Rio Grande do Sul para Foz do Iguaçu, o fator que unia os jovens tenentes e os líderes caudilhos locais deixou de existir. Apesar de muitos líderes maragatos terem continuado no movimento revolucionário até o exílio na Bolívia, o objetivo de grande parte desses chefes gaúchos era derrubar Borges de Medeiros, pouco lhes importando o contexto político nacional. Assim sendo, entre Porto Feliz, na fronteira do Rio Grande com Santa Catarina, até Barracão, na fronteira de Santa Catarina com o Paraná, depois de ter marchado por matas densas e ter, por isso, perdido quantidade significativa de suas montarias, muitos chefes locais refugiaram-se na Argentina, retornando, posteriormente, ao Rio Grande do Sul.188 As dificuldades de campanha não foram sentidas somente pelos contingentes civis da coluna gaúcha. Muitos militares também abandonaram o movimento. Entre eles, a deserção de João Pedro Gay ganha destaque pelo fato deste militar ter sido nomeado como comandante de parte significativa da coluna gaúcha. Após o plano de Gay de desertar com quantidade grande de armas, munições e soldados, em direção à Argentina, ter sido descoberto, este militar foi preso e só não foi fuzilado, porque João Alberto permitiu sua fuga. Após a morte do tenente Portela e a deserção de Pedro Gay,

185 PRESTES, op. cit. p. 151. 186 O uso do termo “picada” dá-se de acordo com a acepção 9 do dicionário Houaiss: atalho aberto na mata a golpes de facão ou de foice para a passagem de pessoas , pequenos veículos, etc. 187 MEIRELLES, op. cit. p. 326; MOREIRA LIMA, op. cit. p. 111; PRESTES, op. cit. p. 151-153. 188 PRESTES, op. cit. p. 151-153. 73 as forças gaúchas tiveram de ser reorganizadas. Cordeiro de Farias passou a chefiar o Batalhão Ferroviário, Siqueira Campos assumiu o comando do 3° Regimento de Cavalaria, e João Alberto encarregou-se do remanescente do 2° Regimento de Cavalaria.189 A travessia de Santa Catarina foi lenta em função da mata fechada. Segundo depoimentos de Luis Carlos Prestes, o deslocamento pela região do contestado ocorreu da seguinte maneira:

Os rebeldes moviam-se com dificuldade por Santa Catarina, deslocando-se a pé – pois haviam perdido quase todos os cavalos ainda na região do Rio Uruguai –, a uma velocidade de marcha que não superava os 20-30 quilômetros diários. Finalmente, em 7/2/1925, a coluna atingia a cidadezinha de Barracão (Paraná), na fronteira com Santa Catarina (...). (PRESTES, 1997, p. 161)

Em localidade conhecida como Maria Preta, ao sul de Barracão, novamente, as tropas legalistas dariam prova de sua falta de preparo militar. Após reter um contingente do governo comandado por Claudino Nunes, Cordeiro de Farias retirou-se, à retaguarda do grosso da coluna rebelde, para Barracão. De lá, as forças revolucionárias seguiram para oeste do Paraná. Depois de alguns dias, os rebeldes souberam que as colunas legalistas de Claudino Nunes e de outro comandante governista, chamado Paim, enfrentaram-se por toda uma noite, apenas vindo a saber que combatiam forças amigas na manhã seguinte, quando pesadas baixas de lado a lado já haviam sido infligidas.190 Durante a marcha dos gaúchos em direção à Foz do Iguaçu, o governo federal elaborou proposta de paz. Segundo os termos estipulados, o Executivo federal encetaria esforços junto ao Congresso Nacional, para aprovar a anistia aos revolucionários, no entanto, enquanto essa lei não fosse aprovada, os rebeldes deveriam entregar-se nas cidades determinadas pelo governo, juntamente com todo armamento e munição sob seu poder. Por ser vaga e sem garantias do que aconteceria aos revolucionários durante o prazo em que a lei de anistia estivesse sendo analisada, o acordo entre as duas partes não foi possível.191 A desconfiança dos membros do movimento revolucionário em relação às intenções do governo tinha fundamento. Como visto, a quantidade de presos políticos no Rio de Janeiro aumentou de modo significativo, desde a instauração do estado de

189 CURVO, op. cit. p. 51; MEIRELLES, op. cit. p. 315-316 e 326; PRESTES, op. cit. p. 152-154. 190 MOREIRA LIMA, op. cit. p. 107; PRESTES op. cit. p. 164. 191 MEIRELLES, op. cit. p. 336-338. 74 sítio no país. As liberdades individuais estavam restringidas, dando ampla discricionariedade à atuação das autoridades policiais, e, além disso, o Presidente do Rio Grande do Sul, Borges de Medeiros, era contra qualquer tipo de entendimento com os revolucionários, como, posteriormente, pôde se verificar pela correspondência entre ele e Artur Bernardes. As razões de Borges de Medeiros podiam ser decorrentes do fato de os rebeldes terem utilizado seu estado como porta de entrada para os recursos bélicos vindos do exterior. Como exemplo, pode-se citar a compra de uniformes militares em Buenos Aires, com destino ao movimento revolucionário e a tentativa de entrada de armas e munições disfarçadas como outros bens. Outro exemplo, não se restringindo mais ao Rio Grande do Sul, foi a troca de erva-mate por munições na fronteira de Foz do Iguaçu com o Paraguai. Grande parte dessas articulações foram descobertas pelo Ministério das Relações Exteriores, que se mostrou sempre atuante no combate à revolução.192 Tanto no aspecto militar quanto no âmbito político, o contexto inicial de 1925 não foi favorável a um acordo entre as duas partes em combate. Os contingentes gaúchos uniram-se aos paulistas em Foz do Iguaçu, no dia 11 de abril de 1925.193 Nessa região, foram estabelecidas as principais diretrizes do movimento revolucionário para a fase que se iniciava a partir do oeste do Paraná. Assim, a Coluna Prestes nasceu da união dos combatentes paulistas e gaúchos194.

192CURVO, op. cit. p. 89; GARCIA, op. cit. p. 538-540; MOREIRA LIMA, op. cit. p. 115; MEIRELLES, op. cit. p. 336-338. 193 Moreira Lima registra a data de junção das duas forças como sendo o dia 11; Meirelles já registra a data do dia 12, ambas do mês de abril. Como o relato de Moreira Lima é de um ex-integrante da Coluna, por isso pode ser considerado como uma fonte primária, demos preferência a esse autor. MEIRELLES, op. cit. p. 365; MOREIRA LIMA, op. cit. p. 113. 194 Duas questões são passíveis de controvérsia e merecem atenção maior: o nome da Coluna e em que momento ela surgiu. O movimento rebelde teve como líder formal o marechal Isidoro Dias Lopes. A marcha realizada pelo país ficou sob comando direto de Miguel Costa, mas foi marcada pela ascensão da liderança de Luis Carlos Prestes. Assim sendo, optou-se pelo nome de “Coluna Prestes” em função de esta nomenclatura ter sido escolhida por Moreira Lima, integrante da Coluna e responsável direto pela elaboração do diário de campanha dos rebeldes. Escolheu-se Foz do Iguaçu como o local de surgimento da Coluna Prestes em função do fato de que, até o encontro entre as forças paulistas e gaúchas, nessa cidade paranaense, o movimento revolucionário não tinha seu destino determinado. Mesmo que a intenção de Prestes, desde o início, tenha sido a de empreender uma guerra de movimento contra o governo federal, essa estratégia só foi absorvida pelo Estado-Maior revolucionário em Foz do Iguaçu. Neste local, ficou acordado que os rebeldes deveriam marchar pelo país, esperando engrossar as fileiras rebeldes, para, em seguida, derrubar Artur Bernardes. 75

2.5. CONCLUSÃO

A série de movimentos rebeldes que eclodiram ao longo da década de 1920 foi sintomática do contexto daquele período no Brasil. Entre os novos atores que ganhavam força na sociedade brasileira, as Forças Armadas foram um dos mais importantes. Tal como demonstrado no primeiro capítulo, o Exército Brasileiro estava dividido em três grupos diferentes, sendo que os tenentes rebeldes representavam os partidários das intervenções militares contestatórias, levadas a cabo pelos “soldados-cidadãos”. Ao mesmo tempo em que defendia uma reforma da instituição, esse grupo também advogava maior papel do Exército na vida política do país. Ao não ver nenhum de seus pleitos plenamente realizados, os rebeldes decidiram recorrer às armas, para tentar implantar suas demandas à força, contra os políticos oligarcas e contra o Exército se necessário fosse. Ao efetivar suas revoltas e rebeliões, os tenentes conseguiram chamar atenção de grande parte da população urbana da época às causas pelas quais lutavam: moralização da vida política; voto secreto; maior controle do poder Judiciário em face das medidas tomadas pelo Executivo e pelo Legislativo; manutenção dos direitos e das garantias individuais dos cidadãos, podendo alterá-los somente com a finalidade de ampliá-los; liberdade de imprensa; reforma no ensino público. Se, logo após o primeiro 5 de julho, houve isolamento dos militares rebeldes por parte do operariado, da pequena burguesia e de todos os setores das oligarquias, com o decorrer da década, tal estado foi alterado. Os impactos das revoltas e dos levantes sobre a população brasileira foram percebidos com o passar do tempo, e, no final da década de 1920, a imagem dos jovens militares rebeldes era outra. O mito criado em torno das figuras dos tenentes foi significativo. Todo o país passou a admirar muitos daqueles oficiais que estavam dispostos a sacrificar suas vidas em prol da nação. Com o advento da Coluna Prestes e sua marcha pelo território nacional, a áurea heroica em torno dos militares rebeldes cresceu, chegando a ganhar forte valor político. Não por acaso, em 1930, tentando personificar o tenentismo, Getúlio Vargas tomou o poder, vestindo uma farda do Exército195. Angariando prestígio e poder político, os tenentes conseguiram chamar atenção das classes médias urbanas e das oligarquias dissidentes, criando, assim, as condições

195 CURVO, op. cit. p. 42. 76 para o surgimento da coalizão de forças que possibilitou o sucesso da Revolução de 1930. O principal movimento rebelde nesse sentido foi a Coluna Prestes tanto no que diz respeito a seus efeitos domésticos quanto a suas repercussões internacionais.

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CAPÍTULO 03 – A MARCHA DA COLUNA PRESTES E SEUS IMPACTOS NA POLÍTICA DOMÉSTICA

3.1. A MARCHA DA COLUNA PRESTES PELO PAÍS

O encontro dos revolucionários paulistas e gaúchos em Foz do Iguaçu marcou o conflito entre duas percepções militares diferentes. A guerra de posição clássica era ensinada pela Missão Francesa ao Exército Brasileiro e estava arraigada nas estratégias dos oficiais mais velhos. A guerra de movimento era defendida por Prestes e pelos oficias que vieram com a coluna gaúcha, em função dos êxitos obtidos durante a marcha entre o Rio Grande do Sul e o oeste do Paraná. A ideia de Isidoro Dias Lopes, certamente, não era permanecer entrincheirado em Foz do Iguaçu, até travar um confronto decisivo com o general Rondon. O que acontecera em Catanduvas já havia demonstrado que a guerra de posição contra as tropas legalistas, mais bem equipadas e alimentadas, era estratégia fadada ao fracasso. As opções que se apresentaram perante os oficiais rebeldes eram dar continuidade à marcha pelo país ou emigrar para Argentina ou Paraguai.196 Depois dos combates em São Paulo, da marcha desta capital até Foz do Iguaçu, de meses de combate contra tropas legalistas no oeste do Paraná e da queda de Catanduvas, as forças paulistas estavam moralmente abaladas, e grande parte dos oficiais só pensava em emigrar para a Argentina. O contingente gaúcho, por outro lado, havia marchado de São Luiz Gonzaga até Foz do Iguaçu, acumulando vitórias. Chegaram até o oeste do Paraná e consideravam-se vitoriosos, por terem cumprido o que lhes fora proposto. Na reunião em que a oficialidade rebelde decidiu o futuro do movimento, instaurou-se conflito entre a visão de Prestes e a falta de perspectivas de alguns oficiais da coluna paulista em relação à revolução:

(...) A ordem era retirar, todo mundo retirar. Quando eu cheguei em Foz do Iguaçu, todo mundo só falava em ir embora para a Argentina. Eu estava com uma raiva fantástica, porque vitorioso, chegar e encontrar esse ambiente! Eu intervim, então, para dizer, com certa energia... Fiz um discurso, com muita energia, dizendo que eu não podia convencer meus soldados, que se consideravam vitoriosos, agora, a emigrar nesse momento. Que isso era um absurdo, que nós, antes de chegar à emigração, tínhamos, pelo menos, duas outras hipóteses. Primeiro: vamos procurar sair daqui, dessa região. Vamos nos mobilizar e sair daqui. Se não conseguirmos sair, vamos resistir. E só na terceira hipótese é que vem a passagem à Argentina. Ah, meu Deus! Quando eu disse isso, aqueles oficiais foram se levantando e cada qual foi tratando

196 CURVO, op. cit. p. 52; MEIRELLES, op. cit. p. 364-368; PRESTES, op. cit. p 172-175. 78

de entrar, de passar para a Argentina. (...) (PRESTES apud PRESTES, 1997, p. 173197)

Apesar da resistência de muitos oficiais paulistas, as ideias de Luis Carlos Prestes prevaleceram e foram seguidas pelos que remanesceram na luta contra o governo. Sem forças suficientes para marchar em direção ao Rio de Janeiro e depor Artur Bernardes, o objetivo principal dos rebeldes passou a ser manter o movimento revolucionário vivo. Andando pelo interior do país, a Coluna atrairia mais combatentes para suas fileiras198. As conspirações, os levantes e as revoltas que ocorreram por todo o país eram prova de que havia agitação política em alguns setores da sociedade à época. Os jovens tenentes não sabiam, no entanto, que esses grupos não possuíam força o suficiente para subverter a ordem estabelecida pelas oligarquias estaduais. Somente com a Revolução de 1930, uma reorganização no equilíbrio de poder entre os grupos que controlavam o país foi realizada.199 Em Foz do Iguaçu, as forças rebeldes foram reorganizadas em destacamentos agrupados de acordo com a origem dos soldados, fazendo que, em primeiro momento, gaúchos e paulistas não participassem de mesma brigada. A Brigada Rio Grande ficou sob comando de Luis Carlos Prestes, com quatro destacamentos chefiados por Cordeiro de Farias, Siqueira Campos, Ary Salgado Freire e João Alberto. A Brigada São Paulo ficou sob comando de Juarez Távora e também foi composta por quatro destacamentos chefiados por Alves Lyra, Jorge Danton, Ricardo Hall e Virgílio dos Santos200. Com o objetivo de estabelecer a rede de abastecimento revolucionária, partiram para a Argentina o general Isidoro Dias Lopes, em função de sua idade avançada, juntamente com outros oficiais rebeldes já muito debilitados pelas precárias condições que encontraram nos últimos seis meses. O coronel João Francisco foi outro que buscou cuidados médicos na Argentina, em decorrência da malária. Essa doença, também denominada à época impaludismo, foi um dos principais motivos de baixas nas forças revolucionárias em Foz do Iguaçu, juntamente com a sarna. 201 À época, a fronteira entre Brasil e Argentina era escassamente fiscalizada, e o contrabando de produtos era muito comum ao longo de sua extensão, principalmente nas regiões do estado do Paraná e mais ao sul do estado do Rio Grande, próximo às

197 Depoimento de Luis Carlos Prestes à autora. 198 CURVO, op. cit. p. 53; MACAULAY, 1977, p. 115-116; PRESTES, op. cit. p. 173-174. 199 FAUSTO, op. cit. p. 325-328. 200 MOREIRA LIMA, op. cit. p. 114 e 124-125. 201 MEIRELLES, op. cit. p. 339-340, 354-355 e 367-368; MOREIRA LIMA, op. cit. p. 115; PRESTES, op. cit. p. 179-181. 79 cidades de Paso de los Libres e Uruguaiana202. Sabendo disso, os rebeldes decidiram que suprimentos bélicos e víveres indispensáveis para a campanha contra o governo do Rio de Janeiro poderiam ser obtidos no exterior e enviados por meio de contrabando na fronteira do Brasil com a Argentina, conforme já haviam feito anteriormente, quando do levante dos batalhões gaúchos.203 Depois de decidir que a revolução iria continuar e de ter reorganizado seus efetivos, a primeira coisa tentada pelos rebeldes foi retomar Guaíra. Abandonada às pressas, pouco antes de as forças gaúchas chegarem, essa localidade era o ponto por meio do qual as tropas revolucionárias deveriam passar para chegar ao Mato Grosso. Essa tentativa, no entanto, fracassou, e os rebeldes ficaram em situação complicada. As forças comandadas pelo general Rondon marchavam em sua direção, e três rios cercavam os revolucionários, o Paraná, o Iguaçu e o Piquiri.204 Nesse evento, novamente, a capacidade militar e os dotes de estrategista de Prestes destacaram-se. A Coluna rebelde resolveu atravessar o rio Paraná, ingressar no Paraguai, para, em seguida, entrar em território mato-grossense. A travessia de 400 a 500 metros de extensão do rio Paraná surpreendeu o marechal Rondon, já que esse comandante considerava que as forças legalistas iriam colocar fim às atividades dos rebeldes em pouco tempo. Tal aspecto pode ser concluído pelo teor de telegrama enviado ao Presidente Artur Bernardes e assinado por esse militar205:

Espero dentro de poucos dias resolver a situação definitivamente, convencido de que poderá, no dia 3, o Senhor Presidente da República declarar restabelecida a ordem no Paraná e em Santa Catarina, e, quiçá, em todo o Brasil, pois não creio nas novas tentativas que os chefes rebeldes, batidos e vencidos, apregoam, o que não tem outro intuito senão produzir efeito para fins de anistia. (RONDON apud PRESTES, 1997, p. 178206)

Entre o dia 27 e o dia 29 de abril, de 1925, os rebeldes atravessaram o Rio Paraná de Porto Mendes, no lado brasileiro, para Puerto Adela, no lado paraguaio. Utilizaram para esse fim um vapor pequeno de nome “Assis Brasil”, um vapor

202 Informe do cônsul Demetrio de Toledo a Félix Pacheco, intitulado “O contrabando na fronteira argentino-brasileira, com especialidade entre as cidades de Paso de los Libres e Uruguayana” de 24 de julho de 1924, AHI, Lata 518, maço 8427. 203 CURVO, op. cit. p. 89; GARCIA, op. cit. p. 538-540; MOREIRA LIMA, op. cit. p. 115; MEIRELLES, op. cit. p. 336-338. 204 PRESTES, op. cit. p. 171. 205 PRESTES, op. cit. p. 185. 206 Telegrama do general Cândido Mariano Rondon a Artur Bernardes, de Guarapuava (Paraná), de 23 de abril de 1925. Arquivo Artur Bernardes, microfilme 16/B13, segundo Anita L. Prestes. 80 paraguaio apresado, de nome “Bell”207, e uma canoa. Como a decisão de entrar em território paraguaio e a travessia foram feitas de maneira rápida, não houve muito tempo para negociações com as autoridades daquele país. João Alberto levou carta da oficialidade da Coluna ao comandante da guarnição de Puerto Adela, capitão Ortiz. A carta solicitava que as autoridades paraguaias autorizassem os brasileiros a atravessar armados o trecho de 120 a 150 quilômetros de território paraguaio com vistas a reingressar em território brasileiro. Os rebeldes comprometiam-se a respeitar as leis paraguaias e a ordem no país vizinho. Também justificavam a necessidade de ingressar com seus armamentos, no Paraguai, como modo de garantir que uma tragédia similar à ocorrida em Los Galpones, Uruguai, não se repetisse. Apesar de o comandante da guarnição paraguaia de Puerto Adela ter resistido à ideia no principio, João Alberto convenceu-o, ao afirmar que as tropas rebeldes já se encontravam em solo paraguaio e que a guarnição em Adela não seria páreo para resistir-lhes. Acrescentou que seria um derramamento de sangue inútil negar direito de passagem à Coluna revolucionária, pois eles cruzariam o território paraguaio com ou sem o consentimento da guarnição de Ortiz. Na realidade, as forças de Prestes e Miguel Costas ainda não haviam cruzado o rio.208 A travessia do Paraguai ocorreu sem maiores problemas. Com o passar do tempo, a campanha dos rebeldes demonstrou como os militares brasileiros estavam mal preparados para lidar com uma força minimamente organizada que se deslocava pelo interior do país. Apesar de fazer uso constante da mídia para influenciar a opinião pública e impedir que muitos fatos viessem à tona, aos poucos, ficava claro que a campanha contra os revolucionários não ia tão bem quanto noticiado. Após quase um ano de lutas, o governo federal não podia negar sua incompetência para desbaratar os rebeldes da Coluna Prestes. Nos anos seguintes, essa percepção ficou mais generalizada, e comprovou-se a obsolescência dos conceitos e das táticas militares vigentes no Exército Brasileiro. Apesar de todo o esforço para manter os jornais sob controle e para esmagar os rebeldes, já havia estragos na imagem do governo e do Exército, conforme se comprova

207 O modo pelo qual os revolucionários capturaram o vapor Bell encontra-se relatado em entrevista dada pelo comandante da embarcação ao jornal La Nacion, do dia 11 de maio de 1925, segundo consta no telegrama Toledo a Pacheco, tel. nº 230, Buenos Aires, 11 mai., 1925, AHI, 208/02/04. 208 MEIRELLES, op. cit. p. 372-375; MOREIRA LIMA, op. cit. p. 120-127; PRESTES, op. cit. p. 177- 181. 81 pela percepção que o major Bertoldo Klinger expôs em telegrama enviado ao marechal Setembrino de Carvalho, então ministro da Guerra:

Insofismável vitória militar governo estabelece base bastante abordar decidido solução terreno político, sem nenhuma pieguice de magnanimidade ou benevolência, mas pura razão de Estado corajosamente atendida, com decorrente mudança tratamento magno problema. Dano prestígio governo, a que V. Exa. alude, força é reconhecer já está consumado e só pode agravar- se teimando processos já um ano inteiro não conduzem resultados nem nunca o poderão (KLINGER apud PRESTES, 1997, p. 434-435) 209.

Com o passar da marcha, os jovens oficiais da Coluna ganharam destaque nacional por suas capacidades de liderança e de combate. Cordeiro de Farias, Juarez Távora, Siqueira Campos e, principalmente, Luis Carlos Prestes foram considerados como integrantes de uma força revolucionária que não podia ser vencida pelo governo federal 210. Os excepcionais feitos militares foram as principais causas para o aumento de prestígio dos revolucionários entre a sociedade civil e em parcelas importantes do próprio Exército. O rompimento do cerco em São Luiz Gonzaga, a travessia do Paraná, o ingresso no Mato Grosso por meio do território paraguaio, as inúmeras manobras que, por mais de uma vez, fizeram tropas legalistas combaterem entre si, o “laço húngaro” dado no norte de Minas Gerais e a travessia do pantanal para ingressar no exílio na Bolívia211 são alguns desses feitos que merecem nota. De outro modo, tais ações não seriam possíveis caso os rebeldes não tivessem adotado algumas medidas que, mais tarde, mostraram-se fundamentais para elevar a moral dos combatentes. Tática interessante foi utilizada no tratamento dispensado aos feridos. Segundo Prestes, a Coluna nunca deixou nenhum de seus homens para trás em decorrência de ferimentos. O fato de saberem que não seriam abandonados dava alento aos revolucionários e gerava maior união entre eles. Os rebeldes podiam combater sem o temor de ser deixados à própria sorte no caso de feri-se. Por sua vez, o efetivo de médicos na Coluna foi uma das piores privações enfrentadas. O único profissional de formação em medicina, doutor Athayde da Silva212, participou de pequeno trecho da

209 Original em KLINGER, Bertoldo. Narrativas Autobiográficas. V. 4: 380 léguas de campanha em 3 meses. Rio de Janeiro, Ed. “O Cruzeiro”, 1949, p. 188-189. 210 FAUSTO, op. cit. p. 321-323. 211 Tanto a manobra do “laço húngaro” quanto a travessia do Pantanal serão analisadas mais adiante. 212 Toledo a Pacheco, tel. nº 78, Buenos Aires, 11 fev., 1925, AHI, 208/02/04. 82 marcha, deixando a responsabilidade de cuidar dos feridos ao veterinário Aristides Correa Leal e às mulheres que acompanhavam a Coluna.213 O papel exercido pelas mulheres ao longo da marcha revolucionária também é digno de nota. Desde o Rio Grande do Sul, muitas acompanharam as forças rebeldes. A princípio, Prestes foi contra, mas, diante da insistência delas em permanecer ao lado de seus maridos, namorados e amasiados e percebendo como auxiliavam no rancho, no tratamento de enfermos e, por vezes, no combate ao inimigo, a resistência dos líderes da Coluna às mulheres foi eliminada. Durante toda a marcha, somente Siqueira Campos não mudou de opinião. Não as permitiu em seu destacamento e tratou com rispidez ou indiferença aquelas que faziam parte dos outros214.

3.2. DO PARAGUAI AO MARANHÃO

As tropas rebeldes reingressaram em território nacional no sul do Mato Grosso. Com a finalidade de confundir as tropas legalistas e abrir caminho para o norte, a Coluna lançou destacamentos em várias direções diferentes, mantendo o grosso de suas forças mais atrás, aguardando o deslocamento das peças de artilharia. A Serra de Maracaju foi terreno de difícil locomoção para os pesados canhões em posse dos revolucionários. A falta de mobilidade que esses armamentos proporcionavam foi o principal fator pela decisão da Coluna Prestes de enterrá-los na fazenda Jacareí, no sul do Mato Grosso. Os rebeldes obtiveram controle de várias cidades do interior do Mato Grosso, como, por exemplo, Zacaró, Jacareí, Porto Felicidade, Dom Carlos e a vila de Campanário, sede da empresa Mate Laranjeira. Os recursos encontrados na sede dessa companhia foram de grande importância para a Coluna215. Roupas, calçados e víveres de forma geral deram novo alento aos rebeldes. Aos poucos, os revolucionários recobravam suas forças com os abundantes recursos encontrados nas terras mato- grossenses. Logo que saíram do Paraguai, metade da tropa já havia conseguido encontrar montarias. A outra metade do efetivo rebelde conseguiu achar bons cavalos, antes de chegar a Goiás, dotando a Coluna Prestes de grande mobilidade e agilidade.216

213 PRESTES, op. cit. p. 164-166. 214 MOREIRA LIMA, op. cit. p. 130-131; PRESTES, op. cit. p. 161. 215 Toledo a Pacheco, tel. nº 238, Buenos Aires, 14 mai., 1925, AHI, 208/02/04. 216 MEIRELLES, op. cit. p. 381-383; PRESTES, op. cit. p. 188-190. 83

Os primeiros contatos com tropas legalistas foram feitos próximos à fronteira com o Paraguai e não representaram grandes problemas para os rebeldes. Na região da cabeceira do Rio Apa, no entanto, os revolucionários encontraram forte contingente do Exército sob comando do major Bertoldo Klinger. Como Siqueira Campos e João Alberto guardavam o flanco esquerdo da Coluna, travaram combates significativos com essas forças até que o grosso do efetivo rebelde marchasse rumo ao norte. Nessa ocasião, houve divergência entre Prestes e Miguel Costa. O primeiro era favorável a combater as tropas de Klinger somente como meio de garantir a passagem da Coluna pela região, retraindo as forças revolucionárias assim que fosse possível. Por sua vez, Miguel Costa era favorável a um combate decisivo217:

E deu-se, então, uma primeira discussão na direção... (da Coluna)... O Miguel era de opinião que devíamos travar um combate decisivo com o Bertoldo Klinger. E eu fui contra, me manifestei contra, porque aquilo não estava dentro do nosso objetivo estratégico, que era manter a luta, manter as bandeiras da luta armada e, particularmente, ver se podíamos, com a nossa ação, atrair forças do inimigo, para que os nossos companheiros, no Rio, tivessem mais facilidade para pôr o Bernardes abaixo. (...) Não tínhamos nenhum programa diferente. (...) O objetivo era manter a luta e, portanto, evitar combates decisivos. A minha argumentação foi a seguinte: – Se travarmos um combate decisivo, se ganharmos, amanhã seremos obrigados a outro combate decisivo; e, se perdermos, está tudo perdido. Principalmente na fronteira de um país estrangeiro. – Estávamos na fronteira do Paraguai e já muita gente voluntariamente estava fugindo, estava desertando. (...) O nosso intuito (...) era o de manter a revolução, esperando que nas capitais, alguma eventualidade nos proporcionasse o ensejo para o golpe decisivo sobre a tirania opressora. Por isso, evitamos choques. Não nos interessava o combate decisivo. (PRESTES apud PRESTES, 1997, p. 188- 189218)

Entre os militares e civis legalistas que perseguiram a Coluna Prestes, Bertoldo Klinger foi um dos que se destacou por sua tenacidade e por sua capacidade militar. Poucas vezes, foi enganado pelas manobras dos rebeldes e causou grandes problemas aos revolucionários.219 O contexto em que ocorreu o enfrentamento entre as forças de Klinger e as tropas da Coluna Prestes tinha como agravante o fato de o major legalista ter sido um dos conspiradores em São Paulo. Pouco após o Segundo 5 de Julho, Bertoldo Klinger tornou-se legalista, por isso causou profundo desgosto entre seus companheiros revolucionários. Após os enfrentamentos na cabeceira do Rio Apa, o

217 MOREIRA LIMA, op. cit. p. 149. 218 Depoimento de Luis Carlos Prestes à autora e entrevista de Luis Carlos Prestes ao jornal O Globo transcrita em O Diário Nacional, São Paulo, 1 de fevereiro de 1930, p. 2. 219 PRESTES, op. cit. p. 202-205. 84 major enviou correspondência aos líderes da Coluna, propondo a rendição das forças revolucionárias e autorizando os oficiais rebeldes a emigrar para o exterior. Por ter sido considerada por muitos como injuriosa, a proposta de Klinger não foi sequer respondida.220 Com a retomada da marcha e dos combates às forças do governo, ficaram evidentes alguns problemas na estrutura da Coluna. Diferentemente dos gaúchos, os paulistas tinham grandes dificuldades em encontrar boas montarias e em deslocar-se com a mesma agilidade que os rebeldes do sul. A Brigada São Paulo enfrentava sérias dificuldades para acompanhar a Brigada Rio Grande, e Siqueira Campos chegou a sugerir a Luis Carlos Prestes que a Coluna deixasse Juarez Távora e seus comandados para trás. A situação exigia medidas urgentes para que a unidade das forças rebeldes não fosse perdida. Assim, logo após atravessar a estrada de ferro Noroeste do Brasil, próximo a Campo Grande, Luis Carlos Prestes convocou reunião entre os comandantes, a fim de debater a possibilidade de fundir os efetivos das duas Brigadas, misturando paulistas e gaúchos221:

Eu propus ao Dutra, que era chefe do Estado-Maior, fazer uma reunião de oficiais, para fazer uma proposta de modificação. E foi feita a reunião dos oficiais das duas colunas. E o Dutra, como chefe do Estado-Maior, propôs a organização do comando e dos quatro destacamentos, formando o 1° destacamento, sob o comando de Cordeiro de Farias, com gente do Rio Grande e gente de São Paulo; o 2° destacamento, sob o comando de João Alberto; o 3° destacamento, do Siqueira; e o 4°, do Djalma Dutra. Eu passava a chefe do Estado-Maior, porque eu já tinha assumido praticamente o comando, pois o Miguel tinha uma posição, que não estava de acordo com nossa própria estratégia. E eu tinha medo que ele cometesse um erro. E o Juarez ficou como subchefe do Estado-Maior. Todos concordaram. Foi um aplauso e todos disseram – De acordo! – Menos o Juarez, que votou contra e ainda passou recibo. Disse: - A Coluna do Rio Grande engoliu a de São Paulo. (...). (PRESTES apud PRESTES, 1997, p. 191.222)

A nova organização da Coluna comportava também um pelotão de disciplina, comandado pelo tenente Hermínio Fernandes Amado. Todos que sofriam alguma punição eram temporariamente incorporados ao referido pelotão e tinham como método de reeducação o trabalho redobrado ou as tarefas mais penosas.223

220 MACAULAY, op. cit. p. 108; MEIRELLES, op. cit. p. 395-396; MOREIRA LIMA, op. cit. p. 144- 145; PRESTES, op. cit. p. 189. 221 CURVO, op. cit. p. 55-56; MACAULAY, op. cit. p. 114; MEIRELLES, op. cit. p. 397-399; MOREIRA LIMA, op. cit. p. 149-151. 222 Depoimento de Luis Carlos Prestes à autora. 223 PRESTES, op. cit. p. 197-198. 85

Com nova estrutura, os rebeldes ganharam maior mobilidade e agilidade. A lógica subjacente à marcha foi bem descrita por Ítalo Landucci. A Coluna tinha em torno de uns quarenta quilômetros entre uma extremidade e outra. Um destacamento ficava encarregado de abrir caminho enquanto o grosso da tropa ficava a umas duas ou três léguas atrás224. Depois de um dia, o destacamento de vanguarda era rendido por outro e acampava no local em que entregara o serviço, esperando que toda Coluna passasse por ele. Quando chegava à retaguarda, rendia o destacamento que estava cuidando dessa parte da Coluna e, depois de um dia, era novamente rendido por outro destacamento. Em deslocamentos sem grandes sobressaltos, esse sistema permitia o descanso de cada destacamento por três dias, antes de assumir a vanguarda e, depois, da retaguarda. Obviamente, havia os efetivos empregados nas patrulhas dos flancos que também tinham sua escala de serviço com revezamentos periódicos. Como maneira de assegurar contato constante entre as unidades em movimento e o Estado-Maior, foi estabelecida uma corrente contínua de ligações por meio de bilhetes e recados enviados por mensageiros.225 Saindo de Mato Grosso, a Coluna Prestes entrou em Goiás, pela cidade de Mineiros. Mais à frente, na fazenda denominada Zeca Lopes, chegou até o comando revolucionário a segunda carta do major Bertoldo Klinger. Como da vez anterior, os rebeldes aprisionaram o portador da missiva e queimaram o carro que o trazia. Inconformados e ofendidos pelos termos propostos, o Estado-Maior revolucionário decidiu permanecer acampado na fazenda de Zeca Lopes à espera das forças legalistas de Bertoldo Klinger. Já era final de junho de 1925, e o combate foi um dos mais sangrentos que a Coluna enfrentou. Mais de trinta revolucionários foram mortos diante da superioridade de poder de fogo dos legalistas. Os caminhões que transportavam os efetivos de Klinger estavam equipados com grande quantidade de metralhadoras e munição, tendo causado estragos consideráveis nas forças revolucionárias, que foram obrigadas a retirar-se do combate.226 Segundo relato de Luis Carlos Prestes, o comando revolucionário aprendeu importante lição nessa batalha. Ficou estabelecido, a partir de então, que a Coluna só se engajaria em confrontos caso tivesse certeza de vitória. Sempre que as forças legais

224 1 légua equivale, aproximadamente, a 6.600 metros. 225 LANDUCCI, 1952, p. 160-161; PRESTES, op. cit. p. 200. 226 MACAULAY, op. cit. p. 125-129; MEIRELLES, op. cit. p. 404-407; MOREIRA LIMA, op. cit. p. 166-168; PRESTES, op. cit. p. 206-207. 86 fossem superiores ou houvesse dúvidas a respeito do desfecho de provável combate, a luta deveria ser evitada.227 Em perseguição à Coluna Prestes, o major Bertoldo Klinger conseguiu compreender a tática de campanha dos rebeldes.228 Em grande quantidade de correspondências, Klinger tentou várias vezes alertar seus superiores para o fato de que era impossível seguir os rebeldes e vencê-los em decorrência da maneira pela qual se deslocavam pelos sertões do país. As forças de Klinger necessitavam de estradas para deslocar seus efetivos, enquanto a Coluna escolhia movimentar-se por áreas onde existiam poucas vias de acesso para caminhões e automóveis. O pensamento de Klinger era o seguinte:

Dois fatos caracterizavam aquela invasão dos revolucionários: 1°) eles não dispunham de efetivo para atacar as forças legalistas, desde que defrontassem a estas em número de algumas centenas de homens, bem armados e bem comandados; 2°) a legalidade não dispunha de tais pontos fortes, numa rede capaz de impedir o prosseguimento dos invasores. Estes se limitavam a fintar, fazer escaramuças contra elementos legalistas superiores que topassem em seu itinerário, enquanto escoavam o seu grosso pelas regiões sem resistência – às quais sempre teriam à escolha no imenso oceano de nossa hinterlândia. (...) Para deter a invasão, dada a impotência da força, desprovida de meios de transporte rápido, só mesmo o caminho das negociações podia prometer solução. E como, presumivelmente, os revolucionários quanto mais se internassem menos se sentiriam dispostos a negociar a pacificação, era urgente abordá-los com esta idéia. (KLINGER apud PRESTES, 1997, p. 204-205229)

Em Anápolis, novamente, os rebeldes enfrentariam as forças de Bertoldo Klinger. No entanto, a Coluna Prestes não as atacou diretamente como havia feito em Zeca Lopes. Os revolucionários empreenderam escaramuças pontuais contra os homens de Klinger, sem deixar de continuar em seu deslocamento, rumo ao norte do estado, por meio de caminhos inacessíveis a veículos. Assim, por ter recebido instruções diretas do general Pantaleão Teles Ferreira, Klinger deslocou seus homens para o norte de Anápolis, a fim de perseguir os rebeldes. Como não os podia transportar em caminhões, começou a fazer marcha de perseguição a pé.230

227 Depoimento de Luis Carlos Prestes à autora em PRESTES, 1997, p 208. 228 MEIRELLES, op. cit. p. 401-402; PRESTES, op. cit. p. 204-214. 229 Original em KLINGER, Bertoldo. Parada e desfile de uma vida de voluntário do Brasil, na primeira metade do século. Rio de Janeiro, Empresa Gráfica “O Cruzeiro”, 1958, p. 226. 230 MEIRELLES, op. cit. p. 416-417; MOREIRA LIMA, op. cit. p. 177-178; MACAULAY, op. cit. p. 134-137; PRESTES, op. cit. p. 211-212. 87

As tropas legalistas de Klinger não estavam habituadas a deslocar-se a pé e, ao serem fustigadas em seus flancos por destacamentos da Coluna, ficaram com a moral abalada. Percebendo o que se passava, Bertoldo Klinger recuou com seus efetivos para Anápolis, conduziu os soldados para os quartéis e dissolveu suas forças, desobedecendo às ordens do general Teles Ferreira. Como consequência, o major foi preso, processado e condenado, sendo absolvido posteriormente pelo Superior Tribunal Militar231. A lucidez de Klinger em relação à tática dos rebeldes fica evidenciada em suas obras:

Como os adversários fogem da luta e escapam para lugares envios, é impossível alcançá-los, dada a vastidão do terreno e falta de meios ao pé da obra. O esmagamento é pura teoria. A questão não tem solução pela força. Importa corajosamente resolvê-la por via política com um ato radical de ampla volta à paz. (KLINGER apud PRESTES, 1997, p. 212232)

O reconhecimento da perspicácia de Klinger viria dos próprios rebeldes. Juarez Távora afirmou que, após Klinger, as tropas legalistas não mais incomodaram a marcha da Coluna até o Nordeste. Luis Carlos Prestes também reconheceu a competência e a capacidade do major pelo fato de este militar ter percebido qual era a real estratégia dos revolucionários:

...(Klinger)...foi o único militar que compreendeu que nós não tínhamos fábricas de munições. Justiça se faça a ele, porque os outros todos exageraram nossa força. (...) Ele era competente. Foi o único que compreendeu que o fundamental era combater e não – para seguir a Missão Francesa – fazer trincheira para resistir, que era o que eles faziam, a maioria fazia. (...) A orientação tática era essa. (...) (PRESTES apud PRESTES, 1997, p. 213233).

A posição de Bertoldo Klinger a respeito da Coluna Prestes mostrou-se, mais tarde, acertada, uma vez que o governo federal não pôde esmagar os revolucionários por meio de ações militares. Artur Bernardes não conseguiu pacificar o país e deixou a Washington Luis contextos político e econômico preocupantes. Ressalte-se, no entanto, que, se, no âmbito militar, os rebeldes não foram vencidos, no aspecto político, o governo federal não foi batido, tendo a República Velha conseguido sobreviver por mais alguns anos, após a Coluna Prestes ter-se exilado na Bolívia.

231 MACAULAY, op. cit. p. 136-137; MEIRELLES, op. cit. p. 417-418; PRESTES, op. cit. p. 210-214. 232 Original em KLINGER, Bertoldo. Narrativas Autobiográficas. V. 4: 380 léguas de campanha em 3 meses. Rio de Janeiro, Ed. “O Cruzeiro”, 1949, p. 246. 233 Depoimento de Luis Carlos Prestes à autora. 88

Da cidadezinha de Posse, no estado de Goiás, os rebeldes mandaram carta destinada ao deputado Batista Luzardo com os termos mínimos para encetar um acordo com o governo. Segundo suas exigências, “o limite mínimo” de suas aspirações era a revogação da Lei de Imprensa, a adoção do voto secreto, a concessão de anistia a todos da Coluna e a suspensão do estado de sítio. De acordo com os revolucionários, “com tais medidas (...) talvez seja possível ao governo trazer ao Brasil a paz e a tranqüilidade de que tanto necessita”.234 O momento político para discussão política sobre a anistia aos rebeldes não era dos melhores. Em meados de setembro de 1925, o Congresso estava ocupado com os debates em torno da reforma na Constituição, sendo os esforços de Luzardo pouco eficazes.235 A despeito dos debates no Legislativo, a Coluna Prestes passou de Mato Grosso a Goiás, fez incursão breve ao norte de Minas, próximo ao Rio São Francisco, em Urucuia, retornou a Goiás, passou pelo território que, atualmente, constitui o Tocantins e entrou no Maranhão e no Piauí, ainda em 1925. Durante a estada em Goiás, o Estado- Maior revolucionário mandou mensageiro a Isidoro Dias Lopes, solicitando armas, munições e víveres que deveriam ser despachados para alguma parte da Bahia. Marchando até esse estado, os rebeldes lançariam mão desses recursos, antes de avançar sobre o Rio de Janeiro, para depor Artur Bernardes. Conforme se soube mais tarde, tais armas nunca chegaram até a Bahia, apesar dos esforços de Isidoro Dias Lopes, que podem ser comprovados pelos telegramas enviados ao Rio de Janeiro pela Embaixada do Brasil em Buenos Aires e pelos consulados brasileiros localizados nas cidades argentinas de fronteira com o Rio Grande do Sul.236 Na região norte de Goiás, a Coluna encontrou tranquilidade em sua marcha. Na cidade de Porto Nacional, por exemplo, os rebeldes foram bem recebidos pela população local e por Frei José Audrin, responsável pelo Convento Dominicano da cidade.237 Nessa área, os combatentes da Coluna tomaram conhecimento sobre várias lendas que corriam o interior do país a respeito de poderes fantásticos e ações inexplicáveis vinculadas à imagem deles. Com passar do tempo, a fama e o misticismo

234MEIRELLES, op. cit. p. 422; MOREIRA LIMA, op. cit. p. 192-193. 235 MEIRELLES, op. cit. p. 423-426. 236 MOREIRA LIMA, op. cit. p. 168-170; PRESTES, op. cit. p. 210; AHI. Vários telegramas tratam da movimentação e da articulação das forças rebeldes na Argentina, no Uruguai e no Paraguai, no período entre 1924 e 1927, Cf., entre outras, as pastas 202/2/1; 223/3/1; 208/2/3; 208/2/4; 208/2/5; 208/2/6; 208/3/1; 208/2/6; 215/01/04; 215/01/05; fichas temáticas com referencia à lata 478, Maço 7453; lata 518, maço 8427; 237 MOREIRA LIMA, op. cit. p. 197-201. 89 em torno da marcha revolucionária aumentaram de modo significativo, entre as populações do interior.238 As consequências que a passagem da Coluna trazia às populações campesinas do interior do país foram ponto sensível sobre o qual os revolucionários foram chamados a refletir por Frei Audrin. Desde o Paraná, a Coluna Prestes apresentava forte grau de disciplina com relação às ordens recebidas por seus comandantes. No entanto, a formação de um pelotão da disciplina demonstrava que a conduta dos componentes da tropa nem sempre eram corretas e mereciam punições. É natural que fosse assim, dado o efetivo superior a mil homens que compunha a Coluna Prestes. Além das ações desviantes de alguns revolucionários, o alto comando rebelde fez diversas requisições de artigos às famílias das cidades pelas quais passavam, tais como alimentos, roupas, calçados, gado, cavalos e armas, deixando em condições ainda mais miseráveis famílias que tinham pouco ou quase nada para manter-se.239 Os rebeldes deixavam por escrito todos os bens que auferiam dos particulares e instruíam-nos a requerer, junto à União, o valor equivalente às requisições feitas. Pela legislação à época – tanto a Constituição, quanto o Código Civil240 – o governo federal era responsável pelo ressarcimento dos bens utilizados por revolucionários, sendo necessário aos particulares:

(...) reconhecerem a firma do oficial que assina o documento. Caso o tabelião não pudesse fazer o reconhecimento, os interessados deveriam pedir a duas pessoas que abonassem a firma e autenticar, em seguida, a assinatura dos abonadores. Depois, deveriam comprar um selo proporcional ao do valor do bem requisitado, caso o montante das despesas não estivesse declarado no documento. Após o reconhecimento das firmas, as ―requisições‖ deveriam ser registradas no Cartório de Títulos e Documentos. As pessoas eram ainda alertadas para outro aspecto importante: o prazo para prescrição dessas ações, junto à União, era de cinco anos. (MEIRELLES, 1997, p. 432)

A empresa Mate Laranjeira procedeu dessa maneira, em 1930, para obter o ressarcimento de seus bens. Entretanto, “o ritual burocrático, com todos esses procedimentos de ordem legal, era liturgicamente incompreensível para a população

238 MEIRELLES, op. cit. p. 426-428; MOREIRA LIMA, op. cit. p. 194-198; PRESTES, op. cit. p. 216- 217. 239 MEIRELLES, op. cit. p. 431-432; MOREIRA LIMA, op. cit. p. 138. 240 MEIRELLES, op. cit. p. 452. 90 analfabeta”. Esperar conduta como essa de pessoas simples do campo que não tinham acesso, nem mesmo, a cartórios ou advogados era algo ingênuo241. Outro problema eram as forças que chegavam depois da Coluna. Muitas tropas de legalistas e de “patrióticos”242chegavam até as cidades que haviam ficado sob controle rebelde e causavam atos violentos contra a população, saqueando o local e prendendo aqueles que haviam colaborado com os revolucionários. Por isso, ainda que apoiassem os soldados da Coluna, muitas famílias temiam as represálias e a desordem que as tropas sob comando do governo causavam. Além disso, no rastro dos rebeldes também se formavam bandos de ladrões que, após a passagem da Coluna, saqueavam famílias das pequenas vilas e cidades, deixando-as em situação precária.243 Os revolucionários ficaram uma semana em Porto Nacional, descansaram, reabasteceram-se com mantimentos e partiram rumo ao Maranhão. No dia primeiro de novembro de 1925, a Coluna Prestes alcançou Pedro Afonso, próximo ao rio Tocantins e, dali, entrou no Maranhão. A primeira cidade a receber os rebeldes em terras maranhenses foi Carolina,244 onde a acolhida aos revolucionários foi muito boa, tendo tocado na chegada dos rebeldes a banda municipal.

3.3. DO MARANHÃO A MINAS GERAIS

De Carolina, a Coluna partiu para Uruçuí, seguindo o curso do Rio Parnaíba. Nessa região, o tenente Gaioso ficara encarregado de parar a marcha da Coluna, impedindo-a de aproximar-se de Teresina; para isso, o governador do Piauí, Matias Olimpio, havia composto o efetivo sob comando de Gaioso de homens da força pública do estado. Os revolucionários já sabiam que, em Benedito Leite, cidade defronte a Uruçuí, na margem maranhense do Parnaíba, havia uma força legalista superior a mil e quatrocentos homens. No dia 6 de novembro de 1925, quando um destacamento da Coluna se aproximou de Uruçuí, com a finalidade de garantir a passagem do grosso da tropa revolucionária pelo norte daquela região, houve contato com as forças legalistas sob comando de Gaioso, e o pânico instalou-se nas fileiras governistas. O efetivo legalista

241 MEIRELLES, op. cit. p. 433. 242 “Patrióticos” é o termo utilizado à época, para denominar as forças compostas por civis e arregimentadas pelos líderes locais do Nordeste e do Centro-Oeste, a fim de combater a Coluna Prestes. 243 MOREIRA LIMA, op. cit. p. 221; PRESTES, op. cit. p. 242. 244 MEIRELLES, op. cit. p. 450; MOREIRA LIMA, op. cit. p. 199-201; PRESTES, op. cit. p. 225-228. 91 entrincheirou-se rapidamente e esperou o fim do dia, começou, em seguida, forte tiroteio que durou até por volta de meia-noite, quando a munição dos legalistas acabou. Diante dessa situação, Gaioso tomou um vapor com a quantidade de homens que pôde e partiu em direção a Teresina, deixando vários combatentes de sua força para trás.245 No outro dia, a Coluna Prestes soube o que havia ocorrido. As tropas de Gaioso haviam despejado toda munição em sombras e vultos, durante a noite, enquanto os revolucionários já estavam longe de Uruçuí. A guerra de posição novamente era razão de insucesso para as forças legalistas, sendo que, nessa situação, nem enfrentamento com os revolucionários houve.246 Gaioso sustentou perante seus superiores que o combate em Uruçuí havia sido de grandes proporções, e, como consequência disso, toda a região entrou em pânico. O governo estadual reforçou as defesas de Teresina com homens e trincheiras, deixando desguarnecidas as demais regiões do estado. O general João Gomes deu nova prova do despreparo dos militares do Exército Brasileiro, à época, ao defender “tática” similar à “adotada” em São Paulo. Segundo seu plano, as forças legalistas deveriam sair de Teresina, para, em seguida, retomá-la. Tal manobra só não foi à frente, em função de o governador Matias Olimpio ter intervindo junto ao Presidente Bernardes e solicitado o envio de tropas federais para debelar a Coluna. Apesar de o governador ter conseguido que o piauiense Félix Pacheco, ministro das relações exteriores, interviesse junto ao Presidente, a ajuda do governo federal não veio, e, como consequência das manobras das forças legalistas, o Piauí tornou-se caminho livre para a passagem da Coluna.247 Baixa significativa nas fileiras rebeldes ocorreu nesse estado. Na cidade de Natal, distante algumas dezenas de quilômetros de Teresina, ao ordenar a retirada da vanguarda dos rebeldes, Juarez Távora foi cercado e preso pelas forças legalistas. Luis Carlos Prestes ainda tentou negociar com o bispo Dom Severino Vieira de Mello a liberdade de Juarez, mas não obteve sucesso. A partir de então, a Coluna fez todo o trajeto até a Bolívia, sem seu subchefe de Estado-Maior.248 Também nesse pequeno povoado de Natal, a Coluna estabeleceu contato com comunistas e com outros militares rebelados. Emissários do tenente Cleto Campello e do dirigente comunista de Pernambuco, Cristiano Cordeiro, encontraram-se com os

245 MACAULAY, op. cit. p. 174-175; MEIRELLES, op. cit. p. 453-454; MOREIRA LIMA, op. cit. p. 217-218; PRESTES, op. cit. p. 232-235. 246 MACAULAY, op. cit. p. 174; PRESTES, op. cit. p. 233. 247 MACAULAY, op. cit. p. 178-179; MEIRELLES, op. cit. p. 452-454; PRESTES, op. cit. p. 236-237. 248 MACAULAY, op. cit. p. 182-185; MEIRELLES, op. cit. p. 459-461; MOREIRA LIMA, op. cit. p. 229-235; PRESTES, op. cit. p. 238. 92 chefes rebeldes nos primeiros dias de 1926. Segundo os planos traçados por eles, as cidades de Paraíba – atual João Pessoa – e Recife seriam tomadas por forças revolucionárias. No caso de o levante falhar, os rebelados iriam marchar para o interior do sertão, a fim de chegar ao município de Triunfo, em Pernambuco, local onde a Coluna deveria passar até o dia 15 de fevereiro. A esperança de engrossar as fileiras revolucionárias e fortalecer a causa pela qual lutavam deu novo ânimo aos revolucionários. Chegar até Pernambuco o quanto antes para colaborar com o levante de Cleto Campello passou a ser meta importante. 249 A Coluna Prestes entrou no Ceará, por meio de dois destacamentos. João Alberto ingressou pelo norte, na altura da cidade de Ipu, interrompendo o tráfego da estrada de ferro que ia até Sobral. Essa manobra chamou atenção das forças legalistas, que concentraram seus homens na defesa desta cidade e da capital, Fortaleza. Assim, a região sul do estado ficou livre para a passagem do grosso da Coluna, que entrou em território cearense nas proximidades da cidade de Campos Sales e encontrou-se com as forças de João Alberto em Arneiróz.250 A partir do Ceará, o Governo Federal passou a utilizar, com maior freqüência, tropas compostas por “patriotas”. Diante da ineficácia dos efetivos das forças armadas, o emprego das forças arregimentadas pelos líderes locais do sertão fez-se marcante a partir de 1926. Dessa maneira, além de empregar tanto os homens do Exército quanto os das tropas das forças públicas de Minas, São Paulo e Rio Grande do Sul, o Governo passou a financiar, armar e suprir, com víveres, os batalhões de voluntários arregimentados pelos “coronéis” do interior do nordeste. Nesse sentido, exemplo do pragmatismo do Governo é encontrado nas negociações entre o deputado Floro Bartolomeu, o padre Cícero Romão Batista e o grupo de cangaceiros liderados por Virgulino Ferreira da Silva, o Lampião. A historiografia é controversa a respeito do papel exercido por Padre Cícero na contratação de Lampião e de seu grupo para combater a Coluna Prestes. Alguns autores, como Moreira Lima, tentam passar a ideia de que as negociações ocorreram sem que o eclesiástico soubesse desse fato. Outros acadêmicos, como Anita Prestes, afirmam que há documentação suficiente para comprovar o envolvimento de Padre Cícero com o cangaço, demonstrando sua estreita colaboração com o governo de Artur Bernardes.

249 MEIRELLES, op. cit. p. 462-463 e 468; MOREIRA LIMA, op. cit. p. 235-236; PRESTES, op. cit. p. 239-240. 250 MEIRELLES, op. cit. p. 465-467; MOREIRA LIMA, op. cit. p. 240-241; PRESTES, op. cit. p. 243- 244. 93

Seja como for, os cangaceiros foram contratados pelo governo federal e receberam armas, víveres e suprimentos para empreender combate contra os rebeldes, tendo Lampião recebido a patente de capitão. É interessante notar que, apesar disso, os cangaceiros não foram atrás da Coluna Prestes, não tendo sido registrado nenhum enfrentamento entre os revolucionários e os homens de Virgulino Ferreira.251 Fica evidente assim que a Coluna Prestes teve de combater efetivos do Exército e contingentes bem treinados das Forças Públicas nos estados com maiores recursos financeiros. Nos estados mais pobres, com destaque para os nordestinos, o efetivo combate aos rebeldes ficou a cargo de jagunços arregimentados pelos “coronéis” locais. As tropas militares e das Forças Públicas só realizaram cercos e bloqueios. Assim, as oligarquias nacionais e regionais uniram-se no propósito de eliminar a Coluna Prestes e os focos de rebelião que a marcha criava. Tanto o aparato estatal quanto os recursos privados das elites regionais foram empregados para acabar com a Coluna, não tendo, no entanto, obtido sucesso no que diz respeito ao aspecto militar. No início de fevereiro de 1926, a Coluna atravessou a Serra do Pereiro na divisa do Ceará com o Rio Grande do Norte. A travessia norte rio-grandense durou apenas dois dias, tendo os rebeldes percorrido a distância entre as cidades de São Miguel e de Luis Gomes sem grandes dificuldades e desbaratando, facilmente, os contingentes de “patrióticos” que encontraram pelo caminho. A entrada na Paraíba ocorreu no dia 5 de fevereiro de 1926. A Coluna havia chegado nesse estado, no mesmo dia em que o levante paraibano planejado pelo grupo de Cleto Campello fora descoberto pelo governo. Restaram, assim, esperanças na revolta em Recife, e a Coluna deveria chegar até Triunfo, em dez dias, para cumprir o acordado com o tenente Campello.252 No caminho pelos sertões da Paraíba, a Coluna atravessou Sousa e chegou até Piancó. Essa cidade guarda uma das maiores controvérsias a respeito da marcha rebelde pelo Brasil. Domingos Meirelles afirma que “Cordeiro de Farias, ao ser procurado pelo autor, em maio de 1974, para dar um depoimento sobre a Coluna Prestes, impôs uma condição: não falar sobre o que aconteceu em Piancó.”253 Cada autor pesquisado relata versão ligeiramente diferente a respeito do episódio ocorrido nessa cidadezinha.

251 MACAULAY, op. cit. p. 185-187; MEIRELLES, op. cit. p. 469-471; MOREIRA LIMA, op. cit. p. 243-247; PRESTES, op. cit. p. 244-245. 252 MACAULAY, op. cit. p. 191; MEIRELLES, op. cit. p. 468 e 473-477; MOREIRA LIMA, op. cit. p. 247-251; PRESTES, op. cit. p. 246 253 MEIRELLES, op. cit. p. 733. 94

Anita Prestes expôs o relato de Luis Carlos Prestes, e, segundo a autora, este tem grande proximidade ao de Moreira Lima, Ítalo Landucci, João Alberto Lins de Barros e Cordeiro de Farias. Segundo Prestes, a cidade tinha clima tranquilo quando a Coluna entrou por sua rua principal. Enganados por uma bandeira branca, os rebeldes baixaram suas guardas e um capitão e outros soldados foram instantaneamente alvejados. Era uma cilada arquitetada pelo padre Aristides Ferreira da Cruz. Posicionados dos dois lados da rua principal, os homens de Aristides colocaram os rebeldes sob fogo cruzado. As baixas entre os revolucionários chegaram a mais de trinta homens. Tomados de ódio, os homens da Coluna colocaram os jagunços sob fogo de metralhadoras pesadas. O destacamento de Cordeiro de Farias precisou da ajuda de Djalma Dutra para conseguir, ainda com certa dificuldade, dominar a cidade e capturar o padre Aristides. Resistindo tenazmente, a partir de sua casa, o padre alvejou o sargento Laudelino, que acompanhava a Coluna desde o Rio Grande do Sul. Sob ameaça de ser incendiado, o padre se entregou junto com alguns homens. Não houve um sobrevivente. Todos foram mortos pelos rebeldes. Vários jagunços foram degolados, e, segundo diferentes relatos, o corpo do padre Aristides foi um dos mais mutilados.254 A Coluna Prestes saiu da Paraíba pela cidade de Tavares e, atravessando o Pajeú, chegaram até a cidade de Carneiro, onde se travou forte batalha contra as forças legais. Toda a região do vale do Pajeú estava concentrada com grande quantidade de contingente legal, composto por forças regulares do Exército, de várias Forças Públicas e de Batalhões Patrióticos. Cumprindo o acordado com o tenente Cleto Campello, os rebeldes chegaram à região de Triunfo, no dia 12 de fevereiro e lá permaneceram por mais alguns dias, até descobrirem que o levante de Recife havia falhado.255 O tenente Cleto Campello havia desertado do Exército em 1925, quando fora enviado a Mato Grosso, para combater as forças rebeldes. De lá, partiu para a Argentina, onde encetou contato com Isidoro Dias Lopes e seu grupo de revolucionários que viviam em Paso de los Libres. A partir de então, a missão de Campello passou a ser sublevar Paraíba e Pernambuco, para evitar que a Coluna exaurisse suas forças pelo sertão nordestino. Como não conseguiu adesões dos quartéis em Recife, os rebelados liderados por Campello embarcaram em um trem com destino ao interior do estado. Passando por Jaboatão, os rebeldes conseguiram armas, munições e dinheiro. Em

254 MACAULAY, op. cit. p. 200-205; MEIRELLES, op. cit. p. 478-485; MOREIRA LIMA, op. cit. p. 255-258; PRESTES, op. cit. p. 247-249. 255 MEIRELLES, op. cit. p. 486-488; MOREIRA LIMA, op. cit. p. 260-270; PRESTES, op. cit. p. 250- 251. 95

Gravatá, ao tomar a cadeia pública da cidade, o tenente e seu ordenança foram alvejados por engano por seus próprios companheiros. Os demais rebelados tentaram alcançar a Coluna, mas foram mortos em uma emboscada na cidade de Taquaretinga. Chegou ao fim, de modo trágico, a tentativa de levante em Pernambuco, não tendo realizado a junção de forças entre os comandados de Prestes e o liderados de Campello.256 Além do fato de todos os levantes planejados para a região nordeste terem falhado, nessa área, os rebeldes sofreram grande número de deserções. O sertão nordestino mostrou-se muito mais duro do que o comando da Coluna havia imaginado, ainda mais depois de o governo começar a empregar jagunços sob liderança dos “coronéis”. As tocaias eram quase diárias. A perda de homens e a falta de recursos atingiram duramente o moral dos rebeldes. Não havendo mais o que fazer em Pernambuco, restava tentar atravessar o Rio São Francisco e encontrar, na Bahia, condições menos hostis. Ademais, havia a esperança de obter as armas e os recursos prometidos por Isidoro Dias Lopes, os quais deveriam ser entregues em terras baianas. Antes de atravessar o Rio São Francisco, a Coluna Prestes enfrentou fortes batalhas em Carneiros e em Cipó. Na madrugada do dia 25 para o dia 26 de fevereiro, os rebeldes atravessaram o caudaloso rio entre Várzea Redonda e a cidade de Jatobá – atualmente Petrolândia. Do outro lado do rio, os revolucionários não encontraram resistências uma vez que os comandantes legalistas não esperavam tal manobra. Deixando para trás mais de quinze mil soldados, a Coluna saiu de Pernambuco e entrou na Bahia, ainda com esperanças de marchar sobre o Catete.257 Quando a Coluna entrou na Bahia, os rebeldes tiveram de deixar para trás toda sua cavalhada, permanecendo somente os cavalos que transportavam os feridos. Depois de alguns dias, foi possível encontrar novas montarias na região conhecida como Salgado Melão. A despeito das várias deserções que ocorreram no Nordeste, o número de integrantes da Coluna havia aumentado ao longo do trajeto percorrido do Maranhão até Bahia. Os rebeldes que somavam 900, passaram a 1200. Para evitar mais problemas durante a marcha rumo ao sul, Luis Carlos Prestes conduziu a Coluna pela região da Chapada Diamantina, divisor natural entre os rios que correm em direção ao São Francisco e os que vão em direção ao mar.

256 MEIRELLES, op. cit. p. 489-501. 257MACAULAY, op. cit. p. 205-207; MEIRELLES, op. cit. p. 501-504; MOREIRA LIMA, op. cit. p. 273-275; PRESTES, op. cit. p. 253. 96

Evitando a travessia de numerosos rios, os revolucionários tiveram menos desgastes, passando pela região controlada pelo “coronel” Horário de Mattos, pertencente a uma família que dominava a região das Lavras Diamantinas há décadas258. Depois que seu avô morreu, Mattos tornou-se líder da família e, com o passar dos anos, obteve crescente influência política na área da Chapada Diamantina. Seus atritos com o governo estadual da Bahia nunca puderam ser resolvidos pela via militar, dada a incapacidade da Força Publica baiana em subjugar os jagunços desse “coronel”. Em 1925, o então governador do estado, Góis Calmon, entrou em conflito com Horácio de Mattos e a pacificação no estado só foi possível graças à intervenção direta de Artur Bernardes. O Presidente conseguiu o apoio de Horácio de Mattos no combate à Coluna Prestes, missão em que o “coronel” baiano envidou grande empenho até a retirada dos rebeldes para a Bolívia, no início de 1927. Vários autores reconhecem que a perseguição encetada pelo Batalhão Patriótico Lavras Diamantina a Prestes e seus homens foi tenaz e causou todo tipo de dificuldades à Coluna. 259 O ministro da Guerra, Setembrino de Carvalho, havia nomeado o general Álvaro Guilherme Mariante para comandar as operações legalistas em Minas Gerais, Goiás e oeste da Bahia. Para as ações do interior da Bahia, o comando foi dado para o general Diógenes Monteiro Tourinho. Para o Comando Geral, foi designado o general João Gomes Ribeiro Filho. Logo no início das operações na Bahia, sérias divergências ocorreram entre Mariante e João Gomes. O general Mariante defendia tática diferente das prescritas nos manuais em voga no Exército. Sua visão aproximou-se muito da apresentada por Bertoldo Klinger, quando afirmou que a guerra de posição contra os rebeldes era ineficaz. Mariante defendia perseguição literal aos revoltosos. Se eles tinham mobilidade por marchar por caminhos de difícil acesso, os efetivos que lhes dariam combate também deveriam assim se comportar e partir atrás da Coluna pelos caminhos que ela percorresse. Como João Gomes era adepto dos princípios ensinados nas Academias Militares da época, discordava de Mariante e acabou substituído pelo último no Comando Geral das operações legalistas.260 Se, desde o Ceará, grande contingente de jagunços havia-se juntado aos grupos legalistas, a partir da Bahia, as ordens dadas aos batalhões patrióticos eram no sentido de não mais perder o rastro da Coluna. Da Chapada Diamantina em diante, a marcha

258 MACAULAY, op. cit. p. 207-209; MEIRELLES, op. cit. p. 504-505 e 515-518; MOREIRA LIMA, op. cit. p. 275-292; PRESTES, op. cit. p. 260-262. 259 MACAULAY, op. cit. p. 209-212; MEIRELLES, op. cit. p. 527-530; PRESTES, op. cit. p. 262-263. 260 MEIRELLES, op. cit. p. 554-558; PRESTES, op. cit. p. 268. 97 revolucionária suportou, em seu encalço, grande número de jagunços dispostos a perseguir os rebeldes por onde quer que fossem. Além disso, o número de emboscadas e tocaias colocadas no caminho da Coluna aumentou de modo significativo. A esperança de encontrar, na Bahia, armas e suprimentos prometidos por Isidoro Dias Lopes desapareceu ao longo da travessia desse estado. Acossados pelas tropas legalistas, os revolucionários entraram no estado de Minas Gerais, em 19 de março de 1926, chegando até a cidade de Serra Nova.261

3.4. DE MINAS GERAIS À BOLÍVIA

Segundo relato de Luis Carlos Prestes, a Coluna chegou até Minas já consciente de que marchar sobre o Rio de Janeiro e depor Artur Bernardes não era possível. Todos os levantes planejados no Nordeste haviam sido frustrados, e as conspirações na capital também haviam falhado. As adesões à Coluna ocorriam, mas as deserções também. Assim, a quantidade de integrantes da marcha oscilou entre 800 e 1400 pessoas durante todo o trajeto, ficando muito aquém do necessário para empreender a marcha final sobre o Catete. Depois de quase dois anos de lutas, ficou evidente aos rebeldes que a revolução no Brasil não poderia ocorrer somente por meio de suas ações. A via conspiratória e da força não era suficiente para ameaçar as bases de sustentação do regime oligarca da época. Tendo sido fustigados pelos jagunços de Horácio de Mattos e de outros “coronéis” da região, os revolucionários entraram em Minas, menos por vontade do que por necessidade. Marchando no norte de Minas Gerais, Prestes descobriu que grande contingente de tropas do governo estava próximo por meio de relatos de moradores locais e de um membro da Coluna que havia fugido das tropas legalistas. No sul da Bahia, os rebeldes já haviam interceptado várias mensagens telegráficas do governo referentes à movimentação das forças sob comando de Mariante. Ao que tudo indicava, o governo havia concentrado suas forças no norte de Minas, perfazendo um arco que ia de Januária e Montes Claros até a altura de Rio Pardo. Entrementes, duas colunas de “patrióticos” seguiam os rastros da Coluna com uma diferença de apenas meio-dia de

261 MOREIRA LIMA, op. cit. p. 305-306; MEIRELLES, op. cit. p. 531-532; PRESTES, op. cit. p. 268- 270. 98 marcha. A situação levava a crer que, aos poucos, os rebeldes estavam entrando em um grande cerco legalista.262 Diante da situação, Prestes concebeu plano para outra manobra militar de grande envergadura. Se o governo havia concentrado suas forças no norte de Minas Gerais e duas colunas com mais de mil patrióticos baianos vinham ao encalço dos revolucionários, naquele contexto, o estado da Bahia havia ficado indefeso e não apresentaria resistências caso a Coluna Prestes marchasse por lá. A manobra consistia em fazer o formato de um laço – posteriormente denominado “laço húngaro” pelos membros da Coluna – despistando tanto as tropas que seguiam os rebeldes quanto as que aguardavam por uma aproximação deles. Por seu valor histórico, destaca-se a explicação de Luis Carlos Prestes sobre a manobra:

(...) vinham duas colunas atrás de nós, com uma diferença de marcha de meio dia. Qualquer uma delas tinha mais de mil homens. (...) Uma outra coluna subia o Rio São Francisco... Lá, em Montes Claros, o governo tinha organizado uma cortina de 20 mil homens, tinha trazido até polícia do Piauí por mar para defender o Rio de Janeiro. (...) marchando para o sul, íamos nos chocar com essa coluna, que já estava em Montes Claros. Atravessar o São Francisco era perigoso, porque, por menos largo que ele fosse ali, ainda tinha um quilometro de largura, e iríamos colidir com a coluna que ia pela margem do São Francisco. (...) Propus, então, uma manobra. Reuni a oficialidade e propus a manobra, mas tive que me chocar com o João Alberto que era aventureiro, tinha muito de aventura e achava que o fundamental era atravessar o rio. Eu disse: - Não. O governo lançou essa tropa toda, agora, aqui em Minas. Na Bahia não deve haver tropa nenhuma. Vamos voltar para a Bahia. – Ai foi que fizemos a manobra que eles chamaram, deram o nome de ―laço húngaro‖. (...) propus o seguinte: havia umas elevações, não muito altas, uns 60-100 metros, na estrada por onde fomos. Nós nos dirigíamos para Riachão, uma cidade de Minas Gerais, no norte de Minas. Eu contava com uma vanguarda mantendo contato com o inimigo e puxando-o para Riachão. Mas escondi a Coluna atrás desses montes. No dia seguinte, da altura desses morros, eu vi passar a primeira coluna. Eles vinham atrás de nós, marchando para o Sul. Quando ela acabou de passar, eu despenquei lá de cima com a Coluna toda e cruzei o caminho entre as duas colunas. Cruzei e me dirigi para a cidade de Rio Pardo. Quando a retaguarda estava passando, é que vinha a segunda. Pensou que era um piquete qualquer, não compreendeu e seguiu caminho. Foram bater em Riachão e não havia ninguém em Riachão. A Coluna não tinha passado lá. (PRESTES apud PRESTES, 1997, p. 269-270263).

Ao parar a marcha da Coluna, no norte de Minas, e cruzar o caminho entre as duas colunas legalistas, direcionando os rebeldes novamente para o norte, Luis Carlos Prestes evitou o cerco que o governo federal havia estabelecido na região e surpreendeu muitos comandantes das tropas federais, como Góis Monteiro, por exemplo. Dada sua

262 MACAULAY, op. cit. p. 213-214; MEIRELLES, op. cit. p. 532; PRESTES, op. cit. p. 268. 263 Depoimento de Luis Carlos Prestes à autora. 99 engenhosidade, o “laço húngaro” comprovou a grande capacidade de resistência que a guerra de movimento dava aos rebeldes. Tal feito, somado aos outros realizados pela Coluna Prestes, foi objeto de admiração de líderes guerrilheiros, militares e pesquisadores do século XX, tanto em países comunistas como nos Estados Unidos. Independente de orientação ideológica, os feitos militares da Coluna Prestes foram significativos.264 Mesmo obtendo sucesso com a inovadora manobra, ainda no norte de Minas, o alto comando da Coluna havia decidido emigrar para o exterior, dada as condições políticas e militares que os revolucionários enfrentavam. Em primeiro momento, tal decisão só foi compartilhada pelos comandantes da Coluna, nem mesmo os oficiais sabiam dela265:

(...) Os principais chefes da Coluna resolveram marchar sem detença, e se possível pelo caminho mais direto, para a fronteira estrangeira mais acessível. A decisão de emigrar foi tomada em segredo e aceita por Prestes ‗com repugnância‘. Contudo, o engenhoso chefe do Estado-Maior apresentou um aceitável plano para atingir o que tanto desejavam seus companheiros. Os rebeldes não podiam marchar diretamente a oeste para Goiás, porque o general Álvaro Mariante previra essa movimentação e estava concentrando milhares de soldados estaduais e federais ao longo do rio São Francisco em Minas Gerais. Mas com tantos jagunços do Médio São Francisco e da Chapada Diamantina se precipitando em direção a Minas Gerais, aquelas áreas estavam agora virtualmente indefesas. A Coluna poderia dar uma volta, arremeter para o Nordeste em direção a Salvador e, então, enquanto seus perseguidores corressem para a capital baiana, virar rapidamente para oeste, pela Chapada Diamantina, e atravessar o São Francisco entre Xique- Xique e Remanso. Dali, seria apenas uma curta marcha para o Piauí onde ninguém os incomodaria quando atravessassem o Estado a caminho de Goiás e Mato Grosso para a fronteira da Bolívia ou do Paraguai (MACAULAY, 1977, p. 214-215).

De Serra Nova, a Coluna foi até Jatobá, também em Minas e começou a marchar de volta à Bahia. As manobras realizadas obtiveram sucesso, e os rebeldes chegaram até a Chapada Diamantina, sem grandes assédios legalistas. Depois de atravessarem trecho de densa caatinga entre os rios Verde e Jacaré, a Coluna chegou a Remanso, nas margens do São Francisco. Não conseguindo atravessar o rio que estava muito cheio e encontrava-se bem vigiado por tropas do governo, os rebeldes caminharam até Sento Sé também na margem do São Francisco. Ainda impossibilitados de atravessar o rio, os revolucionários retornaram para o interior baiano, indo até a cidade de Mundo Novo. De

264 SOUTO MAIOR, 2006, p. 27-47. 265 MOREIRA LIMA, op. cit. p. 306-307; MEIRELLES, op. cit. p. 532-533; PRESTES, op. cit. p. 268- 270. 100 lá, para despistar as tropas legais, realizaram marcha na direção de Salvador e, quando estavam a menos de 200 quilômetros da capital baiana, prosseguiram em direção ao norte até Rodelas, onde, efetivamente, transpuseram o São Francisco. 266 A Coluna entrou em Pernambuco, não encontrou resistências significativas em seu caminho e evitou os estados da Paraíba, do Rio Grande do Norte e do Ceará, passando do território pernambucano diretamente para o Piauí. Passam pelas cidades de Picos, Oeiras e Floriano, onde foram bem recepcionados pela população local, diferentemente do que ocorreu em boa parte da Bahia. Marchando rumo ao oeste, os rebeldes deixaram rastros na direção do Maranhão, para tentar despistar as tropas de patrióticos que os perseguiam. O verdadeiro intento da Coluna era ir em direção ao sul de Goiás para depois atravessarem o Mato Grosso e chegarem à Bolivia ou ao Paraguai.267 Quando ainda se encontrava no norte de Minas Gerais, a velocidade média de marcha da Coluna aumentou, após os rebeldes terem-se decidido pelo exílio. Em menos de nove meses, os revolucionários saíram do norte de Minas Gerais, voltaram à Bahia, passaram por Pernambuco e Piauí, entraram em Goiás, marcharam pelo oeste baiano, voltaram a Goiás e cruzaram-no de norte a sul, entraram em Mato Grosso, voltaram a Goiás e, finalmente, atravessaram o Mato Grosso na direção leste-oeste, para chegar à Bolívia. Percorreram, assim, significativa distância em pouco tempo. Ao ficar claro para as forças governista que a Coluna não marcharia para o Maranhão, mas, sim, para o sul de Goiás, o general Mariante concentrou grande contingente na fronteira desse estado com o Mato Grosso e incumbiu o coronel da Força Pública de São Paulo, Pedro Dias de Campos, de bloquear a passagem dos rebeldes na altura do planalto central goiano, próximo às cidades de Anápolis e Formosa. Dias de Campos bloqueou as três principais rodovias do estado com batalhões de infantaria e um regimento de infantaria, esquecendo-se, no entanto, de vigiar os vales dos rios que cruzam o estado. Sem grandes dificuldades para obter informações a respeito das manobras legalistas, a Coluna conseguiu passar pela Força Pública de São Paulo, indo na direção sul. Sem intenção, os rebeldes conseguiram jogar as forças do governo umas contra outras, tal como havia ocorrido em Maria Preta, Santa Catarina. O batalhão de jagunços de Horácio de Mattos, que vinha logo atrás dos rebeldes, combateu, por longo

266 MACAULAY, op. cit. p. 219-220; MOREIRA LIMA, op. cit. p. 368-370; MEIRELLES, op. cit. p. 568-569; PRESTES, op. cit. p. 261 e 272-274. 267 MACAULAY, op. cit. p. 219-220; MOREIRA LIMA, op. cit. p. 370-396; MEIRELLES, op. cit. p. 568-571; PRESTES, op. cit. p. 274-275. 101 período, o 6° Batalhão da Força Pública paulista em Anápolis, e, em Rio dos Bois, a Força Pública paulista combateu o 6° Batalhão de Caçadores do Exército por mais de duas horas.268 Nos campos goianos, ocorreu ainda outro incidente de relevo. Artur Bernardes havia decidido utilizar aviões da Força Pública de São Paulo contra a Coluna Prestes. Após duas tentativas frustradas por acidentes fatais com os pilotos, o governo federal desistiu da iniciativa. A repercussão desse evento tornou-se grande depois da descoberta que os dois pilotos eram estrangeiros e carregavam bombas para ser jogadas sobre os revolucionários. No Congresso Nacional, o deputado Batista Luzardo usou tal fato para contra-argumentar aos que acusavam Prestes de impatriota, por utilizar estrangeiros em suas forças.269 A posse de Washington Luis em 15 de novembro de 1926 deu pequena esperança de anistia aos rebeldes. Sendo um dos principais objetivos dos revolucionários a retirada de Artur Bernardes do poder, passou-se a aventar a possibilidade de negociar com o novo governo a deposição das armas. Para isso, o destacamento de Siqueira Campos deveria escoltar, até a fronteira, Moreira Lima e Djalma Dutra, que haviam sido designados para ir à Argentina conversar com Isidoro Dias Lopes. A resposta do comando revolucionário foi negativa, já que havia alguns planos para levantes no Rio Grande do Sul a ocorrer a qualquer momento. Ademais, o novo presidente também foi refratário a qualquer acordo com os rebeldes270:

O novo Governo, apesar de atenuar a censura à imprensa e de arejar o país com algumas lufadas de liberdade, conserva, entretanto, a mesma postura da administração anterior, inflexível e autoritária, refratária a qualquer tipo de negociação com os rebeldes. Como seu antecessor, Washington Luis é também contrário à concessão da anistia. (MEIRELLES, 1997, p. 611)

Ao entrar em Mato Grosso, a Coluna percebeu que a pressão legalista sobre seus homens estava cada dia mais forte. As tropas de “patrióticos” de Horácio Mattos e de Franklin de Albuquerque passaram a perseguir os revolucionários a cavalo, ganhando grande mobilidade e tornando-se mais perigosas. Era necessário realizar alguma manobra, para desvencilhar-se das forças do governo e conseguir emigrar sem maiores problemas, para o Paraguai ou para a Bolívia. Siqueira Campos foi designado para

268 MACAULAY, op. cit. p. 220-223; MOREIRA LIMA, op. cit. p. 415-432; MEIRELLES, op. cit. p. 576-579, 588-590 e 595-596; PRESTES, op. cit. p. 276-280. 269 MEIRELLES, op. cit. p.583-586; PRESTES, op. cit. p. 279-280. 270 CURVO, op. cit. p. 59; MEIRELLES, op. cit. p.600; PRESTES, op. cit. p. 285. 102 realizar manobras com a intenção de confundir os homens do Exército, das Forças Públicas e dos batalhões patrióticos.271 Tendo manobrado com sucesso, o destacamento de Siqueira Campos conseguiu atrair boa parte dos legalistas para áreas distantes da Coluna. A velocidade de marcha desse oficial impressiona ainda hoje: em cinco meses, seu destacamento percorreu mais de nove mil quilômetros antes de internar-se no Paraguai.272 Em carta à Prestes, o próprio Siqueira Campos contou o ocorrido:

Ao deixar Djalma e Lourenço, fui até perto de Campo Grande desviei para Goiás procurando atrair a atenção das tropas do Bernardes. Depois de receber diversas informações sobre a sua estada na região do Garças, me detive próximo a São Luiz de Cáceres. Segui com intenção de te procurar, mas não tendo encontrado, retrocedi em direção a Rio Verde. Chegando em Goiás, raciocinei, se tinhas intenção de continuar a revolução teria que passar por Goiás, no caso de imigrares, eu teria liberdade de escolher um ponto de passagem. Como achei o lugar bom, resolvi dar as caras e fazer um passeio pela estrada de ferro, passeei por varias cidades e mudei o nome da estação Pires do Rio para estação Prestes, não sei se respeitarão a idéia. Em Pouso Alto recebi um rádio de Mariante informando a sua migração e passei-lhe um telegrama. Eu sei que o Dr. ―Vasington‖ leu o telegrama. (CARNEIRO apud CURVO, 1995, p. 61273)

Não sabendo do paradeiro de seus colegas revolucionários, Siqueira Campos continuou a realizar incursões pelo Centro-Oeste e triângulo mineiro, mesmo após a migração da Coluna na Bolívia. Seu destacamento só transpôs a fronteira do Brasil com o Paraguai em 24 de março de 1926, enquanto Prestes e seus homens já estavam na Bolívia, desde o dia 3 de fevereiro de 1926.274 Graças às operações encetadas pelos homens de Siqueira Campos, a Coluna obteve mais espaço para manobrar. Assim, saindo da região central de Mato Grosso, a Coluna retornou ao planalto central goiano e, pouco depois de marchar em direção norte, realizou guinada para o oeste. Ao entrar, novamente, em Mato Grosso, os rebeldes enfrentaram o que Moreira Lima considerou o pior trecho de todo o percurso da marcha: a travessia da região do Pantanal em plena cheia. Segundo esse escritor:

Os animais desapareciam dia a dia. Muitos soldados viajavam montados em bois, que passaram a ser utilizados na condução das cargas e das padiolas.

271 CURVO, op. cit. p. 61; PRESTES, op. cit. p. 285-286. 272 CURVO, op. cit. p. 61; MACAULAY, op. cit. p. 222-226; PRESTES, op. cit. p. 285. 273 Original em CARNEIRO, Glauco. História das Revoluções Brasileiras. Rio de Janeiro: O Cruzeiro, 1965, p. 400-404 274 CURVO, op. cit. p. 62; PRESTES, op. cit. p. 289. 103

Dentro de pouco tempo, porém, a Coluna estava a pé e sem recursos, alimentando-se de palmitos e dos poucos bois que lhe restavam para as montadas, sem ter sequer um pouco de sal para temperar a carne. Essa marcha era feita muitas vezes com águas pelos peitos e em certas ocasiões a nado, quando se deparava com algum coricho. Descansava-se trepando nas árvores... Quase todos estavam descalços e mais ou menos nus. Quando a Coluna chegou à Bolívia, vi muitos companheiros embrulhados em trapos de cobertores, que mal lhes cobria as vergonhas, e inúmeros vestidos com vagos farrapos que tinham sido calças ou ceroulas. (MOREIRA LIMA, 1979, p. 493)

A situação dos rebeldes, ao chegar à Bolívia, era calamitosa. Um dia após entrarem em território estrangeiro, os revolucionários assinaram termo com as autoridades desse país, comprometendo-se a respeitar a ordem e as leis locais. Entregaram aos agentes bolivianos cerca de oito mil tiros, noventa fuzis Mauser, quatro metralhadoras pesadas, sendo uma inutilizável, e dois fuzis-metralhadoras. Quase todo esse armamento estava descalibrado e inapto para o combate. Além disso, esse parco material tinha de ser dividido entre os 600 homens que compunham a Coluna naquela ocasião. Nessas condições, que, pouco antes de adentrar o território boliviano, os rebeldes combateram e repeliram, pela última vez, as tropas de Horácio de Matto e de Franklin de Albuquerque às margens do Rio Jauru, em 28 de janeiro de 1927.275 Na Bolívia, Prestes permaneceu junto a seus homens até que a maioria arranjasse uma maneira de sobreviver. Tendo chegado ao exterior em condições de extrema penúria, os rebeldes começaram a ser empregados em empresas estrangeiras que operavam em território boliviano. O caso mais famoso foi o da Bolivian‟s Concession Limited, de capital inglês, que empregou grande número de ex-combatentes da Coluna. Depois de um ano na região de Guaiba, Prestes deixou a Bolívia e foi à Argentina, para continuar o planejamento da revolução. Os comandantes da marcha rebelde estavam convencidos de que o movimento deveria continuar por outros meios.276 Após dois anos e meio de marcha, lutas e combates, a Coluna Prestes havia percorrido mais de 25 mil quilômetros. Saindo da capital paulista e de Santo Ângelo, no Rio Grande do Sul, foram até Foz do Iguaçu. Do oeste do Paraná, marcharam até a região norte de Minas Gerais. Daí, cruzaram o país de novo, até chegarem a San Matias e Guaiba, na Bolívia. A distância total da Coluna continua sendo objeto de muita polêmica até os dias de hoje. Dependendo da soma de quilômetros atribuídos aos

275 CURVO, op. cit. p. 65-69; MACAULAY, op. cit. p. 226-231; MEIRELLES, op. cit. p.632-640; MOREIRA LIMA, op. cit. p. 495-500; PRESTES, op. cit. p. 290-291. 276 MEIRELLES, op. cit. p.668-672; MOREIRA LIMA, op. cit. p. 501-523; PRESTES, op. cit. p. 291. 104 rebeldes, esse feito pode ser considerado como a primeira ou a segunda maior marcha militar da história humana, disputa que tem como contraparte o percurso de 27.500 quilômetros, feito por Alexandre, o Grande. Desse modo, não foi somente pelo fato de Luiz Carlos Prestes ter-se tornado comunista que tal empreendimento foi vastamente difundido na China, na União Soviética, na Iugoslávia e em outros países comunistas. A Grande Marcha de Mao Tsé Tung, por exemplo, foi realizada baseando-se nos feitos da guerra de movimento da Coluna Prestes mas, ao contrário da Coluna Prestes, tornou-se bem conhecida também no mundo ocidental.277 Certamente o fato de a Grande Marcha ter se tornado base para a vitoriosa Revolução Chinesa contribuiu bastante para sua difusão. Em contrapartida, o fato de Prestes ter-se tornado comunista em 1930, ter incitado a Intentona Comunista em 1935 e ter-se transformado em inimigo do regime getulista contribuiu para que tudo vinculado ao seu nome fosse relegado a segundo plano na história do Brasil. Mesmo após a queda de Vargas, o contexto de Guerra Fria que marcou a segunda metade do século XX foi outro empecilho para a desideologização da história nacional. Nas últimas décadas, no entanto, isso se tem alterado. Novos estudos a respeito da Coluna Prestes apresentam análises mais objetivas, na medida em que evitam fazer propaganda política e têm como meta compreender a lógica subjacente aos acontecimentos ligados ao evento. Vale lembrar que, até 1927, Prestes ainda não havia tido contato com o pensamento marxista-leninista, tendo-se convertido a ele na Argentina, entre 1928 e 1930.

3.5. CONCLUSÃO

Apesar do fracasso do governo central e das oligarquias regionais em deter o avanço da marcha rebelde, a experiência pela região Nordeste do país fez desaparecer, nos revoltosos, a esperança de incendiar as massas populares e obter adesões de mais militares para suas aspirações políticas. A dura realidade encontrada fez os jovens tenentes compreenderem que a dominação das elites sobre as camadas mais humildes da sociedade brasileira ocorria de modo muito mais intenso e complexo do que supunham. A fome e a miséria grassavam o interior brasileiro, e, na maioria das vezes, a única maneira de diminuir ou amenizar os nefastos efeitos desse quadro era associar-se com

277 CURVO, op. cit. p. 69; MOREIRA LIMA, op. cit. p. 497-498; PRESTES, op. cit. p. 113-115; SOUTO MAIOR, 2006, p. 27-47. 105 os líderes locais. Assim, os rebeldes compreenderam que suas reivindicações por voto secreto, maior transparência na gestão do Estado e livre manifestação dos grupos de oposição eram pertencentes a uma realidade distante para as camadas populares nacionais. Antes de preocupar-se com tais aspectos da cidadania civil e política brasileira, a maior parte da população ainda se preocupava com a obtenção dos seus meios de subsistência. Como o governo central realizava intensa propaganda contra as tropas rebeldes, a recepção da Coluna Prestes pelo interior baiano e de alguns estados do Nordeste foi a pior possível, com algumas exceções. Além disso, o medo de represálias por parte dos coronéis locais jogava quase toda a população contra os revoltosos.

(...) Libertar o homem do interior do chefe político ou do coronel despótico, parecia-nos um grande passo para o progresso do país. Restabelecer a ordem, garantir a propriedade e respeitar o direito do cidadão eram reivindicações nobres que deviam merecer certamente apoio dos próprios beneficiados. Lutávamos convencidos de que esses eram também os anseios do povo brasileiro e surpreendeu-nos a contradição que se verificava na Bahia. (BARROS apud CURVO, 1995, p. 59278)

Houve casos em que o movimento conseguia crescer em número, por meio de adesões que ocorriam pelo meio do caminho, mas tais incorporações não chegaram perto do número planejado pelos rebeldes e necessário para concretizar a marcha contra o Catete. Foi pela maneira mais dura que os oficiais da Coluna se convenceram de que o país não estava preparado para o movimento revolucionário que tiraria o poder às oligarquias estaduais e colocaria fim à Política dos Estados. Com a saúde arrasada pela marcha de mais de 25.000 quilômetros, muitos oficiais rebeldes procuraram serviços médicos em Buenos Aires e no Uruguai. Outra parcela significativa arrumou trabalho em atividades comerciais na Bolívia e no Paraguai, e alguns tentaram estabelecer contatos políticos com personalidade do Rio de Janeiro, para retornar ao Brasil.279 Ao longo de todo o período em que a marcha percorreu o país, a rede de contatos entre a Coluna Prestes e os rebeldes localizados na Argentina foi sistematicamente vigiada pelo governo federal com todos os recursos de que dispunha: serviço de inteligência, informantes e a rede consular e diplomática brasileira no exterior,

278 Original em BARROS, João Alberto Lins de. Memória de um revolucionário. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 1953, p. 147. 279 AHI, lata 46, maço 378. 106 principalmente a existente na Argentina. Além das repercussões no exterior das perturbações domésticas do país, a influência da marcha rebelde na Política Externa Brasileira pode ser auferida por meio dos telegramas trocados entre a Embaixada brasileira em Buenos Aires e os consulados no interior da Argentina, de um lado, e a Secretaria de Estado do Ministério das Relações Exteriores, no Rio de Janeiro, de outro. É o que se passa a averiguar no próximo capítulo.

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CAPÍTULO 04 – AS RELAÇÕES BRASIL - ARGENTINA E AS INFLUÊNCIAS DA COLUNA PRESTES SOBRE A POLÍTICA EXTERNA BRASILEIRA.

Após apresentação do contexto sociopolítico da época, da conjuntura econômica na qual o Brasil se encontrava, das principais diretrizes que conduziram a política externa do país na década de 1920, do nascimento e do desenvolvimento da marcha da Coluna Prestes, passa-se a demonstrar as influências que esse movimento revolucionário produziu sobre as relações do Brasil com sua vizinhança, tendo especial atenção a Argentina. Como se verá, a atuação do Itamaraty junto às autoridades dos países vizinhos foi mais intensa durante a fase em que os rebeldes se encontravam próximos à fronteira com a Argentina e com o Paraguai. No entanto, mesmo após a internação dos revolucionários pelo interior do Brasil, as articulações do MRE com as nações vizinhas continuaram a existir, principalmente no que se refere ao combate ao tráfico de armas.

4.1. A ARGENTINA EM 1920 E SUA POLÍTICA EXTERNA

Na Argentina, a década de 1920 assemelhou-se muito ao contexto sociopolítico brasileiro desse mesmo período. Até 1922, Hipólito Yrigoyen governou o país, reproduzindo, na região do Prata, as mesmas políticas de intervenções estatais comuns à República Velha brasileira. Na província de Mendoza, chegou a haver três intervenções do governo central, do mesmo modo ao ocorrido na província de San Juan, onde o Exército argentino atuou de acordo com os interesses de Yrigoyen.280 Tendo controle do Governo Central, Yrigoyen pôde eleger seu sucessor sem maiores problemas. O escolhido foi Máximo Marcelo Torcuato de Alvear Pacheco, mais conhecido como Marcelo T. de Alvear. Filho de importante família da sociedade argentina, Alvear viveu muitos anos em Paris e dava impressão de não possuir muita habilidade política. A intenção de Yrigoyen, ao apoiar Alvear, era conseguir eleger alguém que pudesse ser manipulado, fato que, depois de pouco tempo, ficou claro que não ocorreria.281 As diferenças entre Alvear e Yrigoyen não eram restritas às personalidades dos dois presidentes. Divergências ideológicas existentes no maior partido da época – União

280 DI TELLA, 2010, p. 160-161. 281 DI TELLA, op. cit. p. 162; RAPOPORT, 2003, p. 124. 108

Cívica Radical – UCR – vieram à tona nesse período, e as maneiras diversas de governar dos dois presidentes corroboraram isso:

Alentados por la pasividad de Alvear, los radicales se dividieron entre los ―personalistas‖, partidários de la conducción de Yrigoyen, y los ―antipersonalistas‖ que, detrás de su oposición al caudillo, expresaban la reacción de las tradicionales clases dirigentes a su política nacional y popular. (RAPOPORT, 2003, p. 126)

A divisão interna na UCR produziu paralisia do Congresso argentino, onde a maioria era composta por parlamentares que apoiavam Yrigoyen. Outro ponto relevante para diferenciar a gestão Alvear e o mandato anterior foram as políticas direcionadas às Forças Armadas. Por ter escolhido civis para chefiar o ministério da Guerra e por não ter atendido uma série de reivindicações dos militares, Yrigoyen passou a contar com a oposição de setores médios da oficialidade. Alvear, pelo contrário, buscou maior aproximação com os militares, nomeando o coronel Augustin P. Justo para chefiar o ministério da Guerra, liberando mais recursos às demandas profissionais desse setor e contribuindo, assim, para o fortalecimento militar da Argentina, tanto em aspectos institucionais quanto em termos materiais.282 Acompanhado do fortalecimento do setor militar, surgiu nesse mesmo período, na sociedade argentina, um discurso de caráter autoritário – influenciado pelos regimes na Itália e na Espanha – que serviu como prenúncio do que estava por vir na década de 1930.283 O discurso nacionalista em torno da questão da exploração do petróleo foi outro fato que ganhou relevo durante a presidência de Alvear, polarizando, de um lado, os defensores de maior participação do Estado na exploração desse recurso e, de outro, liberais com seus discursos favoráveis às forças do livre mercado.284 De modo geral, os principais historiadores argentinos concordam com que o período imediatamente posterior à Primeira Guerra Mundial fosse de prosperidade econômica para o país. As inversões no setor industrial cresceram, e um debate ideológico entre partidários dessas atividades e defensores do agronegócio estabeleceu- se. Vale destacar que, nesse momento histórico, a Argentina estava inserida na economia mundial por meio de um modelo agrário-exportador, tal como o Brasil.285

282 RAPOPORT, op. cit., p. 127-128. 283 DI TELLA, op. cit., p. 167-168; RAPOPORT, op. cit. p. 128. 284 DI TELLA, op. cit., p. 165-166; RAPOPORT, op. cit. p. 129-130, 146-149. 285 DI TELLA, op. cit., p. 164-165; PARADISO, 2005, p. 98-103; RAPOPORT, op. cit. p. 141-143, 187- 190. 109

Desse modo, a Primeira Guerra Mundial deu impulso às atividades industriais do país portenho, que continuaram a crescer na década de 1920, mas passaram a enfrentar a concorrência da produção de bens primários que, novamente, eram demandados nos mercados da Europa e dos Estados Unidos.286 No campo da política externa, as diretrizes básicas da atuação internacional da Argentina foram mantidas entre o primeiro governo de Yrigoyen e a presidência de Marcelo T. de Alvear. A luta por melhor inserção dos bens produzidos pela Argentina, tanto na Europa quanto nos Estados Unidos, foi constante na década de 1920, demonstrando a ênfase que as autoridades do país davam à dimensão econômica da política exterior.287 A oposição às intervenções dos Estados Unidos na América Central e a luta pelo estabelecimento de um contexto internacional pautado pela igualdade jurídica e factual entre os Estados perpassaram as principais atuações internacionais da chancelaria argentina no período, tal como a Liga das Nações e as conferências Pan-Americanas de Santiago, no Chile, em 1923, e de Havana, em Cuba, em 1928, atestaram.288 Assim, as diferenças entre Yrigoyen e Alvear não ocorreram com relação a princípios e diretrizes básicas de política externa, mas, sim, com relação à ênfase dada pelos presidentes à busca da efetivação desses princípios e dessas diretrizes comuns. Em outras palavras, as ações das chancelarias comandadas por Honorio Pueyrredón e Ángel Gallardo diferenciaram-se em questões de forma e menos no que tange ao conteúdo.289 Como exemplo, pode-se citar a atuação do país portenho em relação à Liga das Nações. Yrigoyen “condicionou a participação do seu país ao reconhecimento dos princípios da universalidade da Liga e da igualdade de todos os Estados soberanos para serem admitidos, inclusive os derrotados”.290 Marcelo T. de Alvear era embaixador em Paris à época e deixou claro que era contra esse condicionamento radical que Yrigoyen assumira, já que isso poderia levar a Argentina ao isolamento no âmbito internacional. Quando a Assembléia da Liga não levou em conta a moção argentina, os delegados portenhos retiraram-se da conferência. Somente anos depois, quando Alvear se tornou presidente, a correção dessa atitude perante a Liga foi buscada por meio de gestões no

286 PARADISO, op. cit., p. 98-99. 287 PARADISO, op. cit. p. 95-98; RAPOPORT, op. cit. p. 128-129. 288 PARADISO, op. cit. p. 93-95, 109-111; RAPOPORT, op. cit. p. 128-129. 289 PARADISO, op. cit., p. 104. 290 PARADISO, op. cit., p. 93. 110 parlamento argentino para aprovação do reingresso do país nesse organismo internacional.291 Entre 1917 e 1922, a Argentina expandiu sua rede consular e remodelou a estrutura de sua pasta de relações exteriores, denotando, assim, um aumento de sua presença mundial292. Apesar disso, deve-se ressaltar que as relações com a Europa continuaram sendo o centro da atuação internacional desse país. Segundo José Paradiso:

Um componente central dessa trama de ligações econômicas era o fato de que a Grã-Bretanha adquiria 76% da carne argentina, sendo 54% da carne bovina congelada e 99% da resfriada. Nesses itens, em torno dos quais se articulava a coalizão de interesses econômicos mais poderosa do país – pecuaristas e empresas frigoríficas –, a subordinação argentina ao consumidor inglês e ao seu poder aquisitivo era praticamente absoluta. Esses interesses estavam no centro da ‗relação especial‘ com Londres – por sua vez núcleo básico do ‗europeísmo‘ econômico – e influíam nas decisões que pudessem afetá-los. Eles definiam, em última instância, as linhas principais da relação do país com o resto do mundo. (PARADISO, 2005, p. 97)

Desta maneira, apesar do surgimento de debates entre industrialistas e partidários do agronegócio na sociedade argentina da década de 1920, as relações exteriores desse país continuaram a dar ênfase ao modelo de inserção internacional que vigorava há muito no Rio da Prata. De acordo com esse sistema, os países da América do Sul deviam ser produtores e fornecedores de bens primários, além de importadores de bens industriais de maior valor agregado. Como grande parte das camadas mais abastadas das sociedades sul-americanas tinha suas atividades econômicas fundamentadas em produtos primários, a mudança da estrutura produtiva e da pauta de exportações de países, como Brasil, México e Argentina, só pôde ser alterada depois de décadas de forte atuação do Estado na economia. Desse modo, a década de 1920 testemunhou o nascimento de debate que perdura até hoje, na sociedade argentina. Durante as décadas de 1910 e 1920, outro viés ideológico a surgir no país portenho foi o ideário “americanista”. Contando com autores e políticos, como Manuel Ugarte, na Argentina, Palacios, Vasconcelos, Haya de la Torre, Heríquez Ureña e Antonio Caso, no restante do continente, as ideias de maior aproximação e solidariedade com os vizinhos sul-americanos não ficaram restritas a setores da sociedade civil argentina, mas perpassaram também a burocracia estatal desse Estado, conforme os

291 JALABE, 1996, p. 33-34. 292 PARADISO, op. cit. p. 96. 111 discursos oficiais dos governos de Yrigoyen e Marcelo T. de Alvear comprovam.293 Entretanto, com o passar dos anos, à medida que a Europa se recuperava da Guerra e o modelo de inserção periférica da economia argentina voltava a impor-se, verificou-se enfraquecimento das promessas de intensificação de comércio com a América do Sul, e muitas diretrizes do discurso oficial que abarcavam iniciativas políticas e econômicas de aproximação da Argentina com sua vizinhança não foram efetivadas.294 No início do século XX, a política externa argentina apresentou momentos de grande tensão em relação ao Brasil. A oposição entre os chanceleres Staniláo Zeballos e Barão do Rio Branco ajudou a fomentar alguns atritos entre os dois países nas duas primeiras décadas do século passado, tendo importância para a compreensão do contexto das relações entre Argentina e Brasil nos anos de 1920. A rivalidade entre Zeballos e Rio Branco começou quando ambos ainda não chefiavam o serviço exterior de seus países. A questão de Palmas/Missiones foi decidida em favor do Brasil e opôs, de maneira direta, os dois diplomatas por ocasião do arbitramento do caso por parte do presidente norte-americano, Grover Cleveland, em 1895. Posteriormente, quando ambos já estavam à frente das chancelarias de seus países, algumas tensões fizeram que as duas nações quase rompessem relações diplomáticas – como exemplo, pode-se citar o desejo de Rio Branco de reequipar a Armada Nacional por meio da compra de três Dreadnoughts ingleses e o surgimento do caso do Telegrama cifrado Nº 9, que culminou com a queda de Zeballos.295 Depois desses eventos, até princípios da década de 1920, as relações entre Argentina e Brasil passaram por momentos de relativa tranquilidade e de trocas de cordialidades. Em agosto de 1922, Marcelo T. de Alvear, presidente eleito da Argentina, em trânsito da Europa para seu país, passou pelo Rio de Janeiro e foi convidado pelo governo brasileiro a permanecer algum tempo na cidade. Durante o breve período em

293 Cumpre salientar que, na IV Conferência Internacional Americana, realizada em Buenos Aires, o então existente Bureau das Repúblicas Americanas foi transformado em União Pan-Americana (UPA), dando importante passo, rumo à institucionalização de uma comunidade hemisférica de nações cujo ápice é a atual Organização dos Estados Americanos – OEA. GARCIA, 2006, p. 234; PARADISO, op. cit. p. 104- 107. 294 PARADISO, op. cit. p. 107. 295 De forma resumida, o Caso do Telegrama nº 9 ocorreu quando Zeballos declarou que possuía telegrama que comprovava as intenções hostis do Brasil em relação à Argentina e publicou-o na imprensa portenha. Diante da gravidade da acusação, o Barão do Rio Branco decidiu quebrar o código criptográfico utilizado para cifrar as mensagens brasileiras em Buenos Aires e publicou, na imprensa, o Telegrama nº 9 em sua versão original. Diante da mensagem que instava o embaixador brasileiro a buscar entendimento com a Argentina para a formação de um pacto ABC, juntamente com o Chile, Zeballos deixou a chancelaria argentina. Para mais detalhes sobre esse episódio, cf. BUENO, 2003, p. 254-271; CISNEROS; ESCUDÉ, 1999, p. 123-125. 112 que Alvear ficou na capital brasileira, foi tratado com as honras de chefe de Estado e homenageado com um banquete presidencial no Catete. Após assistir a um espetáculo no Teatro Municipal, Alvear retornou para seu navio, com destino à Argentina e, quando da solenidade de sua posse na presidência: “o governo brasileiro mandou o encouraçado Minas Gerais saudar o Pavilhão argentino em águas de Buenos Aires”296. Cumpre assinalar também que, em outubro, a legação argentina no Brasil foi elevada a Embaixada, o mesmo ocorrendo com a legação brasileira em Buenos Aires.297 Esse clima de aparente tranquilidade entre Brasil e Argentina foi quebrado na década de 1920, quando a questão do rearmamento naval brasileiro voltou a ser discutida juntamente com a necessidade de reequipar o Exército. A Primeira Guerra Mundial deixou evidente a carência de recursos materiais e humanos do Exército e da Armada brasileiros. Na década de 1920, com vistas a amenizar tal situação, o Brasil contratou, junto à França, a Missão Militar chefiada por Gamelin e, junto aos Estados Unidos, a Missão Naval comandada por Volgelgesang298. Ambos os acordos eram parte de amplo esforço feito pelo Brasil para reequipar e modernizar suas Forças Armadas, necessidade evidente tanto para os militares quanto para os civis que faziam parte do governo299. Estudos secretos do Estado-Maior do Exército Brasileiro apontaram para a superioridade militar de Chile e Argentina em relação ao Brasil. Enquanto havia 1,5 militar efetivo, nas Forças Armadas brasileiras, para cada grupo de mil habitantes, essa proporção chegava a 3, na Argentina, e a 5, no Chile. Os argentinos tinham vantagem em termos de artilharia, orçamento, número de combatentes, instrução de guerra e capacidade de mobilização de suas forças.300 Outro aspecto que preocupava os militares brasileiros eram os acordos que a Argentina vinha estabelecendo com diversos países da América do Sul para integração de suas infraestruturas. A interconexão física da Argentina com Chile, Bolívia e Paraguai ganhou impulso na década de 1920. “Esses projetos, expressão de um país que

296 Relatório do MRE, 1923, p. 13 297 Relatório do MRE, 1923, p. 11-13 e GARCIA, op. cit. p. 233-234. 298 Para mais detalhes sobre essas Missões, cf. GARCIA, 2006, p. 193-227 e BELLINTANI, 2009. 299 O fato de Pandiá Calógeras ter sido o primeiro civil do período republicano a exercer o cargo de ministro da Guerra e, nessa condição, ter sido responsável por grande número de reformas, construções de novos quartéis e mudanças na formação e no treinamento de oficiais do Exército Brasileiro serve como exemplo do afirmado. Para mais detalhes cf. capítulo 01. 300 “Situação militar na América do Sul: estudo comparativo dos orçamentos da guerra para 1922 do Brasil e da Argentina”, Estado-Maior do Exército, secreto, RJ, 12 dez. 1922, BN, Coleção AMF, pasta 650, apud GARCIA, op. cit. p. 246-247. 113 ainda dispunha de recursos, provocaram profunda preocupação no Itamaraty e entre os membros das Forças Armadas brasileiras.”301 Como se percebe, a preocupação em reaparelhar e modernizar as Forças Armadas brasileiras também esteve presente no Itamaraty. Esforços mais evidentes puderam ser notados desde a chancelaria do Barão do Rio Branco, quando ocorreu a compra dos três encouraçados ingleses. Posteriormente, as negociações que culminaram na Missão Militar Francesa e na Missão Naval Norte-Americana também comprovam a importância do Ministério das Relações Exteriores para a reestruturação do Exército e da Marinha à época. As negociações em Paris, para a elaboração do Tratado de Versalhes, quando o Brasil defendeu seu direito sobre os navios capturados junto à Alemanha, e as discussões na Liga das Nações sobre desarmamento são outros exemplos de como a atuação do Itamaraty buscou garantir ao país as melhores condições para modernizar suas Forças Armadas. Por meio da aprovação da Resolução Fisher, o Brasil obteve reconhecimento formal da Liga das Nações para a situação especial em que se encontrava sua Marinha e conseguiu desvincular-se de qualquer compromisso em adotar medidas de redução de sua capacidade naval.302 Nesse contexto, as iniciativas brasileiras levantaram temores na Argentina, que passou a defender a manutenção do status quo existente entre os países do ABC, como meio de prevenir uma corrida armamentista na América do Sul. Segundo Félix Pacheco, o Brasil não era contra a ideia do desarmamento, no entanto a proporção da efetivação de tal princípio deveria levar em conta, em cada país, o tamanho territorial, o volume da população, a extensão da orla marítima a ser defendida e a capacidade atual de mobilização de suas Forças Armadas.303 Como o pressuposto defendido por Pacheco implicava maiores obrigações de redução da tonelagem das marinhas argentina e chilena, se comparadas às estipuladas ao Brasil, alterando, assim, a proporção naval entre as nações do ABC, a Argentina foi contra os princípios defendidos pelo chanceler brasileiro, e sério empecilho para o bom relacionamento entre Buenos Aires e Rio de Janeiro foi criado. O ponto de maior tensão entre os dois países ocorreu pouco antes da V Conferência Pan-Americana em Santiago do Chile, quando a imprensa portenha e a brasileira publicaram matérias com acusações mútuas de belicismo. O impasse gerado

301 PARADISO, op. cit. p. 111. 302 GARCIA, op. cit. p. 233. 303 GARCIA, op. cit. p. 235-236. 114 com a Argentina em decorrência do desejo brasileiro de investir em suas Forças Armadas cresceu em proporções, e as projeções de debates no âmbito da Conferência Pan-Americana, prestes ser realizada, tornaram-se desfavoráveis aos interesses do Brasil.

Na tentativa de limitar o impacto das discussões referentes ao desarmamento sobre a política militar e naval do Brasil, Pacheco vislumbrou a hipótese de convocar uma conferência preliminar entre Argentina, Brasil e Chile, antecedendo a Conferência de Santiago. A intenção era restringir as negociações sobre os armamentos tão-somente aos principais interessados, isto é, os países do ABC. (GARCIA, 2006, p. 237.)

Antes de enviar convite formal ao Chile e à Argentina para a realização de conferência prévia a Santiago, Félix Pacheco consultou informalmente ambos os países para saber suas posições a respeito da iniciativa brasileira. O embaixador brasileiro em Santiago assegurou que a resposta do Chile seria favorável à realização do encontro, no entanto o embaixador brasileiro em Buenos Aires, Pedro de Toledo, após reunir-se com Le Breton, chanceler interino argentino, e receber nota do Presidente Marcelo T. de Alvear, considerou que a proposta brasileira era vista com pouca simpatia em Buenos Aires. Pacheco, entendendo que as objeções da Argentina eram calcadas apenas em aspectos formais, enviou convite aos dois países. Como Toledo havia prenunciado, o governo argentino denegou a proposta brasileira de encontro de encontro, causando grande mal-estar nas relações entre as duas nações que já se encontravam tensas.304

O mal-estar criado entre Brasil e a Argentina iria agravar-se ainda mais. Em 7 de dezembro, um artigo assinado por Jorge A. Mitre para o jornal La Nación qualificou de ―inaceitável‖ a proposta brasileira de reduzir os armamentos navais de forma proporcional à extensão das costas a defender. Segundo Mitre, essa teoria reeditava a política de ―imperialismo pacífico e hegemonia efetiva‖ com que sonhara o barão do Rio Branco. Por mais extensas que fossem as costas brasileiras, isso não justificaria uma esquadra preponderante no continente, já que para a manutenção da paz no Atlântico Sul era essencial a equivalência naval argentino-brasileira. (GARCIA, 2006, p.242-243)

Nesse contexto, Ángel Gallardo foi convidado para assumir o Ministério das Relações Exteriores da Argentina. Em parada técnica no Rio de Janeiro, recebeu convite de Pacheco para almoçar no Itamaraty e, pela tarde, reuniu-se com o Presidente Artur Bernardes. A visita do recém-nomeado chanceler argentino, pautada por cordialidade de

304 GARCIA, op. cit. p. 238-243; PARADISO, op. cit. p. 109-110. 115 ambas as partes, foi tentativa do governo brasileiro de amenizar os estragos ocorridos nas relações dos dois países, em decorrência das discussões sobre desarmamento.305 Apesar do esforço de Bernardes, tal como já havia sido previsto, o tratamento da questão sobre desarmamento voltou a opor Brasil e Argentina na Conferência de Santiago. Como chefe da delegação brasileira, Afrânio de Melo Franco queixou-se da imprensa argentina, que fazia denúncias infundadas contra o Brasil e criava clima artificial de hostilidade entre os dois países. Houve momento em que, diante das tentativas de concertação entre Brasil e Chile, os jornais argentinos passaram a atacar também a política externa chilena. Depois de várias tentativas de entendimento entre os países do ABC, a elaboração do acordo denominado Tratado para evitar ou prevenir conflitos entre Estados americanos, ou, simplesmente, Pacto Gondra foi o resultado mais substancial da Conferência.306 Segundo esse documento, toda questão entre dois ou mais Estados americanos que não pudesse ser sanada por meios diplomáticos de solução de controvérsias deveria ser submetida a uma “comissão investigadora” encarregada de analisar o caso. Além disso, os signatários do Pacto comprometiam-se a não tomar medidas de preparação militar ou mesmo iniciar hostilidades sem, antes, conhecer o relatório da referida comissão. De posse dos termos do relatório, os países só poderiam deflagrar ações de guerra depois de seis meses, período adicional no qual haveria novas tentativas de solução pacífica para a dificuldade que ensejou a criação da comissão.307 A adoção do Pacto Gondra conseguiu amenizar as tensões existentes entre Argentina e Brasil, por gerar maior previsibilidade às ações dos países da região. Quanto às aspirações brasileiras de recuperação de suas Forças Armadas, a adesão ao acordo não causava nenhum óbice às medidas vislumbradas por Bernardes como necessárias para a reestruturação naval e militar do país. Apesar disso, o clima de distanciamento entre os maiores países da América do Sul permaneceu durante toda década de 1920. A Argentina, preocupada em reconquistar o mercado europeu para sua produção de carne, dava prioridade a aspectos comerciais em sua política externa e não compreendia por que o Brasil insistia tanto em armar-se diante de um contexto internacional pautado por esforços de desarmamento. Por sua vez, a política externa de Artur Bernardes deu grande importância à participação

305 GARCIA, op. cit. p. 242-246. 306 GARCIA, op. cit. p. 255-267. 307 GARCIA, op. cit. p. 266-267; SANTOS, 2005, p. 190. O texto integral do Pacto Gondra pode ser encontrado em < http://www.oas.org/juridico/spanish/tratados/a-18.html>. 116 brasileira na Liga das Nações, descuidando das relações do país com sua vizinhança. Durante a primeira metade da década de 1920, a negligência brasileira em relação à América do Sul foi de tal monta que, segundo Eugênio Vargas Garcia, quando o Brasil se retirou da Liga das Nações, além de estar mal visto na Europa, o país também se encontrava isolado na América do Sul e ignorado pelos Estados Unidos.308 Os esforços do MRE para combater a atuação da Coluna Prestes nos países vizinhos foram produzidos nesse clima de tensão, desconfiança e incompreensão entre Argentina e Brasil. Se a cooperação auferida pelo Brasil junto às autoridades paraguaias e uruguaias, por exemplo, foi satisfatória, o mesmo não ocorreu com relação à Argentina, conforme se depreende dos telegramas trocados entre a embaixada do Brasil em Buenos Aires e a Secretaria de Estado, no Rio de Janeiro. Vale destacar que, depois de momentos de grande tensão com o Uruguai, em decorrência dos acontecimentos em Los Galpones – vistos no capítulo dois – o governo brasileiro conseguiu assinar com esse país, em 30 de março de 1925, convênio para o estabelecimento de condutas durante perturbações de ordem interna. O acordo definia medidas para internação de rebeldes, feridos e enfermos, combate a atividades subversivas levadas a cabo em território alheio e contenção do tráfico de armas e munições destinadas a atividades rebeldes. Antes e após a assinatura do referido convênio, a atitude das autoridades uruguaias foi elogiada, em alguns telegramas, pela Secretaria de Estado e pelo governador de Santa Catarina, dando a entender que o governo brasileiro estava satisfeito com Montevidéu frente às demandas direcionadas a esse país, o que não ocorreu com relação à Argentina conforme se verá mais à frente309.

4.2. O ITAMARATY NO COMBATE À COLUNA PRESTES E AOS MOVIMENTOS QUE DERAM ORIGEM À MARCHA REBELDE – A REPERCUÇÃO NA POLÍTICA EXTERNA BRASILEIRA

Como visto no terceiro capítulo, durante o período em que a marcha da Coluna Prestes percorreu o país, os rebeldes estabeleceram rede de contatos com os membros do movimento que estavam localizados na Argentina. Essas comunicações foram feitas

308 GARCIA, op. cit. p. 274, 588, 597-598. 309Pacheco a Toledo, tel. s/n, RJ, 8 nov. 1924, AHI 208/03/01; Pacheco a Toledo, tel. nº 71, RJ, 17 nov, 1924, AHI 208/03/01; Pacheco a Toledo, tel. nº 77, RJ, 20 nov, 1924, AHI 208/03/01; Pacheco a Toledo, tel. nº 75, RJ, 10 mai, 1925, AHI 208/03/01; Pacheco a Toledo, tel. nº 89, RJ, s/d, 1925, AHI 208/03/01; Konder a Mangabeira, tel., Florianópolis, 10 mar. 1927, AHI 208/3/2; GARCIA, op. cit. p. 544-545; Relatório do MRE, 1924-1925, p. 65-67. 117 por meio de enviados que viajavam até o país estrangeiro e, depois, retornavam ao Brasil e, em alguns casos, por meio de telegramas e correspondências. As ações dos revolucionários foram vigiadas pelo governo federal com todos os recursos de que dispunha: serviço de inteligência, informantes e rede consular e diplomática brasileira no exterior. Entre os anos de 1924 e 1929, as missões estrangeiras brasileiras em Montevidéu, Assunção e, principalmente, Buenos Aires foram instrumentos importantes para a política externa de repressão iniciada por Bernardes e continuada por W. Luis. Assim sendo, a questão não foi meramente pessoal, como grande parcela dos autores que escrevem sobre o tema afirma, posto que um dos objetivos declarados pelos insurgentes era a queda do governo de Artur Bernardes310. Ao longo desse período, a Coluna Prestes obrigou o Itamaraty a permanecer de prontidão para atuar junto aos países vizinhos sempre que atividades rebeldes eram detectadas nesses territórios estrangeiros. Assim, foi em contexto de desconfiança mútua e de relações bilaterais deterioradas que o Brasil solicitou a cooperação das autoridades argentinas. Como será visto, os representantes do governo argentino não negaram apoio à causa brasileira, mas não atuaram conforme o MRE desejava.

4.2.1. A REPERCUSSÃO DOS LEVANTES NO EXTERIOR E AS RECLAMAÇÕES ESTRANGEIRAS

Desde a eclosão do Segundo 5 de Julho, em 1924, o movimento liderado por Isidoro Dias Lopes produziu repercussões nas relações internacionais do Brasil. As primeiras consequências foram notícias divulgadas no exterior a respeito do movimento revolucionário, gerando imagem negativa do país. A imprensa internacional auferia informações diretamente de seus representantes no Brasil ou por troca de dados entre si. O governo federal deu orientação aos postos do Itamaraty para que atuassem no sentido de desmentir notícias referentes aos movimentos rebeldes que fossem consideradas infundadas ou mentirosas. Isso ocorreu na Europa e na América do Sul, onde as

310 AHI 202/02/01, AHI 208/02/03; AHI 208/02/04; AHI 208/02/05; AHI 208/02/06; AHI 208/03/01, AHI 208/03/02, AHI, Lata 46, maço 378. 118 embaixadas e as legações do Brasil publicaram, por diversas vezes, matérias, notas e cartas com a intenção de reforçar as versões oficiais sobre as agitações no país.311 A guerra de informações entre o governo federal e as agências estrangeiras foi tão significativa que Artur Bernardes passou a censurar não só as notícias que circulavam internamente, como também as informações que os correspondentes estrangeiros enviavam ao exterior312. Ainda assim, as informações levantadas pelas agências norte-americanas eram bem fidedignas aos fatos, e isso pode ser decorrente da provável atuação dos consulados norte-americanos como fontes para a mídia. A reprodução em Buenos Aires de grande parte das notícias publicadas pelos meios norte- americanos é outro indício da qualidade dessas informações.313 Como a versão oficial era muito diferente das que circulavam nos jornais estrangeiros, houve protestos brasileiros junto às embaixadas desses dois países e repercussões, inclusive, na Europa314. Em nota ao encarregado de negócios da embaixada dos EUA, Pacheco justificou suas ponderações, afirmando que “o Governo seria, portanto, ingênuo, se não se defendesse desse noticiário malévolo e corrosivo que semeia a anarquia no País e abala seu crédito no exterior”315. O embaixador brasileiro em Buenos Aires, Pedro de

311 AHI 215/01/04; AHI, 215/01/05; Toledo a Pacheco, tels. nº 93, 94, 96, 97, 98, 100, 101, 103, 105, 107, entre outros, de Buenos Aires, de 1924, AHI 208/02/03. 312 Pacheco a Toledo, tel. nº 45, RJ, 11 nov. 1924, AHI, 208/03/01; MEIRELLES, 1997, p. 102, 113-114, 117, 137-138, 162. 313 Toledo a Pacheco, tel. nº 91, Buenos Aires, 12 jul., 1924, AHI 208/03/02; Toledo a Pacheco, tel. nº 94, Buenos Aires, 14 jul. 1924, AHI, 208/02/03; MEIRELLES, op. cit. p. 123, 206, 265, 351. Isso já não é válido para os meios de comunicação da Argentina, que, por vezes, publicaram boatos sem fundamento, como foram os casos do jornal La Prensa, que chegou a afirmar que o Presidente Artur Bernardes renunciaria a seu mandato em novembro de 1924 – Toledo a Pacheco, tel. nº 156, Buenos Aires, 24 set., 1924, AHI, 208/02/03 – e do La Nación que, em 1925, também afirmou que o Presidente brasileiro renunciaria em alguns meses – Toledo a Pacheco, tel. nº 15, Buenos Aires, 11 jan., 1925, AHI, 208/02/04. 314 Exemplo disso pode ser encontrado em Portugal. À época, o embaixador brasileiro em Lisboa, José Manoel Cardoso de Oliveira, desmentiu vários pontos contidos na entrevista concedida por J. J. Seabra e Irineu Machado a jornais portugueses. Vale lembrar que Seabra havia sido candidato a vice-presidente da República, em 1922, na chapa de oposição a Bernardes, liderada por Nilo Peçanha, enquanto Machado havia sido deputado e senador da República pelo Distrito Federal. As notas de José Manoel Cardoso de Oliveira direcionadas aos meios de comunicação portugueses reproduziram as informações enviadas pelo governo federal, no Rio de Janeiro, reforçando, assim, a versão oficial sobre os levantes. Como se verá mais adiante, o controle exercido pelo Itamaraty foi tão estrito que nenhuma ação deveria ser tomada sem o prévio consentimento de Pacheco. É nesse sentido que o embaixador brasileiro em Lisboa repreendeu um cônsul e, de acordo com instruções recebidas de Pacheco, Pedro de Toledo também deveria fazer o mesmo com relação ao cônsul brasileiro em Paso de los Libres. Para o caso português cf. AHI, 215/01/04 e AHI, 215/01/05. Para o caso em Paso de los Libres, Pacheco a Toledo, tel, nº 62, RJ, 2 nov. 1924, AHI, 208/03/01. 315 Resposta de Félix Pacheco ao encarregado de negócios da Embaixada dos EUA. Rolo 6, fotograma 648, Arquivo Artur Bernardes apud MEIRELLES, 1997, p. 137-138. 119

Toledo, tentou alertar Pacheco sobre as más repercussões da censura e dos protestos, mas sem sucesso:316

A imprensa, unânime, aqui, comenta, como desfavorável ao Brasil, o excessivo rigor da censura que cerca de mistérios os acontecimentos de São Paulo, sem o complemento de explicações mais amplas que as dos comunicados por parte do governo brasileiro. Nos meios políticos mais simpáticos ao Brasil domina a mesma impressão, manifestada sempre em tom amistoso. Justificam a censura, mas julgam necessária uma válvula para socorrer a opinião dos próprios amigos. (Toledo a Pacheco, tel. nº. 98, Buenos Aires, 16 de julho, 1924, AHI 208/02/03)

As notas do governo tinham tom otimista. A versão oficial dos acontecimentos entre 1922 e 1927 considerou os levantes como meros distúrbios sem maior importância, minimizando as ações dos revolucionários. A realidade, no entanto, era diversa. A princípio, a estratégia do governo funcionou bem nos grandes centros urbanos, mas, conforme os anos passavam, ficava evidente para todos que as versões do oficiais não eram confiáveis, já que a marcha revolucionária continuava a desafiar os efetivos das Forças Públicas e do Exército Brasileiro. O controle do governo federal sobre as informações fez que o Itamaraty não informasse a suas missões no exterior o estado real em que o país se encontrava. O governo brasileiro subestimava os rebeldes e enviava a seus postos diplomáticos informações pouco confiáveis. Exemplos desses fatos e da guerra de informações entre o MRE e os jornais estrangeiros são encontrados em telegrama da Secretaria de Estado para a Embaixada do Brasil em Buenos Aires, de julho de 1925:

São inteiramente inexatas notícias aí publicadas sobre pretendidas vantagens obtidas pelos revolucionários na fuga pelos sertões de Goiás. Os bandos comandados por Prestes e Miguel Costa perderam toda eficiência tendo já sofrido vários revezes infligidos pela Coluna governista comandada pelo major Klinger. O governo considera extinta a revolução e desnecessárias novas operações militares, bastando medidas de polícia para acabar de dispersar os grupos que abandonaram Mato Grosso e continuam fugindo pelas zonas despovoadas de Goiás. (Pacheco a Toledo, tel. nº. 98, Buenos Aires, 17 de julho, 1925, AHI 208/03/01)

É verdade que Bertoldo Klinger impôs sérias adversidades aos rebeldes em sua perseguição, mas afirmar que o governo considerava “extinta a revolução” era subestimar os rebeldes ou querer passar às missões brasileiras no exterior falsa

316 AHI 215/01/04; AHI 215/01/05; Toledo a Pacheco, tels. nº 93, 94, 96, 97, 98, 100, 101, 103, 105, 107, entre outros de 1924, AHI 208/02/03. 120 impressão do que ocorria de fato, no interior do país. Depois desse telegrama, o movimento rebelde durou por mais um ano e sete meses, tempo suficiente para desacreditar o governo federal e o Exército Brasileiro perante a população do país e fazer crescer a admiração por Prestes e seus comandados em significativas parcelas do próprio Exército e das camadas médias urbanas317. Deste modo, à época dos movimentos rebeldes, nenhum embaixador ou outro servidor lotado no exterior sabia de fato o que se passava no Brasil. A versão do governo era aquela na qual os membros do Itamaraty no exterior acreditavam. É possível que Pacheco pensasse que os postos no exterior cumpririam melhor o papel de desmentir as notícias prejudiciais à imagem brasileira caso conhecessem apenas o que o governo federal desejasse. Seja como for, o MRE atuou de forma incisiva, junto aos países em que as informações consideradas perniciosas eram propaladas, desmentindo tais notícias318 e chegando a solicitar maior controle por parte dos governos dessas nações sobre os jornais que publicavam essas matérias.319 Além da disputa de versões entre o governo federal e a imprensa internacional, a luta entre os rebeldes e as forças legalistas gerou também outros pontos de tensão nas relações internacionais do Brasil. Como visto no segundo capítulo, depois de enfrentar significativa resistência de alguns batalhões da Força Pública paulista, os revolucionários conseguiram dominar a cidade de São Paulo, obrigando as forças federais a abandonar a capital. A partir desse ponto, o Exército adotou a estratégia de bombardear São Paulo por meio de fogos de artilharia e de operações aéreas. Não tendo conhecimento das posições ocupadas pelos rebelados, as tropas legais passaram a atingir bairros de forma indiscriminada, matando número considerável de civis. À época, São Paulo tinha grande percentual de imigrantes europeus em sua população, por isso houve elevado número de vítimas de nacionalidade estrangeira. Em treze de julho de 1924, os representantes diplomáticos acreditados nessa cidade reuniram-se com o objetivo de discutir a melhor maneira de protestar contra os bombardeios que estavam prejudicando os interesses comerciais de seus países e matando grande número de seus compatriotas. A quantidade de países presentes refletiu

317 Toledo a Pacheco, tel. nº 386, Buenos Aires, 6 dez., 1924, AHI, 208/02/03. 318 Toledo a Pacheco, tel. nº 285, Buenos Aires, 8 nov. 1924, AHI, 208/02/03; Toledo a Pacheco, tel. nº 286, Buenos Aires, 8 nov. 1924, AHI, 208/02/03. 319 Pacheco a Toledo, tel. nº 37, RJ, 14 ago. 1924, AHI, 208/03/01; Pacheco a Toledo, tel. nº 32, RJ, 8 jul. 1924, AHI, 208/03/01; Pacheco a Toledo, tel., RJ, 18 out. 1924, AHI, 208/03/01; Pacheco a Toledo, tel. nº 33, RJ, 16 jul., 1924, AHI, 208/03/01; Pacheco a Alves, tel. nº 71, RJ, 19 out. 1926, AHI, 208/03/01; Toledo a Pacheco, tel. nº 90, Buenos Aires, 12 jul. 1924, AHI, 208/02/03; Toledo a Pacheco, tel. nº 125, Buenos Aires, 16 ago. 1924, AHI, 208/02/03. 121 a importância do encontro: do corpo diplomático da cidade, representantes de Itália, Portugal, Chile, Peru, Argentina, Uruguai, Suécia, Dinamarca, França, Bélgica, Estados Unidos, Japão, Espanha, Noruega, Suíça, Alemanha e Inglaterra participaram da reunião320. Uma comissão para tentar negociar diretamente junto aos rebeldes e às forças legais o fim do bombardeio à cidade foi criada, e as negociações ocorreram de forma rápida. Diante do insucesso dessa primeira iniciativa, no dia 15 de julho, outra comissão formada por cinco embaixadores foi criada e recebida por Artur Bernardes no Palácio do Catete. Faziam parte desse grupo os representantes da Grã-Bretanha, John Tilley, da França, Alexandre Conty, da Itália, Pietro Badoglio, de Portugal, Duarte Leite e da Bélgica, barão de Falon. Os cinco membros do corpo diplomático solicitaram que as facilidades de comunicações com seus cônsules, em São Paulo, fossem restabelecidas e que, em caso de bombardeio, a população civil fosse avisada com antecedência, a fim de poder escapar da zona de conflito. O presidente Bernardes prometeu fazer o possível para atender às demandas dos representantes estrangeiros e reiterou sua confiança na restauração da ordem na capital paulista.321 No dia 24 de julho, as forças do governo lançaram, sobre São Paulo, panfletos direcionados à população. Segundo o ministro da Guerra, Setembrino de Carvalho, as tropas legalistas necessitavam de que a população paulistana abandonasse a cidade para que os combates aos rebeldes pudessem ocorrer de modo mais eficiente e com maior liberdade de ação. Tal mensagem deu a entender que o governo estava prestes a lançar ação de grande envergadura contra os rebeldes, e, diante dessa possibilidade, parte do corpo diplomático, no Rio de Janeiro, resolveu enviar nota conjunta ao Itamaraty, demonstrando preocupações pela vida de seus nacionais. A mensagem foi assinada pelos chefes das representações diplomáticas de Alemanha, Bélgica, Dinamarca, Espanha, Estados Unidos, França, Grã-Bretanha, Itália, Japão, Países Baixos, Portugal, Suíça e Tchecoslováquia. Os países da América Latina preferiram não assinar o termo por considerá-lo uma intervenção em assuntos internos brasileiros.322 Conforme se podia prever pela reação dos diplomatas latino-americanos, a interpretação que Félix Pacheco deu à nota conjunta foi a de uma intromissão inapropriada do corpo diplomático estrangeiro em assuntos essencialmente afetos à

320 Jornal do Comércio, São Paulo, 19 de julho de 1924 apud MEIRELLES, op. cit. p. 124-125. 321 GARCIA, op. cit. p. 533-534. 322 GARCIA, op. cit. p. 535-536; MEIRELLES, op. cit. p. 164. 122 esfera doméstica do Brasil. O levante em São Paulo era um caso de polícia para o governo federal e, sendo assim, não comportava intromissões de outros países. O chanceler recusou-se a receber a nota coletiva, aceitando, no entanto, sua substituição por notas individuais das missões estrangeiras que quisessem manifestar-se.323 No dia 28 de julho de 1924, apenas quatro dias após a elaboração da nota coletiva, os revolucionários abandonaram São Paulo com destino ao interior do país. A partir de então, as missões diplomáticas estrangeiras no Brasil puderam tranquilizar-se com relação às vidas de seus nacionais, por um lado, mas, por outro, passaram a preocupar-se em garantir que os prejuízos decorrentes dos confrontos fossem devidamente reparados àqueles que tivessem sofrido perdas. Enquanto a Grã-Bretanha foi o país que mais perdeu em termos financeiros e comerciais, a Itália foi a nação que mais sofreu em termos humanos, em função do grande número de imigrantes deste país vivendo em São Paulo324. A extensão do bombardeio causou impacto e indignação no embaixador italiano, conforme consta em carta enviada ao cônsul-geral em São Paulo:

(...) o que vi e ouvi em São Paulo se me contristou o coração italiano, por tudo quanto sofreram os meus irmãos, e me encheu de orgulho (...) porque pude mais uma vez admirar toda a altivez e toda a virtude da nossa raça (...). Sofrimentos e danos gravíssimos foram suportados com força de ânimo digno da antiga Roma (...). Das vítimas inocentes e dos que mais diretamente as choraram, como de todo os que perderam alguma coisa, se lembrará para sempre o Brasil. (BADOGLIO, Pietro apud MEIRELLES, 1997, p. 205)

Entre 1924 e início de 1927, as requisições de materiais e equipamentos realizadas pelas forças em conflito também fizeram que diversos países atuassem junto ao Brasil, com o objetivo de obter as reparações devidas. Como visto no terceiro capítulo, as requisições rebeldes também deviam ser pagas pela União em respeito às normas constitucionais da época. Logo, todos os bens de particulares que foram requisitados pelo Exército Brasileiro, pelas Forças Públicas estaduais ou pelos revolucionários deveriam ser ressarcidos pela União. Para tal finalidade, era necessário arrolar, junto aos processos impetrados, comprovantes de que os bens discriminados haviam sido utilizados pelas tropas em questão. A comprovação das requisições feitas pelos rebeldes pressupunha uma série de procedimentos que, muitas vezes, era de difícil acesso às humildes populações do interior brasileiro.325 No caso das tropas legais, a

323 GARCIA, op. cit. p. 536-537. 324 GARCIA, op. cit. p. 534; MEIRELLES, op. cit. p. 180-183. 325 Para mais detalhes das requisições feitas pelos rebeldes e dos procedimentos para obter o respectivo ressarcimento da União, cf. capítulo três e MEIRELLES, op. cit. p. 432. 123 comprovação era mais simples, uma vez que todo material requisitado era trocado por declarações de oficiais que haviam realizado tal procedimento, bastando que o antigo proprietário apresentasse esse documento e comprovasse o valor de mercado que seu(s) bem(ns) possuía(m) à época.326 Em várias situações, no entanto, os trâmites burocráticos sofriam consideráveis delongas, causando perdas aos particulares que tinham crédito a receber junto ao governo federal. Empresas grandes, como a Mate Laranjeira, por exemplo, tinham recursos para pressionar a União e fazer valer seus direitos. No entanto, várias dessas requisições afetaram cidadãos comuns que não tinham poderes econômicos expressivos. No caso de estrangeiros, muitos deles recorreram à proteção diplomática que seus países podiam fornecer-lhes e solicitaram ajuda de suas missões diplomáticas para resolver pendências financeiras junto ao governo brasileiro. Em um desses casos, a Itália requereu ao Brasil o pagamento de indenização no valor de 18:582$400 réis a Pilade Baiocchi, comerciante italiano que forneceu “feitos”, entre dezembro de 1926 e março de 1927, às tropas federais que combatiam os rebeldes em Goiás. As trocas de correspondência entre a embaixada italiana no Rio de Janeiro, o Ministério da Guerra e o Itamaraty demonstram que houve certa pressão por parte da Itália para solucionar a situação de seus cidadãos327. Caso interessante de reclamação estrangeira ocorreu com súdito holandês de nome Ary de Geus, na região de Carambeí, no município de Castro, Paraná. No início do século, houve significativo afluxo de imigrantes holandeses que vieram trabalhar para a Brazil Raiway Company. Duas famílias foram pioneiras na região: os Leendert e os Verschoor. Estabelecido no local, Jan Verschoor resolveu voltar à Holanda, em busca de novos imigrantes para a então colônia de “Carambehy”. Nessa oportunidade, ele entrou em contato com Aart Jan de Geus e despertou interesse de seus filhos Leendert e Ary de Geus em vir morar no Brasil. Ao terminar as atividades da Brazil Railway Company, vários imigrantes holandeses passaram a trabalhar na empresa de lacticínios fundada por Aart Jan de Geus, denominada De Geus & Cia. Na década de 1920, surgiram mais duas fábricas de queijo na região, e, para evitar concorrência entre os imigrantes holandeses, foi criada, em 1925, a Sociedade Cooperativa Hollandeza de Laticínios.

326 AHI, Lata 478, maço 7453; AHI, Lata 471, maço 7203. 327 AHI, Lata 478, maço 7453; Toledo a Pacheco, tel. nº 232, Buenos Aires, 11 mai., 1925, AHI, 208/02/04. 124

Pouco antes, em setembro de 1924, quando as forças legais que combatiam a Coluna Prestes passaram pela região de Carambeí, requisitaram a Ary de Geus três automóveis, vários pneus e outros acessórios que julgaram necessários ao esforço empreendido contra os rebeldes, perfazendo o valor total de 16:968$000 réis. Em 1925, o senhor de Geus requereu do governo federal a indenização a que fazia jus.328 Chama atenção nesse caso a participação de um enviado extraordinário e ministro plenipotenciário de sua Majestade a Rainha dos Países Baixos, o senhor van Rappard. Como o governo de Artur Bernardes não solucionou a questão, a pendência do caso de Geus chegou a 1929, sem desfecho. Nesse contexto, a legação holandesa no Brasil pediu auxílio ao então ex-chanceler Félix Pacheco para realizar gestões junto a Otávio Mangabeira, ministro que lhe sucedeu no cargo. A troca de notas entre a legação holandesa, Otávio Mangabeira, Félix Pacheco e o ministro da Guerra, Nestor Sezefredo dos Passos, demonstrou que a pressão desse país europeu sobre o MRE foi significativa, tendo o enviado extraórdinário, van Rappard, recebido procuração do senhor de Geus para atuar em seu nome e receber a quantia devida.329 Como não há outros documentos relativos ao caso, pôde-se presumir que o pagamento a Ary de Geus ocorreu no ano de 1929 e teve boa serventia para ele e sua família. Um ano antes, em 1928, o cônsul holandês Berkhout sugeriu que a marca dos queijos produzidos pela Cooperativa de “De Geus & Cia.” fosse alterada para “Batavo”, em homenagem à população que habitou, na Antiguidade, a região holandesa de origem das famílias dos primeiros colonos de Carambeí. Surgiu, dessa maneira, a empresa Batavo, nacionalmente conhecida nos dias de hoje e que, com a indenização recebida do governo federal, teve mais recursos financeiros para as atividades produtivas do início de sua existência. 330

328 AHI, Lata 471, maço7203. 329 AHI, Lata 471, maço7203. 330 Outras informações sobre a família de Geus foram retiradas da Internet, na página oficial da Prefeitura de Carambeí/PR – município emancipado de Castro, em 13 de dezembro de 1995. Disponível em < http://www.carambei.pr.gov.br/> e , acesso em 19/05/2011. Informações históricas sobre a empresa Batavo podem ser encontradas em < http://www.batavo.com.br/>. 125

4.2.2. O LEVANTAMENTO DE DADOS E INFORMAÇÕES PELA REDE DIPLOMÁTICA DO BRASIL E AS DESPESAS EXTRAORDINÁRIAS

As críticas da Argentina à política militar e naval do Brasil, a guerra de informações entre o Itamaraty e a imprensa estrangeira, as reclamações das potências européias e dos EUA ao Brasil podem gerar a falsa impressão de que o MRE atuou somente na defensiva. No entanto, ao reagir perante as demandas externas, a chancelaria brasileira não descuidou de atitude ativa no combate aos revolucionários sob comando de Isidoro Dias Lopes e na precaução contra eventuais ameaças internacionais. Provas disso são encontradas nas informações levantadas pelo Itamaraty, pelo serviço de inteligência das Forças Armadas e pelos agentes civis do governo. Como exemplo, é digno de destaque o conteúdo de alguns telegramas enviados de Buenos Aires para o Rio de Janeiro, em julho de 1924, que retransmitiram notícias circulantes na capital argentina. Por meio das comunicações entre Pedro de Toledo e Félix Pacheco, foi possível saber que Itália, Estados Unidos e Grã-Bretanha331 pensaram em enviar vasos de guerra para Santos, a fim de assegurar interesses comerciais naquele porto:

Transmito resumo jornais: (...) telegrama ASSOCIATED PRESS diz Cônsul Americano Santos pediu remessa navio guerra garantir vidas propriedades estadunidenses, Embaixada Americana Rio transmitiu pedido declarando providência desnecessária, visto estarem garantidos interesses estrangeiros naquele porto. (Toledo a Pacheco, tel. nº 97, Buenos Aires, 16 jul. 1924, AHI 208/02/03)

Transmito Vossa Ex. resumo jornais: ―Prensa‖ publica notícias discordantes provenientes Rio Montevidéu. ―Nación‖ (...) coletividade italiana muito prejudicada em S. Paulo, Embaixada Italiana pediu seu governo dois couraçados garantir interesses em Santos. (...). (Toledo a Pacheco, tel. nº 100, Buenos Aires, 17 jul. 1924, AHI 208/02/03.)

Transmito Vossa Ex. resumo jornais: ―Nación‖ telegrama especial Washington, diz governo americano está considerando conveniência enviar um ou dois navios porto Santos para garantir vida propriedades americanos, caso rebelião progrida, a exemplo procedimento recente revolução Honduras. ―Associated‖ informa Roma infundada notícia Itália enviará navios Brasil devido não haver navios italianos sudatlânticos, outros levariam quinzena chegar Santos, caso contrário seriam enviados couraçados SAN GIORGIO SAN MARCOS. (...) Telegramas Agências HAVAS navios americanos medida precaução prontos partir defesa vidas propriedades cidadãos americanos. (Toledo a Pacheco, tel. nº 101, Buenos Aires, 18 jul. 1924, AHI 208/02/03.)

331 GARCIA, op. cit. p. 534. 126

Pelos telegramas que chegaram à Secretaria de Estado, poder-se-ia imaginar que o embaixador norte-americano, Edwin Morgan, fosse analista comedido em relação às agitações internas do Brasil. No entanto, de acordo com outros documentos, a imagem de Morgan é diversa. Quando os rebeldes entraram em Mato Grosso, vindos do Paraguai, já em 1925, o embaixador norte-americano acreditou que os revolucionários e a população desse estado – composta por parcela expressiva de gaúchos e seus descendentes – iriam provocar sérias dificuldades ao governo federal, podendo repetir, nessa região, toda série de agitações que havia ocorrido no Rio Grande do Sul. 332 Meses antes, quando rebeldes tomaram conta de vários quartéis gaúchos, o embaixador norte-americano torceu para que eles separassem essa unidade da federação do restante do país. Segundo a visão do embaixador norte-americano, o surgimento de uma nação na região do Rio Grande do Sul seria benéfico aos interesses econômicos dos Estados Unidos e à região do Cone Sul. Independentes, os gaúchos constituiriam um país com menos problemas econômicos e sociais que o restante do Brasil e de composição étnica mais próxima da europeia333. Para Morgan, o ideal seria o surgimento de uma República que abrangesse os territórios do Rio Grande do Sul e do Uruguai. Em relatório enviado ao Departamento de Estado, o embaixador norte-americano escreveu que a principal vantagem de uma nação nesses moldes seria que “a rivalidade insensata e ciumenta entre Argentina e Brasil seria diminuída”334, garantindo a paz no Cone Sul e resguardando os interesses econômicos dos EUA sobre essa região. A preocupação econômica de Edwin Morgan ganha relevo caso se atente para o contexto econômico e financeiro do período em análise, conforme visto no primeiro capítulo. Após a Primeira Guerra Mundial, durante a década de 1920, o Brasil consolidava-se como importante mercado para empresas norte-americanas que ganharam participação no país em detrimento de uma série de companhias britânicas. No governo de Artur Bernardes, o centro financeiro mundial deslocava-se de Londres para Nova York em um processo que só terminou após a Segunda Guerra Mundial.335 Dessa maneira, a concorrência entre os capitais britânicos e norte-americanos pelo

332 MEIRELLES, op. cit. p. 385-387. 333 MEIRELLES, op. cit. 386. 334 Relatório do embaixador Edwin Morgan, em 29 de novembro de 1924. Rolo 6, fotogramas 443 e 444. National Archives/USA apud MEIRELLES, op. cit. p. 385-387. 335 GILPIN, 2002, p. 149-152. Para mais detalhes desse processo sobre a economia brasileira, cf. capítulo primeiro; GARCIA, op. cit. capítulo 04 Comércio e Finanças: entre Estados Unidos e Grã-Bretanha. 127 mercado brasileiro era preocupação constante nas embaixadas dos dois países, no Rio de Janeiro.336 Como exemplo da atuação do serviço de inteligência do Exército Brasileiro, pode ser citada a vigilância sobre a movimentação dos rebeldes nas fronteiras do Brasil com seus vizinhos, além da atenção dada pelos militares à atuação dos servidores do Itamaraty que trabalhavam nos consulados brasileiros no exterior. Os dois casos transcritos abaixo são decorrentes do período em que a Coluna Prestes saiu de Foz do Iguaçu, cruzou o Paraguai e ingressou em Mato Grosso.

Para conhecimento de V. Ex. transcrevo o telegrama do Tenente Romeu Balster meu agente de informações do Rio Paraná acaba de receber Foz do Iguaçu: ―Foz do Iguaçu 9/6 às 12 horas urgente Gal. Rondon Ponta Grossa. a (Conforme meu telegrama último de Posadas tem chegado da zona Mato Grosso Ponta Poran em Encarnación diversos elementos gente de Prestes creio desertores. (...) Em Encarnación pretenderam iludir boa fé nosso Consulado fazendo-se passar por emigrados Mato Grosso. Consegui em tempo reconhecê-los.) – b (Dia 31 próximo findo notei viajarem trem internacional Assunción para Argentina dois passageiros revolucionários de Prestes um negro e um menos 14 anos presumíveis. Autoridades argentinas quando comboio procede Assunción chega território argentino revistam rigorosamente e exigem passaporte. Como esses dois passageiros passaram presumo que existe alguma facilidade fornecimento de passaporte em nosso Consulado Assunción.) (...) e – (General Isidoro continuando Assunción telegrafou Simas Enéas dizendo que dinheiro todo deveria ser entregue a Miguel Costa. (...) Saudações Tte Balster.‖ Essa informação que é verdadeira nos mostra que Assunción e Posadas são centros atuais de onde os chefes rebeldes continuam a incentivar o bando que invadiu os sertões de Mato Grosso. (...) (Rondon a Pacheco, tel. nº 2129, Ponta Grossa, 1925, AHI Lata 46, maço 377)

(...) Rebeldes continuam auxílios vindos da Argentina. A munição que estão empregando é reconhecida daquela origem. Seria para desejar que houvesse mais vigilância nos pontos de acessos desde Bela Vista até Pirahy. Os rebeldes viviam cruzando em livre trânsito em Bela Vista e Pedro Juan Caballero para Concepción desde muito tempo.(...) (Rondon a Pacheco, tel. nº 1813, Guarapuava, 1925, AHI Lata 46, maço 377.)

Analisando as informações contidas nos telegramas trocados entre a Embaixada brasileira em Buenos Aires e a Secretaria de Estado, percebe-se que o Itamaraty estava bem informado em relação ao que se passava com os rebeldes. Os dados que chegavam dos consulados, da inteligência das Forças Armadas e de informantes civis criaram uma base de dados importante para o governo federal. Não se sabia das movimentações revolucionárias com profundidade; essa, inclusive, foi uma das razões pelas quais a Coluna Prestes conseguiu iludir as forças legalistas em diversas oportunidades, ao longo

336 MEIRELLES, op. cit. p. 386-388. 128 de sua marcha pelo país, mas várias informações a respeito das condições em que os revolucionários se encontravam – suas reais condições de combate, seus objetivos de médio prazo e seus estoques de suprimentos – eram conhecidas por Felix Pacheco e Artur Bernardes.337 Como exemplo da eficiência da coleta de informações por parte do governo, pode-se citar a previsão de levante revolucionário no Rio Grande do Sul, mais tarde confirmada pela atuação de Prestes, Siqueira Campos e Juarez Távora. Há destaque para o cônsul de Posadas, que parecia estar a par de várias movimentações revolucionárias338

(...) Dei aviso ao Presidente Borges de Medeiros desse plano dos revoltosos, que iniciarão a seção, invadindo súbita e simultaneamente o Rio Grande, por municípios de Palmeiras, São Luiz, Santo Ângelo, Bagé e Sant´Anna. João Francisco espera aviso de Tavora para vir a Posadas e seguir ao encontro de Zecca Netto e Leonel Rocha. Respeitosamente, (A) Paulo Demodoro. Cônsul. (Toledo a Pacheco, tel., nº 203, 14 out. 1924, Buenos Aires, AHI, 208/03/02.)

Uma das maneiras encontradas pelo governo federal para obter quantidade expressiva de dados a respeito dos rebeldes foi o pagamento de informantes. Nota-se a existência de significativo número de “despesas extraordinárias” geradas pela Embaixada brasileira em Buenos Aires e pelos consulados do Brasil em Posadas, Paso de los Libres, São Tomé e Alvear, durante o período em que a Coluna Prestes marchou pelo país. Os recursos liberados a esses postos parecem ter atingindo somas consideráveis, não havendo o Itamaraty criado maiores problemas para a autorização dessas verbas.339 Durante o segundo semestre de 1924 e o primeiro semestre de 1925, as atividades dos rebeldes de Isidoro Dias Lopes concentraram-se nas proximidades das fronteiras do Brasil com Argentina e Paraguai. Os comandados por Luis Carlos Prestes marcharam em direção ao norte, pela região oeste dos estados de Santa Catarina e Paraná, perto da divisa com o território argentino de Missiones, enquanto os revolucionários que vieram de São Paulo passaram pelo interior paulista e paranaense,

337 Toledo a Pacheco, tel., nº 152, 22 set. 1924, Buenos Aires, AHI, 208/02/03; Toledo a Pacheco, tel., nº 164, 25 set. 1924, Buenos Aires, AHI, 208/02/03; Toledo a Pacheco, tel., nº 166, 27 set. 1924, Buenos Aires, AHI, 208/02/03; Toledo a Pacheco, tel., nº 173, 30 set. 1924, Buenos Aires, AHI, 208/02/03; Toledo a Pacheco, tel., nº 179, 03 out. 1924, Buenos Aires, AHI, 208/02/03. 338 Toledo a Pacheco, tel., nº 142, 16 set. 1924, Buenos Aires, AHI, 208/02/03; Toledo a Pacheco, tel., nº 179, 03 out. 1924, Buenos Aires, AHI, 208/02/03; Toledo a Pacheco, tel., nº 187, 06 out. 1924, Buenos Aires, AHI, 208/02/03; Toledo a Pacheco, tel., nº 193, 08 out. 1924, Buenos Aires, AHI, 208/02/03; Toledo a Pacheco, tel., nº 199, 10 out. 1924, Buenos Aires, AHI, 208/02/03; Toledo a Pacheco, tel., nº 215, 23 out. 1924, Buenos Aires, AHI, 208/02/03. 339 AHI, 208/02/03; AHI, 208/02/04; AHI, 208/02/05; AHI, 208/02/06; AHI, 208/03/01; AHI, 208/03/02. 129 até chegar a Foz do Iguaçu, onde permaneceram durante alguns meses, à espera dos rebeldes gaúchos. No início da marcha revolucionária, uma das consequências da campanha de difamação lançada pelo governo federal contra o movimento foi o medo que as populações do interior brasileiro passaram a ter dos integrantes desses levantes. Sem acesso a notícias fidedignas sobre os rebeldes, os moradores do interior tinham imagem deturpada dos comandados de Isidoro Dias Lopes. Somente com o tempo, com as notícias transmitidas oralmente e com o conhecimento do tratamento dispensado pelos rebelados à população rural, foi possível obter imagem diferenciada da Coluna Prestes, passando a existir, em alguns locais, veneração aos membros da marcha, conforme já visto no terceiro capítulo.340 No período em que os rebeldes se encontravam na região oeste de Paraná e Santa Catarina, o medo das populações do interior foi expresso por meio do grande afluxo de brasileiros para localidades estrangeiras próximas às fronteiras341. Na cidade argentina de Alvear, por exemplo, defronte à cidade gaúcha de Itaqui, a filha de Getúlio Vargas, ainda em idade escolar, chegou a buscar abrigo segundo consta em um dos telegramas de novembro de 1924342. Nesse contexto, o embaixador Pedro de Toledo pediu para Félix Pacheco deixá-lo informado a respeito das operações militares naquela região, enquanto os cônsules brasileiros na Argentina e no Paraguai solicitaram verbas para lidar com dificuldades criadas pela imigração de nacionais para o exterior343:

A proximidade dos revolucionários da fronteira argentina e o êxodo de famílias brasileiras para o território limítrofe tornam bem delicada (...) a nossa situação. A fim de poder remover quaisquer dificuldades, rogo a Vossa Excelência trazer-me sempre informado de tudo que possível. (Toledo a Pacheco, tel., nº 140, Buenos Aires, 16 set. 1924, AHI, 208/02/03.)

Cônsul do Brasil em Posadas telegrafa comunicando chegaram hoje ali no vapor IBERÁ comandante forças legais guarnição Guaíra Dilermando Assis, quatro oficiais e cinco praças, os quais se retiraram daquela localidade, que foi ocupada pelos revoltosos (...) Da Foz do Iguaçu imigraram para Aguirre, território argentino, setecentas pessoas maioria mulheres, crianças, em previsão próxima já inevitável incursão revoltosos que se propõem, ao que parece, internar-se Paraná ou Rio Grande.(...) Cônsul resolveu não conceder despacho embarcações Brasil, as quais necessariamente facilitariam

340Rever capítulo 03 e MEIRELLES, op. cit. p. 426-428; MOREIRA LIMA, op. cit. p. 194-198; PRESTES, op. cit. p. 216-217. 341 Toledo a Pacheco, tel. nº 172, Buenos Aires, 30 set., 1924, AHI, 208/02/03. 342 Toledo a Pacheco, tel. nº 264, Buenos Aires, 4 nov., 1924, AHI, 208/02/03. 343 Toledo a Pacheco, tel. nº 181, Buenos Aires, 18 abr., 1925, AHI, 208/02/04; Toledo a Pacheco, tel. nº 184, Buenos Aires, 21 abr., 1925, AHI, 208/02/04. 130

transportes revoltosos de Mendes à Foz do Iguaçu.(...). (Toledo a Pacheco, tel., nº 143, Buenos Aires, 17 set. 1924, AHI, 208/02/03.)

O Cônsul do Brasil em Posadas insiste na necessidade urgente de socorrer os imigrados de Aguirre, diminuindo esse sacrifício para governo argentino, e diz que a demora das providências, já solicitadas, está causando mau efeito. Também é conveniente prever algumas medidas que deverão ser tomadas quando os revoltosos se internarem nos territórios argentino e paraguaio, procurando entendimentos com os governos desses países. (...) Para o socorro dos imigrados e outras medidas lembro a Vossa Ex., salvo melhor juízo, abrir um crédito especial, num banco aqui, a fim de satisfazer todas as requisições do cônsul brasileiro de Posadas e de outros na fronteira, depois de um exame nessa embaixada e de ouvido o adido comercial. O adido militar poderia trasladar-se provisoriamente para Posadas, a fim de resolver, em harmonia com o Cônsul, cada caso, e estudar outras medidas. (Toledo a Pacheco, tel., nº 195, Buenos Aires, 9 out. 1924, AHI, 208/02/03.)

Percebe-se assim que, durante o período de maior atividade da Coluna Prestes próxima à fronteira do Brasil com Argentina e Paraguai, o governo federal teve uma série de “despesas extraordinárias” decorrentes de imigrações de brasileiros para cidades estrangeiras situadas nas fronteiras. Como visto no telegrama do cônsul em Posadas, essa situação chegou a desagradar a autoridades argentinas em função da necessidade de lidar com consequências de um problema doméstico do Brasil344. Além de gastos com as famílias da população local, houve o empenho de recursos para fazer face às necessidades de funcionários públicos que abandonaram seus postos em Foz do Iguaçu e Guaíra, buscando refúgio, com suas famílias, em territórios estrangeiros.345 Pela troca de correspondência entre as missões do Brasil na Argentina e a Secretaria de Estado, no Rio de Janeiro, pôde-se perceber também que parte dos recursos que sustentaram as “despesas extraordinárias” veio do Ministério da Guerra. O telegrama de número 195 deixa claro que existiu coordenação entre Itamaraty, Ministério da Guerra e autoridades brasileiras vinculadas às atividades comerciais. A sugestão de Toledo a Pacheco para que o adido militar fosse atuar temporariamente em Posadas parece corroborar esse entendimento, e, como as forças comandadas pelo general Rondon estavam operando na região, nesse período, mais do que uma estratégia do governo, a articulação entre os três setores foi uma necessidade daquele contexto. Telegrama de Félix Pacheco à Embaixada em Buenos Aires demonstra o esforço conjunto dos ministérios de Bernardes para combater a Coluna Prestes:

344 Pacheco a Toledo, tel., nº 51, RJ, 17 set. 1924, AHI, 208/03/01. 345 Toledo a Pacheco, tel., nº 196, Buenos Aires, out. 1924, AHI, 208/02/03; Toledo a Pacheco, tel., nº 213, Buenos Aires, 19 out. 1924, AHI, 208/02/03; Toledo a Pacheco, tel., nº 215, Buenos Aires, 23 out. 1924, AHI, 208/02/03; Toledo a Pacheco, tel., nº 236, Buenos Aires, 30 out. 1924, AHI, 208/02/03. 131

Autorizo Cônsul Demetrio Toledo sacar extraordinárias Exterior recursos de que carece relacionando despesas e enviando-me comprovante que me habilitem reclamar aqui indenização Ministério da Guerra. Vossa Excelência fixará ao Cônsul limite que achar justo para o saque recomendo- lhe, outrossim, rigorosa sindicância a fim de não se enganar tomando rebeldes como legalistas. (Pacheco a Toledo, tel., nº 65, RJ, 2 nov. 1924, AHI, 208/02/03.)

A cooperação entre Itamaraty, Ministério da Guerra e outras autoridades do governo também ficou evidenciada por meio de outro telegrama expedido por Pacheco a Toledo, em 20 de março de 1925. Nessa correspondência, o chanceler brasileiro deu conhecimento a Toledo de que o ministro da Guerra já havia avisado o cônsul de Posadas a respeito da necessidade de abastecimento do major Rondon e que um cheque vindo de Foz do Iguaçu estava a caminho, para fazer frente às demandas militares. O telegrama demonstrou que o Marechal Setembrino se comprometia a fazer constar sua aprovação aos fundos necessários para combater os rebeldes da Coluna Prestes.346 Tal compromisso parece ter sido honrado pelo marechal conforme telegramas posteriores a março de 1925, expedidos pela Secretaria de Estado, atestam: “Ministro da Guerra providenciou junto fazenda entrega Cônsul Posadas trinta seis mil quinhentos pesos para pagamentos referida seu 246”,347 e, entre outros, “respondo 286, Ministro da Guerra comunica providenciou intermédio Banco Brasil colocar disposição Cônsul Posadas onze mil pesos”.348 Além do atendimento a necessidades urgentes de famílias brasileiras que imigraram em busca de segurança, do reabastecimento de tropas federais e do financiamento de operações militares próximas às fronteiras, o pagamento de particulares por informações vinculadas às atividades rebeldes foi outro destino dado às “despesas extraordinárias” dos postos do Brasil no exterior349, conforme se depreende do seguinte telegrama de 27 de maio de 1925:

Apurar melhor denúncia Mendes dizendo-lhe não teremos dúvida pagar-lhe os 3.500 pesos pedidos, mas depois que ele nos forneça as provas das informações que deve possuir. (Pacheco a Toledo, tel., nº 82, RJ, 27 mai. 1925, AHI, 208/02/03)

346 Pacheco a Toledo, tel., nº 61, 20 mar. 1925, RJ, AHI, 208/03/01. 347 Pacheco a Toledo, tel., nº 80, s/d., 1925, RJ, AHI, 208/03/01. 348 Pacheco a Toledo, tel., nº 91, 2. jul, 1925, RJ, AHI, 208/03/01. 349 Pacheco a Toledo, tel., nº 65, 2 nov. 1924, RJ, AHI, 208/03/01; Pacheco a Toledo, tel., nº 82, 27 mai. 1925, RJ, AHI, 208/03/01; Toledo a Pacheco, tel. nº 161, Buenos Aires, 13 abr., 1925, AHI, 208/02/04; Toledo a Pacheco, tel. nº 190, Buenos Aires, 23 abr., 1925, AHI, 208/02/04. 132

O pagamento de pessoas que tinham informações a respeito dos rebeldes fica também comprovado por meio de outro telegrama com o seguinte conteúdo:

Telegrama de Posadas para La Prensa dizem todas as forças rebeldes encontram-se em Foz do Iguaçu (...). Comando rebelde solicitou representante imprensa intervenham autoridades telégrafos argentino, uruguaio evitem violação despachos, dizem praticadas Libres, Santo Tomé, Caseros, Alvear, Artigas, Rivera, Mello e Rio Branco, mediante suborno pessoas interessadas. (Toledo a Pacheco, tel., nº 199, Buenos Aires, 10 out, 1924, AHI, 208/02/03)

Algumas conclusões interessantes podem ser retiradas desses despachos telegráficos em destaque e de outros com conteúdo similar constantes no Arquivo Histórico do Itamaraty. Em primeiro lugar, parece não haver dúvidas de que o serviço de inteligência das Forças Armadas brasileiras cooperou, de maneira estreita, com os cônsules brasileiros na Argentina, no Uruguai e no Paraguai, em contexto de articulação entre o Itamaraty e o Ministério da Guerra, tal como era de antever-se. Também como era esperado, o pagamento por informações relacionadas à movimentação dos revolucionários foi atitude praticada pelos postos do Brasil no exterior, conforme o aumento das “despesas extraordinárias” dessas missões atesta. Surpreendente, no entanto, foi a capacidade de infiltração dos interesses brasileiros sobre os serviços de telégrafos estrangeiros350. Para obter dados sobre os rebeldes, o governo de Artur Bernardes conseguiu violar os despachos telegráficos que transitavam nas redes domésticas da Argentina e do Uruguai.351 Sabendo que os membros da Coluna Prestes combatiam a censura interna no Brasil por meio do envio de informações à imprensa argentina352, as autoridades brasileiras conseguiram subornar pessoas que trabalhavam nos telégrafos estrangeiros, para obter o conteúdo das mensagens que os rebeldes enviavam à impressa

350 De acordo com denúncias do jornal La Prensa, de 5 de dezembro de 1924, o governo brasileiro chegou a subornar funcionários de prefeituras argentinas, do sistema de transporte ferroviário e dos telégrafos com a finalidade de obter informações sobre os revolucionários. Toledo a Pacheco, tel. nº 386, Buenos Aires, 6 dez., 1924, AHI, 208/02/03. 351 Os dados relatados em Toledo a Pacheco, tel. nº 237, Buenos Aires, 31 out., 1924, AHI, 208/02/03, também parecem ter sido obtidos por meio de violação de despachos telegráficos. 352 Os revolucionários tinham grande facilidade de acesso aos meios de comunicação argentinos, como jornais e revistas, e deram a eles, por diversas vezes, entrevistas e declarações que incomodavam o governo federal brasileiro. AHI 208/03/02 e AHI 208/03/04. 133 estrangeira353. A existência dos dados do telegrama 199, de 10 de outubro de 1924, comprova que houve violação da correspondência dos rebeldes.354 De outra feita, também chama atenção conclusão interessante a respeito do comportamento dos comandados de Isidoro Dias Lopes. Além de combater as forças do governo federal por meio de propaganda e de ações militares, os membros da Coluna Prestes também produziram atividades de contrainteligência ao longo da realização da marcha. Os rebeldes sabiam que o governo de Artur Bernardes havia mandado violar despachos telegráficos, subornar particulares e pagar por informações a respeito da movimentação revolucionária, e, mais uma vez, o conteúdo do telegrama 199 comprova isso, assim como outras correspondências do período.355 Impressiona, no entanto, o fato de que também os revolucionários tinham informantes no sistema de telégrafos do Brasil, conforme o embaixador Pedro de Toledo apurou e avisou à Secretaria de Estado, no Rio de Janeiro:

(...) Quer dizer que os revolucionários têm no Telegrafo Nacional ou no Cabo Submarino quem lhes dê cópia dos telegramas oficiais, convindo por isso que os cônsules não transmitam por esse meio notícias que possam comprometer o movimento de tropas legais contra os rebeldes (Toledo a Pacheco, tel., nº 403, Buenos Aires, 15 dez, 1924, AHI, 208/02/03).

Além de informantes nos telégrafos, os revolucionários tinham outros métodos para a obtenção de dados e para enganar o governo federal. Ao fazer-se passar por emigrados, desertores ou particulares comuns, os rebeldes que se direcionavam aos consulados brasileiros no exterior buscavam recursos do governo que poderiam ser úteis

353 Esses subornos parecem ter sido financiados pela mesma fonte de renda que sustentou a obtenção de informações sobre os rebeldes, ou seja, as “despesas extraordinárias” dos postos brasileiros na Argentina. 354 Há outra possibilidade para a obtenção de informações como as contidas no telegrama 199. Caso o governo brasileiro tivesse informantes infiltrados nos jornais argentinos, os despacho telegráficos enviados pelos rebeldes aos periódicos platinos poderiam chegar ao conhecimento das autoridades brasileiras. Essa possibilidade parece menos crível em função de alguns aspectos. Em primeiro lugar, o governo não sabia quando e para qual jornal, ou jornais, os rebeldes enviariam mensagens – os contatos rebeldes com a imprensa argentina envolviam mais de um meio de comunicação. No entanto, o governo conhecia em quais cidades estrangeiras as atividades subversivas ocorriam. Em segundo lugar, qualquer pessoa vinculada aos diários argentinos pensaria duas vezes, antes de vazar informações que pudessem prejudicar sua fonte. Além de poder perder a confiança dos revolucionários e deixar de gerar receitas com a venda de notícias, a repercussão negativa que o caso geraria poderia prejudicar a empresa que fornecesse essas informações ao Brasil. Em terceiro lugar, o serviço de inteligência rebelde e os jornais argentinos afirmaram que a violação dos despachos ocorria nas cidades de “Libres, Santo Tomé, Caseros, Alvear, Artigas, Rivera, Mello e Rio Branco, mediante suborno pessoas interessadas”, conforme o telegrama 199 deixou claro. Toledo a Pacheco, tel. nº 386, Buenos Aires, 6 dez., 1924, AHI, 208/02/03. 355 Pacheco a Toledo, tel., nº 65, RJ, 2 nov. 1924, AHI, 208/03/01; Toledo a Pacheco, tel. nº 386., Buenos Aires, 6 dez., 1924, AHI, 208/02/03; Pacheco a Toledo, tel., nº 82, RJ, 27 mai. 1925, AHI, 208/03/01; Rondon a Pacheco, tel. nº 2129, Ponta Grossa, 1925, AHI Lata 46, maço 377. 134 ao movimento – dinheiro por informações falsas ou vistos para faturas de exportação356 –, além de tentar confundir as autoridades nacionais a respeito das operações da Coluna, por meio de informações equivocadas. É provável que sejam essas as principais razões pelas quais Pacheco chamou a atenção dos servidores no exterior para não se equivocar, “tomando rebeldes como legalistas”357 e para fornecer comprovação das “despesas extraordinárias” lançadas na contabilidade de seus postos. O conhecimento de que o governo brasileiro estava disposto a pagar por ações ou informações que trouxessem prejuízos à Coluna Prestes não ficou restrito a pequeno grupo de pessoas. Exemplo disso é encontrado em correspondências de setembro de 1924, enviadas de Buenos Aires para o Rio de Janeiro. De acordo com o embaixador brasileiro na Argentina, um caudilho paraguaio de nome Plácido Jara procurou aquela embaixada, para desmentir o boato de que participava da Coluna Prestes e deu a entender que colocava seus serviços à disposição do governo brasileiro. Toledo desaconselhou a contratação de Jara, por considerá-lo perigoso e pouco confiável, mas deixou isso em aberto, para decisão final de Pacheco. Cinco dias depois, o mesmo caudilho procurou, novamente, a missão brasileira em Buenos Aires, para oferecer a organização de uma força de mil homens que viessem a combater os rebeldes, caso eles atravessassem a fronteira com o Paraguai. Novamente, Toledo desaconselhou a contratação dos serviços desse caudilho.358 Esse exemplo demonstra que, à época, na região do Prata, muitas pessoas sabiam que o Brasil estava disposto a pagar por todo tipo de ação ou informação que pudesse ser usada contra os rebeldes. Isso atraiu particulares que desejavam tirar proveito das verbas disponibilizadas pelo governo federal seja por meio de informações falsas359,

356 O tráfico de armas é analisado mais adiante. Pelos dados do efetivo rebelde muito acima do real que foram informados às autoridades brasileiras no telegrama Toledo a Pacheco, tel. nº 29, Buenos Aires, 16 jan., 1925, AHI, 208/02/04, pode-se ter ideia de como os rebeldes plantavam informações falsas nos consulados, com vistas a ludibriar o governo quanto ao seu real poder de fogo. 357 Como exemplo, podem-se citar as constantes tentativas dos rebeldes de obter vistos de exportação junto aos consulados brasileiros. Em alguns casos, equívocos foram cometidos, e os revolucionários conseguiram ter suas faturas visadas por essas repartições. Nessas ocasiões, inquéritos foram instaurados, para averiguar se houve ou não conivência dos servidores do posto, seguindo ordem da Secretaria de Estado. Pacheco a Toledo, tel., RJ, 14 out., 1924, AHI, 208/03/01. 358 Toledo a Pacheco, tel., nº 154, Buenos Aires, 24 set. 1924, AHI, 208/02/03; Toledo a Pacheco, tel., nº 170, Buenos Aires, 29 set. 1924, AHI, 208/02/03. 359 Como visto no terceiro capítulo, a contratação do cangaceiro Virgulino Ferreira – conhecido como Lampião – e a formação de Batalhões Patrióticos foram exemplos de disposição do governo federal para pagar particulares que estivessem dispostos a combater a Coluna Prestes. O caso de Lampião, no entanto, também ilustra como o governo federal foi iludido em algumas situações. Tal parece ser a intenção de Placido Jara, segundo diagnóstico do embaixador Pedro de Toledo. O risco de perder os recursos que, eventualmente, seriam passados a esse caudilho não seria compensado pelos serviços que ele estava disposto a conceder ao Brasil. Ademais, sabendo que ele era um agitador, também se corria o risco de 135 seja por meio de dados fidedignos e de serviços a ser prestados. Encontram-se, na correspondência do período, relatos de que a “vigilância” sobre os rebeldes seria suspensa caso não se enviassem os recursos solicitados pelos cônsules,360 comprovando, assim, o pagamento de particulares para o constante monitoramento dos membros da Coluna361. Com vistas a coibir eventuais enganos por parte dos funcionários dos consulados e dar maior eficiência às ações de combate aos revolucionários, o Itamaraty intensificou seu controle sobre as ações dos postos do exterior. A vigilância sobre os servidores foi de tal monta que, além de punir e desautorizar quem agisse de maneira autônoma362, Félix Pacheco deu instruções para Pedro de Toledo instaurar inquéritos sigilosos contra servidores que trabalhavam nos consulados brasileiros na Argentina, incluindo, no rol de investigados, os próprios cônsules. Havia o temor por parte do governo de que os rebeldes poderiam estar recebendo ajuda de funcionários consulares conforme denúncias ocorridas à época363 e de acordo com relatos do serviço de inteligência das Forças Armadas364. A Secretaria de Estado transmitiu ordem para que nenhum tipo de facilidade consular fosse disponibilizado aos revolucionários, podendo ser punido quem procedesse de maneira contrária à diretriz estabelecida.365 O controle sobre os postos na Argentina deveria ser estrito em função do objetivo do governo brasileiro de cortar a rede de abastecimento rebelde situada neste país.

4.2.3. O COMBATE AO TRÁFICO DE ARMAS E VÍVERES PELO ITAMARATY E A COOPERAÇÃO ARGENTINA

De todos os problemas gerados no âmbito internacional pelos revolucionários da Coluna Prestes, o tráfico de armas, munições e víveres foi talvez aquele que mais exigiu esforços por parte do Itamaraty, conforme se passa a averiguar. Pouco depois de eclodir o Segundo 5 de Julho, em São Paulo, a Secretaria de Estado já havia sido informada por Demétrio de Toledo, então cônsul em Paso de los Libres, da precária situação existente criar problemas com o Paraguai, caso Jara, financiado pelo Brasil, provocasse distúrbios em terras guaranis. 360 Toledo a Pacheco, tel. nº 55, Buenos Aires, 28 jan., 1925, AHI, 208/02/04; Toledo a Pacheco, tel. nº 223, Buenos Aires, 8 mai., 1925, AHI, 208/02/04. 361 Toledo a Pacheco, tel. nº 386, Buenos Aires, 6 dez., 1924, AHI, 208/02/03. 362 AHI, 215/01/04; AHI, 215/01/05; Pacheco a Toledo, tel, nº 62, RJ, 2 nov. 1924, AHI, 208/03/01. 363 Toledo a Pacheco, tel. nº 267, Buenos Aires, 5 nov., 1924, AHI, 208/02/03. 364 AHI, Lata 46, maço 377. 365 Pacheco a Toledo, tel., RJ, 14 out., 1924, AHI, 208/03/01; AHI, Lata 46, maço 377. 136 na fronteira do Brasil com a Argentina, na região compreendida entre as cidades de Uruguaiana, Passo de los Libres e adjacências – fronteira do Rio Grande do Sul com Corrientes. Em relatório de mais de 50 páginas, o cônsul expôs que o contrabando de víveres entre os dois países era algo problemático e causava grandes prejuízos ao erário nacional em razão dos impostos sobre importação e exportação que deixavam de ser arrecadados. O relatório é estudo abrangente sobre os problemas de comércio ilegal nas áreas fronteiriças mencionadas. O cônsul chegou a historiar sobre os contrabandistas mais famosos, que se tornaram célebres pela astúcia e pela ousadia, além de especificar os principais métodos de ação desses criminosos, classificando-os em três grupos diferentes. Alguns dos produtos mais comuns no tráfico da região eram farinhas argentinas, gado, produtos químicos, ferragens, mate brasileiro, perfumes e tecidos especiais. Segundo Demétrio de Toledo, os traficantes eram bem organizados, bem equipados e contavam com o apoio velado de autoridades brasileiras nas alfândegas. Após discorrer sobre o problema, o cônsul brasileiro sintetizou o assunto com detalhes e sugestões de organização administrativa, como, por exemplo, a escolha criteriosa de funcionários para alfândegas e consulados brasileiros da região. A importância de indicar os funcionários da alfândega com a devida atenção é evidente; por sua vez, contratação de empregados não pertencentes aos quadros do Itamaraty merecia atenção pelo fato de serem essas pessoas eventuais substitutos do cônsul. Assim, a nomeação de servidores para os postos de vice-cônsul e de agente comercial deveria ser feita com cuidado.366 Conforme o relato em questão, a situação precária da fiscalização alfandegária na fronteira entre Brasil e Argentina era bem conhecida em toda a região. Como muitos dos revolucionários eram do sul, o mais provável é que tenham escolhido a Argentina como base logística de suas operações em decorrência da deficiência de atuação das autoridades alfandegárias nacionais. A relativa facilidade de escoar armas, munições e víveres através da fronteira contribuiu para que os rebeldes obtivessem recursos necessários à efetivação da marcha revolucionária e criou mal-estar nas autoridades brasileiras em relação ao governo argentino. Uma das primeiras atitudes do governo brasileiro foi enviar ordem a todas as missões da região do Prata para que tivessem rigorosa atenção em suas emissões de

366 Informe do cônsul Demetrio de Toledo a Félix Pacheco, AHI, Lata 518, maço 8427. 137 licenças de exportação de bens da Argentina para o Brasil. Ao que parece, no período em análise, todo produto argentino que tivesse o mercado brasileiro como destino deveria ter suas faturas visadas no consulado brasileiro mais próximo, antes de ingressar em território nacional. Assim, a tentativa de obter maior controle fronteiriço sobre os bens que entravam no país começou logo após o Segundo 5 de Julho, em São Paulo, conforme Félix Pacheco deixou claro por meio de telegrama emitido em 8 de julho de 1924: “autorizo consulado legalizar embarque toda e qualquer quantidade armamentos munições que governo Rio Grande do Sul importar.”367 Em outras correspondências isso também fica evidente368:

Governo recomenda que consulados não permitam embarques de armas, munições e explosivos para o Brasil sem licença especial que deverá ser pedida para cada caso por intermédio deste Ministério. Rogo providenciar para exato cumprimento destas instruções. (Pacheco a Toledo, tel. nº 50, RJ, 17 set., 1924, AHI, 208/03/01)

A intenção era cortar a rede de abastecimento revolucionária localizada no exterior, dificultando as ações dos rebeldes no âmbito doméstico. Apesar de todo o esforço do governo federal, o contrabando não foi eliminado369. Em julho de 1925, quando a Coluna Prestes havia acabado de enfrentar forças legalistas comandadas por Bertoldo Klinger na invernada denominada Zeca Lopes, no estado de Goiás370, a Secretaria de Estado retransmitiu à Embaixada brasileira em Bueno Aires telegrama com o seguinte conteúdo:

Rogo atenção de Vossa Ex. para os seguintes telegramas reservados, que acabamos de receber da fronteira:

367 Convém lembrar que tais armas poderiam ter como objetivo combater os opositores de Borges de Medeiros que haviam lutado contra ele em 1923, mas, após o Pacto de Pedras Altas, assinado em dezembro de 1923, o mais provável era que tais recursos bélicos tivessem como alvo os rebeldes de São Paulo. Pacheco a Toledo, tel. nº 31, RJ, 8 jul., 1924, AHI, 208/03/01. 368 Pacheco a Toledo, tel. nº 58, RJ, 14 out., 1924, AHI, 208/03/01; Pacheco a Toledo, tel. nº 63, RJ, 2 nov., 1924, AHI, 208/03/01; Pacheco a Toledo, tel. nº 64, RJ, 2 nov., 1924, AHI, 208/03/01; Pacheco a Toledo, tel. nº 31, RJ, 8 jul., 1924, AHI, 208/03/01; Pacheco a Toledo, tel. nº 77, RJ, 20 nov., 1924, AHI, 208/03/01. 369 Toledo a Pacheco, tel. nº 259, Buenos Aires, 4 nov., 1924; Toledo a Pacheco, tel. nº 277, Buenos Aires, 6 nov., 1924, AHI, 208/02/03; AHI, 208/02/03; Toledo a Pacheco, tel. nº 278, Buenos Aires, 6 nov., 1924, AHI, 208/02/03; Toledo a Pacheco, tel. nº 72, Buenos Aires, 9 fev., 1925, AHI, 208/02/04; Toledo a Pacheco, tel. nº 74, Buenos Aires, 10 fev., 1925, AHI, 208/02/04; Toledo a Pacheco, tel. nº 148, Buenos Aires, 4 abr., 1925, AHI, 208/02/04; Toledo a Pacheco, tel. nº 298, Buenos Aires, 2 jun., 1925, AHI, 208/02/04. 370 MACAULAY, op. cit. p. 125-129; MEIRELLES, op. cit. p. 404-407; MOREIRA LIMA, op. cit. p. 166-168; PRESTES, op. cit. p. 206-207. 138

―Os caixões de armas estavam ocultos em Garruchos e foram transportados para S.Xavier em carroças, acompanhando uma mudança simulada destinada a Caseros. O Chefe de serviço assumiu o compromisso de interceptá-la. Fidencio Mello, Leonel Rocha e Honorio Lemos desembarcaram ontem em Caseros.‖

―O chefe de serviço conseguiu desviar o destino de uma caixa com vinte e cinco armas Mauser, modelo 1894, vindas de S.Xavier e endereçadas ao sanatório Brasil Vianna, em Caseros, com o rótulo de material cirúrgico. Em Garruchos então ocultos cinco caixas de armas, que Leonel Rocha e Fidencio Mello providenciam para transportá-las Caseros ou Yapeiú. As armas apreendidas pelo chefe de serviço estão ocultas em Porto Candelaria. Honório Lemos partiu na noite de vinte e sete para Estação Itapevicua, em companhia de tropeiros simulados, com destino a Concordia. À Fazenda dos Mendes, Porto de Caseros chegam diariamente grupos de seis a oito indivíduos, dizendo-se praças, mas são rebeldes vindos de S.Tomé e Libres.‖

Nossas forças fronteiras e autoridades uruguayas estão vigilantes para impedir qualquer passagem de armas. (Pacheco a Toledo, tel. nº 90, RJ, 1 jul.,1925, AHI, 208/03/01)371

A ousadia dos rebeldes era digna de destaque. Siqueira Campos abriu empresa na Argentina com o nome de Araujo, Siqueira Campos & Companhia e tinha a intenção de exportar para o Brasil diversos produtos. Na verdade, os carregamentos da referida empresa eram outra maneira por meio da qual os rebeldes queriam aumentar a quantidade de armas e munições direcionadas ao movimento revolucionário. Quando representantes da companhia se dirigiram ao Consulado-Geral do Brasil em Buenos Aires, com o propósito de obter visto para a exportação de duas mil sacas de milho372, o cônsul pediu instruções à Secretaria de Estado. Pacheco respondeu que nenhuma autorização nesse sentido deveria ser dada à empresa de Siqueira Campos e solicitou ainda que o embaixador Toledo explicasse ao chanceler argentino, Ángel Gallardo, “a dificuldade em que se encontra nosso consulado ai impossibilitado de visar faturas da firma Siqueira Campos, pois se trata de réu pronunciado em crise de sedição, ainda agora reincidindo chefiava ostensivamente movimento.”373 No segundo semestre de 1926, já na fase final da marcha revolucionária, ocorreram apreensões de armas e munições na fronteira com a Argentina, conforme telegramas desse período evidenciam. Em correspondência de 17 de setembro de 1926, direcionada à Embaixada brasileira em Buenos Aires, por exemplo, em nome do

371 As localidades de São Xavier e Caseros, mencionadas na mensagem, são as cidades atuais de Porto Xavier, na divisa do Rio Grande do Sul com a província argentina de Missiones e Caseiros, localizada no norte do estado gaúcho. Isso demonstra que a divisa entre Brasil e Argentina, do sul do Rio Grande até o oeste do Paraná, era região vulnerável à atividade de contrabando, na década de 1920, conforme relatório de Demétrio de Toledo. 372 Toledo a Pacheco, tel. nº 238, Buenos Aires, 31 out., 1924, AHI, 208/02/03. 373 Pacheco a Toledo, tel. nº 64, RJ, 2 nov., 1924, AHI, 208/03/01. 139 ministro da Guerra, Félix Pacheco solicitou a Pedro de Toledo que obtivesse, junto ao governo argentino, facilidades para o livre trânsito de armas e munições apreendidas dos rebeldes na cidade de Encarnación, localidade defronte a Posadas.374 Tal fato comprova que o Itamaraty agiu em coordenação com as Forças Armadas na perseguição à Coluna Prestes, até o final da chancelaria de Félix Pacheco. No entanto, como se verá mais adiante, o uso do MRE como instrumento de repressão aos revolucionários do Segundo 5 de Julho não foi instrumento político exclusivo de Artur Bernardes. Com o intuito de combater os revolucionários, diversas gestões foram feitas às autoridades portenhas entre 1924 e 1927. As articulações do governo brasileiro com a Argentina envolveram pedidos a funcionários de postos policiais e alfandegários de fronteira, coordenação de ações com governadores de províncias375, reuniões com o ministro das Relações Exteriores, Àngel Gallardo, e conferências com o presidente Marcelo T. de Alvear. Como se pode deduzir pelas correspondências constantes no Arquivo Histórico do Itamaraty, no aspecto formal, a Argentina não se furtou ao esforço de atender aos pedidos brasileiros, no entanto, no aspecto prático, as ações desse país deixaram a desejar segundo a perspectiva de Félix Pacheco.376 No período compreendido entre o levante no Rio Grande do Sul e a invasão da Coluna Prestes ao território paraguaio, as gestões com as autoridades estrangeiras foram estreitas. A princípio, o governo brasileiro solicitou a seus vizinhos maior rigor no que tange à fiscalização fronteiriça377. Com o recrudescimento das atividades revolucionárias, o Brasil passou a solicitar a internação dos rebeldes que estivessem atuando nos territórios de Argentina, Uruguai e Paraguai. Rogou-se que as autoridades

374 Pacheco a Alves, tel. nº 54, RJ, 17 set., 1926, AHI, 208/03/01; Rio Branco a Mangabeira, tel. nº 37, Buenos Aires, 15 fev., 1927, AHI, 208/02/05. 375 Entre 1924 e 1927, os contatos do Itamaraty com os governadores de Missiones, Corrientes e Entre Rios foi constante. A cooperação fornecida por essas autoridades ajudou o Itamaraty a obter muitos dados sobre as atividades revolucionárias. Toledo a Pacheco, tel. nº 195, Buenos Aires, 25 abr., 1925, AHI, 208/02/04; Toledo a Pacheco, tel. nº 250, Buenos Aires, 19 jan., 1925, AHI, 208/02/04; Toledo a Pacheco, tel. nº 259, Buenos Aires, 22 mai., 1925, AHI, 208/02/04. 376 Pacheco a Kelsch, tel. nº 32, RJ, 12 nov., 1924, AHI, 202/02/01; Pacheco a Kelsch, tel. nº 30, RJ, 5 jan., 1925, AHI, 202/02/01; Pacheco a Toledo, tel. nº 49, RJ, 16 set., 1924, AHI, 208/03/01; Pacheco a Toledo, tel. nº 51, RJ, 17 set., 1924, AHI, 208/03/01; Pacheco a Toledo, tel. nº 69, RJ, 11 nov., 1924, AHI, 208/03/01; Toledo a Pacheco, tel. nº 143, Buenos Aires, 16 jul., 1924, AHI, 208/02/03; Toledo a Pacheco, tel. nº 151, Buenos Aires, 23 set., 1924, AHI, 208/02/03; Toledo a Pacheco, tel. nº 158, Buenos Aires, 24 set., 1924, AHI, 208/02/03; Toledo a Pacheco, tel. nº 169, Buenos Aires, 29 set., 1924, AHI, 208/02/03; Toledo a Pacheco, tel. nº 190, Buenos Aires, 7 out., 1924, AHI, 208/02/03; Toledo a Pacheco, tel. nº 207, Buenos Aires, 15 out., 1924, AHI, 208/02/03; Toledo a Pacheco, tel. nº 205, Buenos Aires, 15 out., 1924, AHI, 208/02/03; entre outros. 377 Toledo a Pacheco, tel. nº 278, Buenos Aires, 6 nov., 1924, AHI, 208/02/03; Toledo a Pacheco, tel. nº 294, Buenos Aires, 9 nov. 1924, AHI, 208/02/03. 140 vizinhas desarmassem e impedissem os rebeldes de reunir-se e continuar a praticar atividades subversivas, contrárias à ordem constitucional no Brasil.378 Tentando dar maior efetividade ao combate contra os rebeldes, os cônsules brasileiros foram instruídos a procurar estrita cooperação com as autoridades das províncias em que atividades de membros da Coluna eram detectadas. Foi nesse sentido que o cônsul em Posadas, Paulo Demoro, manteve conversações com os delegados da região e com o governador da província de Missiones.379

Transmito (...) Conversa com governador manifestei receios possibilidade vice-cônsul argentino Iguaçu ser surpreendido pedido armadores para legalizar documentos relativos cargas mercadorias embarcadas portos brasileiros e na boa fé as atender. Governador telegrafou de Aguirre a fim evitar possa realizar-se minha previsão, e que obstaria consulado embarcar aqui, medida último caso pretende usar. Sei que Rivera, República Uruguay, foram transmitidos telegramas para João Francisco, dirigidos aqui e Aguirre. Procurarei informações mais completas. Assinado Paulo Demoro, Cônsul Brasil em Posadas. (Toledo a Pacheco, tel. nº 169., Buenos Aires, 29 set., 1924, AHI, 208/02/03) 380

As medidas para tentar apreender víveres, armas e munições que tivessem como destino os rebeldes no Brasil exigiram empenho dos postos no exterior, conforme os telegramas do período demonstram. Outro exemplo de atuação conjunta entre os consulados brasileiros e as autoridades locais da argentina foram as iniciativas adotadas para evitar que embarcações e seus carregamentos viessem a cair nas mãos dos rebeldes. Por meio de contatos estabelecidos com o governador de Missiones, Paulo Demoro conseguiu que as autoridades portuárias argentinas fiscalizassem embarcações suspeitas que levassem a bandeira desse país, criando, assim, dificuldades para a rede logística dos revolucionários. A atuação desse cônsul também ocorreu junto aos presidentes de província brasileiros. No Paraná, com vistas a diminuir o tráfego de embarcações na região, o governo estadual proibiu, temporariamente, o corte de erva-

378 Pacheco a Kelsch, tel. nº 32, RJ, 12 nov., 1924, AHI, 202/02/01; Pacheco a Toledo, tel., RJ, 8 nov., 1924, AHI, 208/03/01; Pacheco a Toledo, tel. nº 69., RJ, 11 nov., 1924, AHI, 208/03/01; Pacheco a Toledo, tel. nº 70., RJ, 12 nov., 1924, AHI, 208/03/01; Pacheco a Toledo, tel. nº 56., RJ, 6 mar., 1925, AHI, 208/03/01; Pacheco a Toledo, tel. nº 75., RJ, 10 mai., 1925, AHI, 208/03/01. 379 Pacheco a Toledo, tel. nº 51, RJ, 17 set., 1924, AHI, 208/03/01; Toledo a Pacheco, tel. nº 151, Buenos Aires, 23 set., 1924, AHI, 208/02/03; Toledo a Pacheco, tel., Buenos Aires, 19 jan. 1925, AHI, 208/02/04; Toledo a Pacheco, tel. nº 81, Buenos Aires, 12 fev., 1925, AHI, 208/02/04; Toledo a Pacheco, tel. nº 181, Buenos Aires, 18 abr., 1925, AHI, 208/02/04; Toledo a Pacheco, tel. nº 353., Buenos Aires, 24 nov., 1924, AHI, 208/02/03. 380 Esse telegrama, novamente, evidencia a capacidade de o governo brasileiro violar os despachos telegráficos rebeldes. Uma vez mais, os indícios apontam para interceptações na fonte das mensagens e não em seus destinos, tal como discutido anteriormente. 141 mate entre as cidades de Iguaçu e Catanduvas e obteve a disponibilização de lancha da marinha para fiscalizar a costa entre Iguaçu e Mendes.381 As gestões feitas por Pedro de Toledo a Àngel Gallardo também merecem destaque. Os contatos entre os dois chanceleres foram constantes desde que Gallardo havia assumido a pasta de relações exteriores da Argentina. A princípio, como já visto, a intenção do governo brasileiro foi amenizar as tensões que existiam entre os dois países, decorrentes dos episódios envolvendo a discussão concernente ao fortalecimento e à modernização das Forças Armadas brasileiras e suas relações com os episódios da Conferência Preliminar em Valparaíso – que nunca ocorreu – e da V Conferência Pan- Americana, no Chile. Após a eclosão do movimento revolucionário sob comando de Isidoro Dias Lopes, Toledo passou a pedir maior cooperação da Argentina, para repreender as atividades dos membros da Coluna Prestes que viessem a ocorrer em seu território. Entre essas medidas, estavam incluídos maior rigor na fiscalização fronteiriça, internação de rebeldes que emigrassem para esse país vizinho, extradição de alguns brasileiros e informações a respeito de movimentações dos revolucionários382:

Conversei com o ministro sobre os seguintes assuntos: 1º. Contrabando na fronteira. Informei em Santo Tomé e outras partes da fronteira argentina continuava o contrabando de armas, gasolina etc para os revoltosos, segundo denunciavam nossos cônsules. Respondeu que atendendo minhas anteriores gestões havia providenciado junto às autoridades argentinas fronteiriças para evitar quanto possível esses e outros contrabandos. Hoje renovaria a expedição de ordens severas no mesmo sentido. 2º. Reuniões de grupos revolucionários nas fronteiras. Também estavam dadas ordens para evitá-las, de acordo com o que antes eu havia pedido: prometia ratificá-las com energia e assegurou maior simpatia fará tudo esteja a seu alcance para auxiliar o Governo brasileiro na manutenção da ordem e restabelecimento da paz. Porém, não pode impedir que os revolucionários e legalistas atravessem desarmados o território argentino, considerando todos como simples passageiros, desde que respeitadas as leis de polícia e outras do país. 3º. Firma Siqueira Campos & Companhia. O assunto exposto não é de competência do Governo e sim do Poder Judiciário, caso os interessados reclamem contra a recusa de legalização dos documentos. O Ministro das Relações Exteriores perguntou por que o Governo brasileiro não mandava visar as faturas e não tomava depois, no Rio, providências após desembarque das mercadorias. (Toledo a Pacheco, tel., nº 266, Buenos Aires, 6 nov. 1924, AHI, 208/02/03)

381 Toledo a Pacheco, tel. nº 190, Buenos Aires, 7 out., 1924, AHI, 208/02/03. 382 AHI, 208/03/01; AHI, 208/03/02; AHI, 208/02/03; AHI, 208/02/04; AHI, 208/02/05; AHI, 208/02/06; AHI, Lata 46, maço 377. 142

Pela correspondência do período, parece ter existido cooperação por parte da Argentina. É provável que a fiscalização na fronteira tenha sido melhorada tanto no lado brasileiro quanto no argentino, e a troca de informações entre as autoridades dos dois países foi prática recorrente nesse contexto de luta contra a Coluna Prestes383.

Acabo de receber do Ministro das Relações Exteriores uma nota confidencial, contendo o seguinte radiograma oficial, procedente de Aguirre:

―10 de outubro, Ministro da Marinha, de bordo do Iberá-. Ausentaram-se hoje o major Rodrigues e o Tenente Perdigão, que, parece, se dirigem ao Rio Grande do Sul, com o objetivo de ativar os preparativos para a Revolução. Saíram também, provavelmente com mesmo destino e objetivo, Cunha Bueno e dois tenentes alemães, que estão a serviço da insurreição. Vinte e dois refugiados em 8 de outubro, mencionados no radiograma 23, embarcaram com destino a Posadas e Puerto Irigoyen. Assinado. Gallardo.‖

Agradeci ao Governo argentino essa deferência. (Toledo a Pacheco, tel. nº 209., Buenos Aires, 15 out., 1924, AHI, 208/02/03)

Apesar do esforço por parte da Argentina em ajudar a combater as atividades revolucionárias que ameaçavam a ordem doméstica do Brasil384, a impressão nos escalões mais altos do governo de Artur Bernardes era que Buenos Aires não estava disposta a cooperar e apresentava atitude que deixava a desejar se comparada às ações tomadas pelos governos de Assunção e Montevidéu. Como exemplo, pode-se citar episódio em que Isidoro Dias Lopes e outros líderes rebeldes foram à Argentina, para cuidar da articulação da rede de abastecimento em novembro de 1924. De posse de tal informação, o Itamaraty solicitou que Toledo realizasse conferência com o presidente Marcelo T. de Alvear, para transmitir-lhe tais dados e solicitar medida “enérgica e definitiva”385 contra esses revolucionários. Seguindo instrução dada por Pacheco, Toledo reuniu-se com Alvear e, depois, informou ao Rio de Janeiro os resultados obtidos:

Tive hoje uma longa conferência, muito cordial, com o Presidente da República, sobre o propósito de Isidoro e João Francisco de invadir o Rio Grande do Sul. Pediu detalhes, que enviei imediatamente por memorando. Prometeu empregar todos os meios ao seu alcance para atender ao meu pedido, dentro da Constituição e dos precedentes diplomáticos. Manifestou,

383 Toledo a Pacheco, tel. nº 373., Buenos Aires, 30 nov., 1924, AHI, 208/02/03; Toledo a Pacheco, tel. nº 379., Buenos Aires, 2 dez., 1924, AHI, 208/02/03; Toledo a Pacheco, tel. s/nº, Buenos Aires, 26 dez., 1924, AHI, 208/02/03. 384 Toledo a Pacheco, tel. nº 89, Buenos Aires, 14 fev., 1925, AHI, 208/02/04; Toledo a Pacheco, tel. nº 300, Buenos Aires, 11 nov. 1924, AHI, 208/02/03; Toledo a Pacheco, tel. nº 302, Buenos Aires, 11 nov. 1924, AHI, 208/02/03. 385 Pacheco a Toledo, tel. nº 69, RJ, 11 nov., 1924, AHI, 208/03/01. 143

em termos muito honrosos, o interesse do governo argentino em concorrer e facilitar a obra desse governo para o restabelecimento da paz e concórdia na família brasileira. (Toledo a Pacheco, tel. nº 311, Buenos Aires, 12 nov., 1924, AHI, 208/02/03) Destacou-se.

Poucos dias depois, Gallardo enviou notificação a Toledo a respeito das movimentações rebeldes no interior da Argentina. Segundo correspondência enviada à Embaixada brasileira em Buenos Aires, o governador de Missiones informou ao Ministério do Interior argentino, em 12 de novembro de 1924, que “os chefes revolucionários brasileiros Isidoro Dias Lopes, João Francisco, (...) desembarcaram em porto caçador (...) seguindo viagem de automóvel em direção S. Tomé, Corrientes, vigiado convenientemente pela policia do destacamento dessa região”.386 Na correspondência, ficara evidente que as autoridades argentinas revistaram os rebeldes brasileiros e, não tendo nenhuma razão para detê-los, liberaram seu trânsito, vigiando- os, no entanto. O pedido de uma “providência enérgica e definitiva para obstar que aqueles dois celerados prosseguissem em seu diabólico intento” 387 não foi atendido. Como resposta a esse telegrama, Pacheco emitiu a seguinte mensagem a Pedro de Toledo:

Agradeço seu 323. A Argentina perdeu infelizmente a ocasião de fazer um gesto de boa amizade para conosco. O Memorando é uma confissão que nos penaliza. Notamos com profundo pesar o contraste dessa atitude frouxa com a solicitude das autoridades uruguaias e paraguaias de fronteira. Vossa Excelência, entretanto, não deve dar-se por achado, sem demonstrar o menor ressentimento. Temos elementos para manter a paz pública em nossa terra, ainda que a complacência das autoridades na fronteira desse país vizinho e amigo embarace e dificulte a nossa ação. (Pacheco a Toledo, tel. nº 71, RJ, 17 nov., 1924, AHI, 208/03/01).

A vontade do governo brasileiro era que as autoridades argentinas internassem os líderes rebeldes que estivessem atuando no território desse país, independente dos procedimentos formais que a situação demandava388. Como relatado por Toledo no telegrama nº 266, de 6 de novembro de 1924, Gallardo havia deixado claro que a polícia argentina não poderia impedir a livre passagem de legalistas ou rebeldes que, desarmados, comprometessem-se a respeitar a ordem pública e as leis locais. Essa interpretação foi reforçada ainda pelo Presidente Marcelo T. de Alvear quando afirmara que tomaria todas as medidas ao seu alcance, “dentro da Constituição e dos precedentes

386 Toledo a Pacheco, tel. nº 323., Buenos Aires, 14 nov., 1924, AHI, 208/02/03. 387 Pacheco a Toledo, tel. nº 69, RJ, 11 nov., 1924, AHI, 208/03/01. 388 Por meio do telegrama Toledo a Pacheco, tel. nº 312, Buenos Aires, 13 nov. 1924, AHI, 208/02/03, Toledo deixa claro esse pedido feito durante a conferência com o Presidente Alvear. 144 diplomáticos”. Tal atitude foi interpretada pelo governo brasileiro como leniência e má- vontade argentina em relação aos problemas brasileiros.389 A irritação do Itamaraty com relação à Argentina foi constante nos anos de 1924 e 1925390. Depois de diversas gestões de Toledo junto a Gallardo e ao Presidente Alvear391, o governo brasileiro não conseguiu demover as autoridades argentinas do respeito aos requisitos legais que a situação em questão demandava. Diante da frustração de Pacheco em ser constantemente informado sobre as ações revolucionárias em território argentino, sem poder fazer algo para impedi-las, o chanceler brasileiro orientou o embaixador em Buenos Aires a fazer uma reclamação formal perante o Ministério das Relações Exteriores desse país, quando houve, em maio de 1925, recrudescência das atividades rebeldes nas áreas próximas à fronteira:

Presidente recomenda-me telegrafar Vossa Excelência para que procure sem demora Ministro Gallardo salientando todos esses fatos e pedindo internação urgente daqueles cabecilhas e da gente que se prepara na Argentina para invadir novamente o Brasil. Não é possível que esse governo amigo continue a recusar-nos esse pequeno serviço. V. Excência deveria mesmo conversar depois em nota a nossa justa solicitação que é também uma reclamação. (Pacheco a Toledo, tel. nº 75, RJ, 10 mai., 1925, AHI, 208/03/01)

Quanto mais intensas eram as atividades rebeldes na fronteira, mais a atitude legalista da Argentina irritava Pacheco e Bernardes392. Com vistas a conseguir que indivíduos suspeitos fossem barrados nas fronteiras de ambos os países, Pedro de Toledo chegou a tentar um acordo de cavalheiros com Gallardo, baseando-se em princípios de Direito Internacional. Circular emitida pela Secretaria de Estado orientou os consulados na Argentina a “impedir que pessoas indesejáveis ou quaisquer outras desprovidas de documentos penetrem pela fronteira, dentro de sua jurisdição, em território brasileiro”393. Sustentava tal diretriz a promessa de reciprocidade por parte das autoridades argentinas. Tal articulação, no entanto, não produziu os efeitos que o governo brasileiro desejava, e Pacheco chegou a afirmar que o fracasso do governo

389 Pacheco a Toledo, tel. nº 71, RJ, 17 nov., 1924, AHI, 208/03/01; Pacheco a Toledo, tel. nº 77., RJ, 20 nov., 1924, AHI, 208/03/01; Pacheco a Toledo, tel. nº 89, RJ, jun., 1925, AHI, 208/03/01. 390 A carta de reclamação do cônsul brasileiro Demetrio de Toledo ao governador de Corrientes é exemplar nesse sentido. Toledo a Pacheco, tel. nº 351., Buenos Aires, 23 nov., 1924, AHI, 208/02/03. 391 Pacheco a Toledo, tel. nº 69, RJ, 11 nov., 1924, AHI, 208/03/01. 392 Toledo a Pacheco, tel. nº 280, Buenos Aires, 7 nov., 1924, AHI, 208/02/03. 393 Toledo a Pacheco, tel. nº 337, Buenos Aires, 18 nov., 1924, AHI, 208/02/03. 145 federal em derrotar os revolucionários era decorrente do fato de os rebeldes “contarem com a falta de rigor das autoridades argentinas”.394 De outro modo, apesar de os altos escalões do governo brasileiro entenderem como lenientes as atitudes da argentina destinadas a coibir as atividades rebeldes em seu território, em março de 1927, Isidoro Dias Lopes afirmou, em entrevista a jornais argentinos, que a revolução só teria falhado por falta de apoio das autoridades vizinhas em permitir o abastecimento das forças rebeldes com armas e mantimentos.395 É pouco provável que qualquer meio de comunicação argentino aceitasse publicar entrevista com conteúdo que pudesse ser utilizado pelo Brasil para acusar o governo daquele país de cumplicidade com os rebeldes, mas, se não se pode afirmar que a atitude argentina foi de omissão perante os pedidos do Brasil, tampouco pode-se dizer que foi de coerção ativa, tal como desejada pelo governo brasileiro.396 As razões pelas quais a Argentina não se empenhou da maneira desejada pelas autoridades brasileiras podem ser diversas. A princípio, o mal-estar gerado pelos episódios em torno do debate sobre a modernização das Forças Armadas brasileiras e o equilíbrio militar no Cone Sul, anteriores à eclosão do Segundo 5 de Julho, podem ter gerado certa indisposição no governo argentino, em relação ao problema brasileiro. Esse fator, no entanto, não serve como única explicação. Outras duas possibilidades para a atitude legalista argentina podem ser aventadas. Em primeiro lugar, o fato de os rebeldes brasileiros comprarem produtos argentinos representava lucros para os comerciantes desse país. As compras feitas pelos membros da Coluna Prestes, ainda que não fossem extraordinárias, representaram ganhos para as economias das províncias de Missiones, Corrientes, Entre Rios e Buenos Aires. Mesmo reconhecendo que tais compras não representavam benefício significativo para a Argentina, há de salientar-se que, menos ainda, representavam algo que trazia prejuízos a esse país, ao ponto de demandar uma ação repressora por parte do governo portenho. Em segundo lugar, a falta de interesse das autoridades argentinas em empenhar recursos para debelar as ações dos rebeldes em seu território pode ser decorrente do fato de que esse país não estava interessado em comprometer parcela de suas receitas com ações que iriam beneficiar diretamente o Brasil. O dispêndio de tempo e dinheiro para

394 Pacheco a Toledo, tel. nº 89, RJ, jun., 1925, AHI, 208/03/01. 395 Rio Branco a Mangabeira, tel. nº 67, Buenos Aires, 22 mar., 1927, AHI 208/02/05. 396 MEIRELLES op. cit. p. 246 e AHI 208/03/01. 146 combater uma revolução que era exclusivamente brasileira não era visto como algo prioritário para o governo de Alvear. Na década de vinte, a Argentina tinha como diretriz de política externa os interesses econômicos dos setores produtores de carnes, trigos e outros bens primários cujo principal mercado consumidor era a Europa. Comprometer recursos do governo central de Buenos Aires na perseguição de revolucionário brasileiros que não perturbavam a ordem doméstica e, além disso, compravam produtos argentinos para enviá-los ao Brasil era fugir às prioridades estabelecidas pela chancelaria de Ángel Gallardo. A posição legalista frente às demandas brasileiras pode ter sido a maneira encontrada de demonstrar que a Argentina colaborava, mas dentro de certos limites. Para o Rio de Janeiro, ficou a percepção de zelo excessivo em relação a normas e diretrizes legais que obstavam a solução de um problema grave; para Buenos Aires, esse pode ter sido o modo encontrado para não comprometer suas receitas com um problema que não lhe dizia respeito. Além disso, como a imprensa portenha acompanhava, de perto, todos os desdobramentos da atuação dos revolucionários da Coluna Prestes, um conjunto de ações que não respeitasse preceitos legais poderia ter má repercussão para o governo de Alvear, prejudicando sua imagem frente à opinião pública. Tal como constatado por Afrânio de Mello Franco, à época da Conferência Pan-Americana, em Santiago, a imprensa argentina foi responsável por criar tensões entre Brasil e Argentina, ao longo da década de 1920, e o contexto envolvendo a Coluna Prestes não foi exceção. Algumas notícias que circularam em Buenos Aires, em setembro de 1924 podem ser citadas como exemplo. Segundo elas, Ángel Gallardo havia obtido acesso a uma matéria da Gazeta de Notícias, do Rio de Janeiro, em que esse jornal levantou a possibilidade de o movimento em São Paulo ter sido planejado e financiado no exterior – em Nova York ou Buenos Aires. Esse jornal afirmava que o Itamaraty estaria chamando atenção de sua Embaixada na Argentina para esse assunto. Como visto no segundo e no terceiro capítulos, tais suspeitas não tinham fundamento e só serviram para instigar maior rivalidade entre Brasil e Argentina, junto às opiniões públicas e aos governos de ambos os países.397

397 Toledo a Pacheco, tel. nº 137, Buenos Aires, 10 set., 1924, AHI, 208/02/03; Toledo a Pacheco, tel. nº 48, Buenos Aires, 6 mar., 1926, AHI, 208/02/04; Toledo a Pacheco, tel. nº 50, Buenos Aires, 7 mar., 1926, AHI, 208/02/04. 147

Em março de 1925, o jornal La Prensa estampou notícia de que o governo brasileiro teria interesse na publicação de matérias prejudiciais à imagem argentina nos jornais europeus. As notícias falsas que estariam sendo propaladas no Velho Continente eram referentes a suposto levante revolucionário em Buenos Aires. Segundo o La Prensa, os objetivos do Brasil com essas matérias eram prejudicar a Argentina e suas relações com a Europa, além de tirar atenção do conturbado contexto doméstico que o país atravessava. A situação ganhou tamanha proporção que Pedro de Toledo solicitou conferência com Ángel Gallardo, para levar ao conhecimento desse chanceler os protestos do Brasil contra a matéria do jornal argentino. No dia seguinte, uma nota do Ministério das Relações Exteriores da Argentina foi publicada nos jornais, arrefecendo os ânimos.398 Outro episódio que gerou certa repercussão e opôs, novamente, os governos de Rio de Janeiro e Buenos Aires foi relativo a um incidente de fronteira em fevereiro de 1927. Segundo relato do presidente do Rio Grande do Sul, Pedro José Mello era procurado pela polícia no Brasil e foi preso por autoridades argentinas em San Javier, cidade defronte a São Xavier, sendo, em seguida, entregue ao capitão brasileiro Numa Pompilo. Ao longo da travessia do rio, já em jurisdição brasileira, esse militar assassinou o prisioneiro. “Capitão Numa e sargentos Pedro Anselmo Mello e Sergio Pinto Carvalho também implicados crime todos pertencentes ao 27º corpo auxiliar Santo Ângelo estão presos Cruz Alta ordem general Monteiro Barros aberto rigoroso inquérito militar.”399 As notícias que chegaram a Buenos Aires eram desencontradas, e os jornais argentinos criticaram, de forma contundente, a atitude comedida da chancelaria argentina em relação ao caso, uma vez que Gallardo se havia restringido a escutar as explicações da Embaixada do Brasil.400 Diante da serenidade com que as duas chancelarias cuidaram do caso, algum tempo depois, a repercussão já havia diminuído. Último ponto que chama atenção nos telegramas acessados no AHI é que a perseguição aos revolucionários perdurou mesmo depois do final do governo de Artur Bernardes. No mandato de Washington Luis, houve gestões para tentar uma anistia aos rebeldes, mas, como o novo presidente negou tal indulgência, houve conversações entre Brasil e Argentina para que os revolucionários obtivessem o status de asilados nesse

398 Toledo a Pacheco, tel. nº 119, Buenos Aires, 7 mar., 1925, AHI, 208/02/04; Toledo a Pacheco, tel. nº 120, Buenos Aires, 8 mar., 1925, AHI, 208/02/04; Toledo a Pacheco, tel. nº 121, Buenos Aires, 8 mar., 1925, AHI, 208/02/04; Toledo a Pacheco, tel. nº 123, Buenos Aires, 8 mar., 1925, AHI, 208/02/04; Toledo a Pacheco, tel. nº 126, Buenos Aires, 10 mar., 1925, AHI, 208/02/04. 399 Mangabeira a Rio Branco, tel. nº 20, RJ, 1927, AHI, 208/03/02. 400 Rio Branco a Mangabeira, tel. nº 50, RJ, 26 fev.1927, AHI, 208/03/02. 148 país. Existiu a aceitação argentina nesse sentido, mas com algumas condições impostas aos rebeldes.401 Os rebeldes aceitaram as condições para desfrutar do asilo político, mesmo sabendo que não permaneceriam muito tempo em solo argentino. Puderam, assim, recuperar suas debilitadas saúdes e esperar pelo momento de retornar à vida pública ou mesmo militar no Brasil. Um movimento revolucionário de cunho maior estava em planejamento conforme as missões do Brasil no exterior já previam. De qualquer maneira, o fato de os participantes terem continuado a sofrer perseguições e intensa vigilância demonstra que houve continuidade entre Artur Bernardes e Washington Luis na política externa de repressão aos movimentos subversivos da República Velha402.

4.3. CONCLUSÃO

De tudo exposto, percebe-se que a influência dos revolucionários da Coluna Prestes sobre a atuação externa do Brasil foi significativa entre julho de 1924 e março de 1927. Com vistas a combater os movimentos sediciosos do período, a busca por neutralizar as notícias que eram direcionadas ao exterior e a tentativa de cooperação com os países da vizinhança foram constantes. Os esforços do Itamaraty foram recompensados por meio da ajuda recebida das autoridades das nações vizinha ainda que Pacheco tenha considerado o empenho da Argentina como algo comedido. O contexto foi caracterizado por momentos de tensão e mal-estar nas relações entre Rio de Janeiro e Buenos Aires. Quando Gallardo assumiu a chancelaria argentina, a situação entre os dois governos já se encontrava deteriorada, e mesmo diante do esforço brasileiro para melhorar o diálogo entre os dois países, desconfianças mútuas permaneceram. Pouco depois da posse de Gallardo no Ministério das Relações Exteriores argentino, ocorreu a eclosão do Segundo 5 de Julho em São Paulo. Dessa data até o fim da marcha revolucionária, em março de 1927, o Brasil utilizou-se de seus postos consulares e de sua Embaixada na Argentina para demandar junto a Alvear ajuda no combate aos revolucionários que tinham o território desse país como base de operações logísticas para sua rede de abastecimento. A cooperação argentina foi realizada de modo constante, mas não da maneira desejada pelo Itamaraty. Bernardes e Pacheco queriam que Buenos Aires efetivasse a

401 Alves a Mangabeira, tel. nº 109, Buenos Aires, 13 mai., 1927, AHI 208/02/05; AHI 208/02/06. 402 Conferir as correspondências constantes em AHI 208/02/05; AHI 208/02/06; AHI Lata 46, maço 378. 149 prisão, a internação ou qualquer outra medida contra os rebeldes que colocasse fim a suas atividades na região platina. Apesar de Pacheco ter obtido informações sobre os revolucionários, o governo brasileiro não conseguiu impedi-los de continuar atuando na Argentina, em decorrência do respeito de Buenos Aires a diretrizes legais, o que irritou, profundamente, o Itamaraty e o Presidente Bernardes. Para o MRE, os argentinos usavam preceitos legais para disfarçar sua má vontade em lidar com o caso, o que, como visto, pode não ser totalmente desprovido de verdade. O desejo argentino de não despender recursos na solução de um problema brasileiro pode ser explicado caso se atente para as prioridades de política externa que Buenos Aires havia estabelecido na década de 1920. As relações comerciais com a Europa, principalmente Grã-Bretanha, eram o cerne da atuação internacional da Argentina, e as relações bilaterais com o Brasil, na melhor das hipóteses, vinham em segundo plano. Com o levante dos membros da Coluna Prestes, as relações com Buenos Aires ganharam importância para o Brasil. O uso do Ministério das Relações Exteriores como instrumento de repressão foi importante estratégia do governo brasileiro no combate aos rebeldes. O suborno a empregados dos telégrafos e de outros órgãos dos países vizinhos, o pagamento por informações vinculadas aos revolucionários e a atuação dos cônsules junto às alfândegas do Brasil e dos outros países da região platina demonstram como o Itamaraty tentou cercar a atuação dos membros da Coluna. Pela correspondência do período, percebe-se que o MRE obteve muitos dados e estava bem informado sobre o que se passava nas linhas rebeldes403. Ademais, o trabalho em conjunto entre o Itamaraty e o Ministério da Guerra pode ter ajudado os comandantes militares que combateram a Coluna Prestes a melhor conhecer a situação dos revolucionários. Ressalte-se, no entanto, que o conhecimento dessas informações pode ter sido importante, mas não foi decisivo para as operações do governo, já que as tropas legalistas não conseguiram derrotar os rebeldes. A eficiência do serviço de inteligência implementado pelo governo federal na região da Bacia do Prata pode ser comprovada por meio de outro exemplo. Nos anos de 1927 e 1928, por meio da vigilância dos postos brasileiros nos Estados platinos, o governo federal já sabia que algo estava para ocorrer. Um movimento maior do que o

403 Os telegramas Toledo a Pacheco, tel. nº 173, Buenos Aires, 16 abr., 1925, AHI, 208/02/04 e Toledo a Pacheco, tel. nº 192, Buenos Aires, 24 abr., 1925, AHI, 208/02/04, demonstram que o governo federal previu a possibilidade de os rebeldes, acuados no oeste do Paraná, abrirem caminho pelo Paraguai, para atingir o Mato Grosso. Como Rondon foi surpreendido por essa manobra, abre-se espaço para indagações a respeito de como os dados levantados pelo Itamaraty eram utilizados pelo Ministério da Guerra e vice- versa, já que ambos os órgão trabalharam em estreita cooperação no combate aos revolucionários. 150 produzido pela Coluna Prestes estaria na ordem do dia, segundo alguns relatórios enviados pelos cônsules brasileiros em Posadas, Paso de los Libres, Corrientes, Missiones e Iguazu.404 Até que ponto tal preocupação era somente uma especulação decorrente do receio que tais funcionários tinham e até que ponto esse fato conseguiu predizer a Revolução de 1930 é algo que os telegramas não permitem concluir. Certo é, no entanto, que, de acordo com vários autores, Prestes foi convidado a liderar militarmente o movimento contra Washington Luis, quando ele ainda estava na região platina405. Assim sendo, as conversações preliminares entre rebeldes ilustres, como Siqueira Campos, Juarez Távora e Luis Carlos Prestes, com os organizadores da Revolução de 1930 podem ter sido, em algum grau, captadas pelas autoridades brasileiras entre 1928 e 1930, por meio do que Eugênio Vargas Garcia denominou como “diplomacia antirrevolução das oligarquias.”406

404 AHI 208/02/06. 405 CARONE, 1974a, p. 358-363; CARONE, 1974b, p.418-430; FAUSTO, 2008, p. 321- 325. 406 Alves a Pacheco, tel. nº 201, Buenos Aires, out., 1926, AHI, 208/02/04; Alves a Pacheco, tel. nº 204, Buenos Aires, 6 out., 1926, AHI, 208/02/04; GARCIA op. cit. p. 491. 151

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Após demonstrar o contexto político, econômico e social do Brasil na década de 1920, expor as principais ideologias subjacentes ao Exército Brasileiro e apresentar as diretrizes da política externa do período, foram analisados a Coluna Prestes e os movimentos revolucionários que ocorreram à época. Tendo esse contexto histórico como base, traçou-se o panorama político, econômico e social da Argentina na década de 1920, relacionando-o aos impactos que as atividades rebeldes no Brasil tiveram sobre o âmbito internacional. Para melhor compreender a dinâmica que deu coesão a esses fatores, o primeiro aspecto a ser ressaltado refere-se à controvérsia sobre o momento no qual a Coluna Prestes surgiu. Como visto no capítulo dois, essa questão não é pacífica na historiografia. Enquanto alguns autores, como Anita Prestes, consideram que esse movimento surgiu no sul e, posteriormente, incorporou os rebeldes de São Paulo, outros, como Domingos Meirelles, entendem que só se pode falar em Coluna Prestes, a partir da junção das forças revolucionárias gaúchas e paulistas em Foz do Iguaçu. A opção pela segunda corrente foi justificada pelo fato de a marcha pelo interior do país ter sido decidida nessa cidade paranaense. Questão pouco tratada, mas importante, é a relação entre a Coluna Prestes e os demais movimentos revolucionários que ocorreram na década de 1920. A maior parte dos trabalhos que versa sobre o tema costuma classificar os levantes armados do período como pertencentes ao fenômeno social denominado tenentismo e enfatizar os fatores ideológicos comuns que perpassaram essas rebeliões. Dá-se pouca atenção, no entanto, para o fato de que muitos revolucionários participaram em mais de um desses movimentos, chegando a coordenar dois ou mais levantes ao mesmo tempo. É nesse sentido que se torna difícil dissociar o Segundo 5 de julho em São Paulo das rebeliões no Rio Grande do Sul. Tratar a Coluna Prestes, sem mencionar essas duas revoltas e outras tantas ocorridas no país, durante a década de 1920 é abordar o assunto, sem explicar de maneira devida o contexto sociopolítico da época. Não restam dúvidas de que a marcha rebelde pelo interior do país derivou de insatisfações existentes em parcela das camadas médias urbanas e em grupos de militares vinculados à ideologia do “soldado-cidadão”, todos compartilhando de grande parte do ideário associado ao tenentismo. No entanto, é necessário ter em mente que a Coluna Prestes, o Segundo 5 de julho e o levante no Rio Grande do Sul guardam

152 unidade que poucos pesquisadores têm destacado. O comando de Isidoro Dias Lopes foi exercido sobre grupo composto por jovens oficiais e por lideranças civis cuja atuação foi além do levante na capital paulista. Assim sendo, os três eventos em referência fazem parte de mesmo movimento revolucionário que pode ser explicado por meio de recorte composto por três momentos. Explanar a rebelião em São Paulo, o levante dos quartéis no Rio Grande do Sul e a marcha da Coluna Prestes, simplificando ou omitindo a relação existente entre tais acontecimentos, é fornecer visão enviesada ou incompleta da situação doméstica do país à época. Devem-se compreender e interpretar as várias rebeliões ocorridas em diversas partes do país, nesse período, tendo em consideração a relação existente entre elas. As articulações dos revolucionários foram mais intensas entre o grupo sob liderança de Isidoro Dias Lopes, João Francisco, Luis Carlos Prestes, Miguel Costa, os irmãos Távora e Siqueira Campos. No entanto, as ligações entre esses rebeldes e os líderes dos movimentos no Pará, no Amazonas e em estados do Nordeste também existiram, ainda que menos intensas. Percebe-se assim que, à época do governo de Artur Bernardes, o contexto interno do Brasil foi configurado por grande agitação social e política, tendo os movimentos revolucionários do período sido coordenados com algum grau de articulação por grupos civis e militares. A coesão entre os rebeldes que lutaram contra Bernardes pode ser aferida caso se atente para o fato de que muitos dos tenentes da década de 1920 participaram, de modo ativo, da Revolução de 1930, com a notável exceção de Luis Carlos Prestes – que se havia tornado comunista –, e tornaram-se generais em 1960. Portanto, expor somente os vínculos ideológicos entre a Coluna Prestes e os demais movimentos subversivos é simplificar a realidade de maneira inadequada, deturpando a visão sobre esse período histórico. Os impactos internacionais do movimento liderado por Isidoro Dias Lopes também corroboram essa perspectiva. Ao longo de 1924, o Estado-Maior rebelde enviou várias pessoas à Argentina, para cuidar da rede de abastecimento revolucionária. Em suas viagens ao exterior, Isidoro Dias Lopes e João Francisco envidaram esforços para fornecer armas, munições e víveres aos rebeldes gaúchos e paulistas, levando em

153 conta as necessidades de cada grupo. Esse fato soma-se a outros que demonstram a unidade existente entre os levantes da época.407 Como entre julho de 1924 e maio de 1925, as atividades revolucionárias concentraram-se em regiões próximas a fronteiras do Brasil com Argentina e Paraguai, os consulados brasileiros da região do Prata exerceram monitoramento das atividades rebeldes de maneira intensa nesses 10 meses. Reflexo de tal fato é percebido na quantidade de telegramas produzidos nesse período, chegando diariamente, à Secretaria de Estado, no Rio de Janeiro, três a quatro correspondências das missões do Brasil na Argentina. O esforço do Itamaraty em vigiar os rebeldes e levantar informações a respeito de suas movimentações foi significativo. Além disso, as gestões junto aos governos vizinhos para angariar apoio no combate à Coluna Prestes também demandaram empenho do corpo diplomático brasileiro. Pôde ser verificado nos documentos e nos telegramas do AHI, no Rio de Janeiro, que houve colaboração por parte dos governos uruguaio e paraguaio em relação às solicitações do governo brasileiro. Com o Uruguai, chegou-se a assinar acordo de cooperação policial com vistas a assegurar a paz e a tranquilidade na fronteira entre os dois países. É verdade que, desde início da década de 1920, a situação era complexa no Rio Grande do Sul, em função das violentas disputas entre chimangos e maragatos, que só diminuíram em 1924, com o Pacto de Pedras Altas e que tal fato aproximou Brasil e Uruguai no sentido de criar melhor concertação política sobre problemas fronteiriços. No entanto, deve-se destacar que, em relação às demandas da chancelaria brasileira, as posturas assumidas por Montevidéu e Assunção foram diferentes da atitude de Buenos Aires, de acordo com a percepção das autoridades brasileiras. O governo do presidente Marcelo T. de Alvear tratou dos pedidos brasileiros referentes às atividades revolucionárias com alto grau de legalismo, chegando a irritar as autoridades brasileiras. Houve, ao longo da marcha da Coluna Prestes, tráfico de armas, munições e suprimentos de origem argentina para os rebeldes no Brasil. Os principais responsáveis por garantir essas linhas de suprimento para o movimento revolucionário foram Zeca Netto e Isidoro Dias Lopes. Como o comandante supremo da revolta já tinha idade avançada, a guerra de movimento encetada pela Coluna não seria adequada para suas

407 Como visto, Juarez Távora e Siqueira Campos, além de tomar parte do Segundo 5 de Julho, também lideraram os levantes no sul do país, comprovando a unidade de comando existente entre os revolucionários do Rio Grande do Sul e os de São Paulo. 154 condições físicas. Assim, atuando na Argentina, Isidoro Dias Lopes e outros membros insurgentes conseguiram fornecer importante apoio logístico à Coluna, sem o qual, dificilmente, o empreendimento revolucionário duraria o tempo que o caracterizou. Segundo a documentação do Arquivo Histórico do Itamaraty, a entrada de armas e munições vindas da Argentina foi constante entre 1924 e 1926, embora a intensidade do tráfico tenha variado durante esses anos. É interessante perceber que, apesar de a rede de abastecimento revolucionária ter funcionado durante esse período, Luis Carlos Prestes e outros rebeldes participantes da marcha afirmaram que os recursos obtidos na Argentina nunca chegaram até a Coluna, na fase em que ela se encontrava no Nordeste do país. A dissonância entre a documentação no AHI e os relatos dos ex-revolucionários pode ser explicada por possíveis desvios de mercadorias compradas no exterior ou por apreensões realizadas pelas forças legalistas. A razão exata, no entanto, não pôde ser auferida nem pela literatura, nem pelas fontes primárias. A hipótese da apreensão ganha força quando se considera que os cônsules brasileiros e o embaixador Pedro de Toledo conseguiram levantar dados sobre as movimentações rebeldes na Argentina. O pagamento a particulares, os subornos fornecidos a autoridades estrangeiras e a cooptação de funcionários da rede de telégrafos argentina produziram informações de qualidade a respeito dos revolucionários. Assim, apesar de o governo de Artur Bernardes não ter conseguido derrotar a Coluna Prestes no aspecto militar, há indícios de que obteve bons resultados no combate à rede logística rebelde. Outro ponto que reforça a possibilidade de o tráfico de material bélico não ter chegado às mãos revolucionárias no Nordeste, em virtude de apreensões legalistas é o fato de a cooperação argentina ter ajudado no combate à Coluna Prestes. Apesar de as autoridades brasileiras considerarem as ações das autoridades portenhas insuficientes, os esforços de cooperação de Buenos Aires tiveram importância na luta contra o movimento revolucionário comandado por Isidoro Dias Lopes. Como visto, esse militar afirmou em entrevista a jornal portenho que a revolução no Brasil só havia falhado porque os países vizinhos não permitiram que o fluxo de armas, munições e outros recursos chegassem às mãos dos combatentes rebeldes. Verdadeira ou não, a declaração do comandante do movimento demonstrou que o governo de Buenos Aires tinha alguma preocupação em reafirmar o compromisso assumido junto ao Brasil, por isso, mantinha postura de colaboração ainda que limitada a preceitos legais e formais exigidos pela situação.

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As razões pelas quais o movimento revolucionário da década de 1920 não obteve vitória sobre o regime oligárquico são complexas e diversas, não podendo ser causas exclusivas os fatos de as autoridades argentinas terem aumentado a fiscalização na fronteira com o Brasil ou haverem apreendido mais carregamentos de armas direcionados aos rebeldes. A realidade de pobreza e miséria à qual grande parte da população brasileira estava exposta, aos poucos, acabou com as esperanças dos jovens tenentes em sublevar a sociedade contra os desmandos das oligarquias estaduais. É provável ser esse um dos fatores que tenha contribuído para reforçar, nas ideias dos jovens tenentes, a percepção de que o povo brasileiro seria massa amorfa, incapaz de expressar, adequadamente, seus desejos e necessidades, por isso inapta para conduzir a política nacional de acordo com os interesses da nação. A constatação de que a dinâmica política era algo distante das camadas mais humildes da sociedade brasileira pode ter reforçado o pensamento autoritário de vários jovens tenentes, como Cordeiro de Farias, por exemplo, tendo consequências históricas para o país, em algumas décadas depois. A política externa da década de 1920 sofreu variações decorrentes de problemas contextuais e de interesses dos presidentes Epitácio Pessoa, Artur Bernardes e Washington Luis. No entanto, mais importante do que ressaltar as diferenças de cada um dos três mandatos é perceber as semelhanças que perduraram ao longo desses dez anos. A análise dos telegramas trocados entre Rio de Janeiro e Buenos Aires, no período de 1924 e 1928, comprovou aspecto importante de continuidade entre a chancelaria de Pacheco e a de Mangabeira. A repressão a movimentos que contestavam a ordem estabelecida pela República Velha perdurou de Campos Sales ao final do regime oligárquico brasileiro, e a utilização da política externa desse período como instrumento para esse fim foi comprovada pela documentação no AHI. Se o objetivo declarado dos revoltosos da Coluna Prestes foi a derrubada do Presidente Artur Bernardes, com o fim de seu mandato, não havia, teoricamente, razões para continuar com a rebelião, e o governo central tampouco teria motivos para continuar a reprimir os jovens oficiais. A despeito das tentativas de acordo entre revolucionários e autoridades brasileiras, Washington Luis deu continuidade à “diplomacia antirrevolução das oligarquias”, não concedendo anistia aos rebeldes e exercendo constante vigilância sobre os insurgentes, mesmo depois de asilados na Bolívia. Após 1927, houve forte monitoramento do paradeiro dos líderes da Coluna

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Prestes, e isso pode indicar que a Revolução de 1930 já era prevista pelo governo federal. Esse fato poderia justificar o esforço exercido pelos consulados brasileiros na região platina, para continuar a informar o Rio de Janeiro sobre as movimentações encetadas pelos rebeldes na Argentina, no Uruguai, no Paraguai e na Bolívia, entre 1927 e 1930. Seja como for, não se pode alijar a dinâmica social e militar da década de 1920 da vida política desse período. Assim, para compreender, adequadamente, a política externa desses anos, é necessário entender os movimentos sociais e militares ocorridos então. Nesse sentido, a Coluna Prestes colaborou para delinear traços mais gerais às chancelarias que aparentavam ser diferentes. Não há dúvidas de que a política externa da época flutuou ao sabor de desejos pessoais e problemas domésticos de curta duração. Porém, a maneira pela qual as oligarquias se apoderaram do aparato burocrático do restante do Estado também pôde ser observada na pasta de relações exteriores. O traço em comum entre as diferentes gestões do MRE na década de vinte foi o uso da rede diplomática internacional do Brasil para a consecução de interesses particulares de pequenos grupos que dominavam o Estado brasileiro. A década de 1930 veio interromper essa tendência, na medida em que fez da política externa instrumento para o desenvolvimento nacional e assegurou as bases para que isso se tornasse uma tendência de longo prazo, transformando as políticas de governo do MRE em ações de Estado e agregando nova e importante variável à atuação de nossa diplomacia.

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FONTES

FONTES PRIMÁRIAS

MENSAGENS PRESIDENCIAIS

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RELATÓRIOS MINISTERIAIS

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ARQUIVO HISTÓRICO DO ITAMARATY

Escritório Regional do Ministério das Relações Exteriores no Rio de Janeiro

Correspondências:

 Missão diplomática brasileira em Buenos Aires Telegramas Recebidos: 1924 (208/2/3), 1925-1926 (208/2/4), 1927 (208/2/5), 1928- 1929 (208/2/6). Telegramas Expedidos: 1921-1926 (208/3/1), 1927-1929 (208/2/6).

 Missão diplomática brasileira em Montevidéu Ofícios: 1922 (223/3/1)

 Missão diplomática brasileira em Assunção Telegramas Recebidos: 1917-1926 (202/2/1)

 Outros documentos relacionados, separados por organização temática: Lata 46, maço 377 Lata 183, maço 3039 Lata 471, maço 7203 Lata 478, maço 7453 Lata 518, maço 8427

DOCUMENTÁRIOS

O Velho: A História de Luiz Carlos Prestes. Direção: Toni VENTURA, 105 minutos. Rio de Janeiro. 1997.

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REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS:

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ANEXOS – MAPAS SOBRE A MARCHA DA COLUNA PRESTES

MAPA 01 – CERCO A SÃO LUIS GONZAGA/RS

Fonte: PRESTES, Anita Leocádia. A Coluna Prestes. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1997.

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MAPA 02 – MARCHA ENTRE RIO GRANDE DO SUL E OESTE DO PARANÁ

Fonte: PRESTES, Anita Leocádia. A Coluna Prestes. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1997.

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MAPA 03 – MARCHA ENTRE PARAGUAI E SERTÃO DE GOIÁS

Fonte: TAVORA, Juarez. À guisa de depoimento sobre a Revolução Brasileira de 1924. v 3. São Paulo: O Combate, 1928.

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MAPA 04 – MARCHA ENTRE GOIÁS E MARANHÃO

Fonte: TAVORA, Juarez. À guisa de depoimento sobre a Revolução Brasileira de 1924. v 3. São Paulo: O Combate, 1928.

167

MAPA 05 – MARCHA EM MARNHÃO E PIAUÍ

Fonte: TAVORA, Juarez. À guisa de depoimento sobre a Revolução Brasileira de 1924. v 3. São Paulo: O Combate, 1928.

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MAPA 06 – MARCHA ENTRE CEARÁ E PERNAMBUCO

Fonte: PRESTES, Anita Leocádia. A Coluna Prestes. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1997.

MAPA 07 – MARCHA DE TRAVESSIA DE PERNAMBUCO.

Fonte: PRESTES, Anita Leocádia. A Coluna Prestes. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1997.

169

MAPA 08 – MARCHA PELA BAHIA E POR MINAS GERAIS

Fonte: PRESTES, Anita Leocádia. A Coluna Prestes. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1997.

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MAPA 09 – TRAJETÓRIA DA COLUNA PRESTES PELO BRASIL – MARCHA DE IDA E VOLTA.

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