Do Judeu Cresques Abraham. Um Estudo Sobre a Cartografia Medieval Maiorquina (Século XIV)
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rev. hist. (São Paulo), n.176, a05516, 2017 Magali Gomes Nogueira http://dx.doi.org/10.11606/issn.2316-9141.rh.2017.118445 O “obrador” do judeu Cresques Abraham. Um estudo sobre a cartografia medieval maiorquina (século XIV) O “OBRADOR” DO JUDEU CRESQUES ABRAHAM. UM ESTUDO SOBRE A CARTOGRAFIA MEDIEVAL MAIORQUINA (SÉCULO XIV) Contato Magali Gomes Nogueira* Caixa postal 464 18130-970 – São Roque – São Paulo Universidade de São Paulo [email protected] São Paulo – São Paulo – Brasil Resumo A partir de dados do cotidiano da comunidade judaica existente na ilha de Maior- ca durante o século XIV, produtora de grande parte dos exemplares remanescente da cartografia medieval convencionada como Portulano, entre eles o Manuscrito Espagnol 30, mais conhecido como Atlas catalão, o presente artigo tem como objetivo compreender a forma organizacional que permitiu esta produção assim como os tipos de materiais e conhecimentos necessários para sua execução e se essa organização produtiva pode embasar o conceito de escola cartográfica maior- quina, frequentemente utilizado pelos historiadores da cartografia. A expressão obrador, na Catalunha medieval, abrange o espaço em que a matéria prima é transformada, não compreendendo apenas um local individual, mas, na maioria das vezes, vários espaços contíguos que viabilizam várias etapas da produção. Palavras-chave Cartografia histórica – cultura judaica – cultura material. * Bacharel pelo departamento de Ciências Sociais da Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas da Universidade de São Paulo. Mestre e doutora em Geografia pela mesma insti- tuição, onde realiza pós-doutorado junto ao Departamento de História - sob orientação da profa. dra. Iris Kantor (sem bolsa de estudo e sem vínculos com a universidade). 1 rev. hist. (São Paulo), n.176, a05516, 2017 Magali Gomes Nogueira http://dx.doi.org/10.11606/issn.2316-9141.rh.2017.118445 O “obrador” do judeu Cresques Abraham. Um estudo sobre a cartografia medieval maiorquina (século XIV) THE “OBRADOR” OF THE JEWISH CRESQUES ABRAHAM. A STUDY OF MEDIEVAL MAJORCAN CARTOGRAPHY (XIV CENTURY) Contact Magali Gomes Nogueira Caixa postal 464 18130-970 – São Roque – São Paulo Universidade de São Paulo [email protected] São Paulo – São Paulo – Brazil Abstract This article is based on daily life data of the Jewish community on the island of Majorca during the 14th century, which produced most of the surviving exam- ples of medieval cartography that was agreed to call as Portulano, and among them the Espagnol Manuscript 30, better known as Catalan Atlas. It pretends to understand the organizational form that allowed this production as well as types of materials and necessary knowledge for its execution and if this produc- tive organization can support the concept of the Majorcan cartographic school, frequently used by cartography historians. The expression “obrador” in medieval Catalonia covers the space in which the raw material is transformed, not only in an individual place, but covering, in most cases, several contiguous spaces that makes viable several stages of production. Keywords Historical cartography – Jewish culture – material culture. 2 rev. hist. (São Paulo), n.176, a05516, 2017 Magali Gomes Nogueira http://dx.doi.org/10.11606/issn.2316-9141.rh.2017.118445 O “obrador” do judeu Cresques Abraham. Um estudo sobre a cartografia medieval maiorquina (século XIV) Introdução A expressão cartografia medieval maiorquina abrange a produção de objetos cartográficos construídos a partir do que se convencionou chamar padrão Portulano (século XII/XIII), considerado pela historiografia como precursor da cartografia científica renascentista, materializada na projeção de Mercator no final do século XVI. Este acervo é composto basicamente de cartas Portulano simples,1 produzidas na ilha a partir de meados do século XIV, e de algumas cartas de luxo, entre elas um mapa Portulano em abertu- ra do ecúmeno que ilustra o Manuscrito Espanhol 302 (Ms. Esp. 30) de 1375, mais conhecido como Atlas catalão, carro chefe da produção maiorquina, cuja autoria é atribuída a Cresques Abraham e a seu filho Jafuda Cresques. A produção maiorquina deste padrão tem antecedentes teóricos em al- guns manuscritos elaborados entre a Inglaterra e o norte da França, como o Ms 92 Ghent (séc. XII), conhecido como Liber Floridus,3 e uma produção co- nhecida como sendo elaborada pela escola cartográfica italiana, por serem exemplares confeccionados nas cidades mercantis de Pisa, Genova e Veneza (séculos XII/XIII). Estes dois principais ramos da produção Portulano (italiano e maiorquino) apresentam semelhanças quanto ao padrão da carta matriz, ainda que com constantes aperfeiçoamentos em termos de precisão e alcance dos pontos registrados e diferenças quanto às iconografia e escrita utilizada. Entre as diversas questões que o estudo da cartografia medieval tem suscitado, como a própria concepção do padrão Portulano, o estabelecimen- to do termo escola para classificar as unidades desta produção cartográfica, forjado basicamente a partir de meados do século XIX, quando esses objetos começaram a ser estudados e editados, atualmente tem sido alvo de várias 1 Definições tipológicas são encontradas em PUJADES I BATALLER, Ramon Juan. Les cartes Portolanes. La representació medieval d’una mar solcada. Barcelona: Enciclopèdia Catalana, 2008. REY PASTOR, José. La cartografia mallorquina. Madri: CSIC, 1960 e NOGUEIRA, M. G. O Manuscrito Espagnol 30 e a família do judeu Cresques Abraham. Um estudo sobre as fontes da cartografia maiorquina (sec. XIII-XIV). Tese de doutorado, Cartografia Histórica, Geografia, FFLCH, USP, 2013. O acervo de cartas Portulano maiorquinas não ultrapassa três dezenas. 2 Não optamos pela utilização da denominação corrente Atlas catalão para o referido Manus- crito por compreender tratar-se de uma carta plana do ecúmeno acompanhada de textos cosmológicos e cosmográficos, não compondo, portanto, um atlas por não possuir cartas parciais; além disso, a designação de catalão, pela língua em que foi escrito, é questionada por historiadores que consideram o objeto como sendo de origem judaica maiorquina. 3 Ms. 92. Ghent. Liber Floridus 1121 Ghent City Museum. In: COENE, Karen de; MAYER, Philippe de; REU, Martine. Liber Floridus 1121: The world in a book. University Library: Lanoo Publishers (Acc), 2011. 3 rev. hist. (São Paulo), n.176, a05516, 2017 Magali Gomes Nogueira http://dx.doi.org/10.11606/issn.2316-9141.rh.2017.118445 O “obrador” do judeu Cresques Abraham. Um estudo sobre a cartografia medieval maiorquina (século XIV) interpretações e críticas por parte de seus historiadores. Não temos dados mais concretos sobre as primeiras menções da expressão “escola cartográfica maiorquina”. Sabe-se que Buchon,4 quando da primeira edição do Ms. Esp. 30, levantou a possibilidade de existir uma escola de cartógrafos em Maiorca e que esta escola seria a base do conhecimento produzido em Sagres, através do personagem Jaime Ribes, mesmo nome de converso do filho de Cresques Abraham.5 Hoje esta hipótese encontra-se descartada, pois a morte de Jafuda Cresques encontra-se documentada em 1410, portanto, anterior aos eventos henriquinos. A designação de “escolas” a estes centros produtores foi enfati- zada e ganhou destaque, com certo cunho nacionalista, a partir da produção historiográfica pós-Segunda Guerra Mundial buscando trazer para o plano local os méritos dessa produção científica6 relacionando as bandeiras e bra- sões identificando senhores e territórios às nações modernas. Neste artigo, a partir de documentos que revelam o dia a dia da comunidade maiorquina produtora e o sistema organizacional que suporta esta produção, pretende-se acrescentar dados à discussão estabelecida sobre o termo escola cartográfica maiorquina e melhor compreender as relações socioculturais es- tabelecidas a partir do material cartográfico, cosmográfico e cosmológico sin- tetizado no Ms. Esp. 30. Para tanto, considerou-se a definição adotada pela As- sociação Cartográfica Internacional,7 segundo a qual a cartografia compreende ...o conjunto dos estudos e das operações científicas, artísticas e técnicas que intervém a partir de resultados de observações diretas ou da exploração de uma documentação, em vista da elaboração e do estabelecimento de mapas, planos e outros modos de expressão, assim como sua utilização na identificação do fato ou situações. A partir disso, procurou-se entender de que maneira o contexto de produção no qual se encontrava inserido o suposto autor do Ms. Esp. 30 4 BUCHON, Jean Alexandre. Notice d’un atlas en langue catalane manuscrit de l’an 1375 conservé parmi les manuscrits de la Bibliothèque Royale sous le numéro 6816. B. N. F. Edição bilíngue catalão- francês, com uma reprodução facsimíle do mapa do ecúmeno constante do Ms. Espagnol 30, 1838. 5 RANDLES, William Graham Lister. The alleged nautical scholl founded in the fifteenth century at Sagres by prince Henry of the Portugal, called the “Navigator”. Imago Mundi, vol. 45, Taylor & Fran- cis Group., 1993, p. 20-28, informa que a primeira menção à Escola de Navegação em Sagres foi feita por Samuel Purchas (1577-1628), mencionando a presença de Jaime Ribes (Jafuda Cresques). 6 Mais detalhes sobre essa interessante relação em GARCIA, João Carlos. Um castelo de cartas antigas. In: COELHO, Teresa Pinto (coord.). Os descobrimentos portugueses no mundo de língua inglesa (1880-1972). Lisboa: Edições Colibri, 2005 (Coleção Relações Luso-Britânicas). 7 Várias são as indicações. Citamos JOLY, Fernand. A cartografia. Tradução de