Adesão Das Frentes De Segurança E Evangélica À Agenda Neoliberal Na Câmara Dos De Deputados
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12º Encontro da ABCP 19 a 23 de outubro de 2020 Área Temática 10 - Política e Economia ADESÃO DAS FRENTES DE SEGURANÇA E EVANGÉLICA À AGENDA NEOLIBERAL NA CÂMARA DOS DE DEPUTADOS Marina Basso Lacerda Universidade de São Paulo Resumo Se os governos petistas adotaram uma linha de “neoliberalismo desenvolvimentista” ou tiveram “duas almas” no campo da política econômica, o receituário do Consenso de Washington foi retomado a partir de 2016, sob as presidências de Michel Temer e Jair Bolsonaro. Deste então, o Legislativo aprovou medidas pela desnacionalização dos recursos naturais, pela redução do Estado, pela desregulamentação trabalhista e pela redução da previdência. Isso se deu com a adesão desproporcional da bancada de policiais e militares e da bancada de fiéis evangélicos. O trabalho analisa a evolução da participação desses grupos nas votações das mencionadas e discute as razões do endosso especial de religiosos e profissionais das forças de segurança a partir do conceito de neoconservadorismo. Palavras-chave: Neoliberalismo; bancada evangélica; bancada da segurança pública; neoconservadorismo Abstract If governments lead by Workers Party adopted a line of "developmentalist neoliberalism" or had "two souls" in the field of economic policy, the Washington Consensus prescription was resumed from 2016, under the presidencies of Michel Temer and Jair Bolsonaro. Since then, the National Congress has approved measures for the denationalization of natural resources, for the reduction of the State, for labor deregulation and for the reduction of social security. This happened with the disproportionate adhesion of the police and military bench and of the evangelical caucus. This paper analyzes the evolution of these groups´ participation in the votes of those mentioned bills and discusses the reasons for the special endorsement of religious and security forces professionals based on the concept of neoconservatism. Key words: Neoliberalism; evangelical caucus; public security bench; neoconservatism 2 Era PT: as duas almas No Congresso brasileiro, de regra, a principal clivagem no que diz respeito a questões econômicas é aquela entre governo e oposição, e não entre direita e esquerda. Havendo “conflito entre as preferências ideológicas dos parlamentares e os incentivos políticos gerados pelo Executivo, estes últimos tendem a predominar” (ZUCCO JR., 2011, p. 57). Assim, não é fácil isolar as preferências ideológicas dos deputados no que diz respeito à política econômica. Isso é especialmente difícil de ser feito em relação aos governos petistas, que não adotaram uma opção radical nem a favor nem contra o neoliberalismo. André SINGER (2012, p. 30, 72 e 2573) argumenta que o governo de Lula teve uma “dupla cara”, de “diminuição da pobreza com manutenção da ordem”; de inclusão social sem confronto com o capital. Isso não mudou com sua sucessora, Dilma Rousseff. Nas palavras de SAAD FILHO e MORAIS (2018, p. 155), tratou-se de um “Neoliberalismo desenvolvimentista”. Em 2002 o Brasil sofrera, com a iminência da eleição do PT, um “ataque especulativo”, que implicou em forte depreciação do real e dos ativos brasileiros. Esse ataque foi lido de duas maneiras: como uma resposta “racional” dos investidores às posições históricas do PT contra os interesses do mercado financeiro; ou como uma forma de limitar as opções disponíveis ao novo governo (BARBOSA; SOUZA, 2010, p. 58, 59). Seja como for, o ataque surtiu efeitos, e Lula, então candidato, se comprometeu com pressupostos favoráveis ao mercado financeiro, como foi expresso na Carta ao Povo Brasileiro daquele ano. Desse modo, na primeira fase dos governos Lula, de 2003 a 2006, foram mantidos os postulados neoliberais adotados nos mandatos de Collor e FHC. Isso significa dizer: contenção da despesa pública, elevação dos juros, manutenção do câmbio flutuante, quase congelamento do salário mínimo e reforma previdenciária com redução de benefícios. Lula o fez paralelamente a políticas de redução da pobreza e ativação do mercado interno. Lula, portanto, de um lado, “manteve linhas de conduta do receituário neoliberal e, de outro, tomou decisões no sentido contrário, isto é, próprias da plataforma progressista” (SINGER, 2012, p. 30, 68, 73, 1100, 2553, 2561). A redução da pobreza e o aquecimento da economia decorrente das medidas, em associação à crise política do “mensalão”, levaram a um realinhamento eleitoral em 2006, que permitiu o surgimento do “lulismo”, sustentado no subproletariado: o grupo social, reconhecendo na invenção de Lula a plataforma com que sempre sonhara – um Estado capaz 2 de ajudar os mais pobres sem confrontar a ordem – deu-lhe suporte (SINGER, 2012, p. 72- 189). Assim, se nos três primeiros anos a visão neoliberal predominou nas escolhas de Lula, a partir de 2006 ele adotou uma política mais desenvolvimentista. A inflexão ocorreu com três medidas essenciais: aumento substancial do salário mínimo, aumento do investimento e reestruturação do funcionalismo. A partir de 2007, as políticas de infraestrutura foram agrupadas no Programa de Aceleração do Crescimento. Em 2008, à crise financeira internacional, o governo respondeu com medidas de caráter anticíclico (BARBOSA; SOUZA, 2010, p. 67, 75, 86, 87). Essa lógica prevaleceu no mantado de Dilma Rousseff: a Presidenta alternou momentos de tentativas desenvolvimentistas, concentradas em 2011 com a redução dos juros, com momentos de ajuste econômico, cujo ápice foi 2015, com o Ministro Joaquim Levy na pasta da economia. Nos governos petistas conviveram sempre, portanto, na expressão de SINGER (2012, p. 1443), com duas almas”. A prevalência de cada uma delas se alterou ao longo do tempo, sem que, entretanto, alguma delas tenha definitivamente vencido. Isso tudo para dizer que os governos de centro-esquerda brasileiros do início do século XXI não são parâmetro para avaliar uma eventual polarização ideológica congressual a respeito de política econômica. Já governo Temer, que se sucedeu ao impeachment de Dilma Rousseff em 2016, desde o princípio veio com uma feição neoliberal bastante clara, a qual refletiu em propostas que foram imediatamente colocadas em pauta na Câmara dos Deputados. Resgate dos postulados do Consenso de Washington Logo que assumiu interinamente a Presidência da República, Michel Temer realizou cerimônia de apresentação das medidas econômicas, em 24 de maio de 2016. Na ocasião ele anunciou as propostas de ampliação da meta fiscal, de alterações na previdência social e na legislação trabalhista, de pagamento da dívida do BNDES junto ao Tesouro Nacional, de limitação do gasto público, de extinção do fundo soberano do pré-sal e de alteração da participação da Petrobrás nos investimentos dessas reservas de petróleo. A maior parte das propostas se relaciona a um ideário neoliberal, mas não exclusivamente. A primeira medida apresentada ao Congresso foi de ampliação da meta fiscal, para autorização para um endividamento público maior no ano de 2016, contrariando uma lógica de austeridade. Isso, conforme explicado por um conjunto de entidades que 2 analisaram o início da gestão de Temer, foi expressão pontual de um “keynesianismo fisiológico” de curto prazo – ou seja, da necessidade de atender às demandas imediatas de recursos: A gestão da política fiscal protagonizada pelo governo Temer lançou sinais contraditórios com relação à continuidade das políticas de austeridade. Para o curto prazo definiu-se o ‘keynesianismo fisiológico’ e para o longo prazo, a ‘austeridade permanente’. (21; FES; SEP; PPS, 2016, p. 9) Esta pesquisa focará sua atenção nos projetos relacionados à redução do Estado e à “austeridade permanente” mencionada. São eles: redução da participação da Petrobrás no pré-sal, corte de gastos públicos, reforma trabalhista e, no governo Bolsonaro, a reforma da previdência. A escolha dessas três propostas se dá por duas razões. A primeira delas é que foram votadas pelo Plenário da Câmara, pelo procedimento nominal e não simbólico1, o que permite uma análise da posição individual de cada um dos deputados. O segundo motivo para a escolha dessas propostas é que elas atendem a postulados fundamentais da cartilha neoliberal: privatização, favorecimento do investimento estrangeiro, desregulamentação do mercado de trabalho, disciplina fiscal e, de maneira geral, e a redução do papel do Estado na diminuição das desigualdades. Esses princípios foram expressos no Consenso de Washington, do fim dos anos 1980. Isso pode parecer anacrônico, especialmente depois da crise do capitalismo de 2008 – pior depressão econômica desde a década de 1930. Os princípios do CW passaram a ser profundamente questionados a partir de então, com o descrédito das prescrições centradas da hipótese da eficiência de mercado (WADE, 2008). Em 2008, esses princípios deixaram de ser “normativos”, ou vistos como ideais (DAVIES, 2016). Tais postulados não são mais defendidos sequer pelo Fundo Monetário Internacional. O tema chegou a ser objeto de discussão entre a diretora-geral do FMI, Christine Lagarde, e Henrique Meirelles, então Ministro da Fazenda brasileiro, durante o Fórum Econômico Mundial de Davos, em janeiro de 2017. Lagarde, em resposta à fala de defesa da austeridade Meirelles, enfatizou que o FMI hoje privilegia a redução da desigualdade e da promoção de políticas que a combatam (WENTZEL, 2017). Segundo estudo da instituição, os cortes nos gastos públicos têm como consequência justamente o aumento das disparidades sociais, ruins ao próprio capitalismo (WOO; BOVA; KINDA; ZHANG, 2013). Ainda assim, as premissas neoliberais clássicas, apesar