Pdf Disputas Em Torno Da Família Na Câmara Dos Deputados
Total Page:16
File Type:pdf, Size:1020Kb
42º Encontro Anual da ANPOCS SPG 09: Direitas no Brasil contemporâneo Disputas em torno da família na Câmara dos Deputados: entre o conservadorismo moral e o neoliberalismo Rayani Mariano Disputas em torno da família na Câmara dos Deputados: entre o conservadorismo moral e o neoliberalismo Rayani Mariano1 1. Introdução Em maio de 2016, quando a Câmara dos Deputados votou o afastamento da presidenta Dilma Rousseff, mais de 500 deputados/as tiveram alguns segundos para manifestar seus votos e a palavra “família” foi mencionada 136 vezes (VIEIRA, 2016). Causou estranheza a mobilização dessa instituição que é utilizada frequentemente em discursos conservadores, mas não mantinha nenhuma relação com os supostos motivos para o afastamento da presidenta. Com a posse de Michel Temer, políticas claramente associadas ao neoliberalismo foram implementadas, como a Reforma Trabalhista e a Emenda Constitucional 95; e como argumentam Brown (2015) e Cooper (2017), o livre mercado e a liberdade contratual não podem existir sem o reforço do privado e das obrigações das famílias. No caso estadunidense, há trabalhos que buscaram analisar a relação entre o neoliberalismo e o conservadorismo moral. Cooper (2017) indica que já nos anos 1970, o neoliberalismo americano e o novo conservadorismo social amadureceram e se posicionaram de forma conjunta contra uma série de eventos e uma percepção de crise. Ela explica que segue Brown (2006), para quem o neoliberalismo e o neoconservadorismo devem ser pensados conjuntamente – nas suas convergências, colisões e simbioses – para entender a racionalidade política do poder nos EUA hoje. Cooper (2017) comenta que neoliberalismo e neoconservadorismo podem ser diametricamente opostos em várias questões, mas na questão dos valores familiares eles revelaram uma afinidade surpreendente. Para a autora, enquanto os neoliberais demandavam uma redução na alocação orçamentária para o Estado de Bem-Estar Social, os neoconservadores apoiavam a expansão do papel do Estado na regulação da sexualidade. Apesar das diferenças, eles convergiram na necessidade de reinstalar a família como fundadora da ordem social e econômica. 1 Doutoranda em Ciência Política na Universidade de Brasília (UnB). O presente trabalho foi realizado com apoio da Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior - Brasil (CAPES) - Código de Financiamento 001. No caso brasileiro, há indícios de que essa aproximação também possa estar ocorrendo. Chaloub e Perlatto (2016, p. 37), ao analisarem no caso brasileiro aproximações entre a “direita teórica” e a “direita militante”, argumentam que em ambas está presente a “plena conformidade entre um forte conservadorismo moral e a adesão ao mundo do capitalismo liberal”. É possível levantar a hipótese de que a defesa da família e dos valores familiares seriam pontos nessa convergência entre neoliberalismo e conservadorismo. A centralidade da família nessa convergência se daria porque a implementação de políticas neoliberais, como o corte dos investimentos em saúde, educação, previdência social etc., obriga as famílias a terem que sobreviver sozinhas sem o auxílio do Estado. Machado (2017) argumenta que as eleições de 2014, apesar de não terem ocasionado um aumento significativo dos evangélicos na Câmara, criaram um ambiente favorável para grupos mais conservadores do Cristianismo. E é possível supor que o aumento da força de grupos religiosos no Congresso Nacional brasileiro incentive alianças com outros grupos de interesse, como ruralistas e empresários. A eleição para a presidência da Casa do deputado Eduardo Cunha (PMDB/RJ) foi uma consequência desse ambiente que se construiu com atores ligados ao agronegócio, à indústria armamentista, às igrejas evangélicas, ao movimento carismático católico e a outros setores que faziam oposição ao Partido dos Trabalhadores (MACHADO, 2017). Essas alianças conservadoras têm se expressado em diferentes momentos do contexto recente brasileiro, como na união entre a Frente Parlamentar Evangélica e a Frente Ruralista no Congresso Nacional para a aprovação do Código Florestal em 2011 (VITAL; LOPES, 2013). Mais recentemente, com a aproximação do então Ministro da Fazenda, Henrique Meirelles, um dos ícones do neoliberalismo no Brasil e candidato às eleições presidenciais de 2018, com setores evangélicos (BIROLI, 2017). Além disso, uma matéria jornalística recente publicada na revista Piauí sobre o Movimento Brasil Livre (MBL)2 expõe o desejo dos seus membros de formar uma aliança entre “setores modernos da economia”, “agro” e evangélicos com o objetivo de constituir um pacto político de centro-direita (ABBUD, 2017). 2 O MBL é um movimento ligado à direita, composto por jovens e fundado no final de 2014. Organizou manifestações explorando principalmente a pauta da corrupção. Diante desse contexto, Biroli (2017) levanta a hipótese de que “a agenda dos direitos humanos e de grupos específicos que levaram novos problemas e demandas ao debate público e ao âmbito estatal, como os movimentos LGBT, feministas, negros e indígenas, não incidiu em um universo paralelo ao da política partidária e das diretrizes econômicas”. Para a autora, nos casos da demarcação de terras indígenas e da inclusão da perspectiva de gênero e de raça nas políticas de proteção social isso fica claro. Porém, em outros contextos, a relação é mais sutil, como no caso do casamento entre pessoas do mesmo sexo, do direito ao aborto e do combate à violência contra as mulheres. Para a autora, um dos pontos de intersecção é a definição da “família funcional” em uma lógica de reestruturação produtiva. Biroli (2014) argumenta que a forma moderna de família é caracterizada pela privatização e como uma unidade de “autogestão”, na qual estão incluídos o amor romântico, o casamento heterossexual monogâmico e o cuidado com os filhos. E é possível afirmar que com a implementação de políticas neoliberais, haja uma intensificação da privatização das famílias, já que ocorre um encolhimento da infraestrutura pública que serve de suporte às famílias. Diante do exposto e da hipótese de que a defesa da família tradicional por parlamentares está articulada tanto com a racionalidade conservadora quanto com a racionalidade neoliberal, o objetivo do paper é observar a mobilização da família nos discursos de deputados/as federais, buscando analisar de que forma o neoliberalismo e o conservadorismo se articulam nesse debate. A metodologia do paper consiste em duas frentes, a análise da literatura teórica e a análise dos debates parlamentares na Câmara dos Deputados brasileira. Em relação ao trabalho empírico, ele consistiu na análise de discursos proferidos no plenário que estavam direta ou indiretamente relacionados às disputas em torno da família. A questão da família perpassa diferentes temáticas, e é mobilizada nos mais distintos assuntos discutidos pelos deputados. Por essa razão é inviável buscar pela palavra-chave “família”, pois o resultado retornaria um número muito elevado de pronunciamentos e que provavelmente não estariam em sua maioria relacionados com o que se pretende investigar. Optou-se por buscar discursos relativos aos seguintes temas e projetos3: Lei 3 A escolha desses temas e projetos ocorreu pelo fato de que em todos os casos a noção de família está sendo afirmada em alguma concepção específica e disputada relativamente a transformações na sociedade e no âmbito jurídico normativo. 13.010/2010 (Lei Menino Bernardo e também conhecida como “Lei da Palmada”), Projetos de Lei que buscaram instituir Estatutos da Família (PL 6.583/2013 e PL 674/2007), a ofensiva contra a chamada “ideologia de gênero” (ocorrida nas discussões sobre os Planos nacional, estaduais e municipais de educação, e na proposição de vários PL’s) e Movimento Escola sem Partido, cujas ideias estão presentes no PL 867/2015 e no PL 7.180/2014. 2. Justificando e contextualizando as temáticas escolhidas Nessa seção, irei apresentar os temas/projetos que serão trabalhados no artigo: o Estatuto da Família, a Lei Menino Bernardo, a “ideologia de gênero” e o Escola sem Partido, buscando contextualizar os fatos mais relevantes relacionados aos quatro. Parto da percepção de que todos são relevantes para se compreender como a família vem sendo mobilizada por parlamentares conservadores e progressistas e que sua contextualização contribui para a análise das disputas em torno das famílias. A discussão sobre a Lei 13.010/2014, intitulada Lei Menino Bernardo, se iniciou em 2010, quando o Executivo enviou o PL 7.672/2010 para o Congresso4. Foi instalada uma Comissão Especial na Câmara para apreciar a matéria, e teve como relatora a Deputada Teresa Surita (PMDB/RR), que apresentou um substitutivo aprovado no final de 2011. Em seguida, vários parlamentares apresentaram requerimento contra a apreciação conclusiva da Comissão, mas o projeto acabou sendo encaminhado para a Comissão de Constituição e Justiça e de Cidadania (CCJC), e aprovado em maio de 2014. O PL foi apelidado pela imprensa de “Lei da Palmada” e causou grande debate, tendo sido apontado pelos seus críticos como uma limitação da legitimidade dos pais na educação dos filhos. A lei estabelece o direito da criança e do adolescente de serem educados e cuidados sem o uso de castigos físicos ou de tratamento cruel ou degradante. No período recente, outra discussão específica sobre a família se deu a partir da proposição do PL 674/2007 pelo deputado Cândido Vaccarezza (PT-SP), que estabelecia a criação de um Estatuto das Famílias. O PL tratava principalmente da união estável e 4 Em 2003, a Deputada Maria