A Governanta, D. Maria Companheira De Salazar
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A Governanta «É, enfim, pela Maria que me chegam os murmúrios do A Governanta exterior, os rumores mais secretos, e até – palavra de honra! – algumas críticas. [...] Sou um prisioneiro. Sim, um D. Maria, companheira de Salazar prisioneiro. Governo o Estado há 23 anos. Mas para isso era preciso que alguém me governasse a mim.» António de Oliveira Salazar Joaquim Vieira O nome de Maria de Jesus Caetano Freire – ou simplesmente Maria, Menina D. Maria, companheira de Salazar Maria, Senhora Maria ou Dona Maria –, que se tornou conhecida como a governanta da residência de Salazar, não possui qualquer menção em nenhum dos dicionários de história do «Estado Novo», muito menos uma entrada própria. Foi esta mulher, no entanto, quem colaborou durante mais tempo e mais de perto com o ditador: acompanhou-o até Lisboa, quando o chamaram para entrar no Governo, e manteve-se ao seu serviço até tão destacado protagonista do século XX português sair de São Bento dentro de um esquife, ao fim de quase meio século. É certo que a sua missão se desen- rolou no âmbito privado e pessoal, sem qualquer responsabilidade nos biografia planos político, governativo ou administrativo, mas importará questionar revista & até que ponto a constante presença de Maria de Jesus poderá ter pesado em ampliada algumas das opções governativas seguidas pelo presidente do Conselho. «foi a verdadeira, Joaquim Vieira apesar de oculta, primeira-dama do estado novo.» fernando dacosta vol. 1 Maria de Jesus Caetano Freire, a fiel governanta de Salazar, por volta de 1940. Salazar, volta de governanta de por a fiel Freire, Caetano Jesus Maria de © Coleção Maria da Conceição de Melo Rita Coordenação editorial João Pombeiro Revisão João Alexandre Capa e paginação PixelReply.com A Governanta | D. Maria, Companheira de Salazar é uma série editada pela Reverso para a revista SÁBADO. © Reverso, 2021 | © Joaquim Vieira, 2021 | Cofina Media, 2021 Reservados todos os direitos de acordo com a legislação em vigor. Depósito legal: 481312/21 ISBN: 978-989-8925-91-6 Impresso em março de 2021 na Printer. Índice Capítulo 7 11 Introdução 131 Intriga em São Bento 13 Capítulo 1 151 Capítulo 8 A retaguarda de Salazar Chez Maria 25 Capítulo 2 175 Capítulo 9 De camponesa a tricana A caixa do correio 39 Capítulo 3 187 Capítulo 10 A luta pelo arroz A usura do poder 57 Capítulo 4 209 Capítulo 11 Dentro de muros O crepúsculo 71 Capítulo 5 235 Capítulo 12 Economia de guerra Purgatório 89 Capítulo 6 Encruzilhada de paixões 253 Notas e bibliografia «A causa de uma mulher é a causa de um homem: triunfam ou fracassam juntos.» Lord Tennyson «A ideia de sacrifício dá a certas mulheres um prazer oculto.» William Thackeray «As camareiras não possuem qualquer sentimento humano. Se eu pudesse apresentar ao parlamento uma petição para a abolição das camareiras, fá-lo-ia.» Mark Twain «Só há três coisas a fazer com uma mulher: amá-la, sofrer por ela ou transformá-la em literatura.» Lawrence Durrell D. Maria, companheira de Salazar 11 Introdução nome de Maria de Jesus Caetano Freire – ou simples- O mente Maria, Menina Maria, Senhora Maria ou Dona Maria –, que se tornou conhecida como a governanta da re- sidência de Salazar, não possui qualquer menção em nenhum dos dicionários de história do «Estado Novo», muito menos uma entrada própria. Foi esta mulher, no entanto, quem co- laborou durante mais tempo e mais de perto com o ditador: acompanhou-o até Lisboa, quando o chamaram para entrar no Governo, e manteve-se ao seu serviço até tão destacado protagonista do século XX português sair de São Bento den- tro de um esquife, ao fim de quase meio século. É certo que a sua missão se desenrolou no âmbito privado e pessoal, sem qualquer responsabilidade nos planos político, governativo ou administrativo. Mas importará questionar até que ponto a constante presença de Maria de Jesus ao lado de quem ditou o destino dos portugueses durante quatro dé- cadas (atendendo a que, mesmo enquanto mero titular das Finanças nos anos iniciais, a influência de Salazar foi crucial para a política do executivo) poderá ter pesado em algumas das opções governativas seguidas pelo presidente do Conse- lho. Recluso, monástico e celibatário, Salazar tinha em Maria de Jesus, dialogando com ela todos os dias, o único contacto com a realidade quotidiana dos portugueses, além de um ca- nal para a passagem e o intercâmbio de muita informação da mais variada ordem, o que permite concluir, como o próprio aliás confessou mais do que uma vez, que o protagonismo da- 12 A Governanta quela que já foi designada como a «governanta de Portugal» nem sempre respeitou a total separação entre esfera privada e esfera pública. Não que o fundador e líder do regime ditatorial não sou- besse decidir pela própria cabeça, mas na sua ponderação pré- via ter-se-á muitas vezes valido de elementos carreados pela mulher que dele estava mais perto ou até das suas opiniões, que o patrão via como representativas do senso comum. Bas- ta atentar, em páginas mais adiante, no papel determinante de Maria de Jesus na definição de políticas quanto ao comér- cio de bens de consumo. Entendi assim valer a pena aceitar o desafio que me foi lançado para a escrita do presente livro (publicado pela pri- meira vez em 2010, objeto de três edições e agora reeditado em versão revista e ampliada). Contra a lógica das coisas e o rumo da História, e ideologias à parte, Salazar alcandorou-se ao estatuto de figura mítica na existência deste país, e tudo o que o rodeou ainda conta para percebermos o porquê desses quase 50 anos de um regime que, até pela sua longevidade, a todos nós deixou marcas difíceis de apagar ou suplantar. Devo expressar o meu agradecimento a Maria da Concei- ção de Melo Rita (a Micas desta história), que há mais de duas décadas me introduziu no universo da intimidade salazarista, a Felícia Cabrita, pelos contactos e documentos fornecidos, a Mário Duarte, responsável da Biblioteca Municipal de Pe- nela, e a António Alfredo, funcionário da mesma autarquia, pelo apoio na investigação sobre as raízes da biografada, ao genealogista Lourenço Correia de Matos e a todos os que aceitaram prestar depoimentos sobre uma personagem e uma realidade já tão esvanecidas pelo tempo e pela História. Uma palavra de apreço também aos editores, que acredita- ram na ressurreição da governanta de Salazar. Capítulo 1 A retaguarda de Salazar D. Maria, companheira de Salazar 15 cenário foi o Forte de Santo António em São João do O Estoril, onde António de Oliveira Salazar costumava passar o período de férias estivais. Vendo chegar a sua viatu- ra oficial com o porta-bagagens carregado de lenha por in- dicação da governanta, Maria de Jesus, o chefe do Governo advertiu-a, irado: – Os carros do Estado não são para carregar lenha! Não consinto! Não consinto! – Merda, merda, merda! – retorquiu-lhe a governan- ta. – A lenha não é para mim! A lenha é para o Salazar!1 Talvez a nenhuma outra mulher em Portugal tenha sido possível lançar diretamente a palavra de Cambronne ao fun- dador do regime do «Estado Novo», durante as quatro déca- das em que ele esteve no poder, sem ser de imediato sujeita a detenção e interrogatório pela polícia política. Este era o poder simbólico daquela a quem chamavam simplesmente Dona Maria ou Senhora Maria – o de possuir, como mais nenhuma mulher num sistema onde os colaboradores do di- tador eram quase todos homens, a total confiança do gover- nante que foi figura central do século XX português. Chegados os dois de Coimbra, Maria de Jesus Caetano Freire já acompanhava Salazar antes de ele entrar para o Go- verno, e só saiu da residência oficial de São Bento depois da sua morte. Ninguém esteve por isso tão perto dele durante todo o seu percurso pelo poder. A disponibilidade dela era 16 A Governanta aliás total, já que nunca se casou. Foi, além disso, a única pes- soa a criar, durante todo esse longo período, um arremedo de vida familiar a um homem que também sempre se manteve celibatário (sem contudo ter havido qualquer relacionamen- to físico entre ambos). O seu destino confundiu-se pois com o do amo, e, mesmo que não se saiba de qualquer intervenção direta que tenha tido na área política, as suas funções priva- das não terão deixado de interagir com as funções oficiais do mais perene dos governantes portugueses: Maria de Jesus «passava por ser voz autorizada junto de Salazar em todas as matérias, fruto da confiança que o presidente [do Conselho] tinha no seu bom senso e na sua inabalável fidelidade».2 «Era uma mulher dura, muito forte, atenta a tudo», re- cordará José Paulo Rodrigues, que foi subsecretário de Es- tado da Presidência do Conselho (trabalhando diretamente com Salazar e sob sua dependência), entre 1962 e 1968. «Ela comandava com grande serenidade, independência e poder as coisas domésticas. Duas caraterísticas suas eram a grande inteligência (apesar de rude e sem cultura), uma inteligência prática, e a vontade firme. Era uma sombra do dr. Salazar, se bem que seja difícil de calcular o grau de influência dela no seu trabalho».3 Também José Luciano Sollari Allegro, se- cretário particular de Salazar entre 1947 e 1960, depôs no mesmo sentido: «[Maria de Jesus] era uma pessoa com reais qualidades e que sempre se soube manter no seu lugar. Gra- ças a ela nunca o presidente do Conselho teve a mais leve preocupação quanto aos muitos assuntos que há sempre a resolver dentro de uma casa».4 «Toda a gente sabia, lá no Palácio, que a D.