Gradus Revista Brasileira de Fonologia de Laboratório Vol. 1, nº 1

ISSN: 2526-2718 DOI desta edição: 10.47627/gradus.v1i1

Responsável Técnico: Luiz Cláudio Silveira Duarte

Revista filiada ao Programa de Pós-Graduação em Letras da Universidade Federal do Paraná

Curitiba, PR Dezembro de 2016

Gradus é um periódico digital, com duas edições anuais. Todo o conteúdo está integralmente disponível na Internet. https://gradusjournal.com/ Os direitos autorais dos trabalhos publicados pertencem a seus autores. Gradus segue a política de acesso aberto (open access), com o objetivo de favorecer a disseminação do conhecimento. Aplica-se a licença Creative Commons Atribuição-Não Comer- cial a todos os textos publicados na Gradus. https://creativecommons.org/ Gradus publica artigos acadêmicos sobre fonologia de labo- licenses/by-nc/4.0/deed.pt_BR ratório. Interessados em submeter trabalhos para publicação devem consultar as diretrizes para autores, disponíveis na página do periódico na Internet.

A diagramação da Gradus segue preceitos desenvolvidos por Edward R. Tufte para a diagramação de seus livros sobre a expressão visual da informação.1 1 Por exemplo, Edward R. Tufte (2006). Beautiful Evidence. A principal vantagem desta diagramação é colocar informações Cheshire (CT): Graphics Press. complementares diretamente ao lado do texto principal. As notas marginais são usadas para referências bibliográficas, para imagens, para referências internas, e quaisquer outras infor- mações convenientes, tornando assim a leitura mais confortável. Equipe editorial

Editores

Dra. Adelaide Hercília Pescatori Silva Universidade Federal do Paraná Dr. Ubiratã Kickhöfel Alves Universidade Federal do Rio Grande do Sul

Conselho Editorial

Dr. Alexsandro Rodrigues Meireles Universidade Federal do Espírito Santo Dra. Carmen Lúcia Barreto Matzenauer Universidade Católica de Pelotas Dr. Didier Demolin Université Sorbonne Nouvelle — Paris 3 Dra. Giovana Ferreira-Gonçalves Universidade Federal de Pelotas Dra. Larissa Berti Universidade Estadual Paulista Júlio de Mesquita Filho (campus Marília) Dra. Maria Bernadete Marques Abaurre Universidade Estadual de Campinas Dr. Miguel de Oliveira Jr. Universidade Federal de Alagoas Dra. Vera Pacheco Universidade Estadual do Sudoeste da Bahia Sumário

Editorial 6

From the Editors 12

Editorial (español) 17

Artigos What is and what is not an articulatory gesture in speech production: The case of lateral, rhotic and (alveolo)palatal consonants 23 Daniel Recasens

Há tendência para agrupamento segmental em classes naturais no balbucio e nas palavras iniciais? 43 Maria de Fátima de Almeida Baia

CV co-occurrence and articulatory control in three Brazilian children from 0:06 to 1:07 67 Mariana Hungria, Eleonora C. Albano

A variação na produção de sinais da Libras à luz da Fonologia Gestual 96 André Nogueira Xavier

A question of syllable structure: contextual acquisition of English /p/ and /k/ in a laboratory setting 126 Paul John, Walcir Cardoso 5

Análise longitudinal de vogais do inglês-L2 de brasileiros: dados preliminares 145 Ronaldo M. Lima Jr.

Processamento de priming grafo-fônico-fonológico em multilíngues em imersão versus contexto acadêmico 177 Cintia Avila Blank, Raquel Llama

Debates Ética em pesquisas: considerações jurídicas e práticas 195 Luiz Cláudio Silveira Duarte, Adriano Furtado Holanda 6

Editorial

Com grande satisfação, apresentamos o primeiro nú- mero da Gradus – Revista Brasileira de Fonologia de Laboratório. Nosso objetivo, ao propor a criação deste periódico, é fomentar a interação entre os pesquisadores brasileiros e estrangeiros que têm se debruçado sobre a vertente que se convencionou denominar “Fonologia de Laboratório”. Em linhas gerais, esta vertente se define por utilizar métodos experimentais para testar hipóteses sobre o conhecimento que falantes e ouvintes têm do sistema sonoro de suas línguas maternas e de outras línguas que adquirem, bem como os princípios que norteiam o funcionamento desses sistemas. Neste sentido, a Fonologia de Laboratório se funda como um campo multidisciplinar, porque recorre a diferentes áreas para cumprir seus objetivos, como a psicologia ou a ciência de computação, por exemplo. A Fonologia de Laboratório se firma como vertente da fonologia desde a década de 1980, através de trabalhos de pesquisadores como Mary Beckman e John Kingston e também pelos trabalhos de John Ohala. Sua grande contribuição ao estudo do nível sonoro da linguagem consiste em conferir ao dado empírico — colhido ex- perimentalmente — importância fundamental para as representações de fatos fonológicos nas línguas diversas. Decorre do estatuto conferido ao dado empírico uma noção epistemológica basilar: a de que as representações, ou a fonologia do sistema, estão estritamente ligadas ao dado empírico. Dito isto, é preciso deixar claro que a Fonologia de Laboratório pode se coadunar a outros modelos de aná- lise fonológica, desde que os outros modelos também confiram ao dado empírico papel fundamental para que se chegue a uma representação de um fato fonológico qualquer. E o dado empírico pode ser obtido de diferentes formas: pode advir de testes de produção — que possi- bilitem uma análise articulatória, uma análise acústica ou ambas — e de testes de percepção. O aspecto comum a todas as reflexões que se circunscrevem à Fonologia de Laboratório é — vale repetir e frisar — o emprego e a convicção da necessidade de dados empíricos para embasar e conduzir reflexões sobre a organização do componente fonológico nas línguas. Este é o fio condutor da Gradus a partir desta concep- ção, acreditamos que os artigos reunidos neste primeiro número conferem, justamente, o tom descrito acima, que 7 corresponde à linha editorial que a revista seguirá. Assim sendo, o artigo de Daniel Recasens (Universitat Autònoma de Barcelona),1 intitulado “What is and what 1. Cf. p. 23. is not an articulatory gesture in speech production. The case of lateral, rhotic and (alveolo)palatal consonants”, traz uma reflexão, baseada em dados articulatórios, sobre a natureza de laterais velares e vibrantes alveolares. O argumento central desse artigo é o de que esses não são segmentos complexos e constituídos por mais de um gesto articulatório. Para o autor, características espaço- temporais da língua, graus de resistência à coarticulação, mudanças sonoras e processos fonológicos associados a tais consoantes devem ser atribuídos a outros fatores e não constituem evidência da natureza complexa dos sons em questão. Na sequência, o texto de Maria de Fátima de Almeida Baia2 (Universidade Estadual do Sudoeste da Bahia), 2. Cf. p. 43. intitulado “Há tendência para agrupamento segmental em classes naturais no balbucio e nas palavras iniciais?”, toca na questão da aquisição de padrões silábicos do português brasileiro, focalizando a hipótese sobre uma possível preferência de combinações de sons de uma mesma classe natural durante o balbucio tardio e palavras iniciais de crianças em fase de aquisição. Tal hipótese é defendida por modelos de análise como a teoria Frame/Content, que prevê que o conteúdo de uma moldura como CV seja pre- enchido por sons que compartilham características articu- latórias comuns. Porém, a grande variabilidade observada nos dados longitudinais de uma criança leva a autora a observar que a hipótese não se sustenta e que, portanto, não haveria o preenchimento da moldura CV por sons pertencentes a uma mesma classe fonológica. A mesma variabilidade é tomada pela autora como argumento para afirmar que a língua pode ser concebida como um sistema adaptativo complexo. A instabilidade do sistema, revelada pela variabilidade dos dados, sinaliza o teste de novas categorias fônicas, que são produzidas até a estabilização do sistema. A estabilização, por sua vez, decorre de um processo de auto-organização do sistema, que se mostra na formação espontânea de padrões fonotáticos. Estes, por sua vez, emergeriam de acordo com o input que a criança recebe no processo de aquisição da linguagem. O texto de Mariana Hungria e Eleonora Albano (Univer- sidade Estadual de Campinas),3 imediatamente seguinte, 3. Cf. p. 67. por meio de uma interlocução indireta, acaba por com- plementar e aprofundar a reflexão iniciada no texto de Baia. Intitulado “CV co-ocurrence and articulatory control in three Brazilian children from 0:06 to 1:07”, o texto 8 argumenta que uma teoria como a “Frame/Content” - que prevê a preferência de sons pertencentes a uma mesma classe natural no padrão silábico CV em dados de crian- ças em fase de aquisição de linguagem — não dá conta de explicar os dados coletados através de observação longitudinal e transversal. Uma das razões do problema, apontada pelas autoras, reside no foco sobre o papel do trato vocal superior para a aquisição dos sons na fase do balbucio e das primeiras palavras. Hungria e Albano vão além e notam, através da análise de dados de três crianças, que mesmo uma abordagem mais recente, que advoga a importância do trato inferior no processo de aquisição de linguagem, é insuficiente para dar conta dos padrões combinatórios verificados. Por isso, preconizam que a compreensão sobre a interação entre o trato vocal superior e o trato vocal inferior pode levar a uma análise mais satisfatória dos dados. O artigo, então, propõe uma explicação sobre a maneira como se dá a interação entre os tratos e como ambos atuam na vocalização de bebês. Assim, enquanto o artigo de Baia toma dados de uma criança em fase de aquisição para testar a hipótese de um modelo fonológico tradicional, que trata a língua como um fato unimodal, e prevê o estabelecimento de padrões com base em fatos como as classes naturais, o artigo de Hungria e Albano parte de uma perspectiva dinâmica de língua, ao observar a co-ocorrência de fatores responsá- veis pela combinatória variável de sons nas sílabas CV, e busca aprofundar a reflexão relacionada à interação entre dois desses fatores. O artigo de André Nogueira Xavier (Universidade Fe- deral do Paraná),4 intitulado “A variação na produção 4. Cf. p. 96. de sinais da Libras à luz da Fonologia Gestual” inova ao tentar aproximar a Fonologia Gestual — ou Fonologia Articulatória — proposta nos anos 90 por Catherine Brow- man e Louis Goldstein, da Língua Brasileira de Sinais, Libras. Partindo de dados experimentais que evidenciam a presença de coarticulação em Libras, manifesta pela sinalização de gestos monomanuais com ambas as mãos, em razão do ambiente de sinais adjacentes, Xavier propõe uma representação para a coarticulação via Fonologia Gestual, prevendo gestos articulatórios que tentam dar conta dos movimentos que levam à implementação dos sinais envolvidos nos dados que aborda. Os últimos três artigos lidam com o processo de desen- volvimento de sistemas de segunda língua. Apesar de os três trabalhos pertencerem, a princípio, a uma mesma temática de caráter geral (“aquisição fonético-fonológica de L2”), a diversidade dos estudos em questão, no que 9 concerne às concepções epistemológicas de língua e de desenvolvimento linguístico, evidenciam, uma vez mais, o caráter “guarda-chuva” da Fonologia de Laboratório. No artigo “A question of syllable structure: contextual L2 acquisition of English /p/ and /k/ in a laboratory setting”,5 Walcir Cardoso (Concordia University) e Paul 5. Cf. p. 126. John (Université du Québec) discutem a aquisição, por brasileiros, das plosivas /p/ e /k/ do inglês em três di- ferentes contextos: em posição medial de palavra, nos contextos antes de (i) /t/ e (ii) /n/, e (iii) em posição final de palavra. A partir de uma metodologia laborato- rial, por meio de um experimento de aprendizagem de logatomas, os autores buscam argumentos empíricos para uma discussão bastante conhecida na teoria fonológica, que diz respeito ao status silábico das consoantes em ques- tão, no casos em que essas não são seguidas de vogais: se pertencentes à posição de coda ou de onset de um núcleo vazio. Tem-se, no referido estudo, um excelente exemplo de como metodologias laboratoriais podem contribuir para “antigas” questões, ainda não plenamente resolvidas, pela teoria fonológica. O artigo de Ronaldo Lima Júnior (Universidade Federal do Ceará),6 intitulado “Análise longitudinal de vogais do 6. Cf. p. 145. Inglês-L2 de Brasileiros: dados preliminares”, apresenta, como teoria de base, uma concepção de Língua como Sistema Adaptativo Complexo. Tal concepção implicará uma diferente abordagem às etapas de descrição e aná- lise de dados: o autor argumenta a favor da riqueza da descrição dos dados individuais, bem como nos fala sobre a pertinência de um acompanhamento longitudinal do processo de desenvolvimento linguístico do aprendiz de L2. Frente aos desafios metodológicos impostos pela necessidade de consonância entre a descrição de dados e a concepção de língua que rege o trabalho, Lima Jr. apresenta os resultados iniciais de um estudo longitudinal, através do qual o autor acompanhou o desenvolvimento do sistema vocálico de aprendizes brasileiros de inglês ao longo de um ano, a partir de duas coletas semestrais. É notável, no artigo em questão, uma das propriedades características da Fonologia de Laboratório: a consoância entre o dado empírico e a teorização sobre o modelo de base, através de uma noção de relação indissociável que rege os trabalhos da área. No último artigo desta primeira edição, “Processamento de priming grafo-fônico-fonológico em multilíngues em imersão x contexto acadêmico”,7 Cintia Blank (Universi- 7. Cf. p. 177. dade Federal de Pelotas) e Raquel Llama (University of Ottawa) investigam, a partir de uma tarefa de decisão 10 lexical com priming, o papel do contexto de imersão sobre a transferência de padrões grafo-fônico-fonológicos em multilíngues. O estudo em questão, que também tem por base uma concepção dinâmica de língua, representa um bom exemplo da interdisciplinaridade da área de Fonologia de Laboratório, uma vez que evidencia como variáveis de caráter fonético-fonológico se relacionam com questões referentes ao processamento da linguagem, mais especificamente, aos efeitos de priming. Fica claro, dessa forma, o caráter polivalente da área de estudos da Fonologia de Laboratório, caráter esse que motiva, também, o lançamento do presente periódico. Além de publicar artigos, a Gradus conta ainda com a seção “Debates”, cujo objetivo é trazer reflexões sobre tópicos controversos, mas relevantes para a Fonologia de Laboratório. Assim sendo, para fechar esta primeira edição da Gra- dus trazemos o artigo de autoria de Luiz Cláudio Silveira Duarte e Adriano Furtado Holanda (Universidade Federal do Paraná),8 que dá o tom provocador que esperamos 8. Cf. p. 195. para os textos desta seção. Apesar de não dizer respeito diretamente à Fonologia de Laboratório, o artigo trata de uma questão importantíssima para os pesquisadores que lidam com experimentos e que, por isso, tem de ser amplamente discutida na academia. Intitulado “Ética em pesquisas: considerações jurídicas e práticas”, o texto aponta problemas com a fundamentação normativa dos comitês de ética em pesquisa e, por decorrência, com sua aplicação prática. Os problemas resultam sobretudo — como argumentam os autores — do fato de as normas se pretenderem “universais”, isto é, de as normas preten- derem regular todo e qualquer experimento envolvendo seres humanos, desconsiderando as especificidades das diferentes áreas do conhecimento. Desta forma, seguindo- se a linha de argumentação dos autores, as normas não conseguem proteger adequadamente os sujeitos e, ao mesmo tempo, submetem a pesquisa a uma burocracia sufocante, que sequer tem fundamentação legal. Em suma, os oito trabalhos desta edição, além de demonstrarem a diversidade (e, por que não dizer, a ri- queza) da concepção ampla de Fonologia de Laboratório que rege a presente revista, caracterizam um convite para pesquisadores, do Brasil e do exterior, a contribuir com seus achados de investigações. A partir de tais contribui- ções, estaremos alavancando uma construção coletiva das características basilares, e até mesmo dos aspectos limítrofes de intersecção, desta vertente da Fonologia. Esperamos que a leitura deste primeiro volume constitua 11 uma experiência prazerosa e de grande construção de conhecimento para todos os nossos leitores.

Adelaide Hercilia Pescatori Silva Ubiratã Kickhöfel Alves Editores 12

From the Editors

We are very pleased to present the first issue of Gradus — Brazilian Journal of Laboratory Phonology. Gradus reflects our aim to foster the interaction among Brazilian and foreign researchers who have worked with “Laboratory Phonology”. In general terms, this field is characterized for its use of experimental methods to test hypotheses on the knowledge that speakers and listeners have not only of their mother languages and other language systems they acquire, but also of the principles that guide the functioning of these systems. In this sense, Laboratory Phonology might be conceived as a multidisciplinary field, as it interacts with different areas of knowledge, such as psychology or computer science, to fulfill its objectives. Laboratory Phonology has been established as a sub- field of Phonology since the 1980s, through studies such as the ones by Mary Beckman, John Kingston and also John Ohala. Its great contribution to the study of sound systems consists in recognizing the fundamental impor- tance of experimentally collected data to the interpreta- tion of the phonological facts that characterize different languages. This importance of the empirical data gives rise to a core epistemological view: the representations, i.e. the phonology of the system, are strictly linked to the empirical data. This said, it should be made clear that we conceive that Laboratory Phonology can be compatible with other mod- els of phonological analysis, as long as these other models also acknowledge the fundamental role of empirical data in phonological representation. The empirical data can be obtained in different ways: they can be obtained from production tasks (that allow for an articulatory analysis, an acoustic analysis or both) or from perceptual tasks. It is worth emphasizing that the common aspect to all discussions embraced by Laboratory Phonology is the importance of empirical data in the discussions on the organization of the phonological component. This is the common thread in Gradus; departing from this conception, we believe that the articles in this first is- sue confirm the tone described above, which corresponds to the editorial line that the journal will follow. In the first article of this issue,1 entitled “What is 1. Cf. p. 23. and what is not an articulatory gesture in speech pro- duction. The case of lateral, rhotic and (alveolo)palatal consonants”, based on articulatory data, Daniel Recasens 13

(Universitat Autònoma de Barcelona) discusses the repre- sentational nature of dark /l/ and the trill /r/. The cen- tral argument in this article in that they are not complex gestures, as they are articulated with a single articula- tory gesture. According to the author, spatio-temporal characteristics of the language, degrees of resistance to coarticulation, sound changes and phonological processes associated with these consonants should be attributed to other factors and are not evidence of a complex nature of the sounds in question. The second article,2 entitled “Há tendência para agru- 2. Cf. p. 43. pamento segmental em classes naturais no balbucio e nas palavras iniciais?” (Is there a tendency for segmen- tal grouping in natural classes in babbling and in initial words?), by Maria de Fátima de Almeida Baia (Universi- dade Estadual do Sudoeste da Bahia), approaches the L1 acquisition of syllable patterns in Brazilian Portuguese, investigating the hypothesis of a preference for a com- bination of sounds belonging to the same natural class in late babbling and in initial words. This hypothesis is based on models such as the Frame/Content theory, which predicts that the content of a CV frame consists of sounds that share common articulatory characteristics. However, the great variability found in the longitudinal data leads the author to conclude that the hypothesis is not supported, as the CV frame is not filled in by sounds belonging to the same phonological class. This very same variability is taken as an argument in favor of the claim that language can be conceived of as a complex, adaptive system. In this sense, the instability of the system, re- vealed by the variability of the data, suggests the testing of new phonic categories, which are produced until the stabilization of the system. Stabilization, in turn, results from a process of self-organization, which is shown in the spontaneous formation of phonotactic patterns. These, in turn, would emerge based on the input that the child receives in the process of language acquisition. The following article,3 by Mariana Hungria and 3. Cf. p. 67. Eleonora Albano (Universidade Estadual de Campinas), even though through an indirect interaction, comple- ments and deepens the discussion started in the previous text. Entitled “CV co-ocurrence and articulatory control in three Brazilian children from 0:06 to 1:07”, the paper argues that a theory such as the Frame/Content Model — which predicts a preference for sounds in the same nat- ural class in a CV pattern produced by children in their language development — fails to explain cross-sectional and longitudinal data. The authors suggest that one of the 14 reasons for this failure lies in the focus on the role of the upper vocal tract in the acquisition of sounds in babbling and in the first words. Through the analysis of data from three children, Hungria and Albano go further and state that even a more recent approach, which acknowledges the importance of the lower vocal tract in the language acquisition process, does not prove sufficient to account for the combinatory patterns found in the data. Thus, the authors claim that an understanding of the interaction of the upper and the lower vocal tracts may lead to a more satisfactory analysis of the data. The article then proposes an explanation of how both tracts interact and how they act in the vocalization produced by the babies. Therefore, whereas Baia’s article tests a hypothesis originated from a traditional phonological model, which sees language as unimodal and predicts the formation of language patterns based on aspects such as natural classes, the article by Hungria and Albano departs from a dynamic view of language, as the authors observe the co-occurrence of factors that prove responsible for the emergence of the varied sound combinations in the CV structure and aim to discuss the interaction between two of these factors. The article by André Nogueira Xavier (Universidade Federal do Paraná),4 entitled “A variação na produção 4. Cf. p. 96. de sinais da Libras à luz da fonologia gestual” (Variation in the production of the Brazilian sign language under the framework of Gestural Phonology) is innovative in its attempt to approximate Gestural Phonology — or Articulatory Phonology – proposed in the early 90s by Catherine Browman and Louis Goldstein — to Libras, the Brazilian Sign Language. Based on experimental data evi- dencing the presence of coarticulation, characterized by the use of both hands in the production of single-handed gestures due to the phonological environment of adjacent signs, Xavier proposes a representation of coarticulation via Gestural Phonology, which tries to account for the movements that lead to the implementation of the signs in his data. The remaining three articles deal with the process of L2 development. Although the three studies may be considered to belong to the same field (L2 phonetic- phonological acquisition), their different epistemological conceptions show us the diverse character of the umbrella term ‘Laboratory Phonology’. In the article “A question of syllable structure: contex- tual L2 acquisition of English /p/ and /k/ in a laboratory setting”,5 Walcir Cardoso (Concordia University) and 5. Cf. p. 126. 15

Paul John (Université du Québec) analyze the acquisi- tion of English /p/ and /k/ by Brazilian learners in three phonological contexts: word-mid position, before (i) /t/ and (ii) /n/, and word-final position. Using a laboratory approach, based on the results of a word-learning exper- iment, the authors aim to find empirical arguments for a well-known discussion in phonological theory, which refers to the syllabic status of these consonants when not followed by a vowel: whether they belong to the coda or to the onset of an empty nucleus. This study provides an excellent example of how laboratory methodologies can contribute to some “old” questions that remain unsolved in phonological theory. The article by Ronaldo Lima Júnior (Universidade Federal do Ceará),6 entitled “Análise longitudinal de 6. Cf. p. 145. vogais do Inglês-L2 de Brasileiros: dados preliminares” (A longitudinal analysis of the development of L2 vowels by Brazilians: preliminary data), is based on a view of language as a Complex, Adaptive System. The adoption of this view of language will imply a different approach to the data description and analysis. The author argues for a description of individual data and advocates the need of longitudinal data analyses of the L2 developmental process. In view of the methodological challenges im- posed by the necessary consonance between theory and method, Lima Jr. presents the initial results of a longitudi- nal study, in which the vowel development of Brazilian learners is investigated in two data collections that took place throughout one year. In this article, one of the main tenets of Laboratory Phonology is noticeable: the need for a convergence between the methodology employed and the theoretical background which guides the study. This convergence should result in an inseparable relationship in all studies in the field. In the last article of this issue,7 entitled “Processa- 7. Cf. p. 177. mento de priming grafo-fônico-fonológico em multi- língues em imersão x contexto acadêmico” (Grapho- phonic-phonological priming in multilinguals in immer- sion x academic environments), Cintia Blank (Universi- dade Federal de Pelotas) e Raquel Llama (University of Ottawa) conduct a lexical decision task with priming in order to investigate the role of the immersion context on the transfer of grapho-phonic-phonological patterns by multilinguals. This study, which is also grounded on a dynamic view of language, represents a good exam- ple of the interdisciplinarity of the area of Laboratory Phonology, since it shows how phonetic-phonological variables are related to language processing phenomena. 16

This multifaceted nature of Laboratory Phonology is a key motivating factor for the launching of this journal. Besides publishing research articles, Gradus also presents a “Debates” section, which aims to raise dis- cussions on controversial, but rather important, issues to the field of Laboratory Phonology. In the debates section, we close this first issue with a text by Luiz Cláudio Silveira Duarte and Adriano Furtado Holanda (Universidade Federal do Paraná).8 We believe 8. Cf. p. 195. this text marks the provocative tone that will hopefully characterize this section. Although not directly related to Laboratory Phonology, this article brings very impor- tant questions for researchers dealing with experiments and, therefore, has to be widely discussed in academia. Entitled “Ética em pesquisas: considerações jurídicas e práticas” (“Ethics in research: legal and practical consider- ations”), the text points out problems with the normative foundations of the research ethics committees and, con- sequently, with the practical application of these norms in the Brazilian scenario. As argued by the authors, the problems arise from the fact that the norms tend to be “universal”, i.e., that the norms are intended to regulate any sort of experiment involving human beings, disre- garding the specificities brought by different areas of knowledge. In view of this fact, the authors argue that the norms cannot adequately protect the research partici- pants, and at the same time they are characterized by a suffocating bureaucracy which does not even have legal grounds. In conclusion, the eight papers in this first issue demon- strate the diversity (and, why not say, richness) of the broad conception of Laboratory Phonology that guides this journal. This first issue also represents an invitation to researchers, from Brazil and abroad, to contribute to the field with their research findings. These contributions will allow for a collective construction of the area, help- ing researchers determine not only the basic aspects, but also the intersection limits of this subfield of Phonology. We hope the reading of this first issue may represent a pleasant experience as well as a great opportunity for the development of scientific knowledge.

Adelaide Hercilia Pescatori Silva Ubiratã Kickhöfel Alves Editors 17

Editorial (español)

Con gran placer, presentamos el primer número de Gradus — Revista Brasileña de Fonología de Labora- torio. Nuestro objetivo al proponer la creación de esta re- vista es fomentar la interacción entre los investigadores brasileños y extranjeros que trabajan en el área que con- vencionalmente se llama de“Fonología de Laboratorio”. En líneas generales, este campo de conocimiento se define mediante el uso de métodos experimentales para poner a prueba hipótesis sobre el conocimiento que los hablantes y oyentes tienen del sistema de sonidos de su lengua materna y de otros idiomas que adquieren, bien como de los principios que guían el funcionamiento de estos sistemas. En este sentido, la Fonología de Laboratorio se funda como un campo multidisciplinario, que conversa con diferentes áreas para cumplir con sus objetivos, tales como la psicología o las ciencias de la computación, entre otras. La Fonología de Laboratorio se consolida como una sub- área de la Fonología desde la década de 1980, a través de los trabajos de investigadores como Mary Beckman y John Kingston, y también por las obras de John Ohala. Su gran contribución a los estudios del nivel sonoro del len- guaje consiste en atribuirle al dato empírico — recogido experimentalmente — una importancia fundamental para las representaciones de los aspectos fonológicos de diver- sos idiomas. De esa propiedad atribuida al dato empírico adviene una noción epistemológica clave: las represen- taciones, o la fonología del sistema, están estrictamente conectadas al dato empírico. Dicho esto, debe quedar claro que la Fonología de Laboratorio puede ser compatible con otros modelos de análisis fonológico, con la condición de que los otros modelos también le garantan al dato empírico un rol fundamental en la teorización fonológica. El dato empí- rico se puede obtener de diferentes maneras: puede ser el resultado de pruebas de producción — que permiten un análisis articulatorio, un análisis acústico, o ambos — y de pruebas de percepción. La característica común de todas las reflexiones que están circunscritas a la Fonolo- gía de Laboratorio es — vale la pena repetir y enfatizar — el empleo y la convicción de la necesidad de datos empíricos para apoyar y llevar a cabo reflexiones sobre la organización del componente fonológico del lenguaje. Este es el hilo conductor de Gradus; a partir de esta 18 concepción, creemos que los artículos de este primer número confieren precisamente el tono que se ha descrito anteriormente, que corresponde a la línea editorial que la revista seguirá. El primer artículo,1 de Daniel Recasens (Universitat 1. Cf. p. 23. Autònoma de Barcelona), titulado “What is and what is not an articulatory gesture in speech production. The case of lateral, rhotic and (alveolo)palatal consonants” (“Qué es y qué no es un gesto articulatorio en la producción del habla. El caso de las consonantes laterales, róticas y alveolo-palatales”), trae una discusión, con base en datos articulatorios, sobre la naturaleza representacional de la lateral velarizada /l/ y de la vibrante ápico-alveolar /r/. El argumento central de este trabajo es que estos no son segmentos complejos y no presentan más de un gesto articulatorio. Para el autor, características espacio- temporales, el grado de resistencia a la coarticulación, cambios de sonido y los procesos fonológicos asociados con tales consonantes deben ser atribuidos a otros facto- res, y no son evidencia de la naturaleza compleja de los sonidos en cuestión. Posteriormente, el texto de Maria de Fátima de Almei- da Baia2 (Universidade Estadual do Sudoeste da Bahia) 2. Cf. p. 43. titulado “Há tendência para agrupamento segmental em classes naturais no balbucio e nas palavras iniciais?” (“¿Hay una tendencia al agrupamiento segmental en cla- ses naturales en el balbuceo y en las palabras iniciales?”), aborda la cuestión de la adquisición de patrones silábicos del portugués brasileño, a partir de la hipótesis de una posible preferencia de combinaciones de sonidos de una misma clase natural durante el balbuceo tardío y las pa- labras iniciales de los niños en fase de adquisición. Tal hipótesis es defendida por modelos de análisis como la teoría Frame/Content, que prevé que el contenido de una estructura CV sea ocupado por los sonidos que comparten características articulatorias comunes. No obstante, la gran variabilidad observada en los datos longitudinales de uno de los niños lleva a la autora a observar que la hipótesis no se sustenta y que, por lo tanto, sonidos per- tenecientes a una misma clase fonológica no ocuparían la estructura CV. La misma variabilidad es tomada por la autora como argumento para afirmar que una len- gua puede ser concebida como un Sistema Adaptativo Complejo. La inestabilidad del sistema, revelada por la variabilidad de los datos, indica la experimentación del niño con nuevas categorías fónicas, que son producidas hasta una estabilización del sistema. La estabilización, a su vez, deriva de un proceso de auto-organización del 19 sistema, que se muestra en la formación espontánea de los patrones fonotáticos. Estos, a su vez, emergerían de acuerdo con el input que el niño recibe en el proceso de adquisición del lenguaje. El texto de Mariana Hungria y Eleonora Albano3 (Uni- 3. Cf. p. 67. versidade Estadual de Campinas), a través de una in- terlocución indirecta, termina por complementar y pro- fundizar la reflexión iniciada en el texto de Baia. Bajo el título “CV co-ocurrence and articulatory control in three Brazilian children from 0:06 to 1:07” (“Coocurren- cia CV y control articulatorio in tres niños brasileños de 0:06 a 1:07”, el texto sostiene que una teoría como la de Frame/Content — que establece la preferencia de los sonidos que pertenecen a una misma clase natural del patrón silábico CV a partir de datos de niños en fase de adquisición del lenguaje — no consigue explicar los datos recogidos a través de la observación longitudinal y transversal. Una de las razones del problema, señalada por las autoras, se encuentra en el rol del tracto vocal superior para la adquisición de los sonidos en las fases del balbuceo y de las primeras palabras. Hungria y Albano van más allá y notan, a través del análisis de datos de tres niños, que incluso un enfoque más reciente, que de- fiende la importancia del tracto inferior en el proceso de adquisición del lenguaje, resulta insuficiente para explicar los patrones combinatorios verificados. Por ello, las auto- ras sostienen la importancia de que la interacción entre el tracto vocal superior y el tracto vocal inferior puede conducir a un análisis más satisfactorio de los datos. Este artículo propone una explicación sobre la manera de como se da la interacción entre ambos tractos, y como ambos actúan en la vocalización de los niños. Así, mientras que el artículo de Baia recoge datos de un niño en la fase de adquisición para probar la hipótesis de un modelo fonológico tradicional, que trata la lengua como un fenómeno unimodal y prevé el establecimiento de patrones basados en hechos como las clases naturales, el artículo de Hungria y Albano parte de una perspectiva dinámica de lengua, observando la coocurrencia de los factores responsables de la combinatoria variable de sonidos en sílabas CV, y busca profundizar la reflexión sobre la interacción entre estos factores. El artículo de André Nogueira Xavier (Universidade Federal de Paraná),4 titulado “A variação na produção de 4. Cf. p. 96. sinais da Libras à luz da Fonologia Gestual” (La variación en la producción de Libras a la luz de la Fonología Ges- tual), innova al tratar de acercar la Fonología Gestual — o Fonología Articulatoria — propuesta en los años 90 por 20

Catherine Browman y Louis Goldstein, a la Lengua Brasi- leña de Señas, Libras. Partiendo de datos experimentales que demuestran la presencia de coarticulación en Libras, que se manifiesta por la realización de gestos mono- manuales, producidos por ambas manos por motivos del ambiente de señales adyacente, Xavier propone una repre- sentación para la coarticulación a través de la Fonología Gestual, previendo gestos articulatorios que representen los movimientos que llevan a la implementación de las señas estudiadas por el autor. Los últimos tres artículos tratan del proceso de desarro- llo de sistemas de segunda lengua (L2). A pesar de que las tres obras pertenecen, en principio, a una misma temática de carácter general (“adquisición fonético-fonológica de L2”), la diversidad de los estudios en cuestión, en relación con las concepciones epistemológicas de lenguaje y de desarrollo lingüístico, prueban, una vez más, el carácter de “paraguas” de la Fonología de Laboratorio. En el artículo “A question of syllable structure: contex- tual L2 acquisition of English /p/ and /k/ in a laboratory setting”5 (“Una cuestión de estructura silábica: adqui- 5. Cf. p. 126. sición contextual de /p/ y /k/ del inglés-L2”, Walcir Cardoso (Concordia University) y Paul John (Université du Québec) discuten la adquisición, por parte de bra- sileños, de las oclusivas / p / y / k / del inglés en tres contextos diferentes: en posición medial de palabra, en los contextos antes de (i) / t / y (ii) / n /, y (iii) en po- sición final de palabra. A partir de una metodología de laboratorio, por medio de un experimento de aprendizaje de palabras inventadas, los autores buscan argumentos empíricos para una discusión bastante conocida en la teoría fonológica, que se relaciona con el estado silábico de las consonantes en cuestión, en los casos en que no son seguidas de vocales: si perteneciendo a la posición de coda o de onset de un núcleo vacío. Este estudio repre- senta un excelente ejemplo de como las metodologías de laboratorio pueden contribuir para “antiguas” cuestiones, aún no resueltas por la teoría fonológica. El trabajo de Ronaldo Lima Júnior (Universidade Fede- ral do Ceará),6 titulado “Análise longitudinal de vogais 6. Cf. p. 145. do Inglês-L2 de Brasileiros: dados preliminares” (“Análi- sis longitudinal de vocales del inglés-L2 por brasileños: datos preliminares”), presenta, como teoría de base, una concepción de lengua como Sistema Adaptativo Complejo. Tal concepción redundará en un abordaje diferente de las etapas de descripción y análisis de datos: el autor argu- menta acerca de la riqueza de la descripción de los datos individuales, así como nos habla acerca de la pertinencia 21 de un monitoreo longitudinal del proceso de desarrollo del lenguaje del aprendiz de L2. Frente a los desafíos metodológicos que plantea la necesidad de armoniza- ción entre la descripción de los datos y la concepción de lengua que inspira el trabajo, Lima Jr. presenta los resul- tados iniciales de un estudio longitudinal, a través del cual el autor monitoreó el desarrollo del sistema vocálico de alumnos brasileños de inglés a lo largo de un año, a partir de dos recolecciones semestrales. Es notable, en el artículo en cuestión, una de las propiedades característi- cas de la Fonología de Laboratorio: la consonancia entre los datos empíricos y la teorización sobre el modelo de base, a través de una noción de relación indisociable que domina los trabajos del área. En el último artículo de esta primera edición,7 “Proces- 7. Cf. p. 177. samento de priming grafo-fônico-fonológico em multilín- gues em imersão x contexto acadêmico” (“Procesamiento de priming grafo-fónico-fonológico en multilingües en inmersión x contexto académico”), Cintia Blank (Univer- sidade Federal de Pelotas) y Rachel Llama (University of Ottawa) investigan, a partir de una actividad de decisión lexical con priming, el rol del contexto de inmersión sobre la transferencia de patrones gráfico-fónico-fonológicos en multilingües. El estudio en cuestión, que también tiene por base una concepción dinámica de lengua, re- presenta un buen ejemplo de la interdisciplinariedad del área de Fonología de Laboratorio, toda vez que muestra como variables fonético-fonológicas se relacionan con cuestiones referentes al procesamiento del lenguaje, más específicamente, a los efectos del priming. Queda claro, de esa forma, el carácter polivalente del área de estudios de Fonología de Laboratorio, carácter ese que motiva también el lanzamiento de esta revista. Además de la publicación de artículos, Gradus también cuenta con la sección “Debates”, cuyo objetivo es propi- ciar reflexiones sobre temas controvertidos, de relevancia para la Fonología de Laboratorio. De esta forma, para concluir esta primera edición de Gradus, incorporamos el artículo de Luiz Cláudio Silveira Duarte y Adriano Furtado Holanda (Universidade Federal do Paraná),8 que da el tono provocador que esperamos 8. Cf. p. 195. para los textos de esta sección. A pesar de no relacionarse directamente con la Fonología de Laboratorio, el artículo aborda una cuestión de suma importancia para los inves- tigadores que trabajan con experimentos, y que debe ser ampliamente discutida en el ámbito académico. Bajo el título “Ética em pesquisa: considerações jurídicas e prá- ticas” (Ética en investigación: consideraciones jurídicas 22 y prácticas), el texto señala problemas emergentes de la base normativa de los comités de ética en investigación en Brasil, y de su aplicación práctica. Los problemas se deben principalmente — como sostienen los autores — al pretendido carácter “universal” de las reglas, buscando abarcar todo y cualquier experimento de las diferentes y más variadas áreas del conocimiento con seres humanos, sin tener en cuenta las especificidades de cada una de ellas. De esta forma, siguiéndose la línea de argumenta- ción de los autores, resulta que las normas no consiguen proteger de forma adecuada los sujetos, y al mismo tiem- po, someten la investigación a una burocracia asfixiante, que ni siquiera cuenta con fundamentación jurídica. En suma, los ocho artículos que integran el presente número, más allá de demostrar la diversidad (y, por qué no decirlo, la riqueza) de la amplia concepción de Fono- logía de Laboratorio que inspira esta revista, representan una invitación para que investigadores de Brasil y del extranjero contribuyan con resultados y conclusiones de sus estudios. A partir de estas contribuciones, estaremos impulsando una construcción colectiva de las caracterís- ticas esenciales, e incluso de los aspectos limítrofes de intersección, de esta vertiente de la Fonología. Esperamos que la lectura de este primer volumen constituya una experiencia agradable y de una valiosa construcción de conocimiento para todos nuestros lectores.

Adelaide Hercilia Pescatori Silva Ubiratã Kickhöfel Alves Editores What is and what is not an articulatory gesture in speech production: The case of lateral, rhotic and (alveolo)palatal consonants

DOI: 10.47627/gradus.v1i1.101

Daniel Recasens [email protected] Universitát Autònoma de Barcelona

Gradus Revista Brasileira de Fonologia de Laboratório

Vol. 1, nº 1 Dezembro de 2016 https://gradusjournal.com/index.php/gradus/article/view/2

Bibtex: @article{recasens2016what, author = {Daniel Recasens}, issn = {2526-2718}, doi = {10.47627/gradus.v1i1.101}, journal = {Gradus}, month = {dec}, number = {1}, pages = {23–42}, title = {What is and what is not an articulatory gesture in speech production: The case of lateral, rhotic and (alveolo)palatal consonants}, volume = {1}, year = {2016}}

Este texto pode ser livremente copiado, sob os termos da licença Creative Commons Atribuição-NãoComercial 4.0 Internacio- https://creativecommons.org/ nal (CC BY-NC 4.0). licenses/by-nc/4.0/deed.pt_BR Gradus 1 (1) 24

Abstract

Articulatory data are provided showing that, in lan- guages in which they have phonemic status, (alve- olo)palatal consonants, dark /l/ and the trill /r/ are articulated with a single lingual gesture instead of two independent tongue front and tongue body gestures. They are therefore simple, not complex segments. It is argued that tongue body lowering and retraction for dark /l/ and the trill /r/ is associated with manner of articulation re- quirements and with requirements on the implementation of the darkness percept in the case of dark /l/, and that tongue body raising and fronting for (alveolo)palatals results naturally from the contraction of the genioglossus muscle. These consonant units resemble truly complex palatalized and velarized or pharyngealized dentoalveo- lars regarding lingual configuration and kinematics, as well as coarticulatory effects and phonological and sound change processes. Contrary to some views, the study also contends that clear /l/ and the tap /ɾ/ are not complex segments but consonants articulated with a more or less neutral tongue body configuration which is subject to considerable vowel coarticulation. Keywords: segmental complexity, (alveolo)palatal consonants, alveolar lateral and alveolar trill.

Resumen

Datos articulatorios muestran que, en lenguas en las cuales las consonantes alveolo-palatales tienen rango fonológico, la lateral velarizada /l/ y la vibrante ápico- alveolar /r/ son producidas mediante un único gesto lingual en vez de dos gestos linguales, uno anterior y otro dorsal. Así pues se trata de segmentos simples y no de seg- mentos complejos. El artículo argumenta lo siguiente: el descenso y la retracción del dorso de la lengua durante la producción de la lateral velarizada y de la vibrante están asociados con sus correspondientes requisitos de modo de articulación, y también con la implementación de la velarización en el caso de /l/ velarizada; la elevación y anteriorización del dorso lingual durante la producción de las consonantes alveolo-palatales son consecuencia natural de la contracción del músculo geniogloso. Estas dos consonantes se asemejan a las consonantes dentoal- veolares complejas ya sean palatalizadas o velarizadas o faringealizadas, tanto por lo que respecta a la con- figuración y cinemática linguales como a los efectos Gradus 1 (1) 25 coarticulatorios y a los procesos fonológicos y de cambio fonético. En desacuerdo con otros puntos de vista, el presente estudio también postula que la /l/ no velarizada y la rótica /ɾ/ no son segmentos complejos sino conso- nantes articuladas con una configuración lingual más o menos neutra, que está sujeta a efectos de coarticulación vocálica considerables. Palabras clave: segmentos complejos; consonantes alveolo-palatales; lateral alveolar y vibrante alveolar.

Introduction

The goal of this paper is to argue for an appropriate use of the concept of articulatory gesture. According to Articu- latory Phonology, articulatory gestures are phonological primitives which characterize high-level phonological units in place of distinctive features.1 Examples of artic- 1. Browman and Goldstein, ulatory gestures are lip and tongue dorsum closing for “Articulatory phonology: an overview” (1992). bilabial and velar stop consonants, respectively. In recent times, gestural status has been attributed to the activity of tongue body regions which are not involved directly in the formation of the primary closure or constriction for consonants, as in the case of tongue body retraction for dark /l/ and the alveolar trill /r/ and tongue body raising and fronting for alveolopalatal and palatal consonants such as /ɲ/ and even /j/. According to this view, these tongue body actions correspond to secondary lingual gestures which are activated independently from the primary tongue front gesture whether it involves the tongue tip, blade or predorsum. The issue is whether, in parallel to pharyngealized and palatalized dentoalveolars in languages like Arabic and Russian, respectively, those consonantal units should be treated as complex segments endowed with two simultaneous lingual gestures or as simple segments specified for a single tongue gesture. The claim that the tongue body actions referred to above for dark /l/, the trill and (alveolo)palatals should qualify as secondary gestures is supposed to come from different sources of evidence. Supporting evidence has been claimed to derive from specific articulatory events such as considerable tongue-to-palate contact and the presence of a /j/-like component at consonant release in the case of (alveolo)palatal consonants, and tongue body lowering/backing prior to tongue tip raising during a preceding front vowel in the case of dark /l/ and the trill /r/. Another aspect in support of the independent existence of a tongue body gesture for these consonants Gradus 1 (1) 26 appears to be their low degree of articulatory variability whether measured across contextual conditions (contex- tual variability) or across tokens (random variability), which may be indicative that the tongue region in ques- tion is subject to active control by the speaker. According to earlier proposals, additional evidence is to be sought in specific sound changes and phonological processes such as the insertion of the glides [w] before dark /l/ and [j] before or after an (alveolo)palatal consonant, the argument being that gestural decomposition has taken place in this case.2 2. Operstein, Consonant structure and prevocalization In contrast with this line of thought, we believe that (2010). these (co)articulatory characteristics as well as related sound change and phonological processes should not be taken in support of the existence of an independent tongue body gesture. More specifically, we argue that the parallel behaviour between the consonants under study and true complex segments such as palatalized and pharyngealized dentoalveolars follows simply from the fact that two sets of consonants are articulated similarly. Thus, for example, the presence of a relatively long tem- poral lag between the activity of the tongue body and the tongue front at the release of an alveolopalatal consonant, which may give rise to an off-glide through segmental categorization of the CV acoustic transitions, depends on the relative independence between the two articula- tory structures during given productions of the simple, non-complex consonant of interest. Similar instances of on-glide or off-glide insertion may be triggered by simple consonants of other places of articulation.3 Moreover, 3. Albano, O gesto e suas we cannot accept the view that phonological units may bordas: esboço de fonologia acústico-articulatória do português be specified as simple or complex independently ofthe brasileiro (2001). available phonetic data since, among other reasons, this approach places phonology outside the real world and does not contribute to explaining the causes of sound change. The existence of a tongue body gesture has also been assigned to consonants which show no clear tongue body activation. Thus, in Proctor’s view,4 clear /l/ and the 4. Proctor, “Gestural charac- alveolar tap /ɾ/ in Spanish also ought to be specified as terization of a phonological class: the liquids” (2009). complex, given that the tongue body is less sensitive to contextual coarticulation during their production than during that of other dentoalveolars. Likewise, according to Operstein,5 the fact that all dentals and alveolars may 5. Operstein, Consonant trigger prevocalization or on-gliding proves that these structure and prevocalization (2010). consonants must be endowed with a tongue body vowel gesture independently of whether they involve some lowering and backing of the tongue body or not. Several Gradus 1 (1) 27 arguments will be provided later against this claim. The following sections will deal with the issue of seg- mental complexity in (alveolo)palatals,6, dark and clear 6. (Alveolo)palatal consonants, /l/,7 and the trill /r/ and the tap /ɾ/.8 Reference will p. 27. be made to articulatory and acoustic data for these con- 7. The alveolar lateral, p. 32. 8. The alveolar trill, p. 36. sonants as well as for true complex consonants such as palatalized and pharyngealized dentoalveolars. The last section9 draws some general conclusions about segmental 9. Discussion and conclusions, complexity based on the production data reported in the p. 38. preceding sections.

(Alveolo)palatal consonants

A two-gestural status has been assigned to consonants such as /ɲ/, /ʎ/ and /j/ labeled often as palatal in the phonetics literature.10 These consonantal productions 10. Keating, “Coronal places have been treated as complex segments specified for a of articulation” (1991); Keating, “Phonetic representation of Coronal node and a Dorsal node and thus, for two inde- palatalization versus fronting” pendent lingual gestures which are activated more or (1993); Lahiri and Evers, “Palatalization and coronality” less simultaneously. Moreover, this gestural specifica- (1991); Calabrese, Markedness tion has been meant to apply not only to alveolopalatal and economy in a derivational realizations whose closure or constriction encompasses model of phonology (2008); Gussenhoven and Jacobs, the alveolar and palatal zones, but also to purely palatal Understanding Phonology (2013). productions which are articulated at the hard palate exclusively. Even palatoalveolar consonants such as the fricative and affricate sounds of the English words shoe and catch are assigned two gestures in the above-cited studies. The assigment of complex status to (alveolo)palatals in languages in which these consonants are phonemic is in disagreement with several articulatory facts. Re- garding place of articulation, lingual configuration and linguopalatal contact data strongly suggest that (alve- olo)palatal and palatoalveolar consonants are produced with a single articulatory gesture in these languages.11 11. Recasens, “On the Palatoalveolars are articulated with the tongue blade articulatory classification of (alveolo)palatal consonants” generally at the postalveolar zone; alveolopalatals are (2013). implemented with the tongue blade, the tongue predor- sum or both at a constriction location which includes the alveolar and front palatal areas as a general rule; purely palatals are realized with the tongue dorsum at the hard palate. The exact closure or constriction location of (alve- olo)palatal consonants may vary depending on factors such as manner of articulation, speaker and language. Thus, the lateral /ʎ/, as in the Italian word aglio “onion”, may be alveolar or alveolopalatal but not purely palatal and thus more anterior than the nasal /ɲ/ (Italian word Gradus 1 (1) 28 bagno “bath”) and the oral stop /c/ (Romansh word notg “night”), which are mostly alveolopalatal but may be purely palatal as well. On the other hand, syllable-onset /j/, as in English yes and Spanish raya “line”, is often purely palatal though may also be articulated with an alveolopalatal central constriction. In light of these place of articulation characteristics, it may be ascertained that tongue dorsum raising behind closure or constriction location for palatoalveolar and alveolopalatal conso- nants is not triggered by the separate activation of the tongue body but by the coupling effects between the pri- mary laminal or predorsal articulator and more posterior tongue dorsum regions, such that the latter are automati- cally raised as the former become involved in closure or constriction formation. Additional evidence in support of the simple, non- complex nature of (alveolo)palatals comes from lingual movement trajectories associated with these consonants. Indeed, an analysis of the lingual trajectories for produc- tions of the sequence /aɲa/ by several Catalan speakers, starting at V1, continuing during the closure or constric- tion period and ending at V2, reveals that the spatiotem- poral characteristics of the alveolopalatal nasal consonant are not related to gestural complexity but to the physico- mechanical properties of the tongue blade and dorsum. EMA (electromagnetic midsagittal articulometry) data for this VCV sequence show that, while the tongue dor- sum is activated before the tongue blade before closure onset and the reverse applies after closure release, the laminodorsal region travels a somewhat smaller distance at a slower speed and for a longer time during the latter period than during the former.12 Moreover, the temporal 12. Recasens and Espinosa, lag between the tongue blade and tongue dorsum dis- “Lingual kinematics and coartic- ulation for alveolopalatal and placement maxima during the production of intervocalic velar consonants in Catalan” /ɲ/ is very short (shorter than 10 ms according to EMA (2010). data for one Catalan speaker reported by Recasens and Romero,13 which confirms the existence of a single artic- 13. Recasens and Romero, ulator. Electropalatographic (EPG) data collected during “An EMMA study of segmental complexity in alveolopalatals and the closure period for the Catalan alveolopalatal nasal palatalized alveolars” (1997). also speaks in favour of a single gesture:14 the degree of 14. Recasens, Fontdevila, tongue contact at closure location increases towards the and Pallarès, “A production and perceptual account of front alveolar zone and towards the back palate from clo- palatalization” (1995). sure onset to about closure midpoint, which appears to be related to an increase in laminodorsal contact against the palate as closure is being formed; the closure release, on the other hand, proceeds from front to back and therefore occurs at the tongue blade before it does at the tongue dorsum since the former, less sluggish, tongue region travels faster than the latter. Moreover, the reason why Gradus 1 (1) 29

(alveolo)palatal consonants (also palatoalveolars) are highly resistant to coarticulatory effects in tongue dor- sum lowering/backing from low and back vowels is not to be sought in the existence of an independent tongue dorsum gesture but in the fact that the contraction of the genioglossus muscle and an increase in tongue-to- palate contact during the closure or constriction period constrains the entire body of the tongue considerably.

(a) Sequence /aɲ/. (b) Sequence /ɲa/. Figure 1: Ultrasound data for Ultrasound data for the /aɲ/ portion of the sequence the sequence /aɲa/ produced by a Catalan speaker. See fig. 4, p. /aɲa/ produced by a Catalan speaker, plotted in fig. 1 (a), 42. reveal that, as shown by the sense of the arrows, the tongue body moves frontward and upward gradually and holistically as it travels from V1 onset to the maximum displacement for the nasal consonant during the closure period. A slow and holistic tongue lowering/backing motion from closure offset (thick line) to V2 offset may also be observed during the /ɲa/ portion of the same sequence, in fig. 1 (b). There is therefore no sign of two separate tongue components which correspond to separate lingual gestures. A different scenario holds in languages in which alve- olopalatal consonants can only occur as realizations of a dentoalveolar + /j/ sequence, mostly in casual speech, as for example the [ɲ]-like and [ʎ]-like realizations of the sequences /nj/ and /lj/ in English words such as onion and scalion. The realizations in question are not phone- mic and thus alternate with [nj] and [lj] and with other intermediate realizations exhibiting different degrees of spatiotemporal proximity between the laminoalveolar gesture for the alveolar consonant and the dorsopalatal gesture for the palatal consonant. This is a typical blend- ing scenario in which two separate lingual gestures yield a single articulatory outcome exhibiting an intermediate Gradus 1 (1) 30 closure or constriction location between the closure or constriction locations for the two consonants in succes- sion.15 In fact, to the ears of speakers of languages in 15. Browman and Gold- which [ɲ] and [ʎ] have phonemic status such as Spanish, stein, “Articulatory gestures as phonological units” (1989). Catalan or Czech, those phonetic realizations sound more like the bigestural palatalized productions of Russian (see below) than like their own simple, non-complex consonant productions. In Early Romance, the realiza- tions [ɲ] and [ʎ] of Latin /nj/ and /lj/ (also [ʃ] of /sj/) became systematic and gave rise to the phonemic units /ɲ/ and /ʎ/ (also /ʃ/) which are found in the present-day , as exemplified by /ʎ/ and /ɲ/ in the Italian words aglio “garlic” and bagno “bath”, which can be traced back to the Latin cognates /áljo/ ALIU and /bánjo/ *BANEU < BALNEU. In sum, a given alve- olopalatal production may correspond at the same time to a blended realization of the primary gestures for two successive consonants (as in English) and to a phonemic unit implemented through a single lingual gesture (as in the Romance languages). In the phonologists’ view, evidence for segmental complexity in (alveolo)palatal consonants may be de- rived from specific sound change and phonological pro- cesses such as on-glide and off-glide insertion. On-gliding triggered by /ʎ/ and /ɲ/ has occurred in Northern Por- tuguese abeilha ‘Portuguese abelha’ “bee” and in Asturian Spanish [peˈkejɲo] ‘Spanish pequeño’ “little”. Off-gliding triggered by [c] may be exemplified with Fassan [cjaf] derived from Latin CAPUT “head”,16 and also with the 16. Elwert, Die Mundart des French word chièvre “goat” derived from Latin CAPRA, Fassa-Tals, p. 67 (1943). whose [j] must have been appended at the time that the originary velar stop was realized as [c] and there- fore before this (alveolo)palatal oral stop shifted to [ʃ] through the intermediate outcome [tʃ].17 An example 17. Recasens, Coarticulation of a phonological process which is supposed to reflect and sound change in Romance (2014). the complex nature of (alveolo)palatal consonants is the splitting into [jn], or better into [jN], in which the nasal [N] is unmarked for place, of preconsonantal word-final /ɲ/ in Majorcan Catalan ([ˈajmbɔ] /áɲbɔ/ any bo “good year”). In our opinion, there is no need to assume that these phonetic realizations are achieved through gestural dissociation and thus, temporal separation of two exist- ing gestures. Indeed, electropalatographic and acoustic data reveal that on-gliding before (alveolo)palatal con- sonants is achieved through the perceptual integration as a separate segment /j/ of the VC formant transitions, which may be longer syllable finally than intervocalically whenever the alveolar contact maximum is delayed con- siderably relative to the dorsopalatal contact maximum.18 18. Recasens, Fontdevila, and Pallarès, “A production and perceptual account of palatalization” (1995). Gradus 1 (1) 31

Therefore, the dissociation of articulatory events does not have to be identified with gestural dissociation, which may certainly take place in the case of bigestural con- sonants such as the bilabial nasal /m/ in syllable- final position.19 19. Krakow, “Physiological organization of syllables: a It has also been proposed that fronted velars need review” (1999). to be specified as complex in order to account forthe fact that they may front into (alveolo)palatal stops, as exemplified by the change /ɡj/ > [ɟ] in the word ghianda “acorn” in Tuscan. Thus, according to Calabrese,20 this 20. Calabrese, Markedness change involves the promotion of the coronal articulator and economy in a derivational model of phonology, p. 311 from secondary in the original fronted velar to primary (2008). in the outcoming (alveolo)palatal stop. This analysis cannot possibly hold since the tongue front stays in a low position and inactive during the production of dorsovelars whether front before front vowels or back before low or back rounded vowels. Within the autosegmental phonology framework, the depalatalization of an (alveolo)palatal into an alveolar is attributed to the delinking of the Dorsal node in the complex consonant. This change takes place in Alguerese Catalan, in which preconsonantal word-final /ɲ/ is re- alized as an alveolar nasal assimilated in place to the following consonant ([ˈambɔ] /áɲbɔ/ any bo “good year”). In our view, the depalatalization in question may be accounted for through articulatory reduction and thus a decrease in tongue contact size all over the palate surface without assuming that a dorsal gesture is present. It may be considered to be just the opposite of the palatalization of /n/ into [ɲ], which may take place through articula- tory strengthening, and thus an increase in tongue contact in prominent positions (Asturian [ˈɲuðo] ñudo from Latin NODU “knot”) or whenever the alveolar has an intrin- sic long duration (Spanish [ˈaɲo] año from Latin ANNU “year”). In view of these considerations, it may be concluded that (alveolo)palatal consonants are implemented through a single lingual gesture in languages in which they have phonemic status. Complex segments exhibiting a sec- ondary tongue dorsum raising and fronting gesture are only available in palatalized consonants of languages like Russian, in which palatalization applies extensively to labials, dentoalveolars and dorsovelars. The independent status of the primary and secondary gestures in this case is consistent with the presence of a 20-30 ms lag between the tongue front and tongue dorsum displacement max- ima for Russian /nj/ in a word like niet “no”.21 Gestural 21. Recasens and Romero, independence also accounts for the fact that, in compari- “An EMMA study of segmental complexity in alveolopalatals and palatalized alveolars” (1997). Gradus 1 (1) 32 son to alveolopalatals, palatalized dentoalveolars show a more anterior closure or constriction location (which is nevertheless more retracted than that for non-palatalized dentoalveolars).

The alveolar lateral

It has been claimed that dark /l/ is specified for two lingual gestures, a primary apical gesture and a secondary tongue body gesture.22 This claim is based on produc- 22. Browman and Gold- tion data for American English /VlV/ sequences with a stein, “Gestural syllable position effects in American English” front vowel showing that the tongue body is activated (1995); Sproat and Fujimura, before the tongue tip in the case of dark /l/ while the two “Allophonic variation in English /l/ and its implications for pho- tongue regions are activated more or less simultaneously, netic implementation” (1993); or else tip activation precedes tongue body activation in Gick, “Articulatory correlates of the case of clear /l/. Moreover, it has also been suggested ambisyllabicity in English glides and liquids” (2003). that, in addition to the consonantal apical raising gesture, all /l/ varieties have a vocalic tongue body gesture which is realized through more or less lowering and retraction depending on the degree of darkness.23 This section criti- 23. Sproat and Fujimura, cally evaluates the arguments which have been put forth “Allophonic variation in En- glish /l/ and its implications in support of the complex nature of the alveolar lateral for phonetic implementation” consonant and, in particular, of its dark variety. (1993); Proctor, “Towards a gestural characterization of An argument in support of the existence of a tongue liquids: evidence from Spanish body gesture for /l/ is the fact that the transition from and Russian” (2011); Proctor, “Gestural characterization of a strongly dark to clear varieties of the consonant proceeds phonological class: the liquids” gradually instead of categorically. This may be taken to (2009). mean that a tongue body gesture is available in all cases, which may be realized through a more or less lowered and retracted tongue body position depending on factors such as syllable position, language and speaker. This possibility is consistent with the existence of no clearcut differences in /l/ darkness degree among languages and among syllable positions within the same language.24 24. Recasens, “A cross- Thus, languages may have a strongly dark variety of /l/ language acoustic study of initial and final allophones of /l/” (Russian), a moderately dark /l/ variety (Eastern Catalan) (2011). or a clear variety of the consonant (Italian). Moreover, in languages of the former group, a strongly dark realization of /l/ occurs typically in all syllable positions, while languages of the second groups show a clearer realization of the alveolar lateral at syllable onset than at syllable coda. In any case, this scenario appears to be partly con- tradicted by the existence of languages showing two extrinsic allophones of /l/ in onset and coda position, namely, strongly clear and strongly dark varieties in the syllable-initial and syllable-final positions, respectively Gradus 1 (1) 33

(Dutch). Another piece of evidence in support of the complex nature of dark and clear /l/ is that the tongue body is quite resistant to vowel coarticulation in the case of the two consonant varieties, which could be indicative that this lingual region is subject to active control by the speakers,25 and, in the case of dark /l/ and as referred 25. Proctor, “Gestural to above, that the tongue body precedes the action of characterization of a phonolog- ical class: the liquids” (2009); the tongue tip during a preceding front vowel. We would Proctor, “Towards a gestural like to argue that the specific tongue body configuration characterization of liquids: evi- dence from Spanish and Russian” for alveolar laterals (whether clearer or darker) is to (2011). a large extent conditioned by laterality requirements. Indeed, the need to let airflow exit through the mouth sides may account for why the consonant is apical and at 26. Lindblad and Lundqvist, “[l] tends to be velarised, apical the same time its production involves more predorsum as opposed to laminal, and lowering and jaw opening than in the case of other den- produced with a low jaw, and toalveolars.26 Therefore, the tongue body lowering and these features are connected” (2003). retraction motion as well as a restricted degree of contex- tual variability associated with these lateral consonants could be conditioned by these manner of articulation requirements rather than by the independent activation of the tongue body.

(a) Sequence /il/. (b) Sequence /li/. Figure 2: Ultrasound data for the sequence /ili/ produced by a Ultrasound data for several Catalan speakers show that Catalan speaker. See fig. 4, p. 42. productions of /l/ which are neither strongly clear nor strongly dark exhibit some more tongue body retraction towards the velar or pharyngeal zones than other den- toalveolars such as /t, d, n/. This tongue body action may be seen during the /il/ portion of the sequence /ili/ in fig. 2 (a); indeed, as shown by the arrows in the graph, dur- ing the vowel preceding the alveolar lateral, the tongue body retracts gradually mostly at its upper region and thus at the velar zone as the tongue front is being raised. On the other hand, according to fig. 2 (b), some tongue Gradus 1 (1) 34 body fronting occurs as the anterior portion of the tongue front is lowered from closure release (thick line) until about V2 midpoint and thus during the /li/ portion of the sequence /ili/. We would also like to claim that the extra u-shaped tongue configuration for dark /l/ is associated with the need to give rise to a darkness acoustic percept by retract- ing the tongue body and lowering the tongue predorsum and the jaw considerably. If so, even though dark /l/ is articulated with a similar tongue configuration to the pharyngealized dentoalveolar consonants of Arabic, the latter consonants, but not the former, should be treated as complex segments involving a secondary tongue body lowering/backing gesture. Another good reason for this assumption is that the tongue body lowering/backing motion may be superimposed on several dentoalveolar consonants in Arabic, while the darkness characteristic is only available for /l/ in English or Portuguese. The fact that dark /l/ and pharyngealized consonants exhibit a similar overall lingual configuration accounts for sev- eral common characteristics, which should not be taken to imply that dark /l/ is a complex segment: all these consonants may be highly resistant to lingual coarticu- latory effects exerted by contextual phonetic segments; the common u-like configuration explains why, as also in the case of pharyngealized dentoalveolars, tongue body activation precedes tongue tip raising before closure and, therefore, much C-to-V anticipatory coarticulation may be available.27 27. Watson, “The directional- ity of emphasis spread in Arabic” Differences in contextual variability and coarticulatory (1999); Watson, The phonology direction between dark /l/ and clear /l/ run against the and morphology of Arabic (2002). notion that clear /l/ should be treated as a complex seg- ment. Indeed, dark /l/ is much more vowel coarticulation resistant than clear /l/, and prevalence of the anticipatory over the carryover direction of the C-to-V coarticulatory effects is by no means obvious in the case of the latter consonantal variety.28 Proctor’s argument that clear /l/ 28. Recasens and Farnetani, ought to be specified for a tongue body gesture because “Articulatory and acoustic proper- ties of different allophones of /l/ it shows less coarticulation than [ð] in Spanish cannot be in American English, Catalan and valid since, as revealed by ultrasound data for Catalan Italian” (1990). and by acoustic data for this language and for Spanish, the dental approximant is far more sensitive to lingual coarticulatory effects than other dentals and alveolars, due to its being realized with an open constriction and involving no strict manner of articulation requirements. Presumable evidence for segmental complexity in /l/ also comes from sound change. It has been contended in this respect that the vocalization of /l/ into [w] if dark Gradus 1 (1) 35 and into [j] if clear speaks in support of the existence of a vocalic tongue body gesture;29 thus, the tongue body 29. Proctor, “Towards a gesture would take over once the tongue tip gesture is gestural characterization of liquids: evidence from Spanish reduced and apical contact ceases to occur. We think that and Russian” (2011). the change in question is better accounted for without assuming the presence of a tongue body gesture. Thus, regarding dark /l/, reduction of the apical gesture is prone to take place syllable-finally before consonants allowing apical contact loss, such as labials and velars,30 30. Browman and Gold- as revealed by vocalization examples like Occitan [ˈawbo] stein, “Gestural syllable position 31 effects in American English” Latin ALBA “dawn” and [fawˈku] FALCONE “falcon”. (1995); Lin, Beddor, and Coet- After contact loss has occurred, the /w/-like tongue zee, “Gestural reduction, lexical frequency, and sound change: a configuration may give rise to a /w/-like acoustic real- study of post-vocalic /l/” (2014). ization whose spectrum has an F2 frequency of about 31. Camproux, Essai de géo- 1000 Hz or less. As to the vocalization of clear /l/ into graphie linguistique du Gévaudan, [j], apical reduction may account for the syllable-final p. 316 (1962). cases reported below, but not for those occurring syllable- initially, which may be attributed more easily to either acoustic similarity, and thus to the fact that both clear /l/ and /j/ share a high F2 frequency above 1500 Hz,32 or 32. Ohala, “Phonetic explana- to the presence of an intermediate alveolopalatal lateral tion in phonology” (1974). stage in the development from /Cl/ to [Cj] (i.e., /Cl/ > [Cʎ] > [Cj]). (/l/ > [j] syllable finally) Central Italian dialects aitro ALTERU “another one”, Ligurian suicu SULCU “furrow”, vuipe VULPE’ “fox”, Emilian aibre ALBARU “popplar”.33 33. Rohlfs, Grammatica stori- ca della lingua italiana e dei suoi (/l/ > [j] syllable initially) Tuscan and Central Italy dialetti (Fonetica), pp. 344–346 fiore FLORE “flower”, chiave CLAVE “key”, pieno PLENU (1966). “full”.34 34. Rohlfs, Grammatica storica della lingua italiana e dei Another sound change which can be interpreted with- suoi dialetti (Fonetica), pp. 243, out reference to an underlying tongue body gesture is 247, 252 (1966). the insertion of an on-glide before the dark alveolar lat- eral, as in the case of the phonetic variants [awl] ALTU “high” in Rhaetoromance and aurdeia for aldeia “village” in Northern Portuguese.35 The phonemic catego- 35. Loriot, “Les caractères rization of the on-glide as /w/ in phonetic variants such originaux du dialecte du Val (Tavetsch) dans la as these may occur when the falling VC transitions are famille des parlers sursilvains” highly prominent and correspond to the lowering/back- (1952); Vasconcellos, Esquisse d’une dialectologie portugaise, ing activity of the tongue body prior to the raising of the p. 96 (1987). tongue front during the vowel. A final issue needs to be raised, namely, howdark /l/ has originated and why it is prone to occur syllable finally rather than syllable initially. In parallel tothe change /r/ > [ʀ],36 it may be hypothesized that dark 36. The alveolar trill, p. 36. realizations of /l/ originated from clearer productions of the alveolar lateral in syllable-final position, where consonants are often articulated with less tongue-to- palate contact than in syllable-onset position. This view Gradus 1 (1) 36 is consistent with the existence of dialects exhibiting extrinsic allophones (clear in onset, dark in coda), and also of other dialects which, in spite of having one of the two /l/ varieties across the board, show a somewhat darker realization of the consonant syllable-finally than syllable-initially (see above).

The alveolar trill

It has also been claimed that the alveolar trill /r/ is specified for two lingual gestures, since it is produced with some tongue body lowering and retraction, as when surrounded by high front vocalic sounds, and is highly resistant to the coarticulatory effects in lingual configu- ration exerted by contextual vowels and other phonetic segments.37 Ultrasound data for the sequence /iri/ pro- 37. Proctor, “Towards a duced by a Catalan speaker reveal indeed some tongue gestural characterization of liquids: evidence from Spanish body backing and predorsum lowering as we proceed and Russian” (2011). from V1 onset to about the trill midpoint (fig. 3 (a)), and the opposite tongue motion, i.e., tongue body fronting and tongue predorsum raising, from the last apical con- tact for the trill (thick line) to V2 offset (fig. 3 (b)).

(a) Sequence /ir/. (b) Sequence /ri/. Figure 3: Ultrasound data for the sequence /iri/ produced by a Little contextual variability both at the alveolar con- Catalan speaker. See fig. 4, p. 42. striction location and in tongue dorsum contact at the palatal zone has been reported to occur for /r/ in Span- ish and Catalan,38 and ultrasound data for the latter 38. Recasens, “Lingual language also reveal considerable resistance to tongue Coarticulation” (1999). body coarticulatory effects during the production of the alveolar trill. There are good reasons to believe that the tongue configuration and kinematic characteristics of the alve- olar trill are not associated with the presence of an in- Gradus 1 (1) 37 dependent tongue body gesture. It has been shown in this respect that the overall tongue shape and the small changes in lingual configuration induced by the adjacent vowels are mainly conditioned by the aerodynamic and articulatory mechanisms required for apical trilling.39 39. Solé, “Aerodynamic characteristics of trills and As pointed out for dark /l/, the fact that the tongue phonological patterning” (2002). body configuration for /r/ is similar to that for pharyn- gealized dentoalvelars does not mean that the trill is a complex segment. In many respects, this lingual config- uration also resembles that of retroflex alveolars, which, to our knowledge, have not been characterized as com- plex in the phonetics and phonology literature: /r/ and retroflex consonants share a retracted tongue tip clo- sure or constriction (postalveolar for /r/, postalveolar or prepalatal for retroflexes) and a lowered predorsum anda retracted tongue body position.40 40. Narayanan, Byrd, and Kaun, “Geometry, kinematics, As attested by data on sound change and phonological and acoustics of Tamil liquid processes, the alveolar trill also parallels both pharyngeal- consonants” (1999); Scobbie, Punnoose, and Khattab, ized dentoalveolars and retroflex consonants in that it “Articulating five liquids: a single favours anticipatory C-to-V and C- to-C effects in clusters speaker ultrasound study of (see Bhat, “Retroflexion: an areal feature” (1973) and Malayalam” (2013). Hamann, “The phonetics and phonology of retroflexes” (2003) for retroflex consonants, and Recasens, Coartic- ulation and sound change in Romance (2014), Watson, “The directionality of emphasis spread in Arabic” (1999) and Watson, The phonology and morphology of Arabic (2002) for /r/ and pharyngealized dentoalveolars). Thus, among other regressive changes, /r/ may cause a preced- ing front vowel to lower and back (Auvergnat [faˈrado] FERRATA “bucket”, Ardennes [lo:r] LARDU “lard”),41 41. Camproux, Essai de géo- and a preceding dental stop to become alveolar as in the graphie linguistique du Gévaudan, p. 96 (1962); Bruneau, Étude case of the heterosyllabic Catalan sequence /tr/ (set rams phonétique des patois d’Ardennes, “seven branches”). p. 233 (1913). Proctor’s assumption that the alveolar tap [ɾ] exhibits a dorsal gesture cannot hold since it lies on the finding that this consonant shows less coarticulation than the dental approximant [ð], which is highly sensitive to coarticulatory effects from vowels.42 Ultrasound and elec- 42. The alveolar lateral, p. 32. tropalatographic (EPG) data for Catalan VCV sequences collected by ourselves reveal no differences in tongue body lowering and retraction or in coarticulation between the alveolar tap and other dentoalveolar consonants such as /t, d, n/, and acoustic data also show a low degree of coarticulatory resistance for this consonant as a function of /i/ vs /a/, which is consistent with its being extremely short.43 43. Recasens and Pallarès, “A study of /ɾ/ and /r/ in the In parallel to the thoughts about the genesis of dark light of the ‘DAC’ coarticulation /l/,44 a word needs to be said about the relationship model” (1999). 44. The alveolar lateral, p. 32. Gradus 1 (1) 38 between apical /r/ and the uvular rhotic /ʀ/, which may be found in all word positions in present-day French and Portuguese dialects. The uvularization of the apical rhotic is prone to have originated through apical contact loss and simultaneous tongue dorsum raising in syllable-final position.45 This hypothesis is in line with the existence 45. Straka, “Contribution à of instances of double articulated rhotics exhibiting a l’histoire de la consonne R en français” (1965). primary apical constriction and a dorsouvular or dor- sopharyngeal constriction in utterance-final position in Canadian French.46 46. Morin, “From apical [r] to uvular [ʀ]: what the apico-uvular r in Montreal French reveals about abrupt sound changes” Discussion and conclusions (2013).

Articulatory data for phonemic (alveolo)palatal conso- nants and the alveolars dark /l/ and the trill /r/ reveal that there is no apparent reason why in languages in which palatalization and pharyngealization/velarization is not distinctive, these consonants should be considered complex segments composed of a primary tongue front gesture and a secondary tongue body gesture which are activated independently by the speaker. Spatiotemporal lingual characteristics, degrees of coarticulatory resis- tance and sound change and phonological processes associated with these consonants, which have been taken as evidence for segmental complexity, may be attributed to other factors. These simple consonants parallel truly complex palatalized and pharyngealized dentoalveolars in that are produced with a similar tongue body config- uration. A contrast has also been established between the blended realizations [ɲ] and [ʎ] of the phonemic sequences /nj/ and /lj/ in English or Early Romance and the phonemic units /ɲ/ and /ʎ/ in Spanish or Czech. Regarding tongue configuration and lingual coarticula- tion, the presence of tongue body lowering and retraction and a more or less pronounced dorsal constriction at the velar or pharyngeal zones appears to be associated with constraints imposed by trilling in the case of /r/ and with requirements on laterality and on the implementation of the darkness percept in the case of dark /l/. On the other hand, the contraction of the genioglossus muscle is responsible for the high and anterior position of the body of the tongue, and for the high degree of tongue body coarticulatory resistance, in the case of (alveolo)palatals and palatoalveolars. Clear /l/ and the tap /ɾ/ do not differ much from other dentoalveolar consonants both regarding tongue body position and coarticulatory re- sistance, though laterality demands may cause clear /l/ Gradus 1 (1) 39 to be articulated with some more tongue predorsum lowering and tongue body retraction. Specific sound changes like on-gliding and off-gliding are not generated from complex consonants through gestural dissociation, but are related to other factors such as an increase of the temporal lag between tongue front and tongue dorsum activation during the vowel preced- ing the consonant or immediately after closure release during the following vowel. The kinematic characteristics of all consonants under analysis are conditioned to a large extent by the physico-mechanical properties of the tongue front and the tongue body, as well as by the target configuration that these lingual regions must adopt fora successful consonant realization. In sum, we believe that complex consonants involv- ing a tongue front gesture and a tongue dorsum gesture should include only palatalized and velarized/pharyn- gealized consonants of languages where palatalization and velarization/ pharyngealization may apply to several consonants differing in primary place of articulation, but not to consonants from other languages which resemble the ones above regarding articulatory configuration and coarticulatory behavior due to their specific manner of articulation requirements.

Acknowledgments

This research was supported by project FFI2013- 40579-P of the Spanish Ministry of Economy and Com- petitiveness, by the ICREA Academia program, and by project 2014SGR61 of the Catalan Government.

References

Albano, Eleonora Cavalcante (2001). O gesto e suas bordas: esboço de fonologia acústico- articulatória do português brasileiro. Campinas: Mercado de Letras. Bhat, Darbhe N. S. (1973). “Retroflexion: an areal feature”. In: Working Papers on Language Universals 13, pp. 27–67. Browman, Catherine P. and Louis Goldstein (1989). “Articulatory gestures as phono- logical units”. In: Phonology 6.2, pp. 201–251. Browman, Catherine P. and Louis Goldstein (1992). “Articulatory phonology: an overview”. In: Phonetica 49.3–4, pp. 155–180. Browman, Catherine P. and Louis Goldstein (1995). “Gestural syllable position effects in American English”. In: Producing speech: contemporary issues (for Katherine Safford Harris). Ed. by Fredericka Bell-Berti and Larry J. Raphael. New York: Woodbury, pp. 19–33. Gradus 1 (1) 40

Bruneau, Charles (1913). Étude phonétique des patois d’Ardennes. Paris: Honoré Cham- pion. Calabrese, Andrea (2008). Markedness and economy in a derivational model of phonology. Berlin: De Gruyter Mouton. Camproux, Charles (1962). Essai de géographie linguistique du Gévaudan. Paris: Presses Universitaires de France. Elwert, Theodor W. (1943). Die Mundart des Fassa-Tals. Heidelberg: Carl Winter. Gick, Bryan (2003). “Articulatory correlates of ambisyllabicity in English glides and liquids”. In: Papers in Laboratory Phonology VI: constraints on phonetic interpretation. Ed. by John Local, Richard Ogden, and Ros Temple. Cambridge: Cambridge University Press, pp. 222–236. Gussenhoven, Carlos and Heike Jacobs (2013). Understanding Phonology. New York: Routledge. Hamann, Silke (2003). “The phonetics and phonology of retroflexes”. PhD thesis. Utrecht University. Keating, Patricia (1991). “Coronal places of articulation”. In: Phonetics and Phonolo- gy. Vol. 2: The special status of coronals: internal and external evidence. Ed. by Carole Paradis and Jean François Prunet. San Diego: Academic Press, pp. 29–48. Keating, Patricia (1993). “Phonetic representation of palatalization versus fronting”. In: UCLA Working Papers in Phonetics 85, pp. 6–21. Krakow, Rena (1999). “Physiological organization of syllables: a review”. In: Journal of Phonetics 27.1, pp. 23–54. Lahiri, Aditi and Vicent Evers (1991). “Palatalization and coronality”. In: Phonetics and Phonology. Vol. 2: The special status of coronals: internal and external evidence. Ed. by Carole Paradis and Jean François Prunet. San Diego: Academic Press, pp. 79–100. Lin, Susan, Patrice Speeter Beddor, and Andries W. Coetzee (2014). “Gestural reduc- tion, lexical frequency, and sound change: a study of post-vocalic /l/”. In: Laboratory Phonology 5.1, pp. 9–36. Lindblad, Per and Sture Lundqvist (2003). “[l] tends to be velarised, apical as opposed to laminal, and produced with a low jaw, and these features are connected”. In: Proceedings of the 15th International Congress of the Phonetic Sciences. Ed. by Maria Josep Solé, Daniel Recasens, and Joaquín Romero. Barcelona: Causal, pp. 1899–1902. Loriot, Robert (1952). “Les caractères originaux du dialecte du Val Tujetsch (Tavetsch) dans la famille des parlers sursilvains”. In: Mélanges de linguistique et de littérature romanes offerts à Mario Roques. Vol. 3. Paris: Didier, pp. 111–138. Morin, Yves Charles (2013). “From apical [r] to uvular [ʀ]: what the apico-uvular r in Montreal French reveals about abrupt sound changes”. In: Studies in phonetics, phonology and sound change in Romance. Ed. by Fernando Sánchez Miret and Daniel Recasens. München: Lincoln Europa, pp. 65–94. Narayanan, Shrikanth S., Dani Byrd, and Abigail Kaun (1999). “Geometry, kinematics, and acoustics of Tamil liquid consonants”. In: Journal of the Acoustical Society of America 106.4, pp. 1993–2007. Ohala, John J. (1974). “Phonetic explanation in phonology”. In: Papers from the Parases- sion on Natural Phonology. Ed. by Anthony Bruck, Robert A. Fox, and Michael W. La Gally. Chicago: Chicago Linguistic Society, pp. 251–274. Operstein, Natalie (2010). Consonant structure and prevocalization. Amsterdam: John Benjamins. Paradis, Carole and Jean François Prunet, eds. (1991). Phonetics and Phonology. Vol. 2: The special status of coronals: internal and external evidence. San Diego: Academic Press. Gradus 1 (1) 41

Proctor, Michael (2009). “Gestural characterization of a phonological class: the liquids”. PhD thesis. Yale University. Proctor, Michael (2011). “Towards a gestural characterization of liquids: evidence from Spanish and Russian”. In: Laboratory Phonology 2.2, pp. 451–485. Recasens, Daniel (1999). “Lingual Coarticulation”. In: Coarticulation. Ed. by William J. Hardcastle and Nigel Hewlett. Cambridge: Cambridge University Press, pp. 80– 104. Recasens, Daniel (2011). “A cross-language acoustic study of initial and final allophones of /l/”. In: Speech Communication 54.3, pp. 368–383. Recasens, Daniel (2013). “On the articulatory classification of (alveolo)palatal conso- nants”. In: Journal of the International Phonetic Association 43.1, pp. 1–22. Recasens, Daniel (2014). Coarticulation and sound change in Romance. Amsterdam: John Benjamins. Recasens, Daniel and Aina Espinosa (2010). “Lingual kinematics and coarticulation for alveolopalatal and velar consonants in Catalan”. In: Journal of the Acoustical Society of America 127.5, pp. 3154–3165. Recasens, Daniel and Edda Farnetani (1990). “Articulatory and acoustic properties of different allophones of /l/ in American English, Catalan and Italian”. In: Proceedings of the First International Conference on Spoken Language Processing. International Speech Communication Association, pp. 961–964. Recasens, Daniel, Jordi Fontdevila, and Maria Dolors Pallarès (1995). “A produc- tion and perceptual account of palatalization”. In: Phonology and phonetic evidence: papers in Laboratory Phonology IV. Ed. by Bruce Connell and Amalia Arvaniti. Cambridge: Cambridge University Press, pp. 265–281. Recasens, Daniel and Maria Dolors Pallarès (1999). “A study of /ɾ/ and /r/ in the light of the ‘DAC’ coarticulation model”. In: Journal of Phonetics 27.2, pp. 143–169. Recasens, Daniel and Joaquín Romero (1997). “An EMMA study of segmental complex- ity in alveolopalatals and palatalized alveolars”. In: Phonetica 54.1, pp. 43–58. Rohlfs, Gerhard (1966). Grammatica storica della lingua italiana e dei suoi dialetti (Foneti- ca). Turin: Einaudi. Scobbie, James M., Reenu Punnoose, and Ghada Khattab (2013). “Articulating five liquids: a single speaker ultrasound study of Malayalam”. In: Rhotics: new data and perspectives. Ed. by Lorenzo Spreafico and Alessandro Vietti. Bolzano: Bozen-Bolzano University Press, pp. 99–124. Solé, Maria Josep (2002). “Aerodynamic characteristics of trills and phonological patterning”. In: Journal of Phonetics 30.4, pp. 655–688. Sproat, Richard and Osamu Fujimura (1993). “Allophonic variation in English /l/ and its implications for phonetic implementation”. In: Journal of Phonetics 21, pp. 291–311. Straka, Georges (1965). “Contribution à l’histoire de la consonne R en français”. In: Neuphilologische Mitteillungen 66.4, pp. 572–606. Vasconcellos, José Leite de (1987). Esquisse d’une dialectologie portugaise. 3rd ed. Lisboa: Instituto Nacional de Investigação Científica. Watson, Janet C. E. (1999). “The directionality of emphasis spread in Arabic”. In: Linguistic Inquiry 30.2, pp. 289–300. Watson, Janet C. E. (2002). The phonology and morphology of Arabic. Oxford: Oxford University Press. Gradus 1 (1) 42

Figure 4: Lingual configuration data for the sequences /aɲa/, /ili/ and /iri/ produced by a Catalan speaker, collected with ultrasound. (Left graphs) Lingual splines from V1 onset to V1 offset (discontinuous lines) and from closure onset to about closure offset (thick lines). (Right graphs) Lingual splines at about closure offset (thick line) and from V2 onset to V2 offset (discontinuous lines). The temporal evolution of the splines is indicated by the orientation of the arrows. The front of the mouth is on the right edge of the graph.

Figure 4: figure Há tendência para agrupamento segmental em classes naturais no balbucio e nas palavras iniciais?

DOI: 10.47627/gradus.v1i1.103

Maria de Fátima de Almeida Baia [email protected] Universidade Estadual do Sudoeste da Bahia

Gradus Revista Brasileira de Fonologia de Laboratório

Vol. 1, nº 1 Dezembro de 2016 https://gradusjournal.com/index.php/gradus/article/view/3

Bibtex: @article{baia2016agrupamento, author = {Maria de Fátima de Almeida Baia}, issn = {2526-2718}, doi = {10.47627/gradus.v1i1.103}, journal = {Gradus}, month = {dec}, number = {1}, pages = {43–66}, title = {Há tendência para agrupamento segmental em classes naturais no balbucio e nas palavras iniciais?}, volume = {1}, year = {2016}}

Este texto pode ser livremente copiado, sob os termos da licença Creative Commons Atribuição-NãoComercial 4.0 Interna- https://creativecommons.org/ cional (CC BY-NC 4.0). licenses/by-nc/4.0/deed.pt_BR Gradus 1 (1) 44

Resumo

Este estudo segue a perspectiva dos Sistemas Adaptati- vos Complexos1 e investiga se há evidências na aquisição 1. Thelen e Smith, A Dynamic do português brasileiro (doravante PB) para combinações Systems Approach to the Devel- opment of Cognition and Action preferenciais de CV no balbucio e nas produções iniciais (1994); Larsen-Freeman e como MacNeilage, Davis et al.2 propõem. Os autores Cameron, Complex systems and observam em dados de crianças adquirindo diferentes applied linguistics (2008). 2. MacNeilage, Davis et al., línguas ocorrências de três padrões combinatórios prefe- “The motor core of speech: a renciais em sílaba CV: consoantes coronais produzidas comparison of serial organi- zation patterns in infants and com vogais anteriores, consoantes dorsais produzidas languages” (2000). com vogais posteriores, e consoantes labiais com vogais centrais. Essas combinações segmentais compartilham posições no trato vocal e são compatíveis com as classes naturais propostas por Clements e Hume3 no modelo 3. Clements e Hume, “The unificado de traços, no qual vogais e consoantes podem internal organization of speech sounds” (1995). ser classificadas como labiais, dorsais e coronais. Embora este estudo não siga uma perspectiva inatista, o uso de classes naturais na análise não é contraditório, pois assim como há proposta inatista,4 há proposta emergentista5 4. McCarthy e Prince, “Pro- para o fenômeno, segundo a qual os padrões comuns sodic Morphology I: constraint interaction and satisfaction” fônicos seriam resultados de mudanças históricas. Após (1993); Clements e Hume, “The análise de dados longitudinais de um estudo de caso, internal organization of speech concluímos que os dados de balbucio e iniciais do PB sounds” (1995). 5. Mielke, “Distinctive feature não sustentam a hipótese de que as combinações iniciais emergence” (2005). seriam de segmentos de uma mesma classe natural. Palavras-chave: balbucio; palavras iniciais; Sistemas Adaptativos Complexos.

Abstract

This study follows a Complex Adaptive System view6 6. Thelen and Smith, A and investigates if there is any evidence in Brazilian Por- Dynamic Systems Approach to the Development of Cognition and tuguese (henceforth BP) acquisition of CV combinations Action (1994); Larsen-Freeman preferences in babbling and early speech as MacNeilage, and Cameron, Complex systems Davis, et al.7 propose. The authors observe in child data and applied linguistics (2008). 7. MacNeilage, Davis, et al., from different languages three CV co-occurrence prefer- “The motor core of speech: a ences: coronal consonants co-occur with front vowels, comparison of serial organi- zation patterns in infants and dorsal consonants with back vowels, and labial conso- languages” (2000). nants with central vowels. These consonantal and vocalic segment combinations share positions in the vocal tract and are compatible with the natural classes proposed by Clements and Hume8 in their unified feature proposal, 8. Clements and Hume, “The in which vowels or consonants can be classified as labial, internal organization of speech sounds” (1995). dorsal or coronal. Although this study does not follow an innatist view, the use of natural classes in the analysis of segmental combinations is not contradictory as there Gradus 1 (1) 45 is the emergentist claim for the natural classes, which explains common sound patterns as result of common historical changes,9 in addition to the innatist claim.10 9. Mielke, “Distinctive feature After analyzing longitudinal data of a case study, we con- emergence” (2005). 10. McCarthy and Prince, clude that BP babbling and early words do not support “Prosodic Morphology I: con- the claim of combination preferences. straint interaction and satis- faction” (1993); Clements Keywords: babbling; early words; Complex Adaptive and Hume, “The internal or- Systems. ganization of speech sounds” (1995). Introdução

Este estudo investiga se há evidência de preferência de combinação de segmentos na aquisição do português brasileiro (PB), analisando produções de balbucio e pa- lavras iniciais. Davis e MacNeilage11 e MacNeilage, 11. Davis e MacNeilage, Davis et al.12 propõem, com base nas limitações arti- “The Articulatory Basis of Babbling” (1995). culatórias, que as produções infantis iniciais seriam de 12. MacNeilage, Davis et al., segmentos de uma mesma classe natural. A perspectiva “The motor core of speech: a dinâmica de desenvolvimento13 norteia nossa investiga- comparison of serial organi- zation patterns in infants and ção, perspectiva que compreende o desenvolvimento da languages” (2000). linguagem como um processo de evolução caracterizado 13. Thelen e Smith, A Dy- pela variabilidade. namic Systems Approach to the Development of Cognition and Desde a obra clássica de Jakobson,14 Child language, Action (1994). aphasia and phonological universals, um dos estudos pi- 14. Jakobson, Child lan- guage, aphasia and phonological oneiros sobre desenvolvimento fonológico e o marco universals ([1941]1972). inicial do debate a respeito de como seria a transição do balbucio para as primeiras palavras, muito tem sido debatido acerca da natureza das primeiras produções infantis. Na visão do autor, o período das primeiras pa- lavras seria diferente do período anterior do balbucio por ser governado por leis fonológicas da língua-alvo, leis responsáveis pelas semelhanças entre a fala infantil emergente e a fala adulta. Para Jakobson, durante o período pré-linguístico, a criança produz um conjunto aleatório de sons, seguido de um período de silêncio após o qual começaria a aprender sistematicamente os sons da língua materna. O período do balbucio é ainda caracterizado como o período de sucção restrito ao jogo solitário da criança (p. 34), que difere do período das primeiras palavras, no qual a criança passa a reconhecer que os sons têm um valor distintivo e não os usa arbitra- riamente como no balbucio. O balbucio, segundo a visão jakobsoniana, é um fenômeno universal largamente deter- minado por um programa biológico, e, apenas quando as primeiras palavras aparecem, características específicas da língua a ser adquirida passam a surgir. Em defesa de uma descontinuidade entre balbucio e Gradus 1 (1) 46 primeiras palavras, Jakobson propõe que o período do balbucio é um período pré-linguístico com características puramente fonéticas, um estágio no qual o bebê produz um conjunto aleatório de sons e que apresenta muita variação para ser defendida alguma relação entre ele e o período fonológico.[A] As notas da autora são indicadas com letras maiúsculas, e estão ao É partindo da obra de Jakobson que surgem estudos final do texto, na p. 63. defendendo diferentes unidades mínimas de desenvolvi- mento fonológico, alguns defendendo aspectos universais nas combinatórias segmentais iniciais15 e outros enfati- 15. MacNeilage, Davis et al., zando a variabilidade e o caráter relativo dos aspectos “The motor core of speech: a 16 comparison of serial organi- fônicos iniciais e suas combinações. zation patterns in infants and languages” (2000). 16. Vihman, Phonological de- velopment: the origins of language Sistemas Adaptativos Complexos e in the child (1996). desenvolvimento da linguagem sem dicotomias

Diferentemente do primeiro momento da geração cognitiva,17 que propõe a existência de um órgão mental 17. Chomsky, Reflections on particular para a linguagem, os estudos que fazem parte language (1975). da terceira geração cognitiva, i.e., do paradigma Sistemas Adaptativos Complexos, defendem que a faculdade da linguagem não é uma função cognitiva estática e fechada, mas uma habilidade cognitiva que depende de outros aspectos, tais como capacidades motoras e auditivas e, principalmente, estímulo do ambiente. Não há estrutura ou regra geneticamente determinada ou programada, e o desenvolvimento da linguagem é entendido como um processo comportamental e emergente. No que se refere às dicotomias presentes na proposta mentalista, e.g. mente/cérebro e competência/per- formance, segundo Barbosa,18 o princípio da auto- 18. Barbosa, Incursões em organização pressupõe o abandono delas. O autor, por torno do ritmo da fala, p. 6 19 (2006). basear-se na Fonologia Articulatória, defende uma visão 19. Browman e Goldstein, comensurável entre planejamento da fala e sua execu- “Articulatory phonology: an ção, deixando de usar o termo representação por estar overview” (1992). associado ao planejamento simbólico.20 20. Barbosa, Incursões em torno do ritmo da fala, p. 7 A outra dicotomia abandonada é a da competência/per- (2006). formance. Chomsky21 defende uma teoria da competên- 21. Chomsky, Aspects of the cia, que estuda os universais linguísticos e caracteriza as Theory of Syntax (1965). propriedades formais que definem o número possível de línguas naturais. O linguista não leva em consideração na sua proposta o papel cognitivo da memória, atenção e ou- tros fatores de performance em processos linguísticos. Por levar em consideração a importância de outros aspectos cognitivos e de acordo com Thelen e Smith,22 a posição 22. Thelen e Smith, A Dy- namic Systems Approach to the Development of Cognition and Action (1994). Gradus 1 (1) 47 assumida no presente trabalho é a de que a competência seria extremamente limitada se não houvesse interação entre ela e tudo o que seria performance. Além disso, o que tem ocorrido na literatura que assume a dicotomia é

The problem with the competence-performance distinction is that no one competence alone is ever enough in any domain. This is why there is no agreed upon set of competencies. The developmentalist who studies language cites performance limitations in concepts (e.g., CLARK, 1972; HOOD; BLOOM, 1979). The developmentalist who studies concepts cites performance limitations in language (Donaldson, 1978). There is no way out of this quandary because real on-time cognition about the real world requires it all — concepts and language and memory and attention and more. 23 23. Thelen e Smith, A Dy- namic Systems Approach to the Development of Cognition and A rejeição do pensamento dualístico resulta em uma Action, p. 26 (1994). mudança radical no que as teorias de desenvolvimento as- sumiam até a segunda formação da geração cognitiva.[B] Trata-se, dessa maneira, de uma perspectiva de desenvol- vimento da linguagem que reconhece a importância da interação entre cérebro e mente, e entre competência e performance. Além disso, nessa perspectiva, a mudança está em foco assim como a estabilidade ao longo do percurso. Vihman, Depaolis e Keren-Portnoy,24 em um es- 24. Vihman, Depaolis e tudo que apresenta uma perspectiva da complexidade Keren-Portnoy, “Babbling and words: a dynamic systems para o desenvolvimento da linguagem e que abandona perspective on phonological o raciocínio dualístico, explicam que, enquanto estudos development” (2008). que adotam uma perspectiva mentalista e inatista ten- tam responder a perguntas como: o que realmente precisa ser aprendido e o que a criança precisa reconhecer como dados mais importantes para a fixação de parâmetros — aquisição de regras ou ranqueamento de restrições?, uma proposta que nega a existência da Gramática Universal (GU) depara-se com outras questões: com qual conheci- mento, se há, a criança começa e como a criança adquire conhecimento em relação à estrutura linguística e ao sis- tema da língua? Seguindo a proposta de Braine,25 que 25. Braine, “Is nativism questiona a suficiência de um modelo inatista para expli- sufficient?” (1994). car o desenvolvimento da linguagem, Keren-Portnoy, Majorano e Vihman26 argumentam que a origem da 26. Keren-Portnoy, Ma- complexa capacidade de produção de fala se deve a um jorano e Vihman, “From phonetics to phonology: the mecanismo poderoso de aprendizagem atrelado ao funci- emergence of first words in onamento da memória, que opera simultaneamente com Italian” (2008). o sistema motor de fala, e não a um conhecimento de princípios linguísticos pré-armazenados. Gradus 1 (1) 48

Após a exposição acerca da aplicação da teoria de Sis- temas Dinâmicos nos estudos de linguagem, espera-se que tenha ficado claro ao leitor que linguagem, nessa perspectiva, é entendida como uma habilidade cognitiva que depende de outros aspectos cognitivos e mecanismos como atenção, memória, capacidades motoras e auditivas. Ao assumir tal perspectiva, o estudo anula dicotomias de elementos que operam isoladamente e enfatiza o papel da interação. Ademais, mudança, gradiência, instabilidade, variabilidade e não linearidade são contempladas no es- tudo do funcionamento da linguagem a fim de se verificar o paralelismo presente na ocorrência dos processos e o princípio da auto-organização. Em resumo, trata-se de uma perspectiva emergentista da linguagem.

A emergência da fonologia: do balbucio às palavras iniciais

Sabe-se que as primeiras produções articulatórias da criança não começam apenas no balbucio. Antes do bal- bucio, ou seja, antes dos seis meses, ocorre a produção de sons descritos como cooing. Nesse tipo de produção, a língua fica aproximadamente na posição de descanso e os sons iniciais são produzidos de uma maneira inde- terminada em relação à posição da língua e dos demais articuladores. Esses sons, gradualmente, passam a ficar mais parecidos com vogais, particularmente semelhantes a [i] e [u].27 Entre os seis e oito meses, o bebê passa a 27. Yule, The study of language produzir um número mais variado de sons consonantais ([1985]2010). e vocálicos distribuídos em combinações como gagaga ou bababa, período então descrito como balbucio. Em geral, assume-se que o balbucio pode ser definido como uma repetição de movimentos articulatórios durante a fonação contínua ou interrompida em um ciclo respiratório, e movimentos que resultam em produção de sílabas CV, padrão descrito como balbucio canônico por Jordens e Lalleman.28 28. Jordens e Lalleman, Language Development (1988). O estudo de Jordens e Lalleman traça um para- lelo entre os movimentos iniciais por meio dos quais o balbucio é produzido com os movimentos das mãos e o balançar da cabeça dos bebês, o que colocaria o balbucio como parte do desenvolvimento motor e o distanciaria de um período com abstração envolvida, o período fono- lógico. O achado dos autores é de grande importância para os estudos de desenvolvimento fonológico de acordo com a perspectiva dinâmica, pois, assim como Thelen e Smith,29 mostram a interação entre desenvolvimento de 29. Thelen e Smith, A Dy- namic Systems Approach to the Development of Cognition and Action (1994). Gradus 1 (1) 49 fala e outro tipo de movimento corporal. Quanto aos movimentos articulatórios iniciais pre- sentes no balbucio, isto é, o padrão de repetição CV, há consenso de que, nesse período, é frequente o balbucio reduplicado (também chamado de balbucio canônico), podendo ser definido como sequências idênticas ou quase idênticas de sílabas CV. Há também o balbucio não reduplicado (ou variegado), no qual a sequência de con- soantes ou vogais muda, como em bameba, relativamente frequente desde o início do balbucio.30 Os dois tipos de 30. Davis e MacNeilage, balbucio são também acompanhados por produções isola- “The Articulatory Basis of 31 Babbling” (1995). das de V ou CV, como Lewis observa e caracterizados 31. Lewis, Infant speech: a por uma fonação que consiste em uma alternância de study of the beginning of language abertura e fechamento da boca. (1936). Há duas explicações a respeito dos movimentos iniciais e articuladores envolvidos na produção das primeiras síla- bas balbuciadas. A Teoria Arcabouço/Conteúdo — Frame, then Content32 — defende que os movimentos ocorrem 32. MacNeilage e Davis, por meio da alternância boca fechada/boca aberta, o que “Acquisition of speech produc- tion: achievement of segmental resultaria na produção de um molde bifásico de oscilação independence” (1990); MacNei- mandibular, em que existe elevação para as consoantes lage, “Acquisition of speech” (1999); MacNeilage, Davis e depressão para as vogais. O termo “arcabouço” (frame) et al., “The motor core of speech: significa, na teoria, oscilação rítmica entre o maxilar a comparison of serial organi- aberto e fechado com um pouco do “conteúdo” (content) zation patterns in infants and 33 languages” (2000). intrassilábico ou intersilábico. Tais termos são usa- 33. Davis e MacNeilage, dos como uma metáfora para explicação do movimento “The Articulatory Basis of articulatório.[C] Babbling” (1995). O desenvolvimento dos movimentos, segundo a visão da Arcabouço/ Conteúdo, é compartilhado pelos bebês independentemente da língua. Segundo MacNeilage,34 34. MacNeilage, “Acquisition não só os processos fonológicos iniciais podem ser ates- of speech” (1999). tados universalmente no período das primeiras palavras (e.g. reduplicação, assimilação, elisão), mas também uma sequência universal de sons é encontrada no período pré-linguístico: antes do balbucio as crianças apresentam um estágio de pré-balbucio (0-7 meses), quando as cate- gorias naturais dos sons emergem por causa dos aparatos facial, respiratório e digestivo, que já estão combinados em um certo grau; o estágio do balbucio (7-12 meses) dá sequência com as crianças começando a balbuciar em uma alternância rítmica entre abrir e fechar a boca; finalmente, vem o terceiro estágio das cinquenta palavras (12-18 meses), quando uma criança com desenvolvimento típico produz suas primeiras palavras. MacNeilage afirma que existem algumas características gerais dobal- bucio que podem ser encontradas na maioria das línguas: consoantes como [t], [d] e [n] e o glide palatal [j] tendem a ocorrer com vogais anteriores, as velares [k], [ɡ], com Gradus 1 (1) 50 vogais posteriores e as labiais [p], [b] e [m], com vogais centrais. O autor afirma35 que “[…] both of these tenden- 35. MacNeilage, “Acquisition cies were attributed to the tendency of the infant tongue of speech”, p. 314 (1999). to not move large distances in short periods of time”.[D]

Quadro 1: Classe natural e a combinação inicial dos segmen- Classe natural Consoantes Vogais tos. Embora este estudo não siga uma visão inatista, o uso de [labial] labiais arredondadas ou classes naturais na análise das labializadas combinações segmentares não é contraditório por haver uma [coronal] coronais anteriores abordagem emergentista para as classes naturais, segundo a [dorsal] dorsais posteriores e qual os padrões de som comuns podem ser entendidos como centrais resultado de mudanças históricas comuns e princípios de economia. Mielke, “Distinctive feature emergence” (2005).

Em geral, com exceção da combinação de consoantes labiais com vogais centrais, as combinações iniciais obser- vadas por MacNeilage são de segmentos pertencentes a uma mesma classe natural.36 36. Clements e Hume, “The internal organization of speech Todavia, apesar de os teóricos da Arcabouço/Conteúdo sounds” (1995). apresentarem padrões de combinação universal de sons baseados em dados infantis da fala, para Goldstein, Byrd e Saltzman,37 com base na Fonologia Articulató- 37. Goldstein, Byrd e ria, a explicação da Arcabouço/Conteúdo a respeito da Saltzman, “The role of vocal tract gestural action units in alternância inicial de sílabas CV não é convincente por se understanding the evolution of prender apenas ao movimento da mandíbula. Goldstein, phonology” (2006). Byrd e Saltzman defendem que, em uma sílaba CV, o movimento está in-phase (ocorre ao mesmo tempo) e, em VC, é anti-phase (não ocorre ao mesmo tempo); por isso, o primeiro tipo seria o inicial e universal, pois não exige movimentos mais complexos. Além disso, segundo os autores, a produção de um padrão CV envolve não apenas o movimento da mandíbula, como MacNeilage acredita,38 mas também requer movimento independente 38. MacNeilage, “Acquisition da língua e/ou dos lábios. A explicação dos autores da of speech” (1999). Fonologia Articulatória parece, assim, mais plausível por não se prender apenas ao movimento mandibular. Além disso, Albano, em uma releitura da proposta de Davis e MacNeilage,39 levanta algumas complicações em rela- 39. Davis e MacNeilage, ção à quantificação dos dados realizada.40 Os dados do “The Articulatory Basis of Babbling” (1995). coreano, investigados pelos autores, mostraram não ir ao 40. Albano, “Descontruindo encontro do defendido pelo próprio estudo. uma influente perspectiva atual em aquisição da fonologia: a Os estudos reportados até então apresentam as ca- teoria ‘Arcabouço-Conteúdo’” racterísticas do balbucio, mas não as relacionam com o (2011). período das primeiras palavras diretamente. A compara- Gradus 1 (1) 51

ção é feita por Vihman, Macken et al.,41 que comparam 41. Vihman, Macken et al., padrões fonéticos, fonotáticos e referentes ao tamanho “From babbling to speech: a re-assessment of the continuity da palavra em dados de balbucio e de primeiras palavras. issue” (1985). Os autores notam semelhanças entre os dois tipos de produção no que se refere à prosódia e aos segmentos, isto é, não encontram características linguísticas que com- provem haver uma barreira entre os dois momentos. Em outro estudo, Boysson-Bardies e Vihman42 questionam 42. Boysson-Bardies e Vih- o aspecto universal dos sons do balbucio defendido por man, “Adaptation to language: 43 evidence from babbling and first Jakobson por observar a emergência de diferentes words in four languages” (1991). sons consonânticos e vocálicos na análise de dados de 43. Jakobson, Child lan- balbucio de diferentes línguas (inglês, sueco, francês e guage, aphasia and phonological universals ([1941]1972). japonês). Os autores observam, por exemplo, que sons consonânticos e vocálicos presentes no balbucio de crian- ças adquirindo o inglês não são os mesmos presentes no balbucio de crianças adquirindo o sueco. Keren-Portnoy, Majorano e Vihman, em um es- tudo com base na perspectiva da complexidade, defendem a importância da prática do balbucio, da atenção e da me- morização na emergência das primeiras palavras.44 Para 44. Keren-Portnoy, Ma- os autores, a prática do balbucio facilita a identificação jorano e Vihman, “From phonetics to phonology: the e a padronização das primeiras palavras, o que explica emergence of first words in a ocorrência de palavras reduplicadas, que comparti- Italian” (2008). lham características com o balbucio canônico, no período inicial de aquisição fonológica. Ao mesmo tempo que Keren-Portnoy, Majorano e Vihman defendem que o trajeto do balbucio para formação das primeiras palavras é universal (prática do balbucio seguida por padroniza- ção — templates — e depois por produção acurada), os autores não deixam de ressaltar os aspectos individuais no percurso de cada criança. Embora os estudos de Vihman, Macken et al.45 apre- 45. Vihman, Macken et al., sentem evidências contra a universalidade proposta por “From babbling to speech: a 46 re-assessment of the continuity Jakobson para os aspectos sonoros do balbucio e issue” (1985). ressaltem a influência da fonotática presente no balbu- 46. Jakobson, Child lan- cio tardio nas palavras iniciais, o trabalho dos autores guage, aphasia and phonological universals ([1941]1972). não dialoga e revisita, como este estudo, a proposta de combinações segmentais universais nos dados iniciais de MacNeilage, Davis et al.47 47. MacNeilage, Davis et al., “The motor core of speech: a Na sequência, apresentamos a análise dos dados de de- comparison of serial organi- senvolvimento fonológico do PB e sua fonotática inicial. zation patterns in infants and languages” (2000). Metodologia

São analisados dados longitudinais de uma criança do sexo masculino: M. 09–2;0, 16 sessões/meses, 1975 tokens. As sessões analisadas são mensais e com duração Gradus 1 (1) 52 de trinta minutos. Os tokens são compostos por produções selecionadas, produções de acordo com a forma-alvo, e adaptadas, adaptações da forma-alvo. Os dados pertencem ao banco de dados A Aquisição do Ritmo em Português Brasileiro.48 Todos os dados, transcri- 48. Santos, A Aquisição do tos auditivamente pela autora deste trabalho com o uso Ritmo em Português Brasileiro (2005). do alfabeto fonético internacional (IPA), contaram com a verificação e julgamento de um foneticista. Houve 90% de concordância entre os dois transcritores, indicando que os dados foram corretamente transcritos. A respeito dos 10% discordantes, após discussão, chegou-se a um acordo sobre a produção. São analisados tokens na presente pesquisa, diferente- mente dos outros estudos sobre desenvolvimento fono- lógico que consideram types.49 Optamos pela análise de 49. Vihman e Velleman, tokens, pois se apenas types fossem considerados, pistas “Whole-word Phonology and templates: trap, bootstrap, or ou evidências de diferentes combinatórias segmentais some of each?” (2002); Vihman poderiam ser deixadas de lado. Por exemplo, M. apre- e Croft, “Phonological develop- ment toward a ‘radical’ templatic senta as seguintes produções para a palavra “aranha” phonology” (2007). em uma mesma sessão (1;6): [a.ˈbo] [a.ˈla.nɪa] [a.ˈla.ɲa] [a.a.ˈã.ɲa] [a.ˈã.ɲa] [a.ˈi.ɲa] [a.ˈa.ɲa] [a.ˈi.ã] [a.ˈda.ɪa] [a.ˈja.ja] [a.ˈba.ɪa] [ma.ˈɪa.ɲa]. Se o critério para a esco- lha do type fosse frequência de ocorrência, mais de um type seria escolhido por não ter havido produção que se sobressaiu em relação às demais. Foram feitas duas categorizações quanto aos dados. Pri- meiramente, entre o que é balbucio e palavra, seguindo os critérios de Vihman e McCune,50 pois o estudo de 50. Vihman e McCune, dados iniciais, que parte da classificação do que pode ou “When is a word a word?” (1994). não ser avaliado como palavra, exige categorização de- vido às tênues diferenças entre o que é palavra ou não no período inicial da fala. Por certo, o contexto, semelhança fônica e a repetição da palavra com o uso constante de um mesmo sentido são fundamentais para a categoriza- ção, mas não são os únicos critérios considerados para a classificação dos dados inicias (balbucio e palavra). Com o intuito de categorizar os dois tipos de produção de uma maneira rigorosa, é preciso, indubitavelmente, comparar os dados entre si. No entanto, só a comparação interna não é suficiente. É preciso partir de uma categorização geral baseada em critérios que possam ser e tenham sido checados na análise de dados de diferentes crianças. Vihman e McCune,51 baseados na análise de dados 51. Vihman e McCune, de transição do balbucio às primeiras palavras de dez “When is a word a word?” (1994). crianças entre nove meses e um ano e seis meses de idade, propõem critérios que partem de parâmetros contextuais e fônicos para determinarem quando a palavra pode ser entendida como palavra fonológica. Sobre a necessidade Gradus 1 (1) 53 de haver tais critérios, os autores lembram que tal pre- ocupação de reconhecer o que seria “primeira palavra” tem acompanhado especialistas em fala infantil antes do advento da pesquisa psicolinguística contemporânea. Termos e conceitos têm sido propostos na busca por delimitação e entendimento acerca das produções inici- ais; por exemplo, “holófrase”, para palavra isolada que pode ser entendida, na verdade, como uma sentença;52 52. Laguna, Speech: its e “vocábulo”, termo proposto para não haver distinção function and development (1927). equivocada entre o que seria uma palavra de acordo com o alvo ou algum outro tipo de verbalização.53 O que se 53. Werner e Kaplan, percebe é que o ponto de vista assumido pelo pesquisador Symbols formation (1963). recorta e interpreta diferentemente o objeto. Vihman e McCune54 propõem, então, uma nova metodologia para 54. Vihman e McCune, identificação de palavra sem apresentar novos termos “When is a word a word?” (1994). ou conceitos. Em vez de novas terminologias, os autores sugerem o uso de critérios fonológicos que levem em consideração o contexto de interação também. Os critérios são aplicados antes na seleção prévia das produções que levantam dúvidas. O candidato à palavra que suscita dúvidas quanto à sua categorização deve apresentar aspectos fônicos próximos ao do alvo e/ou pistas de contexto específico de uso para não ser descartado de início. Após a identificação daqueles que suscitam dúvidas, os seguintes critérios são seguidos:

A Critérios baseados no contexto: determinativo – verifica-se se a palavra ocorre em um contexto su- gestivo de uma determinada palavra e não de outra; identificação materna — verifica-se por meio do estudo da interação adulto e criança, ou seja, se o adulto en- tende o candidato à palavra da mesma maneira que o pesquisador; uso múltiplo – verifica-se se a criança utiliza a mesma produção mais de uma vez no mesmo episódio; episódios múltiplos – verifica-se se a criança utiliza a mesma produção em diferentes episódios. B Critérios baseados no modelo de vocalização: cor- respondência complexa – verifica-se se a produção da criança contém mais de dois segmentos da forma alvo; correspondência segmental exata – verifica-se se até um ouvido não treinado reconheceria a produção da criança como sendo idêntica à produção–alvo; corres- pondência prosódica – verifica-se se as características prosódicas são as mesmas presentes na forma alvo, i.e., posição de acento, tipo e quantidade silábica. C Critérios baseados em outras vocalizações: tokens imitados – verifica-se se o candidato à palavra éuma produção imitada e se a criança compreende o que Gradus 1 (1) 54

imita; ausência de variação – verifica-se se o candidato à palavra é repetido mais de uma vez sem variação fonética; ausência de usos inapropriados – verifica-se se a produção mantém o mesmo significado em diferentes contextos.

A correspondência fonética, segundo os autores, não é cópia idêntica dos segmentos do alvo.[E] Vogais que ocupam lugares vizinhos no quadro do IPA, por exemplo [a] sendo produzido como [ə] em “casa”, não são trata- das como diferentes seguindo os critérios propostos. O critério de correspondência também é obedecido quando consoantes são produzidas com aspiração quando o alvo não o é, e sibilantes produzidas com troca de ponto de articulação. Vihman e McCune55 propõem que um bom candidato 55. Vihman e McCune, será aquele que respeitar no mínimo quatro critérios. O “When is a word a word?” (1994). presente estudo faz uso de todos os critérios e assume o número mínimo proposto pelos autores na análise dos dados. As produções que não satisfizerem pelo menos quatro critérios serão categorizadas como balbucio e estão fora da análise deste estudo.

Resultados e discussão

Para a análise da combinatória segmental em sílabas balbuciadas, a organização dos dados foi feita levando em consideração as classes naturais. O intuito foi o de realizar uma análise interna das combinações segmentais do balbucio para verificar, posteriormente, a sua relação com as combinações presentes nas palavras.[F] As combinatórias das produções do balbucio de M. foram organizadas e analisadas seguindo a classificação proposta por Clements e Hume.56 É importante ressaltar 56. Clements e Hume, “The que o uso de tal classificação, que se originou em um internal organization of speech sounds” (1995). estudo inatista, não implica assumir, neste trabalho, que o sistema categorial é inato. Independente da perspectiva teórica, há evidências de que segmentos que comparti- lham propriedades fonéticas tendem a estar juntos em processos fonológicos, fato que uma perspectiva por mais emergentista que seja, como a do presente estudo, não pode ignorar.[G] Gradus 1 (1) 55

É sabido que as crianças trilham o caminho do de- senvolvimento fonológico manipulando e aprendendo o inventário segmental, a fonotática e os padrões de alterações da língua.57 57. Vihman e Menn, “features in child phonology” (2011); A maneira como tal manipulação ocorre oferece evidên- Gerken, Language development cias de que há uso de classes fonológicas ativas discretas (2008). por mais que a gradiência também seja atestada.58 [H] 58. Vihman e Menn, “features in child phonology” (2011); Nove categorias foram criadas partindo das classes Gerken, Language development naturais para análise da combinatória segmental: (2008). CC (coronal + coronal) _ CDL (coronal + dorsal labial)59 59. Na categorização, separou- se a dorsal [a] das dorsais labiais CD (coronal + dorsal) (arredondadas) [ɔ, o, u]. DC (dorsal + coronal) _ DDL (dorsal + dorsal + dorsal labial) DD (dorsal + dorsal) LC (labial + coronal) _ LDL (labial + dorsal labial) LD (labial + dorsal). Nos dados totais de balbucio, das 410 combinações analisadas, predominou a combinação DD (24%, 100), seguida de CD (20%, 81), DC (12%, 48), LD (11%, 45), LC (11%, 44), CC (10%, 42), DD͡L (5%, 21), LD͡L (5%, 21) e CD͡L (2%, 8). As combinações DD e CD predominaram no conjunto total dos dados e a preferência está, princi- palmente, no tipo de vogal (dorsal). O gráfico 1 ilustra a produção de cada tipo de combinação no total de dados.

Gráfico 1: Combinações segmen- tais nas produções balbuciadas de M. (dados brutos). Gradus 1 (1) 56

Como o gráfico 1 apresenta, a combinação DD prevale- ceu em relação às demais combinações. A combinação CD também teve um alto número de ocorrências. A tabela 1 foi elaborada para ilustrar a combinação pre- dominante em cada sessão. A combinação que predomina está destacada em negrito e sublinhado.

Combinação Segmental CC CD͡L CD DC DD͡L DD LC LD͡L LD

Faixa Etária 0;9 13% (14) 0 44% (44) 14% (15) 6% (6) 23% (22) 0 0 0 0;10 3% (1) 0 3% (1) 3% (1) 6% (2) 50% (16) 0 0 35% (11) 0;11 4% (3) 0 0 21% (15) 13% (9) 7% (5) 36% (26) 10% (7) 10% (7) 1;0 19% (3) 0 0 13% (2) 0 68% (11) 0 0 0 1;1 5% (1) 0 10% (2) 5% (1) 0 33% (7) 14% (3) 10% (2) 23% (5) 1;2 0 0 0 38% (5) 0 46% (6) 8% (1) 0 8% (1) 1;3 0 0 40% (2) 20% (1) 0 40% (2) 0 0 0 1;4 14% (5) 0 34% (12) 0 6% (2) 9% (3) 3% (1) 6% (2) 28% (10) 1;5 0 14% (1) 14% (1) 14% (1) 0 14% (1) 0 14% (1) 30% (7) 1;6 31% (6) 25% (5) 11% (2) 0 11% (2) 11% (2) 0 11% (2) 0 1;7 0 9% (2) 9% (2) 0 0 26% (6) 47% (11) 0 9% (2) 1;8 0 0 33% (11) 6% (2) 0 40% (13) 0 3% (1) 18% (6) 1;9 35% (8) 0 9% (2) 13% (3) 0 17% (4) 0 22% (5) 4% (1) 1;10 13% (1) 0 13% (1) 24% (2) 0 13% (1) 24% (2) 13% (1) 0 1;11 0 0 0 0 0 100% (1) 0 0 0 2;0 0 0 100% (1) 0 0 0 0 0 0

Tabela 1: Combinações segmen- tais nas produções balbuciadas A mesma tendência presente nos dados totais pode ser ao longo das sessões de M. verificada ao longo das sessões,60 pois as combinações 60. Cf. gráfico. 1, p. 55. CD e DD foram as que predominaram na maior parte das sessões. Gradus 1 (1) 57

Assim como nos dados do balbucio, foram criadas nove categorias para análise da combinatória segmental nas palavras, baseando-se nas classes naturais. Nos dados totais de palavras foram analisadas 2676 combinações.61 61. Do total de 3419 sílabas, Diferentemente dos dados de balbucio, que apresentaram não foram analisadas sílabas compostas por apenas um seg- o predomínio de DD, nos dados de palavra predominou a mento e aquelas compostas por combinação CD (17,9%, 480) seguida de LD (16,3% 437), três segmentos com alguma se- mivogal intermediária devido ao DD (15,2%, 407), LC (12,2%, 326), LDL (11,5%, 305), pequeno número de ocorrências. CC (11%, 294 ), CDL (8,3%, 223), DDL (4,2%, 113) e DC (3,4%, 91). O gráfico 2 ilustra a produção de cada tipo de combinação no total de dados:

Gráfico 2: Combinações segmen- tais nas palavras de M. (dados brutos). Gradus 1 (1) 58

A tabela 2 foi elaborada para ilustrar a distribuição das combinações ao longo das sessões. A combina- ção predominante em cada sessão está destacada em negrito e sublinhado.

Combinação Segmental CC CD͡L CD DC DD͡L DD LC LD͡L LD

Faixa Etária 0;9 0 0 0 0 0 0 0 0 0 0;10 6% (2) 0 0 0 9% (3) 79% (25) 0 0 6% (2) 0;11 20% (5) 0 8% (2) 0 20% (5) 16% (4) 20% (5) 0 16% (4) 1;0 0 0 0 7% (2) 0 66% (20) 27% (8) 0 0 1;1 0 0 9% (4) 15% (7) 0 9% (4) 20% (9) 12% (6) 35% (16) 1;2 12%(10) 0 5% (4) 1% (1) 0 33% (27) 0 0 49% (40) 1;3 4% (3) 1% (1) 1% (1) 1% (1) 1% (1) 52% (40) 5% (4) 3% (2) 32% (24) 1;4 4% (5) 1% (1) 2% (2) 0 0 11% (15) 0 30% (40) 52% (70) 1;5 6% (5) 1% (1) 4% (3) 0 1% (1) 9% (7) 11% (9) 41% (34) 27% (22) 1;6 11% (26) 8% (19) 6% (15) 1% (3) 2% (4) 14% (32) 17% (40) 27% (63) 14% (32) 1;7 6% (19) 6% (18) 24% (76) 2% (6) 5% (16) 13% (40) 16% (51) 8% (24) 20% (64) 1;8 14% (33) 23% (55) 20% (48) 1% (3) 5% (13) 13% (30) 6% (14) 9% (21) 9% (22) 1;9 16% (54) 14% (46) 21% (70) 5% (18) 7% (23) 9% (31) 16% (53) 4% (14) 8% (26) 1;10 12% (36) 12% (36) 21% (64) 4% (12) 6% (19) 15% (45) 10% (30) 12% (37) 8% (25) 1;11 13% (43) 5% (17) 24% (82) 2% (8) 4% (13) 18% (60) 10% (32) 9% (30) 15% (49) 2;0 13% (53) 7% (29) 27% (109) 7% (30) 4% (15) 7% (27) 17% (71) 8% (34) 10% (41)

Tabela 2: Combinações segmen- A mesma tendência presente nos dados totais pode ser tais nas produções de palavras ao longo das sessões de M verificada ao longo das sessões, isto é, a combinação CD predominou na maior parte das sessões. Na análise global dos dados, não foi encontrado seg- mento produzido no balbucio que não fosse produzido também em palavras. O quadro 2 traz, em negrito e sublinhado, os segmentos consonantais presentes nos dois tipos de produção, e, sem destaque, aqueles presen- tes em produções classificadas como palavra.

Ponto Bilabial Labio- Alveolar Pós- Palatal Velar Glotal Dental Alveolar Modo Oclusiva p b t d k g Nasal m n ɲ Fricativa f v s z ʒ h Africada Tepe Aproximante Aprox. Lat. l

Quadro 2: Inventário segmental consonantal (geral) do balbucio e palavras de M. (0;9–2;0). Gradus 1 (1) 59

Como o quadro 2 mostra, na análise global das con- soantes, as fricativas, a nasal palatal e a fricativa glotal estão ausentes nas produções balbuciadas. Trata-se, por- tanto, de segmentos consonantais característicos das palavras de M. O balbucio é caracterizado por sons oclusi- vos e nasais, segmentos que estão também presentes nos dados de palavra. No intuito de saber se a equivalência segmental con- sonantal entre balbucio e palavra permaneceria também na análise de cada sessão, a distribuição foi analisada por sessão. O quadro 3 apresenta, em negrito e sublinhado, os segmentos consonantais presentes nos dois tipos de produção, em itálico os segmentos presentes apenas no balbucio e sem destaque os que foram produzidos apenas em produções classificadas como palavra

Faixa Etária Segmentos Consonantais: Balbucio e Palavra, Palavra e Balbucio 0;9 t d/ k ɡ/ n 0;10 p b/ t/ k ɡ/ m/n 0;11 p b/ k ɡ/m/ n 1;0 p b/ t/ k ɡ/ n 1;1 p b/ t d / k ɡ / m 1;2 p b/ t d / k ɡ / n 1;3 p b/ t / k ɡ/ m/ n 1;4 p b/ t d/ k ɡ/ m/ n 1;5 p b/ t d/ k ɡ/ m/ n/ f v / l 1;6 p b/ t d / k ɡ / m/ n/ ɲ/ f v/ l 1;7 p b/ t d/ k ɡ / m/ n/ f v/ s z/ l 1;8 p b/ t d/ k ɡ / m/ n/ ɲ / f v/ z/ l 1;9 p b/ t d/ k ɡ / m/ n/ ɲ / f v/ s/ l 1;10 p b/ t d/ k ɡ / m/ n/ ɲ / f v/ s/ l 1;11 p b/ t d/ k ɡ / m/ n/ ɲ / f v/ s z/ʒ/h/ l 2;0 p b/ t d/ k ɡ / m/ n/ ɲ / f v/ s / l

Quadro 3: Inventário segmen- tal consonantal (por sessão) do balbucio e palavras de M. Na sessão inicial (0;9), não foi identificado nenhum (0;9–2;0). dado de palavra, por essa razão todos os segmentos presentes nesse período são considerados segmentos de balbucio. Assim como foi observado na análise geral dos dados apresentada no quadro 2, na análise por sessão foi verificado que sons fricativos são característicos das produções de palavra, e sons oclusivos, nasais e laterais caracterizam os dois tipos de produção. Gradus 1 (1) 60

O mesmo tipo de análise das consoantes foi realizado com as vogais. O quadro 4 traz, em negrito e sublinhado, os segmentos vocálicos presentes nos dois tipos de produ- ção, e sem destaque os que foram produzidos apenas em produções classificadas como palavra. Não foi encontrado segmento vocálico produzido no balbucio que não fosse produzido também em palavras.

Quadro 4: Inventário segmental vocálico de balbucio e palavras Altura Alta Médio-alta Médio-baixa Baixa de M. (0;9–2;0). Anterior/Posterior Anterior i ĩ I e ẽ ɛ Posterior u u ʊ o õ ɔ Central a ã

Como o quadro 4 mostra, na análise global das vogais, observa-se que as produções vocálicas consistem em vogais anteriores, posteriores ou centrais, presentes nos dois tipos de produção. Vogais nasais são mais frequentes em produções de palavra. Gradus 1 (1) 61

O quadro 5 mostra, em negrito e sublinhado, os segmentos vocálicos presentes nos dois tipos de produção, em itálico os segmentos presentes apenas no balbucio, e sem destaque, os que ocorrem apenas em produções classificadas como palavra:

Faixa Etária Segmentos Vocálicos: Balbucio e Palavra, Palavra e Balbucio 0;9 i/e/u ʊ/ a 0;10 i ɪ/e/ ɛ/ u ʊ/ o/ a 0;11 i /e/ ɛ/ u ʊ/ o/ ɔ/ a 1;0 i /e/ u ũ/ o/ a 1;1 i /e/ ɛ/ u / o/ a 1;2 i ɪ / e/ ɛ/ o/ ũ /a 1;3 i ɪ/ e/ ɛ/ u ũ/ o/ ɔ /a ã 1;4 i ɪ/ e/ u ʊ / o/ ɔ /a ã 1;5 i ɪ/ e /ɛ/ u/ o/ ɔ/ a ã 1;6 i ĩ ɪ/e ẽ/ ɛ /u ʊ / o / ɔ / a ã 1;7 i ɪ/e ẽ/ ɛ /u ʊ / o õ/ ɔ / a ã 1;8 i ĩ ɪ/e ẽ/ ɛ /u ũ ʊ / o õ/ ɔ / a ã 1;9 i ĩ ɪ/e ẽ/ ɛ /u ũ ʊ / o õ/ ɔ / a ã 1;10 i ĩ ɪ/e ẽ/ ɛ /u ũ ʊ / o õ/ ɔ / a ã 1;11 i ĩ ɪ/e ẽ/ ɛ /u ũ ʊ / o õ/ ɔ / a ã 2;0 i ĩ ɪ/e ẽ/ ɛ /u ũ ʊ / o õ/ ɔ / a ã

Quadro 5: Inventário segmental vocálico (por sessão) de balbucio e palavras de M. (0;9–2;0). Como o quadro 5 apresenta, todos os segmentos vocá- licos balbuciados estão presentes nos dados de palavras. Na sessão inicial (0;9), não foi identificado nenhum dado de palavra, por essa razão todos os segmentos presentes nesse período são considerados segmentos de balbucio. Assim como foi observado na análise geral dos dados presente no quadro 4, na análise por sessões foi verificado que vogais nasais estão presentes em dados de palavra.62 62. Cf. quadro 5. Retomando as combinatórias segmentais após apresen- tar os detalhes dos segmentos isolados, observamos que as combinações segmentais não favoreceram classes natu- rais. Dessa maneira, a hipótese de MacNeilage, Davis et al.63 não foi confirmada na análise de dados porque não 63. MacNeilage, Davis et al., houve preferência de segmentos de uma mesma classe “The motor core of speech: a comparison of serial organi- natural nas combinações de M. em produções de balbucio zation patterns in infants and tardio e primeiras palavras. Em geral, as combinações languages” (2000). mais frequentes no balbucio (B) não foram as mesmas em palavras iniciais (P) e não tenderam a caracterizar-se por segmentos de uma mesma classe: M. B (DD, CD) e P (CD, CL). O teste One-way ANOVA foi realizado envolvendo a Gradus 1 (1) 62 produção de balbucio e primeiras palavras de M. (variá- vel dependente) e as combinações preferenciais propostas por MacNeilage, Davis et al. e outras combinações possíveis considerando as classes naturais (variável inde- pendente):

Balbucio: M. F (1.42) = 0.003, p> 0.05. Palavras iniciais: M. F (1.42) = 0.291, p> 0.05.

Dessa maneira, os dados indicam não haver preferência de combinação de sons de uma mesma classe.

Considerações finais

A presente pesquisa, com base em um estudo de caso de uma criança adquirindo o PB, não apresenta evidên- cias a favor da hipótese de que as combinações segmen- tais de uma mesma classe natural predominam nos dados de balbucio tardio e palavras iniciais. No entanto, é pre- ciso partir agora para análise de dados de mais crianças e que estejam adquirindo diferentes variedades do portu- guês. Além disso, é preciso retomar a análise dos dados partindo de uma teoria fonológica que permita apresentar uma melhor descrição do que não se mostrou discreto e sim gradiente nas produções da criança, como, por exem- plo, a Fonologia Articulatória. Reconhece-se que detalhes podem ter sido ignorados por conta da análise realizada de oitiva. Para finalizar, de acordo com uma perspectiva da com- plexidade, por mais que se reconheça a existência de restrições de ordem articulatória no desenvolvimento inicial da fala, um universalismo combinatório segmental é questionado, pois tem se observado variabilidade inter e intra-sujeitos de uma mesma comunidade linguística,64 64. Baia, “Os templates no o que é esperado porque o sistema fonológico é enten- desenvolvimento fonológico: o caso do português brasileiro” dido como um sistema dinâmico aberto e instável. Nos (2013). momentos de instabilidade, novas categorias fônicas são testadas e produzidas até sua estabilização devido ao princípio de auto-organização, ou seja, a formação es- pontânea de padrões fonotáticos que emergem de acordo com o input que a criança recebe.

Agradecimento

Agradeço ao Daniel Oliveira Peres pelos comentários e sugestões. Gradus 1 (1) 63

Notas finais

[A] É preciso lembrar que Jakobson defende que fonética e fonologia são dois módulos distintos, apesar de haver colaboração entre os dois: “While phonetics seeks to collect the most exhaustive infor- mation on gross sound matter, in its physiological and physical properties, phonemics, and phonology in general, intervenes to apply strictly linguistic cri- teria to the sorting and classification of the material registered by phonetics.”65 65. Jakobson e Halle, Fun- damentals of Language, p. 18 [B] Para detalhes sobre as três gerações, ler Baia ([1956]1980). (2013).66 66. Baia, “Os templates no desenvolvimento fonológico: o [C] “MacNeilage and Davis (1990a, 1990b, 1993) caso do português brasileiro” have proposed ‘Frames, then Content’ as a metaphor (2013). to describe spatio-temporal and biomechanical characteristics of babbling and changes during early speech”.67 67. Davis e MacNeilage, “The Articulatory Basis of [D] Devido à terminologia utilizada por MacNei- Babbling”, p. 1200 (1995). lage e por ele afirmar a existência de um padrão segmental, entende-se que sua proposta atribui aspec- tos linguísticos às produções balbuciadas.68 68. MacNeilage, “Acquisition of speech” (1999). [E] Embora façam uso da palavra “exata” em “Cor- respondência Segmental Exata” nos critérios do item b, Vihman e McCune explicam não haver necessidade de cópia idêntica para verificação da correspondência fonética.69 69. Vihman e McCune, “When is a word a word?” [F] Uma das generalizações nos estudos fonológicos (1994). é a de que certos conjuntos de segmentos tendem a estar juntos em processos fonológicos. Esses con- juntos de segmentos podem ser caracterizados em termos de propriedades fonéticas que são comparti- lhadas.70 70. Clements e Hume, “The internal organization of speech [G] Logo, realizar uma análise partindo da categori- sounds” (1995). zação em classes naturais não implica assumir uma determinada teoria. Por exemplo, Vihman e Menn, em um estudo emergentista, buscam evidências para a realidade psicológica dos traços fonológicos de acordo com a Geometria de Traços.71 71. Vihman e Menn, “features in child phonology” (2011). [H] Toda a discussão acerca do que é categórico e do que é gradiente é atual nos estudos de Fonologia, 72 com seu debate a respeito das unidades presentes 72. Cristófaro-Silva e Go- nas representações fonológicas. A assunção de que mes, “Representações múltiplas e organização do componente somente propriedades contrastivas (fonemas/traços) linguístico” (2007). ocorrem nas representações fonológicas tem sido criticada por foneticistas e até mesmo por fonólogos. Gradus 1 (1) 64

A inquietação atual parece ser contrária àquela que levou os linguistas do Círculo de Praga a proporem a divisão entre Fonética e Fonologia, em 1928, no Primeiro Congresso Internacional de Linguistas em Haia, na Holanda. A tendência é contrária por existirem hoje propostas teóricas que visam a acabar com a barreira entre as duas áreas, como a Fonologia Articulatória,73 e aquelas que criticam propostas 73. Browman e Goldstein, que partem do traço ou fonema como unidade mí- “Articulatory phonology: an 74 overview” (1992). nima fonológica, como a Fonologia de Uso e a 74. Bybee, Phonology and Whole-Word Phonology.75. O objetivo das correntes Language Use (2001). que se posicionam contra a delimitação entre as 75. Waterson, “Child pho- nology: a prosodic view” (1987); duas áreas é rever o papel delas, questionando até Vihman e Croft, “Phonological que ponto a Fonética é devidamente situada nos development toward a ‘radical’ estudos linguísticos quando é assumido o seu papel templatic phonology” (2007). puramente descritivo, baseado em aspectos físicos da produção, percepção e transmissão dos sons da fala, debruçando-se também no que é gradiente. Até que ponto pode-se realizar um estudo fonológico, essencialmente explicativo e com base na busca da função linguística e do aspecto categórico dos sons, sem partir de um estudo descritivo e físico? Embora tenha sido assumido, desde os estruturalistas, que as duas áreas são interdependentes, falta consenso no que se refere à razão para a separação delas e à unidade mínima de análise. O presente estudo pres- supõe que há abstração fonológica, mas não ignora a gradiência presente em nos dados. Um outro diferen- cial na perspectiva assumida por este estudo é que, diferentemente dos estudos simbólicos, assume-se que a representação não é estática.

Referências

Albano, Eleonora Cavalcante (2011). “Descontruindo uma influente perspectiva atual em aquisição da fonologia: a teoria ‘Arcabouço-Conteúdo’”. In: Estudos em Aquisição Fonológica. Ed. por G. Ferreira-Gonçalves, M. Brum-de-Paula e M. Keske-Soares. Pelotas: Universitária Pelotas, pp. 11–33. Baia, Maria de Fátima de Almeida (2013). “Os templates no desenvolvimento fonológico: o caso do português brasileiro”. Tese de doutorado. Universidade de São Paulo. Barbosa, Plínio Almeida (2006). Incursões em torno do ritmo da fala. Campinas: Pon- tes/FAPESP. Boysson-Bardies, Bénédicte e Marilyn May Vihman (1991). “Adaptation to language: evidence from babbling and first words in four languages”. In: Language 67.2, pp. 297– 319. Braine, Martin D. S. (1994). “Is nativism sufficient?” In: Journal of Child Language 21.1, pp. 9–31. Gradus 1 (1) 65

Browman, Catherine P. e Louis Goldstein (1992). “Articulatory phonology: an over- view”. In: Phonetica 49.3–4, pp. 155–180. Bybee, J. (2001). Phonology and Language Use. Cambridge: Cambridge University Press. Chomsky, Noam (1965). Aspects of the Theory of Syntax. Cambridge (MA): MIT Press. Chomsky, Noam (1975). Reflections on language. New York: Pantheon. Clements, George Nick e Elisabeth V. Hume (1995). “The internal organization of speech sounds”. In: The Handbook of Phonological Theory. Ed. por John A. Goldsmith. London: Basil Blackwell. Cristófaro-Silva, Thaïs e Christina Abreu Gomes (2007). “Representações múltiplas e organização do componente linguístico”. In: Forum Linguistico 4.1, pp. 147–177. Davis, Barbara L. e Peter F. MacNeilage (1995). “The Articulatory Basis of Babbling”. In: Journal of Speech and Hearing Research 38.6, pp. 1199–1211. Gerken, LouAnn (2008). Language development. San Diego: Plural Publishing. Goldstein, Louis, D. Byrd e E. Saltzman (2006). “The role of vocal tract gestural action units in understanding the evolution of phonology”. In: From action to language: the mirror neuron system. Ed. por M. Arbib. Cambridge: Cambridge University Press. Jakobson, Roman ([1941]1972). Child language, aphasia and phonological universals. Paris: Mouton. Jakobson, Roman e Morris Halle ([1956]1980). Fundamentals of Language. The Hague: Mouton. Jordens, Peter e Josine Lalleman (1988). Language Development. Amsterdam: Foris Publications Holland. Keren-Portnoy, Tamar, Marinella Majorano e Marilyn May Vihman (2008). “From phonetics to phonology: the emergence of first words in Italian”. In: Journal of Child Language 36.2, pp. 235–267. Laguna, Grace Andrus (1927). Speech: its function and development. New Haven: Yale University Press. Larsen-Freeman, Diane e Lynne Cameron (2008). Complex systems and applied linguis- tics. Oxford: Oxford University Press. Lewis, M. M. (1936). Infant speech: a study of the beginning of language. New York: Har- court, Brace e Company. MacNeilage, Peter F. (1999). “Acquisition of speech”. In: The Handbook of Phonetic Sciences. Ed. por William J. Hardcastle e J. Laver. Oxford: Blackwell. MacNeilage, Peter F. e Barbara L. Davis (1990). “Acquisition of speech production: achievement of segmental independence”. In: Speech Production and Speech Modeling. Ed. por William J. Hardcastle e Alain Marchal. Dordrecht: Kluwer, pp. 55–68. MacNeilage, Peter F., Barbara L. Davis et al. (2000). “The motor core of speech: a comparison of serial organization patterns in infants and languages”. In: Child Develop- ment 71.1, pp. 153–163. McCarthy, John e Alan Prince (1993). “Prosodic Morphology I: constraint interaction and satisfaction”. Mielke, Jeff (2005). “Distinctive feature emergence”. In: Proceedings of the 24th West Coast Conference on Formal Linguistics. Ed. por J. Alderete, Chung-hye Han e Alexei Kochetov. Somerville: Cascadilla Proceedings Project. Santos, Raquel S. (2005). A Aquisição do Ritmo em Português Brasileiro. São Paulo: Projeto USP. Thelen, Esther e Linda B. Smith (1994). A Dynamic Systems Approach to the Development of Cognition and Action. Cambridge (MA): MIT Press. Gradus 1 (1) 66

Vihman, Marilyn May (1996). Phonological development: the origins of language in the child. Cambridge: Blackwell. Vihman, Marilyn May e William Croft (2007). “Phonological development toward a ‘radical’ templatic phonology”. In: Linguistics 45.4, pp. 683–725. Vihman, Marilyn May, Roy A. Depaolis e Tamar Keren-Portnoy (2008). “Babbling and words: a dynamic systems perspective on phonological development”. In: Hand- book of child language. Ed. por E. Bavin. Cambridge: Cambridge University Press. Vihman, Marilyn May, Marlys A. Macken et al. (1985). “From babbling to speech: a re-assessment of the continuity issue”. In: Language 61.2, pp. 397–445. Vihman, Marilyn May e Lorraine McCune (1994). “When is a word a word?” In: Journal of Child Language 21.3, pp. 517–542. Vihman, Marilyn May e Lise Menn (2011). “features in child phonology”. In: Where Do Phonological features Come From? Cognitive, physical and developmental bases of distinctive speech categories. Ed. por George Nick Clements e Rachid Ridouane. Amsterdam: John Benjamins. Vihman, Marilyn May e Shelley L. Velleman (2002). “Whole-word Phonology and templates: trap, bootstrap, or some of each?” In: Language, Speech, and Hearing Services in Schools 33, pp. 9–23. Waterson, Natalie (1987). “Child phonology: a prosodic view”. In: Newcastle-upon- Tyne: Grevatt & Grevatt. Werner, Heinz e Bernard Kaplan (1963). Symbols formation. New York: Wiley e Hills- dale. Yule, George ([1985]2010). The study of language. New York: Cambridge University Press. CV co-occurrence and articulatory control in three Brazilian children from 0:06 to 1:07

DOI: 10.47627/gradus.v1i1.104

Mariana Hungria [email protected] Universidade Estadual de Campinas

Eleonora C. Albano [email protected] Universidade Estadual de Campinas

Gradus Revista Brasileira de Fonologia de Laboratório

Vol. 1, nº 1 Dezembro de 2016 https://gradusjournal.com/index.php/gradus/article/view/3

Bibtex: @article{hungriaalbano2016cv, author = {Mariana Hungria and Eleonora C. Albano}, issn = {2526-2718}, doi = {10.47627/gra- dus.v1i1.104}, journal = {Gradus}, month = {dec}, number = {1}, pages = {67–95}, title = {CV co-occurrence and articulatory control in three Brazilian children from 0:06 to 1:07}, volume = {1}, year = {2016}}

Este texto pode ser livremente copiado, sob os termos da licença Creative Commons Atribuição-NãoComercial 4.0 Internacio- https://creativecommons.org/ nal (CC BY-NC 4.0). licenses/by-nc/4.0/deed.pt_BR Gradus 1 (1) 68

Resumo

Muitos estudos em aquisição da linguagem abordam a co-ocorrência consoante/vogal, doravante CV. Pers- pectivas tradicionais enfocam o trato vocal superior,1 1. Davis e MacNeilage, “The enquanto uma mais recente destaca a importância do Articulatory Basis of Babbling” 2 (1995). seu segmento inferior. Porém, nenhuma tentou enten- 2. Esling, “The articulatory der como esses dois tratos interagem e cooperam na function of the larynx and the vocalização dos bebês. O papel do ambiente linguístico origins of speech” (2012). nessa interação também é pouco estudado. O objetivo deste artigo é integrar tais perspectivas, aparentemente contraditórias, através da observação da articulação em todo o trato vocal durante a emergência das combina- ções CV em três crianças brasileiras interagindo com seus pais entre as idades de 0:06 e 1:07. Utilizamos uma combinação dos métodos longitudinal e transversal, de modo que uma criança foi seguida longitudinalmente enquanto as outras duas foram observadas em estágios posteriores, complementares. Os dados foram coletados com um gravador digital, transcritos com o auxílio de software de análise acústica e posteriormente processados com um contador de sílabas. Os resultados revelaram as seguintes tendências: restrições biomecânicas intera- gem com as influências da língua ambiente; o controle sobre as articulações é diferente para consoantes; bebês tendem a favorecer vogais específicas; o trato vocal in- ferior permanece ativo após 12 meses; e nem todas as crianças adquirem controle articulatório da mesma forma. O conjunto desses fatos não confirma uma perspectiva específica, mas, ao contrário, demanda uma integração de várias linhas na literatura. Palavras-chave: co-ocorrência CV, consoantes larín- geas, bucalização

Abstract

Many studies in language acquisition have addressed consonant/vowel co- occurrence, henceforth CV. Tra- ditional views focus on the upper vocal tract,3 while 3. Davis and MacNeilage, a recent one stresses the importance of its lower end.4 “The Articulatory Basis of Babbling” (1995). None has nevertheless attempted to understand how these 4. Esling, “The articulatory two tracts interact and cooperate in early vocalization. function of the larynx and the The role of the ambient language in this interaction is origins of speech” (2012). also understudied. The aim of this paper is to integrate such apparently contradictory views by observing activ- ity in the entire vocal tract during the emergence of CV combinations in three Brazilian children interacting with Gradus 1 (1) 69 their parents between the ages of 0:06 and 1:07. We have used a mixed longitudinal and cross-sectional method, whereby one child was followed longitudinally while the other two were observed at later, complementary stages. Data were collected using a digital recorder, transcribed with the aid of acoustic analysis, and later processed with a syllable counter. Our results uncovered the following trends: biomechanical constraints interact with ambient language influences; control over articulations is different for vowels and consonants; infants tend to have a favorite babbling vowel; the lower vocal tract remains active past 12 months; and not all children acquire articulatory control in the same way. Overall, they do not support any specific view, but, rather, call for the integration of several separate strands in the literature. Keywords: CV Co-occurrence, Laryngeal Consonants, Buccalization

Introduction

CV co-occurrence: biomechanics and articulator dynamics

The literature on the acquisition of phonology reports stable preferences for the combination of certain conso- nants and vowels in babbling and first words in a variety of languages. These biases have been explained phonolog- ically, i.e., by the influence of the language environment, or phonetically, through biomechanical models focusing on different parts of the vocal tract. At one end, researchers like Boysson-Bardies and Vihman5 defend that, although the capacity for language 5. Boysson-Bardies and Vih- is inherently human, different languages shape these man, “Adaptation to language: evidence from babbling and first capacities differently according to the environment from words in four languages” (1991). very early on. Although there are common preferences for certain CV combinations, sensitivity to language environment may be already present in babbling. At the other, more influential end, two biomechanical models seek to explain CV co-occurrence through the dynamics of the upper vocal tract – the Frame/Content theory (FC), proposed by Davis and MacNeilage,6 and 6. Davis and MacNeilage, Articulatory Phonology (AP), proposed by Browman and “The Articulatory Basis of 7 Babbling” (1995). Goldstein. 7. Browman and Goldstein, According to FC, babblers prefer to combine labial “Articulatory phonology: an overview” (1992). consonants with central vowels; coronal consonants with front vowels; and dorsal consonants with back Gradus 1 (1) 70 vowels. These patterns are due to physiological and anatomical principles rooted in the evolution of the human species. The neuromuscular activity related to alimentary behaviors, such as sucking, mastication and swallowing, could underlie such preferences. However, there are controversies surrounding this model. First, other biases have been documented in bab- bling that do not fit the proposed explanation.8 Second, 8. E. g., Chen and Kent, the literature on mandibular control does not offer ev- “Consonant-vowel co-occurrence patterns in Mandarin- learning idence for the hypothesis that there is a link between infants” (2005). the mechanisms responsible for alimentary behaviors and those responsible for speech. Recent studies9 show 9. Steeve et al., “Babbling, that the motor organization underlying babbling may chewing, and sucking: oro- mandibular coordination at 9 not be related to that of alimentary behaviors, such as months” (2008). sucking and chewing. Third, if early babbling CV biases reflected the lack of articulation control, they should decrease as soon as the infant gains more control over ar- ticulation, a trend that failed to appear in three language environments.10 10. Giulivi et al., “An Ar- ticulatory Phonology account By contrast, AP offers an alternative explanation for of preferred consonant-vowel the same patterns by holding that the physiological basis combinations” (2011). of babbling is associated with the interaction between articulators and not simply with the overlay of active mandible movements on passive tongue movements, as claimed by FC. Articulatory movements can be analyzed as abstract articulatory gestures, i.e., constriction and release actions executed by vocal organs and organized into overlapping structures. Therefore, preferences for given CV combinations are due to the level of synergy between the C and V-like gestures involved. Consonantal and vocalic gestures can be produced simultaneously while still maintaining their differences due to the different durations of the oscillations that characterize them. Vowels are less constricted than consonants and always involve relatively slow motion of the tongue body or root. Thus, consonants, which are more ballistic, can overlap vowels, since the V gesture extends beyond the C gesture and the transition from one to the other leaves traces in the acoustic signal that facilitate the recovery of both.

The lower vocal tract and “phonetic play”

A recent model called the Laryngeal Constrictor Mecha- nism (LCM), proposed by Moisik and Esling,11 focuses 11. Moisik and Esling, “3-D on the lower vocal tract. LCM proposes that the control auditory-articulatory modeling of the laryngeal constrictor of articulation in the pharynx develops in the child’s mechanism” (2007). first year of life. Thus, mastering larynx control isa Gradus 1 (1) 71 pre-requisite for developing oral speech. As pharyngeal and laryngeal activity is fitter to the infant’s vocal tract anatomy, the ability to articulate is launched in the phar- ynx. The model proposes a ‘Laryngeal Articulator’, which consists of the supraglottic tube, the glottal and epiglottal mechanisms, and three different levels of folds: vocal, ventricular and aryepiglottic. With the aid of simulations, the authors have demonstrated the role of the lower vocal tract in the production of many sounds considered ‘laryngeal’. Using several instrumental methods, they have also observed fine control of laryngeal constrictions in the production of sounds in 20 different languages, and were thus able to illustrate some of the parameters of movement that are available in the laryngeal space.12 12. Esling, “The articulatory function of the larynx and the As for the influence of the native language, Esling and origins of speech” (2012). 13 collaborators recorded babies immersed in different 13. Grenon, Benner, and linguistic environments, namely, English, French, Arabic Esling, “Language-specific phonetic production patterns in and Bai. Their analysis showed that, in several environ- the first year of life” (2007). ments, laryngeal consonants predominate in children’s vocalizations even up until 7 months of age, when the occurrence of buccal articulations increases significantly. The results revealed that, at the end of the first year of life, children tend to use more combinations that reflect the sounds of their linguistic environments. Esling’s results suggest that control over buccal artic- ulations during the first months of life is just basic. His observations point to a possible developmental prece- dence of laryngeal over buccal articulations up until the onset of babbling. After the end of this stage, buccal ar- ticulations prevail,14 while laryngeal ones may persist, 14. Esling, “The articulatory especially in languages such as Arabic, which contain function of the larynx and the origins of speech” (2012). laryngeal consonants, namely pharyngeals and laryngeals, according to Esling and coworkers’ terminology.15 This 15. Moisik and Esling, “3-D transition may last about 12 months. auditory-articulatory modeling of the laryngeal constrictor The authors observed that children seem to practice mechanism” (2007). and explore their phonation abilities in a kind of ‘pho- netic play’. This consists of variations in vocalizations at high pitch, with or without constriction; and pharyngeal priming, i.e., exploring places of articulation using a preceding sound from the pharynx. This ‘play’ starts with phonation, evolving towards vocalization with systematic manipulation of constrictions, spanning alterations in pitch and increase in utterance length.16 16. Esling, “The articulatory function of the larynx and the In spite of their innovative views, the proponents of origins of speech” (2012). LCM have not explored the details of the transition from laryngeally based speech to buccalized speech that ensues from their model. This paper is a first attempt to fill this Gradus 1 (1) 72 gap with preliminary data on Brazilian Portuguese (BP). It is also a first attempt to look into possible ambient sources of laryngeals in a language that does not have laryngeal contrasts.

CV co-occurrence in BP

The literature on babbling and first words in BP in- cludes the works of Teixeira,17 Albano,18 and Gar- 17. Teixeira, “O modelo cia.19 Later stages of CV co-occurrence in BP were also teórico dos ‘Moldes, antes do Conteúdo’ de MacNeilage e Davis investigated contrasting children and adult biases from (1995, 1996)” (1997). both the points of view of FC20 and AP.21 18. Albano, “Fontes fônicas e não fônicas de variabilidade na A single work on BP has so far reported the occur- aquisição da sílaba CV” (2011). rence of laryngeals in babbling. Albano analyzed CV 19. Garcia, “Padrões de preferences in three Brazilian children and their adult coocorrência CV na aquisição do Português Brasileiro em crianças caretakers and found biases different from those reported de 1 a 3 anos” (2012). in the literature in both groups. In particular, the biases 20. Teixeira, “O modelo found in the youngest child, a babbler, were consistent teórico dos ‘Moldes, antes do 22 Conteúdo’ de MacNeilage e Davis with Esling’s perspective. (1995, 1996)” (1997); Teixeira, “Padrões fonéticos e influências Laryngeal consonants (i.e., glottal, epiglottal and pha- da língua ambiente na aquisição ryngeal) are non contrastive in BP, but occur prosodically, da fala de duas crianças falantes paralinguistically or as allophones of the strong rhotic. do Português Brasileiro” (2002); Silveira, “Padrões segmentais, However, Albano found recurrent laryngeal consonants lexicais, silábicos, intra-silábicos in babbling, which tended to combine more freely than e inter- silábicos em crianças the rest. It is important to highlight that many languages falantes de PB” (2006). 21. Zimmer and Madruga, that do not have laryngeals in their phonemic inventories “Uma perspectiva dinâmica mirror BP in using them allophonically, prosodically or da sílaba e da coocorrência 23 CV na aquisição do Português paralinguistically. Brasileiro” (2011); Albano, “Fontes fônicas e não fônicas de variabilidade na aquisição da Three case studies of the development of sílaba CV” (2011); Madruga, “Relações de Cooocorrência CV combinatorics in BP CV: uma discussão acerca do papel das classes consonantais” (2011); Garcia, “Padrões de The aim of this paper is to describe the process of learn- coocorrência CV na aquisição do ing consonant-vowel combinations through play with the Português Brasileiro em crianças larynx, the jaw, the lips and the tongue in three Brazil- de 1 a 3 anos” (2012). 22. Albano, “Fontes fônicas e ian children. We have used a mixed longitudinal and não fônicas de variabilidade na cross-sectional method, whereby one child was followed aquisição da sílaba CV” (2011). longitudinally while the other two were observed at later, 23. Albano, “Fontes fônicas e não fônicas de variabilidade na complementary stages. The three participants were of aquisição da sílaba CV” (2011). normal development, between the ages of 0:6 and1:07. The data were collected using a digital audio recorder and later transcribed with the aid of acoustic-phonetic instrumentation. In order to quantify them with enough accuracy, we developed a PHP script to perform the CV counts. Gradus 1 (1) 73

Materials and Methods

Participants

The project’s participants were three children of typical development, residing in the city of Sorocaba, state of São Paulo. They belong to middle class families and are third degree cousins. There has been social contact between the participants and their families during the project; nevertheless, the children were recorded separately. Participant 1 (P1) is a female while participants 2 (P2) and 3 (P3) are male. P1 was observed longitudinally while P2 and P3 were observed cross-sectionally.

Data collection and equipment

The recording sessions took place in the homes of the participants, trying to minimize background noise. They started after an informed written consent form was signed by the participants’ parents according to Resolution 196/96, from the Brazilian National Council of Health, a regulatory organ that establishes norms and guidelines for research projects involving human beings in Brazil. All sessions consisted of recordings of spontaneous conversation between the child and one or both of its parents. For recording, we used a TASCAM®, digital audio recorder, model DR50. We took all measures to ensure the safety of the par- ticipants. Their legal guardians were present during all recording sessions and could interrupt the session at any time they deemed appropriate.

Data registry and transcription:

The data collection involved two different steps, which consisted of the audio recording itself and, then, the phonetic transcription of the data, performed by the first author, a native BP speaker trained in phonetic transcription, and checked by the second author, an experienced experimental phonetician. We used the X-SAMPA transcription system.

Treatment of data

The data were pre-processed for quantification. This procedure aimed at standardizing the transcription so Gradus 1 (1) 74 that it could be read by the segment counting software. The PHP script provided the CV combination counts. In an attempt to integrate both trends in the literature, we made use of four consonant categories, organized according to constriction place. The first three, labial, coronal, and dorsal, reflect traditional practice by FC and AP, while the fourth, laryngeal, reflects the contribution of LCM. The vowel categories were the traditional three (front, back, and central). At this point, however, it is important to note that ‘central’ is a misnomer, especially if applied to the vowel [a]. Lumping [a] with [ə]-like vowels in a single category is equivalent to assuming a common constriction location lying somewhere in between those for front and back vowels. Thus, the main articulator involved should be the tongue body, which does not hold across the board. Whereas the jaw and the tongue root cooperate to achieve the constriction for [a], the neutral vocal tract shape for [ə]- like vowels is achieved mainly by the jaw, with greater or lesser cooperation from the tongue body, depending on vowel height. The statistical procedures used for data analysis were Pearson’s chi-square test, in conjunction with adjusted standardized residuals and the Cramér’s V coefficient. Gradus 1 (1) 75

Results

Our results suggest that children not always follow the same path towards gaining control over the articulators involved in CV combinations. For this reason, each child’s results will be presented and discussed separately.

Participant 1 Results From 0:06 to 0:07

Table 1 displays P1’s raw frequencies cross-tabulated in a four by three contingency table. For ease of comparison, the same data are also displayed in graph 1.

Table 1: P1’s raw CV combina- VN tion count (0:06-0:07). front back central C labial 14 6 31 51 coronal 58 6 185 249 dorsal 35 3 15 53 laryngeal 43 12 280 335 Total 150 27 511 688

Graph 1: P1’s raw CV combina- tion count (0:06-0:07).

The predominance of laryngeals is noteworthy, which supports LCM. Laryngeal Cs occur massively with central Gradus 1 (1) 76 vowels (n=280), less with front, and even less with back vowels (n=12). Moreover, the trend for labial Cs to combine with cen- tral Vs described by both FC24 and AP25 was notably 24. Davis and MacNeilage, weak for this participant in this period (n=31), in com- “The Articulatory Basis of Babbling” (1995). parison to other CV combinations. Analogously, coronal 25. Giulivi et al., “An Ar- C / front V combinations, also reported by such literature, ticulatory Phonology account albeit present (n=58), are much less numerous than their of preferred consonant-vowel combinations” (2011). coronal C / central V counterparts (n=185). The trend for dorsal consonants to combine with back vowels was strongly contradicted by this child, agreeing with Chen and Kent’s description of Mandarin.26 The 26. Chen and Kent, very low dorsal C / back V count (n=3) contrasts with a “Consonant-vowel co-occurrence patterns in Mandarin- learning much higher dorsal C /front V count (n=35), and with infants” (2005). the moderate dorsal C / central V count (n=15). At this stage, the rate of occurrence of buccal consonants is 51.3% (n=353), indicating that the transition from the larynx to the mouth is underway. Note, however, that the rate of occurrence of laryngeals is still expressive, accounting for 48.7% of the observed combinations (n=335). These results provide evidence that buccalization is gradual and raise questions on the development of coordination between the jaw, the lips and the tongue. In this child, the jaw seems to play a more important role in vowel than in consonant produc- tion, which is dominated by the larynx and the tongue tip. It is evident that all consonants, buccal or laryngeal, prefer central vowels at this stage (n=511). Constriction mechanisms are thus likely developing separately for vowels and consonants. While vowels seem to rely mostly on the jaw, consonants seem to be going through a transi- tion from laryngeal to buccal constrictions. The favorite buccal class is coronal (n=249). Gradus 1 (1) 77

Simple inspection of table 1 indicates that some ob- served frequencies are too low for expected frequencies to equal 5 or higher in a four-by-three chi-square analysis. We have decided, therefore, to reorganize the contin- gency table binarily. For consonants, we chose to focus on the contrast between the positions of FC and AP, on the one hand, and LCM, on the other. The categories are, thus, buccals and laryngeals. For vowels, we chose to focus on the main control mechanisms observed in our own data: jaw-dominance characterizes central vowels, while tongue-dominance characterizes front and back vowels.

Table 2: P1’s buccal and laryn- C V Total geal percentages (0:06-0:07) Tongue Jaw dominant dominant Buccal 17.7% 33.6% 51.3% Laryngeal 8% 40.7% 48.7% Total 25.7% 74.3% 100.0%

Graph 2: P1’s buccal and la- ryngeal C and tongue and jaw controlled V counts (0:06-0:07). Gradus 1 (1) 78

In order to test the hypothesis that these combinations constitute real biases, we applied the statistical tests of Pearson’s Chi-square and Cramér’s V coefficient. Chi- square does provide evidence for association between C and V classes.

Table 3: P1’s results for Chi- Participant N X² Cramér’s V P square and Cramér’s V coefficient (0:06-0:07). P1 688 29610 0.207 <0.0001

α = 0,05 X²c1=7879 DF=1

The Cramér’s V Coefficient is used to measure the strength of association between nominal variables, clas- sifying it as weak, moderate or strong, on a scale of 0 to 1.0. A result of 0.207 indicates a moderate strength of association. Adjusted standardized residuals indicate the direction of the observed biases. A value above 1.96 suggests that the combination is significant. A positive bias on one side implies a negative one on the other.

Table 4: P1’s Chi-square ad- CV justed residuals (0:06-0:07) Tongue Jaw dominant dominant Buccal 5,4 -5,4 Laryngeal -5,4 5,4

Graph 3: P1’s Chi-square adjusted residuals (0:06-0:07).

The adjusted standardized residuals indicate that Gradus 1 (1) 79 buccal Cs have a bias for tongue dominant Vs, while laryngeals have a bias for jaw dominant Vs.

Participant 1 Results — 0:9

Table 5 displays P1’s raw frequencies at 9 months, cross-tabulated in a four by three contingency table. The corresponding bar graph follows.

Table 5: P1’s raw CV combina- VN tion count (0:09) front back central C labial 1 3 3 7 coronal 15 3 36 54 dorsal 5 11 29 45 laryngeal 2 0 97 99 Total 23 17 165 205

Graph 4: P1’s raw CV combina- tion count (0:09).

At 9 months, P1 continues to present a strong prefer- ence for combinations involving laryngeals over other types of consonants (n=99). Similarly, almost all of these combinations involve central vowels (n=97). Laryngeal Cs occur minimally with front Vs (n=2), and do not occur with back Vs. The trend to combine coronal Cs with all three types Gradus 1 (1) 80 of vowels remains stable (n=54), but is now followed closely by an emerging dorsal trend (n=45). Dorsal C / back V combinations have increased (n=11) and surmounted dorsal C / front V combinations (n=5), but are weak in comparison with dorsal C / central V combinations (n=29). There is a decline in labial C / central V combinations in this period (n=3), occurring at the same rate as labial C / back V (n=3). Labial C / front V pairs are the weakest (n=1). Although the combinations described by FC and AP are present at this stage, they are still inexpressive, contrast- ing with those involving laryngeal Cs, a fact that, again, supports LCM. It is worth mentioning that LCM expects a decrease in laryngeals after the seventh month, which is yet to be seen at this point. The preferred vowel type continues to be central V (n=165), being present in 81% of all combinations. The least frequent vowels for P1 at this stage are back Vs, present in only 8% of combinations (n=17), followed by front Vs, with 11% (n=23). Gradus 1 (1) 81

The ratio between buccals and laryngeals continues to be balanced, tending towards a minimal preference for buccals over laryngeals, i.e., 51.7%, against 48.3%. Jaw dominant vowels continue to increase in this period, while tongue dominant vowels are declining. This again suggests that P1 is acquiring control of consonants and vowels separately. It is as if she were experimenting with different tongue gestures for consonants while maintaining the vowel gestures relatively constant.

Table 6: P1’s buccal and la- C V Total ryngeal Cs tongue and jaw Tongue Jaw controlled Vs percentages (0:09) dominant dominant Buccal 18.5% 33.2% 51.7% Laryngeal 1% 47.3% 48.3%

Graph 5: P1’s buccal and la- ryngeal C and tongue and jaw controlled V counts (0:09). Gradus 1 (1) 82

Again, chi-square and Cramér’s V provide evidence for association between consonant and vowel classes. The Cramér’s V value for this period is 0.427, considered strong. This strength is probably due to the imbalance in the vowels occurring with laryngeals.

Table 7: P1’s results for the Participant N X² Cramér’s V P Pearson’s Chi-Square Test (0:09). P1 205 37301 0.427 <0.0001

α = 0,05 X²c2=7879 DF=1

Adjusted standardized residuals indicate that buccals remain biased for tongue dominant Vs (6.1), while laryn- geals remain biased for jaw dominant Vs (6.1).

Table 8: P1’s Chi-square ad- CV justed residuals (0:09) Tongue Jaw dominant dominant Buccal 6.1% -6.1% Laryngeal -6.1% 6.1%

Graph 6: P1’s Chi-square adjusted residuals (0:09). Gradus 1 (1) 83

Participant 1 Results — 0:10-0:11

Table 9 displays P1’s raw frequencies during the pe- riod of 0:10 to 0:11, cross-tabulated in a four by three contingency table. The corresponding bar graph follows.

Table 9: P1’s raw CV combina- VN tion count (0:10-0:11). front back central C labial 4 4 66 74 coronal 33 3 134 170 dorsal 7 36 78 121 laryngeal 2 2 70 74 Total 46 45 348 439

Graph 7: P1’s raw CV combina- tion count.

Between 10 and 12 months, a slow trend towards the combinations described by FC and AP starts to develop. We observe an increase in labial C / central V combina- tions (n=66), followed by coronal C / front V (n=33) and dorsal C / back V (n=36). Nevertheless, the earlier trend for all consonant classes to prefer central vowels is still active. It is noteworthy that coronals, rather than laryngeals, are the most expressive Cs at this stage (n=170), being closely followed by dorsals (n=121), which suggests that the acquisition of tongue gestures is well underway. This is the first time that other consonant classes exceed laryngeals. Laryngeals have actually decreased (n=74), matching labials (n=74), the slowest class to emerge. Gradus 1 (1) 84

Central Vs are still preferred, remaining massive during this period. The path towards buccalization is evident from the preference for buccals, with 83.1% of combinations, over laryngeals, which now account for 16.9%. Buccal preference for central Vs remains stable.

Table 10: P1’s buccal and C V Total laryngeal Cs tongue and jaw controlled Vs percentages Tongue Jaw (0:10-0:11). dominant dominant Buccal 19.8% 63.3% 83.1% Laryngeal 0.9% 15.9% 16.9% Total 20.7% 79.3% 100.0%

Graph 8: P1’s buccal and la- ryngeal C and tongue and jaw controlled V counts (0:10-0:11).

Chi-square and Cramér’s V continue to evidence associ- ation between consonants and vowels. Cramér’s V for this period is 0.170, considered relatively weak.

Table 11: P1’s results for the Participant N X² Cramér’s V P Pearson’s Chi-Square Test (0:10-0:11). P1 439 12718 0.170 <0.0001

α = 0,05 X²c3=7879 DF=1

The adjusted standardized residuals now indicate that Gradus 1 (1) 85 the buccal C bias for tongue dominant Vs, albeit present, is much lower than in the previous period (3.6). The same goes for the laryngeal bias for jaw dominant Vs (3.6). The lower strength of association, in conjunction with the decrease in the residuals, suggests that vowel and consonant classes are becoming more independent. As laryngeals decrease, buccals combine more freely with all vowel classes.

Table 12: P1’s Chi-square CV adjusted residuals (0:10-0:11). Tongue Jaw dominant dominant Buccal 3,6 -3,6 Laryngeal -3,6 3,6

Graph 9: P1’s Chi-square adjusted residuals (0:10-0:11).

As a whole, P1’s results suggest that speech may in- deed start in the larynx, as proposed by LCM, and only buccalize at later stages. They also suggest that holding the vowel under jaw control may be an efficient strategy for infants to acquire control over the lips and tongue to produce consonants. Gradus 1 (1) 86

Participants 2 and 3 results

P2 and P3 were recorded at a later, complementary stage of development. Although both their sample sizes are reduced in comparison with that of P1, they offer valuable insight into what might be in place after twelve months. In keeping with our search for commonalities and differences and with the overall impression that not all children reach buccalization via the same path, we analyzed the participant’s results in separate sub-sections.

Participant 2 results

Table 13 displays P2’s raw frequencies for the period of 1:03-1:05, cross-tabulated in a four by three contingency table. The corresponding bar graph follows.

Table 13: P2’s raw CV combina- VN tion count (1:03-1:05). front back central C labial 12 8 46 66 coronal 2 0 8 10 dorsal 1 0 2 3 laryngeal 0 0 8 8 Total 15 8 64 87

Graph 10: P2’s raw CV combina- tion count (1:03-1:05).

The striking difference here is that labials are the preferred consonant (n=66), combining with all three Gradus 1 (1) 87 vowel types. Labial C / central V pairs are the most common (n=46). In fact, they account for 71.8% of all combinations; front Vs (n=12) and back Vs (n=8) are also present, but inexpressively. Coronal C combinations are weak, appearing only with front Vs (n=2) and central Vs (n=8). Dorsals are present, but are the least frequent C (n=3), combining with front Vs (n=1) and central Vs (n=3) only. Contrasting with LCM predictions, laryngeals are still present after 12 months (n=8), but are not nearly as expressive as labials (n=66). Central vowels are preferred, combining with all conso- nants (n=64) and accounting for 73.5% of all combina- tions. Here the prevalence of buccals over laryngeals is strong, at 90.8%, evidencing that buccalized speech is already in place. Laryngeals are minimal, at 9.2%, which agrees with their rare occurrence in BP.

Table 14: P2’s buccal and C V Total laryngeal Cs tongue and jaw controlled Vs percentages Tongue Jaw (1:03-1:05). dominant dominant Buccal 26.4% 64.4% 90.8% Laryngeal 0.0% 9.2% 9.2% Total 26.4% 73.6% 100.0%

Graph 11: P2’s buccal and laryngeal Cs tongue and jaw controlled Vs counts (1:03-1:05). Gradus 1 (1) 88

Due to reduced sample size (n=87), chi-square was not significant for P2. The same goes for Cramér’s V.

Table 15: P2’s Chi-square and Participant N X² Cramér’s V P Cramér’s V results (1:3-1:5). P2 87 3166 0.191 <0.0001

α = 0,05 X²c=7879 DF=1

Moreover, adjusted standardized residuals were slightly below 1.96, casting doubt again on the association be- tween consonants and vowels. Such lack of association could be explained by the sample size.

Table 16: P2’s Chi-square CV adjusted residuals (1:3-1:5). Tongue Jaw dominant dominant Buccal 1.8 -1.8 Laryngeal -1.8 1.8

Graph 12: P2’s Chi-square adjusted residuals (1:3-1:5).

It is important to stress that these data are only sugges- tive due to the reduced sample. Nevertheless, we will see below that they are largely consistent with those of P3, who is slightly older. Gradus 1 (1) 89

Participant 3 results

P3 results refer to data collected between 1:05 and 1:07. Table 17 displays raw frequencies for this period, cross-tabulated in a four by three contingency table. The accompanying bar graph follows.

Table 17: P3’s raw CV combina- VN tion count (1:05-1:07). front back central C labial 0 10 58 68 coronal 3 46 1 50 dorsal 3 0 0 3 laryngeal 12 38 19 69 Total 18 30 142 190

Graph 13: P3’s raw CV combina- tion count (1:05-1:07).

There is already a greater variety of combinations in play during this period. Consonants prefer different vowels and combine more independently. Combinations involving labials, coronals and laryn- geals (n=68, n=50 and n=69, respectively) are now proportioned. Dorsals, however, are practically absent, occurring only in combination with front Vs (n=3). Labial Cs prefer central Vs (n=58), but are inexpres- sive with back Vs (n=10), and do not occur with front Vs (n=0). Gradus 1 (1) 90

Coronal Cs combine the most with back Vs (n=46); the other vowels present are minimal (coronal C / front V (n=3) and coronal C / back V (n=1)). Laryngeals are expressive with P3 (n=69), on a par with labials (n=68). It is noteworthy that they are still present at such a later stage, a surprising result even in light of LCM. They combine with all vowel types: back (n=38), central (n=19) and front (n=12). Central vowels are preferred by all Cs (n=142), ac- counting for 74.7% of all cases, while front Vs (n=18) and back Vs (n=30) are weaker, at 9.4% and 15.7% respectively.

Table 18: P3’s buccal and C V Total laryngeal Cs tongue and jaw controlled Vs percentages Tongue Jaw (1:5-1:7). dominant dominant Buccal 8.9% 54.7% 63.7% Laryngeal 16.3% 20.0% 36.3% Total 25.3% 74.7% 100.0%

Graph 14: P3’s buccal and laryn- geal C tongue and jaw controlled V counts (1:5-1:7).

The preference for buccals is evident, at 63.7%, while laryngeals are at 36.3%. Even though laryngeals are declining, they still occur at a higher than expected rate at this stage. Gradus 1 (1) 91

Chi-square shows association between consonant and vowel classes. Cramér’s V, at 0.342, a relatively strong effect, further confirms this association.

Table 19: P3’s Chi-square and Participant N X² Cramér’s V P Cramér’s V results (1:5-1:7). P3 190 22190 0.342 <0.0001

α = 0,05 X²c5=7879 DF=1

Interestingly, the adjusted standardized residuals show a trend opposite to that of P2, who is closer in age to P3 than P1. There is a bias for buccals to combine with jaw dominant (4.7), as opposed to tongue dominant vowels (-4.7). This may be again a manifestation of the strategy to use central vowels to learn new consonants, as observed in P1. Laryngeals, on the other hand, seem to prefer tongue dominance, which may indicate that they are priming the vowel tongue gestures.

Table 20: P3’s Chi-square CV adjusted residuals (1:5-1:7). Tongue Jaw dominant dominant Buccal -4.7 4.7 Laryngeal 4.7 -4.7

Graph 15: P3’s Chi-square adjusted residuals (1:5-1:7). Gradus 1 (1) 92

Discussion

The results suggest that the three children do not gain control over articulations in the same way, thus following a different route towards buccalization. With regard to buccal consonants, P1 seems to prefer coronals and dorsals, whereas P2 and P3, observed at a later stage, seem to have followed a different path, favoring labials. Control over vowels, in turn, seems to be acquired sepa- rately. ‘Vocal play’ involves experimenting with different consonantal and vocalic gestures. All three children end up electing central vowels for such experimentation. At 6 months, vowels appear to rely mostly on the jaw, while consonants transition from laryngeal to buccal. At 9 months, laryngeals are strongly associated with central vowels. At 11 months, there is a decline in CV association strength, suggesting that C and V classes are less dependent not due to free combination, but to pervasive preference for central vowels. This trend is, however, different from that found in P3, whois still transitioning towards buccalization at 19 months, but presents a greater CV association strength due to emerging biases between buccal consonants and jaw dominant vowels, probably due to the emergence of first words (e.g.:mamãe (mommy), papai (daddy), dá (give me)). Other noteworthy findings were the decline of la- ryngeals in P1 at 11 months, and the permanence of laryngeals past twelve months in P3. P1’s results confirm LCM, while P3’s results call attention to the fact that the transition to buccalization may last over a year. A possible explanation for the high number of la- ryngeals in all children is that they occurred mostly at moments in which the child was excited, preceding or following giggles, crying and fussiness. As for vowel preference, all consonants seem to elect central vowels. This applies to all three children, for all periods analyzed. A possible explanation is that [a] is the most frequent vowel in BP,27 and [ə] is commonly 27. Albano, “Fontes fônicas e associated with laughter and reaching or asking for não fônicas de variabilidade na aquisição da sílaba CV” (2011). objects. For P1 the number of front vowels varied with the period analyzed, from expressive at earlier stages to even with back vowels later on. They were the minority for P3, while occurring twice as much as back vowels for P2. Back vowels, in turn, are the minority in all periods for both P1 and P2, while remaining in second position for Gradus 1 (1) 93

P3, following central vowels. The differences between the participants suggest that biomechanical constraints, be they related to the upper or the lower vocal tract, play a lesser role than ambient language influences and individual differences in these data. Therefore, let us turn to the discussion of these factors.

Final considerations

Our data include transcriptions of parental speech, which, however, have not yet been analyzed. We will, therefore, refrain from making claims about the envi- ronmental source of the children’s laryngeals. In any case, informal observation suggests that BP is like many other western languages in putting this class to prosodic and paralinguistic uses. Child-directed speech is full of interjections, which are often flanked with [ʔ, ħ, ʕ,h, ɦ]. “Motherese” strives at prosodic salience, and one of the mechanisms to achieve it is to break vowel clusters with glottal stops. Most of these phenomena have been neglected by the phonological acquisition literature, because they are deemed marginal or paralinguistic. The present data point to the need for a thorough study of the sounds of child-adult interaction considering de- tails of adult expressive vocalization that might elucidate the role of the environment in children’s early preference for laryngeals. It would not be surprising if we found frequency effects in this aspect of child speech, inline with what other authors have found in several other domains.28 Actually, we have provided some evidence, 28. Edwards, Beckman, and though indirect,29 that the three children’s preference for Munson, “Frequency Effects in Phonological Acquisition” central vowels may be such an effect. (2015). This is not to say that biomechanical models are wrong. 29. Based on Albano, “Fontes fônicas e não fônicas de variabili- Our data support some of LCM’s claims, and begin to dade na aquisição da sílaba CV” shift towards the patterns described by FC and AP by (2011). the time children acquire their first words. In the second year of life, a child’s vocal tract is fitter for buccalization, as motor dexterity increases. Word frequency may thus converge with cognition and biomechanics to enhance the learning of the repertoire of ‘baby talk’.30 30. Jakobson, “Why ’mama’ and ’papa’?” (1962). As for models of the upper vocal tract, the data do not conclusively differentiate between FC and AP. Rather, they call attention to possible methodological flaws that may have led both models to hasty overestimates of certain CV biases. The striking rarity of dorsal consonants and back vowels in all three children led us to look at the Gradus 1 (1) 94

raw frequencies published by Giulivi et al.31 As expected, 31. Giulivi et al., “An Ar- they are also rare in English, French, Mandarin, and ticulatory Phonology account of preferred consonant-vowel Korean, as reported by these authors — who, apparently, combinations” (2011). did not realize that low observed frequencies do not warrant statistical inferences about CV association. It is thus prudent to conclude that further research should span a longer period and look more closely into the sounds of child-adult interaction to elucidate the questions that this study has left unanswered.

Acknowledgements

We thank CNPq for the PIBIC scholarship and for grant No.311306/2014-4.

Referências

Albano, Eleonora Cavalcante (2011). “Fontes fônicas e não fônicas de variabilidade na aquisição da sílaba CV”. In: Revista Abralin Vol. eletrônico.nº especial, 2ª parte, pp. 179–207. Boysson-Bardies, Bénédicte and Marilyn May Vihman (1991). “Adaptation to lan- guage: evidence from babbling and first words in four languages”. In: Language 67.2, pp. 297–319. Browman, Catherine P. and Louis Goldstein (1992). “Articulatory phonology: an overview”. In: Phonetica 49.3–4, pp. 155–180. Chen, Li-Mei and Raymond Kent (2005). “Consonant-vowel co-occurrence patterns in Mandarin- learning infants”. In: Journal of Child Language 32.3, pp. 507–534. Davis, Barbara L. and Peter F. MacNeilage (1995). “The Articulatory Basis of Bab- bling”. In: Journal of Speech and Hearing Research 38.6, pp. 1199–1211. Edwards, Jan, Mary E. Beckman, and Benjamin Munson (2015). “Frequency Effects in Phonological Acquisition”. In: Journal of Child Language 42.2, pp. 306–311. Esling, John H. (February 11, 2012). “The articulatory function of the larynx and the origins of speech”. In: Proceedings of the Thirty-Eighth Annual Meeting of the Berkeley Lin- guistics Society. Ed. by Kayla Carpenter et al. Berkeley Linguistics Society., pp. 121– 150. Garcia, Rosane (2012). “Padrões de coocorrência CV na aquisição do Português Brasileiro em crianças de 1 a 3 anos”. Tese de doutorado. Universidade Católica de Pelotas. Giulivi, Sara et al. (2011). “An Articulatory Phonology account of preferred consonant- vowel combinations”. In: Language Learning and Development 7.3, pp. 202–225. Grenon, Izabelle, Allison Benner, and John H. Esling (2007). “Language-specific phonetic production patterns in the first year of life”. In: Proceedings of the 16th International Congress of Phonetic Sciences. Ed. by Jürgen Trouvain and William Barry. Saarbrücken: Universität des Saarlandes, pp. 1561–1564. Jakobson, Roman (1962). “Why ’mama’ and ’papa’?” In: Selected Writings. Vol. I. The Hague: Mouton, pp. 538–545. Gradus 1 (1) 95

Madruga, Magnun Rochel (2011). “Relações de Cooocorrência CV: uma discussão acerca do papel das classes consonantais”. Dissertação de mestrado. Universidade Católica de Pelotas. Moisik, Scott and John H. Esling (2007). “3-D auditory-articulatory modeling of the laryngeal constrictor mechanism”. In: Proceedings of the 16th International Congress of Phonetic Sciences. Ed. by Jürgen Trouvain and William Barry. Vol. 1. Saarbrücken: Universität des Saarlandes, pp. 373–376. Silveira, Karine Araújo (2006). “Padrões segmentais, lexicais, silábicos, intra-silábicos e inter- silábicos em crianças falantes de PB”. Tese de doutorado. Universidade Federal da Bahia. Steeve, Roger William et al. (2008). “Babbling, chewing, and sucking: oromandibular coordination at 9 months”. In: Journal of Speech and Hearing Research 51.6, pp. 1390– 1404. Teixeira, Elizabeth Reis (1997). “O modelo teórico dos ‘Moldes, antes do Conteúdo’ de MacNeilage e Davis (1995, 1996)”. Teixeira, Elizabeth Reis (2002). “Padrões fonéticos e influências da língua ambiente na aquisição da fala de duas crianças falantes do Português Brasileiro”. In: Belém: EDUFPA, pp. 15–19. Trouvain, Jürgen and William Barry, eds. (2007). Proceedings of the 16th International Congress of Phonetic Sciences. Saarbrücken: Universität des Saarlandes. Zimmer, Marcia Cristina and Magnun Rochel Madruga (2011). “Uma perspectiva dinâmica da sílaba e da coocorrência CV na aquisição do Português Brasileiro”. In: Veredas 15.1, pp. 32–48. A variação na produção de sinais da Libras à luz da Fonologia Gestual

DOI: 10.47627/gradus.v1i1.105

André Nogueira Xavier [email protected] Universidade Federal do Paraná

Gradus Revista Brasileira de Fonologia de Laboratório

Vol. 1, nº 1 Dezembro de 2016 https://gradusjournal.com/index.php/gradus/article/view/5

Bibtex: @article{xavier2016variacao, author = {André Nogueira Xavier}, issn = {2526-2718}, doi = {10.47627/gradus.v1i1.105}, jour- nal = {Gradus}, month = {dec}, number = {1}, pages = {96–125}, title = {A variação na produção de sinais da Libras à luz da Fonologia Gestual}, volume = {1}, year = {2016}}

Este texto pode ser livremente copiado, sob os termos da licença Creative Commons Atribuição-NãoComercial 4.0 Interna- https://creativecommons.org/ cional (CC BY-NC 4.0). licenses/by-nc/4.0/deed.pt_BR Gradus 1 (1) 97

Resumo

Os sinais da língua brasileira de sinais, Libras, são tipicamente realizados com uma ou duas mãos. Apesar disso, observa-se a ocorrência de variação no número de mãos de alguns desses sinais. Este trabalho apresenta os resultados de um experimento realizado para determinar se (1) a variação no número de mãos na produção de três sinais da Libras (PRECISAR, QUERER e JÁ) decorre da coarticulação, ou seja, da influência do número de mãos do sinal precedente (coarticulação perseveratória) ou seguinte (coarticulação antecipatória) sobre o deles, e (2) se, assim como tem sido demonstrado para as línguas orais, o aumento na taxa de elocução também aumenta a ocorrência de coarticulação. O experimento contou com a participação de quatro sinalizantes surdos (dois homens e duas mulheres) e consistiu de três partes. A primeira, uma entrevista, objetivou eliciar os sinais em análise em sua forma isolada. A segunda, um jogo, eliciou tais sinais em diferentes contextos fonético-fonológicos, mas de uma forma lúdica. Por fim, a terceira também consistiu na eli- ciação dos sinais-alvo em contextos fonético-fonológicos distintos, porém, diferentemente do jogo, se restringiu à sinalização de cada enunciado em duas taxas (normal e rápida). Os resultados mostram que a ocorrência de coarticulação varia em função do sujeito, do sinal, do contexto e da taxa. Palavras-chave: Libras; coarticulação; número de mãos.

Abstract

Brazilian sign language (Libras) signs are typically articulated with one or two hands. Nevertheless, the oc- currence of variation is observed in the number of hands of some of these signs. This paper presents the results of an experiment conducted to determine whether (1) the variation in the number of hands in the production of three Libras signs (NEED, WANT and ALREADY) result from coarticulation, that is, the influence of the number of hands of the preceding sign (carryover coarticulation) or of the following one (anticipatory coarticulation) on theirs and (2) whether, as has been demonstrated for spo- ken language, the increase in speech rate also increases the occurrence of coarticulation. The experiment had as participants four deaf signers (two men and two women) and consisted of three parts. The first part, an interview, Gradus 1 (1) 98 aimed to elicit the target signs in isolation. The second part, a game, elicited the same signs in different contexts, but in a playful way. Finally, the third part also consisted in eliciting the target signs in different contexts, however, unlike the game, it was restricted to the signing of each utterance in two rates (normal and fast). The results show that the occurrence of coarticulation varies in relation to subject, sign, context and rate. Keywords: Libras; coarticulation; number of hands.

Introdução

Os itens lexicais das línguas sinalizadas, tradicional- mente chamados de sinais, são, em sua maioria, arti- culados manualmente.[A] Embora, em tese, ambas as As notas do autor são indicadas mãos pudessem ser empregadas na produção de todas com letras maiúsculas, e estão ao final do texto, na p. 123. as palavras dessas línguas, observa-se que há sinais ca- racteristicamente realizados com uma mão e outros tipicamente produzidos com duas.1 1. Battison, Lexical borrowing in American sign language (1978); Xavier documenta a existência na língua brasileira de Klima e Bellugi, The signs of sinais, Libras, de sinais desses dois tipos, ou seja, sinais Language (1979). monomanuais e bimanuais.2 Em um estudo mais recente, 2. Xavier, “Descrição fonético- o autor evidencia que a diferença no número de mãos fonológica dos sinais da língua 3 brasileira de sinais (libras)” pode ser fonologicamente contrastiva nessa língua. De (2006). acordo com Xavier, há na Libras pares de sinais como 3. Xavier, “Uma ou duas? IDADE e ANIVERSÁRIO (fig. 1) em que o contraste lexical Eis a questão! Um estudo do parâmetro número de mãos na é formalmente estabelecido no fato de um dos sinais do produção de sinais da língua par ser articulado com uma mão e o outro, com duas.[B] brasileira de sinais (libras)” (2014).

Figura 1: Segundo Klima e Bellugi, na língua de sinais americana (ASL) pares mínimos envolvendo o número de mãos, além de raros, são como IDADE e ANIVERSÁRIO, semantica- mente/lexicalmente relacionados. Klima e Bellugi, The signs of Language (1979). (a) Sinal IDADE. (b) Sinal ANIVERSÁRIO. Gradus 1 (1) 99

Apesar da contrastividade do número de mãos, em um estudo que eliciou de 12 sinalizantes surdos da cidade de São Paulo 60 sinais da Libras em sua forma isolada, Xavier e Barbosa observaram a ocorrência de variação no número de mãos de 14 desses sinais.4 Segundo os 4. Xavier e Barbosa, “Di- autores, esses sinais apresentaram não apenas variação ferentes pronúncias em uma língua não sonora? Um estudo da inter-sujeito, como ilustrada na fig. 2, como também variação na produção de sinais variação intra-sujeito, como exemplificada na fig. 3. da libras” (2014).

Figura 2: Variação inter-sujeito na produção do sinal QUERER.

Figura 3: Variação intra-sujeito na produção do sinal QUERER. Gradus 1 (1) 100

Tanto os casos ilustrados na fig. 1 quanto os mostrados na fig. 2 indicam que o número de mãos de sinais da Libras pode variar livremente. Entretanto, observações de sinalizações correntes de um mesmo sinalizante sugerem que o contexto fonético-fonológico, ou seja, o número de mãos do sinal precedente e/ou seguinte, pode levar certos sinais a ser produzidos com uma ou duas mãos. É isso que parece explicar a variação na produção do sinal IMPORTANTE observada em um vídeo disponível no Youtube (fig. 4).

Figura 4: Variação intra-sujeito na produção do sinal IMPOR- Em sua primeira ocorrência no fragmento em análise, TANTE, retirada de um vídeo vê-se que IMPORTANTE é realizado com apenas uma disponível no Youtube em mão, tal como tipicamente é (fig. 4, superior). Entretanto, http://www.youtube.com/watch? v=8kebxxWg3TA. O primeiro em um momento seguinte (fig. 4, inferior), o mesmo fragmento tem início em 1’38” e sinal é articulado com duas mãos, muito provavelmente o segundo em 1’42”. por influência do contexto fonético-fonológico. Como mostram as imagens, IMPORTANTE ocorre entre os sinais bimanuais MÃOS e TUDO-BEM. No âmbito da Fonologia Gestual, processos semelhantes ao descrito acima são analisados como coarticulação e explicados como resultantes do aumento da ativação temporal de gestos articulatórios e sua consequente sobre- posição a outros gestos.5 Dito de forma mais detalhada, 5. Browman e Goldstein, “Articulatory gestures as phono- logical units” (1989). Gradus 1 (1) 101 para a Fonologia Gestual, as unidades mínimas com base nas quais os itens lexicais se compõem e contrastam en- tre si são os gestos articulatórios, que, nas línguas orais, consistem na formação e soltura de constrições no trato vocal, realizadas durante a produção da fala. Esses gestos se distinguem marcadamente dos fonemas e dos traços distintivos, primitivos da fonologia tradicional, por não serem unidades atemporais, mas sim dinâmicas, ou seja, constituídas de tempo intrínseco. Dado que a articulação da fala envolve diferentes ges- tos, a Fonologia Gestual concebe as unidades lexicais como constelações de gestos, ou seja, como um conjunto de gestos que se orquestram temporalmente. Tal orquestra- mento é representado por meio de uma pauta gestual, na qual se captura a sequencialidade e/ou a simultaneidade dos gestos articulatórios envolvidos na produção de um item lexical e, por extensão, da fala. Concebendo a produção da fala nesses termos, a Fo- nologia Gestual descreve e analisa a coarticulação como 6. Wilcox, The phonetics of resultante do aumento da superposição dos gestos na fingerspelling (1992); Cheek, “The phonetics and phonology linha do tempo, o que afeta sua realização pela requisição of handshape in American de articuladores comuns ou influência de um articulador Sign Language” (2001); Mauk, “Undershoot in two modalities: sobre o outro. Se o aumento nessa extensão temporal evidence from fast speech and resulta na antecipação da ativação de um gesto, tem-se fast signing” (2003); Tyrone coarticulação antecipatória. Se ele resultar na sua perseve- et al., “Prosody and movement in American Sign Language: ração, tem-se coarticulação perseveratória. a task-dynamics approach” (2010); Keane, Brentari e Apesar de a Fonologia Gestual ter sido originalmente Riggle, “Coarticulation in ASL concebida para a análise das línguas orais, suas bases em fingerspelling” (2013). estudos da motricidade têm levado alguns pesquisadores a empregar seus princípios na análise do componente fonético-fonológico das línguas de sinais.6 Esses pesquisa- dores têm demonstrado que a noção de gesto articulatório se aplica a essas línguas e que nelas também ocorrem processos coarticulatórios. Seguindo esses trabalhos, o estudo reportado neste artigo objetivou testar (1) se contexto fonético-fonológico, ou seja, o número de mãos do(s) sinal(is) adjacente(s), favorece a realização com duas mãos de alguns sinais da 7. Hardcastle, “Some Pho- netic and Syntactic Constraints Libras tipicamente produzidos com uma (e vice-versa). on Lingual Coarticulation dur- Além disso, levando em conta estudos sobre línguas ing /kl/ Sequences” (1985); orais que mostram que o aumento na taxa de elocu- Farnetani, “V-C-V lingual coar- 7 ticulation and its spatio-temporal ção resulta em aumento da coarticulação, este estudo domain” (1990); Farnetani também visou testar se (2) o aumento da taxa de sinali- e Recasens, “Anticipatory consonant-to-vowel Coarticula- zação desencadeia ou aumenta a influência do contexto tion in the production of VCV fonético-fonológico na realização desses sinais no que sequences in Italian” (1993). diz respeito ao seu número de mãos. As seções seguintes discutem o experimento, começando pela metodologia empregada, seguindo-se os resultados e a discussão, à luz Gradus 1 (1) 102 da Fonologia Gestual.

Metodologia

Sujeitos

Participaram do estudo quatro sinalizantes surdos: dois homens (MM e TC) e duas mulheres (AD e BL). Todos com surdez congênita, mas apenas um é filho de pais surdos (AD) e pode, portanto, ser considerado um sinalizante nativo. Os três outros (MM, TC e BL), que nasceram de pais ouvintes, adquiriram a Libras na escola especial para surdos entre 2,6 e 5 anos de idade, através da interação com outras crianças surdas. A idade dos Figura 5: Sinal QUERER. sujeitos quando da realização do experimento variou entre 28 e 29 anos. Os sujeitos, filhos de pais ouvintes, nasceram, cresceram e viviam na cidade de São Paulo quando de sua participação no estudo. O sujeito nativo, por sua vez, nasceu, cresceu e vivia na cidade de Santos, litoral paulista. Entretanto, tal sujeito reportou que por trabalhar na cidade de São Paulo havia cinco anos passava a maior parte do tempo naquela cidade. Todos os sujeitos conseguem articular a fala e ler lábios, e todos têm nível superior. Além disso, todos os sujeitos reportaram ter contato com outros surdos e muito contato entre si, por serem amigos desde a infância.

Estímulos e procedimentos

Para testar se a variação no número de mãos de sinais Figura 6: Sinal PRECISAR. da Libras pode ser explicada pelo contexto fonético- fonológico em que ocorrem, foram selecionados três sinais, QUERER (fig. 5), PRECISAR (fig. 6) e JÁ (fig. 7), que foram observados variar nesse aspecto em sinaliza- ções espontâneas. Para eliciar esses três sinais, foi realizado um experi- mento constituído de três partes: uma entrevista estrutu- rada, um jogo e sinalizações de enunciados. A entrevista teve como objetivo eliciar os sinais-alvo isoladamente, para que fosse possível, posteriormente, compará-los com sua(s) respectiva(s) variante(s) em contexto. Com isso, objetivou-se ter elementos para determinar se para um dado sujeito a coarticulação no número de mãos se carac- teriza como um caso de duplicação, ou seja, de realização Figura 7: Sinal JÁ. com duas mãos de sinais tipicamente articulados com uma ou de unificação, isto é, de produção com uma mão de sinais normalmente feitos com duas.8 8. Xavier, “Uma ou duas? Eis a questão! Um estudo do parâmetro número de mãos na produção de sinais da língua brasileira de sinais (libras)” (2014). Gradus 1 (1) 103

Já o jogo e a sinalização de enunciados tiveram o propósito de eliciar os sinais-alvo em certos contextos, manipulados de forma a permitir que se testasse a influên- cia do número de mãos do sinal precedente e/ou seguinte sobre eles. Foram empregadas essas duas estratégias, o jogo e a sinalização de enunciados, para testar adici- onalmente se as circunstâncias experimentais — mais relaxada no primeiro caso, e no estilo de laboratório no segundo — poderiam ou não ter alguma influência na ocorrência da coarticulação em análise. As três partes foram desenvolvidas com a ajuda de três colaboradoras, duas surdas e uma ouvinte. As perguntas feitas na primeira parte do experimento e os enunciados sinalizados nas duas outras foram criados com a ajuda das colaboradoras surdas. As duas primeiras partes do experimento, a entrevista e o jogo, foram conduzidas pela colaboradora ouvinte bilíngue no mesmo dia e na presença do autor deste trabalho. Já a terceira, a sinalização de enunciados, foi conduzida pelo autor na presença de outro sinalizante surdo, uma semana depois.

Entrevista

Cada sujeito foi entrevistado separadamente. A colabo- radora ouvinte bilíngue instruiu os sujeitos a responder suas perguntas usando o sinal cuja glosa em português estava aparecendo na tela de um computador ao seu lado. Por exemplo, quando ela perguntou aos participantes se eles gostariam de se matricular em um curso de ASL, apa- recia na tela do computador a glosa QUERER. Instruí a colaboradora a não usar em suas perguntas os sinais-alvo, para evitar que sua forma de produzi-los influenciasse a sua realização pelos sujeitos. No total, cada um dos sujeitos respondeu 28 perguntas: 12 que eliciavam os sinais-alvo (quatro para cada um deles) e 16 perguntas distratoras, cujas respostas consis- tiam de sinais que nunca observei variar em seu número de mãos, a saber: ABSURDO, CONCORDAR, GOSTAR e PROBLEMA-NÃO. Gradus 1 (1) 104

Jogo

Depois da entrevista, os quatro sujeitos foram agrupa- dos em duplas e separadamente, com cada uma delas, foi realizada a segunda parte do experimento, que consistiu em um jogo. Esse jogo, apesar de contar com a minha presença, foi conduzido pela mesma colaboradora ouvinte que realizou a entrevista. Durante o jogo, cada um dos sujeitos foi instruído a sinalizar para seu adversário enunciados da Libras, escri- tos por meio de glosas em filipetas de papel e espalhados sobre uma mesa. Para marcar pontos, os participantes tinham que encontrar a filipeta com o enunciado sinali- zado pelo adversário em menos de três segundos após sua sinalização (fig. 8). Com o pretexto de dificultar a identificação dos enun- ciados, os sujeitos foram instruídos a escolhê-los discre- tamente, lendo-os e sinalizando-os de memória. Porém, Figura 8: Jogo. como discutirei na próxima subseção, resolvi fazer isso para impedir que os sujeitos sinalizassem e lessem os enunciados ao mesmo tempo. Foram criados 12 enunciados: quatro para cada um dos três sinais-alvo (QUERER, PRECISAR e JÁ). Esses sinais foram inseridos em contextos manipulados para testar a influência do(s) sinal(is) adjacente(s). Para PRECISAR e QUERER, foram criados enunciados em que tais sinais aparecem (1) entre sinais feitos com uma mão, (2) entre sinais feitos com duas mãos, (3) entre um sinal de uma mão e outro de duas e (4) entre um sinal de duas mãos e outro de uma. Diferentemente, para JÁ, foram criados quatro enunciados em que ele aparecia na posição final, antecedido por um sinal de uma mão em dois deles e por um sinal de duas nos outros dois. Isso ocorreu pela existência de restrições sintáticas no uso do sinal JÁ. Além dos 12 enunciados contendo os sinais-alvo, os sujeitos também sinalizaram, misturados a estes, 14 enunciados distratores. No total, cada um dos sujeitos sinalizou 26 enunciados, em dois blocos. A sinalização de cada bloco, formado de 13 enunciados, foi intercalada com um dos blocos de enunciados do outro sujeito da dupla. A ordem de sinalização dos blocos de cada sujeito foi invertida em relação à de seu adversário, para impe- dir que dois conjuntos idênticos de enunciados fossem sinalizados em sequência. Gradus 1 (1) 105

Sinalização de enunciados

Esta terceira parte do experimento foi conduzida pelo autor deste trabalho uma semana depois e contou com a presença de um assistente surdo, para quem a sinalização dos sujeitos foi dirigida. Assim como no jogo, esta parte do experimento consistiu na sinalização de enunciados da Libras, escritos por meio de glosas em português. Entretanto, os enunciados foram apresentados na tela de um computador, por meio de slides do Power Point e os sujeitos puderam controlar a mudança de um estímulo para outro. Para garantir que todos os participantes recebessem as instruções do experimento de forma idêntica, uma das colaboradoras surdas foi filmada explicando em Libras como proceder durante o experimento e mostrei esse vídeo a cada um dos quatro sujeitos antes de seu início. No vídeo, a colaboradora surda solicita aos sujeitos (1) ler um enunciado, depois disso (2) clicar na tecla enter do computador, para mudar para um slide em branco, e por fim, (3) olhar para o assistente surdo, sentado aolado da câmera, e sinalizar para ele, de memória, o enunciado que tinha acabado de ler. Como se verá mais adiante, os sujeitos também receberam instrução quanto à taxa com que deveriam sinalizar. Solicitou-se aos sujeitos que mudassem o slide com o enunciado para um slide em branco para evitar que eles lessem e sinalizassem ao mesmo tempo. Com isso, esperava-se que, sinalizando de memória, os sujeitos coarticulassem mais, dado que, segundo Whalen, a coarticulação é amplamente planejada.9 Além disso, 9. Whalen, “Coarticulation is seguindo Israel e Sandler e Tyrone et al., garantiu-se largely planned” (1990). a presença de assistente surdo em todas as sessões, para que os sujeitos pudessem dirigir sua sinalização a ele e, assim, torná-la menos artificial do que ela seria se eles tivessem que sinalizar apenas para a câmera.10 10. Israel e Sandler, “Phono- logical category resolution: a Os enunciados criados para eliciar PRECISAR e QUE- study of handshapes in youn- RER em contexto seguiram o mesmo padrão do jogo. Já ger and older sign languages” (2011); Tyrone et al., “Prosody os criados para eliciar JÁ diferiram daqueles empregados and movement in American no jogo (1) por apresentarem mais contextos em que sua Sign Language: a task-dynamics variante de duas mãos poderia ocorrer e (2) por permitir approach” (2010). aos sujeitos optar entre sinalizar tal sinal em posição pré ou pós-verbal. Como se pode ver no quadro 1 (p. 106), essa opcionalidade é indicada pelos parênteses. Foram incluídos mais contextos que favorecessem a variante de duas mãos de JÁ, porque a análise dos dados da entrevista, feita antes da realização desta parte do experimento, mostrou que esse sinal foi sempre produ- Gradus 1 (1) 106

Quadro 1: Estímulos usados para eliciar os sinais PRECISAR, zido com apenas uma mão por todos os participantes. QUERER e JÁ em contexto. Sendo assim, a meu ver, a ocorrência de coarticulação no número de mãos em JÁ aconteceria quando ele fosse produzido com duas mãos. Além disso, permitiu-se que os sujeitos optassem por sinalizar JÁ em posição pré ou pós-verbal, por conta da variação observada nos dados do experimento-piloto.11 11. Xavier, “Com uma ou duas? Com duas ou uma? A Os sujeitos sinalizaram os enunciados listados no qua- alternância no número de mãos dro 1 em duas sessões, realizadas com um intervalo de na produção de sinais da libras como fenômeno coarticulatório” 15 minutos entre elas. Em cada sessão, além dos 15 enun- (2012). ciados contendo os sinais-alvo (quatro para PRECISAR e QUERER e sete para JÁ) sinalizados cinco vezes e em ordem aleatória, cada um dos sujeitos produziu 10 enun- ciados distratores. Também sinalizados cinco vezes em ordem aleatória, os enunciados distratores, misturados aos enunciados de interesse, perfizeram 40% de todos os enunciados desta terceira fase do experimento. Quatro desses enunciados foram usados no início de cada sessão como treino. A primeira sessão consistiu na sinalização de todos esses enunciados em uma taxa normal. Já a segunda, na produção dos mesmos enunciados mais rapidamente. Para obter realizações dos enunciados em uma taxa de sinali- Gradus 1 (1) 107 zação mais alta, seguiu-se o trabalho de Tyrone et al. e simplesmente se solicitou aos sujeitos que sinalizassem mais rapidamente do que na primeira sessão.12 12. Tyrone et al., “Prosody and movement in American Os dados das três partes do experimento foram grava- Sign Language: a task-dynamics dos com uma câmera Samsung, Hyper DIS, 65x intelli- approach” (2010). zoom e analisados com o software livre Elan.13 Esse 13. Lausberg e Sloetjes, software foi fundamental sobretudo na análise dos dados “Coding gestural behavior with the NEUROGES-ELAN system” da terceira parte do experimento, pois, além de permitir (2009). http://tla.mpi.nl/ segmentar os vídeos nos trechos referentes a cada um tools/tla-tools/elan/ dos enunciados, ainda permitiu obter suas durações em milissegundos para fins de comparação das produções em taxas diferentes. A análise estatística dos dados foi realizada por meio do pacote estatístico livre R.

Resultados

Os resultados reportados a seguir compreendem as 48 respostas da entrevista (12 perguntas x 4 sujeitos), os 48 enunciados produzidos durante o jogo (12 enunciados x 4 sujeitos) e 600 enunciados realizados na terceira parte do experimento (15 enunciados x 5 repetições x 2 taxas x 4 sujeitos).

Entrevista

No que diz respeito à variação inter-sujeito, vê-se nos dados da entrevista que os sinais PRECISAR e QUERER variaram, mas que uma de suas variantes foi a mais frequente: a de duas mãos para o primeiro e a de uma para o segundo. JÁ, por sua vez, foi produzido com uma mão por todos os sujeitos. Em relação à variação intra- sujeito, ela só ocorreu nas produções de QUERER por parte do sujeito BL. Apesar disso, tal sujeito empregou a variante de duas mãos mais vezes do que a de uma. Esses resultados são sumarizados na tabela 1.

Tabela 1: Sumário dos resulta- dos da entrevista por sujeito. Sujeitos PRECISAR QUERER JÁ MM 1 mão 1 mão 1 mão TC 2 mãos 1 mão 1 mão AD 2 mãos 1 mão 1 mão BL 2 mãos 1 mão (uma vez) 1 mão 2 mãos (três vezes) 1 mão Gradus 1 (1) 108

Jogo

MM

MM não apresentou variação no número de mãos nem quando produziu QUERER nem quando realizou JÁ durante o jogo. O primeiro sinal foi sempre produzido com duas mãos e o segundo com uma. Por outro lado, PRECISAR variou, porém foi majoritariamente produzido com uma mão. O único contexto em que MM o articulou com duas mãos foi aquele em que tal sinal aparece entre dois outros sinais também produzidos com duas, a saber, FAMÍLIA e PSICÓLOG@.

TC

TC não apresentou variação na produção de nenhum dos três sinais-alvo. O sujeito realizou PRECISAR sempre com duas mãos e QUERER e JÁ sempre com uma. Inte- ressantemente, TC apresentou variação em um dos sinais do enunciado-veículo, ACORDAR, tipicamente feito com duas. Tal sujeito o realizou com uma mão, provavelmente por influência do sinal JÁ que o seguia.

AD

Durante o jogo, AD produziu o sinal JÁ sempre com uma mão. Mesmo nos contextos em que esse sinal seguia outro de duas mãos. Ela apresentou, no entanto, varia- ção no número de mãos quando produziu PRECISAR e QUERER. AD produziu PRECISAR com duas mãos quando este estava entre sinais de uma mão (1m-1m) e com uma mão na situação contrária, ou seja, quando este estava entre sinais de duas mãos (2m-2m). Esses casos sugerem a ocorrência de dissimilação e não de coarticulação, como esperado. Já em relação aos contextos 1m-2m e 2m-1m, AD produziu PRECISAR com uma mão no primeiro caso e com duas no segundo. Finalmente, AD realizou QUERER com duas mãos no contexto 1m-1m, tal como ela fez com PRECISAR no mesmo contexto. Nos demais contextos ela produziu QUERER com uma mão.

BL

BL não variou em suas produções de PRECISAR, rea- lizando tal sinal sempre com duas mãos. Entretanto, tal sujeito variou ao sinalizar QUERER e JÁ, manifestando influência do contexto. BL produziu QUERER comuma Gradus 1 (1) 109 mão quando este se encontrava entre sinais de uma mão e com duas quando ele era seguido de sinais feitos com duas. Em relação a JÁ, o sujeito empregou em sua pro- dução o mesmo número de mãos do sinal precedente. Interessantemente, BL realizou COMER com duas mãos, forma que, apesar de não esperada, acabou levando o sinal JÁ a ser feito com duas mãos naquele contexto. Os resultados obtidos pela análise da participação no jogo dos quatro sujeitos são sumarizados na tabela 2.

Tabela 2: Sumário dos resul- tados do jogo por sinal e por sujeito. Gradus 1 (1) 110

Sinalização de enunciados

Os resultados desta parte do experimento compreen- dem 150 enunciados de cada sujeito (15 enunciados-alvo x 5 repetições x 2 taxas). Os vídeos contendo esses enun- ciados foram analisados por meio do software Elan, que permitiu segmentá-los nas porções correspondentes a cada um deles, bem como, por meio de trilhas, anotar o nome do sinal-alvo, seu contexto e o número de mãos com que foi produzido (fig. 9).

Figura 9: Visualização do Elan contendo a segmentação de Para a delimitação do início e do fim dos enunciados, um enunciado e anotações foram adotados os seguintes critérios: considerou-se correspondentes. como início dos enunciados o momento em que a mão é alocada na posição em que seu primeiro sinal é inicial ou totalmente realizado; já para determinar o fim destes, considerou-se o momento em que a mão dominante começa a se deslocar em direção ao teclado do laptop. Com base nessa segmentação, foram obtidas medidas da duração dos enunciados produzidos na primeira ses- são do experimento, bem como na segunda, na qual os sujeitos foram instruídos a sinalizar mais rapidamente.[C] Essas medidas foram submetidas ao teste Mann-Whitney (α= 0,5), que, ao mostrar uma diferença estatisticamente Gradus 1 (1) 111 significativa entre as medidas provenientes das duas ses- sões, confirmou que todos os sujeitos imprimiram taxas de sinalização diferentes em cada uma delas (tabela 3).

Tabela 3: Resultados do teste Mann-Whitney (α= 0.5) reali- Sujeitos Duração média (s) p-valor zado para comparar as produções Normal Rápida em taxa normal e taxa rápida dos quatro sujeitos. Homens MM 2.02 TC 2.13 Mulheres AD 1.72 BL 1.67

A análise dos dados obtidos através da sinalização de enunciados da Libras revelou variação entre os sujeitos no que diz respeito ao sinal com o qual apresentam coarticu- lação, bem como à sua maior ou menor sensibilidade ao contexto e à taxa de sinalização imprimida.

MM

Gráfico 1: Ocorrências de JÁ produzido em diferentes con- textos com taxa normal por MM.

MM não apresentou variação no número de mãos na produção dos sinais PRECISAR e QUERER. Ambos foram realizados com duas mãos em todos os enunciados que os continham.[D] Já em relação ao sinal JÁ, observou- se que, com exceção de três casos em que tal sinal foi produzido antes e depois do verbo e de dois outros em que foi produzido somente depois, predominaram produ- ções em que ele aparece antes do verbo. Como mostra o gráfico 1, observou-se que JÁ somente manifestou sensi- bilidade ao contexto no enunciado (a) REGRAS EU(1 mão) EXPLICAR(2 mãos), em que foi sempre produzido com duas mãos, certamente por coarticulação antecipatória. Nos demais contextos, predominou a forma com uma mão tanto no contexto esperado (1m-1m), quanto nos cinco outros onde a variante de duas mãos era esperada. Os resultados obtidos para PRECISAR e QUERER se mantiveram inalterados com o aumento da taxa e os de Gradus 1 (1) 112

JÁ, desta vez sempre produzido antes do verbo, apresenta- ram alterações pouco expressivas (gráfico 2).

Gráfico 2: Ocorrências de JÁ produzido em diferentes contextos com taxa rápida por MM.

Por fim, vale registrar que, por duas vezes, MM reali- zou o sinal EU com duas mãos, quando este antecedia os sinais PRECISAR e QUERER, também realizados com duas mãos.

TC

TC não apresentou variação no número de mãos em suas produções tanto do sinal PRECISAR quanto do sinal JÁ. Tal sujeito realizou o primeiro sinal sempre com duas mãos e o segundo sempre com uma nas duas taxas de sinalização. TC apenas variou quando realizou o sinal QUERER que, como mostra o gráfico 3, foi produzido com uma ou duas mãos por influência do contexto fonético- fonológico.

Gráfico 3: Ocorrências de QUE- RER produzido em diferentes contextos com taxa normal por TC.

Como se pode ver no gráfico 3, nos contextos em que QUERER apareceu entre sinais com o mesmo número de mãos, ele foi produzido sempre com o número de mãos idêntico àqueles: uma mão em (1m-1m) e duas mãos em (2m-2m). Já nos contextos em que QUERER aparece entre sinais com número de mãos diferentes, observou-se predomínio de coarticulação perseveratória, dado que a variante de uma mão foi mais frequente em (1m-2m) e a de duas ocorreu mais em (2m-1m). Gradus 1 (1) 113

Gráfico 4: Ocorrências de QUE- RER produzido em diferentes contextos com taxa rápida por TC.

A situação nos dois primeiros contextos não se alterou significativamente com o aumento da taxa. Entretanto, ao sinalizar mais rápido, TC inverteu a direção da coarticu- lação nos dois últimos contextos que, de perseveratória, passou a ser predominantemente antecipatória (gráfico 4).

AD

Para AD, os sinais PRECISAR e QUERER exibiram um padrão semelhante. Eles não mostraram sensibilidade ao contexto. Eles foram quase sempre produzidos com duas mãos nas duas taxas de sinalização: 97.5 % de todos os casos. Diferentemente, JÁ, sempre produzido em posição pré-verbal, mostrou sensibilidade ao contexto (gráfico 5).

Gráfico 5: Ocorrências de JÁ produzido em diferentes con- textos com taxa normal por AD.

A comparação entre os contextos em que JÁ aparece entre sinais de duas mãos (b, d, f) com aqueles em que aparece entre um sinal de uma e duas mãos (a, c, e) sugere que a coarticulação antecipatória predomina, dado que a variante de duas mãos é mais frequente, mesmo nos últimos contextos. Quando realizado entre sinais de uma mão (g), JÁ foi sempre feito com uma mão. Já a comparação entre as produções com taxa normal e as com taxa rápida mostrou que, para a maioria dos contextos (a, b, d, f, g), a mudança na taxa não provocou Gradus 1 (1) 114 nenhum tipo de alteração. Entretanto, em dois contextos, (c) e (e), a mudança na taxa teve impacto na direção da coarticulação em relação à taxa normal. Em (c) e (e) a coarticulação muda de antecipatória para perseveratória, dado que no primeiro contexto predomina a variante de uma mão e no segundo aumenta a ocorrência da variante de duas (gráfico 6).

Gráfico 6: Ocorrências de JÁ produzido em diferentes contextos com taxa rápida por AD.

Identifiquei casos de coarticulação antecipatória envol- vendo o sinal EU,[E] tipicamente feito com apenas uma mão. Tal sinal, apesar de não ser um dos sinais-alvo, foi majoritariamente articulado com duas mãos nos enunci- ados em que antecediam os sinais PRECISAR e QUERER, também produzidos com duas mãos, tanto na taxa normal quanto na rápida (gráfico 7).

Gráfico 7: Casos de coarticula- ção antecipatória envolvendo o sinal EU em contextos que BL antecedia PRECISAR e QUERER.

As produções dos sinais PRECISAR e QUERER por BL foram quase totalmente com duas mãos nas duas Gradus 1 (1) 115 taxas. Tal sujeito realizou PRECISAR com uma mão duas vezes no contexto (1m-1m) na taxa normal e uma vez no contexto (1m-2m). Já em relação ao sinal QUERER, BL o produziu com apenas uma mão uma única vez no contexto (1m-1m) na taxa rápida. Embora a ocorrência da variante de uma mão sugira a influência do contexto, a sua baixa frequência indica baixa sensibilidade de BL ao contexto fonético-fonológico no uso desses dois sinais. Diferentemente, com o sinal JÁ, BL apresentou o com- portamento esperado. O sujeito empregou a variante de duas mãos em 100% vezes em que ela era favorecida e em 80% das vezes em que a variante de uma mão era prevista, tanto na taxa normal, quanto na taxa rápida (gráfico 8).

Gráfico 8: Ocorrências de JÁ Cabe dizer que, assim como TC, BL optou por dupli- produzido em diferentes contex- tos com taxa normal (a) e taxa car o sinal JÁ e produzi-lo tanto antes quanto depois rápida (b) por BL. dos verbos dos enunciados em que ocorria. Sendo as- sim, observa-se nos dados desse sujeito a coarticulação ocorrendo nas duas direções: antecipatória para o JÁ pré-verbal e perseveratória para o JÁ pós-verbal. Os resultados do experimento aqui reportado indicam a ocorrência de variação intra e inter-sujeito em função de cada uma de suas partes. Em outras palavras, cada sujeito apresentou não somente comportamentos diferentes em cada parte do experimento como também variou em relação ao comportamento dos demais sujeitos. Esses resultados são sumarizados no quadro 2. Gradus 1 (1) 116 Sumário dos resulta- dos. Quadro 2: Gradus 1 (1) 117

Discussão

O potencial contrastivo do parâmetro número de mãos e, principalmente, a sua possibilidade de desencadear processos coarticulatórios, evidenciados ao longo deste artigo, sugerem que ele seja um dos candidatos a com- por o inventário de gestos articulatórios das línguas de sinais. Além disso, os dados aqui analisados também sugerem que esse parâmetro envolva dois gestos arti- culatórios: um produzido pela mão dominante (MD) e outro pela mão não-dominante (MND). A indicação disso provém não apenas da relativa independência articula- tória exibida pelas mãos, mas principalmente da forma assimétrica com que estas participam tanto no estabeleci- mento de contrastes quanto em processos coarticulatórios. Ambos os fenômenos dependem crucialmente da mão não-dominante: pares mínimos perfeitos baseados no número de mãos se distinguem pela ausência versus pre- sença dessa mão e processos de duplicação e unificação, independentemente de serem motivados ou não pelo contexto fonético-fonológico, consistem, respectivamente, no acréscimo ou apagamento da mão não-dominante. Diante disso, propõe-se, tentativamente, que sinais tipi- camente feitos com apenas uma mão sejam representados como a pauta na fig. 10 (a), onde apenas o gesto mão dominante (MD) encontra-se ativado, enquanto sinais normalmente feitos com duas mãos sejam representados como a pauta na fig. 10 (b), em que tanto esse gesto (MD) quanto o gesto mão não-dominante (MND) estão ativados.[F]

(a) Sinais articulados com uma mão. (b) Sinais articulados com duas mãos. Figura 10: Pautas gestuais para sinais da Libras. Cada gesto é Se se assumir que a forma isolada empregada como representado por um retângulo resposta para as perguntas da entrevista é a forma básica, preto. Sua disposição paralela ou default, dos sinais eliciados para cada sinalizante, indica alinhamento temporal. pode-se considerar que, para alguns sinalizantes como TC, QUERER seria um sinal de uma mão (fig. 11 (a)), logo representável como na fig. 10 (a), e que, para sinalizantes como AD, PRECISAR seria um sinal de duas mãos (fig. 11 (b)), portanto representável como na fig. 10 (b). Gradus 1 (1) 118

(a) QUERER, tal como produzido por TC. (b) PRECISAR, tal como realizado por AD. Figura 11: Sinais QUERER e PRECISAR, como produzidos nas Sendo os gestos MD e MND unidades dinâmicas e, por- entrevistas. tanto, dotadas de tempo intrínseco, eles podem ter sua extensão temporal aumentada e, com isso, sobrepor-se a outros gestos (coarticulação). É isso que deve acontecer na fig. 12, quando QUERER, aparentemente um sinal de uma mão para TC, é produzido com duas mãos pro- vavelmente por influência do sinal seguinte, MUDAR, tipicamente articulado com duas mãos.

Figura 12: Sinal QUERER sofrendo duplicação por coarticu- Especificamente, a realização de QUERER com duas lação antecipatória em produção mãos resulta da antecipação da ativação do gesto MND de de TC. MUDAR e da sua consequente co-produção à articulação dos gestos que constituem aquele sinal.[G] Sendo assim, pode-se caracterizar a duplicação do número de mãos observada na fig. 12 como resultante de coarticulação antecipatória e representá-la como na fig. 13. Nessa re- presentação, a seta indica a antecipação do gesto MND de MUDAR durante a realização de QUERER e a consequente produção deste último com duas mãos. Os dados obtidos com os experimentos reportados neste Figura 13: Pauta gestual re- presentando a coarticulação artigo também indicam que o gesto MND pode perseve- antecipatória envolvendo sinal rar temporalmente. Isso deve explicar a realização, por QUERER da fig. 12. TC, de QUERER com duas mãos na fig. 14, uma vez que, Gradus 1 (1) 119 diferentemente da fig. 13, sua duplicação parece ser mo- tivada pelo sinal que o antecede, FAMÍLIA, tipicamente feito com duas mãos, já que o sinal que o sucede, VIAJAR, é feito com uma mão.

Figura 14: Sinal QUERER sofrendo duplicação por coar- Sendo assim, a duplicação do número de mãos na fig. ticulação perseveratória em 14 resulta de um processo de coarticulação perseveratória produção de TC. e, como tal, pode ser representado por meio da pauta na fig. 15. Nessa representação, a seta indica a perseve- ração do gesto MND de FAMÍLIA durante a realização de QUERER e a consequente realização deste com duas mãos. Ambas as análises são corroboradas pelo dado em na Figura 15: Pauta gestual re- presentando a coarticulação fig. 16, no qual se vê o mesmo sujeito, TC, produzindo perseveratória envolvendo sinal QUERER com apenas uma mão em um contexto que não QUERER da fig. 14. favorece sua realização com duas, já que se encontra entre os sinais EU e VIAJAR, tipicamente feitos com apenas uma mão.

Figura 16: Sinal QUERER tal como produzido por TC em Os dados reportados neste artigo também indicam que contexto e na taxa normal. o processo coarticulatório em análise não afeta apenas sinais tipicamente feitos com uma mão. Sinais normal- mente realizados com duas mãos podem sofrer unificação por influência do sinal precedente e/ou seguinte. Um exemplo disso, de acordo com minha análise, se dá com o sinal PRECISAR que, com base nos dados obtidos na Gradus 1 (1) 120 entrevista, parece ser um típico sinal de duas mãos, pelo menos para AD (cf. fig. 11 (b)). Em contexto, tal como se pode ver nas figs. 17 e 18, esse sinal, no entanto, é reali- zado com uma mão apenas, provavelmente por influência Figura 17: Sinal PRECISAR do número de mãos do sinal que o segue, VIAJAR, e do sofrendo unificação por coarticu- lação antecipatória em produção que o antecede, PAI, respectivamente. de AD.

Figura 18: Sinal PRECISAR sofrendo unificação por coar- Diferentemente dos casos de duplicação por coarticu- ticulação perseveratória em lação nos quais o que se antecipava ou se perseverava produção de AD durante o jogo. era a ativação (presença) do gesto MND, nos casos de unificação motivados pela adjacência a sinais realizados com uma mão, propõe-se que o que é antecipado ou per- severado é justamente a ausência (não-ativação) desse gesto MND. Isso é indicado pelo uso de setas diferentes, em relação às anteriores, nas pautas da fig. 19.

(a) Coarticulação antecipatória (fig. 17). (b) coarticulação perseveratória (fig. 18). Figura 19: Pautas gestuais representando a coarticulação envolvendo o sinal PRECISAR. Gradus 1 (1) 121

Além de ser capaz de descrever os fenômenos aqui analisados, a Fonologia Gestual parece ser bastante ade- quada para a análise do componente fonético-fonológico das línguas de sinais, por ela reconhecer não apenas a variabilidade entre os sujeitos em relação à ocorrência de processos fonológicos, mas também sua gradiência. Os resultados obtidos com o experimento aqui descrito evidenciaram a existência de uma grande variabilidade entre os sinalizantes. Viu-se, por exemplo, que, no tocante à coarticulação, há aqueles que coarticulam com alguns sinais, mas não com outros e, entre os que coarticulam, há aqueles que coarticulam mais do que outros. Apesar disso, os dados sugerem um comportamento categórico dos sujeitos em relação à ocorrência ou não de coarticula- (a) ção. Esse comportamento categórico, entretanto, é apa- rente e um efeito colateral do critério aqui adotado na determinação da ocorrência ou não de duplicação e unificação. Em virtude de análise aqui apresentada ser baseada em dados gravados em vídeo, foram considera- dos como casos de duplicação todos aqueles em que a mão não-dominante podia ser visualizada participando da realização de um dado sinal ao espelhar as ativida- des e características articulatórias da mão dominante. (b) Consequentemente, foram considerados como casos de unificação aqueles em que a mão não-dominante não aparecia no vídeo, devendo, portanto, estar em repouso. Apesar disso, uma análise mais meticulosa dos dados mostra que entre os casos de duplicação a mão não- dominante nem sempre aparece na mesma altura da mão dominante, ou seja, numa localização exatamente espelhada àquela. Precisamente, há casos em que ela parece estar na mesma altura da mão não dominante e casos em que ela aparece em posições mais baixas. Nas imagens da fig. 20, por exemplo, veem-se três ocorrências (c) do sinal EU ((b), (c), (d)), consideradas como duplicadas, em que a altura da mão não-dominante varia: de uma mais baixa, portanto, mais próxima do repouso, a uma mais próxima à da mão dominante. Isso parece indicar maior ou menor integração das duas mãos na produção da forma duplicada, portanto, a existência de gradiência na ocorrência de duplicação. No âmbito da Fonologia Gestual, tal fato também se ex- plicaria em termos da extensão ou ativação temporal do gesto articulatório, uma vez que casos como (d) ocorre- (d) riam quando os gestos MD e MND exibem alinhamento Figura 20: Diferentes realizações temporal, enquanto casos como (b) e (c) parecem indicar do sinal EU por AD em enunci- ados em que precedia o sinal tanto defasagem temporal entre estes quanto menor ativa- PRECISAR, tipicamente feito com duas mãos. Gradus 1 (1) 122

ção temporal do gesto MND. Apesar dessas observações, como dito, focalizou-se no acréscimo ou não da mão não-dominante nos casos de duplicação.

Conclusão

Os resultados do experimento aqui reportado mostram que variação no seu número de mãos dos sinais analisa- dos, PRECISAR, QUERER e JÁ, pode ser explicada, em alguma medida, pela influência do número de mãos dos sinais adjacentes. Apesar disso, esses resultados evidenci- aram que os sujeitos variam em relação à sensibilidade que exibem aos diferentes contextos e mostraram que o aumento na taxa de sinalização teve impactos diferentes nos sujeitos. Embora para alguns ela não tenha alterado os resultados da taxa normal, para outros a taxa rápida aumentou, mesmo que inexpressivamente, a ocorrência de coarticulação ou inverteu sua direção, a qual passou de perseveratória para antecipatória ou vice-versa. Esses resultados também consubstanciaram a discussão teórica feita no âmbito da Fonologia Gestual, tal como proposta por Browman e Goldstein, por meio da qual foram propostas pautas gestuais que capturam tanto a contrastividade quanto a participação em processos coarticulatórios do número de mãos na Libras.14 14. Browman e Golds- tein, “Articulatory gestures as phonological units” (1989). Agradecimentos

Agradeço à Profa. Dra. Neiva Aquino Albres, a entrevis- tadora bilíngue, por sua colabração, tanto na elaboração entrevista, quanto em sua realização; à Regiane Agrella e Sylvia Lia Grespan Neves, colaboradoras surdas, por me ajudarem a criar enunciados em Libras para este es- tudo. Sou grato à Sylvia por me dar permissão para usar sua imagem para ilustrar alguns sinais de Libras, bem como aos quatro participantes do estudo aqui reportado por gentilmente doarem seu tempo e compartilharem comigo seu conhecimento de Libras. Agradeço à Federa- ção Nacional de Integração e Educação de Surdos de São Paulo (FENEIS-SP) por me permitir realizar a coleta de dados para este estudo em seu estúdio. Agradeço também ao Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq) por financiar a pesquisa da qual resultam os achados aqui descritos (151.395 / 2010-1). Gradus 1 (1) 123

Notas finais

[A] Em um estudo envolvendo 2274 sinais da Libras, Xavier reportou que apenas 0,2% dos sinais que analisou são produzidos unicamente por meio de movimentos faciais.15 15. Xavier, “Descrição fonético-fonológica dos sinais [B] Os parâmetros propostos até então abrangiam da língua brasileira de sinais a configuração de mão, a orientação da palma, a (libras)” (2006). localização e o movimento. [C] Optei por considerar a duração do enunciado como um todo, não separando, assim, os sinais que os constituem em razão de não ser trivial a determinação do momento em que um sinal começa ou termina. Para uma discussão preliminar a esse respeito, ver Liddell (1984) e Xavier (2006).16 16. Liddell, “THINK and BE- LIEVE: sequentiality in American [D] MM apresentou variação no número de mãos Sign Language” (1984); Xavier, de um dos sinais do enunciado-veículo: MUDAR. “Descrição fonético-fonológica dos sinais da língua brasileira de Tal sinal, tipicamente produzido com duas mãos, sinais (libras)” (2006) foi realizado por esse sujeito com apenas uma em todas as suas ocorrências da primeira repetição. Da segunda repetição em diante, o sinal em questão foi sempre produzido com duas mãos. [E] Alguns desses casos envolveram também coar- ticulação antecipatória da configuração de mão do sinal seguinte. [F] Cabe dizer que a pauta gestual aqui proposta é uma versão bastante simplificada e não inclui todos os gestos articulatórios envolvidos na produção dos sinais (daí as reticências). Agradeço ao parecerista por lembrar que nos trabalhos realizados no âmbito da Fonologia Gestual acerca das línguas orais a sobreposição total de gestos tem como resultado a impressão auditiva de apagamento de um deles. Nas pautas aqui propostas para representar sinais feitos com duas mãos, a sobreposição do gesto MD e MND apenas indica que ambas as mãos estão ativadas ao mesmo tempo. Apesar disso, concordo com o parecerista em relação ao problema que isso gera. Deixamos essa questão em aberto para trabalhos futuros. [G] Entre esses gestos certamente estão os corres- pondentes à configuração de mão, ao movimento, à orientação e à localização, os quais são copiados, no caso dos dois primeiros, e espelhados, no caso dos dois últimos pela mão não-dominante inserida. Esse fato reforça a independência do gesto MND em rela- ção aos demais, uma vez que, ao ser antecipado ou Gradus 1 (1) 124

perseverado, ele não carrega consigo as caraterísticas articulatórias do sinal-fonte.

Referências

Battison, Robin (1978). Lexical borrowing in American sign language. Silver Spring, MD: Linstok. Browman, Catherine P. e Louis Goldstein (1989). “Articulatory gestures as phonolog- ical units”. In: Phonology 6.2, pp. 201–251. Cheek, Davina Adrianne (2001). “The phonetics and phonology of handshape in Ameri- can Sign Language”. PhD thesis. University of Texas. Farnetani, Edda (1990). “V-C-V lingual coarticulation and its spatio-temporal domain”. In: Speech Production and Speech Modeling. Ed. por William J. Hardcastle e Alain Marchal. Dordrecht: Kluwer, pp. 93–110. Farnetani, Edda e Daniel Recasens (1993). “Anticipatory consonant-to-vowel Coarticu- lation in the production of VCV sequences in Italian”. In: Language and Speech 36.2–3, pp. 279–302. Hardcastle, William J. (1985). “Some Phonetic and Syntactic Constraints on Lingual Coarticulation during /kl/ Sequences”. In: Speech Communication 4.1–3, pp. 247–263. Israel, Assaf e Wendy Sandler (2011). “Phonological category resolution: a study of handshapes in younger and older sign languages”. In: Formational Units in Sign Lan- guage. Ed. por Rachel Channon e Harry van der Hulst. Nijmegen: Ishara, pp. 177– 202. Keane, Jonathan, Diane Brentari e Jason Riggle (2013). “Coarticulation in ASL fingerspelling”. In: Proceedings of the 42nd Meeting of the North East Linguistic Society. Ed. por Stefan Keine e Shayne Sloggett. Klima, Edward e Ursula Bellugi (1979). The signs of Language. Cambridge (MA): Har- vard University Press. Lausberg, Hedda e Han Sloetjes (2009). “Coding gestural behavior with the NEUROGES- ELAN system”. In: Behavior Research Methods, Instruments, & Computers 41.3, pp. 841– 849. Liddell, Scott (1984). “THINK and BELIEVE: sequentiality in American Sign Language”. In: Language 60.2, pp. 372–399. Mauk, Claude Edward (2003). “Undershoot in two modalities: evidence from fast speech and fast signing”. PhD thesis. University of Texas. Tyrone, Martha E. et al. (2010). “Prosody and movement in American Sign Language: a task-dynamics approach”. In: Speech Prosody 2010. 100957, pp. 1–4. Whalen, Douglas. H. (1990). “Coarticulation is largely planned”. In: Journal of Phonetics 18, pp. 3–35. Wilcox, Sherman (1992). The phonetics of fingerspelling. Philadelphia: John Benjamins. Xavier, André Nogueira (2006). “Descrição fonético-fonológica dos sinais da língua brasileira de sinais (libras)”. Dissertação de mestrado. Universidade de São Paulo. Xavier, André Nogueira (2012). “Com uma ou duas? Com duas ou uma? A alternância no número de mãos na produção de sinais da libras como fenômeno coarticulatório”. In: Anais do XVII Seminário de Teses em Andamento. Ed. por Ana Flora Schlindwein et al. Universidade Estadual de Campinas, pp. 29–43. Gradus 1 (1) 125

Xavier, André Nogueira (2014). “Uma ou duas? Eis a questão! Um estudo do parâmetro número de mãos na produção de sinais da língua brasileira de sinais (libras)”. Tese de doutorado. Universidade Estadual de Campinas. Xavier, André Nogueira e Plínio Almeida Barbosa (2014). “Diferentes pronúncias em uma língua não sonora? Um estudo da variação na produção de sinais da libras”. In: DELTA: Documentação e Estudos em Linguística Teórica e Aplicada 30.2, pp. 371–413. A question of syllable structure: contextual acquisition of English /p/ and /k/ in a laboratory setting

DOI: 10.47627/gradus.v1i1.106

Paul John [email protected] Université du Québec à Trois-Rivières

Walcir Cardoso [email protected] Concordia University

Gradus Revista Brasileira de Fonologia de Laboratório

Vol. 1, nº 1 Dezembro de 2016 https://gradusjournal.com/index.php/gradus/article/view/6

Bibtex: @article{johncardoso2016syllable, author = {Paul John and Walcir Cardoso}, issn = {2526-2718}, doi = {10.47627/gra- dus.v1i1.106}, journal = {Gradus}, month = {dec}, number = {1}, pages = {126–144}, title = {A question of syllable structure: contex- tual acquisition of English /p/ and /k/ in a laboratory setting}, volume = {1}, year = {2016}}

Este texto pode ser livremente copiado, sob os termos da licença Creative Commons Atribuição-NãoComercial 4.0 Internacio- https://creativecommons.org/ nal (CC BY-NC 4.0). licenses/by-nc/4.0/deed.pt_BR Gradus 1 (1) 127

Abstract

Using a laboratory approach, this study investigates the acquisition of the stops /p k/ by Brazilian Portuguese (BP) learners of English in three contexts: in word-medial position before (1) /t/ or (2) /n/ and (3) in word-final position. Because BP allows only /S r l N/ in these posi- tions, learners tend to resort to a process of i-epenthesis (e.g., cha[pi]ter, te[ki]nique, magi[ki]). While /p k/ clearly syllabify as onsets after i-epenthesis, there is no consen- sus on their syllabic affiliation in the target contexts. Three views can be distinguished. According to orthodox phonology, /p k/ syllabify as codas in all three locations. From the Government Phonology view, however, /p k/ are codas only word-medially before /t/; in the other two contexts, they syllabify as onsets of empty nuclei. Finally, Strict CV proposes that /p k/ in all three cases are onsets of empty nuclei. In previous research,1 we 1. John and Cardoso, “Me- established that /p k/ are acquired differentially in me- dial Coda and Final Stops in Brazilian Portuguese-English dial position before /t/ and in final position, the latter Contact” (2017). being the more challenging context. This finding provides tentative support for the Government Phonology claim that /p k/ instantiate a different syllabification in these two contexts and hence constitute a distinct learning challenge. To explore the matter further, we include here the context of /p k/ in word-medial position before /n/. A set of non-word-learning tasks and pre/post production tests determine that this context patterns with word-final consonants, as the Government Phonology view predicts. Statistical results support the prediction. Keywords: L2 phonological acquisition, syllable struc- ture, vowel epenthesis.

Resumo

Utilizando-se de um tratamento experimental, este estudo investiga a aquisição das oclusivas /p k/ por aprendizes de inglês, falantes nativos de português bra- sileiro (PB), em três contextos : em posição medial de palavra antes de (1) /t/ ou (2) /n/ e (3) em posição final de palavra. Como o PB permite apenas /S r l N/ nessas posições, os aprendizes tendem a recorrer à epêntese da vogal /i/ (e.g., cha[pi]ter, te[ki]nique, magi[ki]). Enquanto /p k/ claramente se comportam como onsets silábicos depois de /i/ epentético, não há consenso sobre sua afili- ação silábica nos contextos-alvo. Podem-se elencar três visões distintas sobre o fato. De acordo com modelos Gradus 1 (1) 128 fonológicos ortodoxos, /p k/ se comportam como codas em todos os três contextos. Por outro lado, pela Fonologia de Governo, /p k/ são codas apenas em posição medial de palavra antes de /t/. Nos outros dois contextos, eles ocu- pam a posição de onset dos núcleos vazios. Finalmente, o modelo CV Estrito propõe que /p k/ em todos os três casos sejam onsets dos núcleos vazios. Numa pesquisa anterior,2 afirmamos que /p k/ são adquiridos de modo 2. John e Cardoso, “Medial diferente em posição medial antes de /t/ e em posição Coda and Final Stops in Brazilian Portuguese-English Contact” final, sendo este último um contexto mais desafiador. Este (2017). achado fornece subsídios para o argumento da Fonologia de Governo segundo o qual /p k/ instanciam uma silabifi- cação diferente nos dois contextos e, portanto, constituem um desafio distinto no processo de aprendizagem. Para explorar melhor esta questão, incluímos aqui o contexto /p k/ em posição medial de palavra, antes de /n/. Um conjunto de tarefas de aprendizado de logatomas e testes de pré e pós-produção determinam que este contexto se molda a consoantes finais de palavra, como prevê a Fonologia de Governo. Resultados de testes estatísticos corroboram essa previsão. Palavras-chave: aquisição fonológica de L2, estrutura silábica, epêntese vocálica

Introduction

Adopting a laboratory approach for the investigation of phonology, this article reports on the findings of a study into the acquisition of the stops /p k/ by Brazilian Portuguese (BP) learners of English in three locations: (1) word-medially before /t/ (e.g., cha[p]ter, do[k]tor), (2) word-medially before /n/ (e.g., a[p]nea, Coc[k]ney), and (3) word-finally (e.g., bisho[p], magi[k]) — see forthcoming discussions for the rationale for selection of these contexts. In learning English as a second or foreign language (L2), BP speakers do not have to acquire /p k/ as segments, since these are part of the BP phoneme inventory. Nonetheless, they do need to expand the contexts in which /p k/ (among other consonants) can appear, since BP permits these stops only in word-initial and word-medial onset position (see [p]agar ‘to pay’, [k]ara ‘face’, lu[p]a ‘magnifying glass’, and di[k]a ‘hint’). English, on the other hand, as illustrated above, permits /p k/ in a wide range of contexts, including in word- medial position before /t/ or /n/, and in word-final position. In BP, only the restricted set of consonants /S l r N/ can appear in these contexts, and even then, they Gradus 1 (1) 129 are subject to variable processes of lenition (e.g., paga/r/ → paga[h] ‘to pay’), including deletion (e.g., paga/r/ → paga[ ], where “[ ]” illustrates a deleted segment). What do BP learners of English do when they encounter /p k/ (or other consonants) in the locations mentioned? The tendency, albeit variable, is to employ a process of i-epenthesis, which allows the consonant to be syllabified 3. Among others, Major, as an onset: chapter → cha[pi]ter, Cockney → Coc[ki]ney, “Paragoge and degree of foreign accent in Brazilian English” 3 bishop → bisho[pi], and so on. This process is found (1986). also in loanwords to BP (e.g., laptop → la[pi]to[pi], link → lin[ki]) and in native words that contain /p k/ and other illicit consonants in these medial and final locations (e.g., pacto → pa[ki]to ‘pact’, captar → ca[pi]tar ‘to win’, técnico → té[ki]nico, apnéia → a[pi]néia ‘apnea’, Varig → vari[ɡi] Brazilian airline.4 The phenomenon of i- Authors’s notes are indicated by epenthesis is thus a first language (L1) transfer process.[A] capitalized letters; they may be found at the end of the text, on p. In essence, acquisition of English /p k/ in these three 141. locations constitutes a problem with syllable structure or, more precisely, with the set of consonants permitted in the respective syllabic contexts. In the phonological literature, however, there is no consensus on how to 4. Cantoni and Silva, “Verbal Stress Assignment in capture the syllable structure instantiated by these con- Brazilian Portuguese and the texts. As will be discussed in greater detail below, the Prosodic Interpretation of Segmental Sequences” (2008); orthodox view is to consider as a coda the first consonant Cristófaro-Silva and Almeida, of any medial CC-cluster that does not form a branching “On the nature of epenthetic onset (e.g., /pt/, /kt/, /pn/, /kn/), and the same coda vowels” (2008); Nevins, “Book 5 review: ‘A lateral theory of analysis applies to word-final consonants. The standard phonology: what is CVCV and Government Phonology stance, on the other hand, is that why should it be?’, by Tobias Scheer” (2008). codas are restricted to the first position in medial clusters 5. Blevins, “The syllable in with falling or level sonority (e.g., /pt/, /kt/); if they do phonological theory” (1995); not form branching onsets, first consonants in medial Selkirk, “The Syllable” (1982). clusters with rising sonority (e.g., /pn/, /kn/) are onsets of empty nuclei, and the same syllabification applies to final consonants.6 Finally, Strict CV, which is an off-shoot 6. Harris and Gussmann, of Government Phonology, proposes that phonological “Final codas: why the west was wrong” (1988); Kaye, “‘Coda’ representations only contain CV strings, amounting to licensing” (1990). sequences of non-branching onsets and nuclei.7 Strict CV 7. E.g., Lowenstamm, “CV as thus considers /p k/ in all three of the contexts under the only syllable type” (1996); Scheer, A lateral theory of study as Cs followed by contentless Vs (i.e., as onsets of phonology: what is CVCV and why empty nuclei). should it be? (2004). A central aim of the study reported on here is to collect empirical evidence to elucidate which of the different syl- labic analyses holds. In other words, as will be discussed later, we employ laboratory phonology methods,8 com- 8. E.g., Pierrehumbert, bined with a variationist approach to L2 data analysis,9 Beckman, and Ladd, “Concep- tual foundations of phonology as to inform a contentious issue in phonological theory. In a laboratory science” (2000). the spirit of variationist sociolinguistics,10 we likewise 9. E.g., John and Cardoso, investigate various internal and external factors that may “Medial Coda and Final Stops in Brazilian Portuguese-English Contact” (2017). 10. E.g., Labov, Social Factors (2001). Gradus 1 (1) 130 condition i-epenthesis probabilistically. The three proposed syllabic parses make different pre- dictions for acquisition. Under the orthodox coda analysis, we would expect BP learners of English to acquire /p k/ more or less simultaneously in the three contexts, since these contexts represent a unified learning challenge: widening the set of coda consonants to include /p k/. The same simultaneous acquisition would be anticipated under Strict CV, although in this case, /p k/ are analyzed as onsets of empty nuclei in the three environments. Un- der the standard Government Phonology analysis, on the other hand, we would expect medial coda /p k/ (i.e., in /pt/-/kt/ sequences) to be acquired separately from /p k/ in medial onset clusters (/pn/-/kn/) and in word-final position (/p#/-/k#/). The latter two should be acquired more or less together, since they both involve represent- ing /p k/ as onsets of empty nuclei, albeit in separate locations (word-medial vs. word-final). The intricacies of these hypotheses will be explained in the next section.11 11. Background, p. 131. A major aim of the current study then is to establish which of the predictions holds, thus contributing to our understanding of the probable syllabification of consonants in these contentious contexts. The crucial information that will help resolve the issue concerns rates of i-epenthesis. That is, although i-epenthesis is potentially categorical at the absolute beginner stage of English acquisition, typically it is a variable phenomenon, and rates of epenthesis slowly diminish as a function of increased proficiency, until the learner reaches an advanced stage of zero epenthesis (along the lines of Major, 2001).12 The learners we are interested in are 12. Major, Foreign accent: the those at the prolonged stages of variable i-epenthesis. ontogeny and phylogeny of second language phonology (2001). In a nutshell, comparable rates of epenthesis across the contexts would be consistent with a common syllabic parse for /p k/ (whether as a coda or as an onset in all three cases); differential rates, with medial /pt-pk/ being acquired separately from medial /pn-kn/, and possibly with the latter acquired more or less simultaneously with final /p k/ would be consistent with the standard Government Phonology view.[B] The next section provides more detailed background on previous studies on the phenomenon of i-epenthesis by BP learners of English, and it discusses the issue of syllabification in the three contexts at greater length. Fol- lowing this, we present our methodology, including tasks 13. Tagliamonte, Goldvarb involving reading aloud and elicitation of non-words, (2016). and the results of a Goldvarb X analysis,13 followed by a discussion and conclusion in which further directions for Gradus 1 (1) 131

14. For some exceptions, see research are addressed. Baptista and Silva Filho, “The influence of voicing and sonority relationships on the production of English final consonants” (2006); Huf and Alves, “A Background produção de /p/ e /k/ em codas simples e complexas do inglês (L2) por aprendizes gaúchos: Previous studies involving BP learners of English have discussão a partir de padrões tended to look at i-epenthesis following final consonants acústicos encontrados” (2010); only .14 The aim has been to establish the contextual Schneider and Schwindt, “A epêntese vocálica medial em PB factors that influence the phenomenon probabilistically. e na aquisição de inglês como LE: First, higher rates of epenthesis have been found after uma análise morfofonológica” (2010); and, most recently, John final voiced versus voiceless stops: bdg  p t k (where and Cardoso, “Medial Coda  indicates “more epenthesis than”, hence “acquired af- and Final Stops in Brazilian ter”).15 This finding accords well with the cross-linguistic Portuguese-English Contact” (2017). tendency for voiceless consonants to be favoured in fi- 15. Baptista and Silva Filho, nal position, as reflected in processes of final obstruent “The influence of markedness devoicing (for an overview of L2 devoicing).16 Next, fi- and syllable contact on the production of English final nal non-coronal stops tend to trigger greater epenthesis: consonants by EFL learners” p b k g  t d.17 The earlier acquisition of coronal stops (1997). 16. Yavaş, “Final stop devoic- presumably follows from the universally unmarked status ing in interlanguage” (1994). 18 of coronal place. The two findings are also interesting 17. Cardoso, “The vari- because voiced /b ɡ/ and coronal voiceless/voiced /t d/ able development of English word-final stops by Brazilian are precisely the stops that, according to Government Portuguese speakers: a stochastic Phonology, do not occur in medial codas in English; only optimality theoretic account” the voiceless non-coronals /p k/ do.19 This view, inci- (2007). 18. Paradis and Prunet, The dentally, motivated our decision to limit the focus in the special status of coronals: internal current study to the acquisition of /p k/. and external evidence (1991). 19. For a fuller explanation, Furthermore, stops at the end of monosyllabic words see Harris, English Sound such as pack tend to trigger higher rates of epenthesis Structure (1994); Harris and than at the end of di-/polysyllabic words such as attack: Gussmann, “Final codas: why the west was wrong” (1988).  20 pack attack. The greater epenthesis in monosyllabic 20. Cardoso, “The vari- words points to the influence of a Word Minimality Con- able development of English straint21 that requires words to be minimally disyllabic word-final stops by Brazilian Portuguese speakers: a stochastic (or, from the perspective that pack ends in an empty nu- optimality theoretic account” cleus, to contain two phonetically realized nuclei). Since (2007). the effects of this constraint are found neither in BPnor 21. McCarthy and Prince, “Prosodic Morphology I: con- in English, the phenomenon is best viewed as a case of straint interaction and satisfac- the Emergence of the Unmarked in interlanguage.22 tion” (1993). 22. Broselow, Chen, and A propos, to avoid the influence of this constraint, our Wang, “The emergence of the study compares rates of epenthesis after medial and final unmarked in second language phonology” (1998); McCarthy /p k/ in disyllabic forms only. As will be shown in the and Prince, “The emergence methodology section, the forms we used in the experi- of the unmarked: optimality in ment are all non-words (parts of a miniature linguistic prosodic morphology” (1994). system), a move necessitated by the difficulty in iden- tifying sufficient numbers of relatively high-frequency disyllabic words with /p k/ in the three contexts. In addition, the use of a miniature linguistic system in a laboratory learning setting allows us to control the input of the target language so that we can easily manipulate Gradus 1 (1) 132 it (quantitatively and qualitatively) to accommodate the demands of our study, to guarantee that the participants will not have had previous exposure to the target forms, and to control instruction so that participants receive the same type of exposure in which the three target con- texts are manipulated. We recognize that while the use of non-words will cast doubt on the ecological validity and generalizability of our findings to everyday life, this approach will increase the reliability of our findings due to the complete control exerted on the targeted learning items.[C] Huf and Alves constitute an interesting exception to the usual focus on final consonants only.23 They found 23. Huf and Alves, “A pro- higher rates of i-epenthesis after final (e.g., tack → ta[ki]) dução de /p/ e /k/ em codas simples e complexas do inglês than penultimate stops (e.g., tact → ta[ki]t). Though (L2) por aprendizes gaúchos: the researchers assume the stops in both contexts to be discussão a partir de padrões codas, under the Government Phonology view, only the acústicos encontrados” (2010). /k/ in kt-final tact would be a coda; the singleton /k/ in tack would be an onset of an empty nucleus. Indeed, the differential acquisition of stops in the two contexts provides tentative support for a distinct syllabic parse, the idea being that learners are faced with a dual learning challenge: they need to expand the set not only of coda consonants but also of onsets of empty nuclei. Relatedly, our recent study24 compared acquisition 24. John and Cardoso, of medial coda versus final /p k/ in disyllabic words “Medial Coda and Final Stops in Brazilian Portuguese-English (e.g., chapter, doctor vs. bishop, magic). Considerably Contact” (2017). higher rates of i-epenthesis were found following final rather than medial coda stops: p#, k#  p.t, k.t. We take this finding as further support for the Government Phonology view that /p k/ are syllabified differently in the two contexts: while in medial /pt-kt/ clusters, /p k/ are codas, in final position, they are onsets of empty nuclei. If simultaneous rather than differential acquisition had been observed in the two contexts, we would be inclined to assume a unified syllabification (either as orthodox codas or, as the Strict CV account contends, as onsets of empty nuclei in both locations). All the same, while simultaneous acquisition would falsify a separate syllabic parse for the two contexts, differential acquisition does not inexorably require a separate syllabic parse: arguably, differential acquisition could result from the acquisition of codas (or onsets of empty nuclei) representing a distinct learning challenge due to the two contexts. Perhaps final codas are simply more difficult to acquire than medial codas; perhaps final and medial codas are targeted by different constraints or parameter settings. Gradus 1 (1) 133

It is for this reason that we resolved to widen the scope of our research in the study reported on here to include acquisition of medial /p k/ preceding /n/. Ultimately, we are interested in elucidating the following prosodic issue: What are learners acquiring exactly, when they develop the ability to represent and realize /p k/ in the three contexts (word-medially before /t/, word-medially before /n/, and word-finally) without an epenthetic vowel? We review the three views on syllabification that contend for recognition. Superficially, it looks like learners are developing the ability to syllabify and realize /p k/ in coda position. Indeed, according to orthodox accounts of syllabification,25 any initial consonants in medial 25. Selkirk, “The Syllable” clusters that do not form branching onsets (e.g., the four (1982); Blevins, “The syllable in phonological theory” (1995). sets under investigation: /pt/-/kt/ and /pn/-/kn/) are necessarily parsed as codas, and the same holds for final consonants.[D] This is not, however, the only option. In Government Phonology,26 notably, it has been sug- 26. Kaye, Lowenstamm, gested that final consonants are universally onsets of and Vergnaud, “Constituent [E] structure and government in empty nuclei (i.e., nuclei devoid of segmental content). phonology” (1990). Likewise, in this framework, only clusters with falling or (as with /pt/-/kt/ sequences) level sonority are possible coda-onset sequences. Clusters with rising sonority that do not form branching onsets, including /pn/-/kn/, are onset sequences separated by an empty nucleus.27 Finally, 27. Harris, English Sound according to the Strict CV approach,28 which developed Structure (1994). 28. Lowenstamm, “CV as from standard Government Phonology, phonological the only syllable type” (1996); representations are composed of sequences of alternat- Scheer, A lateral theory of ing non-branching consonants and vowels. Hence any phonology: what is CVCV and why should it be? (2004). consonant sequences, including not only /pn/-/kn/ but also /pt/-/kt/ (and, indeed, apparent branching onsets), necessarily contain an intervening empty nucleus. The three analyses are summarized in table 1.29 29. Cf. p. 133.

Table 1: Distinct syllabic parses for /p k/ in the three contexts Orthodox Government Strict (where p. or k. = coda; phonology Phonology CV pØ or kØ = onset of empty nucleus). Medial /pt/-/kt/ p.t - k.t p.t - k.t pØt - kØt Medial /pn/-/kn/ p.n - k.n pØn - kØn pØn - kØn Final /p#/-/k#/ p. - k. pØ - kØ pØ - kØ

In brief, simultaneous acquisition of /p k/ in the three contexts, as reflected in similar rates of i-epenthesis across the contexts, would be consistent with a unified syllabic parse (whether as codas or as onsets of empty nuclei), and it would falsify the Government Phonology view that different syllabic representations are at work. Already we have established that medial /p k/ before Gradus 1 (1) 134

/t/ have lower rates of i-epenthesis than final /p k/,30 30. John and Cardoso, which provides tentative support for a distinct syllabic “Medial Coda and Final Stops in Brazilian Portuguese-English parse. The next step is to examine medial /p k/ before Contact” (2017). /n/: do these show similar rates of epenthesis to final /p k/, as we might expect if both are onsets of empty nuclei? Or do they show similar rates of epenthesis to medial /p k/ before /t/, as we would expect if they have the same syllabification as medial codas/onsets of empty nuclei? The following section outlines the methodology used to investigate these questions.

Methodology

Our multidimensional approach employs laboratory phonology methods for data collection, incorporating insights from generative phonology, variationist so- ciolinguistics, psycholinguistics, and second language acquisition, as will be described below.

Participants

17 adult BP learners of English were recruited via so- cial media to participate in the study. Ranging in age from 22 to 64 years, the participants were all living in Montreal (a second language context),[F] having moved there from Brazil the same year the data were collected (or, in the case of one participant, a year previously). Two participants indicated their level of English proficiency as intermediate; otherwise participants self-reported as be- ginners. In the call for participants, we expressly targeted lower level learners to avoid recruiting participants who may have moved beyond the i-epenthesis stage.

Data collection and training (learning) sessions

Participants were recorded during tasks involving reading-aloud and elicitation of a set of twelve non-words, with /p/ or /k/ in word-medial position before /t/ or /n/ or else in word-final position. Four distractors were also included (see table 2). As mentioned in the previous section, we chose to use non-words rather than, say, a real-word elicitation task for a number of reasons. First, were we to target real words in English, the medial /pn/ - /kn/ context is comparatively rare, so it would be difficult to elicit from participants sufficiently large sets of words showing Gradus 1 (1) 135

Final /p/ - /k/ Medial /pt/ - /kt/ Medial /pn/ - /kn/ Distractors galip zeptu sepna kuvi filop gupta lopni basa minek mikta beknu nidu redok puktu vakni tola

Table 2: Non-words used in the study. this pattern, especially since many of the existing words (e.g., apnea, hackneyed) are unlikely to be in participants’ English lexicons. Another confound is that some of these words (e.g., technique, picnic, apnea) have cognates in BP, so the L1 lexicon could interfere with the pronunciation of the words in English. In addition, for reasons identified above, we wanted to restrict ourselves to disyllabic forms, 31. Mathieu, “The influ- even for words with final /p k/. Again, finding alarge ence of foreign scripts on the acquisition of a second language enough set of common disyllabic words proves difficult, phonological contrast” (2016); whence the decision to employ non-words. Showalter, “The influence of novel orthographic information We now describe the steps observed for the instruc- on second language word learn- tion of the target forms and the data collection. Initially, ing: the case of native English speakers learning Arabic” (2012); participants were asked to read aloud the list of 16 non- Showalter and Hayes-Harb, words illustrated in table 2, using English pronunciation. “Unfamiliar orthographic infor- mation and second language Subsequently, over the course of at most one hour, partic- word learning: a novel lexicon ipants completed four word-learning tasks (loosely based study” (2013). on those used in Mathieu (2016) themselves based on Showalter (2012), and Showalter and Hayes-Harb (2013)).31 The intended purpose of the tasks was to get the participants to develop lexical entries for a set of 16 invented words, which were associated with common images. They then underwent an immediate post-test which elicited production of all 16 non-words. Finally, they were asked to read aloud the list of non-words a second time. The four word-learning tasks were set up in a quasi- gamified environment in Moodle 3.0, an online course management system.32 First, participants were presented with a set of four randomized pages (using the quiz Figure 1: Interface of learn- ing task 1: Listen, repeat and feature on Moodle) that they consulted one after the memorize. other. Each page contained a set of four common images 32. http://moodle.org. selected from the Bank of Standardized Stimuli.33 As 33. Brodeur et al., “The Bank illustrated in fig. 1, the images were accompanied by of Standardized Stimuli (BOSS), a New Set of 480 Normative two sound files selected from recordings by three native Photos of Objects to Be Used speakers of standard North American English (2 male and as Visual Stimuli in Cognitive 1 female). The sound files contained the non-word spoken Research” (2010). in isolation and then at the end of a carrier phrase: for example, Minek, this is a minek (to accompany an image of an elephant). In the recordings, stress is placed consis- Gradus 1 (1) 136 tently on the syllable containing /p/ or /k/ (e.g., gaLIP, MIKta) to ensure clear articulation and optimal saliency. Participants would repeat the word after hearing each sound file and try to memorize it. They could clickon the recordings as many times as they wished, before mov- ing on to the next page, with the possibility of taking a short break between each set if needed. The participants were thus exposed to different voices and different re- alizations of the various words, the aim being to favour development of an abstract phonological representation of the words rather than facilitating phonetic imitation of Figure 2: Interface of learning individual tokens. The fact that the post-test involved elic- task 2: See and listen. itation rather than repetition was also intended to ensure the participants accessed a phonological representation stored (albeit very recently) in their lexicon. Figure 2 illustrates the second word-learning task, which involved each image being presented one after the other in randomized order, along with two of the sound files used in Task 1, only one of which contained the correct identification of the image. The participants’ task was to indicate which of the sound files was accurate and then submit their answer. If participants selected the correct sound file, they received the response Excellent! Go to next question, as shown in Figure 2. In the case of Figure 3: Interface of learning task 3: Listen and choose. an incorrect selection, the response that appeared was Incorrect! Please try again (see fig. 3), in which case they were asked to listen again to relearn the correct form. As fig. 3 suggests, Task 3 is the reverse of Task 2, in- volving two images shown with one sound file: the partic- ipants were asked to identify which image corresponded to the non-word spoken in the recording. Again, in the case of an incorrect answer, they re-listened to the file to reinforce learning. For the final word-learning task, participants saw an image (again, in randomized order) and said aloud the non-word that they thought was associated with it. To facilitate the task, they were provided with the first two letters of the target word. They were also prompted Figure 4: Interface of learning to say the word in isolation and at the end of a carrier task 4: Speak, listen and check. phrase. So, for the image of the pencil (beknu), they saw on the screen: Be___, this is a be___. They then clicked on a sound file to verify their response and to have afinal opportunity to learn the non-word before the immediate post-test elicitation task. The interface of the last learning task is illustrated in fig. 4. The post-test is identical to the preceding elicitation task, except that no sound file is provided to check an- swers (see fig. 5).

Figure 5: Final production test: Post sentence-initial and sentence-final elicitation (an example). Gradus 1 (1) 137

Unfortunately, after the first four participants had engaged in the proposed learning activities, it became clear that very little word-learning was taking place. That is, participants had great difficulty recalling the correct non-words corresponding to the images, even with the cue of the first two letters. Whether this is due toa deficiency in the tasks (e.g., to their being restricted toa single session), to our failure to insist on the importance of actually learning the words, or to indolence on the part of the learners is hard to determine. Regardless of the explanation, we decided to reject the data from the first four participants, and we subsequently adapted the methodology of the post-test elicitation task: if a participant failed to recall the non-word or supplied an inaccurate form, the researcher flashed a card containing partial versions of the target word (i.e., without the target segment) so as to cue its production (e.g., be_nu for beknu). While this modification to the data collection procedure considerably increased our intake of target tokens for the analysis, it was at the expense of collecting data that reliably reflect lexical representations. That is, in the recordings of the participants, we could no longer be sure that the person had accessed an actual lexical entry or had essentially been reading from the flashed card. In order to have usable preliminary data for the analysis, however, we were willing to live with the compromise, resolving to re-think our approach for subsequent stages of data collection (intended to take place in Brazil, in 2017). The final task involved reading aloud the set of16 non-words a second time. The pre- and post-reading- aloud recordings and the recording made during the non-word elicitation task constitute the full extent of the data collected for the Goldvarb X analysis, which we turn to next.

Data analysis & results

The data were analyzed using Goldvarb X,34 standard 34. Tagliamonte, Goldvarb statistical software used in variationist/sociolinguistic (2016). studies.[G] Goldvarb X performs a regression analysis that identifies the relative contribution of different fac- tors to the application of a variable process (such as i-epenthesis). Factor weights ranging from 0 to 1 are generated, with a weight in excess of 0.5 indicating that a factor is associated with higher rates of application (i-epenthesis in our case). For the purposes of the analysis, the data from the pre-reading aloud, post-elicitation and Gradus 1 (1) 138 post-reading aloud tasks (total: 618 tokens of medial or final /p k/) were coded for the dependent variable of i-epenthesis, along with the following independent variables shown in table 3.

Factor groups Factors Position of /p k/ before /t/ before /n/ word-final Target C /p/ /k/ Task pre-reading sentence-initial sentence-final post-reading aloud elicitation elicitation aloud Participant 1 2 3 4, etc.

Table 3: Factors included in the Goldvarb X analysis. The various independent variables are those that may influence the frequency of application of i-epenthesis, with ‘position of /p k/’ being the factor group that inter- ests us the most. As is customary in variationist research, the other factor groups were included primarily for ex- ploratory purposes, rather than to address a specific research question. Nonetheless, the selection of further independent variables was not gratuitous. Comparing epenthesis rates for /p/ versus /k/ is based on the ob- servation that place of articulation has been previously found to play a role in i-epenthesis. The task variable, with the elicitation data further coded for whether the token is sentence-initial (the non-word spoken in isola- tion) or sentence-final (at the end of the carrier phrase), was selected for two reasons: first, to verify whether extended experience with the spoken forms in the word- learning tasks influenced epenthesis rates in reading aloud; and, second, to check whether the more careful articulation associated with a word spoken in isolation (i.e., a more formal pronunciation) had an effect on epenthesis. The participant factor group was included to determine whether a range of epenthesis rates would be found across the participants and to potentially ex- amine individual differences. This would be consistent with changes to the dynamic L2 phonological system that occur through developing proficiency. In order to refine the analysis and to better identify the contributing variables, three runs of Goldvarb X were carried out. Two of the 13 participants retained for the analysis were eliminated following the first run, as they were found to have no instances of i-epenthesis; they had thus apparently already advanced beyond the stages of proficiency where i-epenthesis occurs. After the second run, the tasks factor group was eliminated Gradus 1 (1) 139

(no significant difference was found in the data asa result of task). What is presented below in table 4 is thus the results of the third run, with two participants and the tasks factor group removed from the analysis. The remaining factor groups were selected by Goldvarb X in both step-up and step-down regression analyses, thus indicating that the selected groups in the third run are statistically significant for the phenomenon under investigation (p<0.05).

Factors Factor Weights/ % Position of /p k/ before /t/: before /n/: final: 0.299/ 14 0.648/ 31 0.556/ 26 Target C /p/: /k/: 0.612/ 30 0.386/ 18 Participants 1: 0.142/ 4 2: 0.204/ 6 3: 0.261/ 8 4: 0.353/ 12 5: 0.361/ 12 6: 0.485/ 19 7: 0.584/ 25 8: 0.642/ 30 9: 0.670/ 32 10: 0.694/ 34 11: 0.956/ 79

Table 4: Factor weights and % In brief, table 4 shows that higher rates of epenthe- assigned by Goldvarb X. sis were found: before word-medial /n/ (.648) and in final position (.556) as compared with before medial /t/ (.299); and after /p/ (.612) rather than /k/ (.386). In addition, a range of factor weights from very low (.142) to very high (.956) were found across the remaining eleven participants, thus indicating a high incidence of individual differences among them.

Discussion & conclusion

The primary aim of the current study was to determine whether medial /p k/ appearing before /n/ show similar acquisition rates to medial /p k/ before /t/ or to final /p k/. Previously, as reflected in rates of i-epenthesis, we found differential acquisition for /p k/ in word-medial position before /t/ and in word-final position.35 We 35. John and Cardoso, argued that this finding is consistent with a distinction “Medial Coda and Final Stops in Brazilian Portuguese-English in the syllabic parse of /p k/ in the two environments: Contact” (2017). that is, as a coda in word-medial position but as an onset of an empty nucleus in word-final position, as proposed by Government Phonology. The findings thus appear to falsify the views espoused in both orthodox phonology and Strict CV, which propose a single syllabic parse for consonants in the two locations (i.e., either as codas or as onsets of empty nuclei in both cases). Gradus 1 (1) 140

Nonetheless, it could be argued that the differential acquisition observed derives not from any distinction in the syllable structure but rather from codas or onsets of empty nuclei being acquired separately in medial and final locations, perhaps due to different constraints or parameters being implicated. By examining i-epenthesis rates for medial /p k/ preceding /n/, we hoped to resolve the issue more satisfactorily. If /p k/ before /n/ are medial codas (the orthodox position) or medial onsets of empty nuclei (Strict CV), we might expect them to pattern with medial /p k/ before /t/. This is not what we found. Instead, medial /p k/ before /n/ pattern with final /p k/ in being more difficult to acquire than medial /pk/ before /t/. This finding is consistent with the Government Phonology position that, while medial /p k/ before /t/ are codas, medial /p k/ before /n/ and final /p k/ are both instances of onsets of empty nuclei. The portrait that thus emerges is that BP learners of English are faced with a dual challenge: on the one hand, they need to expand the set of coda consonants to include (among others) /p k/; on the other, they need to expand the set of consonants that can appear in an onset of an empty nucleus, whether medial or final. The lower rates of i-epenthesis following /k/ versus /p/, indicating earlier acquisition of the velar versus the labial stop in the various contexts, is consistent with phonological investigations suggesting that, alongside coronal,36 velar place cross-linguistically has special 36. Paradis and Prunet, The unmarked status.37 It has been argued, for example, special status of coronals: internal 38 and external evidence (1991). that in languages such as Selayarese, when nasals 37. Rice, “Default variability: do not receive a place specification via spreading from the coronal-velar relationship” an adjacent consonant, they are receive velar place (1996). 39 38. Mithun and Basri, “The by default. Our findings thus make an unexpected phonology of Selayarese” (1986). contribution to the debate over place markedness. 39. John, “The Phonology of The considerable range in factor weights associated Empty Categories” (2014). with individual participants, from a low of .142 to a high of .956, reflects the gradual acquisition behaviour that typifies interlanguage development.40 Over time, 40. Major, Foreign accent: the as a function of increased proficiency, i-epenthesis rates ontogeny and phylogeny of second language phonology (2001). gradually decline, and accurate production of target consonants steadily increases. Likewise, the fact that two participants showed zero epenthesis is indicative of the potential that interlanguage may eventually become in many ways target-like. In sum, we hope that this study demonstrates how the use of laboratory phonology-inspired methods for empirical data collection can prove useful to address abstract debates in theoretical phonology. Specifically, Gradus 1 (1) 141 we wished to test predictions derived from different proposals on how to parse consonants, in our case the stops /p k/, in various positions in the word. We remain convinced that, if phonology is truly a science, the way forward is through controlled experiments that test whether hypotheses generated by different theoretical frameworks can be falsified.41 On the issues addressed 41. Popper, The Logic of here, further research is anticipated. In particular, for a Scientific Discovery ([1959]1992). new phase of data collection in Brazil, we intend to refine the non-word-learning tasks so that actual development of new lexical entries is more successful; this should give us an even fuller portrait of the kinds of phonological representations learners are able to develop.

Endnotes

[A] We assume that i-epenthesis is categorical in BP, although the extent to which this is the case may depend on the regional variety. For example, the phenomenon may not be categorical in Belo Horizonte,42 but this variety is notorious for reduc- 42. Reported by Cristófaro- tion/deletion processes that are not instantiated in Silva and Almeida, “On the nature of epenthetic vowels” other regions. (2008). [B] Note also that, according to the Government Phonology syllabic parse, i-epenthesis serves a dif- ferent purpose depending on the context: it involves either resyllabification of the coda consonant or else provision of vocalic content to an empty nucleus. According to the orthodox coda parse, only resyllab- ification is implicated; conversely, according tothe Strict CV view, only expression of empty nucleus is taking place. [C] For a discussion of the benefits and drawbacks of laboratory research methods such as the one employed in our study, see Hulstijn (1997).43 43. Hulstijn, “Second lan- guage acquisition research in the [D] It has been suggested that final consonants, at laboratory” (1997). least in some cases, may be extrasyllabic appendixes; nonetheless, the extrasyllabic status of final conso- nants typically holds only at an early stage of the derivation — typically, they are eventually inte- grated into syllabic structure in an orthodox coda position.44 44. E.g., Ito, “Syllable theory 45 in prosodic phonology” (1986). [E] Kaye (1990) — though see Pigott (1999) for 45. Kaye, “‘Coda’ licensing” a more nuanced view.46 (1990). 46. Pigott, “At the right edge [F] Considering Montreal to be a second language of words” (1999). context for English is in our view justified, although Gradus 1 (1) 142

not straightforward. Though French is the sole offi- cial language in the province of Quebec and Franco- phones form a considerable majority in most parts of the province, the situation is complicated in Mon- treal (the largest city in Quebec) by the presence of a sizeable English-speaking and immigrant population. Montreal consequently is anomalous in functioning to some extent as bilingual French-English, although the degree of French or use can vary considerably depending on the person, con- text, and even the area of the city. Importantly for our purposes, there is at least the potential for BP speakers to have contact with English on a daily basis. 47. Cardoso, “The vari- [G] For a discussion of Goldvarb X in the analysis able development of English word-final stops by Brazilian 47 of L2 data, see Cardoso (2007). Portuguese speakers: a stochastic optimality theoretic account” (2007). References

Baptista, Barbara O. and Jair Luiz Alves da Silva Filho (1997). “The influence of markedness and syllable contact on the production of English final consonants by EFL learners”. In: New Sounds 97: Proceedings of the Third International Symposium on the Acquisition of Second-Language Speech. Ed. by Jonathan H. Leather and Allan R. James. Klagenfurt: University of Klagenfurt, pp. 26–34. Baptista, Barbara O. and Jair Luiz Alves da Silva Filho (2006). “The influence of voicing and sonority relationships on the production of English final consonants”. In: English with a Latin beat: studies in Portuguese/Spanish-English interphonology. Ed. by Barbara O. Baptista and Michael Alan Watkins. Amsterdam: John Benjamins, pp. 73–89. Blevins, Juliette (1995). “The syllable in phonological theory”. In: The Handbook of Phonological Theory. Ed. by John A. Goldsmith. London: Basil Blackwell, pp. 206– 244. Brodeur, Mathieu B. et al. (2010). “The Bank of Standardized Stimuli (BOSS), a New Set of 480 Normative Photos of Objects to Be Used as Visual Stimuli in Cognitive Research”. In: PLOS One 5.5. Broselow, Ellen, Su-I Chen, and Chilin Wang (1998). “The emergence of the un- marked in second language phonology”. In: Studies in second language acquisition 20.02, pp. 261–280. Cantoni, Maria and Thaïs Cristófaro Silva (May 6, 2008). “Verbal Stress Assignment in Brazilian Portuguese and the Prosodic Interpretation of Segmental Sequences”. In: Proceedings of the Fourth Conference on Speech Prosody. Ed. by Plínio A. Barbosa, Sandra Madureira, and César Reis. International Speech Communication Association, pp. 587–590. Cardoso, Walcir (2007). “The variable development of English word-final stops by Brazilian Portuguese speakers: a stochastic optimality theoretic account”. In: Language Variation and Change 19.3, pp. 219–248. Gradus 1 (1) 143

Cristófaro-Silva, Thaïs and Leonardo Almeida (2008). “On the nature of epenthetic vowels”. In: Contemporary Phonology in Brazil. Ed. by Leda Bisol and Cláudia Bres- cancini. Cambridge: Cambridge Scholars, pp. 193–212. Harris, John (1994). English Sound Structure. Oxford: Blackwell. Harris, John and Edmund Gussmann (1988). “Final codas: why the west was wrong”. In: Structure and interpretation in phonology: studies in phonology. Ed. by Eugeniusz Cyran. Lublin: Folium, pp. 139–162. Huf, Júlia Carolina Coutinho and Ubiratã Kickhöfel Alves (2010). “A produção de /p/ e /k/ em codas simples e complexas do inglês (L2) por aprendizes gaúchos: discussão a partir de padrões acústicos encontrados”. In: Verba Volant 1.1, pp. 1–27. Hulstijn, Jan H. (1997). “Second language acquisition research in the laboratory”. In: Studies in Second Language Acquisition 19.2, pp. 131–143. Ito, Junko (1986). “Syllable theory in prosodic phonology”. PhD thesis. University of Massachussets. John, Paul (2014). “The Phonology of Empty Categories”. PhD thesis. Université du Québec à Montréal. John, Paul and Walcir Cardoso (2017). “Medial Coda and Final Stops in Brazilian Portuguese-English Contact”. In: Romance-Germanic Bilingual Phonology. Ed. by Mehmet Yavaş, Margaret M. Kehoe, and Walcir Cardoso. Sheffield: Equinox Publishing, pp. 181–199. Kaye, Jonathan (1990). “‘Coda’ licensing”. In: Phonology 7.2, pp. 301–330. Kaye, Jonathan, Jean Lowenstamm, and Jean-Roger Vergnaud (1990). “Constituent structure and government in phonology”. In: Phonology 7.1, pp. 193–231. Labov, William (2001). Principles of Linguistic Change. Vol. II: Social Factors. Oxford: Wiley-Blackwell. Lowenstamm, Jean (1996). “CV as the only syllable type”. In: Current trends in phonolo- gy: models and methods. Ed. by Jacques Durand and Bernard Laks. Vol. 2. Manchester: University of Salford Press, pp. 419–441. Major, Roy Coleman (1986). “Paragoge and degree of foreign accent in Brazilian English”. In: Second Language Research 2.1, pp. 53–71. Major, Roy Coleman (2001). Foreign accent: the ontogeny and phylogeny of second lan- guage phonology. New York: Lawrence Erlbaum. Mathieu, Lionel (2016). “The influence of foreign scripts on the acquisition of asecond language phonological contrast”. In: Second Language Research 32.2, pp. 145–170. McCarthy, John and Alan Prince (1993). “Prosodic Morphology I: constraint interac- tion and satisfaction”. McCarthy, John and Alan Prince (1994). “The emergence of the unmarked: optimality in prosodic morphology”. In: Proceedings of the 24th Meeting of the North East Linguistic Society. Ed. by M. González, pp. 333–379. Mithun, Marianne and Hasan Basri (1986). “The phonology of Selayarese”. In: Oceanic Linguistics 25.1/2, pp. 210–254. Nevins, Andrew (2008). “Book review: ‘A lateral theory of phonology: what is CVCV and why should it be?’, by Tobias Scheer”. In: Lingua 118.3, pp. 425–434. Paradis, Carole and Jean François Prunet, eds. (1991). Phonetics and Phonology. Vol. 2: The special status of coronals: internal and external evidence. San Diego: Academic Press. Pierrehumbert, Janet, Mary E. Beckman, and D. Robert Ladd (2000). “Conceptual foundations of phonology as a laboratory science”. In: Phonological knowledge: con- ceptual and empirical issues. Ed. by Noel Burton-Roberts, Philip Carr, and Gerard Docherty. Oxford: Oxford University Press, pp. 273–304. Gradus 1 (1) 144

Pigott, Glyne L. (1999). “At the right edge of words”. In: The Linguistic Review 16.2, pp. 143–185. Popper, Karl ([1959]1992). The Logic of Scientific Discovery. London: Routledge. Rice, Keren (1996). “Default variability: the coronal-velar relationship”. In: Natural Language & Linguistic Theory 14.3, pp. 493–543. Scheer, Tobias (2004). A lateral theory of phonology: what is CVCV and why should it be? New York: Mouton de Gruyter. Schneider, André and Luiz Carlos Schwindt (2010). “A epêntese vocálica medial em PB e na aquisição de inglês como LE: uma análise morfofonológica”. In: Letras de Hoje 45.1, pp. 16–26. Selkirk, Elizabeth O. (1982). “The Syllable”. In: The Structure of Phonological Represen- tations. Ed. by Harry van der Hulst and Norval Smith. Dordrecht: Foris, pp. 337– 383. Showalter, Catherine E. (2012). “The influence of novel orthographic information on second language word learning: the case of native English speakers learning Arabic”. Master’s thesis. University of Utah. Showalter, Catherine E. and Rachel Hayes-Harb (2013). “Unfamiliar orthographic information and second language word learning: a novel lexicon study”. In: Second Language Research 29.2, pp. 185–200. Tagliamonte, Sali A. (2016). Goldvarb. url: http : / / individual . utoronto . ca / tagliamonte/goldvarb.html (visited on December 5, 2016). Yavaş, Mehmet (1994). “Final stop devoicing in interlanguage”. In: First and second language phonology. Ed. by Mehmet Yavaş. San Diego: Singular, pp. 267–282. Análise longitudinal de vogais do inglês-L2 de brasileiros: dados preliminares

DOI: 10.47627/gradus.v1i1.107

Ronaldo M. Lima Jr. [email protected] Universidade Federal do Ceará

Gradus Revista Brasileira de Fonologia de Laboratório

Vol. 1, nº 1 Dezembro de 2016 https://gradusjournal.com/index.php/gradus/article/view/7

Bibtex: @article{lima2016analise, author = {Ronaldo M. Lima Jr.}, issn = {2526-2718}, doi = {10.47627/gradus.v1i1.107}, journal = {Gradus}, month = {dec}, number = {1}, pages = {145–176}, title = {Análise longitudinal de vogais do inglês-L2 de brasileiros: dados preliminares}, volume = {1}, year = {2016}}

Este texto pode ser livremente copiado, sob os termos da licença Creative Commons Atribuição-NãoComercial 4.0 Interna- https://creativecommons.org/ cional (CC BY-NC 4.0). licenses/by-nc/4.0/deed.pt_BR Gradus 1 (1) 146

Resumo

Este artigo relata dados dos dois primeiros semestres de um estudo longitudinal do percurso de aquisição das vo- gais [i ɪ ɛ æ u ʊ] de alunos de graduação em Letras-Inglês de uma universidade brasileira. Os dados foram coletados no início do segundo e terceiro semestres, e consistiram de frases-guia com palavras CVC, com o V contendo as vogais-alvo. A análise aqui apresentada é de qualidade espectral, com medições de F1 e F2. A interpretação dos dados parte do pressuposto de que as línguas e seus pro- cessos de aquisição são sistemas complexos e dinâmicos, e que, por sua natureza dinâmica, o processo de aquisi- ção de uma língua estrangeira (L2) é mais efetivamente analisado por meio de uma metodologia individual e longitudinal. Também por causa da natureza dinâmica do processo de aquisição fonológica de uma L2, adota-se neste trabalho uma epistemologia que une a fonética e a fonologia, considerando-as como duas dimensões de um mesmo sistema. Os resultados cumprem três propó- sitos: a) registram os dados de F1 e F2 de 11 alunos de Letras-Inglês no início do segundo e terceiro semestres da graduação; b) revelam o início da criação de categorias fonético-fonológicas distintas para [u] e [ʊ] na interlín- gua de dois aprendizes; e c) reforçam o argumento a favor de uma metodologia individual e longitudinal para uma análise dinâmica do desenvolvimento fonológico de L2. Palavras-chave: aquisição fonológica, análise acústica, inglês-L2

Abstract

This paper reports on data from the two first semesters of a longitudinal study on the route of acquisition of the vowels [i ɪ ɛ æ u ʊ] produced by English Language Teaching (ELT) undergraduates of a Brazilian university. The data were collected in the beginning of the second and third semesters, and consisted of carrier sentences with CVC tokens, with each V containing one of the tar- get vowels. The analysis herein presented is of spectral quality, with F1 and F2 measurements. The interpretation of the data assumes that languages and their process of acquisition are complex dynamic systems, and that, due to their dynamic nature, the process of foreign language (L2) acquisition is more effectively analyzed through an individual and longitudinal design. Also because of the dynamic nature of the L2 phonological acquisition pro- Gradus 1 (1) 147 cess, an epistemology that unites phonetics and phonol- ogy is adopted, looking at those as two dimensions of the same system. The relevance of the results is threefold, as they a) make a record of the F1-F2 production data of 11 Brazilian ELT undergraduates; b) reveal the beginning of the creation of distinct phonological categories for [u] and [ʊ] for two speakers; and c) reinforce the argument in favor of an individual and longitudinal research design for a dynamic analysis of L2 phonological development. Keywords: phonological acquisition, acoustic analysis, English as a Foreign Language

Introdução

Há um conflito com relação ao ensino e aprendizagem da pronúncia de uma língua estrangeira: por um lado, sua importância para a comunicação é inquestionável, mas, por outro, muitos alunos e professores acabam atribuindo- lhe menor importância em comparação ao estudo de gramática e de vocabulário.1 Os motivos de se negligen- 1. Kelly, How To Teach ciar o ensino da pronúncia, por parte dos professores, Pronunciation (2006); Yule e MacDonald, “The Effects of podem vir desde o seu despreparo, e consequente medo Pronunciation Teaching” (1994). de ensinar pronúncia, até o fato de muitos livros didáticos adotados no Brasil serem produzidos para o público in- ternacional, contendo, portanto, lições de pronúncia que não se aplicam ao falante de português, como o ensino do contraste /b v/ ou /r l/, mirados aos falantes de espanhol e japonês, respectivamente. Somando-se a isso a ênfase que muitas escolas e métodos dão ao ensino de gramática e vocabulário, o ensino da pronúncia acaba ficando de lado.2 O aluno, por sua vez, se guia em grande parte por 2. Lima Jr, “Uma investigação aquilo que é enfatizado pelo livro e pelo professor. Além dos efeitos do ensino explícito da pronúncia na aula de inglês disso, mesmo os alunos que acabem se interessando pela como língua estrangeira” (2010); pronúncia ou, pelo menos, admitindo a sua importância, Silveira, “The influence of pronunciation instruction on the podem simplesmente não perceber, sem que haja um perception and production of direcionamento explícito, quais aspectos da pronúncia english word-final consonants” lhes são deficitários.3 (2004); Tomlinson, “English as a foreign language: matching Por outro lado, até mesmo professores e alunos que procedures to the context of porventura negligenciem o trabalho com a pronúncia learning” (2005). 3. Dalton e Seidlhofer, provavelmente reconhecem a sua importância para a Pronunciation (1994). comunicação eficaz. Afinal, é impossível se comunicar oralmente sem dominar um nível mínimo do sistema fonético-fonológico da língua estrangeira (L2) que as- segure pelo menos um pouco de inteligibilidade.4 Em 4. E.g. Celce-Murcia, Brin- níveis segmentais, por exemplo, imagine um aprendiz ton e Goodwin, Teaching pronunciation: a reference for de inglês-L2 tentando dizer que viu um grande navio, teachers of English to speakers of mas que acaba dizendo que viu uma grande ovelha (“I other languages (1996); Morley, Pronunciation pedagogy and theory: new views, new directions (1994); Pennington, “The teachability of phonology in adulthood: a re-examination” (1998). Gradus 1 (1) 148 saw a big [ʃip]” em vez de “I saw a big [ʃɪp]”). Em níveis suprassegmentais, imagine a dificuldade de comunicação para um aprendiz que não consegue perceber e/ou pro- duzir curvas entonacionais distintas que distingam uma pergunta de uma afirmação. Além da inteligibilidade, uma pronúncia acurada ajuda o falante da L2 a ganhar maior credibilidade de seus interlocutores e, consequentemente, mais oportunidades de interação. Para um falante nativo, interagir com um aprendiz com sotaque muito carregado demanda mais energia. Um sotaque estrangeiro muito carregado pode até mesmo “induzir os interlocutores a ‘se desligarem’ durante conversas e/ou evitar futuras interações com o usuário da L2 em questão”.5 Parrino também comenta 5. “[…] induce interlocutors o distanciamento social que um forte sotaque em L2 to ‘switch off’ during conversa- tions and/or to avoid further pode causar, afirmando que “os sotaques que colorem as interactions with the L2 user in línguas que falamos impactam significativamente a nossa question.” Singleton e Ryan, Language acquisition: the age identidade. A nossa pronúncia nos alia ou nos isola da factor, p. 87 (2004). comunidade de falantes… Ela precede nossas intenções e completa nossos enunciados.”6 6. “The accents that color the languages we speak impact Por fim, mesmo que um aprendiz de L2 reconheça a significantly on our identity. necessidade de se apropriar da uma pronúncia eficiente, Our pronunciation allies or isolates us from a community dando-lhe importância igual ao estudo da gramática e of speakers… It precedes our do vocabulário, e contando com materiais e professores intentions and completes our que também o apoiem nessa empreitada, há a dificuldade utterances.” Parrino, “The politics of pronunciation and the natural de se perceber e produzir sons de uma L2 que não adult learner”, p. 171 (1998). são utilizados, ou não contrastados, na língua materna (L1). A dificuldade de se aprender a pronúncia de umaL2 não existe porque as pessoas em algum momento da vida perdem a capacidade de aprender novas pronúncias, mas pelo fato de terem aprendido o sistema fonológico de suas L1s tão bem.7 7. Flege, “Age of learning and second language speech” Na aquisição da L1, as crianças precisam aprender a (1999); Leather, “Phonological agrupar exemplares de uma mesma palavra — foneti- acquisition in multilingualism” camente diferentes devido a variações idiossincráticas (2003). fisiológicas e regionais dos falantes — dentro deuma mesma categoria fonológica para que haja comunicação. Se cada pequena variação no sinal acústico nos levasse a 8. Bybee, Phonology and Lan- guage Use (2001); Cristófaro- uma associação lexical diferente, simplesmente não have- Silva, “Descartando fonemas: ria comunicação. Para fazer essa categorização fonológica a representação mental na que abrigue características fonéticas variáveis, os cérebros Fonologia de Uso” (2003); Kuhl, “Human adults and human de bebês adquirindo uma L1 tomam notas estatísticas do infants show a ‘perceptual que ouvem para formarem protótipos fonológicos capazes magnet effect’ for the prototypes 8 of speech categories, monkeys de arcar com a variação fonética do input. do not” (1991); Kuhl, “Innate Com a fixação do sistema fonológico da língua materna predispositions and the effects of experience in speech perception: (L1), que garante comunicação mais eficaz na L1, torna- the native language magnet se mais desafiador identificar e, consequentemente, theory” (1993); Kuhl et al., produzir os sons da L2 que são muito próximos a sons “Phonetic learning as a pathway to language: new data and native language magnet theory expanded (NLM-e)” (2008). Gradus 1 (1) 149 da L1. Os sons mais próximos foneticamente são os mais difíceis de aprender, uma vez que os aprendizes tendem a não percebê-los como diferentes, assimilando-os a categorias fonológicas prototípicas da L1.9 Esse é o caso 9. Flege, “Second language das vogais [i ɪ] de beat e bit, [u ʊ] de boot e book, e [ɛ æ] speech learning: theory, fin- dings, and problems” (1995); de bet e bat, que tendem a ser assimiladas às categorias Flege, “Age of learning and prototípicas do português [i] [u] e [ɛ], respectivamente, second language speech” (1999); 10 Flege, “Language contact in por aprendizes brasileiros de inglês-L2. É por isso que bilingualism: phonetic system neste trabalho foram analisados os dados de produção interactions” (2007). dessas vogais por alunos brasileiros de inglês-L2. 10. Bion et al., “Category for- mation and the role of spectral Tendo-se como pressuposto teórico o fato de que o quality in the perception and pro- processo de aquisição de L2 é um sistema complexo e duction of English front vowels” 11 (2006); Lima Jr, “A influência da dinâmico, os protótipos criados para a comunicação na idade na aquisição de seis vogais L1 atuam como atratores para a L2. Atratores são estados do inglês por alunos brasileiros” (2015); Rauber, “Perception and de acomodação temporária de um sistema complexo e production of English vowels by dinâmico, onde o sistema pode encontrar estabilidade Brazilian EFL speakers” (2006). temporária. O caráter temporário dos atratores reforça 11. E.g. de Bot, “Introduction: second language development a natureza dinâmica desse tipo de sistema. Isso quer as a dynamic process” (2008); dizer que a aquisição de línguas seria mais bem descrita de Bot, Lowie e Verspoor, pelo termo “desenvolvimento de línguas”, pois atratores “A Dynamic Systems Theory approach to second language indesejados, como protótipos fonológicos da L1, que acquisition” (2007); Larsen- interfiram com a inteligibilidade do aprendiz deL2, Freeman, “Chaos/complexity science and second language podem ser substituídos por atratores da própria L2 com acquisition” (1997); Lima Jr, o tempo e com as devidas intervenções no sistema, como “Complexity in second language aulas, exposição à L2, interação com falantes da L2, etc. phonology acquisition” (2013). É por causa da natureza dinâmica do desenvolvimento de L2 que neste texto o termo “desenvolvimento” é preferido ao termo “aquisição”, e “aquisição de L2” é utilizado apenas precedido de “processo” ou “percurso”, fazendo-se, nesse caso, referência tanto ao campo de estudos já consolidado pelo termo “aquisição de segunda língua”,12 mas também à natureza dinâmica, isto é, de 12. Ellis, The study of second constante mudança no tempo, do desenvolvimento de language acquisition (2008); Long, Problems in Second Lan- uma L2. Em um sistema dinâmico, os processos são guage Acquisition (2006); de mais importantes do que os produtos, pois sua mutação Oliveira e Paiva, Aquisição de contínua impede que o sistema alcance um estágio final. segunda língua (2014). Sendo assim, os conceitos de “língua alvo”, “estado final de aquisição” (final state ou ultimate attainment) 13. de Bot e Larsen- e de pontos de chegada (como native-likeness) devem Freeman, “Researching second language development dar lugar ao conceito de desenvolvimento dinâmico e from a dynamic systems theory idiossincrático, visto que o desenvolvimento de uma L2 é perspective” (2011); de Bot e um processo aberto e perenemente contínuo e mutável. Larsen-Freeman, “Researching second language development A dinamicidade do desenvolvimento (fonológico) de from a dynamic systems theory perspective” (2011); Larsen- uma L2 é o principal motivo para que sistemas complexos Freeman e Cameron, Complex necessitem de análises de dados longitudinais,13 pois systems and applied linguistics registrar e analisar o desempenho de um aprendiz de L2 (2008); Lima Jr, “A necessi- dade de dados individuais e não significa flagrar a sua aquisição, mas sim observar ca- longitudinais para análise do racterísticas do ponto do desenvolvimento em que aquele desenvolvimento fonológico de l2 como sistema complexo” (2016); Verspoor, Boot e Lowie, A dynamic approach to second language development: methods and techniques (2011). Gradus 1 (1) 150

aprendiz específico se encontrava em um momento espe- cífico, ficando implícito que essas características mudarão de acordo com os próximos movimentos de seu sistema dinâmico de desenvolvimento. Mesmo ao final de um curso de línguas, a interlíngua de um aprendiz de L2 continuará se modificando de acordo com suas experi- ências. Um aprendiz que termina um curso de línguas e, em seguida, utiliza muito pouco a L2 terá um desenvolvi- mento completamente diferente daquele que continua em contato com a L2, expondo-se a ela e interagindo nela. Pelos motivos expostos até aqui, o projeto no qual este trabalho está inserido tem por objetivo principal investigar o percurso do desenvolvimento das vogais do inglês-L2 por alunos brasileiros de graduação de Letras- Inglês de uma universidade federal, desde o início do curso até que se formem. Este trabalho é um recorte dos dados preliminares desse projeto. Os dados aqui apre- sentados e analisados são referentes às duas primeiras coletas, e cumprem três objetivos: a) Registrar os dados de produção das vogais [i ɪ ɛ æ u ʊ] de 11 alunos brasileiros de Letras-Inglês no início do segundo e terceiro semestres da graduação por meio de análise espectral de F1 e F2; b) Revelar a possível criação de novas categorias fonético- fonológicas para as vogais-alvo por alguns alunos entre as duas primeiras gravações; c) Reforçar o argumento a favor de uma metodologia individual e longitudinal para a análise dinâmica do desenvolvimento fonológico de L2.

O projeto guarda-chuva bem como o presente recorte afiliam-se a uma epistemologia dinâmica que procura unir a fonética e a fonologia como duas dimensões de um mesmo sistema.14 É por isso que a investigação da 14. E.g. Albano, O gesto e criação de novas categorias (construto tradicionalmente suas bordas: esboço de fonologia acústico-articulatória do português fonológico) é realizada por meio de análise acústica dos brasileiro (2001); Browman dados de produção dos participantes (método tradicional- e Goldstein, “Articulatory gestures as phonological units” mente fonético). (1989); Browman e Goldstein, As perguntas de pesquisa que guiam o projeto guarda- “Articulatory gestures as phono- logical units” (1989); Browman chuva são: e Goldstein, “Articulatory phonology: an overview” (1992); a) Quais são os percursos individuais que as categorias Browman e Goldstein, “Dyna- mics and Articulatory Phonology” fonético-fonológicas dos alunos terão na (tentativa de) (1995); Browman e Goldstein, criação de novas categorias para as vogais do inglês “Towards an articulatory phonol- ogy” (1986); Cristófaro-Silva, que são inexistentes ou sobrepostas no reportório “Descartando fonemas: a repre- vocálico do português? sentação mental na Fonologia de Uso” (2003); Silva, “Pela incor- poração de informação fonética aos modelos fonológicos” (2003). Gradus 1 (1) 151 b) Em quais momentos acontecem as criações de novas categorias vocálicas para cada aluno? c) Quais são os fatores que potencialmente levam à cria- ção de novas categorias fonético-fonológicas para as vogais do inglês na interlíngua de cada aluno?

As mudanças do espaço vocálico dos alunos serão flagradas por meio de análise acústica e plotagens F1- F2 individuais para cada coleta. As análises motivadas pela terceira pergunta serão realizadas por meio de questionários e entrevistas semestrais com os alunos. A principal hipótese, alinhada à epistemologia da Teoria de Sistemas Dinâmicos, é a de que os alunos apresentarão espaços vocálicos distintos logo na primeira coleta, e que o desenvolvimento de cada um em direção à criação de novas categorias fonético-fonológicas para as vogais do inglês ocorrerá em momentos diferentes para cada aluno, e sem necessariamente ocorrer para todos, o que é impossível de ser flagrado em uma análise agrupada e/ou transversal.

Metodologia

A pesquisa, aprovada por Comitê de Ética em Pesquisa via Plataforma Brasil15, tem sido conduzida com alunos 15. Número do Certificado de brasileiros do curso de graduação em Letras-Inglês de Apresentação para Apreciação uma universidade federal que ingressaram no semestre Ética 40985414.1.0000.5054. 2015.1. O projeto envolve coletas de dados semestrais, a partir do início do segundo semestre de graduação, até que se formem, em 2019.1. As gravações são realizadas logo no início de cada semestre, para que se analise a configuração das interlínguas dos alunos sob influência de seus estudos e experiências no semestre anterior. Neste trabalho serão apresentados os dados coletados em 2015.2 e 2016.1, ou seja, no início do segundo e do terceiro semestres. Nos dois primeiros semestres do curso, os alunos estudam disciplinas teóricas gerais, bem como disciplinas de Libras e de literatura, todas ministradas em português. As únicas disciplinas ministradas em inglês são Língua Inglesa I e Língua Inglesa II. Com a progressão do curso, mais disciplinas passam a ser ministradas em inglês e menos em português, de maneira que, a partir da metade do curso, todas as disciplinas são ministradas em inglês. As disciplinas em língua inglesa compõem aproximadamente três quartos da carga horária obrigatória. Nas gravações relatadas neste artigo, os alunos ainda não tinham cursado nenhuma das duas Gradus 1 (1) 152 disciplinas de fonética e fonologia da língua inglesa (segmental e suprassegmental), que são ministradas durante o terceiro e quarto semestres, respectivamente. Portanto, é esperado que haja mais movimentações dos espaços vocálicos dos alunos nas duas próximas gravações a serem analisadas. No semestre de admissão, 2015.1, todos os 50 alunos foram convidados a participar da pesquisa, e 47 concorda- ram em participar, assinando o Termo de Consentimento Livre e Esclarecido. Dos 47, apenas 28 se matricularam em todas as disciplinas do semestre II e realizaram a primeira gravação, em 2015.2. Desses 28, apenas 15 se matricularam integralmente no semestre III e realizaram a segunda gravação, em 2016.1. Neste trabalho serão apresentados apenas os dados das duas primeiras grava- ções, mas a terceira gravação já foi realizada e contou com 14 alunos. Neste artigo serão apresentados dados de 11 alunos, pois, dos 15 que participaram das duas primeiras gravações, 4 tiveram uma das suas gravações com problemas técnicos que impossibilitaram a análise acústica. Contudo, eles continuarão a ser gravados, e seus dados serão analisados e relatados nas próximas divulgações de dados do projeto. Um dos desafios de se conduzir um estudo longitudinal por tantos semestres é justamente o de contar com a participação contínua dos sujeitos de pesquisa. No caso do curso de graduação de onde vêm os participantes, além de ter uma evasão mais acentuada nos primeiros semestres, muitos de seus alunos trancam um semestre para voltar depois ou cursam menos disciplinas do que seriam obrigados, ficando fora do fluxo, e, portanto, tonando-se inelegíveis para participar da pesquisa, que busca investigar o percurso de desenvolvimento das vogais ao longo do fluxo contínuo da graduação. Cada participante da pesquisa foi gravado lendo palavras-alvo inseridas em uma frase veículo, objetivando a coleta de dados para a análise acústica da produção das vogais [i ɪ ɛ æ u ʊ] em posição tônica. O corpus foi constituído de três tokens para cada vogal. Cada token foi uma palavra com o contexto fonológico CVC, sendo ambos os Cs consoantes oclusivas surdas. Um único con- texto fonológico possibilitou isolar as variações acústicas advindas de diferentes contextos fonológicos. A escolha de oclusivas surdas foi feita para facilitar a segmentação da vogal, que foi realizada no programa Praat.16 Para 16. http://www.praat.org/ as vogais anteriores, foi possível encontrar quartetos mínimos, o que controla mais ainda o contexto no qual as vogais estão inseridas. Para as vogais posteriores, en- Gradus 1 (1) 153 tretanto, não há tantos pares mínimos em inglês, então foram escolhidos tokens que deixassem a vogal em um contexto consonantal próximo ao das outras.

Quadro 1: Corpus para coleta de [i] [ɪ] [ɛ] [æ] [u] [ʊ] dados para análise acústica. peak pick peck pack boot book Pete Pitt pet pat poop put teak tick tech tack toot took

Os tokens foram apresentados aos participantes na frase-guia “I said token this time”, também utilizada por Rauber e Watkins.17 As frases foram apresentadas 17. Rauber e Watkins, aos alunos em uma apresentação de Power Point, com “Variability in pretonic vowel reduction by Brazilian speakers uma frase em cada slide. Cada token foi apresentado of English” (2010). quatro vezes de maneira aleatória. Dessa maneira, com três tokens para cada uma das seis vogais, e cada token sendo analisado quatro vezes, houve 72 vogais para cada participante, 792 vogais de cada semestre, totalizando 1.584 a serem analisadas. Para as gravações, foram utilizados um microfone de lapela supercardióide Shure 150B acoplado a um gra- vador Zoom 4HnSP. O áudio foi capturado em mono, com taxa de amostragem de 44 KHz, e salvo em arquivos wav. Apesar de não haver tratamento acústico, os locais das gravações foram escolhidos considerando-se a neces- sidade em obter o mínimo de ruído possível para uma gravação com fins de análise acústica. As vogais foram segmentadas no programa Praat. Os pontos de início e fim das vogais considerados foram o primeiro e último vale do pulso periódico na onda que contivesse amplitude considerável, que se asseme- lhasse ao período vocálico, e que apresentasse formantes estáveis no espectrograma. Um dos métodos mais comumente utilizados para extração dos formantes é o LPC (Linear Predictive Coding), que é um algoritmo preditivo que decompõe o sinal acústico fazendo uma estimativa das ressonâncias geradas no trato vocálico. Todavia, a análise automática de LPC é criticada18 porque o pesquisador deve definir de antemão 18. E.g. Vallabha e Tuller, parâmetros de análise, como a ordem do LPC, i.e. a “Systematic errors in the formant analysis of steady-state vowels” quantidade de formantes a ser encontrada, e a frequência (2002); Wempe e Boersma, máxima para os formantes. O problema é que estabelecer “The interactive design of an F0-related spectral analyser” parâmetros para análises automáticas introduz erros (2003). sistemáticos na estimativa dos formantes, com o LPC estimando picos que não existem ou deixando de estimar picos que existem. Gradus 1 (1) 154

Uma solução é conferir o ajuste do LPC ao espectro de FFT (obtido pelo cálculo do algoritmo Fast Fourier Transform) vogal por vogal. Essa conferência, apesar de consumir mais tempo e ser mais trabalhosa, permite ajustar, quando necessário, a frequência máxima ou a ordem do LPC. É exatamente isso que permitem os scripts utilizados para a extração de F1 e F2 nesta pesquisa.[A] As notas do autor são indicadas com letras maiúsculas, e estão ao Após extração, os valores de F1 e F2 dos participan- final do texto, na p. 174. tes foram plotados em espaços vocálicos com o pacote vowels19 para o programa R.20. Os valores de F1 e F2 19. https://r-how.com/ também foram normalizados pelo método de Lobanov,21 packages/vowels 20. https://www.r-project. que cria uma espécie de distribuição em z-score, para se org/ calcularem as distâncias euclidianas entre as vogais-alvo 21. Lobanov, “Classification de cada participante sem o viés de F2, que tem diferenças of Russian vowels spoken by different speakers” (1971). brutas muito maiores do que as de F1, pelo simples fato de ser uma frequência mais alta. Gradus 1 (1) 155

Análise dos dados

Aprendiz A

Os dados serão apresentados por meio de tabelas que contêm as médias dos valores brutos de F1 e F2 das vogais-alvo de cada participante em cada uma das grava- ções.[B] Os valores dos formantes não foram normalizados As notas do autor são indicadas nesta etapa, pois trata-se de análises individuais. Na ta- com letras maiúsculas, e estão ao final do texto, na p. 174. bela 1 constam as médias de F1 e F2 para cada uma das vogais em cada uma das gravações para o aprendiz A.

Formantes Gravação Vogais (aprendiz A) [i] [ɪ] [ɛ] [æ] [u] [ʊ] F1 1 293 464 729 734 315 317 2 258 428 742 768 322 315 F2 1 2580 2060 1602 1553 886 1046 2 2597 2094 1639 1635 754 810

Tabela 1: Valores das médias de F1 e F2 das vogais-alvo do aprendiz A.

(a) Primeira gravação. (b) Segunda gravação.

Com uma inspeção visual dos valores dos formantes, Figura 1: Plotagens F1-F2 do nota-se que os valores de F1 e F2 de [i] e [ɪ] estão bem aprendiz A nas duas primeiras gravações. diferentes, enquanto que os valores de F1 e F2 para [ɛ] e [æ], assim como os de [u] e [ʊ], estão bem próximos. Essa constatação pode ser mais bem visualizada por meio das plotagens dos espaços vocálicos num plano F1-F2, com as médias plotadas como pontos e os desvios-padrão como elipses (fig. 1). Nas plotagens, foram utilizadas Gradus 1 (1) 156 as palavras-chave de Wells (1982) fleece, kit, dress, trap, goose e foot no lugar dos símbolos fonéticos [i ɪ ɛ æ u ʊ] simplesmente pela dificuldade de se manter a formatação dos símbolos fonéticos nos bancos de dado de maneira compatível com os diferentes programas utiliza- dos para a análise acústica e para as análises estatísticas e plotagens. As plotagens mostram bem claramente a inferência de que o aprendiz A já produzia vogais [i] e [ɪ] bem distintas logo na primeira gravação, o que foi mantido na segunda gravação. Já os outros dois pares de vogais estão sobrepostos em ambas as gravações. A seguir se- rão apresentadas as tabelas e as plotagens dos demais participantes. Gradus 1 (1) 157

Aprendiz B

Assim como o aprendiz A, o aprendiz B produziu as vogais [i ɪ] de maneira distinta nas primeiras gravações, porém suas vogais [ɛ æ] e [u ʊ] ficaram sobrepostas.

Formantes Gravação Vogais (aprendiz B) [i] [ɪ] [ɛ] [æ] [u] [ʊ] F1 1 329 453 566 576 361 370 2 302 440 569 557 326 339 F2 1 2186 1865 1739 1728 802 836 2 2132 1885 1696 1670 714 749

Tabela 2: Valores das médias de F1 e F2 das vogais-alvo do aprendiz B.

(a) Primeira gravação. (b) Segunda gravação.

Figura 2: Plotagens F1-F2 do aprendiz B nas duas primeiras gravações. Gradus 1 (1) 158

Aprendiz C

O aprendiz C produziu [i ɪ] de maneira que poderia indicar (o início de) formação de categorias distintas, porém sua segunda gravação mostra que ainda há in- consistência em suas produções das vogais anteriores altas. Com relação às vogais posteriores, [ʊ] foi produzida com F1 mais baixo do que [u] na primeira gravação, o que foi corrigido na segunda gravação, mas ainda com muita variação e inconsistência (vide as grandes elipses de desvio-padrão que se sobrepõem). As vogais [ɛ æ] estão sobrepostas em ambas as gravações.

Formantes Gravação Vogais (aprendiz C) [i] [ɪ] [ɛ] [æ] [u] [ʊ] F1 1 333 351 554 522 353 328 2 276 288 558 571 351 359 F2 1 2129 1939 1806 1757 1236 1068 2 2168 2135 1743 1731 933 1003

Tabela 3: Valores das médias de F1 e F2 das vogais-alvo do aprendiz C.

(a) Primeira gravação. (b) Segunda gravação.

Figura 3: Plotagens F1-F2 do aprendiz C nas duas primeiras gravações. Gradus 1 (1) 159

Aprendiz D

O aprendiz D apresentou sobreposição de todos os pares de vogais-alvo em ambas as gravações.

Formantes Gravação Vogais (aprendiz D) [i] [ɪ] [ɛ] [æ] [u] [ʊ] F1 1 266 273 630 646 308 360 2 271 286 664 684 299 337 F2 1 2124 2065 1747 1729 944 1011 2 2217 2153 1749 1697 919 962

Tabela 4: Valores das médias de F1 e F2 das vogais-alvo do aprendiz D.

(a) Primeira gravação. (b) Segunda gravação.

Figura 4: Plotagens F1-F2 do aprendiz D nas duas primeiras gravações. Gradus 1 (1) 160

Aprendiz E

O aprendiz E produziu as vogais posteriores com boa distinção em ambas as gravações, porém os outros pares de vogais estão sobrepostos.

Formantes Gravação Vogais (aprendiz E) [i] [ɪ] [ɛ] [æ] [u] [ʊ] F1 1 254 286 568 568 302 377 2 336 316 626 625 319 376 F2 1 1969 1922 1738 1738 847 1132 2 2179 2181 1672 1607 779 978

Tabela 5: Valores das médias de F1 e F2 das vogais-alvo do aprendiz E.

(a) Primeira gravação. (b) Segunda gravação.

Figura 5: Plotagens F1-F2 do aprendiz E nas duas primeiras gravações. Gradus 1 (1) 161

Aprendiz F

Assim como A e B, o aprendiz F produziu as vogais [i ɪ] com distinção fonético-fonológica nas duas primeiras gravações, mas produziu os outros pares de vogais de maneira sobreposta.

Formantes Gravação Vogais (aprendiz F) [i] [ɪ] [ɛ] [æ] [u] [ʊ] F1 1 316 404 615 662 363 392 2 422 479 722 752 420 472 F2 1 2185 1999 1798 1800 799 937 2 2229 2016 1699 1701 964 983

Tabela 6: Valores das médias de F1 e F2 das vogais-alvo do aprendiz F.

(a) Primeira gravação. (b) Segunda gravação.

Figura 6: Plotagens F1-F2 do aprendiz F nas duas primeiras gravações. Gradus 1 (1) 162

Aprendiz G

O aprendiz G também produziu [i ɪ] de maneira dis- tinta em ambas as gravações, e [ɛ æ] sobreposto em ambas as gravações. Contudo, ele é o primeiro a demons- trar uma movimentação no espaço vocálico, pois suas vogais posteriores estão muito sobrepostas na primeira gravação e completamente separadas (veja-se que as elipses nem mesmo se encostam) na segunda.

Formantes Gravação Vogais (aprendiz G) [i] [ɪ] [ɛ] [æ] [u] [ʊ] F1 1 391 475 633 651 432 444 2 451 557 725 736 450 522 F2 1 2265 1985 1792 1774 1433 1378 2 2353 1949 1794 1765 1210 1238

Tabela 7: Valores das médias de F1 e F2 das vogais-alvo do aprendiz G.

(a) Primeira gravação. (b) Segunda gravação.

Figura 7: Plotagens F1-F2 do aprendiz G nas duas primeiras gravações. Gradus 1 (1) 163

Aprendiz J

Assim como G, o aprendiz J também demonstrou uma movimentação das vogais posteriores em direção à criação de novas categorias fonético-fonológicas para acomodá-las. Seus outros pares de vogais, contudo, foram produzidos com sobreposição em ambas as gravações.

Formantes Gravação Vogais (aprendiz J) [i] [ɪ] [ɛ] [æ] [u] [ʊ] F1 1 329 363 662 689 379 391 2 308 343 635 673 351 410 F2 1 2407 2321 1847 1892 1023 1086 2 2384 2277 1818 1850 1003 1231

Tabela 8: Valores das médias de F1 e F2 das vogais-alvo do aprendiz J.

(a) Primeira gravação. (b) Segunda gravação.

Figura 8: Plotagens F1-F2 do aprendiz J nas duas primeiras gravações. Gradus 1 (1) 164

Aprendiz L

O aprendiz L produziu uma clara distinção entre [i] e [ɪ] e uma distinção razoável entre [u] e [ʊ] nas duas gravações. Suas vogais [ɛ] e [æ], entretanto, ficaram sobrepostas.

Formantes Gravação Vogais (aprendiz L) [i] [ɪ] [ɛ] [æ] [u] [ʊ] F1 1 328 409 583 609 321 379 2 356 453 645 646 387 428 F2 1 2301 2058 1810 1826 1342 1358 2 2246 2042 1732 1742 1109 1245

Tabela 9: Valores das médias de F1 e F2 das vogais-alvo do aprendiz L.

(a) Primeira gravação. (b) Segunda gravação.

Figura 9: Plotagens F1-F2 do aprendiz L nas duas primeiras gravações. Gradus 1 (1) 165

Aprendiz M

O aprendiz M produziu todos os pares sobrepostos, porém com menor sobreposição entre [ɛ] e [æ], que é justamente o par mais difícil para aprendizes brasileiros.

Formantes Gravação Vogais (aprendiz M) [i] [ɪ] [ɛ] [æ] [u] [ʊ] F1 1 393 367 651 701 383 396 2 402 384 709 772 434 393 F2 1 2175 2195 1919 1834 947 1027 2 2190 2240 1848 1715 971 990

Tabela 10: Valores das médias de F1 e F2 das vogais-alvo do aprendiz M.

(a) Primeira gravação. (b) Segunda gravação.

Figura 10: Plotagens F1-F2 do aprendiz M nas duas primeiras gravações. Gradus 1 (1) 166

Aprendiz N

O aprendiz N produziu [i ɪ] de maneira distinta em ambas as gravações, porém as outras vogais foram produ- zidas com sobreposição. Não há sobreposição entre [u] e [ʊ] na primeira gravação, mas há um pouco na segunda, o que sinaliza um pouco de inconsistência na produção, mas com a possível tentativa de criação de categorias distintas para essas vogais.

Formantes Gravação Vogais (aprendiz N) [i] [ɪ] [ɛ] [æ] [u] [ʊ] F1 1 343 514 749 789 436 530 2 307 517 782 792 441 514 F2 1 2879 2349 2057 2084 1315 1300 2 2976 2341 2123 2067 1053 1119

Tabela 11: Valores das médias de F1 e F2 das vogais-alvo do aprendiz N.

(a) Primeira gravação. (b) Segunda gravação.

Figura 11: Plotagens F1-F2 do aprendiz N nas duas primeiras gravações. Gradus 1 (1) 167

Quadro 2: Relação dos aprendi- zes com distinção entre vogais Participante Gravação Distinção entre vogais? (Sim) e sem distinção (N). [i ɪ] [ɛ æ] [u ʊ] A 1 Sim N N 2 Sim N N B 1 Sim N N 2 Sim N N C 1 N N N 2 N N N D 1 N N N 2 N N N E 1 N N Sim 2 N N Sim F 1 Sim N N 2 Sim N N G 1 Sim N N 2 Sim N Sim J 1 N N N 2 N N Sim L 1 Sim N quase 2 Sim N quase M 1 N quase N 2 N quase N N 1 Sim N quase 2 Sim N quase

Consolidação dos resultados

As conclusões sobre os aprendizes apresentadas até aqui estão resumidas no quadro 2, que mostra que:

• Seis dos onze aprendizes (A, B, F, G, L, N) produziram [i ɪ] de maneira distinta; • Um aprendiz (E) produziu [u ʊ] de maneira distinta em ambas as gravações, dois aprendizes (L, N) produziram uma pequena distinção [u ʊ], e dois aprendizes (G, J) aparentam ter criado novas categorias fonético- fonológicas para essas vogais na segunda gravação; • Dois aprendizes (C, D) produziram todos os pares de vogais de maneira sobreposta; • Nenhum aprendiz produziu [ɛ æ] de maneira separada, e apenas um (M) produziu essas vogais com menos sobreposição. Gradus 1 (1) 168

Com o intuito de confirmar as conclusões expostas até aqui, foram realizados os cálculos das distâncias euclidianas entre as vogais de cada par. A distância euclidiana é uma medida de dissimilaridade que pode ser utilizada para medir a distância entre dois pontos em um sistema cartesiano, como o gráfico F1-F2. Sua fórmula é derivada do teorema de Pitágoras e, no caso desta pesquisa, foi calculada da seguinte maneira: q 2 2 Dist. Euclid. = (F1x − F1y) + (F2x − F2y)

Para que o cálculo não fosse influenciado pelos valores de F2, que são naturalmente mais altos do que os de F1, as distâncias euclidianas foram calculadas com valores de F1 e F2 normalizados pelo método de Lobanov,22 que 22. Lobanov, “Classification gera valores relativos a um zero centralizado em cada of Russian vowels spoken by different speakers” (1971). um dos eixos, como em uma distribuição de z-score.A plotagem na fig. 12 mostra o espaço vocálico das duas gravações do aprendiz A após a normalização. As setas indicam a distância a ser calculada. Por esta imagem, por exemplo, espera-se encontrar uma distância maior entre [i] e [ɪ] do que entre os outros pares de vogais.

Figura 12: Exemplificação do conceito de Distância Euclidiana com as vogais do aprendiz A após normalização. Gradus 1 (1) 169

A tabela 12 apresenta os cálculos das distâncias euclidi- anas para todos os pares de vogais de cada participante. Apenas quatro dos aprendizes apresentam distâncias entre as vogais-alvo maiores que 1 (aprendizes A, B, G, N), e são todos para o par [i ɪ]. Esses resultados estão destaca- dos em vermelho na tabela 12. Os resultados destacados em azul referem-se a distâncias maiores que 0,5 em am- bas as gravações, que, juntamente com o as marcações escuras, completam as distinções marcadas como “sim” no quadro 2.

Tabela 12: Distâncias Euclidia- nas dos pares de vogais de cada Participante Gravação Vogais participante. [i ɪ] [ɛ æ] [u ʊ] A 1 1.26 .09 .28 2 1.14 .12 .1 B 1 1.35 .1 .1 2 1.31 .12 .13 C 1 .55 .33 .52 2 .11 .1 .16 D 1 .13 .11 .35 2 .15 .15 .22 E 1 .26 .00 .84 2 .14 .15 .52 F 1 .74 .38 .34 2 .6 .21 .37 G 1 1.21 .18 .22 2 1.31 .16 .6 J 1 .27 .2 .14 2 .31 .25 .58 L 1 .96 .22 .48 2 .93 .03 .47 M 1 .18 .38 .18 2 .24 .45 .24 N 1 1.36 .23 .56 2 1.47 .09 .41

Por último, é possível ver que os aprendizes que possi- velmente criaram novas categorias na segunda gravação, a saber G e J na distinção [u ʊ], obtiveram distâncias eu- clidianas maiores na segunda gravação: de 0,2 para 0,66 para o aprendiz G, e de 0,14 para 0,58 para o aprendiz J. Como mais um instrumento de confirmação da sepa- Gradus 1 (1) 170 ração das vogais [u ʊ] dos aprendizes G e J apenas na segunda gravação, testes-t entre os valores de F1 e F2 dessas vogais em cada gravação foram conduzidos. Os resultados mostram que, para o aprendiz G, F1 de [u] e [ʊ] tornou-se significativamente diferente na segunda gravação. Semelhantemente, os resultados do aprendiz J mostram que tanto F1 como F2 de [u] e [ʊ] tornaram-se significativamente diferentes na segunda gravação.

Tabela 13: Testes-t de F1 e F2 Aprendiz Gravação Teste-t para [u] vs [ʊ] de [u ʊ] dos aprendizes G e J. F1 F2 G 1 t(18) = -0.844 t(14) = .907 p = .41 p = 0.38 2 t(19) = -4.728 t(15) = -0.261 p = .000 p = 0.798 J 1 t(12) = -1.195 t(17) = -0.931 p = 0.254 p = 0.364 2 t(12) = -2.647 t(17) = -4.858 p = 0.02 p = 0.000

Os dados conforme apresentados e analisados até aqui já cumpriram explicitamente os dois primeiros objetivos deste trabalho, a saber: a) registrar os dados de F1 e F2 de 11 alunos de Letras-Inglês no início do segundo e terceiro semestres da graduação; e b) revelar o início da criação de categorias fonético-fonológicas distintas para [u] e [ʊ] na interlíngua de dois aprendizes. O terceiro objetivo que os dados aqui apresentados cumprem é o de reforçar o argumento a favor de uma metodologia individual e longitudinal para uma análise dinâmica do desenvolvimento fonológico de L2. Os leitores atentos já devem ter percebido que a riqueza de informações levantadas até aqui, por meio da análise individual e longitudinal (mesmo que apenas das duas primeiras gravações), não seria evidenciada com uma análise agrupada e/ou transversal. Todavia, a fim de deixar o terceiro objetivo igualmente explícito, será apresentada, a seguir, uma análise dos dados dos mesmos 11 alunos de forma agrupada. Seguem, portanto, a tabela com as médias de F1 e F2 de todos os alunos juntos para cada vogal, bem como as plotagens dessas médias e desvios-padrão em gráficos F1-F2. Gradus 1 (1) 171

Formantes Gravação Vogais (todos aprendizes) [iː] [ɪ] [ɛ] [æ] [uː] [ʊ] F1 1 322 398 629 650 359 395 2 329 407 669 689 375 414 F2 1 2313 2074 1801 1793 1047 1106 2 2338 2120 1768 1744 958 1042

Tabela 14: Valores das médias de F1 e F2 das vogais-alvo de todos os aprendizes juntos.

(a) Primeira gravação. (b) Segunda gravação.

Como pode ser observado, os valores das médias de F1 Figura 13: Plotagens F1-F2 de e F2 bem como as plotagens de todos os alunos agrupados todos os aprendizes juntos nas dão a impressão de que a turma produz as vogais [i ɪ] de duas primeiras gravações. maneira distinta, mesmo isso não sendo verdadeiro para cinco alunos, e que [u] e [ʊ], apesar de terem as elipses sobrepostas, não têm as médias tão próximas assim, o que também não é verdadeiro para a maioria dos aprendizes. Ademais, os cálculos das distâncias euclidianas en- tre as vogais de cada par em cada uma das gravações, exibidos na tabela 15, mostram praticamente nenhuma movimentação nos espaços vocálicos, escondendo, assim, a riquíssima informação de criação de novas categorias fonético-fonológicas dos aprendizes G e H.

Tabela 15: Distâncias Euclidia- nas dos pares de vogais de todos Gravação Vogais participantes juntos. [iː ɪ] [ɛ æ] [uː ʊ] 1 .7 .15 .27 2 .62 .13 .29 Gradus 1 (1) 172

Por último, os testes-t entre F1 e F2 de cada par de vogais, típicos de análises agrupadas e apresentados na tabela 16, levariam à conclusão incompleta de que os alunos participantes da pesquisa produziram as vogais [i ɪ] e [u ʊ] com separação estatisticamente significativa em ambas as gravações.

Gravação Formante Vogais [i] vs [ɪ] [ɛ] vs [æ] [u] vs [ʊ] 1 1 t(206) = -8.5311 t(251) = 2.2455 t(203) = -4.2534 p = .000 p = .026 p = .000 2 t(189) = 7.8323 t(250) = -0.4776 t(195) = -1.686 p = .000 p = .633 p = .093 2 1 t(228) = -7.5418 t(252) = 1.9233 t(200) = -3.9582 p = .000 p = .055 p = .000 2 t(196) = 7.6982 t(252) = -1.1058 t(221) = -3.1018 p = .000 p = .269 p = 0.002

Tabela 16: Testes-t entre F1 e F2 dos pares de vogais de todos os Como pode ser visto, a análise agrupada esconde infor- participantes agrupados. mações importantes sobre o desenvolvimento fonológico de alunos específicos.

Conclusão

Este artigo teve três objetivos principais. O primeiro foi o de registrar os dados de produção das vogais [i ɪ ɛ æ u ʊ], por meio de análise espectral de F1 e F2, de 11 alunos brasileiros de Letras-Inglês no início do segundo e terceiro semestres da graduação. Esse objetivo foi alcançado por meio da exposição de tabelas com as médias dos valores brutos dos dois primeiros formantes das vogais-alvo de cada aluno e de plotagens com as mé- dias desses mesmos formantes com seus desvios-padrão. Com esse registro foi possível verificar que alguns dos alunos produziram pares distintos de vogais, principal- mente [i ɪ], logo nas duas primeiras gravações. Ou seja, alguns alunos já entraram na graduação com catego- rias fonético-fonológicas bem formadas para alguns dos contrastes. As tabelas e plotagens também permitiram alcançar o segundo objetivo, que foi o de revelar a possível cri- ação de novas categorias fonético-fonológicas para as vogais-alvo, por alguns alunos, entre as duas primeiras Gradus 1 (1) 173 gravações. De fato, foi verificado que os alunos G e J pro- duziram as vogais [u ʊ] sobrepostas na primeira gravação, mas separadas na segunda gravação, com formantes signi- ficativamente diferentes e distâncias euclidianas maiores. Isso quer dizer que, entre as duas gravações, esses dois alunos tiveram experiências com o desenvolvimento de suas interlínguas que os ajudaram a mover seus espaços vocálicos em direção à criação de novas categorias para [u] e [ʊ], antes mesmo de cursarem as disciplinas de fonética e fonologia do inglês. Em uma próxima análise dos dados do projeto guarda- chuva que abriga este trabalho, serão analisados também os questionários e entrevistas desses dois alunos, para procurar por fatores que potencialmente os levaram a de- senvolver suas interfonologias nesse momento específico. Em uma perspectiva de desenvolvimento linguístico como sistema dinâmico, a incorporação de aspectos qualitativos e sociais ao cognitivo é muito bem-vinda. Em um capítulo exatamente sobre métodos e técnicas de pesquisa sob uma perspectiva da teoria de sistemas dinâmicos, de Bot e Larsen-Freeman afirmam que é “necessário e acei- tável, a partir de uma perspectiva da teoria de sistemas dinâmicos, investigar uma parte focal de um sistema, contanto que estejamos abertos a explicações fora da área de foco”23. 23. “[…] we think it both necessary and acceptable from O último objetivo da apresentação dos dados prelimi- a DTS perspective to investigate nares neste artigo foi o de reforçar o argumento a favor a focal part of a system, as long as we are open to explanations de uma metodologia individual e longitudinal para a outside of the focus”. de Bot e análise dinâmica do desenvolvimento fonológico de L2.24 Larsen-Freeman, “Researching Esse objetivo foi alcançado ao ficar claro que a análise second language development from a dynamic systems theory agrupada dos dados esconde tanto as informações de perspective”, p. 18 (2011). configuração inicial dos espaços vocálicos individuais 24. de Bot e Larsen- como a importantíssima informação de mudanças dos es- Freeman, “Researching second language development from a paços vocálicos em direção à criação de novas categorias dynamic systems theory perspec- fonético-fonológicas. tive” (2011); Larsen-Freeman e Cameron, Complex systems A análise agrupada de aprendizes de L2 é comumente and applied linguistics (2008); justificada por eles estarem em um mesmo nível de Lima Jr, “A necessidade de dados individuais e longitudinais proficiência, conforme o número de semestres de curso para análise do desenvolvimento ou o resultado de uma prova. Contudo, ao se assumir fonológico de l2 como sistema que o processo de aquisição é um sistema complexo, i.e. complexo” (2016); Verspoor, Boot e Lowie, A dynamic cujo comportamento emerge da interação iterativa de approach to second language deve- seus diversos agentes; e dinâmico, i.e. com constante lopment: methods and techniques mudança no tempo, entende-se que nem o número de (2011). semestres cursados e nem o resultado de uma prova é capaz de colocar dois aprendizes distintos em pé de igualdade. Sendo assim, apenas uma análise individual dos aprendizes é capaz de lidar com as idiossincrasias dos sistemas dinâmicos de desenvolvimento linguístico de Gradus 1 (1) 174 cada aprendiz. A necessidade de dados longitudinais fica clara pelo mesmo motivo, pois a comparação de alunos diferentes em níveis diferentes, i.e. em uma coleta transversal, não consegue flagrar os verdadeiros momentos de mudanças do sistema. Para se encontrar os momentos, pontos e características das movimentações do sistema, é preciso analisar os dados dos mesmos alunos ao longo de seus desenvolvimentos no tempo.

Agradecimento

Este trabalho está inserido em projeto apoiado pelo CNPq, processo no 471.868/2014-0.

Endnotes

[A] Nota do editor: os scripts formants.praat e collectedformants.praat foram criados por Pablo Arantes e podem ser encontrados em sua página de recursos para o Praat.25 25. http://code.google.com/ p/praat-tools/ [B] Não serão apresentados neste artigo os dados dos participantes H, I, K e O devido a problemas técnicos em uma das gravações, impedindo análises acústicas. Suas letras, contudo, serão mantidas na tabulação dos dados pois suas gravações futuras serão analisadas e relatadas.

Referências

Albano, Eleonora Cavalcante (2001). O gesto e suas bordas: esboço de fonologia acústico- articulatória do português brasileiro. Campinas: Mercado de Letras. Bion, Ricardo Augusto Hoffmann et al. (2006). “Category formation and the role ofspec- tral quality in the perception and production of English front vowels”. In: Proceedings of the Ninth International Conference on Spoken Language Processing. International Speech Communication Association. Browman, Catherine P. e Louis Goldstein (1986). “Towards an articulatory phonolo- gy”. In: Phonology 3.1, pp. 219–252. Browman, Catherine P. e Louis Goldstein (1989). “Articulatory gestures as phonolog- ical units”. In: Phonology 6.2, pp. 201–251. Browman, Catherine P. e Louis Goldstein (1992). “Articulatory phonology: an over- view”. In: Phonetica 49.3–4, pp. 155–180. Browman, Catherine P. e Louis Goldstein (1995). “Dynamics and Articulatory Pho- nology”. In: Mind as motion: explorations in the dynamics of cognition. Ed. por Robert F. Port e Timothy van Gelder. Cambridge (MA): MIT Press, pp. 175–193. Gradus 1 (1) 175

Bybee, J. (2001). Phonology and Language Use. Cambridge: Cambridge University Press. Celce-Murcia, Marianne, Donna M. Brinton e Janet M. Goodwin (1996). Teaching pronunciation: a reference for teachers of English to speakers of other languages. Cam- bridge: Cambridge University Press. Cristófaro-Silva, Thaïs (2003). “Descartando fonemas: a representação mental na Fonologia de Uso”. In: Teoria lingüística: fonologia e outros temas. Ed. por Dermeval da Hora e Gisela Collischonn. João Pessoa: Editora Universitária, pp. 200–231. Dalton, Christiane e Barbara Seidlhofer (1994). Pronunciation. Oxford: Oxford University Press. de Bot, Kees (2008). “Introduction: second language development as a dynamic pro- cess”. In: The Modern Language Journal 92.2, pp. 166–178. de Bot, Kees e Diane Larsen-Freeman (2011). “Researching second language develop- ment from a dynamic systems theory perspective”. In: A dynamic approach to second language development: methods and techniques. Ed. por Marjolijn Verspoor, Kees de Boot e Wander Lowie. Amsterdam: John Benjamins, pp. 5–23. de Bot, Kees, Wander Lowie e Marjolijn Verspoor (2007). “A Dynamic Systems Theory approach to second language acquisition”. In: Bilingualism: Language and Cognition 10.1, pp. 7–21. de Oliveira e Paiva, Vera Lúcia Menezes (2014). Aquisição de segunda língua. São Paulo: Parábola Editorial. Ellis, Rod (2008). The study of second language acquisition. 2ª ed. Oxford: Oxford Univer- sity Press. Flege, James E. (1995). “Second language speech learning: theory, findings, and pro- blems”. In: Speech perception and linguistic experience: issues in cross-language research. Ed. por Winifred Strange. Baltimore: York Press, pp. 233–277. Flege, James E. (1999). “Age of learning and second language speech”. In: Second language acquisition and the critical period hypothesis. Ed. por David Birdsong. New York: Routledge, pp. 101–131. Flege, James E. (2007). “Language contact in bilingualism: phonetic system interac- tions”. In: Laboratory phonology 9, pp. 353–382. Kelly, Gerald (2006). How To Teach Pronunciation. London: Pearson Education. Kuhl, Patricia K. (1991). “Human adults and human infants show a ‘perceptual magnet effect’ for the prototypes of speech categories, monkeys do not”. In: Perception & psychophysics 50.2, pp. 93–107. Kuhl, Patricia K. (1993). “Innate predispositions and the effects of experience in speech perception: the native language magnet theory”. In: Developmental neurocognition: speech and face processing in the first year of life. Ed. por Bénédicte Boysson-Bardies et al. Vol. 69. Dordrecht: Kluwer Academic Publishers, pp. 259–274. Kuhl, Patricia K. et al. (2008). “Phonetic learning as a pathway to language: new data and native language magnet theory expanded (NLM-e)”. In: Philosophical Transactions of the Royal Society of London B: Biological Sciences 363.1493, pp. 979–1000. Larsen-Freeman, Diane (1997). “Chaos/complexity science and second language acquisition”. In: Applied linguistics 18.2, pp. 141–165. Larsen-Freeman, Diane e Lynne Cameron (2008). Complex systems and applied linguis- tics. Oxford: Oxford University Press. Leather, Jonathan (2003). “Phonological acquisition in multilingualism”. In: Age and the acquisition of English as a foreign language. Ed. por María del Pilar García Mayo e María Luisa García Lecumberri. Clevedon: Multilingual Matters, pp. 23–58. Gradus 1 (1) 176

Lima Jr, Ronaldo Mangueira (2010). “Uma investigação dos efeitos do ensino explícito da pronúncia na aula de inglês como língua estrangeira”. In: Revista brasileira de Linguística Aplicada 10.3, pp. 747–771. Lima Jr, Ronaldo Mangueira (2013). “Complexity in second language phonology acquisi- tion”. In: Revista Brasileira de Linguística Aplicada 13.2, pp. 549–576. Lima Jr, Ronaldo Mangueira (2015). “A influência da idade na aquisição de seis vogais do inglês por alunos brasileiros”. In: Organon 30.58, pp. 15–31. Lima Jr, Ronaldo Mangueira (2016). “A necessidade de dados individuais e longitudinais para análise do desenvolvimento fonológico de l2 como sistema complexo”. In: ReVEL 14.27, pp. 203–225. Lobanov, Boris M. (1971). “Classification of Russian vowels spoken by different spea- kers”. In: The Journal of the Acoustical Society of America 49.2B, pp. 606–608. Long, Michael H. (2006). Problems in Second Language Acquisition. Mahwah: Lawrence Elrbaum. Morley, Joan, ed. (1994). Pronunciation pedagogy and theory: new views, new directions. Alexandria (VA): TESOL. Parrino, Angela (1998). “The politics of pronunciation and the adult learner”. In: Adult ESL: politics, pedagogy and participation in classroom and community Pprograms. Ed. por Trudy Smoke. New York: Routledge, pp. 171–184. Pennington, Martha C. (1998). “The teachability of phonology in adulthood: a re- examination”. In: International Review of Applied Linguistics in Language Teaching 36.4, pp. 323–342. Rauber, Andréia Schurt (2006). “Perception and production of English vowels by Brazilian EFL speakers”. PhD Thesis. Universidade Federal de Santa Catarina. Rauber, Andréia Schurt e Michael A. Watkins (2010). “Variability in pretonic vowel reduction by Brazilian speakers of English”. In: The acquisition of language speech: studies in honor of Professor Barbara O. Baptista. Ed. por Andréia Schurt Rauber et al. Florianópolis: Editora Insular, pp. 75–99. Silva, Adelaide H. P. (2003). “Pela incorporação de informação fonética aos modelos fonológicos”. In: Revista Letras 60, pp. 319–33. Silveira, Rosane (2004). “The influence of pronunciation instruction on the perception and production of english word-final consonants”. PhD thesis. Universidade Federal de Santa Catarina. Singleton, David Michael e Lisa Ryan (2004). Language acquisition: the age factor. Clevedon: Multilingual Matters. Tomlinson, Brian (2005). “English as a foreign language: matching procedures to the context of learning”. In: Handbook of research in second language teaching and learning. Ed. por Eli Hinkel. Mahwah: Lawrence Erlbaum, pp. 137–154. Vallabha, Gautam K. e Betty Tuller (2002). “Systematic errors in the formant analysis of steady-state vowels”. In: Speech communication 38.1, pp. 141–160. Verspoor, Marjolijn, Kees de Boot e Wander Lowie, eds. (2011). A dynamic approach to second language development: methods and techniques. Amsterdam: John Benjamins. Wempe, Ton e Paul Boersma (2003). “The interactive design of an F0-related spectral analyser”. In: Proceedings of the 15th International Congress of Phonetic Sciences. Ed. por Maria Josep Solé, Daniel Recasens e Joaquín Romero, pp. 343–346. Yule, George e Doris MacDonald (1994). “The Effects of Pronunciation Teaching”. In: Pronunciation pedagogy and theory: new views, new directions. Ed. por Joan Morley. Alexandria (VA): TESOL, pp. 109–118. Processamento de priming grafo-fônico-fonológico em multilíngues em imersão versus contexto acadêmico

DOI: 10.47627/gradus.v1i1.108

Cintia Avila Blank [email protected] Universidade Federal de Pelotas

Raquel Llama [email protected] University of Ottawa

Gradus Revista Brasileira de Fonologia de Laboratório

Vol. 1, nº 1 Dezembro de 2016 https://gradusjournal.com/index.php/gradus/article/view/8

Bibtex: @article{blankllama2016priming, author = {Cintia Avila Blank and Raquel Llama}, issn = {2526-2718}, doi = {10.47627/gra- dus.v1i1.108}, journal = {Gradus}, month = {dec}, number = {1}, pages = {177–194}, title = {Processamento de priming grafo-fônico- fonológico em multilíngues em imersão versus contexto acadêmico}, volume = {1}, year = {2016}}

Este texto pode ser livremente copiado, sob os termos da licença Creative Commons Atribuição-NãoComercial 4.0 Internacio- https://creativecommons.org/ nal (CC BY-NC 4.0). licenses/by-nc/4.0/deed.pt_BR Gradus 1 (1) 178

Resumo

Neste artigo, apresenta-se uma pesquisa em que se analisa, por meio de tarefa de decisão lexical com priming, o papel do contexto de imersão sobre a transferência de padrões grafo-fônico-fonológicos em multilíngues. Para tanto, dois grupos de participantes foram formados: multilíngues residentes no Brasil e multilíngues residentes no Canadá. Os resultados encontrados indicam haver um forte papel da imersão sobre o processamento de priming grafo-fônico-fonológico relacionado, evidenciando a perspectiva não-seletiva e dinâmica de aquisição de línguas estrangeiras.1 1. Zimmer e Alves, “Uma visão dinâmica da produção Palavras-chave: priming grafo-fônico-fonológico; multi- da fala em L2: o caso da des- linguismo; imersão. sonorização terminal” (2012); Dijkstra, Timmermans e Schriefers, “On being blinded by your other language: effects Abstract of task demands on interlingual homograph recognition” (2000); McClelland e Rumelhart, In this article, we present a study in which the role of “An interactive activation model of context effects in letter per- immersion in the transfer of grapho-phonic-phonological ception: I. An account of basic patterns is explored by the means of a primed lexical findings” (1981); MacWhinney, “Language emergence: five time- decision task. To this end, two groups of participants frames and three illustrations” were selected: one of multilinguals living in Brazil, and (2002). the other of multilinguals living in Canada. Our findings point to a strong impact of being in an immersion context on the processing of grapho-phonic-phonologically re- lated primes, in line with the non-selective and dynamic approach to foreign language acquisition.2 2. Zimmer and Alves, “Uma visão dinâmica da pro- Keywords: grapho-phonic-phonological priming; multi- dução da fala em L2: o caso da lingualism; immersion. dessonorização terminal” (2012); Dijkstra, Timmermans, and Schriefers, “On being blinded by your other language: effects Introdução of task demands on interlingual homograph recognition” (2000); McClelland and Rumelhart, O conceito de priming pode ser descrito como a ati- “An interactive activation model of context effects in letter per- vação de partes de representações particulares ou de ception: I. An account of basic associações na memória antes de se desempenhar uma findings” (1981); MacWhinney, 3 “Language emergence: five time- ação ou tarefa. Em outras palavras, priming pode ser frames and three illustrations” considerado um efeito em que se observa a influência (2002). de um evento anterior (prime) sobre o desempenho em 3. Busnello, “Efeito de priming subliminar no acesso ao uma situação posterior (alvo). Os experimentos de priming léxico” (2007). costumam investigar eventos relacionados à percepção pré-consciente e à memória implícita, o que está ligado ao processamento involuntário.4 No entanto, as pesquisas 4. Busnello, “Efeito de envolvendo priming também podem ser realizadas com priming subliminar no acesso ao léxico” (2007). experimentos que investigam a ativação consciente, ou supraliminar. Gradus 1 (1) 179

Durante a realização de tarefas de priming, estímulos (primes) em forma de imagens, palavras ou sons são utilizados para sensibilizar participantes de pesquisa a uma apresentação posterior desse mesmo estímulo ou de outro estímulo semelhante (alvo). A premissa básica dos estudos sobre priming é a de que haverá uma facilitação no acesso ao alvo (maior rapidez na resposta), quando este compartilhar algum tipo de característica com o prime.5 Porém, isso nem sempre 5. Busnello, “Efeito de acontece, o que demanda uma avaliação minuciosa das priming subliminar no acesso ao léxico” (2007); Tokowicz, características de cada tarefa proposta. Na literatura so- “Meaning representation within bre o assunto, denomina-se priming positivo o efeito de and across languages” (2001); 6 Dijkstra, Timmermans e facilitação que um prime pode exercer sobre seu alvo. Schriefers, “On being blinded Geralmente, tal efeito pode ser encontrado em tarefas by your other language: effects de acesso lexical em que participantes devem decidir of task demands on interlingual homograph recognition” (2000). se o alvo é ou não uma palavra, por exemplo, e tanto 6. Stadler e Hogan, “Vari- priming quanto alvo compartilham características orto- eties of positive and negative gráficas, fonético-fonológicas e semânticas. Porém, é priming” (1996). possível que, ao invés de facilitar o acesso ao alvo, o prime seja responsável por provocar um atraso na resposta ao alvo, gerando um efeito de priming negativo.7 O efeito 7. Stadler e Hogan, “Vari- negativo pode ocorrer quando participantes são instruí- eties of positive and negative priming” (1996). dos a ignorar o prime apresentado, prestando atenção apenas no alvo. Essa inibição pode fazer com que alvos contendo semelhanças com o prime ignorado sejam mais difíceis de ser acessados, em comparação a alvos que não apresentem semelhanças com seus primes.8 8. Stadler e Hogan, “Vari- eties of positive and negative As pesquisas na área da psicolinguística e de aquisi- priming” (1996). ção de L2 que contemplam o estudo do acesso lexical costumam utilizar a técnica experimental de priming para investigar como se dá o processamento das palavras e como elas se relacionam entre si. Tradicionalmente, imaginava-se que bilíngues teriam dois léxicos mentais separados, um para cada língua aprendida. Esse modelo de funcionamento ficou conhecido como acesso seletivo. Porém, várias pesquisas acabaram rebatendo essa visão, uma vez que estudos com bilíngues demonstraram a impossibilidade de desativação de uma de suas línguas, mesmo quando a tarefa exigisse isso.9 Diante desse argu- 9. Wijnendaele e Brysbaert, mento, entende-se que o estudo do acesso lexical deve ser “Visual word recognition in bilinguals: phonological priming compreendido com base numa visão dinâmica, ainda mais from the second to the first quando se considera o acesso lexical em multilíngues. language.” (2002). Com isso, a próxima seção busca apresentar estudos que contemplam a pesquisa dos efeitos de priming sobre o processamento grafo-fônico-fonológico em multilíngues, que é o processamento das diferentes ativações grafêmi- cas e fonético-fonológicas que existem entre as diferentes línguas. Gradus 1 (1) 180

Priming grafo-fônico-fonológico e multilinguismo

Atualmente, um grande número de pesquisas traz evi- dências a favor de um funcionamento não-seletivo para as línguas, ou seja, quando bilíngues são expostos a palavras em uma de suas línguas, candidatos lexicais de ambas as línguas são ativados simultaneamente. Hell e Dijks- tra10 explicam que um grande número de pesquisas 10. Hell e Dijkstra, “Fo- defende a ocorrência de um efeito de facilitação quando reign language knowledge can influence native language per- palavras de línguas diferentes, mas que possuem seme- formance in exclusively native lhanças entre si, são apresentadas em tarefas de decisão contexts” (2002). lexical envolvendo priming, principalmente se o conteúdo semântico dessas palavras apresentadas não divergir. Esse é o caso das palavras cognatas (palavras com forma escrita e sentido semelhantes). Os autores exemplificam esse caso, apontando que palavras como ‘piano’, que existem em inglês e espanhol e que carregam o mesmo significado, possuem um efeito facilitador durante o acesso lexical, o que comprovaria a hipótese não-seletiva para as línguas. Para Fontes, Yeh e Schwartz, o fato de os cognatos possuírem a mesma forma lexical parece indicar que eles compartilham uma representação única entre as línguas.11 O fato de haver, além disso, uma se- 11. Fontes, Yeh e Schwartz, melhança semântica também parece garantir a rapidez “Bilingual lexical disambiguation: the nature of cross-language no processamento dessas palavras, já que a convergência activation effects” (2010). entre forma e significado parece não gerar conflito no processamento. Lemhöfer, Dijkstra e Michel usaram palavras cogna- tas para investigar os efeitos de priming com multilíngues, falantes de dinamarquês, inglês e alemão.12 O experi- 12. Lemhöfer, Dijkstra mento de decisão lexical foi projetado com três tipos e Michel, “Three languages, one ECHO: cognate effects in de estímulos: palavras-controle apenas em alemão (L3 trilingual word recognition” dos participantes), palavras cognatas em dinamarquês e (2004). alemão (mas não em inglês) e palavras cognatas em di- namarquês, inglês e alemão, apresentando mesma forma e mesmo significado nas três línguas. Os resultados da tarefa demonstraram que os participantes tiveram tem- pos de reação mais rápidos para responder aos cognatos dinamarquês-alemão, em comparação com as palavras- controle apenas em alemão. Contudo, os cognatos com- partilhados entre as três línguas foram processados ainda mais rapidamente que os duplos cognatos, trazendo evidências para um funcionamento não-seletivo entre línguas também para os multilíngues. O experimento de Lemhöfer, Dijkstra e Michel13 foi replicado por 13. Lemhöfer, Dijkstra Szubko-Sitarek, trocando apenas a língua dinamarquesa e Michel, “Three languages, 14 one ECHO: cognate effects in pelo polonês. Nesse estudo, os mesmos resultados da trilingual word recognition” pesquisa original foram encontrados, confirmando que (2004). 14. Szubko-Sitarek, “Cognate facilitation effects in trilingual word recognition” (2011). Gradus 1 (1) 181 as palavras semelhantes nas três línguas são processadas mais rapidamente que os cognatos comuns a duas línguas. A convergência semântica parece ser, então, um critério importante para que haja efeitos que facilitem o acesso a itens lexicais semelhantes entre as línguas. O estágio dos estudos investigando as relações entre palavras cognatas em diferentes línguas está bastante avançado. Com base em seus resultados, estabelece-se que palavras cognatas são processadas de forma mais rápida que palavras não-cognatas. Entretanto, existem outros tipos de itens lexicais que podem ser manipulados e utilizados em tarefas envolvendo priming. Dijkstra, Grainger e Heuven investigaram casos em que a so- breposição lexical (de forma e sentido) entre itens de diferentes línguas não era completa.15 De acordo com 15. Dijkstra, Grainger seu estudo, palavras desse tipo podem trazer resultados e Heuven, “Recognition of cognates and interlingual ho- que não atestam efeitos de facilitação, mas sim inibitó- mographs: the neglected role of rios. Nesse sentido, palavras consideradas homógrafas phonology” (1999). podem apresentar esse efeito inibitório, já que, embora haja grande sobreposição de forma, não há congruência semântica entre os itens lexicais. Outras pesquisas também trazem evidências seme- lhantes sobre o efeito inibitório que certos tipos de itens lexicais podem ensejar. Bijeljac-Babic, Biardeau e Grainger desenvolveram uma investigação em que pude- ram verificar a ocorrência de efeitos inibitórios de acesso ao léxico em palavras que possuíam vizinhos tanto intra- linguísticos quanto interlinguísticos.16 Em seu estudo, 16. Bijeljac-Babic, Biardeau bilíngues falantes de francês e de inglês, altamente profi- e Grainger, “Masked ortho- graphic priming in bilingual cientes, apresentavam grande dificuldade para acessar a word recognition” (1997). palavra francesa “AMONT”quando ela era precedida da palavra inglesa “AMONG”. A referida dificuldade não era notada quando a palavra francesa era precedida pela pala- vra inglesa “DRIVE”. Como esperado no estudo, nenhum efeito foi encontrado em bilíngues com baixa proficiência, o que é explicado pelos autores com base no fato de não haver uma frequência adequada de exposição às palavras da L2 nesse grupo de participantes, diminuindo o efeito de inibição no momento das escolhas lexicais. Investigando o papel da ativação de vizinhos interlin- guísticos durante tarefa de leitura de palavras em voz alta, Blank e Zimmer desenvolveram um estudo de caso, com um participante multilíngue falante de português como L1, de francês como L2 e de inglês como L3.17 17. Blank e Zimmer, Nessa pesquisa, investigou-se se o tempo de reação para a “Phonetic-phonological transfer in multilingualism: a case study” leitura oral de palavras em inglês (L3) seria afetado pelo (2010). conhecimento da correspondência grafo-fônico-fonológica do francês (L2). A tarefa, replicada do estudo de Jared Gradus 1 (1) 182

e Kroll,18 contou com 60 palavras da língua inglesa 18. Jared e Kroll, “Do e 20 da língua francesa. Entre as palavras da língua in- bilinguals activate phonological representations in one or both glesa testadas, havia palavras que não compartilhavam of their languages when naming semelhanças com palavras francesas e palavras que apre- words?” (2001). sentavam corpos grafêmicos que existiam em francês e inglês, mas que possuíam pronúncia diferente entre as línguas. O participante da pesquisa teve de proceder à leitura de um bloco de palavras em francês apresentado entre dois blocos de palavras em inglês, compostos tanto por palavras com corpos grafêmicos diferentes entre as duas línguas quanto por palavras com corpos grafêmicos se- melhantes entre elas. Esperava-se que as palavras com corpos grafêmicos semelhantes nas duas línguas gerasse um efeito de priming da leitura anterior em inglês (no primeiro bloco) sobre a leitura posterior em francês, mas, principalmente, da leitura anterior em francês sobre a lei- tura posterior em inglês (no segundo bloco), devido à alta proficiência observada na língua francesa. De acordo com os resultados, encontrou-se não só uma forte ativação do conhecimento da correspondência grafo-fônico-fonológica das palavras do francês (L2) sobre a leitura posterior das palavras da língua inglesa que possuíam os mesmos cor- pos grafêmicos testados no francês, mas também indícios de transferência grafo-fônico-fonológica da L3 para a L2. Esses resultados foram obtidos por meio do tempo de reação para a leitura das palavras testadas. As palavras do inglês que compartilhavam corpos grafêmicos com o francês, lidas após as palavras nesta língua, apresentaram tempos de reação significativamente maiores do que as palavras que não apresentavam semelhanças entre as línguas. A pesquisa apresentada mostra que a ativação anterior de corpos de palavras semelhantes entre duas línguas pode aumentar o tempo de reação para a ativação dos mesmos corpos em outra língua, cuja correspondência grafema-fonema difere da primeira ativação. Mais uma vez, nota-se que a incongruência na correspondência grafo-fônico-fonológica e semântica dificultou a pronta leitura de itens lexicais que compartilhavam uma forma semelhante. Outros pesquisadores também investigaram a forma como palavras semelhantes entre línguas diferentes são acessadas por bilíngues. Groot, Delmaar e Lupker19 19. Groot, Delmaar e argumentam que palavras homógrafas entre duas línguas Lupker, “The processing of inter- lexical homographs in translation podem apresentar efeitos inibitórios de processamento, recognition and lexical decision: o que é explicado com base no modelo de ativação inte- support for non-selective access rativo, desenvolvido por McClelland e Rumelhart, to bilingual memory” (2000). que entende a identificação lexical como o resultado da Gradus 1 (1) 183

competição de palavras semelhantes ortograficamente.20 20. McClelland e Ru- Tokowicz também traz resultados que demonstram a melhart, “An interactive activation model of context dificuldade de ativação de palavras que existem emduas effects in letter perception: I. línguas, mas que possuem significados diferentes.21 Em An account of basic findings” seu estudo, bilíngues foram mais lentos ao traduzirem (1981). 21. Tokowicz, “Meaning palavras com significados divergentes entre as línguas do representation within and across que ao traduzirem palavras semanticamente semelhantes. languages” (2001). Essa demora na atividade de tradução é explicada com base na possibilidade de os múltiplos significados fica- rem ativos no momento da tarefa, competindo durante a seleção lexical. Em outro estudo de Dijkstra, Timmer- mans e Schriefers, realizou-se uma tarefa lexical do tipo “go/no go” com bilíngues falantes de dinamarquês e de inglês, por meio da qual se descobriu que homó- grafos interlinguísticos eram processados de forma mais lenta do que palavras que existiam apenas na L2 dos participantes.22 22. Dijkstra, Timmermans e Schriefers, “On being blinded Fontes, Yeh e Schwartz argumentam que ainda by your other language: effects não se estabeleceram conclusões mais sólidas sobre of task demands on interlingual o caso do processamento de palavras homógrafas em homograph recognition” (2000). tarefas contendo priming.23 De qualquer forma, segundo 23. Fontes, Yeh e Schwartz, as autoras, parece que há uma grande ambiguidade “Bilingual lexical disambiguation: the nature of cross-language em palavras homógrafas entre línguas, dificultando a activation effects” (2010). identificação dessas palavras como pertencendo auma determinada língua e dificultando também o acesso ao significado que essas palavras têm em cada língua. Para Dijkstra, Timmermans e Schriefers, os resultados com esse tipo de palavras também são inconclusivos, pois poucas pesquisas parecem ter sido realizadas.24 24. Dijkstra, Timmermans e Contudo, os autores salientam que a observação de um Schriefers, “On being blinded by your other language: effects efeito facilitatório ou inibitório em tarefas de priming of task demands on interlingual envolvendo palavras parece depender muito do tipo de homograph recognition” (2000). tarefa que é proposta, do tipo de pergunta que é feita aos participantes ao realizar a tarefa e da frequência dos itens lexicais utilizados entre as línguas. Para Rodriguez-Fornells et al., enquanto palavras cognatas compartilham tanto a informação semântica quanto a forma, palavras homógrafas entre línguas são dificilmente distinguidas em relação à forma, mas sãoex- tremamente diferentes em relação ao significado.25 Assim, 25. Rodriguez-Fornells et partindo do princípio de que o processamento linguístico al., “Second language interferes with word production in fluent ocorre em paralelo, será necessário um grande controle bilinguals: brain potential and cognitivo para acessar uma palavra-alvo, dependendo functional imaging evidence” do contexto linguístico da tarefa. Segundo os autores, (2005). alguns estudos argumentam que a ativação em paralelo das duas línguas pode levar a uma facilitação quando participantes devem decidir se uma palavra existe, inde- pendente de identificar em que língua está essa palavra. Gradus 1 (1) 184

Porém, efeitos de interferência podem surgir se a tarefa do participante é realizar uma decisão lexical a respeito de uma das línguas, de forma específica. No âmbito dessa pesquisa, defende-se a ideia de que as línguas e o acesso ao léxico são não-seletivos. Partindo-se desse princípio, concorda-se com os estudos realizados com palavras cognatas, em que se comprova o efeito de facilitação que a ativação de múltiplas línguas pode gerar. Entretanto, acredita-se, da mesma forma, que os resul- tados de pesquisas realizadas com palavras homógrafas, que atestam uma maior dificuldade no acesso e escolha de um item lexical, não contradizem a hipótese de acesso não-seletivo. Argumenta-se que, como palavras cognatas entre línguas apresentam uma congruência entre forma e significado, essas palavras são identificadas com maior rapidez, já que não há informação discordante entre os itens e, geralmente, as tarefas realizadas apenas solici- tam que os participantes identifiquem se o item lexical alvo é ou não uma palavra. Nesse sentido, a atenção dos participantes está centrada em identificar palavras, não importando em que língua elas se apresentem. O fato de não haver informação discordante entre os itens lexicais só auxilia na execução rápida da tarefa. Já no caso dos es- tudos realizados com palavras homógrafas, o próprio fato de haver um acesso não-seletivo às línguas e ao léxico faz com que haja uma maior dificuldade em identificar e acessar a palavra-alvo, devido às ambiguidades relaci- onadas à correspondência grafo-fônico-fonológica entre as línguas e ao conteúdo semântico. Assim, parece haver uma dificuldade em separar a ativação das línguas, eain- congruência grafema-fonema aliada à diferença semântica entre os itens pode acabar dificultando a pronta resposta dos participantes às tarefas solicitadas. Os resultados das tarefas de priming também devem ser avaliados com base no tipo de experimento criado e no tipo de tarefa solicitada aos participantes. Em relação a esse ponto, concorda-se com Dijkstra, quando o autor ressalta que o desempenho observado nas tarefas de priming depende muito do tipo de tarefa pedida e do contexto em que ela se insere.26 Mudanças sutis nas 26. Dijkstra, “The multilin- tarefas podem levar a resultados extremamente diversos. gual lexicon” (2007). Da mesma forma, a proficiência dos participantes deve ser medida com base num instrumento seguro, uma vez que o conhecimento e habilidade linguística do bi ou multilíngue pode interferir no desempenho na tarefa. É necessário, também, pensar e construir hipóteses que deem conta da interação e competição de itens lexicais durante o processamento em multilíngues. Embora haja Gradus 1 (1) 185 resultados importantes atestando a facilitação que pode haver de uma língua sobre outra, dependendo do item lexical manipulado e das divergências encontradas entre esses itens, é possível que nem sempre haja facilitação na ativação interlinguística. Por isso, tem-se um espaço bastante interessante de pesquisa na área de multilin- guismo, principalmente no estudo da ativação lexical em multilíngues, já que há uma grande necessidade de que mais evidências sejam encontradas e discutidas sobre a questão.

Metodologia

O objetivo geral da pesquisa ora apresentada compre- ende verificar, por meio de uma tarefa de decisão lexical com priming, se o contexto de imersão na L2 (francês) e na L3 (inglês) de multilíngues influi sobre a transferência de padrões grafo-fônico-fonológicos entre três línguas. Para tanto, investiga-se a hipótese de que, ao se comparar o desempenho de multilíngues residentes no Brasil e no Canadá, os participantes do grupo em imersão apresen- tarão resultados de tempo de reação significativamente superiores nas combinações envolvendo priming grafo- fônico-fonológico relacionado, devido à grande ativação da L2 e da L3 desses participantes, ocasionando maior influência de padrões grafêmicos e fonético-fonológicos. Esse resultado é esperado, uma vez que se acredita que a maior exposição e uso frequente das línguas estrangeiras em contextos autênticos levará à ativação mais forte de padrões atratores de diferentes línguas, dificultando ainda mais a seleção lexical.27 Por padrões atratores, adota-se 27. Zimmer e Alves, “Uma a visão de Zimmer e Alves, que entendem a linguagem visão dinâmica da produção da fala em L2: o caso da des- como um sistema dinâmico que sofre a influência de sonorização terminal” (2012); atratores.28 Para os autores, quando um aprendiz de L2 Dijkstra, Timmermans e Schriefers, “On being blinded ainda tem pouca fluência, o sistema dinâmico da L1, que by your other language: effects está equipado com atratores típicos dessa língua, atua of task demands on interlingual sobre o sistema da L2, modificando a dinâmica da tarefa homograph recognition” (2000); McClelland e Rumelhart, na produção em língua estrangeira. Isso leva ao enviesa- “An interactive activation model mento dos atratores típicos da L2 no espaço de estados of context effects in letter per- ception: I. An account of basic articulatórios do falante bilíngue, causando um sotaque findings” (1981); MacWhinney, perceptível na fala. “Language emergence: five time- frames and three illustrations” (2002). 28. Zimmer e Alves, “Uma Procedimentos visão dinâmica da produção da fala em L2: o caso da dessonori- zação terminal” (2012). Esta pesquisa pode ser classificada como pesquisa expe- rimental, realizada de forma transversal. A investigação contou com 20 participantes, que realizaram uma tarefa Gradus 1 (1) 186 de priming grafo-fônico-fonológico, sendo 10 participantes residentes no Brasil e 10 no Canadá. Os participantes resi- dentes no Brasil usavam suas línguas (L2 e L3) apenas em contextos acadêmicos. Já os 10 participantes residentes no Canadá usavam suas línguas (L2 e L3) em contexto de imersão. Os seguintes critérios foram considerados para a sele- ção dos informantes: ser nativo do português brasileiro; ser destro; comprovar proficiência avançada na L2 (fran- cês) e intermediária na L3 (inglês), por meio da realiza- ção de testes de proficiência, aplicados pela pesquisadora, validados internacionalmente (DALF, para o francês, e TOEIC, para o inglês); não ter conhecimento de outras línguas estrangeiras que não as investigadas aqui em cada estudo; responder a um questionário (entrevista) sobre suas experiências linguísticas na L2 e na L3; assinar o Termo de Consentimento Livre e Esclarecido.

Levantamento e computação dos dados ob- tidos na amostragem

A entrevista aos participantes foi utilizada por meio de um questionário, para levantamento de dados relativos à idade, grau de instrução dos informantes e uso das línguas em situações variadas. Além disso, a entrevista também serviu para verificar se os participantes tinham conhecimento de outras línguas estrangeiras que não as contempladas nesta pesquisa. A pesquisadora realizou a entrevista de forma individual com cada participante da pesquisa, esclarecendo dúvidas, quando necessário. O grupo de participantes residentes no Brasil, na cidade de Pelotas (Grupo 1), foi composto por um total de 10 participantes, sendo 7 mulheres e 3 homens. O grupo de participantes residentes no Canadá (Québec), há um tempo médio de 2 anos (Grupo 2), foi composto por 6 mulheres e 4 homens. Esse grupo de participantes residentes no exterior foi criado com o intuito de que se pudesse investigar se haveria mudanças no padrão de processamento de priming lexical quando multilíngues usam suas línguas estrangeiras em contextos autênticos. Com base nas informações coletadas nos questionários, pôde-se constatar que, em relação à idade, os participan- tes possuem uma idade média de 35 anos, para o grupo de multilíngues residentes em Pelotas, Brasil (grupo 1), e uma idade média de 31,1 anos, para o grupo de multilín- gues residentes no Canadá (grupo 2). Quanto à formação acadêmica, o grupo de multilíngues residentes no Brasil Gradus 1 (1) 187

é composto por 9 participantes com nível superior com- pleto e 1 participante com ensino superior em curso. Já o grupo de multilíngues com residência fixada no Ca- nadá é composto por 7 participantes com nível superior completo e 3 participantes com ensino superior em curso. Em relação ao uso das línguas e às situações de pro- dução, pediu-se que os participantes declarassem em que medida utilizavam suas línguas em várias situações cotidianas (numa escala de 0% a 100%). Os participan- tes do estudo de priming do Grupo 1 usam a sua língua materna de forma quase integral, nas mais diversas si- tuações cotidianas. Suas interações são feitas em língua portuguesa na maior parte do tempo para as categorias de situações levantadas na pesquisa. Já para o grupo 2, a língua materna é pouco requisitada durante as interações diárias e a língua mais usada durante o dia é o francês.

Descrição do experimento

O experimento aplicado, uma tarefa de priming grafo- fônico-fonológico relacionado, foi constituído de um total de 108 pares de palavras (54 apresentando pares de palavras relacionados com relação à forma ortográfica e fonético-fonológica, mostrando prime e alvo relaciona- dos, e 54 sem nenhum tipo de semelhança), distribuídos entre 18 possibilidades de apresentação, conforme a combinação entre as línguas e a presença ou não das supostas semelhanças grafo-fônico-fonológicas. Em cada condição, foram utilizados 6 pares de palavras, sendo 3 pares compostos por palavras monossilábicas e 3 por palavras dissilábicas. Optou-se por montar os pares dessa forma, já que não foi possível criar 6 pares em todas as condições e combinações utilizando todas as palavras com o mesmo número de sílabas, principalmente no caso dos pares que deveriam evidenciar priming relacionado. De qualquer forma, como os dois itens que compõem cada par apresentam o mesmo número de sílabas, e todas as condições apresentam 3 pares formados por palavras monossilábicas e 3 pares formados por palavras dissilá- bicas, todas as condições e combinações do experimento apresentam as mesmas características. Todas as palavras utilizadas no experimento foram extraídas de corpora linguísticos (Ceten-Folha, para o português; Lexique, para o francês; e Brown, para o inglês), sendo consideradas de alta frequência. Ao realizar o experimento, os participantes recebiam dois estímulos (prime e alvo) em cada teste, devendo Gradus 1 (1) 188 decidir em qual língua estava a segunda palavra apresen- tada (palavra-alvo). A palavra considerada prime ficava na tela por um tempo de 250 ms, em caixa baixa, era sucedida por uma tela em branco que permanecia na tela por 250 ms e, então, apresentava-se a palavra-alvo, em caixa alta, que permanecia na tela até que o informante escolhesse uma resposta para classificar a palavra-alvo. Os participantes eram instruídos a ignorar o prime, pres- tando atenção apenas ao alvo. Para responder ao teste, os participantes deveriam utilizar 3 teclas do notebook, dependendo da resposta que gostariam de escolher. As- sim, havia uma tecla para responder a uma palavra do português, outra tecla para responder a uma palavra do francês e uma terceira tecla para responder a uma pala- vra do inglês. Antes de começar o teste, os informantes eram expostos a uma seção de prática, contendo 6 itens de testagem específicos para essa parte da tarefa, para que se tivesse certeza de que tinham entendido os proce- dimentos explicados. A tarefa, em si, só começava se o informante obtivesse 100% de acertos na seção de prá- tica. Por meio da aplicação da tarefa, foi possível obter o tempo de reação e a acurácia na resposta para cada um dos itens testados. O tempo de reação corresponde ao tempo que o participante leva para clicar em uma resposta, a partir do momento em que a palavra-alvo aparece na tela. O quadro 1 ilustra os tipos de condições testados na pesquisa.

Condição Combinação Tipo de Número Tipo de Número das línguas condição de itens condição de itens português–PORTUGUÊS CPR 6 SPR 6 inglês–INGLÊS CPR 6 SPR 6 francês–FRANCÊS CPR 6 SPR 6 português–INGLÊS CPR 6 SPR 6 inglês–PORTUGUÊS CPR 6 SPR 6 português–FRANCÊS CPR 6 SPR 6 francês–PORTUGUÊS CPR 6 SPR 6 francês–INGLÊS CPR 6 SPR 6 inglês– FRANCÊS CPR 6 SPR 6 Total CPR 54 SPR 54

Quadro 1: Combinações e condições criadas na tarefa de priming grafo-fônico-fonológico relacionado (CPR: com priming relacionado; SPR: sem priming relacionado). Gradus 1 (1) 189

Para que se tenha uma ideia mais clara sobre como a tarefa era aplicada, a figura 1 exemplifica como o teste foi montado.

Figura 1: Design da aplicação da tarefa de priming. Para a obtenção dos dados obtidos para a pesquisa de priming, foi utilizado um notebook com o programa E-Prime instalado, já que a tarefa foi desenvolvida com o uso desse software. Após a realização da tarefa, os dados de cada participante foram salvos, codificados e preparados para a análise estatística. Com os tempos de reação separados para cada condição analisada, os dados foram dispostos no programa SPSS para o procedimento de análise estatística. Para a análise dos dados, foram separados os tempos de reação apenas dos itens que os participantes acertaram. Para a interpretação dos dados, foram descartados os dados referentes à seção de prática de cada participante, assim como foram descartados os tempos de reação das combinações de pares que apresentaram escores incorretos, representando um total de 12% dos dados. Após esse procedimento, foram calculados a média e o desvio-padrão para o tempo de reação de cada uma das condições apresentadas aos participantes. Também foi aplicado o teste estatístico não-paramétrico de Mann- Whitney (p = ,05), para a comparação das diferenças em tempo de reação para as condições analisadas entre os dois grupos coletados (uso acadêmico × uso em imersão). Gradus 1 (1) 190

Descrição e discussão dos resultados

O objetivo desta pesquisa é o de verificar, por meio de uma tarefa de decisão lexical com priming, como o contexto de imersão na L2 (francês) e na L3 (inglês) de multilíngues influi sobre a transferência de padrões grafo-fônico-fonológicos entre três línguas. A hipótese formulada defendia que, ao comparar-se o desempenho de multilíngues residentes no Brasil e no Canadá, os parti- cipantes do grupo em imersão apresentariam resultados de tempo de reação superiores nas combinações envol- vendo priming grafo-fônico-fonológico relacionado. Essa 29. Rodriguez-Fornells et al., “Second language interferes hipótese é suportada pela visão dinâmica e não-seletiva with word production in fluent defendida neste artigo, uma vez que se acredita que a bilinguals: brain potential and maior exposição e uso frequente das línguas estrangeiras functional imaging evidence” (2005); Dijkstra, Timmermans em contextos autênticos levará à ativação mais forte de e Schriefers, “On being blinded padrões atratores de diferentes línguas, dificultando ainda by your other language: effects 29 of task demands on interlingual mais a seleção lexical. homograph recognition” (2000); Para analisar os tempos de reação obtidos pelos dois Bijeljac-Babic, Biardeau e Grainger, “Masked ortho- grupos ao processar itens lexicais contendo relações grafo- graphic priming in bilingual fônico-fonológicas, foram separados os dados de tempo de word recognition” (1997); Mc- reação que cada grupo obteve ao processar itens lexicais Clelland e Rumelhart, “An interactive activation model contendo relação grafo-fônico-fonológica. A partir desses of context effects in letter per- dados, foi feito o cálculo da estatística descritiva para ception: I. An account of basic findings” (1981); MacWhin- cada grupo e foi rodado o teste não-paramétrico de Mann- ney, “Language emergence: Whitney, para a comparação dos resultados de tempo five timeframes and three il- de reação entre os dois grupos. O quadro 1 apresenta os lustrations” (2002); Zimmer e Alves, “Uma visão dinâmica resultados alcançados. da produção da fala em L2: o caso da dessonorização terminal” (2012). Grupos Média Desvio-Padrão Valor de Z Valor de p Tabela 1: Estatística descritiva e aplicação do teste de Mann- Grupo 1 1215,74 485,278 -8,756 ,000* Whitney para a comparação Grupo 2 1722,32 1107,758 do tempo de reação obtido durante o processamento de itens lexicais contendo relação Com base nas informações do quadro 1, observa-se grafo-fônico-fonológica em multilíngues residentes no Brasil que os multilíngues que usam suas línguas em contextos e em contexto de imersão. de imersão processam itens lexicais contendo relação grafo-fônico-fonológica de forma muito mais lenta do que multilíngues em contextos acadêmicos. Enquanto os multilíngues em contexto acadêmico processam itens lexicais com priming relacionado a um tempo médio de 1215,74 ms, multilíngues em contexto de imersão processam itens lexicais com priming relacionado a um tempo médio de 1722,32 ms. A partir da aplicação do teste estatístico de Mann-Whitney, descobriu-se que a diferença encontrada entre os tempos de reação dos dois grupos é estatisticamente significativa (Z = -8,756, p < 0,01), corroborando a hipótese lançada inicialmente, Gradus 1 (1) 191 de que os multilíngues em contextos de imersão levariam mais tempo para processar itens lexicais apresentando relação grafo-fônico-fonológica entre diferentes línguas. O resultado encontrado, ao amparar a hipótese lançada, está em consonância com a visão dinâmica e não-seletiva defendida neste artigo. Defende-se, dentro dessa pers- pectiva, que os padrões grafo-fônico-fonológicos das diferentes línguas dos multilíngues em contexto de imer- são competiram de forma mais equilibrada por ativação, devido a maior exposição e uso frequente das línguas estrangeiras em situações reais de uso. Esse uso frequente das línguas estrangeiras em contextos autênticos levou à ativação mais forte de padrões atratores de diferentes línguas, dificultando ainda mais a seleção lexical.30 30. Zimmer e Alves, “Uma visão dinâmica da produção É importante ressaltar que não se tem conhecimento de da fala em L2: o caso da des- nenhum estudo envolvendo priming que tenha comparado sonorização terminal” (2012); Dijkstra, Timmermans e o desempenho de bilíngues ou multilíngues que tenham Schriefers, “On being blinded usado suas línguas estrangeiras em contextos puramente by your other language: effects acadêmicos com o desempenho de bilíngues ou multi- of task demands on interlingual homograph recognition” (2000); língues que estivessem usando suas línguas estrangeiras Bijeljac-Babic, Biardeau em contextos de imersão. Por isso, chama-se a atenção e Grainger, “Masked ortho- graphic priming in bilingual para a importância desses resultados, que, acima de tudo, word recognition” (1997); Mc- ressaltam o papel da frequência de exposição às línguas Clelland e Rumelhart, “An adquiridas, bem como do uso efetivo de línguas em situa- interactive activation model of context effects in letter per- ções que podem ser consideradas mais significativas para ception: I. An account of basic o aprendiz e usuário de línguas estrangeiras. findings” (1981); MacWhinney, “Language emergence: five time- A partir do resultado obtido, pode-se dizer que situa- frames and three illustrations” ções de imersão podem retardar o acesso ao léxico em (2002). multilíngues, uma vez que a única característica que diferencia os dois grupos de multilíngues analisados éo fato de estarem ou não em ambiente de imersão. A com- petição lexical, então, é aumentada pelo fato de mais padrões grafo-fônico-fonológicos concorrerem com forças semelhantes durante a tarefa de decisão lexical. O papel da imersão durante a ativação de conhecimen- tos grafo-fônico-fonológicos pode ser interpretado a partir de um entendimento dinâmico e emergentista de pro- cessamento linguístico, já que esses arcabouços teóricos ressaltam a importância das interações entre o ambiente, o corpo e o cérebro, que participam de forma indissociá- vel do processo de aquisição da linguagem. Elman et al. reforçam esse entendimento, no sentido de que entendem a aquisição de uma língua como sendo emergente de uma estrutura cognitiva, dos mecanismos gerais relacionados à aprendizagem e das pistas presentes no ambiente.31 Além 31. Elman et al., Rethink- disso, os autores entendem que a aprendizagem emerge ing innateness: a connectionist perspective on development (1996). a partir da observação de regularidades linguísticas no input ao que o aprendiz está exposto. O papel do aprendiz, Gradus 1 (1) 192 nesse processo, consiste em selecionar o que é relevante, estabelecendo novas conexões e rotas e fortalecendo as já existentes. Para multilíngues em ambiente de imersão, pode-se imaginar que a frequência de exposição às regu- laridades de cada língua estrangeira aprendida deve ser reforçada, já que o input a que esses multilíngues estão expostos deve ser considerado mais rico que aquele a que são expostos multilíngues em ambiente acadêmico. Assim, como há uma maior frequência de informações recebidas em suas línguas estrangeiras, multilíngues em ambiente de imersão têm maior probabilidade de reforçar padrões atratores em suas diferentes línguas estrangeiras. de Bot, Lowie e Verspoor esclarecem que os estados atratores são dependentes da força de atração, o que sig- nifica dizer que, dependendo dessa força, mais ou menos energia será necessária para fazer com que um sistema se mova até outro estado atrator.32 Para multilíngues 32. de Bot, Lowie e Vers- em contexto de imersão, que são expostos a suas línguas poor, “A Dynamic Systems Theory approach to second estrangeiras com maior frequência, pode-se dizer que language acquisition” (2007). os estados atratores de mais de uma língua apresentam forças de ativação equilibradas, fazendo com que mais energia seja necessária para que os padrões grafo-fônico- fonológicos da língua pretendida sejam os escolhidos, aumentando o tempo de reação para o acesso lexical. A pesquisa de Zimmer e Alves, que apresenta uma abordagem linguística para o funcionamento dos atratores dinâmicos, prediz que aprendizes de idiomas pouco profi- cientes estão equipados com atratores típicos de sua L1, que atuam de forma expressiva sobre o sistema de uma L2.33 Por outro lado, os autores admitem que falantes 33. Zimmer e Alves, “Uma proficientes em sua L2 que tenham usado essa línguaem visão dinâmica da produção da fala em L2: o caso da dessonori- contexto de imersão têm seu sistema da L2 configurado zação terminal” (2012). de acordo com os atratores dessa língua. Pensando-se nos resultados encontrados, observa-se que multilíngues em contexto de imersão estão mais sintonizados com os esta- dos atratores de suas línguas estrangeiras. Uma vez que esses multilíngues estão reforçando de forma contínua os atratores tanto da sua L2 quanto da sua L3, o processa- mento de itens lexicais em diversas línguas apresentando relação grafo-fônico-fonológica acaba sofrendo com a competição dos diferentes padrões linguísticos a que esses multilíngues estão expostos.

Conclusão

Em suma, pode-se dizer que o uso das línguas em ambi- entes de imersão é um fator que colabora para que haja Gradus 1 (1) 193 um efeito de priming grafo-fônico-fonológico, ou seja, a imersão é um fator que parece dificultar o pronto acesso aos alvos lexicais apresentados, aumentando o tempo de reação para as respostas. Por ora, ressalta-se a importân- cia da análise efetuada e do resultado encontrado, haja vista não se ter conhecimento de outros estudos envol- vendo priming que tenham comparado o desempenho de multilíngues acadêmicos e em situações de imersão. Esses achados inéditos, que mostram os efeitos da frequên- cia de exposição e do uso efetivo das línguas sobre o processamento lexical, foram interpretados de forma bastante clara pela perspectiva dinâmica adotada nesta pesquisa, que parte do princípio de que os conhecimentos linguísticos são altamente interconectados, favorecendo a ocorrência de influências entre línguas, conforme a força observada nos estados atratores formados para cada padrão de língua aprendida.

Referências

Bijeljac-Babic, Ranka, Agnes Biardeau e Jonathan Grainger (1997). “Masked orthographic priming in bilingual word recognition”. In: Memory & Cognition 25.4, pp. 447–457. Blank, Cintia Avila e Márcia Cristina Zimmer (2010). “Phonetic-phonological transfer in multilingualism: a case study”. In: Psycholinguistics: scientific and technological challenges. Ed. por Leonor Scliar-Cabral. Porto Alegre: EDIPUCRS, pp. 303–314. Busnello, Rosa Helena Delgado (2007). “Efeito de priming subliminar no acesso ao léxico”. Dissertação de mestrado. Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul. de Bot, Kees, Wander Lowie e Marjolijn Verspoor (2007). “A Dynamic Systems Theory approach to second language acquisition”. In: Bilingualism: Language and Cognition 10.1, pp. 7–21. Dijkstra, Ton (2007). “The multilingual lexicon”. In: The Oxford Handbook of Psycho- linguistics. Ed. por M. Gareth Gaskell. Oxford: Oxford University Press, pp. 251– 265. Dijkstra, Ton, Jonathan Grainger e Walter J. B. van Heuven (1999). “Recognition of cognates and interlingual homographs: the neglected role of phonology”. In: Journal of Memory and language 41.4, pp. 496–518. Dijkstra, Ton, Mark Timmermans e Herbert Schriefers (2000). “On being blinded by your other language: effects of task demands on interlingual homograph recognition”. In: Journal of Memory and Language 42.4, pp. 445–464. Elman, Jeffrrey L. et al. (1996). Rethinking innateness: a connectionist perspective on development. Cambridge (MA): MIT Press. Fontes, Ana Beatriz Arêas da Luz, Li-Hao Yeh e Ana I. Schwartz (2010). “Bilingual lexical disambiguation: the nature of cross-language activation effects”. In: Letrônica 3.1, pp. 107–127. Groot, Annette M. B. de, Philip Delmaar e Stephen J. Lupker (2000). “The processing of interlexical homographs in translation recognition and lexical decision: support for Gradus 1 (1) 194

non-selective access to bilingual memory”. In: The Quarterly Journal of Experimental Psychology: Section A 53A.2, pp. 397–428. Hell, Janet G. van e Ton Dijkstra (2002). “Foreign language knowledge can influence native language performance in exclusively native contexts”. In: Psychonomic Bulletin & Review 9.4, pp. 780–789. Jared, Debra e Judith F. Kroll (2001). “Do bilinguals activate phonological representa- tions in one or both of their languages when naming words?” In: Journal of Memory and Language 44.1, pp. 2–31. Lemhöfer, Kristin, Ton Dijkstra e Marije Michel (2004). “Three languages, one ECHO: cognate effects in trilingual word recognition”. In: Language and cognitive processes 19.5, pp. 585–611. MacWhinney, Brian (2002). “Language emergence: five timeframes and three illustra- tions”. In: An integrated view of language development: papers in honor of Henning Wode. Ed. por Petra Burmeister, Thorsten Piske e Andreas Rohde. Trier: Wissenschaftlicher Verlag Trier, pp. 17–42. McClelland, James L. e David E. Rumelhart (1981). “An interactive activation model of context effects in letter perception: I. An account of basic findings”. In: Psychological review 88.5, p. 375. Rodriguez-Fornells, Antoni et al. (2005). “Second language interferes with word production in fluent bilinguals: brain potential and functional imaging evidence”. In: Journal of Cognitive Neuroscience 17.3, pp. 422–433. Stadler, Michael A. e Mary E. Hogan (1996). “Varieties of positive and negative priming”. In: Psychonomic Bulletin & Review 3.1, pp. 87–90. Szubko-Sitarek, Weronika (2011). “Cognate facilitation effects in trilingual word recognition”. In: Studies in Second Language Learning and Teaching 1.2, pp. 189–208. Tokowicz, Natasha (2001). “Meaning representation within and across languages”. PhD thesis. Pennsylvania State University. Wijnendaele, Ilse van e Marc Brysbaert (2002). “Visual word recognition in bilin- guals: phonological priming from the second to the first language.” In: Journal of Experimental Psychology: Human Perception and Performance 28.3, p. 616. Zimmer, Márcia Cristina e Ubiratã Kickhöfel Alves (2012). “Uma visão dinâmica da produção da fala em L2: o caso da dessonorização terminal”. In: Revista da ABRALIN 11.1, pp. 221–272. Ética em pesquisas: considerações jurídicas e práticas

DOI: 10.47627/gradus.v1i1.109

Luiz Cláudio Silveira Duarte [email protected] Senado Federal

Adriano Furtado Holanda [email protected] Universidade Federal do Paraná Debates A seção “Debates” traz textos com reflexões sobre tópicos controversos, relevantes para a Fonologia de Laboratório.

Gradus Revista Brasileira de Fonologia de Laboratório

Vol. 1, nº 1 Dezembro de 2016 https://gradusjournal.com/index.php/gradus/article/ view/9

Bibtex: @article{duarteholanda2016etica, author = {Luiz Cláudio Silveira Duarte and Adriano Furtado Holanda}, issn = {2526-2718}, doi = {10.47627/gradus.v1i1.109}, journal = {Gradus}, month = {dec}, number = {1}, pages = {195–209}, title = {Ética em pesquisas: considerações jurídicas e práticas}, volume = {1}, year = {2016}}

Este texto pode ser livremente copiado, sob os termos da licença Creative Commons Atribuição-NãoComercial 4.0 Internacio- https://creativecommons.org/ nal (CC BY-NC 4.0). licenses/by-nc/4.0/deed.pt_BR Gradus 1 (1) 196

Começamos este ensaio remetendo a algumas questões filosóficas. A ética é, afinal, umadas raisons d’être da filo- sofia. Tradicionalmente, ela é associada — e mesmo defi- nida — como a “doutrina dos costumes”.1 As abordagens 1. Mora, “Ética” (2005). sobre a ética partem de de duas posições fundamentais: ora como a ciência do fim ao qual se dirige a conduta humana e dos meios para isto, ora como a ciência do im- pulso da conduta humana na intenção de compreendê-la, de modo a dirigir ou disciplinar esta conduta.2 Desde a fi- 2. Abbagnano, Diccionario de losofia clássica, estas duas posições estão em permanente Filosofia (1992). diálogo, mas elas se expressam em linguagens diferentes e se apresentam igualmente distintas. “A primeira […] fala a linguagem do ideal ao qual o homem se dirige por sua natureza”;3 e, assim, fala de essência, de natureza 3. Abbagnano, Diccionario de ou substância do homem. A segunda, por sua vez, trata Filosofia, p. 467 (1992). dos motivos ou causas da conduta humana e, ainda, das forças ou determinantes desta conduta. O próprio Abbag- nano (acompanhando tantos outros) reconhece a confusão entre essas duas posições, particularmente naquilo que se refere à distinção entre bem e mal. Interessa-nos uma das perspectivas decorrentes da primeira abordagem: a determinação do modo correto de agir. Este ramo da ética é frequentemente chamado ética normativa, ocupando-se com questões morais subs- tantivas e não com conceitos ou métodos morais.4 Neste 4. Bunnin e Yu, The Blackwell ensaio, não acompanhamos esta nomenclatura, pois va- dictionary of Western philosophy (2004). mos reservar a expressão “normativa” para outra acepção, mais restrita. Preferimos o nome ética aplicada para esta perspectiva. A ética aplicada procura determinar o modo correto de agir, em uma determinada situação; desta forma, tem grande relevância para atividades de pesquisa.

Correlatively, its principal substantive questions are what ends we ought, as fully rational human beings, to choose and pursue and what moral principles should govern our choices and pursuits. How these questions are related is the discipline’s principal structural question, and structural differences among systems of ethics reflect different answers to this question. In contemporary ethics, the study of struc- ture has come increasingly to the fore, especially as a preliminary to the general study of right action. […] The principal substantive and structural questions of ethics arise not only with respect to the conduct of human life generally but also with respect to specific walks of life such as medicine, law, journalism, en- Gradus 1 (1) 197

gineering, and business. The examination of these questions in relation to the common practices and tra- ditional codes of such professions and occupations has resulted in the special studies of applied ethics. In these studies, ideas and theories from the general studies of goodness and right action are applied to particular circumstances and problems of some profession or occupation, and standard philosophical techniques are used to define, clarify, and organize the ethical issues found in its domain. In medicine, in particular, where rapid advances in technology create, overnight, novel ethical problems on matters of life and death, the study of biomedical ethics has generated substantial interest among practitioners and scholars alike. 5 5. Deigh, “Ethics”, pp. 284–289 (1999). Ao se tornar aplicada, a ética deixa o campo das ideias e adentra o campo da prática. Esta projeção pragmática traz consigo uma consequência que nos interessa de perto, pois a ética passa a orientar a formulação de normas de conduta — em especial, ao inspirar a formulação de normas com força jurídica. Já circunscrevemos o nosso escopo à ética aplicada; va- mos agora circunscrevê-lo ainda mais, para discutir neste ensaio as normas jurídicas brasileiras que disciplinam a ética nas pesquisas com seres humanos, particularmente nas universidades mantidas pelo poder público. A ética inspira a criação destas normas, mas elas se materializam dentro de um sistema jurídico que tem características próprias. Nosso interesse repousa, justamente, no impacto destas características sobre a praxis desejada pela ética aplicada. É por isso que, neste trabalho, empregamos a expressão “normativa” para se referir a circunstân- cias decorrentes de normas formais do sistema jurídico brasileiro. Preliminarmente, é essencial notar que, assim como acontece em outros países, no Brasil o sistema constitucio- nal baseia-se em uma constituição rígida, que serve como o ápice de uma hierarquia normativa.6 6. Bonavides, Curso de Direito Constitucional, cap. 3 (2004). Efetivamente, é a Constituição que autoriza os vários órgãos do Poder Legislativo a promulgarem leis, em conformidade com sua competência. A Constituição também autoriza o Poder Executivo a promulgar decretos, mas estes estão subordinados àquelas. A hierarquia normativa, assim, tem no seu ápice a norma constitucional, com as leis logo abaixo, e os de- cretos abaixo destas. Existem outras normas: portarias e resoluções, por exemplo. Na hierarquia, estas normas Gradus 1 (1) 198 estão ainda mais abaixo, situando-se depois dos decretos. A hierarquia não se prende apenas à primazia de uma norma sobre outra, mas ainda tem uma função estrutural. As normas superiores têm um caráter mais geral, por vezes mesmo programático. Já as normas inferiores têm um caráter mais pragmático e detalhado, atendendo a aplicações específicas dos princípios formulados pelas normas superiores. Uma consequência fundamental da hierarquia é que uma norma qualquer não pode contrariar uma norma de nível superior a ela. Assim, uma lei não pode contrariar a Constituição, e um decreto não pode contrariar uma lei — nem, claro, a Constituição. O mesmo ocorre em todos os níveis da hierarquia normativa. Além disso, a norma inferior encontra-se circunscrita pela norma superior, no que toca ao seu alcance e ao seu conteúdo. Finda esta observação preliminar, vamos à fonte nor- mativa do sistema jurídico brasileiro — a Constituição Federal — para averiguar quais de seus dispositivos têm relevância para nosso estudo. Inicialmente, notamos que a Constituição trata da atuação das universidades, em seu artigo 207:

Art. 207. As universidades gozam de autonomia didático- científica, administrativa e de gestão financeira e patrimo- nial, e obedecerão ao princípio de indissociabilidade entre ensino, pesquisa e extensão. A autonomia das universidades era uma reivindicação antiga, especialmente durante o regime militar. Mas é importante notar que a autonomia da universidade não é absoluta: ela se restringe aos campos didático-científico, administrativo e de gestão. Como mencionamos acima, estamos principalmente interessados nas universidades públicas. Estas são órgãos da Administração Pública e, como tais, estão subordinadas a outros dispositivos constitucionais; em particular, assim dispõe o art. 37:

Art. 37. A administração pública direta e indireta de qualquer dos Poderes da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios obedecerá aos princípios de legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade e eficiência […] Estes princípios funcionam como normas superiores para toda a ação da Administração Pública. O princípio da legalidade é o mais importante, pois os demais deri- vam dele. A aplicação sistemática deste princípio resulta em duas consequências práticas para a atuação da Ad- ministração Pública: os atos administrativos não podem Gradus 1 (1) 199 contrariar a lei, e os atos administrativos somente podem ser praticados mediante autorização legal.7 7. Mazza, Manual de Direito Administrativo, cap. 2 (2016). Antes de sairmos do texto constitucional, anotamos ainda um último dispositivo constitucional relevante para nosso estudo. A competência para legislar sobre pesquisa científica e tecnológica encontra-se no art. 24, IX da Constituição:

Art. 24. Compete à União, aos Estados e ao Distrito Federal legislar concorrentemente sobre: […] IX — educação, cultura, ensino, desporto, ciência, tecnologia, pesquisa, desenvolvimento e inovação;

É neste dispositivo que as leis sobre pesquisas vão encontrar sua fundamentação. A principal delas é a Lei nº 9.394, de 20 de dezembro de 1996 (Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional):

Art. 52. As universidades são instituições pluridisciplinares de formação dos quadros profissionais de nível superior, de pesquisa, de extensão e de domínio e cultivo do saber humano, que se caracterizam por: I — produção intelectual institucionalizada mediante o estudo sistemático dos temas e problemas mais relevantes, tanto do ponto de vista científico e cultural, quanto regional e nacional; […] Art. 53. No exercício de sua autonomia, são assegura- das às universidades, sem prejuízo de outras, as seguintes atribuições: […] III — estabelecer planos, programas e projetos de pesquisa científica, produção artística e atividades de extensão; […] Parágrafo único. Para garantir a autonomia didático- científica das universidades, caberá aos seus colegiados de ensino e pesquisa decidir, dentro dos recursos orça- mentários disponíveis, sobre: […] IV — programação das pesquisas e das atividades de extensão;

Como se pode ver, confrontando o texto constitucional com o texto da lei, este não ultrapassa os limites daquele, mas antes detalha a forma como deve ser aplicado. Como decorrência destes dispositivos constitucionais e legais, as universidades têm a autonomia de estabelecer normas internas com respeito à realização de pesquisas — e passamos, aqui, à dimensão ética destas atividades. Gradus 1 (1) 200

O texto de John Deigh, citado acima,8 refere-se às pe- 8. Deigh, “Ethics”, culiaridades éticas dos diferentes campos de atividade pp. 284–289 (1999). humana — como engenharia, direito, ou medicina. Deigh ainda menciona explicitamente os dilemas éticos suscita- dos pelo avanço do conhecimento médico. A preocupação com estes dilemas não é desconhecida dos pesquisadores brasileiros, e na verdade tornou-se a origem de normas específicas sobre pesquisas que envolvem seres humanos. A principal destas normas em vigor é a Resolução 466, de 12 de dezembro de 2012, do Conselho Nacional de Saúde — um órgão de assessoramento superior do Ministério da Saúde. Assim diz o texto da resolução:

Considerando o respeito pela dignidade humana e pela especial proteção devida aos participantes das pesquisas científicas envolvendo seres humanos; Considerando o desenvolvimento e o engajamento ético, que é inerente ao desenvolvimento científico e tecnológico; […] III.2 — As pesquisas, em qualquer área do conheci- mento envolvendo seres humanos, deverão observar as seguintes exigências:

Considerações semelhantes podem ser encontradas no preâmbulo da Resolução nº 510, de 7 de abril de 2016, também do Conselho Nacional de Saúde, que regulamenta especificamente as pesquisas nas ciências sociais e humanas. À evidência, temos aqui normas que buscam seu fun- damento em considerações éticas — de todo relevantes para qualquer atividade de pesquisa, como o preâmbulo da resolução 466/2012 deixa claro, e posição com a qual concordamos. Mas a dimensão ética das normas nesta resolução não é suficiente para a sua aplicação. Como é uma norma inserida no sistema jurídico brasileiro, é essencial que seja interpretada como parte deste sistema. O poder normativo administrativo tem caráter regu- lamentar, para viabilizar a efetiva execução das leis. O exercício deste poder compete ao Presidente da República (Constituição Federal, art. 84, IV). No caso da Resolu- ção 466/2012, ela foi promulgada por ato do Ministro da Saúde, exercendo a competência regulamentar, por expressa delegação do Presidente da República (decreto publicado no Diário Oficial da União em 13 de novembro de 1991). Mas o poder regulamentar precisa, por sua vez, derivar de mandamento legal, e deve ser exercido em conformi- Gradus 1 (1) 201 dade com o conteúdo da lei e nos limites que ela impu- ser.9 Esta é uma decorrência do princípio constitucional 9. Carvalho Filho, Manual da legalidade, ao qual aludimos anteriormente. de Direito Administrativo, p. 60 (2015). O preâmbulo da resolução 466/2012 indica as normas nas quais pretende se fundamentar:

O Plenário do Conselho Nacional de Saúde em sua 240ª Reunião Ordinária, realizada nos dias 11 e 12 de dezembro de 2012, no uso de suas competências regimentais e atribuições conferidas pela Lei nº 8.080, de 19 de setembro de 1990, e pela Lei nº 8.142, de 28 de dezembro de 1990, […]

Levamos, assim, a investigação às normas mencionadas como fundamento legal para a resolução. A Lei nº 8.080, de 19 de setembro de 1990, “dispõe sobre as condições para a promoção, proteção e recupe- ração da saúde, a organização e o funcionamento dos serviços correspondentes e dá outras providências”. Esta lei confere ao Conselho Nacional de Saúde a seguinte atribuição normativa:

Art. 37. O Conselho Nacional de Saúde estabelecerá as diretrizes a serem observadas na elaboração dos planos de saúde, em função das características epidemiológi- cas e da organização dos serviços em cada jurisdição administrativa.

Por sua vez, a Lei nº 8.142, de 28 de dezembro de 1999, “dispõe sobre a participação da comunidade na gestão do Sistema Único de Saúde (SUS) e sobre as trans- ferências intergovernamentais de recursos financeiros na área da saúde e dá outras providências”, e mencio- na o Conselho Nacional de Saúde em exatamente um dispositivo:

Art. 1° O Sistema Único de Saúde (SUS), de que trata a Lei n° 8.080, de 19 de setembro de 1990, contará, em cada esfera de governo, sem prejuízo das funções do Poder Legislativo, com as seguintes instâncias colegiadas: […] § 3° O Conselho Nacional de Secretários de Saúde (Conass) e o Conselho Nacional de Secretários Municipais de Saúde (Conasems) terão representação no Conselho Nacional de Saúde.

Nenhuma destas leis trata de ética, ou de pesquisa de qualquer natureza, mesmo na área da saúde. Nenhuma destas leis atribui poder normativo ao Conselho Nacional de Saúde, salvo para estabelecer diretrizes para planos de Gradus 1 (1) 202 saúde — ou seja, normas de caráter geral para um tipo específico de serviço, dentro do campo da saúde. Vale a pena, então, averiguar o alcance da atuação do Conselho Nacional de Saúde, indo além das duas normas mencionadas no preâmbulo da Resolução 466/2012. Este Conselho é um órgão administrativo do Ministério da Saúde, conforme a Lei 10.683, de 28 de maio de 2003 (art. 29, XX). Como tal, sua esfera de atuação tem os mesmos limites que o próprio ministério que integra; as competências do Ministério da Saúde encontram-se na mesma lei (art. 27, XX). Em particular, estas competên- cias incluem “pesquisa científica e tecnologia na área de saúde” (art. 27, XX, “h”).

Art. 27. Os assuntos que constituem áreas de competência de cada Ministério são os seguintes: […] IX — Ministério da Saúde: […] h) pesquisa científica e tecnologia na área de saúde;

As competências específicas do Conselho Nacional de Saúde foram determinadas pelo Decreto 5.839, de 11 de julho de 2006, em seu art. 2º. Vale a pena transcrever na íntegra este dispositivo:

Art. 2º Ao CNS compete: I — atuar na formulação de estratégias e no controle da execução da Política Nacional de Saúde, na esfera do Governo Federal, inclusive nos aspectos econômicos e financeiros; II — estabelecer diretrizes a serem observadas na elaboração dos planos de saúde, em função das características epidemiológicas e da organização dos serviços; III — elaborar cronograma de transferência de recur- sos financeiros aos Estados, ao Distrito Federal eaos Municípios, consignados ao Sistema Único de Saúde — SUS; IV — aprovar os critérios e os valores para remu- neração de serviços e os parâmetros de cobertura de assistência; V — propor critérios para a definição de padrões e parâmetros assistenciais; VI — acompanhar e controlar a atuação do setor privado da área da saúde, credenciado mediante contrato ou convênio; VII — acompanhar o processo de desenvolvimento e incorporação científica e tecnológica na área de saúde, visando à observação de padrões éticos compatíveis com o desenvolvimento sócio-cultural do País; e Gradus 1 (1) 203

VIII — articular-se com o Ministério da Educação quanto à criação de novos cursos de ensino superior na área de saúde, no que concerne à caracterização das necessidades sociais.

É especialmente digno de nota que o Conselho Nacional de Saúde recebe atribuições normativas somente no inciso II — mais uma vez, para traçar diretrizes para planos de saúde, repetindo o disposto na lei nº 8.080. O inciso VII trata da dimensão ética da pesquisa na área de saúde — mas, mesmo aqui, atribui ao Conselho o poder de acompanhar o processo, e não o poder de regulamentar estas atividades. Esta interpretação jurídica sistêmica da resolução 466/2012 — e, subsidiariamente, da resolução 510/2016 — leva a uma conclusão inexorável: o Conselho Nacional de Saúde exorbitou de forma abusiva de seus poderes legais, vez que não tem poder normativo para este tema. Não apenas não tem poder normativo para exarar normas atinentes a pesquisas “em qualquer área do conheci- mento”, mas sequer tem estes poderes mesmo na área de pesquisas na saúde! Voltando à lei nº 10.683, pode-se perceber que cabem ao Ministério da Ciência, Tecnologia, Inovações e Comu- nicação as “políticas nacionais de pesquisa científica e tecnológica e de incentivo à inovação” (art. 27, II, “d”). Ou seja, dentro do sistema jurídico brasileiro, caberia a este Ministério formular regulamentos sobre a pesquisa. Mais ainda: em razão da autonomia universitária, man- dada e garantida pela Constituição, e também em razão do princípio da legalidade, seria imprescindível que uma lei autorizasse, especificamente, o Poder Executivo a promulgar normas regulamentando esta atividade em todas as universidades. No caso específico das universidades públicas, por in- tegrarem a Administração Pública, podem haver normas de caráter administrativo que as obriguem administra- tivamente. Contudo, mesmo aqui, sobreleva-se antes de mais nada o mandamento constitucional da autonomia universitária; e continua a ser necessário que a norma ad- ministrativa, por seu caráter regulamentar, fundamente-se em lei. Muito bem. Temos, então, que as normas do Conselho Nacional de Saúde sobre ética em pesquisas com seres humanos — hoje respeitadas e seguidas por muitas insti- tuições de ensino e por muitos periódicos acadêmicos — não têm qualquer valor jurídico e não podem obrigar quem quer que seja. Seu valor, dentro do sistema jurídico e legal brasileiro, é inexistente. São atos nulos, por vícios Gradus 1 (1) 204 insanáveis de ilegitimidade e de ilegalidade. Em todo caso, esta conclusão jurídica não esgota a questão. Como mencionamos acima, concordamos com a posição ética evidenciada no preâmbulo à Resolução 466/2012. Deixando de lado momentaneamente a nuli- dade desta resolução, vamos agora analisar, do ponto de vista da praxis, os dispositivos das resoluções do Conselho Nacional de Saúde; afinal, é concebível que possam ao menos servir de subsídios para normas futuras, estas sim exaradas em conformidade com os princípios de nosso sistema jurídico. Vamos tomar por base o texto da Resolução nº 510/2016, a mais recente, considerando-o como uma proposta para uma futura norma sobre ética nas pesquisas. O art. 1º indica o alcance da proposta: “pesquisas em Ciências Humanas e Sociais cujos procedimentos metodológicos envolvam a utilização de dados diretamente obtidos com os participantes ou de informações identificáveis ou que possam acarretar riscos maiores do que os existentes na vida cotidiana”. O art. 1º inclui três parágrafos, um deles muito impro- priamente chamado “parágrafo único” e outros dois, que recebem os números 1º e 2º. O “parágrafo único”, em seus incisos, excepciona diversas atividades do alcance da proposta, e o “§1º” excepciona a última das exceções do “parágrafo único”. Incidentalmente, é importante notar que, ao se interpretar uma norma, a forma de sua expressão é relevante, e a redação descuidada deste ar- tigo da proposta transforma em um verdadeiro cipoal a pretendida normatização. A proposta segue definindo uma grande quantidade de termos, nos incisos ao art. 2º. Também aqui se percebe grande confusão, pois a proposta distingue “assentimento” (art. 2º, I) de “consentimento” (art. 2º, V), usando ex- pressões equivalentes para definir um e outro. A partir de outros dispositivos, a confusão nas definições parece indicar que o assentimento é, de fato, equivalente ao consentimento, mas aquele é prestado por incapazes (no sentido legal do termo), e este é prestado por pessoas capazes. Porém, a proposta não emprega as expressões da lei civil (como “capacidade” ou “incapaz”), e isso cria ainda mais problemas na integração da proposta ao sistema jurídico. O art. 3º da proposta torna-se programático, e expõe os princípios éticos das pesquisas em ciências humanas e sociais. É importante notar que, como é comum acontecer no campo da ética, mesmo os princípios mais louváveis podem criar situações de grande complexidade. Por exem- Gradus 1 (1) 205 plo, um psicólogo, pesquisando visões da sexualidade, assegura a seus informantes que não utilizará informações obtidas em prejuízo deles (art. 3º, inciso VIII). No entanto, no curso da pesquisa, o pesquisador descobre que um de seus informantes cometeu estupro de vulnerável. Ele tem o dever legal de denunciar o crime às autoridades, e disso resultará prejuízo a seu informante. Os arts. 4º a 17 da proposta tratam, em linhas gerais e, depois, em grande minúcia, da obtenção e do registro do consentimento (ou do assentimento). Os arts. 18 a 21 tratam do risco a que podem estar submetidos os participantes de uma pesquisa, e de como o pesquisador deve tratar o tema. Estes primeiros 21 artigos da proposta, assim, combi- nam elementos programáticos e elementos regulamenta- res, de forma bastante confusa. Por outro lado, deixam de responder a perguntas importantes — por exemplo, quem determina se uma pesquisa está ou não enquadrada entre as exceções previstas nos incisos do art. 1º, ou mesmo entre as exceções das exceções? A partir do art. 22, a Resolução passa a tratar dos procedimentos administrativos que devem ser seguidos pelos pesquisadores, sem grandes minúcias — pois estas estão detalhadas em outras resoluções. Qualquer que seja o mérito do conteúdo desta proposta — questão sobre a qual ainda não nos debruçamos —, a forma de sua expressão é, no mínimo, inadequada. Na verdade, em termos de técnica legislativa, é um verda- deiro desastre. Um dos princípios que orientam a hierarquia normativa do sistema jurídico brasileiro, e ao qual aludimos acima, estabelece que as normas de natureza programática de- vem estar nos níveis superiores, e que as normas casuístas devem estar nos níveis inferiores. É necessário, como indicamos acima, que uma lei atribua ao poder Executivo o poder de regulamentar pro- cedimentos de pesquisa à luz da ética. Uma vez que exista esta lei — que, por sua natureza, deverá ter caráter geral — poderá caber a um decreto presidencial e, subsidiaria- mente, a normas administrativas, a aplicação das normas legais a casos específicos. Esta estrutura não apenas atenderia às necessidades da inserção destas normas no sistema jurídico brasileiro. Trata-se também de uma questão eminentemente pragmá- tica. Vejamos alguns exemplos de pesquisas envolvendo seres humanos: • um linguista grava manifestações orais de voluntários Gradus 1 (1) 206

para comparar sotaques regionais; • um historiador dirige-se a um arquivo para consultar o diário de D. Pedro II; • um jurista pede a voluntários que respondam, pela In- ternet, a um questionário sobre o seu grau de satisfação com o atendimento do Sistema Único de Saúde; • um educador examina os registros de uma escola para determinar notas médias em uma disciplina; • um filósofo estuda os preceitos sobre preparação de alimentos de várias religiões; • […]

Cada uma destas pesquisas envolve seres humanos, direta ou indiretamente, e suas múltiplas maneiras de apresentação no mundo. Cada uma destas pesquisas tem uma dimensão ética própria, e exigirá cuidados em conformidade com a sua natureza — mas não há qualquer razão lógica para exigir que estes pesquisadores submetam seus projetos de pesquisa a um Comitê de Ética central em sua instituição de ensino. Cria-se um sistema burocrático, engessado, incapaz de lidar com particularidades — precisamente porque o órgão que o executa está situado, administrativamente, em um nível afastado das particularidades. Ao ser aplicado, este sistema — já ilógico para começar — revela-se como o fruto de uma ideia de centralidade administrativa, na qual o que devia ser acompanhamento torna-se em controle, e o que devia ser organização torna- se em determinações unilaterais e lineares. O engessamento da atividade de pesquisa também espelha um ideário de normatização e normalização — discutido, no campo da saúde, por pensadores como Can- guilhem,10 Foucault,11 e Goffman12 —, que acompanha 10. Canguilhem, O Normal e princípios generalistas de ação de poder, e que impede o Patológico (2000). 11. Foucault, Doença Mental (quando não exclui) a dimensão empírica da pesquisa. e Psicologia (1984). Coloca-se, assim, em contraposição a características 12. Goffman, Manicômios, fundamentais do conhecimento e de seu produzir — a Prisões e Conventos (1996). flexibilidade, a fluidez e a criatividade —, abafando curio- sidades e impedindo que dimensões particulares brotem naturalmente do espectro de ações de uma investigação. É necessário descentralizar o procedimento. O neces- sário acompanhamento ético não pode se confundir com controle apriorístico de órgãos centralizadores — e isso pode ser feito de forma simples. Por exemplo, em um programa de pós graduação, os potenciais impactos éticos de uma determinada pesquisa devem ser avaliados, em Gradus 1 (1) 207 primeiro lugar, pelo professor orientador, com o órgão colegiado do programa como primeira instância revisora. Acima de tudo, é necessário que haja uma cadeia de responsabilidade. Conforme o sistema hoje em funciona- mento, a avaliação ética fica delegada a um comitê que se situa inteiramente fora do fluxo da pesquisa, e mesmo fora do ambiente administrativo; termina por funcionar como uma instância supra-hermenêutica, arrogando-se o poder de delinear e determinar mesmo procedimentos e métodos para as pesquisas que avalia. Alguns princípios que fundamentam a resolução 510/2016 permitem destacar algumas ideias. Elas es- tão expostas nos “considerandos” do preâmbulo, que definem o contexto filosófico da resolução, e funcionam assim como seu fundamento ético. Uma das onze asser- tivas justamente define a ética como uma “construção humana, portanto histórica, social e cultural” (grifo nosso). Ora, isso de partida cria um condicionante ambí- guo, não menos por sua concepção subjacente do que seja “humano”. Observe-se que este condicionante logo a seguir é abstraído num “agir ético”, que se funda sobre a “ação consciente e livre do participante” e, na sequência, es- tabelece a necessidade — descrita como “exigência” — de “respeito e garantia do pleno exercício dos direitos dos participantes”. Ora, o condicionante anterior aliena a própria possibilidade da liberdade, da consciência e de qualquer direito que possa ser plenamente exercitado — afinal, não passam de construções históricas, sociais e culturais. A seguir, a resolução procura caracterizar as ciências humanas e sociais, partindo da “pluralidade” de concep- ções e métodos, na construção dinâmica e contínua da relação entre pesquisador e pesquisado, e “no diálogo entre subjetividades, implicando reflexividade e cons- trução de relações não hierárquicas”. Esta consideração escamoteia o espírito de ser de uma preocupação com ética em pesquisa, pois revela fundamentar-se no modelo das ciências naturais — o que não é de surpreender, pois estas adotam uma perspectiva intervencionista, diretiva, impositiva e alienante da realidade subjetiva, e este mo- delo costuma ser tomada como estatuto por excelência do que se compreende por “ciência”. Percebe-se, assim, uma falta de sintonia entre o fundamento mesmo da norma e o universo intersubjetivo que ela se propõe a regular. Mais adiante, a resolução procura “delimitar” o sentido de ser da pesquisa — pensando nela como produção e não como fazer — e o enxerga em “benefícios atuais Gradus 1 (1) 208 ou potenciais para o ser humano”. Revela-se, assim, uma concepção eminentemente utilitarista da pesquisa. Cabe perguntar: de que maneira o ato de conhecer, ou simplesmente de pensar, traz algum benefício “atual ou potencial”? Como se encaixa nesta concepção uma pesquisa no campo da filosofia — da ética? Os fundamentos ideológicos da resolução, assim, coli- dem de frente com características inescapáveis do próprio campo do conhecimento que pretende regulamentar, e põem em xeque a sua pretensão de se tornar em um “marco normativo claro, preciso e plenamente compreen- sível por todos os envolvidos nas atividades de pesquisa”. Uma das primeiras formulações filosóficas sobre a ética foi a de Aristóteles (especialmente na Ética a Nicômaco), que a identificava com o bem viver e o bem agir. Pen- sando nesta perspectiva, que ainda hoje fundamenta muito da filosofia sobre a ética, é fundamental quenão se perca de vista um pressuposto necessário do comporta- mento ético: a liberdade. Conforme foi indicado acima, cada pesquisa tem uma dimensão ética que lhe é peculiar. Assim, uma pesquisa que envolve o teste de fármacos em pessoas vivas mani- festamente tem uma dimensão ética diversa da pesquisa que envolve a gravação da voz de voluntários, e também da pesquisa que envolve a consulta ao diário de D. Pe- dro II. A primeira pesquisa certamente exige aprovação, supervisão e controle por um comitê de especialistas na área médica; mas um simples termo de consentimento livre e esclarecido é suficiente para atender a qualquer as- pecto ético envolvido na realização da segunda pesquisa, e a terceira pesquisa sequer demandaria este procedi- mento. Ao fim e ao cabo, temos nas resoluções do Conselho Nacional de Saúde normas juridicamente nulas, com gra- ves erros formais e pragmáticos, e que têm fundamentos conceituais antitéticos ao seu pretendido objeto. Não é de surpreender que seu resultado seja antes um cerceamento panóptico do que uma abertura de possibilidades. As pessoas mais capacitadas a avaliarem a dimensão ética de uma pesquisa não estão em um gabinete, ao redor de uma mesa de reunião, nos prédios administra- tivos de uma universidade. Estão realizando pesquisas e orientando alunos. É hora de confiar nelas, ao invés de supor a priori que precisam ser vigiadas e controladas. Gradus 1 (1) 209

Referências

Abbagnano, N. (1992). Diccionario de Filosofia. Mexico: Fondo de Cultura Económica. Bonavides, Paulo (2004). Curso de Direito Constitucional. 15ª ed. São Paulo: Malheiros. Bunnin, Nicholas e Jiyuan Yu, eds. (2004). The Blackwell dictionary of Western philosophy. Malden, MA: Blackwell Publishing. Canguilhem, G. (2000). O Normal e o Patológico. Rio de Janeiro: Forense Universitária. Carvalho Filho, José dos Santos (2015). Manual de Direito Administrativo. 28ª ed. São Paulo: Atlas. Deigh, John (1999). “Ethics”. In: The Cambridge Dictionary of Philosophy. Ed. por Robert Audi. 2ª ed. Cambridge, UK, pp. 284–289. Foucault, M. (1984). Doença Mental e Psicologia. Rio de Janeiro: Tempo Brasileiro. Goffman, E. (1996). Manicômios, Prisões e Conventos. São Paulo: Perspectiva. Mazza, Alexandre (2016). Manual de Direito Administrativo. 6ª ed. São Paulo: Saraiva. Mora, J. F. (2005). “Ética”. In: Dicionário de Filosofia. Vol. 2. São Paulo: Loyola, pp. 931– 937.