Vicente Do Rego Monteiro

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Vicente Do Rego Monteiro VICENTE DO REGO MONTEIRO De expoente modernista a integralista esquecido1 http://dx . doi.org / 10.25091/ Eduardo Dimitrov S01013300201500030010 RESUMO Com quadros expostos na Semana de Arte Moderna de 1922, Vicente do Rego Monteiro é, atualmente, tido como um dos mais importantes pintores do modernismo brasileiro. Esse reconhecimento, no entanto, só se deu após sua morte, em 1970. Considerando tomadas de posição artísticas e políti- cas, o artigo reconstrói a trajetória do pintor, explorando alguns dos possíveis motivos que levaram Vicente do Rego Monteiro a falecer em pleno esquecimento. PALAVRAS-CHAVE: modernismo brasileiro; regionalismo; sociologia da arte; arte e poder. Vicente do Rego Monteiro: from Modernist Painter to Forgotten Integralist ABSTRACT Vicente do Rego Monteiro is considered one of the most important painters of Brazilian modernism. His reputation, however, came only after his death in 1970. Considering his artistic and political positions, the article reconstruct the trajectory of the painter and explores some possibles rea- sons for Vicente do Rego Monteiro’s death in oblivion. KEYWORDS: Brazilian modernism; regionalism; sociology of art; art and power. [1] Este artigo é composto por parte Apesar de Vicente do Rego Monteiro ter se destacado da tese de doutorado defendida em 2014 no Programa de Antropologia já no início do século xx, compondo o grupo de expositores da Sema- Social da Universidade de São Pau- na de Arte Moderna de 1922, sua atuação sistemática no cenário cultu- lo sob o título Regional como opção, regional como prisão: trajetórias artís- ral pernambucano ocorreu, praticamente, apenas em dois momentos: ticas no modernismo pernambucano, a partir de meados dos anos 1930 até 1946 e de 1957 até sua morte, que contou com auxílio da Fapesp e do pdee/Capes. em 1970. As viagens constantes e as longas estadas no Rio de Janeiro e em Paris afastaram-no de sua cidade natal. Seu envolvimento com outras atividades artísticas, como a poesia e a tipografia, minimizou o impacto de sua obra no universo da pintura nacional. Neste artigo, busca-se explorar a trajetória desse artista para compreender por que uma carreira em ascensão tornou-se declinante. NOVOS ESTUDOS 103 ❙❙ novembRO 2015 193 10_dimitrov_103_p192a209.indd 193 12/2/15 5:20 PM Vicente era o terceiro filho de Ildefonso do Rego Monteiro — re- presentante comercial da Havendich & Co., empresa inglesa do ramo de tecidos — e de Elisa Cândida Figueiredo Melo do Rego Monteiro — professora normalista e prima em terceiro grau dos pintores Pedro Américo de Figueiredo e Melo e Francisco Aurélio de Figueiredo e Melo, ambos muito bem entrosados nas lides do Império e depois da República. Os cinco filhos do casal receberem formação religiosa e dirigiram-se para carreiras ligadas às artes. José foi arquiteto; Fédora, Vicente e Joaquim, pintores; Débora, formada na Faculdade de Direito do Recife, tornou-se escritora. Provavelmente a desenvoltura do pai em viagens internacionais teria levado toda a família a Paris em 1911, cerca de três anos depois de terem se transferido para o Rio de Janeiro, onde Vicente acompanhava a irmã Fédora em suas aulas na Escola Nacional de Belas Artes. Em Paris, enquanto seu irmão José estudava arquitetura, Vicente, acom- panhando Fédora na Académie Julian, matriculou-se num curso para adolescentes e foi vinculado ao departamento de escultura. Frequen- tou também os cursos noturnos de desenho e croquis da Académie Colarossi e da Académie de La Grande Chaumière. Quando estoura a Primeira Guerra Mundial, a família Rego Mon- teiro é obrigada a retornar ao Brasil, fixando-se no Rio de Janeiro. As- sim, aos catorze anos de idade, Vicente conhecia os museus de Paris, Londres, Bélgica, Alemanha, Itália e Suíça. Já tinha exposto por duas vezes no Salon des Indépendants com uma de suas obras possuindo feições cubistas2 e um currículo de cursos de fazer inveja a muitos ar- [2] Zanini, 1997a, p. 44. tistas locais mais velhos. Todo o clã Monteiro retornou ao Recife em 1917. Lá, Vicente par- ticipou de um concurso para um monumento escultórico em home- nagem aos revolucionários de 1817, perdendo para o futuro fundador da Escola de Belas Artes de Pernambuco, o escultor profissional Bi- biano Silva. Abandonou a escultura, passando, então, a dedicar-se ao desenho e à aquarela. Uma série de vinte trabalhos com temas mundanos parisienses compôs sua primeira exposição, em 1919, no Recife. Era considerável seu descompasso com a arte produzida no estado e com as expectativas do público. Os grandes nomes da pin- tura local, nas primeiras décadas do século xx, ainda eram aqueles vinculados à tradição dita “acadêmica” (Lassailly, Telles Júnior, Ál- varo Amorim, Baltazar da Câmara, Mário Nunes, entre outros). Vi- cente, com uma linguagem um tanto nova e, ao mesmo tempo, com temáticas que não correspondiam às paisagens, marinhas e vistas “locais”, ou mesmo aos temas “nacionais”, permitiu que um crítico do Diário de Pernambuco comentasse: “V. Rego Monteiro não é de modo nenhum um artista nacional, antes se poderá dizer dele que é [3] “Artes & artistas”. Diário de Per- nambuco, 19 dez. 1919 apud Zanini, um artista puramente francês”.3 1997a, p. 61. 194 VICENTE DO REGO MONTEIRO: DE EXPOENTE MODERNISTA A INTEGRALISTA ESQUECIDO ❙❙ ­Eduardo­Dimitrov 10_dimitrov_103_p192a209.indd 194 12/2/15 5:20 PM Recepção muito diferente teve sua segunda mostra, de 1920, a qual, além de permanecer exposta no Recife, circulou por São Paulo e Rio de Janeiro. Nela, os 43 desenhos e aquarelas materializavam a pesquisa a respeito da arte marajoara a que Vicente se dedicava, nesse momento, na biblioteca de Lucilo Varejão, no Museu Nacio - nal da Quinta da Boa Vista, no Rio de Janeiro, e, posteriormente, no Musée d’Ethnographie du Trocadéro, em Paris. A edição recifense dessa exposição contou com um comentário favorável no jornal A Província do dia 10 de janeiro de 1920. Consideraram-na um suces- so pelo fato de o artista ter vendido praticamente a totalidade de suas obras, “que pela sua nota pessoal, seu colorido forte, seu de- senho e sua originalidade, tem um lugar marcado nas galerias dos nossos colecionadores e amadores da arte”. Mais à frente, o jornal marcava o caráter de promessa que o pintor adquiria por ser o mais moço dentre os artistas pernambucanos. “Dentro de pouco tempo será um nome feito, se não desanimar e se persistir na pintura”, [4] “Exposição de pintura”, 1920. dizia o periódico.4 Durante a turnê dessa exposição de 1920 e em sua exposição sub- sequente, a de 1921 no Rio de Janeiro, Vicente entrou em contato com os demais artistas e intelectuais que, em 1922, organizariam a Semana de Arte Moderna. Foi por meio dessas novas relações que articulou vendas de seus quadros em São Paulo e no Rio de Janeiro. Entre seus compradores estavam Ronald de Carvalho, colecionador responsável por incluir os quadros de Rego Monteiro na Semana de 1922 mesmo sem a presença física do pintor, que, nesse momento, já tinha revertido o dinheiro adquirido com as vendas numa nova viagem a Paris, onde [5] Amaral, 1972, p. 124. permaneceu até 1932.5 Sua estadia de praticamente dez anos em Paris distanciou-o do movimento artístico de São Paulo, do Rio de Janeiro e do Recife. Mesmo regressando ao estado natal antes da primeira exposição dos chamados Independentes, em 1933, Vicente não se integrou aos artistas desse grupo, considerado por muitos intelectuais pernam- bucanos como os inauguradores da arte moderna no estado. Em 1960, Ladjane Bandeira comparou o movimento dos Independentes à Semana de Arte Moderna de 1922. Não fez referência, no entanto, a Vicente, seja como um pernambucano figurando na Semana, seja como um pintor que, regressando de Paris, poderia ter contribuído para a renovação artística local. Freyre, no Livro do Nordeste, de 1925, é mais ambíguo ao se re- ferir aos trabalhos de Vicente. Lamenta seu afastamento do país e afirma que a “pintura de composição não é por certo daquelas que possam prescindir de raízes: ela requer uma como base física por mais imaginoso que seja o artista. Pelo menos na fase de forma- [6] Freyre, 1925, p. 129. ção”.6 Trata-se de uma leve crítica a Vicente, que, até então, pou- NOVOS ESTUDOS 103 ❙❙ NOVEMbRO 2015 195 10_dimitrov_103_p192a209.indd 195 12/2/15 5:20 PM co se dedicara a temas pernambucanos. Entretanto, em seguida, Freyre argumenta que “pessoal no traço e na concepção, é Vicente dos mais interessantes pintores novos do Brasil. Talvez o mais pessoal e ao mesmo tempo o mais brasileiro”. 7 Usando trechos [7] Freyre, 1925, p. 129. de artigo de Ronald de Carvalho, procura mostrar como Vicente teve um reconhecimento no Rio de Janeiro e em São Paulo, o que confirmaria suas qualidades. Dessa época são suas obras de inspiração indianista que resul - taram no livro Légendes, croyances et talismans de l’Amazone, impresso em Paris em 1923.8 A tentativa clara de vincular-se a uma temática [8] No catálogo organizado por Za- nini, 1997a, há reproduções de ima- nacional não é menos evidente do que o acompanhamento do mo- gens e páginas desse livro. Em 2005, vimento das vanguardas europeias em busca do primitivo: Picasso a Edusp lançou o título Do Amazonas a Paris: as lendas indígenas de Vicente e os cubistas com as máscaras africanas, Gauguin com sua vida no do Rego Monteiro, uma edição fac- Taiti... Pelo que indica a fortuna crítica, o livro e essa temática foram -similar dos dois livros do artista: 9 Légendes, croyances et talismans de bem recebidos pelo público parisiense. O êxito logrado incentivou l’Amazone (1923) e Quelques visages de Vicente a produzir, em 1925, o livro Quelques visages de Paris, no qual o Paris (1925). artista fabula ter encontrado um índio que outrora viajara incógnito [9] Bruscky, 2004; Zanini, 1997a.
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