<<

O AUGE DA MPB – 1958-1972

THE HEIGHT OF BPM - 1958-1972

Fernando da Conceição Brarradas1

BARRADAS, F. C. O auge da MPB – 1958-1972. Akrópolis Umuarama, v. 19, n. 1, p. 25-39, jan./mar. 2011.

Re s u m o : Os anos sessenta marcam o auge da MPB. Os maiores can- cionistas de nosso populário estão situados neste período. Tom Jo- bim, , Vinícius de Moraes, João Gilberto, dentre outros, notáveis instrumentistas, arranjadores, cantores, compositores que se projetaram mundialmente situam-se neste período, denominado Era dos Festivais. Roberto Carlos, com o movimento , teve a primazia de ser o primeiro a produzir música para a juventude. A tropicália revelou cancionistas competentes tanto para compor quanto para cantar, casos de e . No bojo da reno- vação mais virtuosa do cancioneiro popular do Brasil o nacional e o estrangeiro se fundem por dar origem ao rock brazuca, o soul, o brega romântico, o sambalanço, em contraste com a tradição. Gêneros mu- sicais de raiz como o tradicional, o baião e chorinho refluíram nos anos sessenta. Difícil explicar até mesmo para os especialistas, uma renovação tão virtuosa e célere. Desse modo, no presente estu- do investiga-se este período como contribuição acadêmica, aos raros estudos na área. Pa l a v r a s -c h a v e : Música Popular Brasileira; Festivais da MPB; Tropicá- lia; Jovem Guarda. 1Docente do curso de História da UNIPAR. E-mail: [email protected] Ab s t r a c t : The 1960s feature the zenith of the BPM. The greatest musi- cians of our popular collection are contextualized in that period. Tom Jo- bim, Chico Buarque, Vinícius de Moraes, João Giberto, among others outstanding instrumentalists, arrangers, singers, composers who have stand out worldwide personify this epoch, named the Era of the Fes- tivals. Roberto Carlos, with the movement “Jovem Guarda” had the primacy of being the first artist to produce music for youth. “Tropica- lia” revealed notable musician both composers and singers such as Gilberto Gil and Caetano Veloso. In the apogee of the most virtuous popular renovation of the popular collection of Brazilian songs, foreign and national are blended to give rise to “brazuca” rock, soul, the “ro- mantic “brega” or cheesy romantic, the “sambalanço”, in contrast to the tradition. Root musical genres such as traditional “samba”, “chorinho” e “baião” risen in the sixties. Thus, even to experts, It is difficult to explain such a virtuous and rapid renovation. This period is examined as an academic contribution to the few studies in the area. Ke y w o r d s : Brazilian Popular Music; BPM Festivals; Tropicalia; Jovem Guarda.

Recebido em novembro/2010 Aceito em janeiro/2011

Akrópolis, Umuarama, v. 19, n. 1, p. 25-39, jan./mar. 2011 25 BARRADAS, F. C.

INTRODUÇÃO samba, envolvendo procedimentos da música clássica e do jazz. As vocalizações foram esco- É um período de renovação e moderni- lhidas de interpretações jazísticas, ao mesmo zação, que tem na década de 60 a fase mais tempo em que intelectualizaram as letras, o que importante da música brasileira no século XX. A explicou o surgimento de parceiros cultos como , a tropicália e o iê- iê- iê, foram as Vinícius de Moraes. A bossa nova foi muito criti- inovações principais do período. Com o advento cada na sua origem porque não foi uma prática da televisão no Brasil, ocorreu a decadência do musical extrovertida, adequada a uma produção rádio e a TV se tornou a principal instância de musical de massa ou de rua, mais adequada à consagração. Os festivais da TV Record e da TV intimidade de pequenos recintos, contendo ele- Excelsior foram, também, veículos de consagra- mentos camerísticos. Os de rua foram ção da talentosa geração de artistas que surgiu. totalmente diferentes da bossa nova, porque Além dos três movimentos citados que continham apenas os acordes básicos, facil- renovaram a MPB, ocorreu também o recrudes- mente assimiláveis pela plateia que participou cimento do samba tradicional com muita força; de modo dinâmico como nos carnavais de salão paralelamente surge um novo tipo de composi- e de rua. ção, um meio termo entre bossa e o samba tra- Este gênero novo esteve bem de acordo dicional, o chamado sambalanço. O rock básico com os ambientes urbanos modernos dos apar- de Sérgio Murilo, Tony e Celly Campelo permitiu tamentos, diferente do samba oriundo do terreiro o surgimento do iê, iê, iê, cujas estrelas prin- ou da Vila Isabel. Antônio Carlos Jobim definiu cipais foram Roberto Carlos, coadjuvado pelo a concepção do canto da bossa nova como se parceiro e a cantora Wanderléia. consistindo cantar cool.2 Quer dizer, sem arrou- Além do iê, iê, iê surgiu no Brasil uma vertente bos, sem “dó de peito”, sem voz cheia ou canto do rock inglês, desenvolvida pelo conjunto Os soluçado. O canto flui como uma fala normal. Mutantes, que teve como um de seus membros Não se cantou bossa nova, pelo menos na sua , que na década de 70 optou por uma origem, com arrebatamentos grandiloquentes, carreira solo, e tornando-se nossa principal es- mas sem intensidade. Seria um canto falado ou trela pop. No fim do período focalizado, que vai o cantar baixinho. O solista da grande voz, o es- até 1972, surgiram os soulman e Luís tilo bel-canto operístico, tido em outras épocas Melodia. Esse período marca o fim da canção como modelo ideal de interpretação, não cabia carnavalesca que desapareceu nos anos ses- na bossa nova. A introversão, a sutileza, os de- senta, substituída pelos sambas-enredos das talhes, foram as características das criações ar- escolas de samba. O brega romântico, canção tísticas do gênero. sentimental popularesca consagrou um dos Embora a bossa nova fosse música po- maiores cantores brasileiros, Nelson Gonçalves, pular, não poderia ser comparada ao sambão além de Angela Maria, , e outros tradicional. O povo reunido num largo ambien- grandes intérpretes e compositores como Jair te jamais poderia cantar Desafinado em coro. O Amorim, Evaldo Gouveia e Adelino Moreira. O violão foi o instrumento de destaque na bossa CD, os gravadores caseiros de fita magnética e nova. A orquestra silenciava e o acompanha- o contínuo desenvolvimento dos sons eletrôni- mento do violão possuía uma batida e uma har- cos, foram as tecnologias novas do período. A monia completamente diferente do que se estava criatividade e o nível alcançado pelos artistas do acostumado a ouvir. João Gilberto foi o principal período fizeram desta fase a mais importante da responsável por essa transformação, pois foi in- MPB. térprete, violonista, arranjador, compositor e co- arranjador ao mesmo tempo. Quando em 1958, A BOSSA NOVA lançou o LP Chega de Saudade, o impacto e a polêmica foram enormes. A bossa nova foi uma A bossa nova surgiu na Zona Sul do Rio resposta à altura do que se pedia na época, um de Janeiro, a partir de um pessoal jovem da clas- novo tipo de música para dançar, mais próximo se média que, no apartamento de Nara Leão, se do gosto internacional. Os jovens amadores reunia e realizava sessões de um novo tipo de gostaram do ritmo e o considerou ideal para a

26 Brasil Rocha Brito, in: Balanço da bossa, p.35.

26 Akrópolis, Umuarama, v. 19, n. 1, p. 25-39, jan./mar. 2011 O auge da mpb – 1958-1972... superposição dos esquemas harmônicos da mú- A partir do ano seguinte, seus personagens sica norte-americana que os fascinaram. Com a procuram novos caminhos. Tom e Vinícius bossa nova os impulsos do ritmo negro deixaram deixaram de compor juntos, com o primeiro de serem sentidos; aquela intuição rítmica de ca- iniciando uma carreira internacional e o se- ráter improvisado desapareceu. “O uso maior de gundo passando a trabalhar com outros par- ceiros; João Gilberto fixa-se nos Estados Uni- modulações e acordes alterados exigiu também dos... (SEVERIANO; MELLO, 1998, p.15). o desenvolvimento da audição de harmonias e da criação de novos dedilhados ou posições ins- A bossa nova tornou-se mundialmente trumentais” (CAMPOS, 1993, p.76). conhecida. Tendo penetrado no mercado norte- Com o sucesso da bossa nova, artis- americano foi imediatamente exportada para tas não cantores fizeram suas gravações como toda parte. Foram feitas gravações em inglês e o próprio Vinícius e Jobim, Nara Leão, Geraldo versões a partir do inglês, para o italiano e o es- Vandré, e Astrud Gilberto; fizeram panhol o que a descaracterizou. sucesso sem terem grandes recursos vocais. A Aqui no Brasil, a bossa nova saiu da inti- bossa nova foi fornecida à classe média e alta midade dos apartamentos para ganhar grandes pelos conjuntos de piano, violão elétrico, con- públicos. O famoso disc-jóquei Walter Silva, fez trabaixo, bateria e pistom. O violão tornou-se o grandes shows de bossa nova no teatro Para- instrumento da moda. Carlos Lyra e Roberto Me- mount de São Paulo. Levado para outros locais nescal fundaram uma academia de violão para atraiu grande público. Em contato com o grande divulgar as composições do grupo. público sofreu uma metamorfose e perdeu muito Em 1959, foi lançado o LP Chega de de suas características. Rádios e Tvs passaram Saudade (Odeon), que fez sucesso e agluti- a organizar espetáculos de bossa nova. A TV Re- nou todo pessoal da primeira geração da bos- cord produziu o Bossaudade, apresentado pela sa nova, como Tom Jobim, Vinícius de Moraes, cantora Eliseth Cardoso. Walter Silva em 1964, Baden Powell, Sílvia Teles, Alaíde Costa, Nara num dos shows que produziu, lançou Elis Regi- Leão, Ronaldo Boscoli e tantos outros. O pes- na. Chico Buarque também foi apresentado ao soal da bossa nova realizou apresentações em grande público durante um show do disc-jóquei. emissoras de rádio, auditórios de universidades, O rápido sucesso de Elis levou a TV Record a cujos shows chamaram de Festival de Samba criar o programa O fino da bossa realizado de Moderno ou Samba-Session ou Comando da 1965 a 1968, apresentado por ela, nos mesmos Operação Bossa Nova. A palavra bossa nova moldes dos shows promovidos por Walter Silva. pegou a partir do momento em que ela apareceu Elis Regina, que começou cantando bossa nova na letra de Desafinado (Tom Jobim e Newton de modo intimista, foi uma das responsáveis Mendonça). As músicas da bossa nova supe- pela transformação das características originais raram o amadorismo profissional (CAMPOS, do gênero. Nelson Mota, em sua obra Noites tro- 1993, p.79). “O exercício, o estudo instrumental picais relatou o sucesso de Elis e , e vocal e a pesquisa sonora por meio da práti- em apresentações no Teatro Paramount em São ca do próprio instrumento ou da audição de dis- Paulo, no programa de Walter Silva O fino da cos, ou seja, a busca de informação tornou-se bossa. uma preocupação constante desses músicos” (CAMPOS,1993, p.79). O nível técnico profissio- A lotação para as duas noites esgotou em nal dos integrantes da bossa nova foi o mais alto poucas horas e foi acrescentado um tercei- atingido no populário da música brasileira. ro show, que também superlotou os dois mil Em 1962, a bossa nova começou a ga- lugares, escadas e corredores do teatro. Elis nhar mercados externos. Nesse ano foi realiza- e Jair foram eleitos os melhores cantores do do no Carnegie Hall de Nova York, o primeiro ano no “Prêmio Roquete Pinto”, o mais pres- festival de bossa nova, atraindo o público, es- tigiado da TV Record (MOTTA, 2000, p.85). pecialmente de música de jazz, interessado nas A dinâmica da interpretação de Elis in- interpretações de vários brasileiros, muitos dos fluenciou um grande número de cantores, es- quais passaram a residir no exterior. Segundo pecialmente depois que ela ganhou o Festival Severiano e Mello (1998), o período de maior da Record com Arrastão. Os novos nomes que evidência da bossa nova foi até 1962, quando surgiram para o público, como os compositores ocorreu o show do Carnegie Hall.

Akrópolis, Umuarama, v. 19, n. 1, p. 25-39, jan./mar. 2011 27 BARRADAS, F. C.

Baden Powell, Francis Hime e intro- Uma onda forte de talentos veio trazer a duziram novos temas no gênero. Em princípio a partir de 1964: Chico Buarque, Edu Lobo, Ca- bossa nova se expressou na temática flor, amor, etano Veloso, Gilberto Gil, , céu, azul e mar. Com Jair Rodrigues que can- as cantoras Elis Regina, Maria Bethânia, Nana tou pot-pourri, voltou-se cada vez mais para o Caymmi, e um grande número de samba rasgado. Cantores como Simonal, Peri letristas e músicos compositores. Instrumentis- Ribeiro, Wilson Miranda e Leny Andrade reintro- tas do mais alto nível afloraram como Antônio duziram o virtuosismo vocal na bossa nova. Adolfo, e outros que constam Essa interpretação deixa de se identificar da nossa lista de consultas na Enciclopédia da com o caráter coloquial de sua origem. Os temas Música Brasileira, da Publifolha. Além do disco e também se alteraram. Do lírico inicial, a bossa da televisão, outra instância de consagração do nova adotou temas folclóricos ou não-urbanos período foram os festivais. como Arrastão e Ponteio e, por fim, teve preo- A TV Excelsior, em abril de 1965, rea- cupações ideológicas. Os shows nas faculdades lizou o I Festival de Música Popular Brasileira, procuraram atender o propósito da alta classe realizado no Guarujá. Apesar de Arrastão (Edu média contra o regime militar instalado no país. Lobo e Vinícius de Moraes), ter sido a vence- Essas músicas exigiram um tom épico meio ufa- dora, na interpretação de Elis Regina, o samba nista. Romperam com esse estilo individualista de cunho tradicional ainda foi premiado entre os e americanizado e cantaram as belezas do futu- cinco primeiros com Ciro Monteiro interpretando ro com dezenas de versos ao “dia que virá”. As Queixas (Sidney Miller, Zé Ketti e Paulo Tiago). autoridades reagiram. A partir de 1968, o regime Já no Festival Nacional da Música Popular, rea- reforçou a censura e a repressão. Chico e Van- lizado em junho de 1966, que teve como produ- dré foram embora do país. Gil e Caetano foram ção vitoriosa Porta-estandarte (Geraldo Vandré presos e expulsos. Nunca em tão pouco tempo e Fernando Lona), o predomínio absoluto das ocorreu um processo tão fecundo e rápido, difí- músicas vencedoras foi do pessoal da bossa cil até de ser entendido e interpretado pelos es- nova. Nesse festival Caetano Veloso classificou- pecialistas da época. Esse processo, a partir da se em 5º lugar com Boa palavra, mas Caetano segunda metade da década de 60, passou para originalmente foi ligado à bossa nova. uma nova fase de criação com o surgimento do Pedro Alexandre Sanches, autor de Tro- tropicalismo. O mercado se alterou e, tanto a picalismo, decadência bonita do samba, lança- bossa nova como o tropicalismo teve uma so- do em setembro/2000, fez referência ao cunho brevida inesperadamente curta. Levas de jovens bossanovista que Caetano imprimiu a sua obra, da classe média, já massificados pela música de ao gravar em 1967, seu LP de estreia, Domin- consumo internacional, produzidas pelas mul- go, em parceria com Gal Costa “.... era um disco tinacionais do disco, chegaram ao mercado de tradicional de bossa nova (com arranjos do tra- consumo. A repressão e a massificação desor- dicionalista e composições dos ganizaram o quadro cultural no nível universitá- tradicionalistas Edu Lobo e Sidney Miller) todo rio e a alienação voltou sob o império do rock. tomado de fossa e de delicadeza interiorana...” No período anterior, o da pré-bossa-no- (SANCHES, 2000, p.122). va, destacou-se os precursores do gênero que, O pessoal da bossa nova e da tropicália a partir da segunda metade da década de 40, venceu a maioria dos festivais do período. Estes faziam produções diferentes que anteviam um eventos foram uma importante instância de con- movimento renovador. Essa renovação ocorria sagração de grandes figuras de nossa MPB. no seio do canto popular, com novos intérpretes (Dick Farney, Agostinho dos Santos), cantores Durante anos, esses artistas praticamen- compositores (Vinícius de Moraes, Antônio Car- te monopolizaram as principais colocações los Jobim, João Gilberto); músicos (João Dona- nos festivais da televisão que, além de lhes proporcionar a oportunidade de se tornarem to, ). Com o desenrolar do movimento conhecidos no momento em que se inicia- afloraram compositores como Carlos Lira,- Ro vam profissionalmente, foram de inestimável berto Menescal e Newton Mendonça, o letrista ajuda para a consolidação de suas carreiras Ronaldo Boscoli, músicos como João Donato e (SEVERIANO & MELLO, 1998, p.16). Eumir Deodato, cantores como Lúcio Alves e ou- tros. Entre setembro e outubro de 1966, por

28 Akrópolis, Umuarama, v. 19, n. 1, p. 25-39, jan./mar. 2011 O auge da mpb – 1958-1972... ocasião do II Festival de Música Popular Brasi- os momentos de passagem não destruiram os leira, Chico Buarque, estreante, então com 22 valores anteriores desenvolvidos. Surgiu sim- anos, venceu com A banda, empatada com Dis- plesmente um novo patamar, no qual o novo e parada (Geraldo Vandré e Teo de Barros). Dis- o velho se somaram dialeticamente, para cons- parada, interpretada por Jair Rodrigues, projetou tituir uma síntese. A arte só tem a ganhar com a o cantor que ratificou seu sucesso nos shows do incorporação do gosto anterior. O melhor é que radialista Walter Silva, em que ele cantou em du- o novo e o velho simplesmente se reforçaram, pla com Elis Regina. O III Festival de Música Po- sem anular nenhum deles. pular Brasileira (Teatro Paramount, outubro de 1967) teve como vencedor Edu Lobo e Capinam A TROPICÁLIA com Ponteio. Domingo no parque (Gilberto Gil) ficou em segundo, Roda viva (Chico Buarque) Em meados da década de 60, a bossa em terceiro e Alegria, alegria (Caetano Veloso), nova se encontrou numa encruzilhada. De uma canção símbolo do movimento tropicalista, em música intimista e lírica, evoluiu para temas fol- quarto; Roberto Carlos interpretou Maria, carna- clóricos e depois ideológicos, sem conseguir se val e cinzas (Luís Carlos Paraná), classificados tornar “popular”. Tornar-se popular significaria em quinto lugar. um rebaixamento estético. Outros festivais foram realizados repre- Paralelamente, no plano internacional, sentando a imensa renovação da MPB, como a tendência da música do momento foi de dois nunca se viu no seu desenvolvimento. Júlio Me- tipos de rock: o dos beatles, mais sofisticado e daglia, extraordinário pensador e crítico da MPB, das camadas mais altas, e do iê, iê, iê, tal como acerca da incompatibilidade entre a bossa nova o de Roberto Carlos, mais diluído comercialmen- da zona Sul do Rio, com o sambão da zona Nor- te e voltado às camadas sociais mais extensas. te, afirmou: “O que pode acontecer- e acontece- De permeio, surgiram os tropicalistas. “Gilberto é que os extremos do samba se toquem e se Gil e Caetano Veloso decidiram assumir as in- auto influenciem, o que não representa nada de fluências do melhor rock inglês dos anos 60 (Os negativo para nenhuma das partes” (Balanço Beatles), da mesma forma que a Bossa Nova da Bossa, 1993, p.73). Mesmo neste período, havia assumido as conquistas harmônicas do o samba mais tradicional projetou grandes figu- jazz e do pensamento europeu” (MOTA, 2000, ras como , Zé Ketti, , p.130). , e tantos ou- Caetano Veloso, no III Festival da Música tros, confirmando as afirmações de Medaglia, Popular Brasileira, realizado no Teatro Paramount para a felicidade da MPB. em São Paulo, em outubro de 1967, apresentou- José Ramos Tinhorão, tal como Ariano se cantando Alegria, alegria acompanhada de Suassuna, foram defensores da estética musi- um conjunto de iê, iê, iê, de jovens argentinos, cal brasileira, herdeiros de Mário de Andrade. Beat Boys, à base de guitarras elétricas, bateria, Ao historiar a evolução do samba ao longo des- órgão e pandeiro, rompendo com os tabus vi- te século, até chegar à bossa nova, no final da gentes de uma música brasileira, exigência des- década de cinquenta, destacou, no plano clas- se tipo de certame. Caetano, em Alegria, alegria, sista, que esse pessoal da Zona Sul que criou recusou os freios e exprimiu em seu estribilho o gênero, foi completamente desligado da tradi- Por que não? a ruptura com os preconceitos mu- ção. Tom Jobim, Johnny Alf, Vinícius de Moraes, sicais. Essa marcha rancho, que acabou sendo João Gilberto, Baden Powell, Laurindo de Almei- a canção manifesto do tropicalismo foi caracte- da, Carlos Lira e outros, pessoal da primeira ge- rizada por uma linguagem aparentemente sem ração bossa-novista, foi gente grã-fina de Copa- sentido, múltipla e fragmentária, que quiz captar cabana que modificou o samba no que tinha de o sentido caótico da realidade urbana. Os tradi- mais original, o ritmo. cionalistas de nossa música julgaram-na aliení- Esse tipo de crítica sempre apareceu ao gena. Alguns vaiaram, outros aplaudiram. Muitos surgir inovação. Os adeptos da tradição que vi- pediram a sua desclassificação. O júri atribuiu- veu esse momento de passagem foram acome- lhe o quarto lugar e, em segundo, ficouDomingo tidos de um sentimento de rejeição. Muitos ade- no Parque, de Gilberto Gil, defendido por ele e riram ao novo gênero, outros contemporâneos pelos Mutantes. Ponteio, de Edu Lobo, ficou em torceram contra. Tanto na arte como na ciência, segundo e Roda viva de Chico, em terceiro. Em

Akrópolis, Umuarama, v. 19, n. 1, p. 25-39, jan./mar. 2011 29 BARRADAS, F. C. janeiro de 1968, Caetano lançou Tropicália, can- militar de 1964 no plano político – econômico ção que deu nome ao movimento. Na capa do (TINHORÃO, 1999, p.325). fascículo da Abril Cultural, editado em 1982, o texto de apresentação dessa música dizia bem Como nacionalista, Tinhorão acreditou das características da composição e que carac- que os tropicalistas se enquadraram no mode- terizou o movimento em si. lo militar de importar pacotes tecnológicos, para serem montados no país. Os adeptos da música A tropicália é uma colagem crítica do contex- de protesto explicitamente político social, acusa- to brasileiro – dos olhos verdes da mulata”, ram-no de alienado. e do “luar do sertão”, ao “fino da bossa”, de à “Banda”, de “Iracema” e Em entrevista ao Jornal do Brasil, Caetano de “Ipanema”. As rimas e a repetição das se manifestou dizendo que: Tropicalismo é sílabas finais dão uma sonoridade ímpar ao uma tentativa de superar o nosso subdesen- texto. Outra característica inusitada são as volvimento, partindo do elemento cafona de frases extremamente longas, que parecem nossa cultura, difundindo e fundindo ao que romper com a quadratura estrófica segui- houvesse de mais avançado industrialmen- das de versos curtos, em que o substanti- te, como os guitarristas e a roupa de plástico vo emerge sozinho, subitamente valorizado (VELOSO, 1997, p.271). (KUBRUSLY, 1982, p.1). O disco mais representativo do movimen- Caetano aproximou tudo, o antigo e o to foi lançado em 1968, Panis et Circensis, disco moderno, o luxo e a miséria, tão presente na re- coletivo dos tropicalistas Gil, Caetano, Torquato, alidade de país subdesenvolvido. Ainda, segun- Capinam, Tom Zé, Rogério Duprat, Mutantes e do a pesquisa do mesmo fascículo: Nara Leão. Nesse disco, Caetano reinterpretou O ébrio, antigo sucesso de Vicente Celestino. Para Assim, o tropicalismo centrou-se na vida ur- os setores mais intelectualizados seduzidos pelo bana, vendo “o sol nas bancas de revista”. tropicalismo, a contraposição, em seus temas, Cantou uma poesia extraída do folclore e da de elementos da cultura brasileira, aproximou-se temática das grandes cidades, das histórias em quadrinhos à lua oval da Esso... criticou muito daquilo que Oswald de Andrade fez como o delírio consumista da classe média, com poeta modernista, “rigorosamente futurista que medo de não ter um “Ford Galaxie” (KU- se baseava numa vida dinâmica, voltada para o BRUSLY, 1982, p.3). futuro e que combate o passado, as tradições, o sentimentalismo e pregava formas novas e níti- Enquanto isso, Gilberto Gil que já era das” (CAMPOS, 1993, p.183). muito conhecido pelas músicas de sucesso que O tropicalismo encantou músicos erudi- fez antes, como Roda e Procissão (ambas em tos como Duprat, Medaglia e Cozzela, que lhe 1965), Ensaio Geral, Lunik 9, em que cantou um deram colaboração, participando de arranjos e tema da era tecnológica, contrapondo a lua da gravações. Para um professor que queira pas- lírica tradicional à lua desmistificada pelos vôos sar a seus alunos a leitura da poesia tropicalista espaciais, lançou em 1967 a composição Soy de Caetano, este deve colocar sempre a contra- loco por ti América (Gil e Capinam) que tentou posição de elementos. “A relação de contrastes, abarcar o conjunto da realidade americana por comparando o moderno e o arcaico, o rústico e o meio da fusão de ritmos continentais. A arte de industrializado, o primitivo e o civilizado, através Gil e Caetano antevia algo renovador prestes a da linguagem metafórica e do humor crítico...” acontecer, libertos que eram do ranço naciona- (CALDAS, 1989, p.64). lista. No campo político ideológico, o movimento “Ao lado de seu teor de intervenção poéti- suscitou polêmica. co-musical, produz controvérsia no campo com- portamental ao atuar sobre hábitos arraigados Os tropicalistas renunciaram a qualquer to- ligados à corporalidade, à sexualidade, ao ves- mada de posição política ideológica de resis- tuário, ao gosto estético” (Enciclopédia da tência e partido da realidade da dominação Música Brasileira, 1998, p.788). Descabe- do rock americano (então enriquecido pela lados, exibindo roupas extravagantes, dançando contribuição inglesa dos Beatles) e seu mo- derno instrumental acabou chegando à tese de maneira sensual, os tropicalistas à vista dos que repetia no plano cultural, a do governo austeros censores do regime, davam mal exem-

30 Akrópolis, Umuarama, v. 19, n. 1, p. 25-39, jan./mar. 2011 O auge da mpb – 1958-1972... plo à juventude. Em setembro de 1968, sob os De fato, nós tínhamos percebido que, para ruídos eletrônicos de Duprat e as guitarras dos fazer o que acreditávamos que era necessá- Mutantes, Caetano entrou vestido de plástico e rio, tínhamos que nos livrar do Brasil tal como se requebrando. Canta É proibido proibir e des- conhecíamos. Tínhamos que destruir o Brasil perta a irritação da plateia, que pelas vaias o im- dos nacionalistas tinha que ir mais fundo e pulverizar a imagem do Brasil carioca (VE- pede de cantar. Diante da reação da plateia que LOSO, 1997, p.50). antes havia cantado com tanto vigor a canção política e provocativa de Vandré, Caminhando, Em outro ponto do livro, ao se identificar e que naquele momento o impedia de cantar ati- com que alternou americanização rando ovos e tomate no palco, Caetano gritou com regionalismos, escreveu: furiosamente para a plateia, segundo registro de Nelson Mota em Noites tropicais: [...] eu não podia deixar de lembrar que tinha Mas, é isso que é a juventude que diz sido eu mesmo a dizer a um jornalista, em que quer tomar o poder? “... Vocês são a mesma 67, na primeira hora do tropicalismo, a frase juventude que vai sempre, sempre, matar ama- que, pouco depois, Tom Zé citaria numa can- nhã o velhote inimigo que morreu ontem! Vocês ção típica daquele movimento: “Sou baiano e não estão entendendo nada, absolutamente estrangeiro” (VELOSO, 1997, p.51). nada” (MOTTA, 2000, p.176). Caetano reafirmou Mesmo procurando corresponder a um os valores futuristas pós modernos que procurou ideal de identidade cultural originado nas raízes passar esteticamente por meio da sua música. nacionais, Caetano, tropicalista pós-moderno, Os jurados do III FIC da Globo o desclassifica- sempre impôs as incongruências e dentre estas ram. a do nacional com o estrangeiro. Em dezembro de 1968, os dois foram presos pela polícia política do regime e, no mes- mo mês, foi editado, no dia 13, o Ato Institucional O IÊ, IÊ, IÊ (JOVEM GUARDA) n.º 5, que pôs o congresso em recesso e de- Além do dinamismo em vertentes musi- cretou outras medidas de exceção. Em 1969, cais como a tropicália e a bossa nova, ocorreu na Caetano e Gil foram para o exílio em Londres. área da música pop nesse período, o crescimen- Antes da viagem fizeram ainda outro LP na Phi- to do rock, aqui no Brasil denominado iê, iê, iê, lips, e um compacto com a música Charles Anjo que originou o fenômeno Jovem Guarda. Desde 45 (Jorge Benjor). Continuaram produzindo para os finais da década de 1950, o movimento já se a gravadora em Londres e retornaram ao prenunciou por intermédio dos pioneiros, Sérgio Brasil em 1972. Tal como a bossa nova, a tro- Murilo, Tony e Celly Campello, entre outros. picália correu paralelamente ao iê, iê, iê, e ao O gênero desembarcou no Brasil por rock, gêneros mais capazes de personificar o meio do mesmo veículo que, nos Estados Unidos estereótipo fabricado pela indústria do entrete- o conduziria à consagração. O veículo em ques- nimento. Os Militares queriam evitar influências tão foi o filme The blackboard jungle, de 1955, esquerdistas e anárquicas sobre os jovens. O cuja trilha sonora apresentou a música Rock negócio era evitar a contaminação da juventude around the clock (Ao balanço das horas), cujo e Roberto Carlos veio a calhar. A tropicália teve filme no Brasil recebeu o nome de “Sementes da vida curta. violência”. Bill Halley e seus Cometas no filme Caetano Veloso (1997), em sua obra executaram a música, gravada um ano antes. Verdade tropical fez um histórico das influências Interessante é que Nora Ney, cantora do gênero musicais experimentadas desde os grandes no- dor-de-cotovelo gravou a música com o título de mes da época de ouro, do pré bossanovismo à Ronda das horas. Em 1956, outro filme, No ba- bossa nova que o arrebatou a ponto de se in- lanço das horas (Rock around the clock), musi- tegrar ao movimento no começo da carreira. cal, apresentou além de Bill Halley, Little Richar- Diante de tantas influências, especialmente do ds e The Platers, entre outros roqueiros. Roberto rock de e da baianidade com seu e Erasmo confessaram a Ricardo Pugiali, autor sotaque e tudo que nele é nordestino, procurou do livro No embalo da jovem guarda que assis- explicar as ambiguidades da tropicália conforme tiram a esse filme, um marco para o surgimento se recolheu em algumas citações. do gênero no Brasil. Esses filmes geraram na

Akrópolis, Umuarama, v. 19, n. 1, p. 25-39, jan./mar. 2011 31 BARRADAS, F. C. cabeça de muitos jovens o desejo de fazer con- bol. Paulo Machado de Carvalho, proprietário da juntos de rock. Assim, em 1957, “apareceria o TV Record, resolveu preencher o horário vago primeiro rock “made in Brasil”. em com o programa “Jovem Guarda”, de auditório, Copacabana, de Miguel Gustavo, interpretado naquele tempo ao vivo. Foi quando Roberto Car- pelo vozeirão de Cauby Peixoto, um dos mitos los se consagrou como o “Rei da Juventude”. do rádio nacional...” (DAPIEVE, 1996, p. 11). Em abril de 1957, o conjunto Os Come- “Porém, quando explodiu o programa Jovem tas, réplica dos Cometas de Bill Halley, lançou Guarda, na TV Record, o Roberto passou os rocks Não pise nos sapatos e Ski-rock-ski- a ser, definitivamente, o Rei da Juventude”. Isso foi no fim de 1965, quando Roberto ficou rock. Cauby Peixoto, ainda em 1957, apareceu sendo “o Rei”; Erasmo “o Tremendão”; Wan- no filme de cantandoEnrolando derléia “a Ternurinha; Martinha, “o Queijinho o rock. O nome iê, iê, iê, derivou dos gritos yeah, de Minas; Eduardo Araújo, “o Bom”, e estou- yeah, yeah, contidos na interpretação dos Bea- raram Leno e Lilian, e Wander- tles, na canção , do ano de 1964. ley Cardoso com seus olhos verdes, que a Quem primeiro fez sucesso amplo no gravadora fazia questão de deixar mais ver- gênero foi uma dupla interiorana de Taubaté, os des nas capas de discos (PUGIALI, 2000, irmãos Celly e Tony Campelo, que em início de p.123). 1958 gravaram várias versões do gênero. Em 1959, os irmãos apresentaram o programa Celly O pessoal do movimento da Jovem Guar- e Tony em Hi-Fi, na TV Record em São Paulo, e da, cujo auge situou-se em 1966, fase do contur- daí para frente colecionaram prêmios. Celly foi a bado período da ditadura, não foi tão politizado primeira grande estrela do rock nacional, gravou quanto os jovens das universidades. Cantavam oito elepês, destacou-se com as versões de Es- protestos contra as relações entre pais e filhos, túpido Cupido, Lacinhos cor-de-rosa, Banho de entre namorados e outros temas destinados a lua, Túnel do amor, Broto legal, gravações feitas jovens e adolescentes. Segundo Pugiali, autor entre 1958 e 1960. Participou de vários filmes do livro No embalo da Jovem Guarda (2000), e e parou de cantar em 1962, quando se casou. até o surgimento do rock, não havia filme nem Tony gravou seis elepês pela Odeon, fez suces- música para os jovens. Em 1970, em entrevis- so com Boogie do bebê, Pertinho do mar e Ca- ta ao jornal Última Hora de São Paulo, Roberto nário. Cantou em dupla com a irmã. Trabalhou Carlos afirmou ao repórter Tato Taborda, acerca em vários filmes e se tornou produtor musical, de seu posicionamento político e de sua posição lançou vários nomes famosos do gênero como como líder da juventude que não queria saber de Os Incríveis, Carlos Gonzaga, Deny e Dino, Sér- política, e se declarou de direita. gio Reis, Silvinha. O programa Jovem Guarda convivia com Novos ídolos do rock surgiram como Sér- os programas Bossaudade e O Fino da Bossa, gio Murilo, Ed Wilson, Demétrius, Ronnie Cord. que gozaram de maior prestígio na época. O Surgiram vários grupos de rock, quase todos com programa de Roberto Carlos se estendeu até nomes em inglês: The Clevers (Os Incríveis), 1968. O tropicalismo também conviveu parale- The Sputniks, The Pops, Renato e seus Blue lamente com a jovem guarda, pois adotou ins- Caps... “em inícios da década de 1960, encon- trumentos desta, como a guitarra. Em 1967, o traria sua figura definitiva em outro moço saído cantor baiano Gilberto Gil apresentou sua mu- do interior em busca de fama na cidade, Roberto sica Domingo no parque, acompanhado por um Carlos, o futuro Rei do iê, iê, iê” (TINHORÃO, grupo novo de rock, . Os Mutantes 1999, p.335). Programas de rádio como Ritmo eram Rita Lee os irmãos Arnaldo e Sérgio Batis- da Juventude (apresentado por Antônio Aguilar), ta. Participaram da gravação do LP Panis et cir- Crush em Hi-Fi (Celly e Tony), Clube do Rock censes ou Tropicália, LP símbolo do movimento (Carlos Imperial), Hoje é Dia de Rock (Jair de tropicalista. O grupo Os Mutantes é importante Taumaturgo), das emissoras de São Paulo e do no desenvolvimento do gênero, porque foi o pri- , faziam sucesso em todo Brasil. meiro no rock brasileiro, no sentido exato do gê- O gênero estava sendo plantado com força. nero. Acabaram se tornando um sexteto. Rita se Em 1965, não houve acordo entre a Fe- afastou do grupo em 1972, para seguir carreira deração Paulista de Futebol e os canais de tele- solo e se tornou nossa maior estrela pop. Em visão para as transmissões das partidas de fute- várias gravações e shows, os Mutantes acompa-

32 Akrópolis, Umuarama, v. 19, n. 1, p. 25-39, jan./mar. 2011 O auge da mpb – 1958-1972... nharam Gil, Caetano, Nara Leão, Tom Zé e Gal fora da lei (1987) foi outro grande sucesso. Suas Costa, pessoal da tropicália. É proibido proibir, músicas têm sido regravadas, frequentemen- apresentado na eliminatória paulista do III Fic da te, por vários artistas, e sua obra reeditada em Globo, por Caetano Veloso, foi acompanhado CDs. Embora se tenha incluído neste período o pelo conjunto. consagrado ídolo Raul Seixas, seu período de Os Mutantes tiveram várias formações, maturidade e maior sucesso situam-se cronolo- especialmente depois da saída de Rita Lee, gicamente na fase posterior da MPB. porém, o grande nome do conjunto sempre foi Estudioso do iê, iê, iê, Pugialli destacou Arnaldo Batista, pianista exímio, de formação que “a Jovem Guarda começou a substituir as erudita, que fez o elo entre a tropicália e o rock. orquestras por conjuntos de guitarra no acompa- Dentre os principais sucessos do conjunto, as nhamento de jovens cantores (PUGIALLI, 2000, músicas Dom Quixote, Caminhante noturno e p.143). A jovem guarda foi um movimento de in- Algo mais, do ano de 1969. Nesse mesmo ano, corporação de todo o movimento da juventude o grupo fez apresentações na Europa, em Por- que existiu lá fora, principalmente nos EUA. O tugal e na França. Em 1970 concorreu no V FIC avanço tecnológico decorrente da terceira revo- (Festival Internacional da Canção) com a música lução industrial, todos os grandes artistas ame- Ando meio desligado (Arnaldo e Sérgio Batista). ricanos como Elvis Presley, , Little Arnaldo Batista sempre alternou seu trabalho Richard, Paul Anka e os da Inglaterra como os de componente do conjunto com gravações de Beatles, Rolling Stones, The Who e The Animals, disco solo. Na década de 90 foram feitas várias a jovem guarda juntou e influenciou os diversos reedições da obra dos Mutantes, com o lança- segmentos da MPB. Tanto a tropicália, quanto a mento dos CDs A divina Comédia (1991), Jardim música sertaneja e até os ritmos carnavalescos elétrico (1991) e Os Mutantes (1991). baianos sofreram a influência do rock. Na busca dos mais consagrados do gê- Roberto Carlos, nascido em 1939, natural nero, destacou-se um nome proveniente da de Cachoeiro do Itapemirim ES, que cantava e que começou a despontar no final da Era tocava violão desde criança, começou gravando dos Festivais, Raul Seixas (1945-1989), patriar- em 1959, música de bossa nova, sem nenhum ca do brock (rock brasileiro), que se consagrou sucesso. Desde cedo atuou como cantor de or- no período posterior. Seixas, aos 12 anos fundou questra. Seu primeiro grande sucesso aconte- um grupo de rock em Salvador, The Panters, o ceu depois que ele mudou de estilo e gravou a primeiro grupo de rock da cidade. Exibindo-se versão de Splish splash (Bobby Doria) em 1962. em 1967 em Salvador, Jerry Adriani foi acompa- Em 1963, estourou nas paradas de sucesso com nhado pelo conjunto de Raul e o convidou para Calhambeque (Laudermilk, versão de Erasmo se mudar para o Rio de Janeiro. Em 1968, gra- Carlos). Nunca mais parou de fazer sucesso e vou Raulzito e os Panteras, seu primeiro LP. Em tornou-se o maior vendedor de discos da história 1972, Raul Seixas fez sucesso no VII FIC (Fes- da MPB. Outros grandes sucessos seus foram: tival Internacional da Canção), transmitido pela História de um homem mau (versão de Erasmo TV Globo com duas músicas, Let me sing, let me Carlos), A garota do baile (com Erasmo Carlos). sing e Eu sou eu, Nicuri é o diabo. Gravou para Em 1965, fez sucesso com o Mexerico da Candi- a Philips, em 1972, o LP Os 24 grandes suces- nha (ambas com Erasmo), além da canção por- sos da era do rock. Seu primeiro grande sucesso tuguesa Coimbra (Fernão Galhardo). Durante ocorreu em 1973, ao interpretar Ouro de tolo, do dez anos seguidos teve a maior vendagem de seu primeiro LP solo, Krig-há, Bandolo. discos do Brasil. Em 1966, fez sucesso com Na- A fase posterior da MPB consolidou o ta- moradinha de um amigo meu e Eu te darei o céu lento de Raul Seixas com a gravação de várias (ambas com Erasmo) e Negro gato (Getúlio Cor- músicas de sucesso como Maluco beleza (com tês). Em 1967, De que vale tudo isso e, Por isso Cláudio Roberto), de 1977, espécie de hino da corro demais (ambas com Erasmo). Em 1968, geração hippie. Apesar dos problemas de saú- apresentou-se no festival de São Remo, na Itá- de, seus discos continuaram a ser produzidos e lia, cantando Canzone per te (Sérgio Endrigo), com enorme sucesso. Mata Virgem (1978), Por música classificada em primeiro lugar. Em 1968, quem os sinos dobram (1979), Abre-te Sésamo estourou com Você pensa, As curvas da estrada (1980). Teve incluído em programa infantil da de Santos, Sua estupidez e As flores do jardim Globo, o sucesso Plunct, plact, zumm. Cawboy de nossa casa, todas com Erasmo. Em 1970, fez

Akrópolis, Umuarama, v. 19, n. 1, p. 25-39, jan./mar. 2011 33 BARRADAS, F. C. sucesso com Jesus Cristo (com Erasmo Carlos) cida em 1946, participou em 1965 do programa que marca a mudança em seu estilo. Em 1971, Jovem Guarda da TV Record, comandada por foi a vez de Amada amante, Detalhes e Debai- ela todos os domingos .Ficou conhecida como xo dos caracóis dos seus cabelos (todas com Ternurinha. Gravou Pare o casamento (Luiz Kel- Erasmo), além de Como dois e dois (Caetano ler), Ternura (versão de Rossini Pinto), Prova de Veloso). Começou a gravar para toda a Améri- fogo (Erasmo Carlos), com enorme sucesso. ca Latina. Em 1972, destacaram-se Quando as Erasmo Carlos, nascido na cidade do crianças saírem de férias e A montanha (ambas Rio de Janeiro em 1941, desde cedo começou com Erasmo) e Como vai você (Antônio Marcos a se interessar por rock, quando este surgiu no e Mário Marcos). Em 1973, fez sucesso com A Brasil em 1957. Em 1962, profissionalizou-se e proposta (Erasmo) e El dia que me quieras (Gar- fez sucesso com Terror dos namorados (com del e Le Pera). Em 1974, sucesso com Eu quero Roberto Carlos) e Parei na contra mão (com Ro- apena e O portão (ambas com Erasmo Carlos). berto Carlos), que consagrou a dupla. Em 1965, Em 1974, fez programa especial de Na- estreou na Record, no programa Jovem Guar- tal para a rede Globo, que se repetiu por muitos da ao lado de Roberto Carlos e Wanderléia. A anos. Em 1975, o sucesso veio com Além do ho- música da dupla Quero que vá tudo pro inferno, rizonte, Olha e O quintal do vizinho (ambas com tornou-se o hino do programa e do movimento Erasmo). Em 1976, as vendagens superaram musical. Gravou em 1965, Festa de arromba um milhão de discos, façanha inédita no Brasil. (com Roberto Carlos), gravou novo LP em 1966, Em dezembro, lançou seu álbum com destaque destacando-se a faixa A carta (Raul Sampaio e para Ilegal, imoral ou engorda, Os botões e O Benil Santos). progresso. Em 1977, fez sucesso com Amigo, Em 1967, gravou dois LPs, obtendo su- Cavalgada, Outra vez e Falando sério. As ven- cesso com Vem quente que eu estou fervendo das atingiram 2,2 milhões de cópias. Seu show (Carlos Imperial e Eduardo Araujo) e O tremen- no Canecão atingiu em 1978, 250 mil especta- dão (Marcos Roberto e Dóri Edson), além de O dores em seis meses de apresentação. Nesse caderninho (Alemão) e Caramelo (versão de Ro- ano, seu LP trouxe os sucessos Café da manhã, berto Carlos). Em 1968, fez sucesso com Para Força estranha e Lady Laura. Em 1979, lançou o diabo os conselhos de vocês (Carlos Imperial simultaneamente em espanhol e em português, e Neneo). No mesmo ano, participou com Ro- Desabafo e Meu querido, meu velho, meu ami- berto Carlos do filme Roberto Carlos em ritmo go. Em 80, mais dois grandes êxitos: Amante de aventura e, em 1969, Roberto Carlos e o dia- à moda antiga e A ilha. Em 1980, Emoções e mante cor-de-rosa; em 1970 participou do filme Cama e mesa. Em 1981, lançou seu primeiro A 300 Km por hora. disco em inglês e em francês. Seu LP de final de Em 1970, fez sucesso com Coqueiro ver- ano trouxe Fera ferida e Fim de semana. de e Sentado à beira do caminho (ambas com Em 1983, O côncavo e o convexo e Re- Roberto Carlos). Em 1971, fez sucesso com De cordações e nada mais; seu LP vendeu quase noite na cama (Caetano Veloso). Em 1974, criou dois milhões de cópias antecipadas. Em 1984, a Companhia Paulista de Rock, banda de rock. lançou Caminhoneiro e bateram todos os recor- Em 1990, gravou LP em que se destacaram Sou des brasileiros de execução; mais de três mil ve- uma criança, não entendo nada (com Ghiaroni) zes em um dia. Em 1985, lançou seu 27º álbum e Cachaça mecânica (com Roberto Carlos). em inglês e em espanhol, atingindo o segundo Outros sucessos: Festa de arromba lugar nas paradas latinas. Em 1988, ganhou o (1964- com R. Carlos), Amada amante (com R. Grammy de melhor cantor pop latino-americano. Carlos), Amigo (com R. Carlos), Os brutos tam- Em 1993, lançou o LP Coisa bonita. Com 35 bém amam (com R. Carlos), Cachaça mecânica anos de carreira e mais de 70 milhões de discos (com R. Carlos), Café da manhã (com R. Car- vendidos, tornou-se em 1994, o primeiro artista los), Cavalgada (com R. Carlos), A cigana (com latino-americano a vender mais discos do que R. Carlos), As curvas da estrada de Santos (com os Beattles.3 R. Carlos), Debaixo dos caracóis de seus cabe- Wanderléia, outro grande nome da jovem los (com R. Carlos), Detalhes (com R. Carlos),É guarda, mineira de Governador Valadares, nas- preciso saber viver (com R. Carlos), É proibido

37 Dados extraídos da Enciclopédia da Música Brasileira, da Publifolha, 1998.

34 Akrópolis, Umuarama, v. 19, n. 1, p. 25-39, jan./mar. 2011 O auge da mpb – 1958-1972... fumar( com R. Carlos), Emoções (com R. Car- cessos foram A praça (Carlos Imperial), Jardim los), Eu te darei o céu (com R. Carlos), Fera fe- de infância (Nelson e Fábio Luís), Cavaleiro de rida (com R. Carlos), A festa do bolinha (com R. Aruanda (Tony Osanah) e Tranquei a vida (com Carlos), As flores do jardim de nossa casa (com Tony Osanah). R. Carlos), A garota do baile (com R. Carlos), A época dos festivais que teve o seu Gatinha manhosa (com R. Carlos), A guerra dos auge na década de 60, especialmente com os meninos(com R. Carlos), Jesus Cristo (com R. festivais da Record, que revelaram tantos talen- Carlos), Meu nome é Gal (com R. Carlos), Me- tos da bossa nova, da tropicália, do iê, iê,iê, dos xerico da Candinha (com R. Carlos), Minha fama gêneros tradicionais e tantas obras primas con- de mau(com R. Carlos), Minha senhora (com R. sensualmente reconhecidas, não teve o mesmo Carlos), A montanha (com R. Carlos), Mulher pe- efeito nas décadas posteriores. Acometidos de quena (com Roberto Carlos), Não é papo para surto nostálgico, os diretores da Rede Globo mim (com R. Carlos), Não quero ver você triste realizaram com toda pompa, entre agosto e se- (com R. Carlos), Nossa Senhora (com R. Car- tembro de 2000, mega-evento musical, que dis- los), Parei na contra mão (com R. Carlos), A pes- tribuiu um milhão de reais em prêmios e a opor- caria (com R. Carlos), O portão (com Roberto tunidade de gravar pela Globo Disc e se projetar Carlos), O pulo do gato (com Jorge Bem), Quan- para o primeiro plano do show bizz nacional. do as crianças saírem de férias (com R. Carlos), Doze jurados selecionaram 48 canções dentre Que bobo fui (com R. Carlos), Quero que vá tudo 23834 composições inscritas. Os jurados não para o inferno (com R. Carlos), Se você pensa receberam informações que identificassem a ( com R. Carlos), Sentado à beira do caminho autoria, para evitar fraude. Os arranjos musicais (com R. Carlos), O show já terminou (com R. foram feitos por produtores musicais de renome. Carlos), Sua estupidez (com R. Carlos), Todas A emissora providenciou até as roupas para os as mulheres do mundo (com R. Carlos), Terror participantes. O palco foi o majestoso Credicard dos namorados (com R. Carlos), Vista a roupa Hall, em São Paulo. A Globo preparou uma fes- meu bem (com R. Carlos), Você (com R. Carlos), ta digna da entrega do Oscar. Segundo Sérgio A volta (com R. Carlos) Martins, crítico e resenhista da revista Veja, o re- Outros nomes de destaque do movimen- sultado das músicas classificadas foi uma série to jovem guarda, em sua fase mais gloriosa, fo- de idiotices. ram: Jerry Adriani (1947), cujos maiores suces- sos gravou entre 1964 e 1974. Nesse período de O abacate, que apela para o duplo sentido dez anos, fez muito sucesso, gravando cerca de sem dizer nada. ...Tubaína que fala da vida um LP por ano, totalizando quase 200 canções. marginal nas grandes cidades, rimando “sina” e “latrina’. ...Rap da real, que defende Seus principais sucessos desse período foram as prostitutas, os negros, os feios e os gor- versões como: Querida, Um grande amor, Nin- dos e ataca o sistema... Para de falá e faz. guém poderá julgar-me, Quem não quer, Deve Pouparemos ao leitor a letra dessa cretinice. existir por aí. Em 1972, gravou Doce, doce amor (Martins, Veja, n.34, ag. 2000, p.148). (Raul Seixas e Mauro Mota). Lançou versões em português de sucessos de Elvis Presley. O que ocorreu a partir da década de 70, Wanderley Cardoso, nascido em 1945 no mundo e no Brasil, foi que os festivais pop de em São Paulo, gravou seu primeiro disco em música estavam superados. A indústria do som 1964, obtendo sucesso com Preste atenção desde 1965 estava estimulada pelos concertos (versão). Fez sucesso também com Abraça-me de rock ao ar livre. forte (versão–1965), O bom rapaz (Geraldo Nu- nes Moreira – 1965). Em 1968, gravou Doce de [...] em 1967 no Monte Tamalpis, próximo a coco, sua primeira composição. São Francisco, em 1968 em Newport e em Ronnie Von, natural de Niterói RJ, nas- 1969-1970 em Monterrey, ilha Wight e Woo- cido em 1947, teve boa formação musical e foi dstock.... em fevereiro de 1973, em Londrina, no Estado do Paraná, a realização de uma outro nome que fez sucesso no movimento da das primeiras imitações brasileiras dos con- Jovem Guarda. Começou gravando músicas certos de rock ao ar livre norte-americanos dos Beatles e se projetou a partir de 1968, apre- – em um clube de campo situado em Cambé, sentando o programa de TV, na Record, O Pe- um quilômetro fora da cidade” (Tinhorão, queno Mundo de Ronnie Von. Seus maiores su- 1999, p.339).

Akrópolis, Umuarama, v. 19, n. 1, p. 25-39, jan./mar. 2011 35 BARRADAS, F. C.

Com a terceira revolução industrial a in- Nara Leão, a propósito das gravações, dústria do som direcionou seus investimentos posteriormente afirmou: para a área do instrumento musical eletrônico, que foi cotado por toneladas de potência. [...] chega de cantar para dois ou três inte- O versão número um, rea- lectuais uma musiquinha de apartamento. lizado em 1985, tinha um equipamento de som Quero o samba puro, que tem muito mais a capaz de alcançar com sua potência, uma área dizer, que é a expressão do povo e não uma coisa feita de um grupinho para outro grupi- de duzentos e cinqüenta mil metros quadrados. nho (COSTA, 2000, p.107). Segundo notícia do jornal O Estado de São Paulo, “esse Rock in Rio, teria 100 tonela- Discutiu-se naquela época em que ainda das de equipamento, capazes de gerar 70 mil sobrevivia muito do espírito nacionalista, a as- Watts de som” (JORNAL Estado de São similação da música norte americana, especial- Paulo, 14 out., 1984, pp.8- 9). mente de parte da bossa nova que incorporou o Conclui-se que o talento de composito- jazz, sem deixar vestígio do batuque e da per- res e intérpretes contaria menos que a parafer- cussão do samba tradicional. nália de toneladas de equipamentos de som e A esse respeito, Carlos Lira fez um sam- canhões de luz, capazes de enlouquecer a pla- ba, em 1957, em que, citando nominalmente o téia em espetáculos de muito brilho tecnológico, bolero, o jazz, o rock e a balada, criticou sua in- ruindade estrepitosa e ausência de arte. fluência na música brasileira. Essa composição Embora a jovem guarda consagrasse um é intitulada Criticando. Em 1961, renovou sua numeroso grupo de artistas, esta entrou em de- preocupação com Influência do jazz. As discus- clínio como metagênero do rock, que se renovou sões acerca da desnacionalização de gêneros através do brock, estilo heavy metal, capacitado musicais levou Tinhorão a publicar em 1966 o tecnologicamente a fazer muito mais barulho. livro, Música popular, um tema em debate, no Roberto Carlos, sustentado na época da Jovem qual critica principalmente o pessoal da bossa Guarda pelo entusiasmo de milhões de adoles- nova que, segundo o autor, rompeu com a tradi- centes, que fizeram dele o seu ídolo, ainda con- ção e enveredou pelo caminho do jazz. tinua cantando e agradando com suas baladas Como na década de 60 o Brasil era bas- românticas a um público mais conservador. Os tante politizado e a classe média não abdicava à outros artistas não resistiram ao declínio do iê, cultura popular, em 1964, fez enorme sucesso o iê, iê. show Opinião, encenado no Rio de Janeiro, em que Nara Leão da classe média carioca se apre- OUTROS GÊNEROS DO PERÍODO sentou cantando ao lado do nordestino João do Vale e do sambista de raiz Zé Keti. Outros sho- No setor do samba ocorreu um movimen- ws dessas características como Rosa de Ouro, to de revalorização do gênero, especialmente permitiram o aparecimento de uma geração de com a realização de shows no restaurante Zicar- compositores ligados a escolas de samba e que tola, aberto em 1964, que tinha a presença cons- tiveram um reconhecimento tardio, especialmen- tante dos melhores representantes do samba do te Cartola e Nelson Cavaquinho. morro. Como a bossa nova não conseguiu apro- Desse ressurgimento afloraram os no- ximação com o povo, alguns elementos do mo- mes de Paulinho da Viola, Elton Medeiros e vimento se inquietaram e tentaram trazer para , além de Zé Keti, de geração anterior dentro dos espetáculos de bossa elementos do a estes. Martinho da Vila emergiu nessa onda. samba tradicional. Carlos Lira, e outros do gê- (1902-1987), descoberta nero, procuraram lançar Cartola e Nelson Cava- por Hermínio Belo de Carvalho, compositor e quinho, representantes oficiais do samba tradi- produtor musical, acabou gravando seu primei- cional, junto à classe média da zona sul carioca. ro disco em 1965, quando completou 63, anos Nara Leão convidou Cartola, Zé Keti e Nelson e sua carreira deslanchou gravando e fazendo Cavaquinho para virem ao seu apartamento na shows até o fim da vida, com 85 anos. Beth Car- Atlântica. Nara Leão acabou gravando Diz que valho, Elza Soares e foram canto- fui por aí, de Zé Keti, O sol nascerá, de Cartola e ras que se revelaram nessa fase. Elton Medeiros e Luz negra, de Nelson Cavaqui- Ainda a respeito do samba, surgiu um nho – incluídos no seu primeiro LP. novo tipo de composição, conhecida como sam-

36 Akrópolis, Umuarama, v. 19, n. 1, p. 25-39, jan./mar. 2011 O auge da mpb – 1958-1972... balanço ou samba moderno, segundo Severiano bem mais diversificada. Produz-se música para & Mello, 1998: “- um meio termo entre a bossa crianças, adolescentes, pré-adolescentes, gays, nova e o tradicional -, cultivada por cantores e lésbicas, suburbanos (sertanejo), além da tecno compositores como Miltinho ( de música computadorizada, executada pelos DJs. Almeida) Dóris Monteiro, Luís Bandeira, Luís Avança se no ritmo ditado pela indústria da di- Reis...” (SEVERIANO & MELLO, 1998, p.16). versão. O samba de carnaval desapareceu na década de 1960, e deu lugar ao samba-enredo REFERÊNCIAS das escolas de samba. A canção sentimental popularesca, dirigida às classes sociais mais ANDRADE, M. Aspectos da música brasileira. baixas, mas que agradava também às de maior Belo Horizonte: Vila Rica,1991. poder aquisitivo, se desenvolveu bastante nesse período. O gênero existe em nossa música des- ______. Dicionário musical brasileiro. Belo de as cançonetas trágicas de Vicente Celestino, Horizonte: Itatiaia, 1999. nosso primeiro cantor de projeção nacional. Na década de 50, com o samba-canção abolerado, BLANCO, B. Tirando de letra e música/Billy o gênero banal, repetitivo, cheio de clichês lite- Blanco. Rio de Janeiro: Record, 1996. rários, sem criatividade, fez sucesso e, até hoje, com Reginaldo Rossi. BOSSA nova, a História do movimento musi- O período denominado Era dos Festivais, cal que mudou a PB. Folha de São Paulo, São teve como representantes do gênero, cantores Paulo: Publifolha, 1998, 15 p. Edição Especial. de alto nível como Nelson Gonçalves, Angela Maria e Cauby Peixoto, outros excessivamente BRITO. B. R. Bossa nova. In: ______. Balanço intencionais na caracterização do brega como da bossa. São Paulo: Perspectiva, 1993. Valdick Soriano, Sidney Magal, Evaldo Braga, Nelson Ned, o sertanejo simplório Teixeirinha CABRAL, S. Antonio Carlos Jobim, uma bio- (Vitor Mateus Teixeira). Nesse período outros grafia. Rio de Janeiro: Relume Dumará, 1997. grandes cantores românticos foram Altemar Du- tra, além de Anísio Silva, Orlando Dias. Compo- CAETANO, explica o tropicalismo. Jornal do sitores do gênero sentimental, muito bem suce- Brasil. Rio de Janeiro, p. E 5. didos nessa fase foram Adelino Moreira, Evaldo Gouveia e Jair Amorim. CALADO, C. A divina comédia dos Mutantes. Mantiveram prestígio nesse período, 2. ed. São Paulo: Ed. 34, 1996. cantores de épocas anteriores como Elizeth Car- doso, Jamelão, Roberto Silva, Dalva de Oliveira ______. Tropicália, a história de uma revolu- e Dorival Caymmi. ção musical. São Paulo: Ed. 34, 1997.

CONSIDERAÇÕES FINAIS CALDAS, W. Iniciação à música popular bra- sileira. 2. ed. São Paulo: Ática, 1989. Até os anos cinquenta, produzia-se no Brasil, principalmente música popular para adul- CAMPOS, A. (Org.). Balanço da bossa e outras tos. Pode-se situar nos anos 30/40 algumas bossas. 5. ed. São Paulo: Perspectiva, 1993. canções natalinas, juninas e poucas canções in- fantis. Essas obras diferenciadas, de autoria de CASTRO, R. Chega de saudade: a história e as Assis Valente, Lamartine Babo e João de Barro histórias da bossa nova. 2. ed. São Paulo: Com- diversificavam um pouco do cancioneiro, daquilo panhia das Letras, 1990. que se produzia então: serestas, valsas, chori- nho, machiches, frevos, samba tradicional e de CAZES, H. , do quintal ao municipal. carnaval, cuja audição popular se completava São Paulo: Ed. 34, 1998. com gêneros de importação. A era dos festivais, representada principalmente pela bossa nova, CYNTRÃO, S. H. (Org.). A forma da festa, tro- tropicália e jovem guarda, (iê-iê-iê), vai continuar picalismo: a explosão e seus estilhaços. Brasí- produzindo bons frutos. A audição musical hoje é lia: UNBrasilia, 2000.

Akrópolis, Umuarama, v. 19, n. 1, p. 25-39, jan./mar. 2011 37 BARRADAS, F. C.

DICIONÁRIO Grove de música. Rio de Janeiro: ______. Brasa Mora, é uma. Revista Colóquio, Zahar, 1994. n.19, p. 4-24, 2000.

DREYFUS, D. O violão vadio de Baden Po- RENNÓ, C. (Org.). Gilberto Gil, todas as le- well. São Paulo: Ed. 34, 1999. tras. São Paulo: Companhia das Letras, 1996.

ENCICLOPÉDIA, música brasileira. 2. ed. São Paulo: Publifolha, 1998. SANCHES, P. A. As sete vidas de Lobão. Folha de São Paulo, São Paulo, Ilustrada, c. 4, p.1, 3 EU VI um menino correndo, eu vi o tempo. São nov. 1999. Paulo: Abril Cultural, 1982. (Coleção História da MPB). ______. Tropicalismo, decadência bonita do samba. São Paulo: Bomtempo, 2000. FARO, F.; BOTEZELLI, J. C.; PELÃO, A. P. (Org.). A música brasileira deste século por SCHUKER, R. Vocabulário de música pop. seus autores e intérpretes. São Paulo: Sesc, São Paulo: Hedra, 1999. 2000. v.1. SEVERIANO, J.; MELLO, Z. H. de. A canção no ______. A música brasileira deste século por tempo, 85 anos de músicas brasileiras. 2. ed. seus autores e intérpretes. São Paulo: Sesc, São Paulo: Ed. 34, 1998. 2. v. 2000. v. 2. ______. A canção no tempo: 85 anos de mú- GALVÃO, L. Novos e baianos, anos 70. São sica brasileira (1958-1985). São Paulo: Ed. 34, Paulo: Ed. 34, 1997. 1998. v. 2.

GARCIA, W. Bim bom, a contradição sem SILVA, W. Vou te contar: histórias da música po- conflitos de João Gilberto. São Paulo: Paz e pular brasileira. 2. ed. São Paulo: Códex, 2002. Terra, 1999. VELOSO, C. Verdade tropical. São Paulo: GIL, G. Todas as letras. São Paulo: Companhia Companhia das Letras, 1997. das Letras, 1996. VIANNA JÚNIOR, H. O mistério do samba. 3. HOLLANDA, C. B. de. Chico Buarque: letra ed. Rio de Janeiro: UFRJ, 1995. e música. São Paulo: Companhia das Letras, 1989. EL AUGE DE LA MPB – 1958-1972

MEDAGLIA, J. Balanço da bossa nova. In: CAM- Re s u m e n : Los años sesenta marcan el auge de la POS, A. Balanço da bossa e outras bossas. 5. MPB. Nuestros mayores cancionistas populares es- ed. São Paulo: Perspectiva, 1993. tán situados en este periodo como Tom Jobim, Chico Buarque, Vinícius de Moraes, João Gilberto, entre otros. También están en este periodo, denominado MELLO, Z. H. de. A era dos festivais: uma pa- Era de los Festivales, notables instrumentistas, arre- rábola. São Paulo: Ed. 34, 2003. glistas, cantantes, compositores que se proyectaron mundialmente. Roberto Carlos, con el movimiento MOTA, N. Noites tropicais, solos, improvisos Joven Guarda, tuvo la primacía de ser el primero a e memórias musicais. Rio de Janeiro: Objetiva, producir música para la juventud. La Tropicália reveló 2000. cancionistas competentes tanto para componer como para cantar, casos de Gilberto Gil y Caetano Veloso. PAZ, E. Jacob do Bandolin. Rio de Janeiro: Fu- En medio de la renovación más virtuosa del cancio- narte, 1997. nero popular de Brasil, el nacional y el extranjero se funden para dar origen al rock brazuca, el soul, el bre- ga romántico, la samba balanceo, en contraste con la PUGIALLI, R. No embalo da jovem guarda. tradición. Géneros musicales de raíz como la samba São Paulo: Ampersand, 2000. tradicional, el baião y chorinho refluyeron en los años sesenta. Difícil explicar hasta mismo a los expertos,

38 Akrópolis, Umuarama, v. 19, n. 1, p. 25-39, jan./mar. 2011 O auge da mpb – 1958-1972... una renovación tan virtuosa y célere. Así, en este estudio se investiga este periodo como contribución académica, a los raros estudios en el área. Pa l a b r a s c l a v e : Música Popular Brasileña; Festivales de la MPB; Tropicália; Joven Guarda.

Akrópolis, Umuarama, v. 19, n. 1, p. 25-39, jan./mar. 2011 39 BARRADAS, F. C.

ISSN 1517-6304

t Publica trabalhos referentes às áreas de Ciências Contábeis, Administração e Economia.

t Periodicidade: Semestral

t e-mail: [email protected] http://revistas.unipar.br/empresarial

O conhecimento não é nada se não for compartilhado

40 Akrópolis, Umuarama, v. 19, n. 1, p. 25-39, jan./mar. 2011