CAJETANO VERA

LARVAS DE ARAMANDAY GUASU Rhynchophorus palmarum Linnaeus, 1958 (COLEOPTERA: CURCULIONIDAE) COMO ALIMENTO TRADICIONAL ENTRE OS GUARANI ÑANDÉVA, NA ALDEIA PIRAJUÍ, MUNICÍPIO DE PARANHOS, DO SUL: UMA VISÃO DE SEGURANÇA ALIMENTAR E SUSTENTABILIDADE SOCIAL

CAMPO GRANDE - MS 2011 CAJETANO VERA

LARVAS DE ARAMANDAY GUASU Rhynchophorus palmarum Linnaeus, 1958 (COLEOPTERA: CURCULIONIDAE) COMO ALIMENTO TRADICIONAL ENTRE OS GUARANI ÑANDÉVA, NA ALDEIA PIRAJUÍ, MUNICÍPIO DE PARANHOS, : UMA VISÃO DE SEGURANÇA ALIMENTAR E SUSTENTABILIDADE SOCIAL

Dissertação apresentada ao Programa de Pós-Graduação em Desenvolvimento Local Mestrado Acadêmico, como requisito para obter o título de mestre, sob a orientação do Prof: Dr. Antonio Jacó Brand e co- orientação da Profª Dra. Marney Cereda.

CAMPO GRANDE - MS 2011

FOLHA DE APROVAÇÃO

Título: Larvas de Aramanday Guasu Rhynchophorus palmarum Linnaeus, 1958 (coleoptera: curculionidae) como alimento tradicional entre os Guarani Ñandéva, na Aldeia Pirajuí, município de Paranhos, Mato Grosso do Sul: uma visão de segurança alimentar e sustentabilidade social

Área de concentração: Desenvolvimento local em contexto de territorialidade

Linha de Pesquisa: Desenvolvimento, cultura, identidade, diversidade

Dissertação submetida à Comissão Examinadora designada pelo Colegiado do Programa de Pós-Graduação em Desenvolvimento Local - Mestrado Acadêmico da Universidade Católica Dom Bosco, como requisito final para a obtenção do título de Mestre em Desenvolvimento Local.

Dissertação aprovada em: 22 / 02 / 2012.

BANCA EXAMINADORA

SUMÁRIO

INTRODUÇÃO ...... 05

1 OS GUARANI ...... 10 1.1 O POVO GUARANI ...... 10 1.2 ORGANIZAÇÃO SOCIAL DO POVO GUARANI ...... 15 1.3 OS CONHECIMENTOS DOS INDÍGENAS SOBRE OS INSETOS ...... 17 1.4 RESTRIÇÕES À ENTOMOFAGIA ...... 17 1.5 O CONHECIMENTO DOS GUARANI SOBRE OS INSETOS ...... 20 1.6 O PRESSUPOSTO SUSTENTABILIDADE ...... 23 1.7 DESENVOLVIMENTO LOCAL NA PERSPECTIVA INDÍGENA ...... 26 1.8 SEGURANÇA ALIMENTAR NA VISÃO DOS INDÍGENAS GUARANI...... 30 1.9 O ALIMENTO NA ALDEIA PIRAJUÍ ...... 35

2 OS INSETOS NA ALIMENTAÇÃO HUMANA ...... 36 2.1 A ALIMENTAÇÃO HUMANA ...... 36 2.2 OS INSETOS DA ORDEM COLEOPTERA ...... 43 2.3 AS CARACTERÍSTICAS DAS LARVAS COMESTÍVEIS NA COMUNIDADE DE PIRAJUÍ ...... 45 2.4 OS INSETOS COMO ALIMENTOS ...... 47

3 MATERIAL E MÉTODOS ...... 53 3.1 ASPECTOS METODOLÓGICOS ...... 53 3.2 ÁREA DE ESTUDO: ÁREA INDÍGENA PIRAJUÍ ...... 55

3.3 AS COLETAS DE INFORMAÇÕES E MATERIAS PARA A PESQUISA ...... 58 3.3.1 As coletas de informações e de material, análises biológicas e físico- químicas das larvas ...... 58 3.3.2 Primeira fase da pesquisa ...... 59 3.3.3 Descrições dos substratos ou Mbukuvy ...... 61 3.3.4 Avaliação da quantidade de larvas disponíveis e coleta ...... 65 3.3.5 Mensurações ...... 66 3.3.6 Análises ...... 66 3.4 AVALIAÇÃO DE SUBSTRATOS ALTERNATIVOS AO FUSTE DAS PALMEIRAS, COMO BASE PARA CRIAÇÃO EM CATIVEIRO ...... 67

4 RESULTADOS E DISCUSSÕES PARTE I ...... 68 4.1 INSETOS NA ALIMENTAÇÃO INDÍGENA SOB A VISÃO DA SEGURANÇA ALIMENTAR E NUTRICIONAL ...... 68 4.1.1 Avaliação da disponibilidade das larvas de Aramanday guasu para alimentação nas condições naturais do ambiente da aldeia Pirajuí ...... 69 4.1.2 Quantificação de larvas de besouros ...... 71 4.1.3 Caracterização das larvas de Aramanday guasu ...... 73 4.1.4 Composição centesimal das larvas de Aramanday guasu ...... 73 4.1.5 Confirmação do ciclo biológico em campo e laboratório usando o estipe de palmeira ...... 79 4.1.6 Avaliação de substratos alternativos ao fuste das palmeiras Acrocomio aculeata (Larc) Lood. Mart (1856), como base para criação em cativeiro .. 81 4.2 CONSIDERAÇÕES FINAIS ...... 82

5 RESULTADOS E DISCUSSÃO PARTE II ...... 86 5.1 TRANSMISSÃO DE CONHECIMENTO ENTRE OS AVA GUARANI DE PIRAJUÍ ...... 86 5.2 OS SABERES DOS GUARANI SOBRE OS INSETOS NA COMUNIDADE DE PIRAJUÍ ...... 93 5.2.1 Os insetos Añay Rymba ...... 98 5.2.2 Os insetos Tupã Guasu Rymba ...... 98

5.3 USO DE LARVAS DE ARAMANDAY GUASU NA COMUNIDADE DE PIRAJUÍ ...... 106 5.3.1 As coletas de larvas de Aramanday ...... 106 5.4 A MULHER É RESPONSÁVEL PARA COZINHAR ...... 108 5.4.1 O Guarani de Pirajuí reconhece o perigo de consumir como alimento as larvas de Aramanday ...... 108 5.5 CLASSIFICAÇÃO DOS INSETOS NA COSMOVISÃO DOS GUARANI DE PIRAJUÍ ...... 110 5.5.1 Mymba’i não comestível ...... 111 5.5.2 Mymba’i da classe comestível ...... 112 5.6 CARACTERÍSTICAS BIOLÓGICAS DO MBUKU GUASU NA VISÃO DOS GUARANI DE PIRAJUÍ ...... 117 5.6.1 Aramanday Guasu Coleoptera comestível ...... 117 5.6.2 Caracterização das larvas de Aramanday guasu ...... 118 5.7 A ESCOLHA DE LARVAS DE ARAMANDAY COMO ALIMENTO NA COSMOLOGIA DOS GUARANI DE PIRAJUÍ ...... 119 5.7.1 Restrições Alimentícias na comunidade Pirajuí-MS ...... 120 5.8 O FUTURO DO USO DE LARVAS DE ARAMANDAY NA VISÃO DO GUARANI DE PIRAJUÍ ...... 124

CONSIDERAÇÕES FINAIS ...... 130

REFERÊNCIAS ...... 134

INTRODUÇÃO

É de conhecimento geral que as populações indígenas no Brasil são numerosas, com cerca de 225 etnias e 180 línguas faladas em várias regiões do País. Segundo a Fundação Nacional do Índio (FUNAI) e o Instituto Brasileiro Geográfico e Estatístico (IBGE), 817 mil pessoas se declararam indígenas (IBGE, 2010). A maior parcela desta população encontra-se no estado da Amazônia, que possui a maior população indígena no país. O estado de Mato Grosso do Sul situa-se em segundo lugar em concentração de populações indígenas no Brasil. Segundo o Estudo de População Indígena do Estado de Mato Grosso do Sul, são dez as etnias que habitam este estado: , (Xiquitano), Guarani (Ñandéva e Kaiowá), Guató, Kadiwéu, Kamba, Kinikinauwa, Ofaié e Terena (NEPPI, 2008). Para Biffi (2002), estes povos apresentam uma grande riqueza e diversidade cultural. Dentre as etnias citadas, pelos menos três se destacam em números de populações: Guarani Ñandéva, Guarani Kaiowá e Terena. A população guarani (Ñandéva e Kaiowá) compõe-se de aproximadamente 46 mil pessoas, já a etnia terena compreende cerca de 30 mil pessoas (FUNAI, 2010). Essas populações já existiam no Mato Grosso do Sul muito antes do movimento da colonização chegar e também muito antes da divisão do estado de Mato Grosso, que ocorreu em 1977. As populações indígenas, em sua cultura, dependiam diretamente da natureza para o seu desenvolvimento. Segundo Brand (1997), as populações indígenas do Mato Grosso do Sul possuíam um território amplo para sua subsistência, para caçar, pescar, plantar e para coleta de fruta. Segundo Melià (2008), os indígenas Guarani são conhecidos como ka’aguygua1, que significa “o homem do mato”. Esses adjetivos foram atribuídos aos Guarani, pois estes eram caçadores natos. Nesse ambiente, eles encontravam o sustento, principalmente os alimentos.

1 Significa homem da selva. Cajetano Vera 6

As populações dos Guarani são mais numerosas no estado do Mato Grosso do Sul e possuem culturas diferentes dos ocidentais em temas como: cosmovisão, sustentabilidade, hábito alimentar e desenvolvimento sociocultural. Na cultura guarani, será destacada a cultura alimentar2, alimentar-se de larvas de Aramanday guasu (Rhynchophorus palmarum (LINNAEUS, 1958)), sendo este o foco da presente pesquisa. Os Guarani Ñandéva culturalmente utilizavam e ainda utilizam as larvas de besouros (Mbuku guasu) como alimento (Entomofagia). A Dissertação de Mestrado em Desenvolvimento Local descreveu o hábito, a alimentação cultural e a cosmovisão sobre larvas de besouros, na comunidade indígena Guarani Ñandéva de Pirajuí, no Município de Paranhos. A realização da pesquisa se deu em duas vertentes. A análise do consumo de alimentos sob a ótica da Segurança Alimentar, que constou da disponibilidade e qualidade das larvas como alimento. Além da revisão bibliográfica, levantamentos em campo, com montagem de substratos que na língua guarani ñandéva foi chamado de Mbukuvy. Para Mbukuvy foram realizados cortes e aberturas nos troncos de palmeiras de espécie Acrocomio aculeata, na língua guarani conhecida como Mbokaja, para atrair os besouros para capturá-los e também as coletas das larvas. Foi feita análise bromatológica e potencialidade de criação de insetos em outras matérias-primas. A segunda vertente estabeleceu o conhecimento guarani sobre a coleta e uso das larvas com informações obtidas por meio de entrevistas abertas e semiestruturadas junto aos moradores de mais idade, professores e outros moradores da aldeia. Os resultados comprovaram que as larvas que são utilizadas pelos indígenas na aldeia Pirajuí-MS pertencem ao grupo de insetos cientificamente denominados Coleoptera. Segundo Ruppert e Barnes (1996), já são conhecidas e descritas mais de 1,5 milhões de espécies de insetos. É o maior grupo de animais na face da terra. Segundo Morris (2008) e Ramos-Elorduy (2009), cerca de 1.781 espécies de insetos comestíveis já foram registradas e vêm sendo utilizadas por 3.041 grupos étnicos, distribuídos em mais de 120 países, sendo a maioria destes insetos comestíveis pertencente ao grupo dos coleópteros, com 468 espécies já identificadas, sendo a segunda classificada a classe Hymenoptera, com 351 espécies (RAMOS-ELORDUY, 2000, p. 3-46 apud COSTA NETO, 2003). Segundo Ramos-Elorduy (2011), no México já foram descritas mais de 549 espécies de insetos comestíveis.

2 É o empoderamento cultural e de identidade de cada povo (V CONFERÊNCIA NACIONAL E NUTRICIONAL, 2008, p. 167). Cultura alimentar. No conceito de Antropologia: é um sistema simbólico. Braga, V. Cultura Alimentar: contribuição da Antropologia da alimentação. Saúde em Revista, Piracicaba, n. 6, v. 13, p. 37-44, 2004. Cajetano Vera Cajetano Vera 7

O consumo de larvas de besouros ou utilização de insetos e derivados na alimentação humana foi denominado Antropoentomofagia (COSTA NETO, 2011; RAMOS - ELORDUY, 2011). A entomofagia é registrada entre as etnias indígenas no Brasil, o que demonstra que vários povos utilizavam insetos como alimento matava sua fome e superavam até mesmo as doenças (POSEY, 2004). O levantamento da bibliografia foi necessário para a fundamentação teórica da dissertação. A primeira fase3 ocorreu no segundo semestre de 2010, com as montagens dos substratos ou Mbukuvy para capturar os besouros adultos (Aramanday guasu) e larvas (Mbuku guasu), como forma de estabelecer a disponibilidade e obter larvas que foram coletadas para caracterização (número e dimensões) e bromatologia. Os besouros e outros insetos foram usados para identificação taxonômica. A pesquisa laboratorial ocorreu entre os meses de novembro e dezembro de 2010 e janeiro de 2011. Neste período, ocorreu também o acompanhamento do desenvolvimento das larvas de besouros em outros materiais, em atividades realizadas nos laboratórios do Centro de Tecnologia e Análise do Agronegócio (CETEAGRO) da Universidade Católica Dom Bosco. A segunda fase4 ocorreu no primeiro semestre de 2011. Neste período, foram realizadas as entrevistas livres e semiestruturadas. O pesquisador é da comunidade e professor de Idioma Guarani Ñandéva desde 1989. Foram realizadas 21 horas e 12 minutos de entrevistas, entre os meses de janeiro a junho de 2011, gravadas na língua guarani do dialeto ñandéva. As entrevistas foram transcritas e digitadas pelo pesquisador. A dissertação está dividida em cinco capítulos. No capítulo primeiro, foi abordado o tema do povo guarani de forma mais geral, incluindo sua cultura, conhecimentos sobre os insetos, desenvolvimento local na perspectiva indígena e visão geral sobre segurança alimentar. No segundo capítulo foi abordado o tema dos insetos na alimentação humana, a ordem de insetos mais descrita pelos pesquisadores, às características das larvas, o conceito de alimento, valor nutricional, segurança alimentar e alimento seguro. No terceiro capítulo descreve-se o Material e Método utilizado na Dissertação: área de estudo, os substratos (mbukuvy) e as coletas realizadas, as análises laboratoriais, o

3 Detalhe no Capítulo 4. 4 Detalhe no Capítulo 5. Cajetano Vera Cajetano Vera 8

acompanhamento de desenvolvimento de larvas de besouros (Aramanday guasu e Aramanday mirim) no laboratório da UCDB. No quarto capítulo, analisam-se os resultados de obtenção de insetos e larvas sob a visão de segurança alimentar e alimento seguro, de forma a esclarecer a disponibilidade, quantidade e qualidade nutricional de alimento seguro. No quinto capítulo, foram abordados os seguintes temas: visão geral do Guarani local sobre os insetos, transmissão do conhecimento, os saberes dos insetos utilizados pela comunidade local, a visão geral e classificação dos insetos e o significado do uso de larvas de besouros para os Guarani de Pirajuí. Existem poucas pesquisas sobre o uso de insetos como alimentos entre os Guarani do Brasil e seus relacionamentos com os insetos. Por esse motivo, a pesquisa se propõe a estabelecer as bases dessa utilização, como a qualidade e formas de consumo, baseados nos conhecimentos do povo guarani de Pirajuí. Apresenta como justificativa, além da importância nutritiva, a importância ecológica e a complementação da dieta com o consumo de insetos, em razão de ser um hábito alimentar bem estabelecido e parte da cultura do povo guarani daquela comunidade. O problema da fome mundial foi mitigado com as tecnologias agrícolas em varias regiões do globo, mas o fato não afastou a fome causada pela má distribuição das colheitas e pelos hábitos alimentares. Eis as razões pelas quais há parcela da sociedade que não tem o que comer. Segundo a Organização das Nações Unidas, milhares de pessoas não têm acesso ao alimento (ONU, 2010). Por isso, a ONU, em 1990, propôs à Organização Mundial para Agricultura (FAO), para que diminuísse em escala mundial o uso de inseticidas em países onde existe o hábito de consumo alimentar à base de insetos. Segundo Somnasong 1998 (apud COSTA NETO, 2003) e Morris (2008), o consumo de insetos é antigo: já nos tempos bíblicos, o João Batista “comia gafanhotos e mel silvestre”. Ainda para Costa Neto (2003), o estudo para entender a sociedade entomofágica é recente, mas, já existem vários autores trabalhando nesse campo. A pesquisa está presente em vários países, tais como China (LONG; YING, 2010), Tailândia, Tanzânia, dentre os aborígenes da Austrália (YEN, 2010), Indonésia (HAMANDEY; MASTRIGT, 2010), Japão (NONAKA, 2010), Siri Lanka (ANDASENA; DISANAYAKE; WEERATUNGA, 2010). Aqui nas Américas, o uso de insetos como alimento está presente entre os nativos da Colômbia (CRISTANCHO-SÁNCHEZ; BARRAGÁN-FONSECA, 2011; GUTIÉRRE, 2011; MORA, 2011), entre os nativos do Brasil (SCHADEN, 1976; COIMBRA JÚNIOR, 1983; COSTA NETO, 2004; RODRIGUES,

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2005; COSTA NETO; RAMOS-ELORDUY, 2006; BAVILLIÁN, 2008; MENDES DOS SANTOS, 2011), no Paraguai (MELIÀ et al., 2002), na América do Norte, no México (RAMOS-ELORDUY, 1997; COSTA NETO et al., 2003; KATZ, 2009; MÉNDEZ et al., 2011; RAYAS, 2011; ARZATE, G. A., HERNANDÉZ et al., 2010; RAMOS-ELORDUY; PINO, 2011) e na Argentina (BADIE, 2005).

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1 OS GUARANI

1.1 O POVO GUARANI

Os Guarani, que historicamente também eram denominados Carijó, habitavam a costa atlântica, desde a Barra da Cananéia até o Rio Grande do Sul, a partir daí até os rios Paraná e Paraguai (LITAIFF, 2009). Para Melià et al. (2002), os Guarani habitam no litoral sul e sudeste brasileiro, encontrando atualmente uma grande concentração de Mbya e de Chiripa habitando o território onde viveram seus ancestrais Carijo, até seu desaparecimento no século XVII. Estes lugares são importantes pontos de referência histórica e mitológica, uma vez que eles ainda conservam seus nomes guarani, topônimos que se referem à cosmologia e à descrição geográfica, marcando sua territorialidade. Segundo Raffestin (1993), o território é o poder sobre o espaço produzido pela prática social, construído e vivido no dia a dia. Portanto, o povo guarani vive neste território muito antes do descobrimento. Para Melià et al. (2008), a língua do povo guarani é uma das línguas indígenas mais faladas em todo o continente Sul Americano. Só no Paraguai, segundo os dados do censo nacional do Paraguay, de 2002, 60% da população, cerca de três milhões de pessoas, têm o Guarani como sua língua principal. A língua guarani pertence ao tronco linguístico Tupi- Guarani, onde se ramificam outras 21 línguas. Segundo Carlisle (1976), Corvalan (1981) e Melià (1995), a Nação Guarani, desde o início da colonização, vem sendo considerada um povo bilíngue e vive no bilinguismo. Portanto, o Guarani domina mais de uma língua. De acordo com Ramos Dari (2007) e Litaiff (2009), a população indígena é objeto de pesquisa desde o período colonial e os autores afirmam que a cultura guarani vem sofrendo processo de redução e descaracterização cultural e está sendo dizimada, condenada para não se desenvolver. Existe variada bibliografia a esse respeito. No entanto, a mudança no estilo de vida das populações indígenas decorrentes do contato intenso com a sociedade nacional tem 11

provocado profundas transformações em seu aspecto cultural, trazendo consigo o empobrecimento de seus costumes, inclusive nos hábitos alimentares. Segundo Benites (2009) e João (2011), estes nativos teriam migrado da região Amazônica, por meio de um processo tradicional de ocupação do território, passando assim a ocupar as áreas entre os rios Paraguai e Paraná, as margens do Rio Uruguai até a embocadura do rio da Prata. Os dados descritos pelo jesuíta Montoya, dentre outros cronistas quinhentistas e seiscentistas, são muito relevantes para se compreender a forma de relação mantida entre grupos guarani e os povos europeus, colonizadores do território, sobretudo nas reduções em que se encontravam o povo guarani. Além disso, esses cronistas demonstram claramente a complexidade do universo da organização social, política e religiosa desses indígenas. Para Rodrigues (1993), Melià (2002) e Litaiff (2009), atualmente existem quatro Nações Guarani na América do Sul: Guarani Chiriguano na Bolívia, Guarani Kaiowá no Brasil é nominada Paĩ Tavyterã no Paraguai, Chiripa ou Ñandéva e Mbyá. Os Guarani Ñandéva, Kaiowá e Guarani Mbya estão distribuídos no Centro Oeste, Sul e Sudeste do Brasil. O Censo Demográfico realizado em 2010 no Brasil encontrou 817 mil pessoas que se declararam indígenas, o que representa 0,42% do total da população brasileira, segundo dados divulgados pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE, 2010). Segundo a Fundação Nacional do Índio (FUNAI, 2010), no Brasil existem 225 etnias e 180 línguas diferentes. Os Guarani eram conhecidos como povos da mata e formavam as suas aldeias em torno das margens dos rios e córregos, agrupados em pequenos núcleos populacionais, cada qual liderado pelos homens mais velhos de cada família, integradas através de alianças matrimoniais. Retiravam da natureza os alimentos que precisavam. Viviam da caça, pesca, coleta e agricultura familiar; formada por pequenas roças de milho, mandioca, batata, com conhecimento cosmológico diferente do povo ocidental (SCHADEN, 1974). Entre 1915 e 1928, o Serviço de Proteção ao Índio demarcou oito áreas em vários municípios do estado a fim de colocar os indígenas. Umas delas é a aldeia Indígena de Pirajuí. Em 1949, no período do governo Getúlio Vargas, o Governo Federal deu aos colonos área devolutas; assim começou o confinamento dos indígenas em terra pequena, ocorrendo assim a limitação do espaço territorial para as atividades da caça, pesca e coleta (BRAND, 1997). Para Melià et al. (2008), o território dos Guarani vem sofrendo invasões em nome do desenvolvimento e progresso, isso está ocorrendo em toda a América Latina. A

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monocultura de soja, cana-de-açúcar e de pecuária promoveu o confinamento do povo guarani em terra pequena, inviabilizando sua sustentabilidade e causando o assoreamento cultural. Segundo Melià et al. (2008), o maior número de indígenas Guarani está concentrado na Bolívia. Com cerca de 150 mil pessoas, seguida do Paraguai, com cerca de 53.500 mil pessoas; a terceira maior população indígena Guarani é do Brasil, com cerca de 50 mil pessoas, depois a Argentina, com cerca de 42 mil pessoas. Cerca de 40 mil Guarani vivem no estado de Mato Grosso do Sul (Figura 1).

Figura 1 - Os Guarani na Argentina, Bolívia, Paraguai e Brasil Argentina-População: 42.000 Grupos: Mbya e Ava Guarani Fonte: Endepa - Equipe de Pastoral Aborígine Argentina Bolívia - População: 150.000 Grupo: Chiriguano Fonte: Estimativa feita pela Assemblea del Pueblo Guarani (APG), entidade que representa diretamente as mais de 300 comunidades Guarani na Bolívia Brasil - População: 50.000 Grupos: Kaiowá (Pãi-Tavyterã); Mbya; Nhandéva ou Chiripá Fonte: Estimativa feita pelo Conselho Indigenista Missionário a partir de dados apresentados pela Fundação Nacional de Saúde Paraguai - População: 53.500 Grupos: Kaiowá (Pãi-Tavyterã); Avá Katú; Mbya; Aché; Guarani Ocidentais, Nhandéva Fonte: Censo Nacional Población y Vivienda del Paraguay dados coletados no ano de 2002 Uruguai - Os Guarani frequentam seu tekoha, mesmo sem o reconhecimento do Estado.

Fonte: arquivos do NEPPI - UCDB (2006)

Observando o mapa que descreve o tamanho do povo Guarani na América do Sul, não há dúvida de que é preciso expandir o seu território para viver melhor. Aliás, os países que compõem a América do Sul precisam urgentemente de projeto que atenda à realidade do povo Guarani no continente Sul Americano. Pois, para Brand (1997), as chamadas reservas indígenas provocaram inúmeras transformações sociais nestes grupos. A alimentação unicamente pela caça, pela pesca, pela coleta e pela roça de coivara tornou-se inviável e aos

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poucos, através das influências interculturais de forma desordenada, foi substituída por outras formas de agricultura, limitadas a pequenas variedades de cultivos, refletidas nos altos índices de desnutrição e subnutrição infantil. As aldeias indígenas não têm espaço para caçar, para coletar, os espaços tornaram-se pequenos. Assim, ficou inviável o seu desenvolvimento social e econômico e os saberes tradicionais estão ficando seriamente comprometidos. Por exemplo, as coletas das larvas de insetos como alimentos foram praticamente esquecidas, limitando-se a pequenos grupos indígenas que ainda resguardam algumas de suas tradições e costumes. Segundo o Estudo de População Indígena do Estado de Mato Grosso do Sul (NEPPI, 2008), são essas as etnias que habitam no estado de Mato Grosso do Sul: Atikum, Chamacoco (Xiquitano), Guarani (Ñandéva e Kaiowá), Guato, Kadiwéu, Kamba, Kinikinauwa, Ofaié e Terena. Segundo a FUNASA/IBGE (2010), o Mato Grosso do Sul possui a segunda maior população indígena do país, 73.205 indígenas distribuídos em 75 aldeias situadas em 29 municípios (IBGE, 2010). De acordo com o Estudo de População Indígena do Estado de Mato Grosso do Sul (MURA, 2006), são essas as aldeias indígenas do povo Guarani no estado do Mato Grosso do Sul: Arroio Korá, Campestre, Cerrito, Guaimbé, Guasuty, Jaguapiré, Jarará, Lima Campo, Limão Verde, Paraguasu, Panambi, Potrero Guasu, Panambizinho, Pirakua, Pirajuí, Porto Lindo, Rancho Jacaré, Reserva de Dourados (Jaguapiru, Bororó e Passo Pirajú), Sassoró, Sete Cerro, Takua Piri, Takuara, Kokue’i, Guyra Roka, Cerro Marangatu e Te’yikue (Figura 2).

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Figura 2 - Mapa das aldeias indígenas no estado de Mato Grosso do Sul

Fonte: Mura (2006, p. 101).

É relevante considerar que o cone sul do estado de Mato Grosso do Sul apresenta hoje a maior população indígena Guarani do Brasil. São aproximadamente 50.000 indivíduos, que pertencem às etnias Guarani Kaiowá e Ñandéva e estão distribuídos em mais de 30 áreas, com tamanhos variados e em diferentes condições de regularização fundiária (demarcadas, identificadas ou em acampamentos aguardando reconhecimento do Estado). Esses indígenas são conhecidos na literatura como sendo Guarani-Kaiowá e Guarani-Ñandéva (SCHADEN, 1974; MELIÀ; GRÜNBERG; GRÜNBERG, 1976), embora apresentem muitos aspectos culturais e de organização social em comum, o primeiro, ou seja, os Guarani-Kaiowá, não se reconhecem como sendo Guarani, mas aceitam a denominação de Ava Kaiowa. Por sua vez, os Guarani Ñandéva se autodenominam como Ava Guarani ou Guarani. Segundo Godim e Armand (2009), o estado do Mato Grosso do Sul, segundo indicador econômico, aparece em décimo lugar, com 4,9% da população com renda de no máximo de 70,00 reais por mês, com cerca de 100 mil sul-mato-grossenses que vivem abaixo

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da linha de pobreza. Quatro entre dez pessoas vivem nessa situação, estes são indígenas. Muitos dos indígenas se tornam pedintes nas ruas da cidade ou procuram comida nos lixões. Aqui no estado de Mato Grosso do Sul, as chamadas reservas indígenas ou aldeias indígenas provocaram ou estão provocando inúmeras transformações sociais entre os Guarani. A alimentação do povo Guarani, geralmente produzida em pequena lavoura, atualmente está inviabilizando a sua sustentabilidade. Pois, o espaço territorial reduzido, a superpopulação, a influência dos não indígenas e a falta de diálogo entre as duas sociedades culminaram com a forma de produção, ou seja, agricultura não tradicional dos Guarani e limitou-se em pequenas variedades de cultivos, refletindo-se assim nos altos índices de variedades desnutrições infantis em terras indígenas. Para Schaden (1974), Melià (2003), Chamorro (2008), Benites (2009), o povo Guarani possui organização social em torno da família nuclear, família extensa e família grande. Segundo Benites (2009), a família grande é formada por três gerações (Tamõi), o avô; (Jarýi), a avó, filhos e filhas, genros e noras, netos e netas, no passado residiam numa única habitação grande (oygusu). E esta organização era administrada por um líder doméstico (teko laja rerekua), político (mburuvixa), sob a orientação de um xamã (ñanderu) ou líder religioso. Assim, cada família extensa vivia de forma autônoma, distanciando-se 5, 10 e até 20 quilômetros de outra grande família. Desse modo, o território (tekoha guasu) era preenchido pelos conjuntos aglomerados de parentes. Segundo entrevista do senhor Amalho Gonzales, de 89 anos, a organização social do Guarani Ñandéva é um pouco diferente da organização social do Kaiowá, pois não possui óga pysy ou oga rusu. Possui casa de reza sim, mas, não moram todos juntos em uma casa grande. Geralmente, o e o jaryí moram na casa onde se faz o ritual e os seus parentes habitam em volta da casa do patriarcal e matriarcal. Na terra indígena Pirajuí, a comunidade continua mantendo essa organização, o sobrenome de determinada família é importante para manter rede de relacionamento com os demais sobrenomes na comunidade. Por exemplo, a família Vera na comunidade Pirajuí é extensa, seguido da família Pires, Morales, Duran, Cabral, assim por diante.

1.2 ORGANIZAÇÃO SOCIAL DO POVO GUARANI

Atualmente, existem vários pesquisadores indigenistas que buscaram e refinaram seus saberes sobre os Guarani em diversas áreas: os pioneiros são: padre Léon Cadogan

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(1645-1973), padre Antonio Ruiz de Montoya (1585-1651), Curt Nimuendaju Unkel (1883- 1945). No ano de 1900 surgiram vários outros pesquisadores: Frans Müller (1913-1989), Simon Bandinni (1926-1942), Schaden (1974), Bartolomé Melià (1932), Lehner (2002), Gründerg (1978), Susnik (1985), e outros. Esses autores são contemporâneos de vários autores atuais, entre outros, como Fabio Mura, Antonio Jacó Brand, Levi Marques Pereira, Graciela Chamorro, Veronice Lovato Rossato, Adir Casaro Nascimento, Ronaldo Santos Rodrigues, Marilyn Cebolla Badie (Argentina), Celso Aoki, Tonico Benites. Esses autores estudaram a sociedade indígena Guarani Kaiowá, Guarani Mbyá e Guarani Ñandéva. Esses estudiosos descrevem a cultura Guarani, o modo de ser do Guarani. A sociedade ou comunidade guarani é fascinante, pois faz parte de uma escola onde há algo para ser descoberto. Segundo Melià (2003), a sociedade guarani é uma comunidade recíproca e receptiva. Para Montero (2004), apresenta características de uma comunidade primária e secundária. Para a comunidade guarani, pai e mãe são seres da divindade (MELIÀ, 2003). Na comunidade Pirajuí, a palavra Túva (pai) é referencial para sociedade Guarani local, pois ele é responsável para o provento da casa e ainda responsável para educar os filhos (Ta’ýra). A palavra Sy (mãe) também é importante na família, pois ela é responsável pela lide no lar, principalmente para preparar as refeições e também na educação das filhas (Memby kuña). Na ausência do homem, ela não toma responsabilidade do trabalho do homem; geralmente, o filho mais velho é quem fica no lugar do pai. Segundo Melià (2002) e Cadogan (1962), apud Chamorro (2008), na cosmologia do povo guarani Sy (mãe e mulher) é como progenitora da vida, também é comparada como uma flor, pois somente ela pode gerar filho e dar o alimento. Segundo Chamorro (2008), Túva, na cosmologia guarani, é o criador de tudo que existe na terra. Na visão do Guarani, quando túva, que é o Tupã Guasu, partiu da terra para morar na “Terra sem Males”, providenciou tudo que o seu filho precisaria aqui na terra. O Guarani local usa o termo omoĩ; traduzido para a língua portuguesa quer dizer colocou ou criou os animais, plantas, água; tudo para o Guarani. Portanto, pai para o Guarani é um ser de muito prestígio e respeito. Por isso quando um homem não tem filho, na ausência dele no lar, quem fica responsável para cuidar geralmente é o filho mais velho do irmão do dono da casa; em último caso é chamado o filho mais velho da dona da casa. Para os Guarani de Pirajuí, o pai é responsável por educar os filhos (Ta’yra) e a mãe é responsável por educar as filhas (Memby kuña).

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Afinal, na visão guarani de Pirajuí-MS, atulmente é necessário que o homem e a mulher assumam responsabilidades, como o Criador ordenou para cuidar das crianças para que estes possam ser fecundos e alcançar várias gerações.

1.3 OS CONHECIMENTOS DOS INDÍGENAS SOBRE OS INSETOS

Os indígenas possuem conhecimentos5 sistematizados sobre os insetos, por isso conseguem nomeá-los (RODRIGUES, 2005; CRISTANCHO-SÁNCHEZ; BARRAGÁN- FONSECA, 2011). Segundo Posey (2004), os aborígenes dominam conhecimentos sobre os insetos, pois, assim, os indígenas reconhecem os insetos que lhe servirão de alimentos. Coimbra Júnior, em 1984, realizou quatro expedições durante quatro anos consecutivos e chegou à conclusão que os indígenas que habitavam no Parque Indígena Aripuanã, a etnia Suruí, conhecem e dão nomes para os insetos comestíveis. O nome é este: kadeg, para larvas que encontravam em árvores conhecidos como babaçu. Essas larvas eram utilizadas pelos nativos fritos, acompanhadas de milho assado e mingau. A gordura era misturada com o urucum e servia para ornamento e fármaco contra várias doenças. A larva de besouro (Rynchophorus palmarum (LINNAEUS, 1758)), era chamada pelo índio Suruí mãyõrã. Segundo o autor, há vários outros nomes, mãyõrã, íhbôga. São esses os nomes e ainda dependem em que tipo de árvore em que as larvas são encontradas: quando é encontrado na palmeira, o nome é mãyõrã. Ihbôga é o nome dado à larva quando é encontrada em outros tipos de árvores.

1.4 RESTRIÇÕES À ENTOMOFAGIA

Segundo Costa Neto (2003, p. 232), com relação aos aspectos culturais, os tabus associados ao consumo de insetos foram registrados, assim:

Os membros do clã do Ferro pertencente à tribo Ioruba, no estado nigeriano de Kwara, são predominantemente adoradores de Ogum, deus do ferro. Segundo os crentes, Ogum não aceita animais ou outras criaturas que não têm sangue. Desse modo, os filhos e demais parentes dos ferreiros (que constituem a maioria dos

5 O homem é um ser jogado no mundo, condenado a viver a sua experiência. Por ser existencial, tem que interpretar a si e ao mundo em que vive, atribuindo-lhes significação. Cria intelectualmente representações significativas da realidade. A essas representações chamamos conhecimento (MARQUES, H. R, et al., 2008, p. 11). Cajetano Vera 18

adoradores de Ogum) são proibidos de tocar ou comer grilos da espécie Brachytrupes membranaceus Drury. A comunidade Ioruba acredita que comer grilos é um ato pueril, daí o adágio de que “um fazendeiro ou um pai que divide uma refeição de grilos com seus filhos também estaria preparado para participar de tarefas domésticas, tais como carregar cestas para a fazenda”. Por outro lado, na região de Omido acreditam que o consumo de grilos faz com que os indivíduos fiquem mais espertos, o porquê: o fluido branco desses insetos, conhecido como moyiomoyio, supostamente capacita o consumidor a calcular com mais precisão e solucionar problemas aritméticos (COSTA NETO, 2003, p. 232).

Os aborígines da tribo Anunta, da Austrália Central, registram seis grupos associados com totens de insetos, os quais são proibidos como alimento. Comer um desses insetos é a mesma coisa que comer os próprios ancestrais. O único membro que pode comer o totem é o chefe de cada grupo (DUFOUR, 1997 apud COSTA NETO, 2003). Para os índios Tukano, que habitam a Amazônia colombiana, formigas e soldados de cupins constituem o único alimento de origem animal permitido em dietas limitadas em casos de doenças, ritos de iniciação de adolescentes e de meninas menstruadas (GUTIÉRRE, 2011). Observa-se que as atitudes frequentemente direcionadas à prática entomofágica são padrões comportamentais transmitidos socialmente, oralmente (DUNKEL, 1998 apud COSTA NETO, 2003). Descola (1998) e Canesqui (2009, p. 289) dizem que “comer ou não comer insetos depende da variabilidade das escolhas individuais no interior de uma norma aceita ou da acessibilidade do animal”. Para desmistificar o preconceito contra os insetos comestíveis, diversos autores vêm divulgando a importância desses artrópodes tanto como alimento para a espécie humana quanto como ração para os animais domésticos e de criação. A alimentação é um tema cercado por diversos mitos e tabus em todas as sociedades e como não poderia deixar de ser, no Brasil existe uma grande quantidade deles. As muitas interpretações do que seja alimento e as crenças que cercam algumas delas determinam os hábitos alimentares e o grau de nutrição, os quais, também, são influenciados por fatores políticos internos e externos e circunstâncias pessoais, culturais, econômicas etc. (CONCONI 1984, apud COSTA NETO, 2003; RIBEIRO; SCHIAVETTI, 2009). Os tabus alimentares são crenças, superstições, condições sanitários, culturalmente não aceitas, religiões, condições sociais rurais e urbanas, comida fraca/forte referentes à ingestão de alimentos ou à combinação deles, que seriam prejudiciais à saúde e que muitos folcloristas chamam de faz-mal (CANESQUI, 2009; BORGHETTI, 2011; RIBEIRO; SCHIAVETTI, 2009). Para Canesqui (2009), o consumo de alimento confirma o papel na sociedade e assume identidade social, indício geográfico, onde o indivíduo está localizado. Segundo

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Schickler (2011), apesar de não terem nenhuma comprovação científica, os tabus acabam sendo assumidos pela população, principalmente a menos informadas, como “verdades”. Para Maheu (2011), existem, também, hábitos culturais ou proibições religiosas que são uma espécie de tabu. Na Índia, onde o boi é considerado um animal sagrado, sua carne não é consumida pela população. Os judeus não comem carne de porco, assim como alguns asiáticos também não o fazem, por considerá-lo um animal impuro. O leite de cabra não é consumido pelos malaios. Segundo Ribeiro e Schiavetti (2009), estudo realizado entre os moradores local, no Parque Estadual de Serra de Conduru, estado da , foram identificadas restrições aos alimentos à base de animais silvestres e as nomearam de tabu temporal, tabu metodológico e tabu segmentares. Um dos tabus alimentares mais conhecidos no Brasil, de norte a sul, é que faz mal chupar manga e tomar leite porque causa congestão. O tabu é antigo e teria surgido na época do Brasil colonial, quando os fazendeiros o inventaram, para evitar que os escravos chupassem manga, cuja safra era abundante, e tomassem leite às escondidas, por ocasião das ordenhas, diminuindo assim o volume do produto que chegava à casa-grande (CEREDA et al., 2011). De um modo geral, as sociedades não-entomofágicas estão sendo cada vez mais expostas ao fenômeno da entomofagia por meio de documentários, filmes, entrevistas na mídia, palestras, festivais gastronômicos etc. (DUNKEL 1998 apud COSTA NETO, 2003). Por exemplo, em dezembro de 2000, mais de 2680 entomólogos puderam provar diferentes iguarias à base de insetos (FIN, 1998 apud COSTA NETO, 2003). O tema também vem sendo incorporado em muitos cursos em diversos campi universitários e institutos de pesquisa. Para Costa Neto e Ramos-Elorduy (2005), um estudo demonstrou que indivíduos são capazes de comer insetos, desde que apresentados em alguma forma disfarçada. Um grupo de estudantes de entomologia foi apresentado a alguns insetos cozidos. Quanto mais disfarçado era o inseto, tanto mais prontamente os estudantes o saborearam. Entre as formas de disfarçá-los, insetos cobertos com chocolate foram escolhidos como um dos pratos favoritos e considerados como bastante apetitosos pelo grupo. Segundo Huis Van (2010), para convencer os ocidentais a utilizar os insetos como alimento, é necessário fornecer valor nutricional, explicar os benefícios ecológicos, desenvolver receita de boa qualidade e seguro, tornar o produto acessível e estabelecer quadro legislativo regulamentado por órgãos competentes.

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Costa Neto (2000), relata outra experiência foi realizada na Bahia. Um grupo de estudantes de etnobiologia preparou um brigadeiro (doce que consiste em bolinhas feitas à base de leite condensado e chocolate, cobertas com chocolate granulado) contendo farelo de grilo (Gryllus sp), distribuindo-o entre colegas, professores e funcionários da Universidade Estadual de Feira de Santana; à princípio, grande parte dos provadores relutou em consumir tais doces, prevalecendo a reação de nojo.

1.5 O CONHECIMENTO DOS GUARANI SOBRE OS INSETOS

Os Guarani do Brasil (NOELI, 1993; RODRIGUES, 2005) possuem profundos conhecimentos sobre os insetos e os utilizam como alimento e como remédio. Segundo Rodrigues (2005) e Badie (2005), o Guarani Mbyá possui conhecimentos milenares sobre os insetos. Esses autores pesquisaram as abelhas sem ferrões (Hymenoptera, Apidae, Meliponinae) dentro do conhecimento guarani e os resultados das pesquisas demonstraram que a Etnia Guarani conhece e distingue 25 etnoespécies organizadas em três categorias diferentes. E ainda conhecem muito bem o ciclo biológico, o hábitat, as características morfológicas, o manejo, a extração de mel para alimento e remédio e a semidomesticação das abelhas. Porém, esses autores não discutiram como a etnia pesquisada classifica os insetos na sua cosmologia. Segundo Schaden (1974), os índios da etnia Guarani Ñandéva, conhecidos como “Ava Guarani”, provavelmente se alimentavam de vários tipos de bichos pequenos e grandes, inclusive dos insetos. As informações mais detalhadas e confirmadas vieram na pesquisa de Rodrigues (2005), de que as populações indígenas guarani conhecem bem e interagem com a natureza; isso lhes permite uma visão geral sobre os acontecimentos sobrenaturais e naturais, podendo classificar os insetos. Segundo Utermoehl et al. (2008), o povo Guarani possui um amplo conhecimento sobre os insetos. O Pe. Frans Müller, em 1989, descreveu que as variedades de abelhas das quais os Guarani tiravam mel para realizar festa eram muitas. As expressões “mbuku guasu” que significa larva grande e Tambú entre os índios foi registrada em 1989 pelo Pe. Frans Müller (Boletin de Instituto Geográfico

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Argentino, 1989). Para larvas de insetos não comestíveis, a expressão é “Yso”6. O povo guarani se alimentava dos animais vertebrados e invertebrados (SCHADEN, 1974). Para Melià (2002); João (2011), os alimentos para os Guarani são sagrados e as larvas dos besouros é um deles. Os alimentos são considerados sagrados, pois estão presentes na natureza como uma dádiva Divina. Conforme Canesqui (2009) e Santos Miranda (2011), a utilização de larva de besouro como alimento pode ser considerada como estratégia de sobrevivência e segurança alimentar. Segundo Badie (2009, p. 122), os indígenas Guarani detêm sabedoria incrível sobre os insetos comestíveis. Conhecem as árvores hospedeiras dos insetos, as espécies, os anos e meses em que os insetos põem as larvas.

Los mbya consideran una verdadera golosina las larvas que llaman tambu y que se crían en los troncos de la palmera pindo (Syagrus romanzzofianum Becc.). También consumen larvas que extraen de especies taladas del árbol frutal jarakachia (Jacaratia spinosa [Aubl.] A. DC.) a las que denominan jarakachia racho. El consumo de larvas por parte de los mbya está documentado en los relatos de viajeros e investigadores como una curiosidad, ya que se consideraba este hábito alimenticio por el que los indígenas tenían predilección como un rasgo de primitivismo. Los mbya recolectan las larvas realizando un procedimiento de cuasi cultivo, ya que talan ejemplares de palmera pindo y de jarakachia durante la luna nueva, luego dejan pasar aproximadamente 30 días, sobre todo en el caso del pindo que es el preferido, y vuelven al lugar donde han dejado los troncos en proceso de descomposición para realizar un corte longitudinal en la madera y comenzar a extraer las larvas, las que son transportadas hasta la aldea en recipientes hechos con calabazas. La temporada de mayor producción de larvas es el verano, especialmente en el mes de enero. Estas larvas, principalmente el tambu, son consumidas fritas en su propia grasa, adquiriendo el aspecto y el aroma de chicharrones, pero también se las prepara hervidas y mezcladas con distintos productos elaborados a base de harina de maíz. En tiempos pasados la grasa de estas larvas se guardaba cuidadosamente para utilizarla en la preparación de alimentos. Pero existe otra larva considerada una verdadera delicia culinaria que se obtiene de los entrenudos de la caña takuapi (Merostachys clausenii Munro) y que aparentemente tiene apariciones poblacionales en ciclos de 30 a 40 años, coincidiendo con el florecimiento de esta especie de caña. El takua racho, según describen los mbya, es la larva de una mariposa nocturna y ha sido identificada como Morpheis smerintha Hübner, 1821. Se considera un alimento especial, ya que un indígena adulto puede disfrutar a lo sumo de dos periodos de abundancia de esta larva a lo largo de su vida Los mbya explican que esta mariposa habita la morada de los dioses y viene a la tierra solamente en la época de floración de las bambúceas para reproducirse y luego regresar al ámbito divino. El consumo de sus larvas tiene, de esta manera, connotaciones religiosas (BADIE, 2009, p. 122).

Portanto, os Guarani Ñandéva possuem conhecimento específico sobre os insetos comestíveis e não comestíveis. Pois, se não tivessem o conhecimento, não saberiam distinguir

6 Significa corpo composto de água. Cajetano Vera 22

entre os insetos comestíveis dos não comestíveis. O território onde o povo guarani vive é um espaço construído, identificado, vivido ao longo dos séculos. Noelli (1993), apud Braga Neto et al. (2003, p. 108), “ao se referir à alimentação da população de uma maneira geral, descreve ser composta por uma grande variedade de constituintes de alimentos, pois, por exemplo, os indígenas viviam em território livre, onde a fauna e flora eram ambundantes, tendo assim uma grande oferta de alimentos.” Para Schaden (1974), Müller (1989), Braga Neto et al. (2003), Melià (2008); João (2011), a alimentação do povo Guarani, culturalmente é baseada no milho, mandioca, mel, insetos, pesca e caça de animais grandes e pequenos, comiam moluscos, vertebrados e invertebrados. Para cozinhar, empregavam diferentes técnicas de acordo com a natureza e a combinação dos alimentos utilizados, sendo que as comidas eram assadas, fervidas, torradas, fritas e moqueadas. Segundo Braga Neto et al. (2003), os indígenas Guarani utilizavam vários cultivares, como batata doce, mandioca, amendoim, variedades de frutas, tubérculos, raízes. Ainda se alimentavam de carnes de aves, ovos, peixes, etc. O índio Guarani ou Ava Guarani (RESTIVO, 1986; MELIÀ, 2008) é um povo muito festeiro; quando chega o período de milho verde, faz o batismo do milho, realiza o kunumi pepy, ñembo’e, ñemongarai, etc. Para Brand (1997), Teodoro (1998) e Vieta (1998), os Guarani, atualmente, não têm como fazer festa, porque não têm os meios necessários para garantir a segurança alimentar, principalmente, se forem utilizar os recursos naturais disponíveis, devido à situação de confinamento. Assim o território imenso dos Guarani ficou no passado. Segundo o relatório anual de Nutrição e Dietética da Fundação Nacional de Saúde (FUNASA, 2009), há vários casos de doenças relacionados à desnutrição e subnutrição infantil e geriátrica. Isso ocorre, pois as crianças e os velhos não se alimentam adequadamente, ocorre a ingestão de alimentos industrializados inadequadamente como refrigerantes, balas doces, bolachas, carnes enlatadas, massas, etc, que contribuem para a má nutrição. Na aldeia Pirajuí (MS), na divisa entre o Brasil e o Paraguai, entre os índios Guarani Ñandéva, há registros de desnutrição (FUNASA, 2005); no entanto, os índios Guarani desta comunidade ainda preservam tradições alimentares ligadas à cultura; possíveis de serem estudadas, documentadas e revitalizadas. Por exemplo, o costume de se alimentarem de insetos (entomofagia), dentre os quais as larvas de besouros Mbuku guasu na língua guarani e cientificamente conhecido como Rhynchophorus palmarum (LINNAEUS, 1958), pois os conhecimentos tradicionais, saberes transmitidos oralmente de geração e geração

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sobre os alimentos oriundos da natureza e as técnicas para obtê-los são cruciais para a sobrevivência de muitos povos ao redor do mundo (SOMNASONG, 1998, apud COSTA- NETO, 2003 e MORRIS, 2008). Diante das dificuldades de alimentação dos povos indígenas Guarani na atualidade, vê-se a necessidade de descobrir e redescobrir na cultura Guarani, alternativas de obtenção de recursos alimentares. Com relação aos Guarani Ñandéva, se faz necessário investigar dentro de sua própria cultura alternativa para obter o alimento, retomando práticas alimentares inerentes à sua cultura, como no caso, o uso dos insetos na dieta, mais precisamente das larvas de algumas espécies de besouros.

1.6 O PRESSUPOSTO SUSTENTABILIDADE

Sustentabilidade deriva da palavra em latim “sustentabile”, e ao pé da letra, quer dizer que é algo que se pode sustentar e/ou é capaz de se manter mais ou menos constante, ou estável, por longo período (SILVA, 2009, p. 29). O termo original de sustentabilidade foi “desenvolvimento sustentável”. Em 1987, p. 78, a Comissão Mundial sobre Ambiente e Desenvolvimento publicou um relatório intitulado “Nosso futuro comum”, também conhecido como o Relatório Brundtland. Atualmente, há correntes de pensamentos que se referem ao termo “desenvolvimento sustentável” como um termo amplo, que implica em desenvolvimento continuado, e insistem que ele deve ser reservado somente para as atividades de desenvolvimento. “Sustentabilidade”, então, é hoje em dia usado como um termo amplo para todas as atividades humanas (SILVA, 2009, p. 29). Segundo o Relatório Brundtland (1987, p. 67), sustentabilidade é: “suprir as necessidades da geração presente sem afetar a habilidade das gerações futuras de suprir as suas”. Neste sentido, sustentabilidade é um conceito sistêmico, relacionado com a continuidade dos aspectos econômicos, sociais, culturais e ambientais da sociedade humana, portanto, tem como objetivo prover o melhor para a população e o meio ambiente, tanto agora como para um futuro indefinido. A sustentabilidade abrange vários níveis de organização, desde a vizinhança local até o planeta em sua totalidade. Para um empreendimento humano ser sustentável, tem de ter em vista quatro requisitos básicos: - ecologicamente correto; - economicamente viável; - socialmente justo; e culturalmente aceito (BRUNDTLAND, 1987).

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Para Fageria et al. (1999, p. 223), o desenvolvimento sustentável requer alguns cuidados, principalmente na área de plantio:

O desenvolvimento sustentável no setor da agricultura é importante, pois, na agricultura se não souber manejar adequadamente o meio ambiente poderá comprometer o solo, água, a flora e fauna. E, também, poderá comprometer custo da produção e qualidade da produção agrícola. Estima-se que a população mundial atingirá cerca de 8,2 bilhões no ano 2025, ao redor de 6,7 bilhões nos países desenvolvidos. Isso significa que aproximadamente 82% da população mundial estarão concentrados naqueles países nas próximas décadas. Isso elevará as necessidades alimentares. A produção de alimentos e acesso a eles são essenciais para que os seres humanos possam pensar sobre o seu desenvolvimento, pois a falta de alimento poderá comprometer o desenvolvimento. Os recursos básicos para suprir essas necessidades são solo e água. Esses dois recursos precisam ser protegidos, pois, são recursos naturais para a sobrevivência do homem. Não somente aprender a usar o solo, mas, também como manter a produtividade ao longo do tempo.

Para Fageria et al. (1999), o rápido desmatamento das florestas tropicais dos países em desenvolvimento merece atenção especial, pois, nas últimas décadas a área coberta por florestas diminuiu 24% na África, 38% na América Central, entre 1950 e 1980. Como conciliar as demandas de produção alimentos para uma população crescente, além dos direitos sobre o território e, também, necessidade de preservar as espécies florestais? Se não soubermos entender a economia como gestão de território e sim como fonte de rentabilidade pode ser perigoso para o desenvolvimento sustentável. O desenvolvimento econômico deve estar em equilíbrio com a realidade ecológica. Para alcançar esse objetivo, é necessário desenvolver e adotar novas tecnologias e saber usar as tecnologias já existentes. Brüseke (2009) diz que o século XXI está chegando num ponto cada vez mais crítico com relação ao aumento do consumo e a exploração incontrolável de produtos e recursos naturais e minerais. E assim, agrava o ecossistema na terra, deixando em dúvida o futuro do planeta Terra. Para reverter essas situações, é necessário pensar na sustentabilidade ambiental, envolvendo todos os setores da sociedade: econômica, política, educação, saúde, etc. E se for exercida a Sustentabilidade Ambiental, proporcionará qualidade de vida, atendendo às necessidades do presente sem comprometer a capacidade de gerações futuras. No entanto, de acordo com May (2009), para resolver esse tipo de problema, toda a sociedade precisa educar suas ações, estabelecer limites de consumo e, isso envolve não só os consumidores, mas também, as empresas que devem desenvolver produtos ecologicamente corretos e com materiais que não agridem a natureza. Automaticamente, esse fato influencia a economia, algumas empresas perderão muito dinheiro em nome da conservação ambiental. Já Layrargues (2009) ressalta que todos pagam um preço pelo futuro do nosso planeta. O desenvolvimento sustentável não deve ser apenas econômico. É necessário planejar

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ações e programas em nível de governos e ONGs que levem em conta a sustentabilidade econômica, ambiental e social. A sustentabilidade significa usufruir de recursos naturais e materiais com responsabilidade social, desenvolver produtos e fontes de energia renováveis. Gonçalves (2002) e Calvacanti (2009) relatam que o uso dos recursos naturais no processo produtivo se confunde com a própria existência da humanidade. Historicamente, em termos de Brasil, a maioria dos estados iniciou o seu processo de desenvolvimento econômico mediante a utilização e a exploração de um dos recursos naturais considerados como menos escasso, que são as terras destinadas às atividades agrícolas e mais recentemente outros recursos. Independente da rentabilidade das atividades ou qualquer outro indicador econômico, atualmente não se pode, no entanto, dissociar as intenções conservacionistas dos recursos necessários para colocá-las em prática, particularmente em estados ainda carentes de elementos básicos à sobrevivência de significativa parcela de sua população, tais como saúde, alimentação, saneamento básico, educação, segurança etc. Nesse ponto, o enfoque econômico é imprescindível, uma vez que recursos terão que ser direcionados. A priorização dos beneficiários desses recursos requer das autoridades de gestão, conhecimento sobre os valores envolvidos nos projetos e atividades que estão sobre a escolha. Economicamente é possível argumentar pela necessidade da conservação de recursos naturais. Enfim, a sociedade deve se conscientizar quanto à sustentabilidade, seja ela ambiental, econômica ou social. Para tanto, deve traçar medidas e projetos em parceria, criando maneiras das pessoas pensarem e perceberem os benefícios que o consumo consciente pode causar no seu dia a dia. A educação básica e educação superior são necessárias para enfatizar a importância de projeto de restauração de nascentes, matas ciliares, proteção de fauna e flora. E para tanto se deve traçar medidas e projetos com a sociedade indígena e não indígena, haja vista que promover a sustentabilidade não é fácil, pois cada mudança impõe seus obstáculos, e com a aventura materialista em que a sociedade se encontra esse desafio se torna mais complexo. É necessário atuar com a sociedade de maneira simétrica para que gerações futuras tenham condições de viver aqui na terra com mais equidade. É sabido que o povo indígena possui cosmologia diferente sobre o desenvolvimento social, econômico e ambiental. Portanto, para desenvolver projeto que visa à segurança alimentar e sustantabilidade para esta comunidade é necessário dialogar com a comunidade para que o desenvolvimento não ocorra de “cima para baixo”. Ou seja, um

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programa de desenvolvimento junto aos povos indígenas não deve ser imposto pelo não indígena sem o devido diálogo. Brand (2003), Azanha (2005) e Gallois (2005) afirmam que os indígenas têm visões diferentes sobre o desenvolvimento sustentável, principalmente sobre a produção de agricultura. Portanto, a visão da população indígena está voltada para a natureza. Segundo Brand (2003), Melià et al. (2008), a natureza possui vida na cosmovisão do povo guarani. Ainda, segundo Gallois (2005), existem ações governamentais que procuram atender as necessidades básicas dos povos indígenas, porém, não há diálogo para que os tais programas sejam efetivos:

Tais programas, como todos sabem, são dos mais diversos e contraditórios. É também significativa a construção e o refinamento de textos legais e dos instrumentos normativos nacionais e internacionais, que visam a proteger os conhecimentos indígenas. No entanto, como poucas pessoas sabem, continua persistindo, no Brasil, uma distância considerável entre os excelentes dispositivos legais existentes e a prática cotidiana nas aldeias. Ali, a maior parte dos agentes assistenciais continua tendo baixa capacitação no lidar com a diversidade cultural e social dessas populações. Domina ainda a idéia de que a condição de índio é transitória e que se devem modernizar os seus modos de vida e de pensar, especialmente no que diz respeito a suas formas de produção econômica, tantas vezes qualificadas como economias da miséria (GALLOIS, 2005, p. 30).

Para Brand (2003) e Giberto Azanha (2005), a sustentabilidade para o povo indígena está baseada no sistema de troca e de reciprocidade que perpassa e dinamiza as relações internas. Azanha afirma que:

Os sistemas de trocas humanas têm como móvel um conjunto altamente diversificado - porém finito - de objetos, físicos ou simbólicos (corpos humanos, produtos manufaturados ou espécies animais e vegetais, os ensinamentos de um xamã ou um canto ritual). E aqui reside a grande diferença entre os sistemas de trocas das sociedades capitalistas ocidentais e as sociedades indígenas: para as primeiras, o móvel em si é o que importa, tem a primazia na relação; para estas, ao contrário, o móvel é apenas um pretexto e o que importa é o outro. “No sistema capitalista de trocas, o móvel é uma mercadoria”, algo com vida própria, independentemente da relação de troca entre sujeitos (processo que Marx desvelou e chamou de ‘fetichismo da mercadoria’): vou ao açougue não para enfrentar o açougueiro como outro, mas para adquirir um valor de uso que eu não possuo; a mercadoria é a finalidade da minha relação com ele (AZANHA, 2003, p. 13).

1.7 DESENVOLVIMENTO LOCAL NA PERSPECTIVA INDÍGENA

No entendimento de Ávila (2008, p. 60 - 61):

Temos que ir mais a fundo, em dinamismos socioculturais de formação e inclusão de pessoas e comunidades-localidades concretas em processos endogeneizadores de capacidades, competências e habilidades de se desenvolverem, enquanto sujeitos (e

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não meros objetos) de suas trajetórias e conquistas nesse domínio. E isso, em contínuo rompimento das amarras que nós (a elas e a nós todos) prendemos ao subdesenvolvimento (ÁVILA, 2008, p. 60-61).

A comunidade indígena guarani no Brasil e na América Latina vem sendo subjugada como povo, tornando-se incapaz de produzir e atender as suas necessidades. A sociedade hegemônica impõe uma hierarquização das relações humanas a partir do conceito de etnia e raça, promovendo classificações e redefinindo o padrão da população (QUIJANO, 2005). Segundo Gallois (2005), isso atrapalha o desenvolvimento dos povos tradicionais, forçados a atender o poder do capitalismo. Existem os conquistados que são subjugados pelos conquistadores. Como conseqüência, a partir dessas classificações é inventada ou produzida às identidades sociais indígenas, negras, mestiças, de sem terra ou sem teto, entre outras. Essas identidades não existiam até esse momento (QUIJANO, 2005; MUNANGA, 2009). Quijano (2005) apresenta a ideia de raça como uma produção estratégica do capitalismo e coloca o racismo como um instrumento de produção de relação de dominação, mobilizada pelo capitalismo. O índio, o negro e o pobre foram submetidos ao trabalho forçado e ao preconceito (VIVEIROS DE CASTRO, 2007). Neste momento, as relações sociais são estritamente capitalistas. As pessoas são vistas pelo que possuem e não pelo que elas são. No entanto, segundo Gallois (2005), as relações sociais são dinâmicas e, também, alcançam as comunidades tradicionais. E para Melià (2002), as sociedades tradicionais em geral são muito ligadas a terra, sua cosmologia e os rituais. Para a comunidade guarani, o desenvolvimento atual está sendo imposto de “cima para baixo”. As relações de trabalho não favoreceram as sociedades tradicionais, pois eles precisam produzir para atender o mercado. A abertura do mercado de trabalho ocorreu de fora para dentro em comunidades tradicionais. Isso, historicamente, para a sociedade indígena foi ruim e está sendo ruim, pois trouxe um desenvolvimento forçado de fora para dentro, sendo que hoje a sociedade indígena está encurralada e não consegue ter sua identidade reconhecida (AZANHA, 2005; ÁVILA, 2006). Essa dinâmica contrária às sociedades indígenas levou-as a se organizar sociopoliticamente e a buscar auxílio em órgãos governamentais, ONGs, universidades, E pesquisadores (BRAND, 1999). Para Silva (2002), desde 1988 com a Constituição houve abertura para Educação Indígena e atualmente notam-se números expressivos de indígenas frequentando salas de aulas da educação básica e superior. Como afirma Brand (2001), isso poderá facilitar a discussão sobre o desenvolvimento indígena e sustentabilidade.

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Enfim, o desenvolvimento proposto pelas ciências ocidentais não consegue dialogar com o etnoconhecimento. No entanto, as ciências ocidentais reconhecem o processo de desenvolvimento deste povo. Já existem vários artigos que apontam e aceitam de que os indígenas possuem desenvolvimento diferente do mundo ocidental (LITTLE, 2005). Sabe-se que o desenvolvimento no mundo atual é importante em qualquer sociedade humana. Por isso, os indígenas precisam compreender os modelos de desenvolvimento proposto pela sociedade hegemônica, porque a sociedade indígena está inserida no modelo de desenvolvimento, tais como desenvolvimento econômico, tecnológico, enfim o mundo capitalista. Segundo Brand (1999), as relações e negociações de poder entre as duas sociedades são necessárias para que ocorra o entendimento. Esse diálogo deve ser simétrico, o que até agora não tem ocorrido. A falta de diálogo mais abrangente, sobre o desenvolvimento oscila entre as duas sociedades: indígena e não indígena. Conseqüentemente tem empurrado os povos indígenas para a margem da sociedade. Surgem os subempregos também entre os Guarani e ainda muitos destes indígenas acabam morando nas periferias das cidades grandes. Outros povos isolaram-se em pequenas aldeias, onde corre à divisão que é conhecida com a expressão ‘isso é dos indígenas e isso aqui é do branco’ (LITAIFF, 2009). Atualmente, a sociedade indígena precisa de apoio para um diálogo mais igualitário com a sociedade não indígena, pois os indígenas, em várias regiões do Brasil, estão totalmente dependentes de programas do governo para sobreviver. Sabe-se que o povo tradicional possui uma sabedoria riquíssima. No entanto, não consegue competir com o capitalismo selvagem. O modelo de desenvolvimento não é modelo brasileiro, é o modelo ocidental, copiado e levado para as periferias e para as comunidades indígenas. A identidade, para Silva (2000) e Hall (2007), é como sinal de oposição à outra. É constituída e atualizada na relação com os outros. Por isso, ela é dinâmica. Mas, a afirmação e consciência da diversidade cultural e do multiculturalismo se confrontam com o monoculturalismo. Atualmente, o desafio no contexto do Desenvolvimento Local (DL), ao lado da mundialização ou globalização dos avanços tecnológicos, é procurar dialogar e entender as diferenças culturais. Populações tradicionais e suas concepções territoriais e relações com os recursos naturais, sua economia, organização social e cosmologia precisam ser entendidas de maneira mais simétrica. Povos tradicionais com sabedoria milenar, atualmente passam por redefinição e reformulação diante do saber ocidental. Isso de certa forma é necessário para que ocorra a valorização dos conhecimentos do povo guarani (LITTLE, 2005).

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O processo de endogeneização de desenvolvimento para o povo guarani continuará lento se a sociedade hegemônica enxergar o indígena como selvagem e inferior. A imposição da ideia de que o progresso e tecnologia como meio de desenvolvimento para as etnias. A violência civilizadora se exerce sobre “os selvagens” via da destruição dos conhecimentos tradicionais e ideia de que os conhecimentos dos índios não são verdadeiros ou inferiores (HERMT, 2002). A assimetria entre as culturas de norte a sul do Brasil se manifesta num vasto conjunto de ambiguidades. O modelo de desenvolvimento atual não conseguiu estreitar o diálogo com o desenvolvimento tradicional, este desenvolvimento tradicional ficou ultrapassado ou não é reconhecido. Diegues (1996) aponta que a cultura deve ser respeitada, pois, somente assim poderá compreender o modelo de desenvolvimento implantado por cada povo. As populações indígenas enfatizam a simbologia, rituais, mitos e cosmologia. Em geral, apresentam traços culturais que as diferenciam das outras populações. No contexto de desenvolvimento local há lacuna a ser preenchida, pois, uma sociedade marginalizada caracteriza-se pela dependência total ou parcial da comunidade hegemônica criando assim uma “cultura de pobreza” (ÁVILA, 2006). Muitas vezes a sociedade indígena é marginalizada, mas, segundo Brand (1997), são comunidades tradicionais e culturalmente diferentes, cuja organização social e econômica é baseada na economia da reciprocidade e não na economia do excedente. Para que o desenvolvimento local seja efetivo é necessário que a comunidade queira de fato o desenvolvimento e que essa idéia de desenvolvimento desabroche de dentro da comunidade e para a comunidade. É importante não permitir que esta comunidade viva no isolamento, pelo contrário, que os fatores endógenos e exógenos sejam concomitantes e que as cotidianidades de vida na comunidade e inter-relações (primárias e secundárias) sejam essenciais para o desenvolvimento local (ÁVILA, 2006; MARITZA, 2008). O aparecimento e o avanço do DL obrigaram uma articulação radical frente ao desenvolvimento da sociedade hegemônica e o assistencialismo, pois carrega consigo uma preocupação com o meio ambiente em uma dupla perspectiva: primeira, como sustentabilidade do desenvolvimento e, depois como recurso a favor do próprio desenvolvimento. Além disso, o agente de desenvolvimento local precisa estar atento, mais do que nunca para identificar o que é, e o que não é o desenvolvimento local. Para Ávila (2006), existem dois tipos de desenvolvimento: desenvolvimento no local e desenvolvimento para o local. O desenvolvimento no local refere-se sobre o desenvolvimento que ocorre sem a

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participação efetiva da comunidade local e desenvolvimento local para o local é o desenvolvimento que desabrocha da comunidade, no local para o local. Para Ávila (2006), atualmente, em nome do desenvolvimento o meio ambiente está seriamente comprometido. As empresas se instalam em uma determinada comunidade e depois vão embora e deixam apenas rastros de destruição. As inter-relações na comunidade são essenciais para o coração do desenvolvimento e para o desenvolvimento para o local. Nesse sentindo, são os integrantes da comunidade que vão identificar conscientizar, mobilizar, resolver, reformular, direcionar, negociar, etc., as dificuldades pertinentes ao desenvolvimento local. O agente de fora dará sua opinião, mas a decisão de solucionar está centralizada na comunidade. O desenvolvimento local tem uma diversidade enorme de caminhos para protagonizar e dar respostas, porém, não tem receitas prontas. Segundo Ávila (2006, p. 122), o DL deve ser visto como um processo e não um fim em si mesmo. Nessa perspectiva, o DL é um esforço contínuo por parte dos residentes organizados de uma localidade no sentido de identificar problemas e aspirações, criar e formular estratégias para abordá-los, programar esses planos e avaliar os resultados, numa lógica de participação, onde a mudança e a renovação são o âmago, o êxito dessa comunidade. Neste século, a sociedade precisa trazer soluções para o desenvolvimento humano, mas há necessidade de um diálogo simétrico para que as soluções de hoje não seja o empecilho de amanhã. O povo guarani está pronto para o diálogo, porém, terá que fazer esforço para encontrar novas formas de atender as necessidades dos próprios Guarani e dos cidadãos não indígenas. Para Ávila (2006), o DL é um diálogo constante entre os residentes de um local - autoridades, as organizações cívicas, os grupos comunitários, os dirigentes empresariais e outras pessoas - visando procurar sistematicamente uma melhor qualidade de vida para todos.

1.8 SEGURANÇA ALIMENTAR NA VISÃO DOS INDÍGENAS GUARANI

O índio Guarani ou Ava Guarani (RESTIVO, 1986; MELIÁ, 2008), é adjetivo que foi dado aos indígenas Guarani para caracterizá-los como povo Guarani Ñandéva. Segundo Schaden (1974) e Braga Neto et al. (2003), os indígenas Guarani são caçadores,

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coletores, agricultores de subsistências e vivem em comunidade7. Abatem animais selvagens pequenos e grandes, tais como tatu, porco selvagem, peixes, aves, roedores, etc. Coletores, pois, coletam frutas nativas, raízes, tubérculos, palmitos, insetos, etc. Agricultores de subsistências, pois, cultivam pequenas roças para consumo próprio. Eles cultivam milho, batata, mandioca, feijão, entre outros. Para Leff (2010), a sociedade atual está em crise com o meio ambiente ou em crise cilizatória e isso cedo ou tarde poderá afetar o desenvolvimento humano, principalmente a produção de alimentos. Para o autor, diante da exploração indevida da natureza em nome do progresso e beneficiando somente uma parcela da sociedade e a sociedade torna-se refém deste processo. A sociedade precisa reagir com sabedoria, para que a exploração da natureza ocorra de maneira sábia, e que o beneficiado seja toda à sociedade humana. Segundo João (2011), na cosmologia guarani kaiowá, para cultivar a terra e ter alimento requer diálogo com a divindade, para tanto é necessária a reza (jerosy). Neste processo, a reza possui função para proteger as plantas cultivadas contra os insetos devoradores e contra espírito de Pa’i Tambeju. Para Melià (2008), o território do povo Guarani se extende ao Paraguai, Brasil, Argentina e Bolívia, como se observa no mapa a seguir (Figura 3).

Figura 3 - Mapa de ocupação dos Guarani na América do Sul

Fonte: Azevedo et al. (2008)

7 Comunidade vem do latin communitas, quando muitos formam uma unidade. Em 1887, Ferdinand Tonnies introduziu o dualismo sociedade (Germeinschaft) e comunidade (Gessellschaft) no dicurso científico contemporâneo. Comunidade é um tipo especial de associação que tem a ver com os imperativos profundos do próprio ser, repeitando mais a vontade de ser do que a vontade de escolher. Cajetano Vera 32

Com a chegada dos colonizadores, o povo Guarani, sofreu sérios problemas de redução populacional e territorial. Segundo Melià et al. (2008), após a guerra do Paraguai, entre 1864 a 1870, ocorreu a ocupação sistemática do território Guarani. Aqui, no Brasil, em especial no estado de Mato Grosso do Sul, vieram diversas frentes econômicas, que ocuparam o território guarani. Por exemplo, concessão feita à Cia. Mate Larangeira, os projetos Agropecuários e a mecanização da agricultura, a partir de 1970. Em 1943, o Presidente da República, Getúlio Vargas, criou o movimento “Marcha para o Oeste”. Criou em terra indígena, a Colonia Agrícola Nacional de Dourados, CAND. O objetivo deste priojeto foi aumentar a produção de alimentos e produtos primários de baixo custo para indústria. O resultado desse projeto foi drástico para o povo Guarani do sul do Estado de Mato Grosso do Sul. O povo Guarani Ñandéva e Kaiowá foram literalmente confinados em pequenos pedaços de terra. Atualmente, como resultado desse confinamento, verificou-se a superpopulação de indígenas em pequenos pedaços de terra, sem nenhuma possibilidade de sustentabilidade. Com a redução do território tradicional dos Guarani, o conhecimento deste povo está em jogo. Para Brand (1997), os índios possuíam terras com vastas matas nativas, campos, cerrados e rios. Os índios caçavam, pescavam, faziam coletas de frutas, inclusive coleta de insetos para se alimentarem. Com o passar dos anos, as matas nativas foram extintas, o campo do cerrado sendo mecanizado para lavoura de soja e plantio de cana-de-açúcar e as terras indígenas foram arrendadas para produzirem “alimentos”. Com a lavoura mecanizada foi introduzido, inclusive na comunidade indígena, o uso de agrotóxico. Assim, houve contaminação dos lagos, rios, nascentes, olhos d’água, minas de águas (BRAND, 2003). Então, os indígenas passaram a depender da cidade, dentre outros, para conseguir principalmente os alimentos e não mais diretamente na natureza. Sem dinheiro, sem recursos suficientes, têm encontrado a miséria e, consequentemente a desnutrição. Para Braga Neto et al. (2003), o indígena Guarani utiliza milho para consumo no dia a dia, assim, também, a mandioca, batata doce, feijão, amendoim e outros. A coleta e a caça complementam as suas refeições no dia a dia. Os indígenas mantiveram e mantêm relacionamentos culturais com os não indígenas. Esse contato Melià (2003) chamou de contato intercultural. O contato intercultural em algumas populações indígenas tem mudado o seu hábito alimentar, empobrecendo-o de forma significativa, pois, algumas mães indígenas pensam que é melhor para os seus filhos

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comer somente arroz conforme os hábitos dos não indígenas, deixando de lado o seu modo natural de se alimentar. Segundo o Programa Fome Zero (2009), no estado de Mato Grosso do Sul, em várias aldeias indígenas do estado não tem comida, há famílias que dependem totalmente de auxilio de órgãos que distribuem alimentos. Por isso, existem várias comunidades indígenas que não têm segurança alimentar, ou seja, não há garantia de alimento seguro. Alimento seguro inclui um conjunto de normas de produção, transporte e armazenamento de alimentos, visando determinadas características fisico-químicas, microbiológicas e sensoriais padronizadas, segundo as quais os alimentos seriam adequados ao consumo. Estas regras são, até certo ponto, internacionalizadas, de modo que as relações entre os povos possam atender as necessidades comerciais e sanitárias. Alegando esta razão, alguns países adotam “barreiras sanitárias” para matérias-primas agropecuárias e produtos alimentícios importados (CONSEA, 2011) enquanto Segurança Alimentar e Nutricional (SAN) consiste no direito de todos ao acesso regular e permanente a alimentos de qualidade, em quantidade suficiente, sem comprometer o acesso a outras necessidades essenciais, tendo como base práticas alimentares promotoras de saúde, que respeitem a diversidade cultural e que sejam social, econômica e ambientalmente sustentáveis (BELIK, 2003). O conceito de segurança alimentar para Belik (2003) é mais complexo e envolve a disponibilidade de alimentos seguros com qualidade por tempo indeterninado e é considerado como fator primordial para a garantia da saúde de uma comunidade. Por esse conceito, a alimentação sem critérios incide sobre a frequência de doenças como pressão alta, diabetes, reflexo de sedentarismo e excesso de carboidratos e gordura na alimentação. Portanto, considerar a deficiência alimentar como uma doença social e política é o primeiro passo para se obter a reparação deste mal que aflige tantos brasileiros, já que enquanto houver pobreza existirá fome e aí deve intervir o Governo (não apenas ele, mas principalmente), pois, como salienta Silva (2003) é necessário que os governantes não conceituem os mais carentes como incapazes, mas lhes possibilitem sair da situação em que se encontram.

1.9 O ALIMENTO NA ALDEIA PIRAJUÍ

Neste subitem serão abordadas as características físicas e o hábito alimentar no dia a dia da aldeia Pirajuí, local em que se realizou a pesquisa.

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Aptidão agrícola na comunidade: Dadas as características dos tipos de solo, relevo e clima que ocorrem na área, a aptidão agrícola natural das terras se dá em duas categorias: aptidão regular para lavouras nos níveis de manejo A, B e C (2abc) e aptidão restrita para lavouras nos níveis de manejo A, B e C (3abc) (EMBRAPA, 2000). Uso atual das terras: O antropismo, pela exploração agrícola e agropecuária vem substituindo a vegetação primitiva pela pastagem e por áreas de culturas cíclicas. Os Guarani desta comunidade mantém sua agricultura tradicional de coivara de subsistência, mas, também criam gado, aves, porcos, etc. Os homens saem da comunidade para trabalhar na colheita de maçãs, na usina de cana-de-açúcar e nas fazendas ao redor da comunidade. Na divisão do trabalho entre as famílias, via de regra, as mulheres realizam os trabalhos domésticos e os homens trabalham na roça. A assistência com cesta básica de alimentação à comunidade iniciou-se em 2003, período em que morreram cinco crianças desta comunidade na cidade de Dourados, MS, no Hospital da Missão Caiuá. O médico Julio Shikanai emitiu os atestados de óbito de que as crianças morreram em consequência de desnutrição. Atualmente, a comunidade recebe cesta básica do Programa Estadual de Cesta Básica e Fundação Nacional do Índio (FUNAI), uma vez por mês. Mas, a comunidade alega que a cesta básica não é suficiente para o mês. Os alimentos consumidos pela comunidade são de origem animal, como carne bovina, suína, frangos e peixes. Os vegetais mais representativos são variedades de arroz, feijão, milho, mandioca, batata, abobrinhas, etc. As frutas predominantes são laranja, banana, abacaxi, etc. Alimentos industrializados também são consumidos pela comunidade, tais como enlatados, macarrão, farinha de trigo, pães, refrigerantes, etc. As refeições na rotina diária: a prática alimentar diária da comunidade é bastante diversificado: variedade de milho (Zea mays), mandioca (Manihot esculanta Crantz), batata doce (Ypomoea sp), mamão (Carica papaya), arroz (Oryza sativa), feijões (Faseolus vulgaris) e frutas. Além da banana (Musa paradisiaca), é lembrada a guavira do campo (Camponesia sp) etc. Esses alimentos são produzidos na comunidade, mas é também grande o consumo de alimento adquiridos no mercado regional, tanto no Brasil como no Paraguai. Por outro lado, para obter os alimentos no mercado, a comunidade depende, direta ou indiretamente, de recursos financeiros. A aquisição dos alimentos ocorre mais no fim de cada mês, quando recebem os valores em espécie provenientes de aposentadorias, salários ou venda de produtos agrícolas.

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Em geral, o Guarani local faz sua refeição três vezes por dia, sem caracterizar o café da manhã como refeição diferenciada. Durante o dia, dá-se preferência à ingestão de carnes, mandioca, arroz, feijão, frutas e variedades de pratos preparados de milho. Na cultura guarani, o sexo masculino é responsável para realizar a caça e coletas para sustento da casa. Portanto, o homem realiza a coleta de larvas de besouros. A mulher geralmente é responsável para fazer à comida, inclusive, a comida a base de larvas de besouros. Atualmente, os Guarani de Pirajuí realizam a coleta de larvas de besouros nos locais onde ocorreram cortes de Acrocomio aculeta para construir moradia, roça de coivara, retirada de palmito, abrir pequenas estradas, armadilha e também nos locais onde ocorreram quebras naturais por ventania forte. Os caciques que acompanharam o passeio guiado afirmaram que a natureza cria as larvas desta forma. Os Guarani da Aldeia Pirajuí, consomem como alimento, somente as larvas de besouros. As larvas são consumidas cozidas, assadas e fritas. E, também são consumidos com mandioca, arroz, milho verde, batata, etc. A larva de Aramanday, na cosmologia do Guarani Ñandéva de Pirajuí, é utilizada como alimento e remédio, pois, o Tupã Guasu criou no princípio da criação, para os Guarani Ñandéva se alimentarem. O Tupã Guasu deixou tudo preparado para os Guarani, antes de ele ir embora da terra para Yvy Marae’ỹ. Para os Guarani as larvas de besouros oferecem alimento forte e puro. Alimento forte, porque as pessoas que se alimentam no dia a dia das larvas são sadias e passam mais tempo para sentir fome. Alimento puro, porque, as larvas, estão na natureza, não foi feita por mãos humanas. Na visão do povo guarani, o alimento saudável, está ligado ao alimento que Tupã Guasu deixou para os Guarani coletarem e cultivarem sem interferência no desenvolvimento das plantas e dos animais. Os caciques entrevistados no priemeiro semestre de 2011, afirmaram que o Mbuku guasu é usado como alimento durante o ritual conhecido como ñemongarai. O ñemongarai é um ritual para abençoar os adolescentes, quando inicia a puberdade. Esse ritual tem duração de um mês, neste período os caciques não podem comer carne de animal. Mas, eles têm orientações do Tupã Guasu para comer o Mbuku guasu de várias espécies.

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2 OS INSETOS NA ALIMENTAÇÃO HUMANA

2.1 A ALIMENTAÇÃO HUMANA

Como lembram Cereda et al. (2011), o termo Segurança Alimentar (SA) tem sido bastante divulgado, mas poucos têm uma compreensão adequada de seu sentido mais amplo e de sua importância. A segurança alimentar extrapola a questão puramente nutricional. Yasbek (2004) lembra que para atingir a SA é necessário o acesso a “alimentos de qualidade, em quantidade suficiente e de modo permanente, com base em práticas alimentares saudáveis e sem comprometer o acesso a outras necessidades essenciais e nem o sistema alimentar futuro, se realizado em bases sustentáveis”. A Segurança Alimentar complementa-se com a qualidade em alimentação para chegar à Segurança Alimentar e Nutricional (SAN), lembrando que não basta comer, mas sim comer bem e realizar exercícios periodicamente. O comer, além de matar a fome, deve promover a saúde e prevenir doenças. Diouf (2007), diretor-geral da FAO (Organização das Nações Unidas para a Agricultura e a Alimentação), elucida:

O direito à alimentação requer uma mudança de percepção: deve deixar de ser entendido como um ato de caridade e começar a ser considerado como um direito. Assegurar que todos os seres humanos disponham de um suprimento de alimentos adequado e estável é mais que uma obrigação moral e um investimento com retornos econômicos potencialmente altos, é a realização de um direito humano fundamental que o mundo tem os meios para torná-lo realidade.

Na questão da SAN os povos indígenas são também pertinentes. Fávaro et al. (2007) lembram que no Brasil os povos indígenas estão mais vulneráveis devido à transformação ambiental em seu território e também ao aspecto socioeconômico. Citam diversos autores (COIMBRA JÚNIOR; SANTOS; ESCOBAR, 1991; PÍCOLI; CARANDINA; RIBAS, 2006) envolvidos com a análise da situação de SAN em vários locais 37

do Brasil, encontraram falhas, principalmente de indivíduos mais vulneráveis, como crianças e idosos. Entre as populações indígenas que são as que mais sofrem as consequências da falta de alimento, situadas no Estado do Mato Grosso do Sul, é que vários casos de desnutrição e subnutrição vêm sendo confirmados, com alto índice de mortalidade infantil. Na aldeia Pirajuí (MS), entre os índios Guarani Ñandéva há registros de desnutrição e subnutrição (FUNASA, 2005). Especificamente no Mato Grosso do Sul, Fávaro et al. (2007) usaram métodos objetivos já validados internacionalmente (KENDALL, OLSON; FRONGILLO JÚNIOR, 1995) para mensurar a situação de Segurança Alimentar de 49 famílias Terena, que vivem em aldeias. Os autores constataram que a prevalência de famílias com algum grau de insegurança alimentar esteve acima de 70%, das quais se podia considerar 20% das famílias com insegurança leve, 33% moderada e 20 que podia ser considerado grave. A pesquisa mostrou que a insegurança alimentar estava relacionada com diversos aspectos, não somente com falta de recursos para aquisição de alimentos, mas com densidade demográfica e escolaridade da mãe, entre outros. Os resultados encontrados pelos autores confirmam o relato de Kendall, Olson e Frongillo Júnior (1995) de que não se pode generalizar a questão da insegurança alimentar mesmo em nível de uma família, pois esta pode atingir de maneira diferenciada os diversos integrantes, adultos e crianças. O Ministério do Desenvolvimento Social, através do artigo 3 da Lei 11.346 de 15 de setembro de 2006 ajusta, o conceito de SAN ao lembrar que a alimentação deve respeitar a diversidade cultural, além de ser social, econômica e ambientalmente sustentáveis (MDS, 2011). A alimentação é parte do cotidiano e, talvez por isso, nem sempre recebe os cuidados merecidos. Uma má alimentação traz graves danos á saúde. Tanto o estilo de vida quanto os fatores culturais ou geográficos e a posição socioeconômica de uma determinada região influem na escolha e elaboração da dieta do ser humano e, portanto, no estado nutricional de uma população. O homem costuma escolher seus alimentos muito mais pelo prazer com a textura, gosto, aroma aparência ou conveniência, e raras vezes pelo valor nutricional e funcional do produto (CEREDA et al., 2011). A ciência da nutrição há muito tempo deixou claro que uma alimentação sadia é diversificada, mas no momento de escolher seu alimento preferido, portanto atendendo seus aspectos culturais, entra em conflito com tabus e restrições alimentares.

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É importante diferenciar tabus alimentares e hábitos alimentares. Os hábitos refletem os padrões culturais e socioeconômicos dominantes de uma determinada sociedade e mudam quando há modificação nesses padrões (RAMALHO; SAUNDERS, 2000). Mesmo havendo comunidades em que o hábito alimentar inclui insetos, pode-se afirmar que tal consumo se constitui em tabu alimentar na cultura não entomofágica (MORRIS, 2008). As preferências e aversões (restrições) alimentares são geralmente de origem social ou cultural (MACBETH; LAWRY, 1997 apud SILVA, 2007). Quando partilhadas entre membros de um grupo, tais restrições podem constituir tabus alimentares, que, de acordo com Costa Neto (2000) citando Colding e Folke (1997) representam regras sociais não escritas que regulam o comportamento humano, podendo ainda ser consideradas instituições locais que limitam e definem o uso de recursos em ecossistemas por comunidades humanas. As razões pelas quais esses tabus se estabelecem é tema de discussão em nível internacional, nem sempre de fácil compreensão. Embora o consumo alimentar de insetos seja bem relatado na literatura, apenas recentemente surgiu o interesse em pesquisar as relações humanas com os insetos, que são diversas e multifacetadas, não devendo ser reduzidas a um único paradigma. Alimentos são todas as substâncias utilizadas pelos animais como fontes de matéria e energia para poderem realizar as suas funções vitais, incluindo o crescimento, movimento, reprodução, etc. Para o homem, a alimentação inclui ainda várias substâncias que não são necessárias para as funções biológicas, mas que fazem parte da cultura, como as bebidas com álcool, refrigerantes, compostos químicos psicotrópicos, os temperos e vários corantes e conservantes usados nos alimentos (ASSIS; VASCONCELOS, 2008). Segundo Anderson et al. (1979) a bromatologia classificou as funções básicas dos alimentos em energética, plástica e reguladora. A energética é desempenhada pelos carboidratos, lipídeos e proteínas. A plástica é regulada pelas proteínas, minerais e águas. A reguladora é efetuada pelas vitaminas, celuloses e oxigênios. As proteínas são as categorias dos alimentos indispensáveis ao ser humano, principal componente da massa celular. A elas cabe a parte mais ativa na constituição do corpo, tendo papel fundamental na formação, crescimento, regeneração e substituição de diferentes tecidos, principalmente dos músculos (EYE, 2002). As vitaminas são substâncias que o organismo não tem condições de produzir e, por isso, precisam fazer parte da dieta alimentar. Suas principais fontes são as frutas, verduras e legumes, mas elas também são encontradas na carne, no leite, nos ovos e cereais. As vitaminas desempenham diversas funções no desenvolvimento e no metabolismo orgânico.

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No entanto, não são usadas nem como energia, nem como material de reposição celular. Funcionam como aditivos indispensáveis ao mecanismo, mas em quantidades minúsculas (EYE, 2002). Segundo Costa Neto e Ramos-Elorduy (2006, p. 432), os insetos e larvas de insetos possuem nutrientes suficientes para alimentação dos seres humanos:

Las ‘chicatanas’ (A. cephalotes) consumidas por más de 15 grupos indígenas de México poseen cerca de 44% de proteína en base seca, 31,5% de grasa y 391 kilocalorías por 100g de producto seco (Landero Torres et al., 2003). La especie Oecophylla smaragdina (Fabricius) contiene 42%-67% de proteínas y es rica en amino ácidos, minerales y vitaminas (Chen, 1994). La alta concentración de zinco que poseen es benéfica para el crecimiento y desarrollo de los niños. El consumo de O.smaragdina también refuerza el sistema inmunológico, aunque no esté claro como esto ocurre (CHEN, 1994).

As análises bromatológicas citadas por Costa Neto e Ramos-Elorduy (2006, p. 432) apresentaram as seguintes postulações:

El análisis bromatológico hecho con pupas del gusano de la seda (Bombix mori) ingeridas como galletas en China y en Japón, reveló que en 362g de materia sólida había 90g de grasas y 207g de proteínas (Carrera, 1992). El análisis de una especie de termita comida en el Congo reveló los siguientes datos: 44% de grasas y 36% de proteínas; 100g de ese insecto equivalen a 561 calorías en base seca (Bergier, 1941; Bodenheimer, 1951; Carrera, 1992). El ahuautle, una mezcla de huevos de varios hemípteros acuáticos que constituye el axayacatl (caviar mejicano), presenta alto contenido de arginina, tirosina y cisteína, considerándose el valor del último aminoácido como el más rico de los alimentos en el reino animal hasta ahora estudiado (Ramos-Elorduy y Rodríguez, 1977). Los insectos comestibles son calificados como concentrados proteínicos, ya que su digestibilidad tanto in vitro como in vivo está por encima del 60%, oscilando del 64% al 87% (Ramos-Elorduy et al., 1984). Es evidente que el exoesqueleto quitinoso no es digerible por el ser humano (¡como la cáscara de la manzana!), pero el exoesqueleto constituye apenas una pequeña parte de la biomasa total (cerca del 4% en las orugas) y no afecta al valor nutritivo de los insectos como alimento (Berenbaum, 1995). La cantidad de insectos comestibles que cada persona debe ingerir para que su estado nutricional sea satisfactorio varía de acuerdo con la especie seleccionada. Por ejemplo, una dieta a base de saltamontes, en la cual los ingredientes estén en equilibrio, requeriría 25g/persona/día, lo que equivaldría a cerca de 47 especímenes del género Sphenarium (Ramos-Elorduy et al., 1998a). Entre los aborígenes australianos, el consumo de 10 larvas grandes de Xyleutes leucomochla Turn. (Lepidoptera: Cossidae) es suficiente para proveer las necesidades proteínicas diarias de un adulto (CHERRY, 1991).

O alimento, ou melhor, a falta do alimento em nosso planeta Terra, é uma das grandes preocupações presentes e futuras a serem solucionadas pela humanidade (ONU, 2008). Para Conway (1998) e Sen (2006) o alimento não falta, mas o que ocorre é que muitas vezes não se tem acesso a ele por diversos motivos: guerras, embargos econômicos, desigualdade social, entre outros. Sem acesso à comida as pessoas passam fome.

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A fome de que aqui se trata significa a situação em que uma pessoa fica, durante um período prolongado, carente de alimentos que lhe forneçam as calorias (energia) e os elementos nutritivos necessários à vida e à saúde do seu organismo. Os especialistas em nutrição diferenciam dois tipos de fome: a global e a parcial (ANDERSON et al., 1979). Fome é, portanto a sensação fisiológica do corpo ao perceber que precisa de alimentos para manter suas atividades inerentes à vida. É um termo comumente utilizado para se referir a casos de má nutrição ou privação de comida entre as populações. Pode ser devida a pobreza, condições agrícolas adversas, razões culturais, religiosas, entre outros (KANTO, 2003). Os alimentos são essenciais para a vida. Para estar saudável e bem alimentado, necessita-se de uma variedade de alimentos seguros e de boa qualidade em quantidade suficiente. Sem uma nutrição adequada, as crianças e os jovens não podem desenvolver seus potenciais plenamente. E os adultos experimentam dificuldades em manter ou aprimorar esse potencial. Os alimentos proporcionam a energia necessária para crescer, para realizar atividades físicas e para as funções corporais básicas (respirar, pensar, controle da temperatura, circulação sanguínea e digestão). Também proporcionam as substâncias necessárias para desenvolver e manter o corpo e para reforçar a resistência às enfermidades. Estas diferentes funções são possíveis graças aos nutrientes contidos nos alimentos. São eles os carboidratos, as proteínas, as gorduras, as vitaminas, os minerais e a água. Todos os alimentos contêm um ou mais desses nutrientes em distintas quantidades e cada tipo de nutriente desempenha funções específicas. Esta é a razão da importância de uma dieta variada para gozar de boa saúde (BELIK; SILVA; TAKAGI, 2001). Canesqui (2009, p. 35), refere-se, desta forma, sobre a escolha dos alimentos para o consumo:

Não comemos apenas quantidades de nutrientes e calorias para manter o funcionamento corporal em nível adequado, pois há muito tempo os antropólogos afirmam que o comer envolve seleção, escolhas ocasiões e rituais, imbrica-se com a sociabilidade, com idéias e significados, com as interpretações de experiências e situações. Para serem comidos, ou comestíveis, os alimentos precisam ser elegíveis, preferidos, selecionados e preparados ou processados pela culinária, e tudo isso é matéria cultural (CANESQUI, 2009, p. 35).

Ainda para Canesqui (2009), Fischler (2011) e também Maheu (2011), os onívoros dominam a possibilidade de mudar os hábitos alimentares e o ser humano é um deles. Para Linnea et al (1979, p. 104):

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Los hábitos alimentarios característicos de cada región, grupo nacional y minoria étnica deben ser respetados puesto que encierran práticas de valor cierto y porque las necessidades nutrícias puedem ser satisfechas de muchas y muy diversas maneras. En todo caso, procede subrayar siempre aquellos rasgos particulares deseables, así como todos los métodos conducentes a uma máxima preservación del valor nutrício de los alimentos. Aunque las matérias primas elegidas y su tratamiento culinário pueden diferir notablemente de las más convencionales, es frecuente que concuerdem con las cuatro categorias alimentarias establecidas, y que suministren los nutrientes recomendados em cantidad suficiente.Tanto los alimentos poco familiares como los métodos de su preparación que puedan resultar extraños deben ser analizados con vistas a reconocer sus posibles valores antes de sugirir câmbios. Así, puede animarse a uma família a que continue con sus hábitos y prácticas alimentarios, siempre que éstos no sean incompatibles com la salud, para proceder luego a uma corrección gradual de aquellos aspectos que, si buenos, podrían ser mejores (LINNEAE et al., 1979, p. 104).

A Antropoentomofagia (COSTA NETO, 2011; RAMOS-ELORDUY, 2009) pode ser considerada como outra forma de complementação de dietas e poderá proporcionar segurança alimentar para aqueles povos em situação de vulnerabilidade em muitas partes do mundo, a fim de que possam superar a fome e a desnutrição. Uma revisão enciclopédica do uso de insetos como alimento nas diversas culturas do mundo foi publicada (DEFOLIART, 2002). Para Costa Neto (2003), os insetos são consumidos nos diferentes estádios de seu desenvolvimento, de alguns se consomem os ovos, de outros, as larvas ou então as larvas e pupas e outros ainda somente os adultos. Produtos elaborados e/ou excretados por eles, como o mel e o maná, também são largamente consumidos. Embora a prática entomofágica remonte a milhares de anos, ela persiste na atualidade e tem sido documentada em quase todas as partes do mundo. As etnias utilizam os insetos como alimentos em circunstâncias de escassez de alimentos, mas em outras circunstâncias como iguaria (COSTA NETO, 2006; DURST; SHONO, 2010; JHONSON, 2010; KONUMA, 2010). Para Yhoung-Aree (2010), os insetos são utilizados como alimento na dieta regular, na sobrevivência, para fins rituais e usos medicinais. Para Jhonson (2010), a ingestão de insetos parece ser culturalmente universal, variando apenas a localização e os tipos de inseto, de populações entomofágicas e grupos étnicos. Segundo Ümit e Türkez (2009), os insetos vêm desempenhando um papel importante na história da nutrição humana, na África, Austrália, Ásia e Américas. Segundo Defoliart (1995 apud ÜMIT; TÜRKEZ, 2009) e Van Huis (2010), os insetos muitas vezes contêm mais proteína, gordura e carboidratos do que quantidades iguais de carne ou peixe, e um valor mais elevado de energia do que a soja, milho, carne, peixe, lentilhas, feijão ou outro.

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Por outro lado, os insetos comestíveis constituem uma comum e importante fonte de alimento em muitos países em desenvolvimento, além de conter poderosas substâncias farmacologicamente ativas (ÜMUT; TÜRKEZ, 2009). Só no México já existem registros de 504 espécies de insetos consumidos em várias etnias (COSTA NETO; RAMOS-ELORDUY, 2006). Para Morris (2008), Konuma (2010) e Lima Dias (2011), a maioria dos seres humanos não entomofágicos consideram o consumo dos insetos como sendo a prática de “gente primitiva”. Segundo Canesqui (2009), o problema principal é que por razões estéticas e psicológicas, muitos insetos são considerados animais nocivos, sujos, fora do padrão sanitário, portanto, transmissores de doenças ou vistos como pragas. A repugnância pelo consumo de insetos, muitas vezes alimentada pelos comerciais de televisão que convidam ao uso indiscriminado de inseticidas, faz com que uma quantidade considerável de proteína animal torne-se indisponível àquela parcela da população mundial que sofre com a fome e a desnutrição. Os insetos, segundo o dicionário Aurélio (2009), são “espécimes de insetos da classe dos Artrópodes, com um par de antenas, dois pares de asas e três pares de patas são na maioria terrestres”. Exemplos destes insetos são a barata e o grilo. Segundo Ruppert e Barnes (1996) é popularmente e cientificamente conhecida como insetos a Classe Insecta ou Hexapoda. Atualmente já são conhecidas e descritas mais de 1,5 milhões de espécies. Trata-se do maior grupo de animais na face da terra. Para Brusca e Brusca (2007), Ruppert e Barnes (1996) e Jonnson e Triplehorn (2011) a classe Insecta possui as seguintes características: são distinguidos dos demais artrópodes por terem três pares de pernas e geralmente dois pares de asas, localizados na região média ou torácica do corpo. Ainda a cabeça porta tipicamente um único par de antenas e um par de olhos compostos. Um sistema traqueal providencia a troca gasosa e os gonodutos se abrem na extremidade posterior do abdômen. Os insetos ocupam todos os nichos ambientais em terra e têm uma grande importância ecológica no ambiente terrestre. Dois terços de todas as plantas floríferas dependem dos insetos para a polinização e ainda podem trazer algumas doenças aos seres humanos e mamíferos de um modo geral (RUPPERT; BARNES, 1996). A seguir são apresentadas breves informações sobre os insetos e suas características externas.

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2.2 OS INSETOS DA ORDEM COLEOPTERA

De acordo com Marinoni et al. (2003), Jonnson e Triplehorn (2011) a ordem Coleoptera (gr. Coleo = escudo + ptera = asa), inclui os besouros, e representa a maior ordem de vida do planeta, contendo cerca de 400 mil espécies de besouros descritas (25% de todas as espécies de animais e plantas juntas), dos mais variados tamanhos, hábitats, cores e formatos. Diversos nomes comuns são atribuídos aos representantes dessa ordem de insetos, como vagalumes ou pirilampos, joaninhas, besouros, “rola-bosta”, carunchos, serra-paus, corós, entre vários outros. Esses animais ocupam praticamente todas as regiões biogeográficas. Para Costa, Casari-Chen e Vanin (1988) a maioria dos coleópteros adultos são capazes de voar, e quando não estão voando, mantêm suas asas membranosas protegidas debaixo do par de asas anteriores, tipo élitro, as quais são rígidas e resistentes. Essa proteção lhes permite explorar diversos recursos e ambientes que impediriam outro tipo de inseto alado ou não de explorá-lo. Segundo Costa Neto (2011) e Ramos-Elorduy (2011), já foram descritas 1.781 espécies no mundo e mais de 549 espécies de insetos comestíveis no México, sendo que o maior grupo de insetos comestíveis pertence à ordem Coleopteras, o segundo em número os da classe de himenóptera, com 351 espécies, a ortodoptera com 276 espécies e Lepidoptera com 253 espécies. No Brasil, segundo Costa Neto e Ramos Elorduy (2006), já são registradas um total de 96 espécies de insetos, utilizados como alimento por 39 grupos étnicos. Conforme Costa, Ide e Simonka (2006), os coleópteros são imaturos e os adultos possuem aparato bucal do tipo mastigador. Seus hábitos alimentares são predominantemente herbívoros (se alimentam de plantas), mas existem besouros que se alimentam de fungos (micrófagos) e outros que são carnívoros (predadores). Muitos são considerados pragas de residências, florestas, plantações e produtos armazenados, porém existem espécies que são empregadas como agentes de controle biológico (inimigos naturais) de pragas e alguns poucos são parasitas (BORROR; DELONG, 1986; COSTA; IDE; SIMMONKA, 2006). Quanto ao hábitat, muitos são aquáticos, semi-aquáticos, comensais, escavadores de galerias subterrâneas, vivem nas plantas em casacas de árvores e nas folhas (RUPPERT; BARNES, 1996; BRUSCA; BRUSCA, 2007). Para Borror e Delong (1986) e Costa, Vanin e Casari-Chen (1988), a cabeça, na maioria das espécies, é normal, arredondada, mas pode ser alongada, formando um focinho, na extremidade do qual se encontra o aparelho bucal.

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Segundo Lima (1956 apud BORROR; DELONG, 1986), o aparelho bucal nos besouros é sempre do tipo mastigador, tanto nas larvas como nos adultos, com as mandíbulas bem desenvolvidas. As mandíbulas de muitos besouros são robustas e usadas para quebrar sementes ou roer madeira, enquanto em outros, são delgadas e afiadas, com um sulco ou canal através do qual o inseto suga a hemolinfa de sua presa. A reprodução em geral é sexuada e a maioria dos besouros é ovípara, existindo, no entanto, espécies ovovivíparas e vivíparas. A postura é feita geralmente no substrato de que se alimentam ou vivem, sendo os ovos alongados e lisos, colocados isoladamente ou em massa (RUPPERT; BARNES, 1996; BRUSCA; BRUSCA, 2007). Essas características são gerais aos coleópteros que habitam regiões tropicais. Segundo o Dicionário Aurélio (2009, p. 89), a larva é o “primeiro estágio do desenvolvimento, independente e móvel, do ciclo de vida da maioria dos invertebrados, anfíbios e peixes”. Portanto, os insetos estão entre estes grupos, assim como as larvas de Coleopteros. As larvas de Coleoptera que foram pesquisadas na aldeia de Pirajuí possuem as seguintes características externas: cabeça castanho-escura, corpo recurvado, sendo mais volumoso no meio e afilado nas extremidades, subdividido em 13 anéis, com coloração branco-creme e sem pernas. Desenvolvem-se no interior do coqueiro, formando galerias nos tecidos tenros da região apical. Levam em média 55 a 72 dias para sair como novo besouro adulto (BENETTI, 1978). Diferenciam-se dos instares imaturos das demais ordens de Holometabolas, fundamentalmente, pela ausência de glândulas labiais verdadeiras, ausências de apêndices articulados no décimo segmento abdominal, dos seis túbulos de Malpighi e ausência de falsas pernas abdominais-larvópodes. A presença de urogonfos articulados ou não no dorso do 9o térgito abdominal é generalizada e há grandes evidências de que a homologia dos urogonfos com os cercos não seja correta (CROWNSON, 1981). Segundo Crownson (1981) a forma e estrutura das larvas de Coleoptera, do mesmo modo que para demais Holometábolas, são adaptações a tipos específicos de ambientes, geralmente diferentes daqueles dos adultos. Os caracteres larvais são estruturas temporárias, úteis somente às larvas e que serão eliminadas na transformação para a imago. A larva possui um modo independente e eficiente de vida como indivíduo, embora sua capacidade de locomoção seja restrita. Segundo Costa, Ide e Simonka (2006), a cabeça é distinta e fortemente esclerotinizada. Em algumas famílias, a cabeça é reduzida em tamanho e retraída dentro do

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protórax (Buprestidae, Cerambycidae e Curculionidae), podendo apresentar-se ainda distintamente comprimida ou cilíndrica. As regiões retraídas são em geral fracamente esclerotinizadas e não pigmentadas. A sutura epicranial se apresenta em forma de U, V ou lira. A sutura coronal pode apresentar-se longa, curta ou ausente, com área adfrontal ausente. Na margem cefálica encontramos dois escléritos importantes: o clípeo e o labro. Em algumas famílias, o clípeo e o labro podem estar ausentes ou muito reduzidos em tamanho ou a sutura que separa estes dois escléritos pode estar ausente. O clípeo pode ser indiviso (Silphidae, alguns Scarabeidae) ou dividido em pós-clípeo um esclérito à parte (Cucujoidae, Chrisomeloidae). Em alguns grupos ocorre, na margem cefálica, uma protuberância mediana, ou nasal. Nas espécies em que o labro é substituído pelo nasal, a digestão dá-se extra-oralmente e a maioria são larvas predadoras. Em alguns grupos a fronte possui uma linha mediana que se estende adiante da sutura coronal, entre os ramos basais da sutura frontal representada internamente por uma quilha mais ou menos forte. É a chamada endocarena, cujo desenvolvimento está relacionado, às vezes, com musculatura forte das larvas brocadoras. É possível que, em algumas espécies, o desenvolvimento da endocarena seja consequência de prognatismo secundário da cabeça, que provoca o encurtamento da superfície dorsal e a redução da área para as inserções dos músculos mandibulares adutores. Endocarena bem marcada aparece em poucos grupos associada à sutura coronal, que também é bem marcada (CROWNSON, 1981). A seguir são apresentadas as características externas das larvas comestíveis na comunidade indígena de Pirajuí, no Município de Paranhos-MS.

2.3 AS CARACTERÍSTICAS DAS LARVAS COMESTÍVEIS NA COMUNIDADE DE PIRAJUÍ

As larvas dos insetos que foram pesquisadas na comunidade de Pirajuí, MS, são conhecidas, pertencentes à ordem Coleoptera e como tais são temidas pelos plantadores de cocos da Bahia (Cocus nucifera L., 1758). As larvas se alimentam do miolo de determinadas variedades de palmeiras (Aracaceae). As variedades desta planta que são hospedeiras obrigatórias das larvas foram identificadas (BENETTI, 1978) como Acrocomio aculeata (Larc) Lood. Mart (1856). A palmeira é uma planta perene, de estipe liso, que pode atingir até 25 m de altura e 30 a 50 cm

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de diâmetro. As folhas são largas e compridas. Planta de clima tropical, a macaúba, macaúva, coco-baboso ou coco-de-espinho é uma planta nativa brasileira. Os frutos são comestíveis e de sua amêndoa se extrai um óleo fino semelhante ao da oliveira. Do miolo do tronco se faz uma farinha nutritiva, as folhas são forrageiras e têm fibras têxteis usadas para fazer redes e linhas de pescar. A madeira é usada em construções rurais. O óleo da macaúba, além do uso alimentício, é de excepcional qualidade para uso industrial. Alguns estudos apontam para provável utilização comercial para os dois usos. O fruto também é comestível, assim como o palmito, é considerada uma iguaria. Segundo Linnaeus (1956 apud LIMA, 1962) a praga mais frequente do coqueiro ou palmeira é o besouro Rhynchophorus palmarum de hábitos diurnos, conhecido popularmente como broca-do-olho-do-coqueiro ou bicudo, devido ao “bico” que apresenta. Essa praga está presente, além do Brasil, na Venezuela, México e áreas do Caribe. Um besouro adulto é de cor preta, com tamanho entre 3,5 e 6,0 cm de comprimento. Tem bico encurvado, forte e com 1,0 cm de comprimento, asas externas curtas, deixando exposta a parte terminal do abdômen e com oito estrias longitudinais. Para Benetti (1978), o inseto possui hábito gregário e maior atividade diurna. São facilmente atraídos pelo odor de fermentação liberado por palmeiras cortadas, com ferimento ou senescência. Os machos diferem das fêmeas por apresentarem pêlos rígidos e forma de escova na parte superior do rosto. O primeiro prejuízo causado por esta praga dá-se logo após a colocação dos ovos (na época reprodutiva), na parte mais tenra da planta (broto). Após o nascimento das larvas, estas se alimentam da parte interna do tronco, fazendo galerias em todas as direções. O meristema apical da planta fica comprometido, deixando a planta de produzir os hormônios auxina e giberilina, os quais são fundamentais para o crescimento. O outro sério prejuízo provocado pelo besouro é a transmissão do nematóide causador do anel-vermelho (BENETTI, 1978). Na comunidade Pirajuí, nos dois semestres em que foi realizada a pesquisa (do segundo semestre de 2010 ao primeiro semestre de 2011), três espécies de coqueiros nativos foram identificads: Acrocomio aculeata, Butia yatay e Arecastrum romanzzofianum Becc. Para Benetti (1978), essas são plantas hospedeiras obrigatórias de Rhynchophorus palmarum (LINNAEUS, 1956).

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2.4 OS INSETOS COMO ALIMENTOS

A literatura é pródiga em referências sobre o uso alimentar de insetos, aspectos nutricionais e formas de preparo. Há também grande potencialidade ligada à disponibilidade de insetos, o que enquadraria seu consumo em SAN. Ainda, é importante salientar que a coleta extrativista de insetos não confronta com as exigências legais ou entra em conflito com agências ambientais, contrário do que ocorre como Silva (2007) relata na extração de quelônios e animais de caça, que ocorre num contexto de rigorosa proibição legal. Segundo Costa Neto e Ramos-Elorduy (2006) os insetos e larvas de insetos possuem nutrientes suficientes para alimentação dos seres humanos. De acordo com Costa Neto e Sánches-Salinas (2008), a maneira como cada sociedade se comporta diante de um tipo de animal depende de fatores tais como abundância do mesmo, contato direto ou indireto ou benefícios ou prejuízos causados pelos mesmos. A partir deste contato, a sociedade assimilará e sistematizará todas as particularidades de um determinado grupo de animal. Assim, ocorre com os insetos segundo Ramos-Elorduy (2011), que exercem uma influencia significativa nas diversas culturas de uma sociedade, influência essa que pode ser negativa ou positiva. Essa influência transparece no consumo alimentar de insetos, gerando sentimentos de repulsa, medo e nojo, em reação reforçada pelos meios de comunicação que passam mensagens de que os insetos são ruins, oferecem perigos e ameaças à saúde e que por isso precisam ser exterminados. Apesar da farta literatura sobre consumo alimentar e valor nutricional, Costa Neto e Sanches-Salinas (2008), relatam um experimento que demonstra o preconceito existente sobre consumo alimentar de insetos. Para estabelecer a visão do consumo de insetos junto aos acadêmicos da Universidade Estadual de Feira de Santana, estado da Bahia, foram realizadas entrevistas usando um questionário semiestruturado. As respostas mostraram que 98% dos entrevistados admitiam conhecer o consumo alimentar de insetos, através de televisão, internet e revistas. Consultados sobre se eles consumiriam insetos, a maioria dos 65 estudantes respondeu que provaria por curiosidade, mas apenas um afirmou que comeria por se tratar de fonte importante de nutrientes. Esse comportamento é claramente identificado como tabu alimentar, onde a escolha é apenas preferencial. Silva (2007), lembra que os tabus alimentares tendem a se associar a comunidades humanas com elevada disponibilidade de recursos proteicos. Os tabus

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representam um luxo na medida em que ocorrem entre populações humanas com elevada disponibilidade de recursos. Morris (2008) cita Holt (1789) e informa que na época já fazia um apelo para superar o preconceito sobre consumo alimentar dos insetos e para Bodenheimer (1989 apud MORRIS, 2008) o preconceito tem por origem a civilização ocidental, portanto, é recente. Para Morris (2004) citado por Morris (2008), depois das bactérias onipresentes, os insetos são a mais abundante forma de vida terrestre, por seu número surpreendente de espécies descritas, de cerca de um milhão. Morris (2008) lembra ainda que este número exceda em muito o número de espécies conhecidas de mamíferos (4.327), aves (9.672), peixes (22.000). Embora os antropólogos em geral pouco tenham se interessado pela vida dos insetos, nas últimas décadas o surgimento de disciplinas ligadas á etnobiologia levou a um crescente interesse pela interação homem-inseto. O interesse desloca-se especificamente sobre o papel dos insetos como alimento entre os caçador-coletores, ignorada em parte devido à aversão do ocidente para com os insetos. Do registro histórico, os seres humanos, assim como os primatas em geral, são essencialmente onívoros ecléticos, comendo de folhas verdes, raízes, frutos e nozes, a uma variedade de animais, incluindo insetos. Parece, portanto, provável que a coleta de insetos, principalmente lagartas, cupins alados e gafanhotos, tenham sido uma importante parte da dieta das primeiras populações humanas. Provavelmente, com a implantação da agricultura e pecuária, os seres humanos passam a dispor de maior quantidade e variedade de alimentos proteicos e não mais sentiram necessidade de criar sistematicamente os insetos como recurso alimentar (MORRIS, 2008). Embora a prática de entomofágica remonte a milhares de anos, ela persiste mesmo na atualidade e tem sido documentada em quase todo o mundo. As etnias utilizem os insetos como alimentos em circunstâncias de escassez de alimentos, mas em outras circunstâncias como iguaria (COSTA NETO; RAMOS-ELORDUY, 2006). Yhoung-Are (2005) citado por Costa Neto e Ramos-Elorduy (2006), lembra que além do uso alimentar os insetos são utilizados para fins rituais e usos medicinais. Só no México são disponíveis o registro de 504 espécies de insetos consumidos em várias etnias. Para Costa Neto e Ramos-Elorduy (2006), a antropoentomofagia é ainda importante como um recurso alimentar para 39 grupos indígenas e comunidades urbanas. Constituem um total de 135 tipos de insetos divididos em nove ordens, 23 famílias, 47 gêneros e 95 espécies, além de outros somente registrados com seus nomes nativos. A mais frequente é a ordem Hymenoptera com 86 espécies (63%). São relatados consumo de insetos

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imaturos (ovos, larvas pupas e ninfas) e, em alguns casos adultos. Observa-se que muitos insetos são consumidos como remédio, além do consumo alimentar. Silva (2007) analisa, entre os aspectos relacionados às escolhas e aversões alimentares entre as populações ribeirinhas assentadas no Rio Negro (Amazonas, Brasil) o consumo de insetos como sendo hábito alimentar de migrantes indígenas provenientes do Alto Rio Negro incluindo o consumo de certos alimentos socialmente rejeitados, como invertebrados (formigas, cupins, larvas de borboletas e gafanhotos), anfíbios (rãs) e répteis (cobras e calangos). Com relação ao consumo de invertebrados, a maniuara, uma espécie de cupim, descrita como saborosa e de aroma agradável, consumida crua com sal, com tucupi ou no pirão de peixe cozido. Dois tipos de saúva comestíveis, preta e vermelha (possivelmente do gênero Atta sp.) foram relatados como sendo utilizados para consumo, os quais são preparados fritos “como torresmos”. As lagartas de coleópteros da família Cerambycidae (Macrodontia cerviconis), localmente chamadas de muxiua, são capturadas nos frutos e troncos de palmeiras (inajá, tucumã e buriti) para consumo e sua gordura é utilizada como remédio para inchaço do baço. Costa Neto, Ramos-Elorduy e Pino (2006) e Akinnawo, Abatan e Ketiku (2002), enfatizam que entre os aspectos que valorizam os insetos está à prospecção de biofármacos. Os autores descrevem o uso medicinal de insetos, assim como as substâncias extraídas para esse tipo de valorização, onde um total de 82 tipos de insetos foi identificado com indicação medicinal no tratamento de várias doenças ou de seus sintomas. Entre os entomoterapéuticos a ordem Hymenoptera foi à predominante. O registro do uso de insetos como agente medicinal pode proporcionar maior impulso à valorização de insetos e abrir novas perspectivas para obtenção de compostos bioativos. Além de exigirem pesquisa em nível bioquímica e farmacológica os autores destacam o risco exploração excessivos. Neste aspecto a ação neurotóxica encontrada em extrato aquoso de larvas cruas e processadas de Cirina forda (Westwood) é relatada e testada em ratos por Koç et al. (2012). Segundo Van Huis (2011) os insetos mais consumidos nos trópicos são as lagartas, gafanhotos, cupins, besouros, formigas, vespas, abelhas e percevejos. O autor afirma ainda que há suposição errônea por parte dos ocidentais sobre o uso alimentar dos insetos nos trópicos, interpretada como ocorrendo apenas devido à fome. Não aceitar essa evidência é apenas parte de um “tabu” alimentar. Costa Neto (2006) reforça esse aspecto ao lembrar que, embora desvalorizado pela cultura ocidental, o consumo alimentar de insetos, é visto em vários países como iguaria pela forma como é preparado em restaurantes prestigiados. Cerca de 1.787 espécies de insetos alimentares são

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registradas no mundo para esse tipo de uso. No Centro Sul e Sudeste do México já são conhecidos 535 espécies de insetos comestíveis, enquanto 100 espécies são descritas no Brasil e consumidas em diverso estágio de desenvolvimento, ovos, pupas e adultos. Com a quantidade catalogada, o consumo de insetos como alimento já deveria ser mais conhecido. Para Morris (2008) os insetos ainda se constituem em alimentos de várias comunidades rurais em diversas partes do mundo. Desta maneira, complementam as proteínas animais de 51% a 81% na sua dieta. Muitas das espécies consumidas são armazenadas para serem consumidas no dia a dia, mas assim mesmo poucas espécies são comercializadas na comunidade ou no mercado mundial. Segundo Ramos-Elorduy e Costa Neto (2006) o consumo de insetos é ignorado pela população urbana, inclusive por governantes, principalmente em países desenvolvidos, mas os habitantes rurais que as utilizam, respeitam e aceitam o hábito, que é repassado de geração para geração. Lembra Costa Neto (2006) que o valor nutricional encontrado nos insetos é alto contemplando proteína, gordura e sais minerais. A espécie Pachymerus nuclerum é considerada praga de grãos, porém, no Nordeste do Brasil os indígenas se alimentam destas larvas. Neste aspecto é importante estabelecer a forma como esses insetos são obtidos. Costa Neto et al. (2006) relatam que durante dois anos e meio (2003-2005) fizeram um levantamento das espécies de insetos utilizados como alimentos no Estado de Veracruz, México. As entrevistas feitas com 200 pessoas do município apontaram em 57 o total de espécies registradas, incluindo Orthoptera, Hemiptera, Homoptera, Megaloptera, Coleoptera, Lepidoptera e Hymenoptera. As espécies do gênero Orthoptera eram as mais frequentemente ingeridas e destas vinte e quatro eram novos registros de insetos comestíveis do México. Os insetos eram consumidos em estágios imaturos ou como adultos, em geral apenas torrados. O consumo era sazonal, com algumas espécies comercializadas nos pequenos mercados locais ou em mercados maiores, na capital do município de Zongolica. Poucos foram os casos de cultivos, mas foram localizados cultivos primitivos que permitiam proteger algumas espécies para poder dispor delas caso necessário, como descrito para certos tipos de barata (Periplaneta australasiae Fabricius) e para Latebraria amphipyroides Guenée e Arsenura armida Cramer. Os autores concluem que na região de Zongolica, México a antropoentomofagia é um hábito ancestral. Ramos-Elorduy et al. (2006, p. 69) detalham o valor nutricional de larvas de besouros usados em alimentação humana, comparando espécies mexicanas e uma brasileira. A composição de aminoácidos pode ser considerada equivalente aos alimentos proteicos e os

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minerais bastante completos. Uma limitação ao valor biológico é lembrada por Berenbaum (1995) citado por Costa Neto e Ramos-Elorduy (2006, p. 89):

Es evidente que el exoesqueleto quitinoso no es digerible por el ser humano (¡como la cáscara de la manzana!), pero el exoesqueleto constituye apenas una pequeña parte de la biomasa total (cerca del 4% en las orugas) y no afecta al valor nutritivo de los insectos como alimento.

Costa Neto (2006) lembra ainda que o Brasil conta com sociobiodiversidade muito rica, com 220 etnias, quilombolas e rurais, e que muito dessas populações são entomofágicas. É importante considerar que no Brasil os insetos além de comestíveis também são utilizados em rituais de danças, com objetivo de reafirmar a identidade como nação indígena. O consumo alimentar de insetos pode ser, portanto, apenas uma questão de escolha quando há abundância de alimentos. Silva (2007) considera possível que as populações ribeirinhas, de modo geral, não necessitem consumir animais considerados tabus, como cobras e lagartos, arraias, animais consensualmente rejeitados apenas devido à relativa abundância de pescado e outros recursos proteicos preferidos para consumo. Portanto, em razão do amplo relato documental, não há necessidade de comprovar que os insetos apresentam boas características nutricionais. É importante diferenciar tabus alimentares e hábitos alimentares. Os hábitos refletem os padrões culturais e socioeconômicos dominantes de uma determinada sociedade e mudam quando há modificação nesses padrões (RAMALHO; SAUNDERS, 2000). Ramos-Elorduy e Costa Neto (2011) informam que o consumo de insetos como alimento, tem registro de consumo já no período Plio-Pleistoceno, assim como relatos no velho e novo testamento. O consumo decorria da abundância dos insetos, mas também porque forneciam nutrientes importantes para suprir as necessidades nutricionais dos seres humanos. Não há necessidade de comprovar que os insetos apresentam boas características nutricionais. Os estudos já realizados comprovaram que os insetos possuem alta quantidade de proteínas, vitaminas, gorduras e sais minerais, todos componentes importantes na dieta humana. Há também comprovação de que os insetos podem apresentar maior quantidade de proteínas e vitaminas que alguns tipos de carnes (ÜMIT; TÜRKEZ, 2009; MORRIS, 2008; RAMOS-ELORDUY, 2011). Segundo Ekpo et al. (2010) análises bromatológicas realizadas em Rhynchophorus phoenicis constataram 61,65% de ácido graxo em base seca, proteínas 22,06%, carboidratos 17,35%. Essa larva normalmente é usada como suplemento alimentar por aqueles que se

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alimentam dela. É consumida como parte de uma refeição ou como uma refeição completa. O alto teor de umidade observada em Rhynchophorus phoenicis implica que a maioria dos nutrientes essenciais na larva de inseto será em forma de macronutrientes, porém, o organismo que se alimenta dela, facilmente pode quebrar o macronutriente e transformá-lo em micronutrientes, por isso é de fácil digestão. Segundo Morris (2008), os insetos são abundantes na natureza, onde ocorre cerca de um milhão de espécies conhecidas e descritas. O autor cita como exemplo que em Malavi, África, os agricultores de subsistências os utilizam como alimento. Embora seu consumo alimentar seja bem relatado na literatura, apenas recentemente surgiu o interesse em pesquisar as relações humanas com os insetos, que são diversos e multifacetados, não devendo ser reduzidas a um único paradigma. Uma vez que a insegurança alimentar foi relatada junto aos povos indígenas, a pesquisa avalia como o hábito cultural de consumo alimentar de insetos poderia colaborar para mitigar esse fato.

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3 MATERIAL E MÉTODOS

3.1 ASPECTOS METODOLÓGICOS

Para atingir os objetivos, foram estabelecidos parâmetros que permitiram estabelecer a quantidade, qualidade e disponibilidade de larvas de besouro (Rhynchophorus palmarum (LINNEAUS, 1958)) nas condições da aldeia Pirajuí, comunidade Guarani, sob a visão de produto de extrativismo e também foram realizadas as entrevistas livres. Atualmente, existem 14 caciques (xamãs) na comunidade de Pirajuí, três deles com idade entre 78 a 80 anos, dois entre 52 a 59 anos, um cacique com 39 anos, um cacique 109 anos e três caciques entre 82 a 91 anos. Esses caciques foram entrevistados, no primeiro semestre de 2011, e afirmaram que não estão sendo formados novos caciques na comunidade. Portanto, esses caciques que detêm os saberes tradicionais na comunidade não estão sendo substituído, fato este que pode levar à extinção dos xamãs guarani ñandéva na comunidade de Pirajuí-MS. Um exemplo a ser citado é o dos Kaiowá da Aldeia Panambizinho de Dourados, MS, onde, entre os anos 2003 e 2005, faleceram caciques que eram considerados “livros vivos” por conhecerem bem os saberes tradicionais do povo Guarani Kaiowá. Na época da pesquisa, a comunidade encontrava-se sem xamãs e os jovens não queriam assumir esse papel importante. Na comunidade de Pirajuí, no segundo semestre de 2011, durante a pesquisa, faleceram dois caciques, um deles foi o senhor Amalho Gonzales, de 89 anos, que colaborou com a entrevista para a elaboração desta dissertação. O pesquisador é da comunidade e professor de Idioma Guarani desde 1989. Para a pesquisa, foram realizadas 21horas e 12 minutos de entrevistas abertas e semiabertas, entre os meses de janeiro de 2011 a junho de 2011 e gravadas na língua guarani. A realização da pesquisa e a publicação dos nomes dos envolvidos foram autorizadas pelo representante da comunidade e o projeto de pesquisa aprovado pela Comissão de Ética de Pesquisa da Universidade Católica Dom Bosco. 54

As entrevistas foram transcritas e digitadas pelo pesquisador. Foram entrevistadas as seguintes pessoas da comunidade: 24 pessoas acima de 30 anos, sendo 14 rezadores, que representam todos os rezadores da comunidade, 8 rezadores do sexo masculino e seis rezadores do sexo feminino; 10 pessoas da comunidade, entre homens e mulheres; 5 professores indígenas do sexo masculino e 5 professoras. Foram entrevistados 27 alunos, menores de 30 anos, sendo que 12 alunos do sexo feminino e 15 alunas, todos da Escola Municipal “Adriano Pires”. Para as entrevistas com os alunos, foram escolhidas três salas, duas de pré- escolares e uma de 4º ano. Foram aplicadas questões fechadas em sala de aula e na presença do professor titular da sala. As crianças entrevistadas tinham idade entre 8 e 16 anos. Pelo planejamento estabelecido, foram também entrevistados 14 rezadores/ñanderu/ñandesy e idosos, incluindo homens e mulheres, pessoas que têm um domínio privilegiado da cultura. A inclusão de mulheres é fundamental, porque poderiam deter conhecimento específico sobre o tema, em especial sobre o consumo e preparo dos insetos. As entrevistas com os caciques foram realizadas em suas próprias residências, com as horas marcadas, seguindo o roteiro das perguntas e abordando sempre como o Guarani organiza, utiliza, classifica e percebe os insetos pesquisados, não impondo aos entrevistados qualquer condição para suas respostas. Somente os professores e alunos foram entrevistados fora do ambiente domiciliar, pois as entrevistas foram realizadas na escola. Entrevistas com os professores foram realizadas para averiguar o seu conhecimento sobre o tema e se esse tema era abordado em sala de aula. Em caso positivo, de que forma, em que momento e por quem era abordado o tema. Os alunos foram entrevistados na escola indígena, com uma turma recém ingressa, para verificar que conhecimentos traziam de casa sobre esse tema. Também alunos em fase de conclusão de seus estudos foram entrevistados, para investigar se houve alguma alteração no que se refere ao conhecimento relativo ao tema. As entrevistas aconteceram por intermédio de técnicas de entrevistas livres e semiestruradas. Segundo Amorozo e Viertler (2010), para essa técnica o pesquisador e o entrevistado mantêm um diálogo livre, sem necessidade de seguir o roteiro previamente estruturado pelo pesquisador. Na entrevista, foi permitido ao entrevistado falar à vontade sobre o uso de larvas e de insetos na alimentação. As pessoas que foram escolhidas para realizar uma turnê guiada com o pesquisador, esses, sim, receberam orientações bem específicas sobre a coleta de larvas de besouros que são utilizados como alimento e captura de besouros adultos.

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A turnê guiada é um método de pesquisa de campo frequentemente usado por pesquisadores que trabalham com ervateiros e com participantes mais ativos da pesquisa (MEJIA, 2002). Neste processo, o pesquisador poderá fazer entrevistas informais e formais, nas quais se tenta buscar informações sobre nomes de plantas, insetos, répteis, etc. O autor da pesquisa é da comunidade e conhece quem detém mais conhecimento sobre os insetos. Por isso, o alvo foram os caciques, os anciãos da comunidade, professores e alunos.

3.2 ÁREA DE ESTUDO: ÁREA INDÍGENA PIRAJUÍ

A aldeia tem área total de 2.000 ha, onde habitam 472 famílias, no total de 2.133 pessoas, das quais 1014 mulheres e 1.119 homens. São 248 as crianças menores de cinco anos de idade do sexo feminino e 243 crianças do sexo masculino. Entre 5 e 10 anos, 207 são do sexo feminino e 250 do sexo masculino (FUNASA - POLO DE PARANHOS-MS, 2010). a) Situação jurídica: Reserva homologada e registrada em 1928. Detalhes sobre a localização da área em estudo são apresentados na Figura 4.

Figura 4 - Mapa da aldeia Pirajuí, local do estudo, Município de Paranhos-MS (2011)

Fonte: Vasconcelos e Vera (2011).

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A comunidade indígena Pirajuí localiza-se na região sul do estado de Mato Grosso do Sul, na fronteira do Brasil com a República do Paraguai, entre os paralelos 23º 55’31,6’’S e 23º59’19,2’’S e os meridianos 5º 15’40,9’’WGr e 55º 18’31,4’’WGr, no Município de Paranhos-MS. A comunidade fica a 22 km da sede do município de Paranhos. b) Saneamento básico: Na comunidade não há rede de esgoto, estação de tratamento de água e coleta de lixo. Não há água potável disponível para a comunidade. Existem dois poços artesianos instalados pela FUNASA, porém o abastecimento de água à comunidade é insuficiente e não conta com tratamento na distribuição de água. A Funasa distribui à comunidade, por meio de Agentes de Saúde, solução de Hipoclorito de Sódio a 2,5% para purificar a água, mas a comunidade tem dificuldade para utilizá-lo. Os moradores desta comunidade afirmaram que o odor é muito forte, e também não faz parte da cultura guarani utilizar substância química para purificar água para usar no dia a dia. c) Assistência à saúde: A comunidade recebe atendimento de saúde pela Fundação Nacional de Saúde (FUNASA) e também pelo Sistema Único de Saúde (SUS) na cidade de Paranhos, MS. Geralmente, os doentes que precisam de internação são encaminhados para o Hospital de Paranhos, principalmente as gestantes e doentes com infecções graves. Antes de receberem assistência da Funasa, as mulheres indígenas gestantes tinham o parto realizado em casa, assistido por parteiras, também, indígenas. A gestante indígena começou a ser levada para o hospital para realizar o parto com a instalação da Missão Evangélica Unida, constituída de Missão Protestante composta de missionários alemães, próxima da aldeia em 1966, e esse tipo de atendimento intensificou-se com o início de atendimento à saúde indígena pela Funasa a partir de 2004. Mesmo assim, ainda há procura por medicina tradicional, principalmente por remédios caseiros e por benzimentos realizados por xamãs. d) Etnia: Guarani Ñandéva de Pirajuí. A Terra Indígena de Pirajuí é uma aldeia que recebia contingentes enormes de indígenas Guarani em trânsito, principalmente nas décadas de 60 a 90, período em que não havia outras aldeias no Município de Paranhos. Atualmente, recebe menor número, pois, durante o trajeto, por exemplo, de Dourados para as aldeias no Paraguai, os indígenas possuem outras opções para se hospedarem em várias outras aldeias, como Arroio Korá, Paraguaçú, Potrero Guaçú, etc, antes de chegar à aldeia de Pirajuí. Os indígenas Guarani geralmente viajavam, saindo da região da Grande Dourados para as aldeias Mboi Jagua, Arroio Mokõi, Fortuna Guaçú, Horquetami, Cerro Pytã etc,, localizadas no Paraguai. Também viajavam de aldeias do Paraguai para aldeias do Brasil. Nas décadas de 60 a 90, essas viagens eram mais frequentes. Atualmente, ainda ocorrem, porém,

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com menor frequência. Na comunidade de Pirajuí, os moradores se autodenominam Guarani Ñandéva ou Ava Guarani. A língua Guarani é o dialeto falado pela comunidade e a língua portuguesa e espanhola é usada para se comunicar com o não indígena. Para o morador desta comunidade, o Ava Kaiowá ou Guarani Kaiowá mora na aldeia Paraguaçú. Isso ocorreu porque, no passado (de 1979 a 1990), a aldeia Pirajuí acolheu 30 famílias de Guarani Kaiowá, quando eles foram expulsos por fazendeiros de sua terra à beira do Rio Iguatemi. Durante 11 anos, a aldeia Pirajuí acolheu 30 famílias Guarani Kaiowá, porém estas famílias foram colocadas na aldeia em um local isolado das demais famílias já existentes. O local onde as famílias foram colocadas se chama Cinquenta e Quatro (54), é o número da Haste de Pedra que marca a divisa entre os dois países (Paraguai e Brasil). Neste período, o autor desta pesquisa tinha 18 anos e foi orientado para tratar bem os Kaiwá, porém não podia, por exemplo, casar-se com Kaiowá, pois eles eram considerados feiticeiros pelos Guarani já existentes, que tinham medo dos Guarani Kaiowá. Em 1991, essas famílias retomaram a sua terra e saíram da aldeia Pirajuí, formando a Aldeia Paraguaçu. Portanto, o Guarani Ñandéva ou Ava Guarani assim se autodenomina para se diferenciar das demais etnias. Para os Guarani de Pirajuí, o Guarani Kaiowá é o que reside na Aldeia Paraguaçu. Os Guarani de Pirajuí recebem os visitantes no pátio da sua casa, oferecem apyka (cadeiras) e tereré, raramente os visitantes são convidados para entrar na casa. Em geral, os homens recebem os visitantes homens e mulheres recebem visitantes mulheres. Esse comportamento também foi percebido entre o Guarani Mbyá por Rodrigues (2009). e) Problemas atuais na comunidade: Os problemas atuais na comunidade são relacionados ao uso de drogas lícitas e ilícitas. Na comunidade, principalmente entre os jovens, há tráfico e uso de drogas, além de consumo de bebidas alcoólicas. A comunidade não conta com atendimento pela FUNAI em seu interior e quem precisa de atendimento precisa ir a Paranhos, a uma distância de 25 km, para ser atendido. O acúmulo de lixo ocorre em algum ponto da aldeia. As variedades de denominações de igrejas existentes na comunidade impõem à comunidade, para aqueles que seguem a denominação, que deixem de participar das festas culturais promovidas por caciques, pois as festas culturais são incompatíveis com o dogma da fé. f) Geologia: A aldeia em estudo encontra-se em uma área de ocorrências minerais da Formação Caiuá (kC) do Grupo Bauru. Dois tipos principais de solos ocorrem, Latossolo Vermelho-Escuro Alceu (Lea) e Podzólico Vermelho- Escuro eutrófico PEe.

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g) Vegetação: A vegetação primitiva da área era formada por fitofisionomias da Região da Floresta Estacional Semidecidual, mais especificamente da Floresta Submontana (Fs), e da Região da Savana (Cerrado), Savana Arbórea Densa (Sd), Savana Arbórea Parque sem Floresta-de-Galeria (Sps) e Savana Gramínio-Lenhosa sem Florestade-Galeria Sgs. h) Hidrografia: Existem cinco nascentes principais e importantes dentro da comunidade, que formam pequenos rios dentro da aldeia. São as nascentes Kolona’i, Postokue, Cinquenta e quatro (54) e Parcela. i) A escola: Existem duas escolas que atendem as crianças da comunidade. Uma escola dentro da comunidade desde 2002 é a Escola Municipal “Adriano Pires”. Outra escola fica fora da comunidade, na Missão Evangélica Unida. A escola da Missão Evangélica Unida é a mais antiga, pois funciona desde 1969. O autor desta pesquisa estudou nesta escola de 1981 a 1985. A escola Municipal “Adriano Pires” funciona como uma escola Pólo, pois esta escola atende administrativamente mais duas escolas. Uma fica dentro da área indígena de Potrero Guaçú e a outra, que é a escola “Marechal Candido Rondon”, na Missão Evangélica Unida, fica fora da terra indígena. A escola Municipal “Adriano Pires” atende 256 crianças do pré-escolar ao 5º ano do ensino fundamental. Para cursar o ensino fundamental do 6º ao 9º ano e ensino médio, os estudantes devem ir para a cidade de Paranhos-MS. Existem 27 professores indígenas trabalhando nestas unidades escolares da comunidade, destes 4 professores são graduados e os demais são estudantes (SEMED, PARANHOS, 2011).

3.3 AS COLETAS DE INFORMAÇÕES E MATERIAS PARA A PESQUISA

3.3.1 As coletas de informações e de material, análises biológicas e físico-químicas das larvas

Essas coletas, principalmente de material, tiveram por objetivo estabelecer as bases para a caracterização das larvas como segurança alimentar e nutricional.

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3.3.2 Primeira fase da pesquisa

Nesta primeira fase, realizada de julho a dezembro de 2010, foram desenvolvidas atividades em conjunto com a comunidade, incluindo várias turnês guiadas para determinar o local de coleta de insetos e tipos de substratos para capturar os besouros. Foram coletados três exemplares de larvas de besouros, assim como besouros adultos; essas amostragens foram marcadas com algarismos romanos (I, II, III). Nesta fase da pesquisa, o local de captura dos insetos foi documentado com fotos e microfilmagens. O pesquisador esteve em sua comunidade nos finais de semanas e nos feriados, para fazer as coletas na comunidade Pirajuí, Município de Paranhos-MS. Foram realizadas as seguintes atividades: - Seleção dos substratos (Mbukuvy na língua Guarani quer dizer local para atrair os besouros) para capturar besouros e larvas obedecendo ao saber local da comunidade; - Registro pelo autor da pesquisa, do dia, hora e semana de ocorrência da primeira infestação nos substratos selecionados, como forma de confirmar o ciclo biológico do inseto; - Para confirmar a espécie, os besouros adultos capturados foram encaminhados para confirmar a taxonomia. Para isso, foram dissecados e catalogados em insetário; - Para obter os dados nutricionais e quantificar as larvas e insetos, foram realizadas mensurações (medição e peso). As larvas foram posteriormente dissecadas para obter a umidade e preparar para análises bromatológicas; - Para obter as repostas sobre o como e o porquê, os Guarani de Pirajuí, usam as larvas de besouros como alimento, percepção, classificação e onde encontrar os insetos foi feita entrevistas livres e semiestruturadas; - Foram realizadas as análises bromatológicas (umidade, gordura, proteína, cinza, fibras e carboidratos por diferença); - Foram identificadas as plantas hospedeiras das larvas dos besouros; - Acompanhamento do ciclo biológico do inseto no laboratório de visão computacional do CETEAGRO/UCDB em Campo Grande-MS; Na primeira atividade para atrair os besouros, foram utilizados cortes totais e cortes superficiais, aberturas côncavas no estipe de Acrcomio aculeata como substrato;8 esse procedimento já é bem conhecido dos Guarani de Pirajuí, que na língua Guarani é conhecida como Mbukuvy. Em português, esses atrativos receberam dos Guarani de Pirajuí o nome de

8 Corte de palmeiras. Cajetano Vera 60

“armadilhas” e na língua Guarani Mbukuvy, que caracteriza o local onde os besouros adultos põem larvas para procriar e essas larvas são comestíveis. Para construir o Mbukuvy, foi realizado um passeio guiado ou turnê guiada, no dia 20 de junho de 2010, às 08h00min. O passeio ocorreu pela comunidade com um rezador, dois professores, dois adolescentes, duas crianças e o pesquisador, com o objetivo bem específico de encontrar o local para realizar o Mbukuvy, ou seja, realizar o corte do Acrocomio aculeata para capturar os besouros e as larvas. Segundo os caciques, o Mbukuvy deve ser realizado em um lugar desabitado. Não precisa cortar e derrubar no chão, basta realizar pequeno corte no tronco de palmeira, longe do solo; se cortar perto do solo, os tatus podem comer as larvas e os besouros. O professor indígena Pedro Duran informou que é necessário realizar o Mbukuvy entre um conjunto destas plantas, que tenha ao redor muitas outras árvores que não sejam palmeiras. Finalmente, foi encontrado o local desabitado, onde havia várias palmeiras e árvores altas, e neste local, foram realizados os Mbukuvy. Foram cortados quatro (4) pés de palmeiras novas. Os cortes obedeceram às orientações dos caciques e do professor indígena Pedro Duran: os Mbukuvy I e II foram cortadas próximas do solo e o tronco foi derrubado no chão. O Mbukuvy II e IV foi realizado desta forma: cortes superficiais (aberturas) no tronco do Acrocomio aculeata, a 80 cm do solo, as aberturas obedeceram às seguintes medidas: 10 cm de largura e 18 cm de comprimento, forma de abertura côncava. Para essa atividade, o cacique fez ritual do tipo oração teve duração de 10 minutos, e logo depois foram cortados quatro pés de palmeiras novas. O cacique alega que o Tupã’i cuida das plantas, portanto, precisa da autorização dele para realizar esta atividade. Segundo Setz (1984), Diegues (2000), Brand (2003), Figueroa (2004), Costa Neto, Clavijo e Fita (2009) e João (2011), a população tradicional ou indígena realiza uma interpretação orgânica da natureza para entender o natural e sobrenatural na sua organização social. Data da primeira montagem de Mbukuvy9: 20 de junho de 2010. Condição do tempo do dia: frio, temperatura mais ou menos 20º C.

9 Substratos para capturar e criar as larvas de Aramanday Cajetano Vera 61

3.3.3 Descrições dos substratos ou Mbukuvy a) Mbukuvy I:

Data: 20 de junho de 2010 em A. aculeata. Palmeira jovem com 9,60 metros de altura. Foi implantado às 8 horas da manhã com corte próximo do solo 10 cm, o tronco foi derrubado no solo. b) Mbukuvy II:

Data: 20 de junho de 2010, implantada às 8 horas da manhã em A. aculeata jovem, de cerca de 5,50 metros de altura. Cortes horizontais a 15 cm do chão. Foi implantada à distância de 20 metros de Mbukuvy I. O tronco foi derrubado no chão. c) Mbukuvy III:

Data: 20 de junho de 2010, implantada às 8 horas da manhã em A. aculeata. Coqueiro jovem, 7,60 metros de alturas. Corte do tipo abertura (talhas) no estipe oval/côncavo a 50 cm do chão. Foi implantada à distância de 40 metros de Mbukuvy I e 200 metros do Mbukuvy II. d) Mbukuvy: IV

Data 20 de junho 2010, implantada às 8 horas da manhã em A. aculeata jovem, de cerca de 9 metros e 58 cm de altura. Corte oval/côncavo a 2 metros do chão. Foi implantada à distância de 200 metros de Mbukuvy III. e) Mbukuvy: V

Data: 04 de janeiro de 2011. Foi implantado às 10h25min da manhã em A. aculeata, coqueiro jovem de 8,89 metros de altura. Corte do tipo abertura (talhas) oval/côncava 90 cm do chão. Foi implantada a uma distância de 7 km do local de Mbukuvy I, II, III e IV.

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f) Mbukuvy: VI

Data: 04 de janeiro de 2011. Foi implantado às 10h25min da manhã em A. aculeata, coqueiro jovem de 7,89 metros de altura. Corte do tipo abertura (talhas) oval/côncava 100 cm do chão. Foi implantada a uma distância de 7 km do local de Mbukuvy I, II, III e IV. Fica a uma distância de 100 metros do Mbukuvy V. g) Mbukuvy: VII

Data: 04 de janeiro de 2011. Foi implantada às 14h30min da tarde em A. aculeata, coqueiro jovem de 9,89 metros de altura. Corte do tipo abertura (talhas) oval/côncava 78 cm do chão. Foi implantada a uma distância de 7 km do local de Mbukuvy I, II, III e IV. Fica a uma distância de 200 metros do Mbukuvy V e 106 metros de Mbukuvy VI. h) Mbukuvy: VIII

Data: 04 de janeiro de 2011. Foi implantada às 14h30min da tarde em A. aculeata, coqueiro jovem de 6,89 metros de altura. Corte do tipo abertura (talhas) oval/côncava 100 cm do chão. Foi implantada a uma distância de 7 km do local de Mbukuvy I, II, III e IV. Fica a uma distância de 289 metros de Mbukuvy V, 98 cm de Mbukuvy VI e 198 metros de Mbukuvy VII. i) Mbukuvy XIX

Data: 04 de janeiro de 2011. Foi implantada às 14h30min da tarde em A. aculeata, coqueiro jovem de 5,30 metros de altura. Corte do tipo abertura (talhas) oval/côncava 100 cm do chão. Foi implantada a uma distância de 7 km do local de Mbukuvy I, II, III e IV. Fica a uma distância de 306 metros do Mbukuvy V, 116 metros de Mbukuvy VI, 109 metros de Mbukuvy VII, 90 cm de Mbukuvy VIII. j) Mbukuvy X

Data: 04 de janeiro de 2011. Foi implantada às 14h30min da tarde em A. aculeata, palmeira ou coqueiro novo 5,58 metros de altura. Corte do tipo abertura (talhas) oval/côncava

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100 cm do chão. Foi implantada a uma distância de 7 km do local de Mbukuvy I, II, III e IV. Fica a uma distância de 350 metros do Mbukuvy V, 216 metros de Mbukuvy VI, 110 metros de Mbukuvy VII, 96 cm de Mbukuvy VIII e 79 cm de Mbukuvy XIX. Implantar os substratos ou Mbukuvy kuéra em locais, distâncias e modelos variados foi para constatar o comportamento dos besouros quanto à infestação dos substratos e se as mesmas espécies existem em outros locais na comunidade. Neste procedimento, foi constatado que os besouros da espécie Rhynchophorus palmarum, Metamesius sp e Cosmpolites sp estão presentes em todos os locais onde foram realizados os substratos ou Mbukuvy. Data da segunda montagem de Mbukuvy: 04 de janeiro de 2011, condição do tempo no dia: quente, temperatura mais ou menos 30ºC. A segunda montagem dos Mbukuvy foi realizada em turnê guiada, também contou com participação de dois caciques, um professor, um senhor da comunidade, uma senhora da comunidade, dois meninos e o pesquisador. No segundo passeio guiado, as pessoas que participaram não eram as mesmas pessoas que participaram no primeiro passeio guiado, que ocorreu no dia 20 de junho de 2010. Na primeira fase de atividade de campo, que coincidiu com a primeira montagem do Mbukuvy, foram realizadas as coletas das larvas e besouros. Foram coletadas nove (09) larvas de besouros instantes final de estágio larval e oito (08) besouros. Data da coleta: 19 de agosto de 2010. Às 11h30min da manhã. Condição do tempo no dia da coleta: calor/seco. Os besouros capturados, quatro (04) besouros, foram encaminhados à Empresa Brasileira de Agropecuária (EMBRAPA), setor de Entomologia de Unidade de Campo Grande-MS e outros quatro foram encaminhados à Universidade Federal de Mato Grosso, Departamento de Biologia e Zoologia. No dia 15 de novembro de 2011, foram coletadas 19 pupas, sendo 09 pupas de 2º dia de pupas e outras nove pupas de 20 dias pupas. No dia 18 de novembro de 2010, as pupas ou casulos de besouros foram colocadas em arena do laboratório de visão computacional do CeTeAgro, UCDB onde foram observadas (filmagem 24 horas) até o dia 09 de dezembro de 2010, em ensaio de busca de novos substratos para sua criação. No dia 18 de novembro de 2010, as pupas ou casulos de Rhynchophorus palmarum foram colocadas em arena de observação, com filmagem por câmaras de vídeo em programa do tipo vigilância, que ocorrem por 24 horas, com sensibilidade para filmagens noturnas em infravermelho. Permaneceram nesta condição do dia 18 de novembro de 2010 até o dia 09 de janeiro de 2011. Neste dia, o autor da pesquisa e seus colaboradores, Dra. Marney

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Pascoli Cereda e Dr. Lucas Tores, engenheiro agrônomo especialista em entomologia, retiraram as cápsulas (pupas) da arena de observação para analisar os resultados. Observou-se que nenhuma das cápsulas (pupas) de 2º dia eclodiu em razão de ressecamento. As pupas de 20 dias eclodiram sete besouros, dos quais três sobreviveram e quatro morreram por não haver conseguido furar a cápsula (pupa) para sair. Esses insetos foram fotografados e armazenados em insetário no laboratório da Universidade Católica Dom Bosco. As cápsulas de 20 dias eclodiram sete besouros, os quais três sobreviveram e quatro morreram, não conseguindo furar as cápsulas para sair. Esses insetos foram fotografados e armazenados em insetários. Também no dia 15 de novembro de 2010, foram realizadas as coletas de estipes de coqueiro (Acrocomio aculeata (Larc) Lood. Ex. Mart. 1845). Os troncos de palmeiras estavam infestados de larvas de besouros para observar no laboratório de CETEAGRO- UCDB. Foram cortados dois estipes. O estipe (I): estipe de coqueiro Acrocomio aculeata (Larc) Lood. Ex. Mart. 1845, obedeceu a esta metragem: 60 cm de comprimento e 20 cm de largura. Este estipe estava com as infestações tardias de 63 dias. O Mbukuvy foi realizado no dia 20 de junho 2010. A larva de 63 dias está no último estágio de desenvolvimento do período larval. Neste período, as larvas emitem som muito forte. O estipe (II): estipe de palmeira Acrocomio aculeata (Larc) Lood. Ex. Mart. 1845 obedeceu a esta metragem: 1 m de comprimento e 12 cm de largura. Este estipe estava com dois dias de infestações, portanto, infestações iniciais. No dia 18 de novembro o tronco de coqueiro foi acomodado dentro da sala do laboratório para observar o processo de desenvolvimento de larva. O som forte emitido pelas larvas seguiu como sinal de alerta entre o fim do estágio larval e o início de estágio pupal. No dia 03 de dezembro pararam de emitir o som. O pesquisador fez a abertura do estipe para observar; neste dia iniciou-se o estágio pupal do Rhynchophorus palmarum e também de Cosmpolites sordidus e de Metamasius sp. No dia 03, 04, 05 de janeiro eclodiram Metamasius sp, Cosmpolites sordidus e Rynchophorus, respectivamente. No dia 18 de janeiro, o tronco de coqueiro começou o processo de decomposição, então o autor e o professor Dr. Lucas retiraram o estipe de coqueiro da sala do laboratório para abri-lo totalmente e retirar manualmente os besouros adultos que eclodiram. Neste dia, foram capturados quatro besouros adultos de Rhynchophorus palmarum, 12 adultos de Metamasius sp e dois Cosmopolites sordidus. Estes foram fotografados e os besouros foram armazenados em insetários.

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Na segunda fase de atividade de campo, que coincidiu com a segunda montagem de armadilhas, foram realizadas as coletas das larvas e besouros. Foram coletadas 63 larvas de besouros insta final de estágio larval e 10 besouros. Data da coleta: 26 de março de 2011, às 11h30min da manhã. Condição do tempo no dia da coleta: calor/chuvoso. Os besouros capturados foram encaminhados à Universidade Federal de Mato Grosso, Departamento de Zoologia e Biologia.

3.3.4 Avaliação da quantidade de larvas disponíveis e coleta

Para avaliar a quantidade de larvas que seriam disponíveis, foram usadas as técnicas tradicionais para atração dos besouros, que consistiram em realização de cortes dos estipes das palmeiras (Mbukuvy). Em duas coletas foram utilizadas cerca de 10 palmeiras em locais variados da aldeia (Figura 4) de forma a avaliar aqueles que ofereciam as melhores condições para coleta de larvas. As palmeiras jovens, segundo os caciques entrevistados para esta pesquisa, oferecem melhores condições para criar as larvas de Aramanday. Detalhe das plantas identificadas como hospedeiros dos besouros (ver quadro 1 Apêndice C).

Figura 5 - Aspecto de corte (Mbukuvy) executado em palmeira para atração dos besouros

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Os cortes foram realizados a alturas variáveis, mas preferencialmente acima de 50 cm para evitar que os tatus (Dasypus novemcicntus e Euphractus sexcintus) alcançassem e comessem as larvas. Os cortes foram ovais para que os besouros pudessem se fixar nos Mbukuvy e permanecer por mais tempo possível para realizar a postura. Trata-se de conhecimento tradicional dos moradores locais o fato de que esses cortes exalam substâncias químicas que atraem os besouros adultos, o que aumenta a possibilidade de atrair maior quantidade de besouros para infestação, aumentando a concentração de larvas por corte. Como forma de garantir que a espécie era a adequada, que é consumida tradicionalmente pelos Guarani e, portanto pode ser considerado alimento seguro, insetos adultos foram coletados, mortos em câmara com formol e encaminhados para a Universidade Federal do Mato Grosso, MT, Departamento de Biologia e Zoologia para confirmar a espécie. As informações de características e marcadores usados na identificação dos insetos encontram-se listados no Apêndice B. A coleta foi realizada à mão e as larvas colocadas em frasco de solução etanólica para posterior avaliação. Detalhes sobre a localização dos Mbukuvy e dos insetos atraídos são apresentados no Apêndice C.

3.3.5 Mensurações

As medidas foram obtidas com paquímetro digital. A massa foi determinada em balança de precisão marca BEL, com precisão de quatro casas decimais.

3.3.6 Análises

As análises foram feitas para estabelecer as principais características nutricionais que poderiam ser atendidas com seu consumo. Foram determinados o teor de umidade, proteína, gordura, fibra, cinzas segundo ANVISA como descritas nas normas analíticas do Instituto Adolfo Lutz (BRASIL, 2005). O percentual de carboidratos foi determinado por diferença. Para o cálculo do valor calórico utilizou-se os coeficientes de Atwater citado por Ito (2003), considerando os seguintes índices: proteína 4,0, carboidratos 4,0 e lipídios 9,0.

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3.4 AVALIAÇÃO DE SUBSTRATOS ALTERNATIVOS AO FUSTE DAS PALMEIRAS, COMO BASE PARA CRIAÇÃO EM CATIVEIRO

A avaliação foi feita com besouros e pupas coletados no campo e posteriormente instalados em diversos substratos. Para poder acompanhar o desenvolvimento das larvas o experimento foi realizado no laboratório de visão computacional do CeTeAgro, localizado nas coordenadas geográficas 20º26´34” latitude Sul e 54º38´47” longitude Oeste, a 532 metros de altitude. O ambiente onde o experimento foi realizado media aproximadamente 9m², com iluminação artificial, onde foi instalada uma arena fabricada de vidro transparente com espessura de 4 mm, com 1,48 x 1,48 x 0,15 m. Sobre essa arena foram dispostas 4 câmaras web, ligadas a um computador dotado de software de vigilância, capazes de captar as imagens mesmo no escuro. O local tinha condições de temperatura controlada, com média de 22 ±1ºC. Para realização do experimento de estabelecimento do ciclo de vida do inseto foi necessário cortar os estipes da palmeira Acrocomio aculeata. O estipe foi coletado com 60 cm de comprimento e 20 cm de largura. Observou-se infestação tardia de 50 dias. As larvas de 50 dias estavam no último estágio de desenvolvimento do período larval. Neste período as larvas emitem som muito forte. Para o experimento de avaliação de substratos alternativos à palmeira Acrocomio aculeata, foram coletadas 19 pupas de Rynchophorus palmarum, sendo nove (9) pupas de 2º dia e nove (9) pupas de 20 dias. Foram selecionados substratos alternativos segundo informações de literatura e da comunidade Guarani: estirpe de mamão (Carica papaya), colmo de cana-de-açúcar (Saccharum oficinarum L), banana (Musa paradisíaca) e coco da Bahia (Cocus nucifera L.), abertos longitudinalmente. Os cocos verdes foram especificamente selecionados por se constituírem em resíduos, após o consumo da água de coco. Sua textura fibrosa foi considerada por se assemelhar ao da palmeira Acrocomio aculeata. As pupas foram colocadas sobre os materiais e observadas diariamente.

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4 RESULTADOS E DISCUSSÕES PARTE I

4.1 INSETOS NA ALIMENTAÇÃO INDÍGENA SOB A VISÃO DA SEGURANÇA ALIMENTAR E NUTRICIONAL

Como afirmado por Somnasong et al. (1998), citado por Costa-Neto (2003), os conhecimentos tradicionais sobre os alimentos oriundos da natureza e as técnicas para obtê- los, são cruciais para sobrevivência de muitos povos ao redor do mundo. Os índios da etnia Guarani Ñandéva alimentavam-se de vários insetos, dentre os quais as larvas de besouros (Aramanday guasu). Segundo Brand (2003), com o contato intercultural, algumas populações indígenas têm mudado o seu hábito alimentar, empobrecendo-o de forma significativa. Algumas mães indígenas pensam que é melhor para os seus filhos comer somente arroz, adotado como hábito dos não indígenas, deixando de lado o seu modo tradicional de se alimentar. Os índios Guarani, assim como varias etnias indígenas, ainda preservam tradições alimentares ligadas à sua cultura, possíveis de serem estudadas, documentadas e resgatadas, entre os quais o costume de se alimentarem de insetos (entomofagia), dentre os quais as larvas de besouros. Diante dos dilemas de seguir a alimentação não nativa, uma saída para os povos indígenas na atualidade, seria descobrir e redescobrir alternativas de obtenção de recursos, como complementação alimentar e nutricional. A entomofagia é registrada nas etnias no Brasil como uma das formas com a qual os indígenas matavam sua fome e superava até mesmo as doenças (POSEY, 1986 apud COSTA NETO, 2003). No caso dos índios Guarani Ñandéva, Ache Guajaki e Kaingang, haveria a possibilidade de retomar as práticas alimentares inerentes à sua cultura, para buscar fontes alternativas de alimentos, como no caso do uso dos insetos, mais precisamente das larvas de algumas espécies de besouros. Eles reconhecem a importância do consumo de larvas de 69

aramanday, no consumo tradicional, onde o consumo como alimento em geral se entremeia com o aspecto mágico ou de uso medicinal. O uso tradicional de insetos na alimentação da comunidade Guarani já foi abordado no Capítulo 2, restando verificar se na atualidade, com o aumento no número de consumidores e sob as óticas da sustentabilidade ambiental, esse consumo poderia ser estimulado, e, neste caso, sob qual aspecto, pois a SAN exige quantidade e disponibilidade, já que qualidade se considera alcançada. Sob essa ótica se propôs avaliar o potencial do consumo de larvas de besouro (Rhynchophorus palmarum (LINNAEUS, 1956)) entre os Guarani Ñandéva, na aldeia Pirajuí, município de Paranhos, MS, a partir da segurança alimentar e sustentabilidade social.

4.1.1 Avaliação da disponibilidade das larvas de Aramanday guasu para alimentação nas condições naturais do ambiente da aldeia Pirajuí

Para atender aos conceitos da SAN, será preciso estabelecer sua disponibilidade, como matéria prima extrativista sustentável, ou estabelecer suas bases para criação como matéria prima. Para isso os cortes foram observados periodicamente para ovoposição e na época adequada, quando havia larvas de Aramanday guasu e Aramanday mirim adequadamente desenvolvida, estas foram coletadas, contadas, medidas e analisadas em sua composição centesimal. Embora seja bem caracterizada como alimento, e mesmo como iguaria e bastante consumida por algumas populações e países, a coleta de insetos é descrita como extrativismo, mesmo onde o consumo de insetos é uma tradição de longo tempo. O inseto é reconhecido por sua forma e tamanho, sendo coletado manualmente durante o verão. A coleta extrativista é comum no México onde a tradição de consumo de insetos é um habito ancestral, podendo por isso deixar de ser disponível. O reconhecimento pela forma e tamanho era exercido no México entre as populações acostumadas com seu consumo, como lembram Ramos-Elorduy et al. (2006, p. 56). Para estes autores os entrevistados conheciam os locais e épocas onde fazer a coleta, mas a sazonalidade os obrigava a estabelecer uma programação da coleta e, portanto, do consumo. No aspecto do ciclo de vida do Rhynchophorus palmarum (LINNAEUS, 1958) a literatura disponível é suficiente para estabelecer as necessidades básicas, porém sob a visão

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apenas biológica do besouro, no máximo como dados para seu controle como praga de palmeiras, e não com vistas a sua criação tendo em vista o consumo alimentar. Como resumo de seu ciclo biológico as fases são ovo, larva, pupa e besouro adulto (COSTA; IDE; SIMONKA, 2006). Os besouros põem seus ovos no estipe das palmeiras, o que é facilitado quando ocorrem ferimentos. Os ovos eclodem e as larvas consomem os tecidos e crescem até alcançar o tamanho adulto, sendo então coletados para consumo humano. No caso da aldeia Pirajuí, Mato Grosso do Sul, o Rhynchophorus palmarum é um Mbuku guasu, mas não foi à única espécie comestível de besouro coletada. A Tabela 1 lista os insetos e larvas coletados com seu uso declarado.

Tabela 1 - Larvas e insetos comestíveis coletados e identificados na aldeia Pirajuí-MS, em 2011. Nome Popular Guarani Nome Científico Inseto Larva Uso declarado CURCULIONIDAE Coleoptera Lembu no’õ Rhynchophorus palmarum Aramanday guasy Mbuku guasu Alimento/Remédio Metamasius SP Mbuku Alimento/Remédio Cosmopolites SP Mbuku Alimento/Remédio Pachymerus nuclearum Tapirichu Mbuku Alimento APIDAE Apis mellifera Eirusu Mbuku Alimento/Remédio LEPIDOPTERA Mielobia smerintha Takuara raso Mbuku Alimento HYMENOPETRA Kava no’õ Attas sexdens Ysa -*- Alimento CICADIDAE Homoptera Ñakyra no’õ Magicicada sp Ñakyra kindi -*- Alimento Legenda: -*-: Sem denominação específica

Observa-se na Tabela 1 que das oito espécies citadas como alimento, à metade também tem conotação de remédio. A espécie alvo da pesquisa (Rhynchophorus palmarum) também apresenta essa característica. Os insetos foram coletados e identificados durante a pesquisa, entre o segundo semestre de 2010 e primeiro semestre de 2012.

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Neste aspecto há concordância como o descrito por Ramos-Elorduy et al. (2008) que relatam que há no consumo de insetos no México um forte apelo ao uso na medicina tradicional (86%), mas não foram encontrados relatos de uso em magia (amuletos místicos). A confirmação do inseto adulto como besouro Rhynchophorus palmarum foi realizado pelo professor Dr. Fernando Vaz de Mello da Universidade Federal de Mato Grosso. O nome na língua Guarani é Aramanday guasu, garantiu que se tratava de alimento tradicionalmente consumido, portanto, na visão do povo Guarani de Pirajuí, o alimento é seguro. A identificação detalhada encontra-se na tabela 1. O hábito de consumo transmitido por gerações é, também, uma característica do consumo no México. Em pesquisa realizada na comunidade por meio de entrevistas, a grande maioria dos entrevistados (78%) declarou ter hábito de consumir insetos desde criança, dos quais 72% deviam o hábito de consumo a mãe e 23% às avós (RAMOS-ELORDUY et al., 2008). Restava, portanto, estabelecer se a quantidade coletada poderia atender, mesmo que parcialmente, as necessidades de consumo, caracterizado como disponibilidade do alimento, como parte dos preceitos da SAN.

4.1.2 Quantificação de larvas de besouros

É preciso ter em conta que a Segurança Alimentar e Nutricional (SAN) exige acesso regular e permanente a alimentos de qualidade, em quantidade suficiente, que respeitem a diversidade cultural e de forma que seja social, econômica e ambientalmente sustentáveis (BELIK, 2003). Visando avaliar quanto ao consumo de larvas do besouro Rhynchophorus palmarum se poderiam atender às premissas das Nações Unidas (FAO) é descrita a seguir a quantidade de adultos e larvas coletadas no local da pesquisa. Nos experimentos de campo, nos cerca de 10 cortes efetuados, foi possível identificar besouros adultos que foram atraídos, variando de 1 a 9 em cada corte. Em cada substrato foi coletado 20 a 65 larvas adultas de Aramanday Guasu pronto para o consumo. Na maioria dos casos foi possível observar a ovoposição, mas não a eclosão dos ovos, pois algumas vezes a eclosão ocorreu à noite. De forma geral a eclosão ocorreu até 24 horas após a ovoposição, mas em média ocorreu após 10 horas.

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Para observar o estágio de desenvolvimento da larva foi necessário realizar um corte com abertura de cerca de 15 cm comprimento e 10 cm de largura nos Mbukuvy, confirmando assim a eclosão dos ovos. Foi também possível confirmar que mesmo sem realizar essa abertura, os Guarani conseguem estabelecer o momento certo de coleta da larva bem desenvolvida, usando um conhecimento tradicional da sua cultura. No início do estágio larval até 10 dias de vida, as larvas emitem ruídos ou sons poucos perceptíveis, mas após dez dias os ruídos aumentam, ficam bem nítidos e fortes, porem quando alcançam 60 dias os ruídos cessam a assim sabe-se que teve inicio o estágio pupal. O número de larvas coletadas foi bastante variável nos ensaios de campo. Variando entre 5 a 65 larvas adultas. Esse número é importante para avaliar o que a coleta extrativista consegue obter para estabelecer o potencial de uso como alimento ou suprimento alimentar. Em uma amostragem foi possível contabilizar três (3) besouros adultos, cinco larvas de 45 dias e 19 pupas, todos de Rynchophorus palmarum. Foram também coletadas espécies de Cosmopolites sordidus e Metamasius sp. Estas espécies de besouros, também, dão origem a larvas comestíveis, porem não tão apreciadas por seu sabor, existindo mesmo tabus sobre seu uso alimentar por parte da comunidade guarani local. Em outra amostragem foram contabilizados três besouros adultos, cinco larvas de 45 dias e 19 cápsulas de pupas de Rynchophorus palmarum, em estágios diferentes de evolução. Uma última amostragem, realizada em fevereiro de 2011, foi a que proporcionou maior coleta, com 65 larvas de Rhinchophorus palmarum de 44 dias, 10 larvas de Metamasius sp. Foram, também, coletados nove Rinchophorus palmarum adultos e três (3) Metamasius sp adultos. Destaca-se que as coletas foram realizadas quando possível, dentro de um planejamento de pesquisa, mas mostram que a coleta extrativista de larvas apresenta como para outros alimentos, forte aspecto sazonal. Nesta última coleta de fevereiro de 2011, foi coletada 65 larvas de substrato VI, o peso fresco foi de 628, 362 gramas, portanto cerca de nove gramas cada larva. Ramos-Elorduy et al. (2006, p. 89) chamam a atenção para com a necessidade de planejamento na coleta extrativista de insetos para alimentação humana quando não há cultivo. Em estudo detalhado feito em região do México com tradição de consumo, apenas 7% dos entrevistados afirmou realizar cultivo e apenas em alguns casos um “pré” cultivo reunia os insetos em condições de serem disponíveis para consumo por tempo mais

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prolongado. A coleta era sazonal porque o consumo ocorria em diferentes estágios de desenvolvimento e era realizada apenas na época em que eram mais abundantes e o esforço para coletar era menor. A coleta de lagartas era feita na grama, em hábito que datava de “alguns anos” e havia sido divulgado por amigos. Todos os substratos realizados no campo da pesquisa foram infestados por larvas de Aramanday guasu, mas, em quantidade numérica em coleta ocorreram nos substratos II, VI e VII. O substrato II apresentou 56 larvas, do VI foram coletadas 39 e do VII foram coletadas 65 larvas, respectivamente.

4.1.3 Caracterização das larvas de Aramanday guasu

As medidas das larvas foram todas feitas nas amostras de fevereiro de 2010, que proporcionaram maior quantidade de massa e correspondiam a larvas com 68 dias a partir dos cortes efetuados. Foram obtidas as seguintes medições: o comprimento variou do mínimo de 28 mm ao máximo de 43 mm, com a média de 33 mm. A largura variou de um mínimo 7 cm ao máximo de 12 cm, com largura média de 4,2 cm. A relação entre comprimento e largura variou de 2,7 cm a 4,5 cm.

4.1.4 Composição centesimal das larvas de Aramanday guasu

Quanto à qualidade dos insetos como alimentos, a literatura é vasta. Costa Neto e Ramos-Elorduy (2006) citando Mercer (1994) ressaltam o valor nutricional da larva Rhynchophorus ferrugineus, portanto da mesma espécie do besouro da palmeira (Rhynchophorus palmarum), mas consumida na Papua Nova Guiné. As análises mostraram 4,3 mg/100g de ferro, 6,1% de proteína, gordura de 13,1%, 9% de carboidratos, 0,008 mg/100g de tiamina, 0,43 mg/100 g de riboflavina e, respectivamente 2,4 e 46,1 mg/100g de niacina e cálcio. As larvas também se mostraram uma importante fonte de zinco. Os autores lembram que o consumo dessas larvas pode ajudar a aliviar deficiência de proteína e fornecer uma quantidade de energia significativa. Costa Neto e Ramos-Elorduy (2006) citando Ramos-Elorduy et al. (1984) lembram que os insetos comestíveis são considerados como concentrados proteicos, tomando-

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se sua digestibilidade, tanto in vitro como in vivo como acima de 60%, oscilando de 64% a 87%. Na primeira coleta realizada em setembro de 2010 a massa total de larvas coletadas foi de 51 gramas e as larvas desidratadas apresentavam massa de 7,51 gramas, com umidade de 85,26%. Em razão da falta de material suficiente, foi realizada apenas a determinação de lipídeos (43,30%) e proteína (32,07%) expressos em massa seca, com umidade de cerca de 90%. Na segunda amostragem, de fevereiro de 2011, com massa de 628,362 gramas foi possível realizar análises mais completas conforme apresentadas na Tabela 2.

Tabela 2 - Composição centesimal de larvas de Rhynchophorus palmarum, com cerca de 68 dias, em fevereiro de 2010 e variação conforme literatura Massa % Fresca Seca Ramos-Elorduy et al. (2006) Umidade 87,20 -*- Sem informação Lipídios totais 7,88 61,56 6,37 a 56,86 Proteína 3,03 23,50 20,6 a 71,10 Fibra bruta 1,89 14,77 2,91 a 23,00 Cinza (minerais) 0,01 0,08 1,49 a 13,69 Carboidrato 0,01 0,08 0,04 a 17,93

A análise confirma o que já foi relatado na literatura sobre consumo alimentar de insetos, mas ao contrário de outros insetos já estudados, destaca o conteúdo de lipídios totais, mais que de proteína. Na massa fresca, forma na qual seria consumida na forma tradicional da comunidade guarani, os lipídios totais sobrepõem-se a proteína. Na primeira amostragem a relação lipídeos/proteína era de 1/3 e na segunda amostragem houve maior acúmulo de gordura, com a relação chegando a 2,6, portanto, além da sazonalidade na captura, deverá ser considerado que a composição poderá variar bastante, com larvas mais gordas na época de maior disponibilidade. Ramos-Elorduy et al. (2006) apresentam uma descrição detalhada do valor nutricional de larvas de besouros (Dynamis politus) usados em alimentação humana, comparando espécies mexicanas e uma brasileira. A composição de aminoácidos pode ser considerada equivalente aos alimentos proteicos, com variações. Expressos em peso seco, citam as seguintes variações para minerais em gramas/100g: Cálcio de 0,0044 a 0,026;

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Fósforo de 0,82 a 0,075; Magnésio de 0,26 a 0,17; Potássio de 0,62 a 0,86; Ferro de 0,0047 a 0,0196. Os minerais menores, expressos em mg/kg apresentaram as seguintes variações: Sódio de 492 a 802, Cobre de 27 a 28, Zinco de 76,5 a 187 e Manganês de 9 a 44. Dos valores encontrados na tabela 2, se comparados com a faixa citada por Ramos-Elorduy et al. (2006), apenas a fibra bruta pode ser considerada dentro dos limites. O teor de lipídios encontrados para as larvas de Rhynchophorus palmarum capturadas situam-se acima do máximo encontrado, enquanto que o teor de proteína ficou pouco acima do valor mais baixo. Minerais e carboidratos apresentaram-se sensivelmente abaixo dos limites mínimos citados pelos autores. A comparação do valor nutricional fica prejudicada por falta de condições comparativas e informações mais completas sobre as condições da análise. Muitas vezes os resultados disponíveis referem-se à massa seca, o que é ideal para comparações, mas se o consumo é na forma fresca, muda substancialmente o perfil nutricional. Bodenheimer (1951), citado em Rastogi (2011), aborda a composição de um tipo de térmita consumida no Congo que apresentava 44% de lipídios e 36% de proteínas, com 561 calorias em massa seca. Carrera (1992), informa que lagartas do bicho da seda (Bombix mori) podem apresentar 25% de lipídios e 57% em proteínas, na massa seca. Esses valores são superiores que aos encontrados nas larvas de Rynchophorus palmarum, também expresso em massa seca, que por sua vez são mais próximos dos de Bergier (1941) citado por Costa Neto e Ramos-Elorduy (2006). Quando comparada em base seca, o poder calórico das larvas de Rynchophorus palmarum chegaria perto de 650 kcal, valor esse muito menor que a faixa citada por Costa Neto et al. (2006) que em massa seca variou de 1508,60 a 2736,14 kcal/100g, mesmo com maior teor de gorduras, o que, provavelmente, é explicado pela grande umidade, característica das larvas “in natura”. Ramos-Elorduy et al. (2008) não relataram o consumo especificamente das larvas do besouro das palmeiras (Rynchophorus palmarum), mas dos 16 entrevistados no México, que consumiam “gusanos” coletados de madeira, a forma de consumo das lagartas era apenas em sopas e não conhecem outras formas de consumo. O preparo dos insetos é, portanto determinante do valor nutricional que chega ao consumidor e como não existe cultivo, a coleta sazonal pode proporcionar valor nutricional variável.

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A proteína encontrada nas larvas de Rynchophorus palmarum, próxima de 32% reduziu-se substancialmente na segunda coleta para 23%, como efeito do aumento do teor de gordura. A literatura cita a comparação com alimentos de origem animal, carnes tradicionais e predominantemente comerciais. A Tabela 3 apresenta a composição de alguns tipos de carne como relatado na literatura, seu valor energético, umidade, teor de proteína e lipídios totais, com fins de comparação com a larva de Rynchophorus palmarum.

Tabela 3 - Composição de alguns tipos de carne como relatado na literatura, seu valor energético, umidade, teor de proteína e lipídios totais Umidade Proteína Lipídeos Energia Carne Referência % % % (kcal/100)(-*-) Frango 70,51 18,09 9,32 161 Torres et al (2000) Peixe 78,42 17,42 3,30 97 Campos & Isepon (1996) Bovina 74,12 18,09 4,30 121 Torres et al (2000) Suína 65,27 19,38 14,49 208 Torres et al (2000) Legenda: (-*-) expressas em massa fresca.

Observa-se na Tabela 3, que quanto maior o teor de lipídios totais, maior será seu valor calórico. A carne suína com cerca de 15% de lipídios totais apresenta também o maior valor calórico. A larva de Rynchophorus palmarum, se comparada com as carnes da Tabela 3 apresenta a maior umidade com menor teor proteico e maior de lipídios totais que a carne de porco. Seu poder calórico calculado em base da composição centesimal na Tabela 2, em razão do alto teor de umidade seria 83,08 kcal/100g, portanto menor que o da carne de peixe. Os lipídios presentes nas larvas de Rynchophorus palmarum merecem uma análise específica. Apesar do elevado teor na massa seca, cerca de 60%, na forma fresca com que as larvas são consumidas (Tabela 3) seria um alimento com menos lipídios que a carne de frango. Segundo Ramos-Elorduy (2000 apud COSTA NETO, 2003, p. 344) as características da gordura de insetos pode ser assim descritas:

De um modo geral, os lipídeos que constituem as gorduras dos insetos são, em sua maioria, do tipo insaturado e poliinsaturado e, assim, necessários ao organismo e não daninhos. Os tipos lipídicos encontrados nos insetos comestíveis são: ácidos

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capróico, caprílico, cáprico, láurico, oléico, linolênico, esteárico, palmítico, mirístico, entre outros.

Os indígenas entrevistados durante a pesquisa demonstram informações detalhadas sobre a larva e do consumo de óleo ou azeite de larvas de Rhynchophorus palmarum ou aramanday, conforme o depoimento do senhor Norberto Cabral, de 52 anos:

Ñandy ramo: ojeporu tembiú oñemongyra. Péva oguereko ñandy ivevuíva, pero katu imbareteva, ojaporã ñande retere, upévagui iporã ja’u ko’ã mba’e.

TRADUÇÃO (livre do autor): a gordura é usada para fazer comida, pois, gordura de aramanday é leve não faz mal à saúde, porém, a gordura é forte, por isso é necessário para o nosso corpo.

Se a gordura de larvas de Rhynchophorus palmarum se confirma como gordura insaturada, essa característica pode contar a favor de seu consumo, uma vez que apresenta efeitos benéficos no organismo ou no corpo, pois ajuda a reduzir o colesterol ruim. Em geral as gorduras de alimentos de origem animal contêm gorduras saturadas, que juntamente com colesterol, podem ter efeitos prejudiciais em caso de consumo elevado. O teor calórico, assim como sua composição centesimal é sem dúvida um ponto importante na decisão por uma alimentação sadia. Entretanto devem ser considerados também a idade, sexo e tipo de atividade física desenvolvida pelo consumidor. Esse aspecto é comentado também por Cherry (1991), citado por Costa Neto e Ramos-Elorduy (2006, p. 432). La cantidad de insectos comestibles que cada persona debe ingerir para que su estado nutricional sea satisfactorio varía de acuerdo con la especie seleccionada. Por ejemplo, una dieta a base de saltamontes, en la cual los ingredientes estén en equilibrio, requeriría 25g/persona/día, lo que equivaldría a cerca de 47 especímenes del género Sphenarium en cuanto que entre los aborígenes australianos, el consumo de 10 larvas grandes de Xyleutes leucomochla Turn. (Lepidoptera: Cossidae) es suficiente para proveer las necesidades proteínicas diarias de un adulto.

As recomendações de consumo para a população brasileira são baseadas em consumo energético médio de 2.000 kcal por dia, que deve ser considerada como uma estimativa da necessidade média de energia para uma população sedentária. Essas informações não podem ser simplesmente aceitas, porque as necessidades nutricionais variam com uma série de circunstâncias. Segundo as recomendações do Ministério do Desenvolvimento Social (MDS, 2006) deve-se considerar o estado nutricional que por sua vez depende do equilíbrio entre consumo alimentar e gasto energético do organismo. Se a alimentação fornece mais energia

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do que a requerida pelo organismo, a energia excedente é acumulada na forma de gordura corporal. O consumo de alimentos na quantidade e qualidade correta configura Segurança Alimentar e ajuda a proporcionar saúde à comunidade. O consumo de alimentos calóricos sem esforço físico correspondente, ou em idade em que a taxa de acumulação á mais alta, como em idosos, traz um dos maiores problemas atuais, comuns a povos com altos e baixos rendimentos, que é a obesidade, que pode surgir em todas as faixas de idades e em ambos os gêneros (CEREDA et al., 2011). Para estabelecer as necessidades nutricionais, a Food and Agriculture Organization (FAO, 1985) descreve as necessidades humanas com base nos princípios de necessidade média de energia e nível seguro de ingestão de proteínas, que é diferente de pessoa para pessoa e é influenciado por vários fatores, entre os quais: a idade, atividade física, temperatura ambiental e sexo. Leão e Gomes (2003) citam como orientação geral as seguintes atividades e esforço causado como leve: executivos, professores, profissionais liberais, donas de casa que utilizam aparelhos domésticos, moderada: trabalho em indústria leve, motoristas, estudantes e intensa: agricultor sem equipamentos motorizado, soldado, atletas. Seria possível estabelecer as necessidades específicas de cada indivíduo, usando para isso equações disponíveis na literatura e a avaliação do seu estado nutricional, considerando as atividades físicas entre esforço moderado a intenso. Entretanto, de forma geral e com base no valor médio de 2000 kcal por dia, seria impossível atender essa população, mesmo que apenas em suas necessidades proteicas com as larvas de Rynchophorus palmarum, mas poderiam se constituir em complemento alimentar direcionado para as crianças subnutridas e aos adultos doentes. A coleta extrativista deste alimento também ficaria aquém das necessidades da população, mesmo como suplemento alimentar. Considerando a melhor coleta realizada com 628, 362 gramas, seria possível disponibilizá-la para a comunidade 52. 657 kcal, que mesmo considerando que apenas complementariam a metade das calorias necessárias por dia (1000 kcal por dia), atenderia cerca de 53 adultos, ao custo ecológico de pelo menos 10 palmeiras sacrificadas. Esta análise foi feita para consumo ‘in natura’, mas poderá variar em função do tipo de preparo das larvas. O cozimento em água dilui os seus nutrientes, enquanto que a fritura os concentra pela perda de umidade e pode eliminar boa parte da gordura do inseto. O consumo da larva “in natura” não é frequente nas regiões do mundo onde o consumo de insetos é uma tradição.

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No México, junto à comunidade que tinha hábito de consumo, nenhuma das espécies era consumida viva e a maioria (69%) do consumo do inseto era assado, mas muitos eram cozidos em água com sal e, por vezes, fritos na manteiga. A percepção do gosto varia e pode, no caso dos Orthoptera, assumir o sabor do molho que acompanha o prato. Em outros casos, eles apresentam sabor de amendoim, sementes de abóbora, torresmo de frango, carne de porco, e no caso dos insetos sociais o sabor é relatado como semelhante aquele da noz, pinhão ou amêndoas (RAMOS-ELORDUY et al., 2008). Mas, o consumo das larvas de besouros pela comunidade não precisa ser vista apenas como SAN. Comprovada como alimento seguro e nutricionalmente bem estabelecido, poderia atender a um mercado mais sofisticado e ligado as raízes culturais do povo guarani e não mais como Segurança Alimentar. Neste aspecto a proposta de valorização dentro da linha “gourmet” poderia ser alinhada com a valorização de alimentos que apresentam alto valor agregado em volumes mais reduzido, como reforçado por Costa Neto (2006), de que o inseto como alimento em vários países é visto como iguaria pela forma como é preparada em restaurantes prestigiados. O problema desta proposta é que o alimento teria de ser valorizado dentro da própria cultura, uma vez que sua aceitação fora destes limites teria de ser avaliada. Mas essa limitação talvez traga, também, sua maior virtude, pois confinado o consumo à aldeia Pirajuí, não ocorria o fenômeno comum na agricultura familiar brasileira de venda de produto alimentício, com prejuízo do consumo interno. Caso o alimento ainda se apresente atraente para a comunidade Guarani, duas possibilidades se apresentam: melhorar o rendimento de coleta extrativista ou estabelecer criação em substrato de palmeira ou outros substratos alternativos. Essas hipóteses dependem de um bom domínio da biologia do inseto e é abordada, ainda que superficialmente na sequência.

4.1.5 Confirmação do ciclo biológico em campo e laboratório usando o estipe de palmeira

No estipe de palmeira o som forte emitido pelas larvas foi considerado como sinal do final do estágio larval e o início do estágio pupal. Apesar de ser um ambiente artificial, sem a variação natural de luminosidade exterior, o experimento permitiu acompanhar o ciclo biológico na colonização do estipe da palmeira.

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Quando o som emitido por larvas parou, a abertura do estipe permitiu confirmar que as larvas haviam passado para o estágio pupal. No laboratório o desenvolvimento da larva até a pupa confirmou os dados de campo, realizando-se em média em 59 dias, após o que eclodiram vários besouros. Dos 9 besouros encontrados, apenas 6 estavam vivos, sendo 5 da espécie Metamasius sp e um besouro da espécie Rhynchophorus palmarum. Os 3 besouros mortos estavam presos em suas capsulas, provavelmente impedidos se sair pelo ambiente mais seco. As larvas de besouros que foram observadas no laboratório confirmaram o ciclo biológico citado na literatura (COSTA; IDE; SIMONKA, 2006), mas com duração variada. A ovoposição e eclusão dos ovos duraram cerca de 10 horas, o desenvolvimento das larvas cerca de 40-60 dias, sendo que aos 60 dias teve início a fase de pupa. Constatou-se também que da fase pupal à saída do besouro ocorreram em média 50-53 dias. Considerando o ciclo completo do ovo até a saída do besouro adulto, cumpriu-se um ciclo de 72-73 dias. Esse ciclo pode ser em geral considerado mais curto que o citado por Cristancho-Sánchez e Barragán-Fonseca (2011) os ciclos biológicos das larvas apresentam a seguinte duração: a etapa de ovo até larva tem duração entre 2 e 4 dias, o desenvolvimento larval tem duração de 40 a 60 dias, a pupa de 10 a 17 dias e o adulto vive por 42 a 60 dias. O resultado da observação no campo da pesquisa: o processo de estágio larval até a pupa teve a duração de 56 dias e do estado pupal até sair o besouro adulto teve a duração de 49 dias. No total, do ovo, larva, pupa até sair o besouro adulto teve duração de 105 dias. O fato foi verificado em besouro da espécie Rhynchophorus palmarum. Na pesquisa realizada por (COSTA, IDE e SIMONKA, 2006), o ciclo completo teve duração de 73 dias e na pesquisa realizada por Cristancho-Sánchez e Barragán-Fonseca (2011), o ciclo completo apresentou duração de 77 dias. A diferença de números de dias comparados a estes dois trabalhos é de 28 dias. Segundo Edwards e Wratten (1981); Costa, Ide e Simonka (2006), Cristancho- Sánchez e Barragán-Fonseca (2011), os insetos de vida livre em geral possuem comportamentos adaptáveis ao ambiente para reprodução, portanto, em cada ambiente, os insetos terão comportamentos diferentes. Por isso torna-o difícil para observar na natureza.

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4.1.6 Avaliação de substratos alternativos ao fuste das palmeiras Acrocomio aculeata (Larc) Lood. Mart (1856), como base para criação em cativeiro

A coleta extrativa deve ser sustentável. Mesmo com disponibilidade no atual momento de palmeiras da espécie preferida pelos insetos, o uso sistemático para captura de insetos e produção de larvas, se o hábito alimentar se mantém ou cresce exigirá a criação para atender essa demanda e não esgotar o meio ambiente. Em nível internacional Vogel (2010) lembra que será necessário que a FAO desenvolva diretrizes e políticas para incentivar países para incluir insetos em seus planos de segurança alimentar. A FAO, no entanto, está assumindo um olhar mais atento à criação experimental de insetos para verificar se realmente pode ser tanto ecológica como economicamente sustentável. Costa Neto, Pino e Ramos-Elorduy (2006) ao valorizar a prospecção de biofármacos a partir dos insetos, enfatizam o risco da exploração excessiva. Neste aspecto foi realizado um experimento simples, apenas para verificar a viabilidade de criação em cativeiro, como forma de garantir a disponibilidade e quantidade do alimento. Durante a pesquisa foram testados outros substratos como o estipe de mamão (Carica papaya), colmo de cana-de-açúcar (Saccharum oficinarum L), banana (Musa paradisíaca) e resíduos de coco da Bahia (Cocus nucifera L.), com a possibilidade criar as larvas dos insetos. Já é sabido que a palmeira Acrocomio aculeata é a planta hospedeira de maior sucesso do besouro Rhynchophorus palmarum. O Rhinchophorus palmarum não apresentou adaptabilidade ao colmo do mamoeiro, cana-de-açúcar, pseudocaule de bananeira e resíduos de coco verde. No caso do coco verde e cana, constatou-se um início de infestação, mas a textura se apresentou branda demais para que o besouro estabelecesse um casulo. Por outro lado, as espécies que conseguiram se adaptar nestes materiais, alimentando-se de miolo de estipes de mamão, talo de banana e cana-de-açúcar, foram Metamasius sp e Cosmopolite sordidus. Os resultados suportam o conhecimento tradicional dos Guarani de Pirajuí, que durante as entrevista, não citaram outras plantas além das palmeiras específicas: mbokaja (Acrocomio aculeata) como principal planta hospedeira do aramanday, e as demais pindo (Arecastrum romanzzofianum Becc.), jakarati’a (Jacaratia spinosa [Aubl.]) e jata’i (Butia yatay). A presença de Cosmpolites sordidus (praga de bananeiras) e do Metamasius sp, confirmou os resultados de campo, mostrando que esses besouros também estão presentes no ambiente.

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Essa dificuldade em estabelecer uma colônia encontra apoio nas pesquisas de Rochat et al. (1991) que citam a importância do feromônios de machos de Rhynchophorus palmarum quando em armadilhas estabelecidas em campo. Apenas o tronco de palmeiras quando colocado em gaiolas não foi eficiente para causar atração. Insetos machos criados em laboratório quando impregnados dos compostos voláteis emitidos pelos machos selvagens apresentaram alta atração para insetos de ambos os sexos, estabelecida em um olfatômetro com duas possibilidades de escolha, evidenciando a importância do feromônios masculino. Portanto, o experimento mostrou que é possível criar as larvas de Aramanday mirim em outros substratos que a palmeira Acrocomio aculeata, mas para essa espécie a possibilidade de contar com feromônios adequados poderão facilitar a criação. A utilização de insetos, ou resíduos de sua utilização poderão reduzir os custos de criação ou mesmo custeá-las, reduzindo as dificuldades da coleta extrativista e complementando o consumo alimentar. Para conseguir criar o inseto será necessário que através da pesquisa se estabeleça o comportamento do inseto, hábito alimentar, período de reprodução dos besouros e das larvas em conjunto com a comunidade interessada para que a pesquisa não seja isolada.

4.2 CONSIDERAÇÕES FINAIS

Embora ocorram sérios problemas de insegurança alimentar, é comum que mesmo os programas assistencialistas dos países desenvolvidos imponham suas soluções alimentares conforme seus próprios preconceitos e tabus. Um destes preconceitos é de que o consumo de insetos possa resolver a questão da produção de carne. Vogel (2010) aborda essa questão quando lembra que enquanto o mundo desvia mais de suas colheitas de cereais para produzir a sua carne, alguns cientistas estão pressionando os políticos para um olhar mais atento sobre o consumo de insetos como uma fonte ambientalmente mais amigável de proteína. Para esse raciocínio concorre o fato de que uma vaca precisa comer cerca de 8 gramas de comida para ganhar um grama de peso, enquanto os insetos precisam de menos de dois gramas para o mesmo resultado. O artigo cita Paul Vantomme, da FAO/ONU para lembrar que quando é necessário alimentar 9 bilhões de pessoas, não se pode ignorar a eficiência de insetos como os produtores de proteína. Essa visão se apoia nas perspectivas de Van Huis (2011), que afirma que a maioria dos insetos comestíveis é coletada na natureza, diretamente nas culturas onde

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causariam danos. Lembra também que os insetos são alimentos de boa qualidade nutricional, iguais ou até melhores do que a carne convencional de peixes ou aves. Ainda segundo Vogel (2010), apenas 100 gramas de lagartas pode fornecer toda porção diária de proteína recomendada para adultos, além de ferro, vitaminas B, e outros nutrientes essenciais. Mas, para que isso possa ocorrer, será necessário mudar também a forma como que os insetos são coletados com esta finalidade, porque fornecer 100 grama a 9 bilhões de pessoas é, também, um grande desafio. Se há um grande desafio em alimentar muitos com insetos, é possível que apenas o fato de permitir que uma parte desta população, a que realmente gosta de ingerir insetos o faça, será uma tarefa mais simples, embora, também, apresente seus problemas. No seu preconceito, mesmo os programas assistenciais bem intencionados partem da ideia de que se alguns dos que comem insetos, o fazem por absoluta necessidade. O que é verdade, mas não para todos. Van Huis (2011, p. 23) complementa que:

In fact, many Westerners do consider the practice repulsive, but that a misconception. We think that people eat insects [just] because they are hungry, which is complete nonsense! They eat insects because they really like it.

TRADUÇÃO (livre do autor): Na verdade, muitos ocidentais não consideram a prática repulsiva, esse pensamento é um ‘esquivoco’. Nós pensamos que as pessoas comem insetos, apenas, quando eles estão com fome, que é um pensamento absurdo completo. Eles comem insetos porque realmente gostam.

Essa é a situação que se apresenta no estudo de caso das larvas do inseto Rhynchophorus palmarum com foco em Segurança Alimentar. Os resultados mostraram tratar-se de alimento seguro, com composição semelhante à de outras carnes comerciais. Foi possível confirmar que a comunidade guarani, se quiser, detém conhecimentos suficientes para desenvolver a proposta. Esse conhecimento tradicional mostra que o som emitido pelas larvas permite identificar o grau de desenvolvimento da mesma e melhor consubstanciada, poderá ser uma ferramenta valiosa na criação fora do “hábitat” natural, principalmente, se aliada a outras ferramentas, como a visão computacional e biotecnologia. Ainda que os resultados obtidos possam ser considerados apenas uma avaliação prévia, a disponibilidade foi o ponto mais frágil detectado para que o enfoque da SAN pudesse ser aplicado. A coleta extrativista ressaltou uma sazonalidade, não só em quantidade, mas, também, de composição. O número de larvas coletadas foi bastante variável nos ensaios de campo, reforçando a necessidade de criação intensiva, caso o consumo venha a aumentar. Na coleta em que proporcionou maior quantidade, foi também a que se caracterizou por maior teor de umidade, o que conferiu menor teor proteico, na forma fresca

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como é consumida tradicionalmente da cultura guarani. Essa composição diferiu da maioria dos relatos da literatura sobre insetos comestíveis, com maior teor de gordura do que de proteína. Para garantir o alimento em quantidade será necessário aprofundamento da pesquisa sobre o ciclo biológico e substratos alternativos. Entretanto foi possível confirmar que, nas condições estabelecidas na pesquisa, as larvas de besouros da espécie Rhynchophorus palmarum levaram em média 40 dias para se tornarem maduras e 60 dias para iniciar o estágio pupal. Aos 60 dias as larvas apresentavam cerca de 9 gramas, com comprimento médio de 33 cm e a largura média 4,2 cm. A composição média em massa fresca, que é a forma tradicionalmente consumida na cultura guarani, revelou umidade próxima a 87%, que pode ser considerada alta. O perfil nutricional difere daquele mais relatado na literatura para insetos na alimentação humana, com predomínio dos lipídeos (8%) sobre a proteína (3%) e caloria próxima de 80 kcal, o que a apresenta menor conteúdo calórico que a carne de frango. Na massa seca essa diferença se acentua, com cerca de 60% de lipídios e 23% de proteína, com energia concentrada a cerca de 680 kcal/100g. Esta análise foi feita para o consumo ‘in natura’, mas poderá variar em função do tipo de preparo das larvas, diluído com o cozimento em água dilui os seus nutrientes, enquanto que a fritura os concentra pela perda de umidade e pode eliminar boa parte da gordura corporal. A disponibilidade de larvas para suprir o hábito alimentar tradicional da cultura guarani fica evidente quando se compara com a população atual da aldeia Pirajuí. Mesmo considerando as atividades físicas exercidas entre esforço moderado a intenso, a quantidade de larvas coletadas não poderia ser considerada mais do que um complemento alimentar, o que não reduz sua importância. A coleta extrativista deste alimento além de ficar aquém das necessidades da população, mesmo como suplemento alimentar, deve considerar o número de palmeiras sacrificadas, ainda que disponíveis no local, pois o aumento da população e do consumo, juntos poderia ameaçar sua sobrevivência. O alimento ainda que se apresente atraente para a comunidade guarani, duas possibilidades se constata como necessárias: melhorar o rendimento da coleta extrativista ou estabelecer a criação em substrato de palmeira ou outros substratos. Foi, também, evidenciado que outros insetos ovopositam a palmeira, tanto na natureza como no experimento de laboratório. Também são valorizados na cultura guarani, as larvas de Cosmopolites sordidus e Metamasius sp, que são denominadas na língua guarani como Mbuku mirim, poderiam ser

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usadas para produzir lipídios para uso cosmético e medicinal, mas essas aplicações deverão ser melhor estudadas. Caso o consumo das larvas de besouros pela comunidade seja visto como uma iguaria local, poderia atender a um mercado mais sofisticado, alinhado com a valorização de alimentos que apresentam alto valor agregado em volumes mais reduzidos. A limitação de aceitação fora da cultura poderia valorizar ainda mais seu uso interno, impedindo que a venda prejudique o consumo interno. Mas para que as larvas de Rhynchophorus palmarum sejam levadas a sério como alimento ou complemento alimentar, seria necessário de início, mudar a visão sobre como assegurar a Segurança Alimentar das populações tradicionais. Talvez o mais importante não seja que culturas que não tenham o hábito de consumir insetos o incorporem, mas sim que essas mesmas culturas aceitem os hábitos culturais que lhe são estranhos e avaliem a situação antes de criar expectativas com introdução de novos hábitos alimentares.

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5 RESULTADOS E DISCUSSÃO PARTE II

5.1 TRANSMISSÃO DE CONHECIMENTO ENTRE OS AVA GUARANI DE PIRAJUÍ

Segundo Ambrosio-Arzate et al. (2010), no México, entre as etnias, a transmissão do saber ocorre entre as famílias e assim elas mantêm suas tradições. Neste ítem, abordar-se-á a técnica de transmissão de conhecimento entre os Ava Guarani de aldeia Pirajuí-MS. Neste Capítulo se irá abordar as repostas das entrevistas livres realizados durante a pesquisa. Os modelos de perguntas estão detalhados no Apêndice A. Para Pereira Marques (2003) e Fabio Mura (apud BENITES, 2009), a transmissão do conhecimento entre os Guarani ocorre na beira do fogo (tataypype). Segundo os caciques entrevistados, no primeiro semestre de 2011, as práticas de transmissão de conhecimento ocorrem entre as famílias, bem cedinho durante o chimarrão, na hora da comida, na roça, durante a colheita e no dia a dia, oralmente, principalmente com as crianças e jovens considerados inexperientes. Os pais, parentes, impõem as regras para que as crianças e jovens sejam sociabilizadas dentro do modelo dos saberes prezada pela comunidade. As práticas educacionais, entre os Guarani Ñandéva de Pirajuí, ocorrem em dois momentos: O karai reko e o ñande reko. Segundo Melià (2003), essa fala do Guarani é para diferenciar no momento em que se refere a alguém que não faz parte da etnia. KARAI REKO é o modo de vida do não Guarani Ñandéva, o modo de ser do não indígena. Os Guarani indígenas Guarani Ñandéva de Pirajuí, entrevistados no primeiro semestre de 2011, falam sobre a vida na cidade, “que na cidade é muito difícil para viver, na cidade não tem nada de graça, tem que comprar tudo e ser feliz assim”. Na cidade não há “aichejaranga” quer dizer não há reciprocidade. Onde não há “aichejaranga”, para o Guarani de Pirajuí, vivem pessoas de má índole, má conduta, trapaceiros, etc. Por isso, lá na cidade de Paranhos, existem pessoas estudadas que são inteligentes, mas, dentro deles há coisas ruins. Por isso os filhos já nascem também com as coisas ruins. 87

Eles entram aqui na comunidade para vender as coisas, roupas, comidas, frutas, etc, mas, temos que tomar cuidados com eles. Para o senhor Carmelo, de 82 anos, a escola não ensina como deveria, pois os professores não estão ensinando às crianças o modo de vida do Guarani. Por isso, as crianças e os jovens não querem obedecer aos pais e não querem mais participar do ritual na comunidade. Mas essa visão não é unânime na comunidade; os entrevistados com idade de 21 a 30 anos afirmam que estudar é muito bom, se aprende muita coisa boa que poderá ser útil para a comunidade. Quanto à visão dos jovens sobre se tornar caciques, afirmam que não têm vontade de se tornarem caciques, pois na aldeia Pirajuí já não existem caciques verdadeiros, e que eles preferem participar de festas ou participar de Igreja. ÑANDE REKO é o modo de ser do Guarani. O modo de ser tradicional do Guarani ocorre assim na aldeia Pirajuí, na visão dos caciques rezadores com idades entre 60 a 99 anos. Estes possuem as seguintes noções sobre o modelo de transmissão de conhecimento: as crianças são prioridades absolutas para repassar o conhecimento. As crianças precisam ser preparadas para receber o ensinamento desde o ventre materno, nascimento, fase de criança até idade adulta. Os pais precisam participar do ritual, levar as crianças, ensinar as crianças desde cedo para ver e sentir o ritual. Os caciques rezadores (Ñande Sy e Ñande Ru) recebem os dons do Tupã Guasu, cada cacique recebeu dons diferentes uns dos outros. Esses dons diferenciados uns dos outros vêm de cosmologia dos Guarani, que os caciques falam de Tupã ayvu rape10. Para os Guarani, o Tupã Guasu é o ser criador de tudo que há nos céus e na terra. Na morada dele, ele caminha, possui o seu caminho. O Tupã rape, que é o caminho dele, durante o caminhar do Tupã Guasu atribui os dons para os xamãs guarani. Para os xamãs guarani, o Tupã Guasu caminha em várias direções, norte, sul, leste e oeste. O Norte é o Yvytu rape; o Sul é o Ro’y rape; o Oeste é o Kuarahy Resẽ e o Leste é o Kuarahy Reike. O futuro rezador recebe o dom enquanto dorme. Esses dons podem ter vindo de quatro pontos cardeais ou ter recebido direto do Tupã Guasu (Figura 5). Os caciques também falam do Tupã’i, não é deus criador de todas as coisas, mas seria um deus intermediário, em nível de poder, que cuida da natureza: da terra, da mata, dos bichos, da água, etc. Eles também podem atribuir dons para os Guarani. Aos caciques que receberam dons do Tupã’i dá-se o nome de Yvyra’ija (Figura 5).

10 Caminho de Deus. Cajetano Vera 88

Quando uma jovem espera o bebê, é necessário contar para o marido, e, ele terá que comunicar ao cacique, pois o cacique que souber da gestação irá chamar o cacique especialista em realizar o parto para cuidar da mãe e da criança. O cacique irá dizer ao cacique que vai cuidar da mãe e da criança que virá um pássaro. O Guarani fala Guyra, pois, guyra na cosmologia guarani é o mensageiro. Portanto, para o Guarani, a criança é um mensageiro, por isso precisa aguardar com muito entusiasmo e com ansiedade. Para a mulher no período de gestação existem algumas restrições, pois ela não pode realizar trabalho pesado, não pode entrar na mata, não pode comer alimento sem ser abençoado pelo cacique, não pode comer comida desconhecida, não pode sair à noite, não pode sair ao meio dia, etc. O cacique que ficar na responsabilidade de cuidar de gestante tem necessidade de saber se o mensageiro será menina ou menino. Se for menino, terá que chamar um cacique de sexo masculino para fazer parte da equipe para cuidar da gestante e se for menina geralmente o cacique que já cuida, a mãe e os avós devem atender a mãe. A criança desde o ventre da mãe já recebe carinho bem diferenciado e orientações dos caciques que fazem parte da equipe. Se a criança for de sexo masculino, o cacique de sexo masculino deve conversar com ele, individualmente e também na companhia do pai. Assim, é necessário que, já em fase de criança, o bebê saiba diferenciar o papel de homem do papel da mulher. Também, os ensinamentos na fase de criança serão administrados por um homem, geralmente por cacique na companhia do pai. A menina receberá os ensinamentos pela mãe e também por cacique do sexo feminino. Em geral, o cacique acompanha durante a gestação até o nascimento e ainda tem casos que acompanha até a idade adulta. O menino até os quatro anos fica na companhia da mãe e das avós, neste período o cacique está sempre por perto, para orientar a mãe. Já é sabido que as meninas e os meninos guarani casam a partir dos quatorze anos, por isso ele precisa de apoio e orientações dos demais familiares. A partir dos cinco anos de idade, o menino precisa viver na companhia dos pais e dos caciques, pois, na companhia do pai e do cacique ele receberá o ensinamento através dos diálogos contínuos, as demonstrações e as práticas sobre o trabalhar na roça, o ensinamento sobre o ciclo do plantio, os tipos de alimentos, a construção de casa, como realizar caça com sucesso, realizar armadilha para apanhar animais selvagens pequenos e grandes para o consumo no dia a dia. Ainda recebem orientações para comportarem-se como homem e agir

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como homem diante dos não indígenas. Não há restrições alimentícias para os meninos antes e durante o ñemongarai. A partir dos 10 anos os meninos e as meninas são orientados para o batismo, chamado de ñemongarai. O ñemongarai é um ritual para a realização do batismo para abençoar os adolescentes que deixam de ser crianças e passam a fazer parte da vida de adulto. Na cultura Guarani Ñandéva tem duração de 60 dias. O ñemongarai no ritual Guarani Kaiowá é para realizar o Kunumi pepy, que é o furo dos lábios inferior dos meninos. No ritual do ñemongarai para o povo Guarani Ñandéva não fura o lábio superior dos meninos. O ritual se resume em orientações pessoais que lhes servirão na vida adulta. O Guarani Ñandéva realiza o ritual para que o menino e a menina sejam abençoados por Tupã Guasu e receber o nome verdadeiro segundo orientação do Tupã Guasu, por isso o ritual tem nome Ñemongarai. Os jovens que passaram por ñemongarai são pessoas sadias, fortes e dispostas para servir e menos expostas aos problemas alheios à vida. Na cosmologia do Guarani Ñandéva de Pirajuí-MS, passar por ñemongarai é ordem deixada por Tupã Guasu, desta forma o Guarani se prepara para chegar à “Terra sem mal” ou yvy marãe’ỹ. As orientações ocorrem dos 10 até completarem 13 anos de idade. Essas orientações são para os meninos. Até completarem 13 anos de idade, os meninos já receberam todas as orientações necessárias para a idade adulta. Os meninos após o ritual do batismo (ñemongarai) já são considerados adultos, podem tomar decisões importantes, tanto para si, como para a comunidade. Os meninos que querem seguir como rezador continuarão recebendo as orientações dos caciques para que, em sonho, ele ou ela receba orientações do Tupã Guasu para este fim. A menina após o nascimento fica na companhia da mãe até o casamento. A mãe, cacique feminino e os demais membros da família a orientam para que ela possa desenvolver bem o seu papel de mulher, aprendendo todas as orientações da mãe e os saberes socializados na família; principalmente na cozinha, sobre as plantas medicinais, como criar os filhos, etc. Os caciques, Norberto Cabral, 56 anos, Carmelo Duran, 89 anos, Eduardo Morales, de 39 anos, Amalho Gonzales, de 89 anos, Dona Paula Cabral de 109 anos e Dona Gregoria Cabral, de 75 anos, que foram entrevistados no primeiro semestre de 2011 afirmaram que na comunidade de Pirajuí-MS, desde 1995 não vem sendo realizado o batismo11. No ano de 2011, período em que ocorreu a pesquisa, foi constatado que não estão

11 Ritual, ocorre quando a menina ou o menino atinge a puberdade. Cajetano Vera 90

sendo utilizadas com frequência essas técnicas para passar os conhecimentos para as crianças e jovens. E os jovens já não estão casando com as idades de 14 anos, ainda existem, mas, com menos frequência. Os jovens com idades de 14 a 20 anos querem estudar e se formar e trabalhar dentro e fora da comunidade. Segundo os caciques, as razões pelas quais não surgem novos rezadores na comunidade de Pirajuí, são devido a não realização do ñemongarai, não socialização do conhecimento no modelo tradicional e o fato da maioria querer viver no modo karai reko: igreja, festa e uso de bebidas alcoólicas e aquisição do conhecimento não indígena. Segundo dados da Funasa, pólo de Paranhos-MS (2010), na aldeia existem 714 jovens com idades de 14 a 21 anos de idades e são jovens solteiros e solteiras; estes freqüentam ensino fundamental e ensino médio na sede do município que é a cidade de Paranhos-MS. As outras parcelas dos jovens vão para changa, trabalhar fora da aldeia. Isso prova que os jovens realmente não estão casando mais com idade de 12 a 21 anos. Porém, estes jovens já não conhecem o batismo na tradição Guarani Ñandéva. Segundo os caciques da comunidade, estes jovens aprenderam todas as malícias dos não indígenas e trouxeram para a comunidade vários tipos de vícios, tais como drogas lícitas e ilícitas, além das doenças sexualmente transmissíveis que muitos destes jovens contraíram. Assim como os jovens, as crianças que estão nascendo também já não passam pelo batismo e a possibilidade destas crianças crescerem vendo como os jovens vivem assim e seguir os mesmos caminhos. Conforme os caciques entrevistados, os pais, os caciques, as lideranças e as famílias, de modo geral, já não querem ensinar os seus filhos do modo antigo. Segundo os referidos caciques, os saberes não indígenas contribuem negativamente para que os saberes indígenas locais não tenham validade igual aos dos profissionais que entram na aldeia para trabalhar. Segundo a cacique Dona Paula Cabral de 109 anos, “hoje nossa sabedoria não significa nada diante dos professores e Funasa”. A fala do senhor José Morales de 62 anos, reflete as condições atuais que dificultam a transmissão do conhecimento tradicional: “hoje não há mato aqui na aldeia, talvez há necessidade de criar reserva para ensinar as crianças, para que eles possam conhecer um pouco sobre a vida passada do nosso povo”. Os caciques estão temerosos quando pensam no futuro, pois, na visão deles, se continuar da forma como estão sendo direcionados os saberes não indígenas na comunidade, misturando com os saberes de fora, seria muito difícil encontrar o caminho de volta para valorizar o saber do Guarani. Segundo o cacique Eduardo Morales, os caciques no momento se sentem

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órfãos dos mais jovens da comunidade. Os caciques entrevistados neste primeiro semestre de 2011 afirmaram que o Guarani de hoje possui o Karai Reko. Para Brand (2003), o problema começou quando os indígenas guarani e as demais etnias do estado de Mato Grosso do Sul foram confinados em terras pequenas, o que inviabilizou a sustentabilidade dentro do modelo cultural de uso da terra que vinha sendo utilizado; além da perda de seus territórios, houve assoreamento cultural, com mudanças nos hábitos alimentares tradicionais. Diante dessas dificuldades, os professores e os pais entrevistados no primeiro semestre de 2011 afirmaram que se precisa urgentemente repensar o modo de ser do Guarani Ñandéva. “É necessário valorizar os conhecimentos tradicionais”, afirmam os professores Pedro Duran e Jonathas Duran.

Figura 6 - Fluxograma demonstrando a triangulação do conhecimento do povo Guarani de Pirajuí

Tupã guasu

Tupã’i Tupã’i Tupã’i

Xamã (homem) Xamã (mulher)

Capitão, governo

Sociedade guarani: sociabilização Sociedade não indígena dos saberes Escola, igreja

No fluxograma, pode-se observar como ocorre a triangulação dos saberes na comunidade indígena Guarani Ñandéva de Pirajuí. Observando a figura de baixo para cima o Tupã Guasu está no topo, pois ele aparece como figura principal, para revelar aos caciques e para tupã’i os conhecimentos, através dos sonhos. O Tupã Guasu tem contato direto com os

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xamãs e com os tupã’i kuéra, que seriam deuses intermediários. São figuras masculinas que cuidam da natureza como rios, matos, animais, etc. Os xamãs também têm contato direto com o tupã’i, pois, o tupã’i também pode revelar sabedoria ao xamâ, este xamã será conhecido como yvyra’ija. Para o xamã que recebe revelação direta do Tupã Guasu, ele é considerado como cacique majoritário, em nível de sabedoria do yvyra’ija, porém, segundo os caciques entrevistados no primeiro semestre de 2011, isso não trouxe e não trará conflitos entre eles. A figura do capitão e demais órgãos de autoridades na comunidade Pirajuí não tem contato direto com o Tupã’i nem com o Tupã Guasu, o capitão tem ligação com os xamãs, mas os xamãs não têm contato direto com o capitão, que é a autoridade local. Os xamãs têm contato direto com a sociedade local, pois eles e elas possuem papéis fundamentais para sociabilizar os saberes entre as famílias. Percebe-se que os fluxogramas não existem flechinhas ou setas indicando contato direto ou indiretamente entre os xamãs, a sociedade não indígena e a escola. Isso indica conflito entre ambas, pois a escola e a sociedade não indígena não estão valorizando os saberes dos xamãs. Por isso, os xamãs afirmam que a escola está ensinando os saberes dos não indígenas, e em consequência disso, as crianças e os jovens não estão valorizando os saberes socializados em casa. As flechinhas ou setas mostram que a sociedade guarani local possui contato com a escola, com o capitão e com a sociedade não indígena. Mas, as setas sem as flechas indicativas demonstram que o retorno do contato direto com a escola e com a sociedade não indígena não é satisfatório. O conflito está presente. Segundo os caciques entrevistados, no primeiro semestre de 2011, o conflito é importante, pois não está ocorrendo a socialização dos saberes entre as famílias. O ñemongarai entre os adolescentes não acorre desde 1995, isso causou entre os Guarani de Pirajuí enorme prejuízo, pois muitos pais, não sabem como ensinar os seus filhos e filhas sobre os saberes tradicionais da cultura Guarani. Segundo o cacique Carmelo Duran, de 89 anos, entrevistado no dia 20 de maio de 2010, o ñemongarai entre os jovens não ocorre há muito tempo, isso dificulta o bom andamento da comunidade, pois, sem o ñemongarai, os jovens crescem sem direção, com atitude ruim, cheios de vícios, podem ser até assassinos. Isso o cacique entrevistado chamou de karai reko, o modo de ser do não indígena. Segundo os caciques entrevistados no primeiro semestre de 2011, a comunidade local passa por período de adaptação entre os saberes indígenas e não indígenas. Veja

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entrevista do professor Valentin Pires da escola Municipal Adriano Pires, no dia 26 de fevereiro de 2011.

Avei sy, túva kuéra ndohechauka ha ndohekombo’e veíma tajyra terã imemby kuérape. Opa avei ka’aguy, ñu, ivaipa y syry. Karai ymaiteguive ou he’i avápe tembi’u ha’e ho’uva ivaiha. Ko’ã mba’

mbychy, jety mbychy, avati mychy, tangu’i, mbaipy, rorá, ka

vich

TRADUÇÃO (livre do autor): Aqui na comunidade os pais não estão ensinando os seus filhos, sobre a nossa tradição. O não indígena, por causa do preconceito, dizia e está dizendo que a nossa comida é ruim. As crianças e jovens vão ouvindo esses tipos de informações e acham que são verdades. Eles não querem mais comer, por exemplo, mandioca assada, batata assada, etc. Muitos desses jovens estudam na cidade e na cidade, vêem comidas industrializadas em supermercado ou na rua e passa a consumir esses alimentos, assim ocorre a troca de alimento culturalmente usado até agora na aldeia pelo alimento da cidade. Aqui na comunidade ainda existe comida tradicional, pois, aqui ainda existe roça tradicional e variedades de cultivos.

Portanto, o conhecimento dos Guarani desta comunidade está vivo, mesmo estando entre os saberes da comunidade não indígena. Já é sabido que a comunidade guarani historicamente sofreu e ainda sofre redução drástica, além do seu território também dos seus saberes. Mas o que é importante nesta comunidade é que eles conseguem perceber que os saberes da comunidade existem, e que há necessidade de serem ensinados, pois estes saberes também são importantes como os dos não indígenas.

5.2 OS SABERES DOS GUARANI SOBRE OS INSETOS NA COMUNIDADE DE PIRAJUÍ

O pioneiro Dr. Darrel D. Posey, em estudo dos insetos entre as etnias, em vários lugares, inclusive no Brasil, compilou vários volumes de livros que tratam sobre o conhecimento e as interações dos insetos com os seres humanos. Segundo Posey (2004), as etnias brasileiras utilizam os insetos como alimento, fonte medicinal, no ritual, para prever o futuro, etc. Portanto, pode-se dizer que o povo Guarani também conhece e interage com os insetos em diversas maneiras.

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Os caciques que foram entrevistados para esta pesquisa, no primeiro semestre de 2011, informaram que falar sobre o mymba’i kuéra (insetos), é falar sobre a criatura sagrada, e que não são todos os caciques que estão autorizados por Tupã Guasu para falar sobre os insetos. Somente o Yvyra’ija que possui o conhecimento sobre o mymba’i kuéra que pode falar. Assim, o yvyra’ija, o senhor Amalho Gonzales de 89 anos e Dona Paula Cabral de 109 anos, foram indicados pelos demais caciques da comunidade para falar sobre os insetos. Os yvyra’ija, o senhor Amalho e Dona Paula falaram sobre a origem, a classificação e escolha como alimento dos insetos. Esses caciques são especialistas em assuntos relacionados aos animais e insetos. Os Ava Guarani ou Guarani Ñandéva de Pirajuí, quando se referem aos insetos, dizem carinhosamente vicho’i ou Mymba, quer dizer bichinhos, querendo dizer que isso não incomoda ninguém. Os indígenas Guarani de Pirajuí percebem, interagem e classificam os insetos utilizando o sufixo no’õ,12 que comparado com a taxonomia entomológica pode ser equivalente às ordens dos insetos. A expressão vicho’i ou Mymba na visão Guarani local é a maneira como percebem13 os insetos e as classificam. As classificações dos insetos na visão do Guarani ocorrem obedecendo às seguintes características: o som, o canto, o movimento, hábitat e hábito alimentar, as características externas e internas. Os caciques entrevistados no primeiro semestre de 2011 afirmaram que cada xamã recebe hekombo’epy14 do Tupã Guasu para classificar os insetos perigosos e comestíveis. Os insetos perigosos, em geral, não são comestíveis e estão relacionadas a Aña Rymba (cf. subitem 5.6). A expressão Vicho’i quer dizer inseto; também é usada a expressão Mymba, que quer dizer animal doméstico. Segundo Carrera (1992) apud Costa Neto (2003), quatro insetos principais integram a dieta dentre as etnias no Brasil: içá ou tanajura (Atta sp); a larva do bicho-da- taquara (Morpheis smerintha, Lepidoptera); as larvas de curculionídeos, denominadas de bicho-das-palmeiras (Rhynchophorus palmarum e Rhina barbirostris) e a larva do bicho-do- coco (Pachymerus nucleorum, Coleoptera).

12 Na língua Guarani, quer dizer grupos de insetos que possuem característica semelhantes entre si. 13 Percepção é a função cerebral que atribui o significado a estímulos sensoriais, a partir de histórias de vivências passadas. Através da percepção um indivíduo organiza e interpreta as suas impressões sensoriais para atribuir significado ao seu meio. Consiste na aquisição, interpretação, seleção e organização das informações obtidas pelos sentidos. A percepção pode ser estudada do ponto de vista estritamente biológico ou fisiológico envolvendo estímulos elétricos evocados pelos estímulos nos órgãos dos sentidos. Do ponto de vista psicológico ou cognitivo, a percepção envolve também os processos mentais, a memória e outros aspectos que podem influenciar na interpretação dos dados percebidos (LANTAELLA, 1998, p. 115). 14 Sabedoria para a vida. Cajetano Vera 95

O uso de Aramanday ou larvas de besouros, como alimento e classificação na cultura Guarani está diretamente ligado aos saberes que Tupã Guasu que deixou para os caciques rezadores utilizarem. Como bem ilustra a história contada pela senhora Paula Cabral, de 109 anos e o senhor Amalho Gonzales de 89 anos, na entrevista realizada no primeiro semestre de 2011. Parte, desta história está registrada (UNKEL, 1946, p. 56-109, CHAMORRO, 2008, p. 131-141; PIRES, VALENTIN; MACIEL, 2010, p. 7-9; SILVEIRA, 2011, p. 225-229).

A origem dos insetos mymba’i kuéra e do Aramanday iniciou quando o Tupã Guasu morava aqui na terra. No período em que Tupã Guasu morou na terra, ele foi criando tudo que se vê atualmente. Primeiro ele criou a terra e nesta terra foi criando os seres vivos mymba kuéra. Ele criou a natureza e tudo que nele existe. Ele criou os animais grandes para habitar a terra e a água, pequenos para habitar a terra e a água. Criou mymba ipepova (que tem asas), também mymba’i kuéra (insetos), entre os insetos, está o Aramanday guasu. O Tupã Guasu criava os animais e também criava plantas frutíferas para que os animais se alimentassem deles. Ele morou e teve família aqui na terra. No período em que o Tupã Guasu morou aqui na terra, teve como vizinho a Añay. A añay que é uma figura femenina. A añay, neste, período não possuía papel específico aqui na terra. O Tupã Guasu foi homem de roça, plantava bem cedo e no mesmo dia já fazia colheita. O Tupã Guasu se alimentava de milho saboró (Zea mays - Indígena), fruto que ele comeu aqui na terra foi a Guavira e como açúcar, ele comeu mel de jate’i e eirusu. Quando ele morou na terra não comeu carne, mas, comeu o Mbuku, a larva de Aramanday Guasu e Aramanday mirim e Takuara raso. Como o homem ficou zangado com a sua esposa, por desobedece-lo e foi embora para yvy marãe’y. Quando ele partiu deixou a sua esposa grávida de gêmeos. A mulher, para não ficar sozinha, seguiu o Tupã Guasu com auxílios dos gêmeos ainda no ventre. No caminho, as crianças pediam para que a mãe apanhasse flores de mais variados tipos, mas a infelicidade ocorreu quando ela levou ferroada de uma mamangava, ela ficou brava e bateu na barriga para antigir as crianças, por isso as crianças pararam de conversar com ela. Seguindo a viagem, ela se deparou com a bifurcação de estradas e a mulher esposa do Tupã Guasu seguiu o caminho que a levava para casa do Añay (diabo). Ela chegou à casa do Añay, representada por senhora velha, logo, foi recepcionada por essa mulher velha, a recebeu com maior sorriso e a alimentou com as frutas silvestres. Os filhos da senhora velha estavam no mato caçando, mas, eles não conseguiram matar nenhum tipo de bichos para comer e retornado para casa, eles descobriram que a velha senhora estava escondendo uma mulher que é a esposa do Tupã Guasu numa panela grande e eles mataram e a comeram. E tiraram da barriga da mulher dois meninos. Esses dois meninos deram para senhora velha comer. A senhora velha fez várias tentativa para comer as crianças não conseguindo resolveu criar. Esses dois meninos representam na cosmologia Guarani o Sol e a Lua. Esses dois meninos tornaram-se bons caçadores e matavam vários tipos de aves, répteis, mamíferos, etc, para alimentar a sua dona. Esses dois meninos utilizaram pela primeira vez a flecha com os espinhos de Mbokaja (Acrocomio aculeata), por isso, Mbokaja quer dizer Mboka (arma) e ja que dizer origem, portanto Mbokaja quer dizer a origem de armas, principalmente arma de fogo. Quando os meninos descobriram que a senhora que estava alimentando era a senhora que comeu a mãe deles. Planejaram matá-la, não conseguindo, então, o Tupã Guasu definiu o papel para a Añay, que elas cuidariam de animais ferozes, peçonhentos e insetos ruins (ivaiva). E, pediu aos seus filhos preparar a terra de tal modo que os descendentes do Tupã Guasu que vão habitar a terra não venham a passar fome, então, revigoram vários tipos de plantas frutíferas, entre as plantas frutíferas, estão as variedades de Acrocomio, deixou variedades de animais que serviriam para o povo Guarani comer, entre as variedades de animais, está o Aramanday Guasu . Quando os filhos de Tupã Guasu foram

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embora para terra sem mal (Yvy marãe’y), o Tupã Guasu criou um cacique Yvyra’ija para cuidar da natureza.

Assim é o mito sobre a origem de animais e do Aramanday. A escolha dos alimentos na cultura Guarani está expressamente ligada ao conhecimento que o Tupã Guasu. O cacique que recebeu as orientações do Tupã guasu é responsável para ensinar e demonstrar os alimentos para as crianças, jovens e adultos. Esse cacique dirá ao povo guarani o que comer e terá que abençoar os alimentos antes de consumir. Os alimentos considerados inadequados para o Guarani, cacique reconhece e reprova o uso como alimento. Os alimentos reprovados por cacique é destinado ao Añay (diabo) comer e o Guarani Ñandéva não pode comer. Tupã Guasu criou tudo para que o Guarani, que é o descendente direto do Tupã Guasu, não venha passar necessidade. Ele criou os animais pequenos e grandes, criou as aves pequenas e grandes, criou as plantas de todos os tipos, criou a água e deixou seus filhos Kuarahy (sol) e Jasy (lua) para cuidarem de tudo que criou. Para o Guarani de Pirajuí, quando usa expressão Mbuku, quer dizer todas as variedades de larvas que são reconhecidos como alimento. Como se pode ver na tabela 1, os insetos e as larvas reconhecidos como alimento pelo Guarani local. Como foi descrito no capítulo anterior sobre o uso de larva de besouros (Aramanday guasu), para Ava Guarani de Pirajuí, não é o besouro ou larvas de besouros, como é conhecido no conhecimento ocidental. Para o Ava Guarani local é o aramanday, com esse nome o guarani ñandéva local identifica o besouro que põem ovos, dos quais eclodem as larvas, que são conhecidos como mbuku guasu (larva grande) ou mbuku miri (larva pequena). As larvas de mariposas (Lepidoptera), que infestam taquara ou bambu, também são chamadas de Mbuku. Esses nomes foram revelados aos caciques rezadores em sonhos por Tupã Guasu (Deus todo poderoso) quando se trata de larvas comestíveis. Tupã revelou ao cacique que, somente as larvas que são comestíveis pelo Guarani Ñandéva que poderiam ser chamado de mbuku. Já é sabido que o nome mbuku é na língua guarani quer dizer larva de aramanday ou larva de besouro comestível. Os demais que larvas que não são comestíveis são chemados de Yso. O yso segundo os caciques entrevistados no primeiro semestre de 2011 informaram que, assim o Tupã Guasu dividiu as larvas comestíveis dos não comestíveis. O Mbuku foi classificado por Tupã Guasu, como alimento limpo, forte, fácil de digestão, não possui sangue, alimento que está disponível na natureza. Segundo os caciques

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entrevistados no primeiro semestre de 2011, revelou que os alimentos que não possuem sangue, são alimentos que não possuem restrições para o consumo do povo guarani. A palavra Mymba em geral é mais usada por caciques. Para os caciques, todos os animais são Mymba, pois pertencem ao Tupã Guasu. Por isso os animais são criaturas sagradas para o povo guarani. Na visão dos caciques, os insetos perigosos são aqueles insetos destinados a Añay (diabo) e todos os demais pertencem ao Tupã Guasu. Quando o Tupã Guasu definiu o papel de Añay, também foi definido o relacionamento entre a Añay e o povo Guarani. Na cosmovisão Guarani a palavra Añay, significa indivíduo perigoso, mal, trapaceiro, etc. Os dois grupos de animais, inclusive, os insetos são bem distintos, mymba que pertence ao Tupã Guasu e à Añay. Esses dois grupos de insetos são importantes no conhecimento do povo guarani. No conhecimento guarani os animais que pertencem ao Tupã Guasu, são animais e insetos úteis à natureza e ao ser humano. O Yvyra’ija ou cacique que recebeu orientação do Tupã Guasu, segundo este o Yvyra’ija Amalho Gonzales, em entrevista concedida no primeiro semestre de 2011, é de que o cacique precisa reconhecer no mymba’i kuéra, o hábitat, características externas e internas, aspectos reprodutivos, hábito alimentar e o grupo. Com relação ao hábitat, o cacique precisa reconhecer o local onde e como vive as larvas (mymba’i kuéra), assim, é possível saber o período certo e quantidade para coleta. Também para diferenciar entre os insetos ruins e perigosos dos insetos considerados útil. Na cosmologia do povo Guarani local, o cacique o Yvyra’ija (xamã) precisa reconhecer o poder (mbarete) que vem do Añay (diabo) e o poder do Tupã Guasu, assim é possível dialogar os poderes da divindade para que as pragas ou doenças não venham prejudicar um determinado lugar e consequentemente atingir o povo Guarani. Características externas e internas: são necessárias reconhecer, pois, se tratando de alimento, favorece a escolha do mymba’i kuéra, o estágio mais apropriado para o consumo. Em caso do uso do Mbuku, os caciques sabem que devem passar 42 dias, após, cortar o pé de palmeira, para realizar as coletas. E, também para reconhecer quanto ao perigo de consumir o mbuku, Todos os entrevistados no primeiro semestre de 2011 afirmaram que o Mbuku não oferece nenhum perigo, pois eles não se lembram de nenhuma doença provocada pelo consumo como alimento e nem no uso como remédio. O mbuku é um vicho’i limpo, mas o importante é lavar bem e cozinhar antes de comer. Se for comer cru, precisa consumir no local, na hora em que está sendo retirado. Se for transportar para casa, a dona da casa precisa lavar bem e cozinhar para comer. Em

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geral, o consumo de mbuku ocorre com os outros alimentos, tais como mandioca, com a comida feita de milho, cará, batata. Se por acaso sobrar e deixar para outro dia, é necessário fritar e guardar na própria banha e consumir logo. Aspectos reprodutivos: os caciques precisam reconhecer os aspectos reprodutivos para saber se os insetos põem ovos; quantidades exatas dos ovos; e reconhecer a fêmea e o macho. O Aramanday guasu que põe o mbuku guasu (larva grande): característica externa possui mokõi po ha irundy py (o par de mãos dianteiras e quatro pernas trazeiras), o macho é maior que a fêmea, verificar na (Figura 9). O hábito alimentar do mymba’i kuéra é importente reconhecer, pois, sabendo o hábito alimentar, o cacique irá reconhecer em que planta procurar ou reconhecer as plantas que são hospedeiras dos insetos comestíveis. O aramanday alimenta-se de orvalho, possui hábito diurno, durante o inverno se esconde nas galerias das árvores. Totalmente de cor negro ( Período propício para encontrar: agosto a abril (período em que ocorre calor). O indígena local usa a expressão criar: para criar precisa cortar o coqueiro ou a palmeira (Acrocomio acuelata; Arecastrum romannzufianum, BECC; Jacaratia spinosa [Aubl], Butia yatay). É preciso cortar o coqueiro novo, tirar o palmito e deixar por dez dias para iniciar a infestação. O grupo de insetos: o cacique para reconhecer cada grupo dos insetos usa terminologia NO’Õ e ATY. Para os caciques entrevistados, no primeiro semestre de 2011, o Guarani é necessário reconher o grupo de insetos, pois, cada grupo apresenta particulartidade específico, assim, o Guarani reconhece o Aramanday guasu e Aramanday mirim. E, também outros insetos que são usados como alimentos entre os Guarani de Pirajuí. Assim, eles percebem os insetos que oferecem perigo à saúde, e, estes são classificados como Añay Rymba e os insetos que não oferecem são classificados como Tupã rymba.

5.2.1 Os insetos Añay Rymba

Durante o passeio guiado com caciques rezadores pela comunidade, no dia 22 de janeiro de 2011, afirmaram e demonstraram os insetos existentes na comunidade, também a classificação, segundo cosmologia guarani. O autor deste projeto procurou aproximar os nomes científicos da língua Guarani para língua portuguesa. Listas dos insetos abaixo não seguem a lógica de Taxonomia Ocidental. A listagem abaixo com os nomes dos insetos foi construída pelo autor durante a pesquisa.

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LISTAGEM 1. Añay Rymba: Mymba ou Vicho’i kuéra (Etnoespécies) ARACNIDEO ESCORPIÕES: Japeusa no’õ JAPEUSA - Bothrisurus vittatus. JAPEUSA - Escorpiões. ÑANDU - Aranhas. Nome geral das ficnideas. ÑANDUPE - Aranhas chatas. ÑANDU- KAVAJU - Sub-origem mygalomorphus. ÑANDUTÍ - Tecido fino de linha ou seda feito a mão, como teia de aranha. ÑANDU- INIMBO - Teia de aranha. ACAROS- ISOXIDEO JATEVU - Carrapato, Boophilus microplus (de gado); Ixodes reduvius (do cão); Ixodes loricus (do gambá). Ordem Anoplura: – Bicho de pé, Sarcopsylla penetrans (Tunga penetrans) Ordem Blattodea – Tarave no’õ TARAVE KARU- Barata. Blátideos. Baratas devoradoras de alimentos dentro de casa. Ordem Diptera: Mberu no’õ MBERU - Moscas; mosca comum. MBERU HOVY - Mosca verde; Sacophaga carnarias; Saconexia chlorogastes: da carne. MBERU ÑANRÕ - Stomix calcitrans. MBUTU - Tavão. Brachyceros. Tabanídeo. - Mosquito. Culicideo. ÑATI’U MBA’ASY JÁRA - Aedes aegipti, Culex quinquefesciatus, - Mosquitos. Anophelinos. - Mosquitos. Culicídeos ÑATI’U PEPO MOROTI - Mosquito do grupo Lutzomyia MBARIGUI - Mosquitos pólvora, nome comum aos miruim simúlidos (polvorim chiromídeos). Maruim. MBIGUÍ - (polvorím). Chironomus ssp.(Birigui; tatuquira). KARACHÃ - Gênero Flebotomo. URA - Larva mosca, berne, miase cutânea. ÚRA, YSO, YSO KARU - São nomes de lagartas (Lepidoptera) Ordem Homoptera – Ñakyrã no’õ TAMBEJU'A - (CHICHÃ: espanhol), percevejo. Acanthis lectularia. TAMBEJU'A - Especialmente os percevejos grandes. TAMBEJU'A KA’AGUÝ - Gênero Edesa. TAMBEJU'A GUASU - Reduvídeos: triatomas e outras variedades. Barbeiros, percevejos de mato. Ordem Hymenoptera – Tahýi no’õ TAHÝI TATA - Eciton vagans, especialidade de TAHÝIRE. GUAIKURU - Formiga caçadora, eciton crassiocorne (rouba os ovos das outras). TAHÝI JAGUARETE - Multilidae Ordem Hymenoptera: Kava no’õ KAVA - Marimbondos e vespas. K - Vespa preta KAVA PYTÃ - Gênero polistes: KAVYTÃ. (Cabapitá: cabapiranga).

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KAVA SAYJU - Vespa amarela KAVICHU’I - Pequena vespa escura. KAVA TATU - Synoeca cyanea FABR., 1775 KAVA LECHEGUANA - Brachyhastra lecheguana (LATR., 1824) KAVU - Pequena vespa. KAMUATÍ - Vespas pequenas, escuras. Polybia scutellaris. Camoatim: abelhas pretas em beiras de casas e janelas. LECHIGUANA – Vespas sociais. Nectaria maglia e n.lechiguana. LECHIGUANA PYTÃ - Vespas muito irritáveis, chartegus brasilliensis. SAÑARO - Nome comum para abelhas solitárias verdes e azuis. Andrenídae. MAMANGA - Besouro. Var. Gênero bombus, xylocoda e cintris. Ordem Lepidoptera – Panambi kure no’õ MARANDOVA - Gusanos, larvas de mariposas, gordas, sem pêlos; larvas de Lepidoptero; traças, curuquerê. YSO TATURÃ - Larvas com lã ou pêlos urticantes, de Megalopyga lanata e espécies afins de Lepidoptero. YSO KARU - A larva ou gusano; lagarta devoradora de folhas de plantas. YSO JAGUA - Larvas de insetos, sem pêlos; com extremidade cefálica; engrossada, com manchas no corpo. YSO TATA - Larvas luminosas de insetos. Ordem Juliformia AMBU'A - Nome comum a todos. Nome científico de Embuá: Lulus sabulosus cllindroiulus Centopia - Mboi chagua Centopeia (Scolopendra gigantea robusta) Ordem Odonata – Ñahati no’õ ÑATI’U – variedades de pernilongos Ordem Phthiraptera – Ky no’õ Os piolhos do homem e dos animais. KYPE - Ptirius inguinalis; chato. KY – Pediculus capitis; piolho. ÑAMOKYRÃ - P. vestimenta; piolho de roupa. Muquirana. ÑAMOKYRÃ- RA'Y - Lêndea do ÑAMOKYRÃ. MYMÝI – Piolhos de aves. Subordem Amblycera. SARCOPTIDEO MYMÝI - Dermanicus. - Sarna sarcoptes scabiei, var. horminis. PIRA - Sarna de animais domésticos. Ordem Siphonaptera TUNGUSU - Pulga, Pulex irritans, Tunga penetrans. TETRÓXIDO KUI'I - que é roedor. Cocudu villosus). Micuim.

Segundo João (2011), para os Guarani Kaiowá, as pragas que estão presentes na lavoura são atribuídas ao espírito do Pa’i Tambeju. Na cosmologia dos Guarani Kaiowá o Pa’i Tambeju, no início da criação, foi designado para cuidar da lavoura, mas, ele errou diante do Tupã Guasu, cometeu ato de fornicação com a irmã do Tupã Guasu. Por isso, o Tupã Guasu o castigou com uma doença que lhe custou a vida. O ato de formicação dele com a

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irmã do Tupã Guasu resultou no nascimento de um menino. Quando o Pa’i Tambeju estava para falecer chamou o filho e lhe deu ordem para que cuidasse das plantas, porém ele recusou o mandamento do pai. Os caciques Guarani Ñandéva entrevistados para esta pesquisa não falam do Pa’i Tambeju, mas eles falam do añay, que na criação o Tupã Guasu designou a natureza sob os cuidados do añay,15 pois neste período, não havia o Guarani na face da terra. Quando o Tupã Guasu foi para Yvy Marãe’y, colocou o Guarani na face da terra e tirou do aña várias espécies de animais e plantas e esses serviriam de alimentos para o povo Guarani Ñandéva. Os animais que o Tupã Guasu retirou do domínio da anãy ficaram sob seus cuidados e os demais ficaram sob o domínio do añay até o presente momento. Os mones dos insetos que pertencem ao Tupã Guasu, foi construída pelo autor durante a pesquisa.

5.2.2 Os insetos Tupã Guasu Rymba

LISTAGEM 2 Ordem Blattodeae –Tarave no’õ TARAVE - Baratas. Blatideos. CRUSTÁCEOS JAPEUSA - Caranguejos. TUKU - Lagostas. POTI - Camarões. Ordem Coleoptera - lembu no’õ ARAMANDAY - Rinchophorus palmarum, Metamasius sp, Cosmopolite sp LEMBU - Escaravelho, lamelicórnios. MUÃ - Vagalumes. TIGUÃ'Ã, KIMBU- Gorgulhos e geral, calandra gramaria. YSO ENDY- Bicho de luz, lampiris diáfana, Coleoptero. YSO YVY - larvas de Coleoptero. AMYNDAJÁI, YTAGUAPY - Insetos que vagam na água TAPIRICHU - Pachymerus nuclearum. Bicho de coco e a larva deste Coleoptero. MBUKU - Larva de Coleoptera. Ordem Diptera - mberu no’õ MBERU - Moscas das frutas Ordem Homoptera – Ñakyrã no’õ ÑAKYRÃ - variedades de Cigarras. TAMBEJU'A KA’AGUÝ - Gênero edesa. Ordem Hymenoptera – Tahýi no’õ TAHÝI - nome geral da formiga. 'A - Formiga negra, Camponatus senex mus.

15 Na visão do não índio é um tipo de diabo. Vera, Cajetano Cajetano Vera 102

YSAU - Formiga vermelha, grande. Atta sexdens L. attidio. É a cortadeira ou saúva. - Variedade de YSAÚ. Atta subterrânea. (quenquém). TAHÝI- PYTÃ - formiga vermalha de diversas espécies. TAHÝI PUKU; TAHÝI REVI PUKU. Ponera e paraponera e várias espécies. TAHÝI VEVE - Isóptera e formigas aladas. TAHYI JAGUAREVI - Camponotus cericentris, variedades de formigas. KYVU KYVU - Formiga leão, que anda para trás. Ordem Hymenoptera: Kava no’õ KAVA, EIRARUA, EIRUSU - Apidae, variedades. APYNGUAREÍ - Trigona; e variedades. TAPESU'A- Trigona bipunctata. EIRA APU'A - Trigona rufriens. EIRA YVYGUY - Várias trigonas. SAÑARO - Nome comum para abelhas solitárias verdes e azuis. Andrenídae. EIRUSU - Apis mellifera. Ordem Isoptera – Kupi’i no’õ KUPI'I - Termes alados, cupim. TAKURU - Cada termiteiro em forma de montículo. Itacurú: itapecuim. KANGO - Soldados dos termes. ARYRÝI - Indivíduos alados dos termes. Ephemerid Ordem Lepidoptera – Panambi kure no’õ PANAMBI - variedades de Mariposas e borboletas. TAMBU TERÃ MBUKU- Larva comestível de takuara: Morpheis smerintha; de pindo: Rhina barbirostris. Ordem Odonata – Ñahati no’õ GUASU - Libélulas, libellulidae. - Libélula, lavadeira. Ordem Orthodoptera -Kyju no’õ KYJU - Grilos. TUKU - Gafanhoto. Acriideos e tetticomideos. TUKU, PYTÃ - Schiatoxerca paranensis. Acrídeo, (que aparecem em nuvens). TUKU HOVY - Esperança. Elacochtora viridicata, tettigom.

Os insetos citados no item Tupã Rymba são insetos úteis para os seres humanos e ao meio ambiente. A expressão mais usada na língua Guarani é a expressão vicho’i iporãva ou mymba iporãva. Na visão do povo Guarani todos os animais têm dono (ijara), os animais pertencem ao Tupã Guasu ou à Añay. Os insetos considerados pragas na cosmovisão do povo guarani de Pirajuí, são insetos que pertencem a Añay. Em caso de epidemias provocadas por insetos entre os humanos e entre outros seres vivos, o cacique precisa agir urgentemente para combater, dialogando os poderes da divindade. Schaden (1976) afirmou que os índios da etnia Guarani Ñandéva, conhecidos como “ka’aguygua,” provavelmente se alimentavam de vários tipos de bichos pequenos e grandes, inclusive dos insetos. As informações mais detalhadas e confirmadas vieram na pesquisa de Arnaldo dos Santos Rodrigues (2005) e Marillyn Cebolla Badie (2005). Estes

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afirmaram que populações indígenas garani conhecem bem e interagem com a natureza. Isso lhe permite uma visão geral sobre os acontecimentos sobrenaturais e naturais, podendo classificar os insetos. Segundo Santos-Fita, Costa-Neto e Schiavetti (2010), estabeleceram-se três principais áreas de estudo etnobiológicos de classificação, que se referem ao conjunto de princípios; sistemática pela qual as classes de organismos são naturalmente organizadas na mente; nomenclatura, que se refere à descrição dos princípios linguísticos da designação das classes organizadas de seres vivos em uma determinada linguagem, identidade e, que se relacionam com o físico, características utilizadas para atribuir um organismo em particular para uma categoria específica. Para esses autores, a taxonomia etnobiológica tem um caráter hierárquico, porque as categorias mais exclusivas (ethnogenus ou genéricas e etnoespécies ou específicas) ocorrem nos níveis mais baixos, enquanto categorias mais abrangentes (por exemplo, formas de vida) ocorrem nos níveis mais altos. Este caráter hierárquico, que envolve relações de inclusão e contraste, manifesta dois procedimentos básicos de classificação: agrupamento e distinção. Para Utermoehl et al., (2008), o povo Guarani possui um conhecimento amplo sobre os insetos. O Pe. Frans Müller, em 1989, descreve que as variedades de abelhas de que os Guarani tiravam mel para realizar festa eram muitas. Segundo Badie (2005), os indígenas Guarani detêm sabedoria incrível sobre os insetos comestíveis, sabem as árvores hospedeiras dos insetos, as espécies, os anos e meses em que os insetos põem as larvas. Os professores Pedro Duran, de 42 anos, entrevistado no dia 16 abril de 2011, e Jonathas Duran, de 38 anos, entrevistado no dia 20 abril de 2011 afirmam o seguinte sobre o conhecimento dos insetos: “Ore roikuaa vicho’i kuéra, ore ru ha ore sy ohechauka ha ore rekombo’e va’ekue oreve.” Eles conhecem os insetos, porque os pais lhes ensinaram no dia a dia. Os caciques que foram entrevistados no primeiro semestre de 2011 declaram: “Ore rojerokýva roikuaa vicho’i kuéra, Tupã Guasu voi ore rekombo’e.” Eles afirmam que conhecem os insetos, pois receberam os ensinamentos direto da Divindade. Os Ava Guarani de Pirajuí, quando falam sobre esses saberes, utilizam as expresões tekombo’e e hechauka. A expressão “tekombo’e” significa ensinar para que o indivíduo aprenda para o resto da vida. A expressão “hechauka” significa ensinar com demonstrações, pois, não basta só dizer, precisa mostrar o que está sendo ensinado. Para Melià (2003) e Chamorro (2008), essas expressões são utilizadas pela sociedade autóctone como uma forma de estratégia de ensino e aprendizagem.

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Portanto, os índios Guarani Ñandéva possuem conhecimento específico sobre os insetos comestíveis e não comestíveis, pois se não tivessem o conhecimento não saberiam distinguir os insetos comestíveis dos não comestíveis. O território onde o povo Guarani vive é um espaço construído, identificado, vivido ao longo dos séculos.

5.3 USO DE LARVAS DE ARAMANDAY GUASU NA COMUNIDADE DE PIRAJUÍ

Para os Ava Guarani de Pirajuí, Chaviju ou lembu é usado para generalizar o grupo de besouro (Ordem de Coleoptera). Neste subitem será abordada somente a ordem de Coleoptera. Os caciques entrevistados, no primeiro semestre de 2011, reconhecem vários tipos de besouros, que são os Lembu, veja os nomes de besouros na lista a seguir:

LISTAGEM 3. Tupã Guasu Rymba-Ordem Coleoptera: Aramanday LEMBU - Escaravelho, lamelicórnios. MUÃ - Vagalumes. TIGUÃ'Ã, KIMBU- Gorgulhos e geral, calandra gramaria. YSO ENDY- Bicho de luz, lampiris diáfana, Coleoptero. YSO YVY - larvas de Coleoptero. ARAMANDAY - Rhynchophorus palmarum, Metamasius sp, Cosmopolite sp TIGUÃ'Ã, KIMBU- Gorgulhos e geral, calandra gramaria. TAPIRICHU - Pachymerus nuclearum. Bicho de coco e a larva deste Coleóptero.

Os Guarani Ñandéva de Pirajui utilizam como alimento e como remédio somente as larvas de besouros e larvas de mariposa que infestam bambus (takuara). As espécies comestíveis na língua Guarani são o Aramanday. A palavra Aramanday quer dizer o que cai como chuva. Ama nessa língua significa chuva e nday significa como chuva. A palavra ara quer dizer dia e manday quer dizer o que cai durante e com a chuva. O Aramanday é o besouro que põe o mbuku. O mbuku é a larva do Aramanday que é comestível. Portanto, outras espécies de besouros não são comestíveis. Nas entrevistas realizadas na comunidade Pirajuí - MS constatou-se que o indígena local utiliza a larva de Aramanday ou larva de besouro, na linguagen popular não indígena, como alimento e como remédio. Segundo os caciques D. Paula Cabral de 109 anos, D. Gregoria Cabral de 78 anos, Estanilao Vera de 62 anos, Narciso Vera de 52 anos, Pedro Duran de 42 anos, Jonathas Duran de 38 anos e Lidio Vera de 28 anos, o Mbuku pode ser saboreado cozido, assado, frito ou cru. E para usar como remédio, extrai-se o azeite da larva

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por meio de fritura e guarda-se em lugar seguro ou em vidro pequeno. O azeite das larvas de Aramanday é usado para curar as seguintes doenças: doença de pele, como ressecamento de pele, doença provocada por fungos; doenças respiratórias: como tosse, infecção de garganta etc.:

Tembi’u ramo oje’u ypyra, mbychy, chyryry, mimói. Ñandy katu ojeporu tembi’u kyrarã, oñemongyra tambi’u rora, mbaypy. Pohã ramo ojeporu ikyrakue avei, oñeñongatu va’erã petei hy’akua potime terã votella’ipe iporã kurupe, ati’ipe, ahy’o rasype, hu’u vaipe, pire kurupape. Amo okápe ndaipori oikuaáva. Ko’ãva ha’e ava guarani kuaapy(ciência indígena).

TRADUÇÃO (livre do autor): Como comida, pode-se consumir frita, cozida, assada e crua. Utiliza-se também como azeite para cozinhar outros tipos de alimentos. Como remédio para curar doenças, tais como coceira na pele, dor de garganta, tosse e tumor. Esse tipo de saber não tem na cidade (Ciência16 indígena).

A larva de Aramanday (Mbuku guasu) na aldeia Pirajuí é usada como alimento e remédio. O Tupã Guasu criou Aramanday Guasu e Aramanday mirim, no princípio da criação para o Guarani Ñandéva se alimentar. Segundo o cacique Carmelo Duran, de 87 anos, isso aconteceu quando o Tupã Guasu estava se preparando para ir embora da terra, ir embora para Yvy Marae’ỹ preparou os alimentos necessários para o povo Guarani. Segundo Incekara e Türkez (2009) e Mitsuhashi (2009), a Entomoterapia ou Zooterapia é comum em várias culturas, em diversas partes do mundo. Em geral, é usada para curar alguns tipos de infecções, como infecção respiratória, renal, hepática, estomacal, intestinal, parasitária, pulmonar, cardíaca, endócrina, neuronal, circulatória, dermatológica e oftalmológica. Para Possey (2006), a transmissão desse conhecimento ocorre oralmente, de geração em geração. Esse conhecimento geralmente é desconhecido no meio científico, pois neste processo há magias, amuletos, encantos, etc. Por outro lado, o interesse de estudar e pesquisar por parte da medicina e da agricultura, sempre acompanhou esse saber, pois o conhecimento tradicional pode trazer novas fórmulas para descobrir remédios para tratar doenças de vários tipos. Os insetos podem proporcionar a descoberta de novas fórmulas de medicamento. A pesquisa realizada por Costa Neto, Ramos-Elorduy e Pino (2006) registrou 82 tipos de insetos que são úteis no tratamento de diversos tipos de doenças. No Brasil, há registro de zooterapia relevante; isso abre novas perspectivas para valorizar o uso de insetos no tratamento de doenças, que até o momento eram consideradas inúteis. Para descobrir novos

16 “Trata-se do estudo, com critérios metodológicos, das relações existentes entre causa e efeitos de fenômeno qualquer, no qual o estudioso se propõe a demonstrar a verdade dos fatos e sua aplicação prática” (DELAMONICA-FREIRE, 2011, p. 5). Cajetano Vera 106

compostos de bioativos são necessárias mais pesquisas. Assim, os insetos poderão trazer benefícios para os seres humanos, principalmente na área da saúde. Tupã Guasu criou os animais e os colocou no lugar certo para que os animais também pudessem ter comida para se alimentar. Assim, ele criou as plantas frutíferas e não frutíferas. Ele criou as aves e também precisou colocá-las em vários locais, assim houve necessidade de ter árvores que produzissem pequenas frutas para alimentar as aves. Todos esses animais precisariam beber água, então, colocou água na face da terra. O senhor Amalho Gonzales, de 89 anos, entrevistado nos dias 02 e 03 de março de 2011, informou que o Tupã Guasu criou tudo. Tupã Guasu mostrou para o povo Guarani quais os animais que se pode comer e quais os animais que não se pode comer e nem tocar. Veja as expressões que o cacique utilizou na entrevista; “Ysa, ñakyra kindy, Mbuku, pira; ko’ãva katu oimerãeva ho’u kuaa, mitã, tuja, guaigui, mitã rusu, kuñatai17” Para o cacique, Tupã Guasu criou esses animais e deixou para o Guarani comer. Para os Ava Guarani18 de Pirajuí-MS, a larva é um alimento fácil, limpo e alimento forte. Eles alegam que, por isso mesmo, o indígena no passado tinha mais saúde e longevidade.

5.3.1 As coletas de larvas de Aramanday

As coletas de larvas de besouros ou Aramanday guasu (larvas grandes) ou Aramanday miri (larvas pequenas) ocorrem das seguintes maneiras: antigamente, o Guarani, quando ía pescar, caçar, fazer mondel ou monde (armadilha para pegar tatu, paca, cutia, etc.) e também para construir sua casa, cortava as palmeiras ou coqueiros. Os que sobravam eram deixados para criar o Aramanday. Após dez semanas, o Mbuku guasu ou Mbuku mirim já estavam prontos para o consumo. Então, se realizavam as coletas. Atualmente, para “criar” as larvas há necessidade de cortar palmeira na lua nova no início da primavera. Mas a maneira como ocorre o acompanhamento ainda é como ocorreu no passado. Os Guarani cortam as palmeiras e esperam dez semanas para realizar as coletas. Alguns entrevistados informaram que há necessidade de verificar semanalmente para ter a certeza se ocorreu à infestação ou não. A

17 Traduação (livre do autor): Nós podemos comer, içás, cigarra, larvas de besouros, peixes. Esses animais não há restrições para comer; os adultos, velhos, crianças e jovens podem comer. 18 Guarani Ñandéva. Cajetano Vera 107

coleta precisa acontecer antes de terminar as dez semanas, pois, se passar, as larvas já não servem para consumo. Passadas dez semanas as larvas iniciam o estágio pupal. Geralmente quem realiza as coletas são os homens, porém, em alguns casos, a mulher também realiza a coleta. Atualmente, na comunidade de Pirajuí, não existe lugar para caça tradicional e pouquíssimas casas são feitas de madeira de palmeira, a maioria é de alvenaria. As coletas de larvas de Takuara e Takuapi ocorrem de sete em sete anos. O amadurecimento de madeira de bambu e takuara ocorrem obedecendo a este ciclo. Por isso, as larvas destas madeiras se desenvolvem em cada sete anos. Os indígenas Guarani reconhecem o ciclo de amadurecimento de madeira de bambu e takuara. A takuara e o bambu, quando completam o ciclo, começam a florescer do início de novembro a janeiro; neste período. as mariposas (Lepidoptera: Morpheis smerintha) aparecem para se alimentar de néctar e põem os ovos nos colmos de takuaras para reproduzirem-se. Os indígenas Guarani de Pirajuí que foram entrevistados informaram que, no início do inverno, as frutas de takuara começam cair e as plantam começam a ficar amareladas; neste período, as larvas já estão prontas para o consumo, estão começa a coleta. O cacique descreveu como é realizada a “armadilha” ou Mbukuvy que não seja para pesquisa:

Antigamente, quando íamos pescar, caçar e fazer mondel ou monde (armadilha para pegar tatu, paca, cutia, etc.), cortávamos Mbokaja ou coqueiro para esse fim. O Tupã Guasu que é o dono da natureza, põe o besouro para comer o resto do Mbokaja que não foi usado para armadilha. O Mbojaka é alimento para a larva de vários tipos de besouros. O besouro põe o seu filhote e em 10 semanas estão prontos para comer. Onde há vários pés de Mbokaja ou Pindo geralmente o vento forte quebra, nesse caso, o Tupã manda o besouro para comer o Mbokaja ou Pindo que o vento derrubou. Assim a natureza fica melhor na visão do cacique. As casas, antigamente, e ainda hoje são feitos de madeiras de coqueiros. Para construir a parede da casa, é preciso cortar 10 pés dos coqueiros e dependendo do tamanho da casa, eram cortadas até 20 pés. Geralmente aproveita-se a parte mais dura da madeira e a parte mais mole é deixada para criar a larva de Aramanday. Em cada pedaço de coqueiro que tem mais ou menos cinco metros e 12 cm de larguras, é possível coletar até 140 mbuku guasu. Isso em peso é quivalente a 800 grams de Mbuku. Essa quantidade dá para alimentar cinco pessoas adultas. Assim, nós, do povo guarani lidamos com o besouro e a sua larva (Apêndice E). Existem vários tipos de besouros que põem os ovos nas palmeiras para procriar e o Guarani pode comer todos esses insetos, mas, depende das orientações recebidas por Tupã Guasu. A larva maior o Tupã Guasu19 deixou para o Guarani comer. Estas larvas maiores são alimentos puros e fortes.

19 No mundo ocidental, como Deus todo poderoso. Cajetano Vera 108

5.4 A MULHER É RESPONSÁVEL PARA COZINHAR

Na família Guarani de Pirajuí, a pessoa responsável para cozinhar geralmente é a mulher. A mulher Guarani de Pirajuí, mesmo ajudando o homem na lavoura ou em qualquer outro tipo de trabalho, para mais cedo para preparar a comida. Geralmente ela aprendeu tudo sobre a cozinha com a mãe antes de constituir a família. Por isso as mulheres Guarani possuem conhecimento privilegiado em relação ao homem, quando o assunto é a cozinha. Os nomes de alguns pratos típicos preparados por elas na comunidade: tanguí, mbaipy, rora, reviro, chipa, jopara, mandi’o chyryry, so’o (ku’i, mimói, mbychy), etc. Enquanto o homem sabe como plantar, realizar a colheita, construir a casa, abater os animais para o consumo, fazer as armadilhas para matar animais silvestres, trazer as larvas de Aramanday – Mbuku, pescar, etc. Por isso as mulheres Guarani de Pirajuí não conhecem as particularidades de Aramanday nem do Mbuku guasu ou Mbuku miri. Com exceção de cacique (xamã) mulher, pois ela recebe o ensinamento do Tupã Guasu. Por outro lado, o homem conhece bem as particularidades de animais, entre elas, as do Aramanday.

5.4.1 O Guarani de Pirajuí reconhece o perigo de consumir como alimento as larvas de Aramanday

Segundo os caciques entrevistados, o perigo existe quando uma pessoa despreparada psicologicamente tentar comer, pois o Tupã Guasu deixou para o Ava Guarani ou Guarani Ñandéva comer, portanto, psicologicamente ele está preparado. O Ava Guarani come na maior naturalidade, como se fosse comer picanha na cultura não indígena. Eles afirmam que se o não Ava Kaiowá ou Guarani Kaiowá não come, não é porque não quer, é porque o Tupã Guasu não deixou eles preparados psicologicamente, portanto, eles têm muito medo do mbuku. Eles o enxergam como nojento, como algo feio, apavorante etc. Portanto, seria difícil o consumo de mbuku por não Guarani Ñandéva. Essa barreira cultural e psicológica é extremamente importante, para aprofundar o estudo sobre o alimento. Para Lima (2011), a maioria dos seres humanos não entomofágicos considera o consumo de insetos como prática de “gente primitiva”. Segundo Canesqui (2009), o problema principal é que, por razões estéticas e psicológicas, muitos insetos são considerados animais nocivos, sujos, fora do padrão sanitário, portanto, transmissores de doenças e vistos como pragas.

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A repugnância pelo consumo de insetos, muitas vezes alimentada, pela indústria de alimento, produção agropecuária e pelos comerciais de televisão que convidam ao uso indiscriminado de inseticidas, faz com que uma quantidade considerável de proteína animal se torne indisponível àquela parcela da população mundial que sofre com a fome e a desnutrição. O povo Guarani de Pirajuí detém os conhecimentos importantes sobre o consumo de larvas de Aramanday, portanto, é uma parcela pequena da sociedade que possui grande potencial para o desenvolvimento local. Segundo os caciques e professores entrevistados no primeiro semestre de 2011, os rituais de batismo dos jovens, o ñemongarai, que sela o acompanhamento da gestação, nascimento e até batismo, garantindo que os jovens terão lares prósperos e abençoados por Tupã Guasu, não é realizado na comunidade desde 1996. Portanto, na comunidade já existem indígenas não entomofágicos. Estes não entomofágicos enxergam as larvas de Aramanday como algo nojento, nocivo, apavorante, pois, eles não receberam orientações dos pais e dos caciques e não estão preparados psicologicamente para comer as larvas. Para o senhor Celestino Benites de 68 anos, entrevistado no dia 16 de março de 201, afirma assim:

Umi karai costumbre niko iporã avei, pero che ahecha haicha, jaikota ramo umi karai oiko haicha hetave jahasa asyta jahupity hagua umi ha’e kuéra oguerekova. Umi mbo’ehára kuéra ohekombo’e mitã kuérape umi karai oñehekombo’e haicha, péva katu heta mba’e he’ise hina ñapensa ramo ñande costumbrere, peicha mitã okuaa ramo, peichagua tekombo’epype heta oipe’a va’erã ichugui, tekombo’e ha’e oikuaáva túva ha isy ombo’eva ichupekuéra itataypýpe. Oi momento umi mitã ni ituva ni isy nohendusevei. Peicha ha’e kuéra ndoikuaa rei umi ojerokyva mba’epa he’i, mba’eichagua tembi’u ojeporu va’ekue. Peicha niko jaha ñaina ko’anga.

TRADUÇÃO (livre do autor): Às vezes, achamos que o costume do não indígena é melhor do que de nós indígenas, é verdade que há coisa boa no costume dele. Mas, como penso, se quisermos viver na cultura do não indígena, sofreremos mais, pois, Deus nos fez indígenas, podemos aprender cultura não indígena e continuar do nosso jeito de ser. Mas, se deixarmos a nossa cultura, isso significa renúncia muito séria, do meu modo de pensar, nós vamos sair perdendo, nós indígenas temos opções para vivermos, mas o não indígena não tem. Aqui os professores ensinam as crianças o modo de ser do não indígena, há problemas dos lados, se aprendermos somente sobre a cultura do não indígena e deixar de aprender da nossa cultura. Por isso há crinças que não querem aprender nada sobre a nossa cultura. Assim, estamos caminhando.

O senhor Celestino disse em sua entrevista que na cultura não indígena há ensinamento muito válido, porém, para alcançar a igualdade entre o nosso conhecimento com o não indígena paga-se preço muito alto. E, até o momento, os mais jovens não conseguem perceber esse obstáculo, por isso os jovens estão valorizando mais o conhecimento do não indígena do que o seu próprio conhecimento.

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Mesmo que os jovens do século XXI, da comunidade de Pirajuí-MS, demonstrem que não querem saber de consumir as larvas de Aramanday, será muito mais fácil de reintroduzir o consumo nesta comunidade do que introduzir a entomofagia na sociedade brasileira ou na sociedade europeia.

5.5 CLASSIFICAÇÃO DOS INSETOS NA COSMOVISÃO DOS GUARANI DE PIRAJUÍ

O Guarani da comunidade de Pirajuí-MS classifica os insetos, obedecendo aos saberes recebidos por Tupã guasu e também através das experiências no dia a dia. Para classificar utiliza a terminologia (no’õ). Segundo o senhor Amalho Gonzales e Dona Paula Cabral que são Yvyra’ija (especialista) no conhecimento sobre os animais e insetos, entrevistados no primeiro semestre de 2011, descreveram os conhecimentos revelados por Tupã Guasu em sonhos:

Tupã guasu ore reraha petei ka’aguy ha ñúme, oipyhy mymba kuéra ha ohechauka oréve opaichagua. Upépe he’i ohechauka oréve mba’eichagua rehepa roñangarekota. Ore ro’e Tupã guasupe roñangarekotaha mymba’i kuéra rehe. Uperõ ohechauka mymba’i, he’i oréve umi mymba reko kuéra, petei tei he’ipa oréve. Umi mymba’i kuéra okarúva yvyra rehe, opaichagua oi. Oi mymba’i kuéra no’õhápe terá atyraitépe oikóva. Oi hete hatãva ha hu’uva, ko’ãva na’ikangueiri hakatu hajygue, oveveva ha ndoveveíva, ose árape ha pyharekuépe. Okaru opaichagua yvyrá rehe. Avei oi humbava, parapava, pytangyva, hovypava, moritimbava, hapensamba umi po ha py. Avei oi mymba’i kuéra ha’eteva ka’a kuéra. Tupã he’i oréve ikatuha oje’u mymba’i kuéra morotimbava, hovypava ha pytangyva. Mymba’i kuéra niko peicha: Aramanday no‘õ, Eirusu’õ, Japeusa no’õ, Kava’õ, Kupi’i no’õ, Kyju’õ, Ky no’õ, Mberu’õ, Mboisy no’õ, Ñakyra’õ, Ñahati no’õ, Lmbu’õ, Tahýi no’õ, Panambi no’õ, Tuku’õ ha Tarave’õ. Ko’ãva Tupã guasu ohechauka oréve.

TRADUÇÃO (livre do autor): Fomos inseridos por Tupã guasu em campo muito grande e em um mato bem fechado, ele colocou diante de nós todos os tipos de animais. E, disse escolhi vocês para cuidar dos animais pequenos e grandes. Nós dissemos para ele que vamos cuidar dos insetos. Então, ele nos ensinou todas as partucularidades sobre os insetos: hábitat, reprodução, as caractrísticas biológicas, hábito alimentar, a locomoção, etc. Há variedades de insetos de tamanho e cores. Os grupos destes insetos possuem características próprias de cada grupo; há insetos que não possuem ossos, porém, possuem músculos que lhe ajudam andar e pular há espécies que voam e com hábito diurno e noturno. As espécies que se alimentam espcíficamente de plantas e outros se alimentam de outros insetos. Ordens do Tupã guasu é que podemos comer insetos que possuem cores brancas, com cores verdes e com cores avermelhadas. Verifique os grupos de insetos: Coleoptera, cujo, o adulto põe larvas comestíveis (Aramanday no‘õ), grupo das abelhas (Eirusu’õ), Aracnideo (Japeusa no’õ), Hymnoptera (Kava’õ), Isoptera (Kupi’i no’õ), Orthodoptera (Kyju’õ), Phthiraptera (Ky no’õ), Diptera (Mberu no’õ), Julifornia (Mboisy no’õ), Homoptera (Ñakyra’õ), Odonata (Ñahati no’õ), Coleoptera do grupo não comestíveis (Lmbu’õ), Hymnoptera (Tahýi no’õ), Anoplura (Tu no’õ), Siphonpetra (Tungusu no’õ) Lepidoptera (Panambi no’õ), Acriinideo (Tuku no’õ)

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e Blattodeae (Tarave’õ). Esses são grupos de insetos que o Tupã guasu demonstrou para mim e para o senhor Amalho (grifos nosso).

Segundo os caciques entrevistados para esta pesquisa, no primeiro semestre de 2011, pode-se perceber que o ponto referencial para a classificação dos insetos é a natureza intacta. Durante a entrevista afirmaram que eles receberam orientações de Tupã Guasu dentro de um mato fechado e campo cheio de insetos. A classificação dos insetos na cosmovisão dos caciques entrevistados ocorre mediante as características externas e internas, o hábitat, reprodução, hábito de alimentação, cores e tamanhos, comportamento e ser Tupã rymba ou Añay rymba. O nome de cada grupo de insetos é revelado por Tupã Guasu para os caciques em sonhos. Em cada grupo de insetos são usados terminação no’õ. Os nomes de grupos dos insetos, o autor quando realizou a tradução do Guarani para a língua portuguesa, foi feita a aproximação das ordens de classificação de insetos. Os caciques afirmaram que em cada grupo há variedades de insetos em formas e tamanhos, cores, hábitat, hábito alimentar, etc. Para o Guarani de Pirajuí - MS nomeia os insetos observando as características externas e internas, os hábitos alimentares, o local onde vivem a reprodução, o perigo que apresenta para o ser humano e as outras espécies.

5.5.1 Mymba’i não comestível

LISTAGEM 4. Ordem Coleóptera - Lembu no’õ LEMBU - Escaravelho, lamelicórnios. Lembu ; Lembu Lembu tekaka’uha, Lembu Lembu ne, Lembu pytangy, Lembu karu, Lembu guata, Lembu perõ, Lembu ypegua. MUÃ GUASU, MUÃ’I- Vagalumes.

A classificação do Lembu ou Chaviju é feita de acordo com o hábitat, característica externa e interna, forma e tamanho, tipo de alimento que o besouro consome. Esse saber, o cacique recebeu do Tupã guasu. Esse conhecimento é repassado para os meninos e aos jovens.

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5.5.2 Mymba’i da classe comestível

Entrevista concedida para o autor desta pesquisa pelo senhor Amalho Gonzales, de 89 anos, no primeiro semestre de 2011, afirmaram que a “ordem do Tupã Guasu é que podemos comer insetos que possuem cores brancas, com cores verdes e com cores avermelhadas”. O Aramanday guasu e Aramanday mirim, possum cores avermelhadas, portanto, o Guarani local reconhece como inseto que pertence ao grupo comestível. O Guarani de Pirajuí, não come o besouro adulto, come as larvas de Aramanday guasu e Aramaday mirim (ver figuras 7, 8 e 9) Aramanday - O besouro de espécie comestível Metamasius sp e Cosmopolites sp)

Figura 7 - Aramanday mirim, Coleoptera de espécies comestíveis

O gênero Metamasius (Horn, 1873), no conhecimento não indígena está associado a várias plantas hospedeiras como cana-de-açúcar, bromeliáceas, palmáceas, musáceas, entre outras. Essa espécie está distribuída em vários países. Segundo Mexón (1999), Metamasius hemipterus (LINNAEUS, 1758) está associado a numerosas espécies de plantas cultivadas na Costa Rica, entre elas, a pupunheira, cana-de-açúcar, milho, sorgo, banana, abacaxi e em palmeiras ornamentais. Na comunidade pesquisada não há relato entre os indígenas entrevistados, no primeiro semestre de 2011, de que o Aramanday mirim (Metamasius sp), tenha atacado

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plantação de cana-de-açúcar, banana ou outras plantas. Eles afirmam que os caciques reconhecem as plantas que são hospedeiras destes insetos e na comunidade, até o momento não foi encontrada em outras plantas. Para Amorozo (2002), os extrativistas contribuem para diminuir a quantidade de pragas, principalmente, pragas que pertencem à ordem Coleóptera. O povo Guarani de Pirajuí constitui uma comunidade extrativista, pois eles aproveitam a madeira do coqueiro para construir suas casas, o palmito é utilizado na alimentação, assim, também as frutas e sementes dos coqueiros, portanto, isso contribui para diminuir a quantidade de espécies de Coleóptera que são pragas.

Figura 8 - Aramanday mirim (A) Figura 9 - Aramanday mirim (B)

b) Humbaiteva

a) Aramanday mirim: parapa (coloridos)

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Figura 10 - Aramanday mirim (Cosmopolites sp) capturado no pé de Butya yatay. Humbaiteva (cor escura)

Figura 11 - Rhychophorus palmarum. Na língua guarani, Aramanday guasu

Ipo (Apêndice) Ipy (apêndice) Ape (região dorsal)

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O termo Aramanday é formado de duas palavras. A palavra ara quer dizer dia e manday quer dizer o que cai durante e com a chuva. O nome aramanday foi revelado ao cacique rezador por Tupã Guasu. O Tupã, além de revelar o nome para o cacique, também revelou todas as particularidades dos insetos e também as plantas hospedeiras do aramanday. As larvas de Aramanday comem miolo de estipe de coqueiros jovens. Para usar como alimento é preciso esperar a cerca de 38 dias. Plantas hospedeiras do aramanday (Quadro 2): mbokaja, pindó, jarakati’a, jata’i, takuara e takuapi. O Aramanday é encontrado no mbokaja (Acrocomio aculeta), pindó (Arecastrum romanzzofianum Becc.), jakarati’a (Jacaratia spinosa [Aubl].) e jata’i (Butia yatay), são cinco espécies. Aramanday mirim ou aramanday’i (Figura 9 e Figira 10): existem três espécies desses aramanday: totalmente cor negra ( ), iparapa (colorido) várias cores e pytãngy (cor vermelha quese preta). As larvas que são encontradas em takuapi (Merostachys clausenii [Munro]) e takuara (Mbabusa vulgaris Schrad, Ex. J.C. Wendl) também são conhecidas como aramanday, pois tupã guasu revelou aos caciques todos os segredos destes insetos. No período da pesquisa de campo, no primeiro semestre de 2011, os entrevistados informaram que o aramanday de takuara e takuapi já não existe mais dentro da comunidade de Pirajuí. Alguns entrevistados informaram que mbuku de takuara e takuapi existe na região de Cerro Memby no Paraguai. Para o Guarani local, o aramanday que infesta takuara e takuapi é uma borboleta grande, mariposa, de hábito noturno. Veja a descrição do inseto pelo cacique Norberto Cabral de 58 anos, entrevistado, no dia 23 de março de 2011:

ichugui panambi. Ára ha

oveve cinco mesesve haguépe. Ára haku oñepyru agostope ha outro año agostope jevy oiko panambi ichugui. Takuara ha takuapi niko haso rire ipirupa. Takuara haso cada siete años takuapi katu cada año haso.

TRADUÇÃO (livre do autor): da larva sai mariposa, essa mariposa é colorida. A mariposa geralmente põe o ovo dentro do estipe de takuara ou bambu, no início de agosto até abril. Neste período, a mariposa voa bem cedinho e infesta a ávore. A takuara ou bambu geralmente é infestada no período de floração. A floração geralmente ocorre no mês de novemnbro a fevereiro. Quando termina o período de floração, em geral já foi infestada por aramanday. Para tirar o mbuku guasu de takuara ou bambu precisa esperar cinco meses, pois completando cinco meses já estão prontos para consumo. Até o macaco, geralmente, rasga com os dentes os

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estipes de takuara para comer a larva. Após cinco meses, a larva inicia o estado pupal, precisa passar mais cinco meses para sair mariposa. Geralmente sai mariposa no início de agosto. Lembra-se que o takuara amadurece como árvore cada sete anos, durante sete anos não tem takuara no mato.

Os insetos adultos consumidos por Ava Guarani de Pirajuí e estes insetos não pertence à ordem Coleoptera: Ysa: (Ordem Hymenoptera: Attas sexdens) quer dizer parecido com olho d’agua. O ysa também é consumido na comunidade no período de outubro a janeiro; segundo os caciques entrevistados, a ysa sai uma vez por ano. Conhecido na comunidade como ysau jarýi, quer dizer as avós das formigas. Ysau jarýi (avó das formigas), possuem as seguintes cores; cor avermelhada e cor escura na região abdominal e vermelha na região dorsal (pytangy), voam e andam, aparecem entre os meses de outubro a dezembro. A coleta de Ysa ocorre entre os meses de outubro a dezembro. Na coleta se procede assim: o Ysa sai do “ninho” em grande quantidade quando o sol fica mais quente, de perto das 10 horas da manhã em diante até as 16 horas. Os indígenas usam as seguintes técnicas para a coleta: primeiro descobrem a saída central das formigas e paralelo a esta saída fazem um buraco e o enchem de água suficiente para formar lama, pois, formando lama, o coletor não leva mordida de formigas; se for formigueiro grande, realiza coletas em grande quantidade de Ysa e se for formigueiro pequeno realiza coletas em pequenas quantidades. O Ysa é consumido cru, moqueado, assado, frito e cozido. Ñakyrã kindi: espécies de cigarras (Ordem Homoptera: Cicadidae-Magicicada sp) um pouco menor que as outras, aparecem anualmente, possuem cores variadas: olhos vermelhos, listras amareladas ou alaranjadas no lado de baixo do corpo do inseto, as asas são translúcidas e têm veias alaranjadas, voam. Geralmente descem nas pedras úmidas para se alimentarem. Aparecem anualmente na primavera e no verão. São insetos não venenosos, não transmitem doenças, bebem água e voam. As cigarras são reconhecidas pelos Guarani por seu canto, que é assim: kindi!kindi!kindi!kindi!, por isso o nome Ñankyrã kindi. (Magicada sp) é espécie de cigarra, comum no período de verão, geralmente é encontrada na beira de rio, repousando encima de pedras, possui cor verde claro. O consumo deste inseto, segundo os entrevistados no primeiro semestre de 2011, tornou-se raro, pois, a extinção do mato ao redor da comunidade e o uso de inseticida em lavoura ao redor da aldeia extinguiram a cigarra desta espécie. Segundo um estudioso de cigarras desta espécie, o Dr. Alexander (1998), existem sete espécies de cigarras da espécie Magicicada reconhecidas na América Central e duas

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espécies no Brasil, a Magicicada septendecim e a Magicicada cassini. Conforme Marshall e Cooley (2001), existe pouco estudo sobre as cigarras de espécies Magicicada, não há um estudo sistematizado, portanto, o assunto é pouco conhecido. A coleta é realizada assim: no verão, o cacique localiza a região com maior probabilidade de encontrar a cigarra e permanece atento para ouvir seu canto. Ouvindo o canto, já sabe que existe a cigarra naquela localidade e parte para a coleta. O cacique sabe que a cigarra começa a cantar no início da manhã e vai até por volta de 16 horas. Após as 6 horas as cigarras descem e pousam nas pedras úmidas para beber água. Neste momento, são realizadas as coletas das cigarras. As cigarras são consumidas cozidas, fritas e moqueadas. Os entrevistados no primeiro semestre de 2011 informaram que a cigarra (Ñakyrã kindi) e o mbuku de takuara e takuapi não existem mais na comunidade, porém, ainda é possível econtrar na região do Cerroguy no Paraguai.

5.6 CARACTERÍSTICAS BIOLÓGICAS DO MBUKU GUASU NA VISÃO DOS GUARANI DE PIRAJUÍ

Neste subitem, aborda-se-ão as características dos insetos comestíveis, as larvas comestíveis e não comestíveis. Durante as entrevistas que ocorreram durante o primeiro semestre de 2011, os indígenas Guarani de Pirajuí descreveram sete espécies de insetos que são utilizados como alimento e como remédio. Dentre eles, cinco pertencem à ordem Coleóptera, um está na ordem Hymenóptera e outro na ordem Homoptera.

5.6.1 Aramanday Guasu Coleoptera comestível

ARAMANDAY: Como já visto, o termo Aramanday reúne duas palavras. A palavra ara quer dizer dia e manday quer dizer o que cai durante e com a chuva. O nome aramanday foi revelado ao cacique rezador por Tupã Guasu. O Tupã, além de revelar o nome para o cacique, também revelou todas as particularidades dos insetos. O Aramanady possui estas características externas, segundo o cacique Norberto Cabral, de 58 anos, entrevistado no dia 23 de março de 2011:

– humbaiteva, iparapava, pytãngyva. Ko’ãva aramaday tuichavaichante avei

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imbarete. Ko’ãva tigua’ãicha avei oiko. Ha’e mokõi ipo hakua ha quatro ipy hakuapa avei. Oveve árakuépe, hoi’

cor tudo preta, é igual aramanday guasu, hábito diurno, voa durante o dia, possui rosto, as patas dianteiras trazeiras são fortes p

seja, listras avermelhadas na região dorsal e pretas na região ventral. O terceiro: também colorido, listras coloridos, preta na região ventral e listra cor amarelada na região dorsal.

5.6.2 Caracterização das larvas de Aramanday guasu

Mbuku guasu: a larva que sai do ovo de aramanday- cor branca ( ), não possui pés (nda’ipýri), cabeça meio avermelhada (akã pytã), possui mandíbula muito forte para comer o miolo do coqueiro (hãi mbarete), desprovida de pelos (iperõ) (Figura 11). Mbuku mirim: a larva que sai do ovo de - cor branca ( ), não possui pés (nda’ipýri), cabeça meio avermelhada (akã pytã), possui mandíbula muito forte para comer o miolo do coqueiro (hãi mbarete), desprovida de pelos (iperõ), a larva não anda de um lugar para outro. As larvas de takuara e takuapi: a larva é totalmente branca, parecida com o yso karu (larva de Lepidoptera). Elas têm garras e andam igual larva de mandrova (Lepidoptera). Mbuku guasu (larva grande). Essas larvas, também são reconhecidas como mbuku guasu. Essa larva se alimenta de líquido que fica no colmo de bambu. O Tupã guasu ensinou aos caciques que essas larvas podem ser consumidas como alimento, pois, o próprio Tupã guasu comeu que quando esteve na terra. O Guarani de Pirajuí reconhece o alimento, seguindo o passo do Tupã guasu, se o alimento foi consumido por ele quando esteve na terra, o guarani tembém a consome.

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Figura 12 - Larva de Rhynchophorus palmarum com 48 dias de desenvolvimento

Akã (cabeça) juru (boca) hãi (dente) Hye

Hete (corpo)

5.7 A ESCOLHA DE LARVAS DE ARAMANDAY COMO ALIMENTO NA COSMOLOGIA DOS GUARANI DE PIRAJUÍ

O Tupã guasu ensinou aos caciques que essas larvas podem ser consumidas como alimento, pois, o próprio Tupã guasu comeu que quando esteve na terra. O Guarani de Pirajuí reconhece o alimento, seguindo o passo do Tupã Guasu, se o alimento foi consumido por ele quando esteve na terra, o Guarani também a consome. O uso de larvas de besouros como alimento entre o Guarani Ñandéva pode ser chamado de alimentação cultural ou símbolos alimentares (BRAGA, 2003; FIGUEROA, 2004). Segundo Carrera (1992) apud Costa Neto (2003), quatro insetos principais integram a dieta dentre as etnias no Brasil: içá ou tanajura (Atta sp); a larva do bicho-da- taquara (Morpheis smerintha, Lepidoptera); as larvas de curculionídeos, denominadas de bicho-das-palmeiras (Rhynchophorus palmarum e Rhina barbirostris) e a larva do bicho-do- coco (Pachymerus nucleorum, Coleoptera). O uso de Aramanday ou larvas de besouros na cultura Guarani está diretamente ligado ao Tupã Guasu conforme a história contada pela senhora Paula Cabral, de 109 anos, na entrevista realizada no primeiro semestre de 2011.

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Assim é a lenda sobre a origem e o uso de larva de Aramanday como alimento. A escolha dos alimentos na cultura Guarani está expressamente ligada ao conhecimento que o Tupã Guasu deixou para o consumo como alimento e o alimento destinado ao Aña (diabo) comer e o Guarani Ñandéva não pode comer. Como foi descrito no capítulo anterior sobre o uso de larva de besouros, para os Ava Guarani de Pirajuí, não é o besouro ou larvas de besouros, como é conhecido no conhecimento ocidental. Para os Ava Guarani local é o aramanday, com esse nome os Guarani Ñandéva local identifica o besouro que põem ovos, dos quais eclodem as larvas, que são conhecidas como mbuku guasu (larva grande) ou mbuku miri (larva pequena). As larvas de mariposas (Lepidoptera), que infestam takuara ou bambu, também são chamadas de aramanday e as larvas como mbuku guasu. Esses nomes foram revelados aos caciques rezadores por Tupã Guasu (Deus todo poderoso). Tupã revelou ao cacique que, somente as larvas que são comestíveis pelo Guarani Ñandéva que poderiam ser chamado de mbuku. Já é sabido que o nome mbuku é na língua guarani quer dizer larva de aramanday ou larva de besouro comestível. As demais larvas que não são comestíveis são chamados de Yso. O yso segundo os caciques entrevistados no primeiro semestre de 2011 informaram que, assim o Tupã Guasu dividiu as larvas comestíveis dos não comestíveis. O Mbuku foi classificado por Tupã Guasu, como alimento limpo, forte, fácil de digestão, não possui sangue, alimento fácil de encontrar na natureza. Segundo os caciques entrevistados no primeiro semestre de 2011, revelaram que os alimentos que não possuem sangue, são alimentos que não possuem restrições para o consumo humano, ou seja, na visão do indígena Guarani local.

5.7.1 Restrições Alimentícias na comunidade Pirajuí-MS

Na cosmologia do Ava Guarani de Pirajuí, a escolha dos alimentos está ligada diretamente ligada ao ensinamento do Tupã Guasu. O Tupã Guasu revela aos caciques em sonhos todos os alimentos que Guarani vai consumir como alimento, desde vegetais até os animais. As meninas recebem as orientações a partir dos dez anos de idades e quando iniciarem onze anos de idades, elas não podem comer comida de origem animal, principalmente de mamíferos grandes que tem sangue. Os caciques entrevistados no primeiro

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semestre de 2011 alegaram que essa restrição de alimentos para as meninas é para garantir a saúde e o futura mãe que precisa ser resguardada. Elas não podem comer carne de animais grande até o batismo que coincide com a primeira menarca. Após o batismo as meninas já são adultas e podem se casar. As meninas no período em que não podem comer carne que contem sangue, porém, podem comer alguns tipos de carne que não tenha sangue: carne de peixes, alguns tipos de aves, larvas e bastante mel. E, comida a base de milho, variedades de tubérculos, frutas e água. Portanto na visão do Guarani, com idade de 50 a 109 anos, poderiam ser chamados mais velho de Pirajuí; eles são fundamentais na vida de comunidade. Os saberes, destes caciques a comunidade precisa valorizar. Infelizmente os caciques, entrevistados no primeiro semestres de 2011, afirmaram que o saber deles está sendo esquecida na comunidade, e que por alguns motivos a comunidade está generalizando com o conhecimento não indígena. Na pesquisa realizada por Gabriela Cunha Ribeiro e Alexandre Schiavetti (2009) no Parque Estadual de Serra de Conduru, Bahia, Brasil, com os moradores tradicionais afirmam que existem restrições quanto ao consumo de carne silvestre. Essas restrições chamaram de tabu temporal, tabu metodológico e tabu segmentares. Tabu temporal é quando o ser hunamo precisa respeitar o período gestacional dos animais, tabu metodológico é quando o caçador precisa obedecer os animais abatidos e saber selecionar os animais para abate e o tabu segmentar é quando é necessário delimitar a quantidade pessoas para abate de animais silvestre. Na comunidade Guarani de Pirajuí, também existe restrições alimentícias. Segundo cacique Amalho Gonzales, de 89 anos, entrevistados, nos dias 3 e 4 de março de 2011, Tupã Guasu revelou para ele em sonhos, os alimentos que precisam de alguns cuidados para comer, outros não possuem restrições e outros séries de alimentos não podem comer. O cacique ainda informou que as crianças devem comer os alimentos que foram abençoados pelos caciques. Veja os depoimentos do cacique:

Oĩ tembi’u idelicadova ha oi tembi’u katu oimerãeva ho’u kuaa. So’o niko idelicado veva mitã rusu ha kuñatai ndo’uiri va’erã oimehaicha rei. Vicho ka’aguy ro’o mitãme re’ukata ramo remongarai va’erã, mitã kuimba’e ha mitã kuña ho’u va’erã so’o iñemongarai pyre haku pota peve. Mitã kuimba’e ha kuñatai ohupityvo 11 anos tekoteve oñemongarai, oñamogarai rire katu ho’u so’o. Kuñatai katu ho’u va’erã so’o imba’asy okuejy rirei chupe.

TRADUÇÃO (livre do autor): existem comidas com restrições e devem ser obedecidos. Os alimentos que precisam ser abençoados, principalmente, quando as crianças vão comer; são as carnes de animais grandes, estes animais têm sangues, Tupã Guasu, disse que animais que sangues, podem trazer doenças. Por isso, não se pode comer crua, tem que cozinhar. As crianças, meninos e meninas, poderão comer

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carnes abençoados20 até 11 anos, após completarem 11 anos, eles e elas passarão por batismos, então, poderão comer carne. O Tupã Guasu fez assim, para que os jovens tenham saúde.

Kuñataĩ imba’asy oguejyy’ymboyve ho’u kuaa pira, guyra mbichy (ynambu, pykasu, jaku), yva opaichagua, mbuku, ñakyrã, ysa, eira, avatiguigua tembi’u, mandi’oguigua, jety, mbakuku, kumanda. Mitã ruso upeichante avei, ohupityvove 11 años oñepyruma haku, iñe’e ipoguasuma, cacique tekoteve omongarai ichupe kuéra.

TRADUÇÃO (livre do autor): Os meninos e as meninas poderão comer carne de peixes, aves, frutas, larva, comida a base de milho e mandioca, iça ñakyrã, mel, chicha. Pois, estas refeições não têm restrições por Tupã Guasu. Cacique okerokyva oporongaraiva ha’e petei Tupã rembiguái hesa pysova, oikuáva opa mba’e, oikuaa hina tupã he’i ramo ikepe ichupe tekoteveha omongarai mitã rusu kuérape.

TRADUÇÃO (livre do autor): Eu sou um cacique, recebi revelações do Tupã Guasu, para orientar às pessoas para que eles possam viver bem. Eu também preciso obedecer à ordem do Tupã Guasu.

Cacique oñepyru oñembyesako’i. Ha’e ndo’uiri va’erã so’o huguyva ha tembi’u oka, ho’u mbuku, ysa, yva, eira, chicha, avati mbichy, mandi’o mbichy, jety mbichy, mbakuku aloja. Oiporu meme avei cedro rykue: ojahu, ojepohei ha ojejuruhei. Peicha ha’e kuéra oiko. Upéarã tekoteve oi heta ojerokyva.

TRADUÇÃO (livre do autor): o cacique precisa estar pronto, dia a dia para realizar as atividades que cabem ao cacique. O cacique também não pode comer comida que o Tupã Guasu proibiu para comer. Até água é necessário usar com restrições, pois, na água tem que ter casca de cedro. Por isso precisa de vários caciques para cuidar do povo Guarani.

TRADUÇÃO (livre do autor): comida que somente a senhora de idade pode comer, são filhotes de animais recém-nascidas ou abatidos com os filhotes, miudezas de animais como fígado, rins, coração, etc. Isso acontece, não, porque as pessoas de idade de 60 a 110 anos não possam comer qualquer comida, e, porque, muitos das pessoas com essas idades já não dentição e esse tipo de carne mais fácil para cozinhar e preparar caldo para eles comerem.

dy; ko’ãva katu oimerãeva ho’u kuaa, mitã, tuja, guaigui, mitã rusu, kuñatai. Ñande kuéra niko Tupã Guasu remimoñare oheja va’ekue ko yvy ári, ndopa mo’ãi. Péagui ñane remiarirõ kuéra oikose ramo ambue rekópe, oñepyruma avei omaña vaí ojuehe kuéra. Ñande niko jareko peteĩ teko piro’y, pévagui jaikokuaa va’erã ha karai ndoguerekoi peicha tekove.

TRADUÇÃO (livre do autor): os alimentos sem restrições: as larvas de aramanday, içás, cigarra, mel, larvas de abelhas, ovos, peixes, aves. Estas comidas não têm restrições, podem comer qualque pessoas. Somos descendente direto do Tupã Guasu, por isso deixou os alimentos e revelou para nós, como usá-los.

20 Benzida, na lingua guarani (Jehovasa pyre). Cajetano Vera 123

Figura 13 - Larvas de Rhynchophorus palmarum cozidas prontas para consumo. Na língua guarani, Mbuku mimói

Para os indígenas de Pirajuí, na visão dos caciques entrevistados no primeiro semestre de 2011 e o depoimento do cacique Amalho de 89 anos, entrevistado, no dia 2 e 3 de março de 2011, revelaram que o uso de larva de aramanday, está ligado às revelações do Tupã Guasu em sonhos aos caciques rezadores. Eles são responsáveis para repassar às revelações às crianças, principalmente para os meninos. Os meninos quando completarem quatro anos receberá os ensinamentos dos pais e dos caciques. Eles aprenderão habilidades para trabalhar na roça, caçar, construir casa, etc. As meninas ficam na companhia da mãe e aprenderam habilidades para cuidar da casa no dia a dia. Mas, os saberes são sociabilizados durantes as refeições, bem cedinho na beira do fogo (tataypy), por isso as mulheres, não possuem conhecimentos sofisticados como os homens, principalmente sobre o aramanday. Às mulheres que foram entrevistadas, no semestre de 2011, revelaram que já viram e que já comeram, mas, sempre firmavam que os pais que traziam para casa e a mãe que preparava as larvas para comer. A mulher quando é cacique (xamã), neste caso é diferente, ela recebe instrução do Tupã Guasu, então, ela passa conhecer tudo sobre o aramanday e sobre os demais insetos, pois, neste caso, ela tem missão importante que é ensinar as crianças e jovens.

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5.8 O FUTURO DO USO DE LARVAS DE ARAMANDAY NA VISÃO DO GUARANI DE PIRAJUÍ

Os indígenas Guarani de Pirajuí têm consciência que o uso de larva de aramanday não vai acabar. Mas, os caciques, afirmam que os saberes tradicionais relacionados ao uso da larva de aramanday, se não foram valorizados pela comunidade, se não seguir a sua sociabilização entre as famílias, tem risco de cair no desconhecimento da comunidade. Eles alegaram que o aramanday não acabará. Pode ocorrer na sociedade guarani como ocorreu na sociedade não indígena, ver o aramanday e as suas larvas como pragas. Os caciques entrevistados no período da pesquisa apontaram seis problemas que poderão contribuir para cair no desuso das larvas de aramanday: 1. Extinção do hábitat, 2. Extinção dos caciques (xamãs), 3. Não, socialização do saber tradicional, 4. karai reko (viver no modo de não indígena), 5. Influências de alimentos não tradicional do guarani e 6. O uso inadequado da natureza na comunidade. A extinção do hábitat do Aramanday os indígenas se referem sobre a extinção das palmeiras ou coqueiros nativos que são hospedeiros dos insetos. Por exemplo, na comunidade de Pirajuí o coqueiro nativo está diminuindo acentuadamente com o aumento de população. Segundo Cristancho-Sánchez e Barragán-Fonseca (2011), as larvas de Rhynchophorus palmarum L., 1758, são comercializados na cidade de Letícia - Colombia, por nativos , Huitoto, Cocama, Yukuna, , Bora, Tanimuka, Miraña, Inga, Yagua, Matapí, Muinane, entre outros. Mas, na comunidade de Pirajuí, entre os Guarani Ñandéva não existe comércio de larvas de Aramanday (Rhynchophorus palmarum (LINNAEUS, 1758). Portanto, as ameaças de extinsão do Rhyncophorus palmarum,Metamasius sp, Cosmopolites sp, Pachymerus nuclearum, Apis mellifera, Attas sexdens e etc, ocorre de fora para dentro da comunidade. Na comunidade não há relato de comercialização de insetos para fora da comunidade. Extinção dos caciques ou xamãs, os caciques entrevistados observaram que os Guarani de Pirajuí, principalmente os jovens não dão importância para sua cultura, muitos dos jovens não participam das festas tradicionais que ocorrem na comunidade. Assim, eles concluíram que os conhecimentos que possuem não terão validade à comunidade, portanto, no futuro próximo não existirá o cacique. A sociabilização do saber é importante para comunidade na visão dos caciques, pois, se não repassar os conhecimentos às famílias, “os nossos filhos não saberão o nosso modo de ser”, afirma o professor Adriano Moreles.

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O karai reko que os entrevistados afirmaram têm influencia direta na assimilação de conhecimento tradicional e conhecimento não tradicional. A fartura de alimento não tradicional do Guarani, o alimento industrializados que não são reconhecidos como alimento sagrado nas práticas alimentares no dia a dia e põe em risco os conhecimentos do povo Guarani sobre os alimentos utilizados culturalmente. Com realação ao uso indevido da natureza na comunidade, os caciques entrevistados compreendem assim, porque segundo estes, os indígenas que trabalham na lavoura introduziram o uso de inseticida e o uso de calcário para corrigir o solo, em paquena escala, mas, os caciques não aprovam o uso de inseticida. Veja o digrama novamente para compreender como ocorre à dinâmica ou triangulação dos saberes na comunidade de Pirajuí-MS (Figura 14).

Figura 14 - Fluxograma que mostra triangulação do conhecimento e transmissão do mesmo na sociedade Guarani de Pirajuí

Tupã guasu

Tupã’i Tupã’i Tupã’i

Xamã (homem) Xamã (mulher)

Capitão, governo

Sociedade guarani: sociabilização Sociedade não indígena dos saberes Escola, igreja

Observando o fluxograma de baixo para cima, o Tupã Guasu está no topo e ele aparece como figura principal, para revelar aos caciques e para tupã’i os conhecimentos, através dos sonhos. O Tupã Guasu tem contato direto com os xamãs e com os tupã’i kuéra. O tupã’i seria como deus intermediário, na cosmologia guarani são figuras masculinas que cuidam da natureza como rio, mato, animal, etc.

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A figura do capitão e demais órgãos de autoridades na comunidade Pirajuí, não tem contato direto com o Tupã’i nem com o Tupã Guasu, o capitão tem ligação direta com os xamãs, mas os xamãs não têm contato direto com o capitão que e autoridade local. Os xamãs têm contato direto com a sociedade local, pois, eles e elas possuem papéis fundametais para sociabilizar os saberes entre as famílias. Para os caciques eles não têm rede de relacionamento forte com o capitão, porque, ele é o representante da comunidade junto a FUNAI, Prefeitura, Governo, fazendeiro, escola, etc., não possui função de sociabilizador do saber entre as famílias e não é representante do Tupã Guasu ou Tupã’i. Percebe-se que nos fluxogramas não têm flechinhas ou setas, indicando contato direto ou indiretamente entre os xamãs, a sociedade não indígena e a escola. Isso indica conflito, entre, as ambas, pois, a escola e a sociedade não indígena não estão valorizando os saberes dos xamãs. Por isso os xamãs afirmam que a escola, está ensinando os saberes dos não indígenas, e, que por isso, as crianças e os jovens não estão valorizando os saberes sociabilizados em casa. As flechinhas ou setas, no fluxograma mostram que a sociedade Guarani local, possui contato com a escola, com o capitão e com a sociedade não indígena. Mas, as setas, sem às flechas indicativas, demonstram que o retorno dentro da rede relacionamento, em nível de satisfação desse contato com a escola e com a sociedade não indígena é baixo. Não tendo satisfação entre as redes de relacionamentos, o conflito está presente. Veja no fluxograma que a comunidade tem laços de relacionamentos fortes com a sociedade não indígena, com a escola, igreja e com autoridade local, porém, as setas sem indicativos mostram que os mesmos laços de relacionamentos não ocorrem nas ditas sociedades. Segundo os caciques entrevistados, no primeiro semestre de 2011, o conflito é importante, pois, não está ocorrendo a sociabilização dos saberes entre as famílias. O ñemongarai entre os adolescentes não acorre desde 1995, isso causou entre os Guaranis de Pirajuí, enorme prejuízo, pois, muitos pais, não sabem como ensinar os seus filhos e filhas sobre os saberes tradicionais da cultura Guarani. Para cacique Cármelo Duran de 89 anos, entrevistado, no dia 20 de maio 2010, o ñemongarai entre os jovens não correm há muito tempo, isso, dificulta o bom andamento da comunidade, pois, sem o ñamongarai, os jovens crescem sem direção, com atitude ruim, cheios de vícios, podem ser até um assassino. Isso o cacique entrevistado chamou de karai reko, o modo de ser do não indígena.

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Os indígenas entrevistados no primeiro semestre de 2011, afirmaram que se os saberes tradicionais do guarani (ñande reko), não sendo passado para as crianças e aos jovens, não saberão cuidar da natureza futuramente. Se os pais, os caciques, escolas não ensinarem os nossos jovens na visão tradicional do guarani, eles vão crescer sem saber, por exemplo, o porquê cuidar da natureza; assim, acabar os rios, as matas, aramanday, mbuku, bichos, etc. Para o guarani local, o aramanday não acaba, porém, se extiguir a mata e as plantas que hospedam o aramanday e as suas larvas (mbuku), esses insetos migram para outros lugares, onde possam achar alimento e procriar, esse processo coincide com a extinção do hábitat do inseto. Como já foi afirmada, a possibilidade de extinção dos xamãs na comunidade, não ocorrendo a sociabilização do saber tradicional entre as famílias e por outro lado a escola, igreja e sociedade não indígena; põe em jogo a discussão entre os dois saberes tradicionais do guarani e saberes não tradicionais indígenas. Os indígenas entrevistados na Aldeia Pirajuí, no primeiro semestre de 2011, afirmaram que os jovens estão utilizando drogas inlícitas e lícitas e os vícios não aprenderam na comunidade, portanto comunidade pode demonstrar aos jovens que caminho escolheu é errado, para tanto, a comunidade precisa buscar o conhecimento tradicional e não tradicional para combater os vícios dos jovens. Os professores entrevistados, durante a pesquisa, demonstraram os reconhecimentos de que à comunidade local precisa urgentemente dialogar com o segmento da sociedade não indígena. Segundo Valentim Pires, de 42 anos e Adrianos Morales, de 52 anos, afirmaram que para compreender o conhecimento ocidental o indígena Guarani precisa estudar, principalmente, os jovens. Pois, conhecimento local indígena isolado sem dialogar com a escola e com à comunidade não indígena, não há como caminhar isoladamente no conhecimento indígena, portanto, os jovens, os caciques, professores, desta comunidade precisam buscar o conhecimento do não indígena. Na visão dos professores é que muitas vezes, os indígenas valorizam mais o saber ocidental do que seu saber ou seu conhecimento. Se à comunidade souber valorar o saber tradicional e o saber ocindetal, ter-se-á oportunidade de dialogar entre o saber ocidental e o saber insígena. Mas, para tanto, os saberes entre ambas, precisam de reconhecimento para que os conhecimentos não sobreponham uns sobre os outros, como vem ocorrendo atualmente. Veja o fluxograma que mostra, o processo de integração dos saberes para que a sustentabilidade possa ocorrer (Figura 15).

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Figura 15 - Fluxograma: demonstrando a integração dos saberes

Conhecimento Conhecimento científico local

Sustentabilidade e conservação da biodiversidade Gestão de Educação participação das populacões locais

O setor educacional que possibilita o conhecimento científico21 que precisa dialogar com os conhecimentos locais, pois, os conhecimentos locais são indicativos para permitir um relacionamento harmônico entre os saberes. Às pessoas de uma comunidade, no caso de aldeia Pirajuí, uma vez que o seu saber extrapola fronteira e reconhecida, não há dúvida que, eles começarão se envolver e se organizar para buscar a autonomia, somente assim pode-se dizer que à conservação da biodiversidade e sustentabilidade pode ocorrer. O conhecimento individualizado, tanto, o conhecimento científico como o conhecimento indígena não conseguirão realizar êxito, se forem individualizadas. Neste caminhar, o mais importante é o diálogo entre os saberes indígenas não indígenas ou conhecimento científico. As variabilidades de sócioculturais são importantes para o diálogo simétrico entre a amba comunidades. Segundo Cristancho-Sánchez e Barragán- Fonseca (2011, p. 162):

Las culturas indígenas siempre se han caracterizado por su gran potencial en el conocimiento de la naturaleza, el entorno que los rodea y son los mejores ecologistas que puede tener el planeta, ya que a medida que utilizan los recursos, abastecen de nuevo al mundo natural de manera sostenible y productiva. La ciudad de Leticia mantiene una población mixta em donde los productores de alimentos son principalmente indígenas y los consumidores son criollos, colonos o leticianos nacidos en el casco urbano. Por ello, es importante resaltar que en Leticia la influencia indígena juega un importante papel en la caracterización socio-cultural

21 Exige demonstrações, submete-se à comprovação, ao teste. Consiste no conhecimento causal e metódico, dos fatos, dos acontecimentos e dos fenômenos. Estabelece a relação sujeito-conhecimento, colocando uns em relação aos outros de modo que é possível descobrir a uniformidade das suas causas e dos seus efeitos. É um conjunto de conhecimentos metódicos sobre a natureza. Só é científico o conhecimento que for provado, ou seja, verificado e demonstrado. Seu objetivo consiste em estudar as causas reais dos fenômenos e descobrir as leis pelas quaiseles se regem (DELAMONICA-FREIRE, 2011, p. 6). Cajetano Vera 129

de sus habitantes (CRISTANCHO-SÁNCHEZ; BARRAGÁN-FONSECA, 2011, p. 162).

Durante a pesquisa, foi observado na comunidade indígena de Pirajuí, que os indígenas realizam a semidomesticação do Aramanday. Segundo Jhonson (2010), entre os gestores da terra, há pouco conhecimento ou valorização do potencial para criar insetos e para realizar a colheita de forma sustentável. Na aldeia indígena Pirajuí -MS, os caciques entrevistados possuem conhecimento e experiência em manipulação de vegetação de floresta, reconhecendo as plantas que são hospedeiros de larvas de Aramanday. Por isso os indígenas que moram na aldeia sabem a prática de colheita das larvas, mantendo assim, a população de inseto comestível. Apesar de faltar conhecimento formal ou científico, o conhecimento que o Guarani Ñandéva local possui sobre a diversidades florestais que abrigam insetos comestíveis apresenta um leque de oportunidades para a gestão inovadora desde de que haja diálogo entre os saberes locais e científicos. Portanto, levando em consideração os saberes locais, promovendo gestão de pessoas de uma determinada comunidade e o conhecimento científico, resultarão os que os cientistas chamam de sustentabilidade e conservação da biodiversidade. Parceria com o setor educativo poderá proporcionar à comunidade estratégia para descobrir o modelo de produção mais eficaz do Aramanday de forma sustentável para manter a biodiversidade ecológica daquela região.

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CONSIDERAÇÕES FINAIS

Em uma primeira análise, é difícil concluir ou realizar algumas consideraçõe mais efetivas sobre o conhecimento de uma etnia tão rica e diversificada como os Guarani Ñandéva, talvez porque este seja um estudo preliminar e apenas inicial do entendimento que a Ciência Ocidental possa ter sobre o conhecimento do povo Guarani. O reconhecimento dos saberes tradicionais do Guarani sem dúvida é o mínimo que a Ciência Ocidental deve fazer, pois pouco se conhece sobre ele. Atendendo aos objetivos iniciais propostos para este estudo, a análise dos dados apresentados indica que o conhecimento dos Guarani Ñandéva de Pirajuí sobre o uso de larvas de besouros ou Aramanday, como alimento e remédio, remonta aos conhecimentos milenares deste povo. Hábito entomofágico do guarani ou o uso de inseto como alimento e medicinal é coerente com o conhecimento ocidental, ou seja, científico. A pesquisa procurou descrever e demonstrar o hábito alimentar singular deste povo e assim, definir em conjunto com a população local, através de diálogo simétrico, para que o Guarani Ñandéva de Pirajuí/MS continue utilizando o aramanday como alimento e como remédio. Assim, a população de Curculionídeos das espécies considerada pragas, no conhecimento ocidental, estará controlada. A importância do aramanday e as suas larvas na cosmovisão do povo guarani local, utilizadas como comida e como fonte medicinal; na sociabilização dos saberes entre as famílias, nas orientações dos filhos voltadas para conhecer a população de insetos que são comestíveis e não comestíveis; isso é muito importante para o conhecimento Científico. Na cosmovisão do Guarani local, o alimento por ele consumido, seja ele de origem animal ou vegetal, foi o Tupã Guasu que criou e ensinou ao povo Guarani usá-lo como alimento. Portanto, o saber do povo Guarani está baseado em Tupã Guasu ou seja os caciques rezadores que recebem as orientações sobrenaturais de Tupã Guasu são responnsáveis para repassar os conhecimentos aos jovens e as crianças. O conhecimento sobre o alimento para o povo Guarani vem do Tupã Guasu, e este, em sonhos, revela aos xamãs ou 131

caciques, os quais, por sua vez, precisam repassar estes conhecimentos para os familiares, com o objetivo de escolher alimentos adequados para consumir. O conhecimento sobre o aramaday na comunidade Pirajuí pode ser notado entre os caciques e moradores da comunidade que nasceram na década de 70; nas gerações presentes já existem déficits de conhecimento sobre o assunto. O que difere na comunidade, portanto, é o grau de profundidade de conhecimento sociabilizado entre as famílias. Os caciques conhecem detalhadamente o aramanday; as pessoas que nasceram na década de 70 conhecem e sabem onde encontrar, já comeram e já usaram como remédio, porém, não conhecem as demais particularidades do aramanday. Os moradores da comunidade pesquisada que nasceram nos anos de 1990, 2000 e 2003, os entrevistados no primeiro semestre de 2011, afirmaram que já ouviram falar, nunca comeram, alguns já usaram como remédio e já fizeram coletas, porém, não sabem as demais particularidades do aramanday. Tratando-se de metodologia etnobiológica, pode-se dizer, positivamente, que entre o Guarani Ñandéva de Pirajuí há especialistas no assunto “o uso de larva aramanday como alimento e remédio”; os caciques possuem essas qualidades, por isso eles foram alvos de entrevistas pelo pesquisador. As informações dos entrevistados foram fundamentais para afirmar que o conhecimento entre o Guarani local ocorre no dia a dia, oralmente; na hora das refeições, de manhã bem cedinho, na hora do chimarrão, na hora do tereré, no trabalho (roça), nas lides da casa etc. Os jovens aprendizes tinham que observar e repetir da forma que os caciques os pais lhe ensinaram, pois muitas vezes a sobrevivência dos mais jovens dependia deste conhecimento. Informações dos entrevistados e prática de trabalho de campo revelaram seis etnoespécies de aramanday, incluindo aramanday de taquara e mais três espécies que não são aramaday: ñakyra kindi (homóptera), icás (hynminptera) e larvas de Apis melliferas. Totalizando nove espécies de insetos comestíveis que o Guarani local conhece. Para essas etnoespécies, as informações abrangeram: descrições de características externas, sazonalidade, hábitat, fenológicos, ecológicos, manejo e prática de manipulação no campo e no laboratório, destacando a importância de espécie aramaday. O uso de larva aramanday na comunidade guarani é comida e remédio. Como alimento, na cosmovisão do Guarani, foi classificado com sendo alimento leve; sem restrições para consumo, quer dizer, este é um alimento para todas as idades. O alimento à base de larva de aramanday é considerado pela comunidade como alimento limpo, saudável, pois, possui

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gordura que não faz mal à saúde. Por isso, quem se alimentava dele era sadio, forte e tinha longevidade. As informações dos entrevistados da comunidade no primeiro semestre de 2011, a partir de formulações das explicações compostas por dados que complementavam a transdisciplinaridade envolviam vários conceitos que, aos olhos de ciências ocidentais ou etnociências, são saberes acumulados nos milhares de anos. Esses saberes modificam-se constantemente e se adaptam à realidade de cada geração, bem como a cada indivíduo, e podem ser vistos como equivalentes ao conhecimento científico em vários itens, como, por exemplo, saber descrever as características biológicas, semidomesticação, hábitat, inter-relação entre as espécies comestíveis e não comestíveis nas ordens dos insetos distintas. A sociabilização do conhecimento a respeito do aramanday acontece entre as famílias; o aramanday ocupa lugar importante na cosmologia do guarani. Pois, o inseto como o aramanday tem dono que cuida dele, portanto, o ensinamento sobre o aramaday requer ritual e jehovasa (benção). Para os jovens aprendizes possam ter noção geral sobre a ecologia do inseto, do meio ambiente e não agridam o ambiente natural colocado por Tupã Guasu. Os jovens e as crianças precisam conhecer bem o lugar onde está inserido, assim garante a estabilidade do equilíbrio na natureza. Embora a sociabilização entre as famílias ocorra com menos frequência e intensidade, principalmente, o conhecimento sobre o aramanday e correlatos. Os filhos dos entrevistados revelaram os conhecimentos sobre o aramanday, notórios na maioria dos membros da comunidade, principalmente nas demais crianças da comunidade. Muitos jovens e crianças desconhecem o aramanday; estes que não conhecem o aramanday afirmam que o aramaday é o besouro (lembu), pois as crianças ouviram os professores falarem sobre o besouro (lembu) na escola da comunidade. Sabe-se que a larva de lembu ou besouro não é comestível na comunidade guarani local. Segundo os caciques entrevistados no primeiro semestre de 2011, o desconhecimento sobre o aramanday ocorre por causa do ore karai reko, quer dizer, “estamos vivendo na cultura do não indígena” e os professores já não estão ensinando as crianças e jovens no modelo de ensino tradicional do Guarani. O alimento que era usado culturalmente pelo Guarani foi trocado pelo alimento da cidade. Há ruptura quanto ao conhecimento tradicional de geração para geração, pois a geração de 90 a 2010 está na escola, na faculdade, em órgãos do governo, nas igrejas de várias denominações etc. Os conhecimentos tradicionais

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estão entre os caciques rezadores e entre as pessoas das gerações até 1980. Estes não estão repassando os conhecimentos aos jovens e às crianças. Por outro lado, não pode se pensar que o conhecimento do guarani local está se perdendo, pois os membros da comunidade, os caciques, as autoridades locais, a igreja, a escola, a Prefeitura Municipal, estão dispostos a dialogar e chegar a um denominador comum para que os caciques e as demais pessoas da comunidade possam voltar a ensinar às crianças, jovens e adutos que queiram conhecer os alimentos tradicionais do guarani local. O pesquisador foi intimado por autoridade local para apresentar à comunidade o resultado da pesquisa e direcionar um diálogo entre as famílias e estudantes e professores na comunidade. Foi apresentado ao pesquisador pelo capitão Irineo Vera, Estanilau Vera e José Morales que são autoridades na aldeia, um projeto de replantio de coqueiros a fim de manter o aramanday na comunidade; já existe uma área separada na aldeia para este fim. Pois estes alegaram que o aramanday não pode acabar, “ele é nossa comida e nossa farmácia”. Portanto, o resultado desta pesquisa poderá ajudar a comunidade a repensar o hábito alimentar que está sendo quase esquecido, mas pronto para revigorar-se e demonstrar à sociedade não entomofágica que a larva de aramanday não é praga, é alimento saudável, limpo, deixa as pessoas fortes e oferece mais longevidade para quem se alimenta dele.

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