Juscelino Kubitschek: O Mito Na Minissérie JK
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Juscelino Kubitschek: o mito na minissérie JK Camilla Rodrigues Milder Caroline Casali RESUMO A pesquisa tem como objetivo investigar a construção da imagem do ex-presidente Juscelino Kubitschek de Oliveira na minissérie global JK. A hipótese inicial consistia na idéia de que a emissora construiu Juscelino Kubitschek como mito na minissérie e, para investigá-la, optou-se pela análise sob a ótica das figuras de expressão do mito propostas por Roland Barthes. Também foram estudadas biografias e revistas veiculadas na época do mandato de Juscelino, tais como O Cruzeiro e Manchete, para traçar uma comparação entre os fatos históricos que marcaram a trajetória de JK e a forma como o discurso midiático trabalhou estes fatos. Os resultados demonstram que a minissérie global legitimou um mito que vinha sendo midiaticamente construído desde seu mandato presidencial. PALAVRAS-CHAVE: Juscelino Kubitschek. Mito midiático. Tele- visão. Minissérie. Em Questão, Porto Alegre, v. 17, n. 1, p. 49-64, jan./jun. 2011. Alegre, v. Em Questão, Porto 49 1 Considerações iniciais A televisão ainda é a grande soberana entre as mídias. Em um país onde o índice de analfabetismo é alto e o acesso à leitura segue precário, a televisão é um dos principais meios de informação e também de entretenimento social. Para Elizabeth Duarte (2004, p. 11), “a televisão vem signifi cando para o homem comum contemporâneo a incrível e, muitas vezes, única possibilidade de participação de um tempo histórico.”. Contudo, não é apenas o poder de sedução da linguagem audiovisual que, mesmo sob baixos níveis de audiência atinge milhões de pessoas, intriga pesquisadores e produtores midiá- ticos, mas também a capacidade que a televisão tem de construir representações. Filmes, novelas, seriados, minisséries, anúncios televisivos, entre outros, veiculam imagens que contribuem na construção de representações de ambiências e comportamentos pelo público. Para Bucci (2006), por exemplo, diante de terri- tórios extensos, como o Brasil, a televisão torna-se um elo que oferece ao público a forma como deve conceber o seu país. “Tire a televisão de dentro do Brasil e o Brasil desaparece. A televisão é hoje o veículo que identifi ca o Brasil para o Brasil” (BUCCI, 2006 apud CRESQUI, 2009, p. 1). Da mesma forma que constrói uma imagem do Brasil para os próprios brasileiros, a televisão contribui ainda na construção de mitos midiáticos, tais como estrelas de cinema, craques de futebol e personalidades políticas. Juscelino Kubitschek, ex-presidente do Brasil, é uma dessas personalidades que pelo tratamento midiático concedido a ele tornou-se mito. As reportagens especiais exibidas em 2010 por comemoração dos 50 anos da cidade de Brasília relembraram a história que legitimou Juscelino como mito. O país que fi cara órfão com o suicídio de Vargas, em 1954, encontrou em Juscelino Kubitschek, eleito presidente em 1956, um porto seguro. Os brasileiros inspi- rados por um presidente de alegria contagiante e inovador, viam o país se industrializar, ao som da Bossa Nova, da literatura de Graciliano Ramos, Clarice Lispector e da conquista do primeiro título mundial de futebol. Filmes como JK – Bela Noite para Voar1 e Os Anos JK – Uma 1 Filme brasileiro, 2009, de Zelito Viana, sobre um dia na vida de JK. Trajetória Política2 legitimaram recentemente Juscelino como mito nacional, mesmo que, ainda na década de 50 e 60, jornais 2 Documentário brasileiro de Silvio e revistas já tratassem JK como mito para um grupo mais seleto, Tendler, em 1980, sobre a trajetó- ria política de JK. não tão abrangente quanto o faz a televisão. Contudo, quando se fala de mídia de massa, é a televisão que alcança a maior parcela da população brasileira. A teledramaturgia é o produto televi sivo mais popular, em especial as telenovelas e minisséries, sendo esta última apontada como “[...] lugar de conhecimento sobre a Em Questão, Porto Alegre, v. 17, n. 1, p. 49-64, jan./jun. 2011. Alegre, v. Em Questão, Porto História do Brasil.” (FEITOSA, 2009, p. 76). 50 A Rede Globo de Televisão trabalha determinadas minisséries por ocasião de datas comemorativas relacionadas ao tema da fi cção. JK, exibida entre janeiro e março de 2006, é um desses exemplos: o ano comemorativo do cinqüentenário do início do governo de Juscelino Kubitschek estimulou a produção da minissérie. Baseada na biografi a do ex-presidente, a minissérie procura aliar aos fatos históricos um enredo e personagens fi ctícios. A produção apresenta o 21º Presidente da República Federativa do Brasil, Juscelino Kubitschek de Oliveira, nascido na pequena cidade de Diamantina, no estado de Minas Gerais em 12 de setembro de 1902. Menino de boa família e índole, mas pobre. O casamento dos pais, João César e Júlia, era uma atração de contrários: o pai, rei das festas, enquanto a mãe tão-somente freqüentava a igreja e raramente a casa de parentes. Dona Júlia, viúva aos 28 anos devido à turbeculose, profes- sora primária, fi cara responsável pela criação e educação dos dois fi lhos, Maria Conceição e Juscelino. As crianças herdaram da mãe a busca pelo conhecimento e senso de responsabilidade e do pai o gosto pela dança e serestas. “Juscelino não escolheu se tornar Kubitschek em vez de Oliveira. Dona Júlia moldou-o Kubitschek” (BOJUNGA, 2001, p. 42). Anos mais tarde, já morando em Belo Horizonte e exercendo a profi ssão de médico, casa-se com Sarah Lemos, pertencente a uma família tradicional mineira e ligada à política. Juscelino inicia sua carreira política como Chefe da Casa Civil em Minas Gerais, a pedido do amigo Benedito Valadares, que conhecera no front durante a Revolução Constitucionalista de 1932. Torna-se também deputado federal, prefeito de Belo Horizonte, Governador do Estado mineiro, Presidente da Repú- blica e Senador. Foi o responsável pela construção da capital brasileira – Brasília, no interior do país. Faleceu em 1976, aos 73 anos, num acidente de carro. Cabe lembrar que, além do cinqüentenário do mandato de JK, o ano de 2006 marcava ano de eleição presidencial no Brasil, cujos principais candidatos eram Geraldo Alckmin, do Partido da Social Democrata Brasileiro (PSDB), e o então Presidente da República, Luís Inácio Lula da Silva, do Partido dos Trabalha- dores (PT). Na ocasião, ambos procuravam, em seus discursos, comparar-se a Juscelino Kubitschek, legitimando seu carisma e sua competência. “Desse modo, o cinqüentenário do mandato 3 Escândalo sobre esquema de com- pra de votos de parlamen tares de JK, a eleição presidencial e a exibição da minissérie na Rede ocorrido em 2005, durante o Globo de Televisão resultou numa série de eventos e referências governo Lula, que causou o indi- ciamento de quarenta políticos que trouxeram à tona os anos 50 e o governo de Juscelino como no Supremo Tribunal Federal. Neolo gismo vem de “mensali dade” um exemplo a ser seguido.” (FEITOSA, 2009, p. 80). usada para se referir a suposta Em 2006, o cenário político nacional vislumbrava escân- “mesada” paga para se votar a favor de projetos. 3 dalos e denúncias sobre o Mensalão , e o atual presidente Lula, 17, n. 1, p. 49-64, jan./jun. 2011. Alegre, v. Em Questão, Porto 51 enquanto candidato, usava do exemplo de Juscelino, que dizia não ter conhecimento de fraudes, desvios de dinheiro e perda do controle da infl ação em seu mandato. Nesse sentido, falava-se de uma suposta tentativa da Rede Globo em resgatar a crença na política nacional. A minissérie, assim, mais que entretenimento e fi cção, teve a função de trazer a história da política nacional à tona em um momento de refl exão e ação sobre a política no Brasil. Por isso, o presente artigo busca entender a construção da imagem de Juscelino Kubitschek na minissérie global, buscando indícios de sua construção e/ou legitimação como mito. Para tanto, foram analisados os DVD’s da minissérie, com vistas a investigar a presença das fi guras de construção do mito previstas por Roland Barthes na narrativa global. Cabe destacar que, apesar de apresentar todos os 47 capítulos da minissérie, os cinco DVD’s comercializados traziam os episódios em versão compactada. Também não trouxeram a minissérie dividida em capítulos, mas apresentaram a narrativa de forma seqüencial. Por isso, ao citar os trechos da minissérie no decorrer das análises, optou-se referenciar o disco em que se encontra a parte citada. 2 A Minissérie como subgênero e seus formatos na Rede Globo A preocupação em criar limites entre a fi cção e o real é des- feita por Eco (1994 apud DUARTE 2004, p. 114), quando este afi rma que “[...] os mundos fi ccionais são parasitas do mundo real.”. Nesse sentido, visando entender a função e o regime de crença com que trabalham as minisséries, busca-se uma catego- rização da programação televisiva no que concerne ao gênero, subgênero e formato. Ao analisar programas televisivos, Duarte (2004) parte da pressuposição de que as tipologias clássicas de gênero, dadas através da literatura, não são aplicáveis stricto sensu à produção televisiva e, por isso, desenvolve uma categorização própria. Por defi nição de gênero televisivo, a autora entende uma macroar- ticulação de categorias semânticas capazes de abrigar um conjunto amplo de produtos televisivos que partilham poucas categorias em comum. Duarte defi ne a caracterização de gênero como um feixe de traços de conteúdos que só “[...] se atualiza e realiza quando sobre ele se projeta uma forma de conteúdo e de expressão – repre- sentada pela articulação entre subgêneros e formatos, esses, sim, procedimentos de construção discursiva que obedecem a uma série de regras de seleção e combinação.” (DUARTE, 2004, p. 68). Enquanto para subgêneros subsume uma pluralidade de programas, o formato, “[...] em contrapartida, os diferencia, na medida em que defi ne preliminarmente as suas especifi cidades Em Questão, Porto Alegre, v. 17, n. 1, p.