Ibero - América Em Cena
Total Page:16
File Type:pdf, Size:1020Kb
TEATRO IBero - AMÉrica EM cena 371 da rua Chile, no bairro de San Telmo, lha nossa, uma multidão de Mafaldas, e uma praça batizada com seu nome. não seria imprudente tratar a Mafalda No crime conhecido como “O com o respeito que um personagem massacre de São Patrício”, no qual mem- real merece”. (Hoje um mundo que bros da repressão armada assassinaram parece estar em grande parte domi- três sacerdotes e dois seminaristas, os as- nado por Manolitos e Susanitas con- DRAMATURGIA sassinos colocaram sobre a de suas víti- tradiz o filósofo italiano). O próprio COMO INTEGRAÇÃO mas um pôster retirado de um dos quar- Quino, quando questionado sobre tos, onde Mafalda aparece mostrando quais seriam as preocupações de Ma- um cassetete da polícia e dizendo “este é falda se ela opinasse sobre a atualida- o pau para amassar ideologias”. de, disse: “Ela ficaria preocupada pelo ais do que a repercussão carac- Julio Cortázar, convidado a dar excesso de esperanças colocadas em sua opinião sobre a personagem, dis- Barack Obama, presidente dos Esta- terística dos eventos de grande se o seguinte: “Não tem importância dos Unidos, e pelo sabor estranho que o que eu penso sobre a Mafalda. O os tomates têm atualmente”. porte, o sucesso da segunda importante é o que a Mafalda pensa edição do Festival Ibero-Ame- sobre mim”. De Gabriel García Már- quez: “Depois de ler Mafalda me dei ricano de Teatro sediado pelo conta que o melhor caminho para a Memorial sinaliza a pertinên- felicidade é a quinoterapia”. De Um- berto Eco: “Considerando que nossos Walter Louzán é tradutor argentino, espe- cia de uma iniciativa destinada à difusão cultural. filhos se preparam para ser, por esco- cialista em histórias em quadrinhos. TrezeM companhias da América Latina, de Portugal e Espanha se alternaram, por uma semana, no pal- co do Auditório Simón Bolívar, com a casa lotada. Os espetáculos foram complementados por mesas, debates e exposições sobre os vários aspectos que envolvem a dramaturgia e mobilizaram tanto um público aficionado quanto estudantes e espectado- res curiosos em aproveitar a rara oportunidade de acompanhar a cena teatral de países irmãos e ouvir 18 19 as experiências e os desafios que envol- Um dos objetivos do festival é vem essa forma milenar arte. aglutinar e confrontar a produção dos A mostra que contou com a pre- países da América Latina, e de Portugal sença de grandes nomes da área, como e Espanha. Muitas das produções tra- o diretor paulista José Celso Martinez zem em suas tramas diferenças e seme- Correa e o dramaturgo cubano Abelar- lhanças que se repetem nos países da do Estorino, ganha nas páginas de Nos- região. Com isso, o Festival contribui sa América duas outras contribuições. para enriquecer ainda mais a experiên- Renata Pallottini, também presente na cia entre artistas e companhias teatrais. ocasião, narra as etapas de sua paixão Com Medea, de Abelardo Estorino, pela produção teatral hispano-america- o mais aclamado dramaturgo de Cuba, a na, desde que descobriu ainda nos anos afirmação da crítica e pesquisadora de 50 do século XX, que “havia vida inte- teatro Neide Veneziano se confirma. ligente nos países vizinhos”. Para ela “a América Latina ferve com Paulo Goulart, outro aman- uma estética corporal, diferentemente te confesso do teatro, avalia em um da Europa, onde o teatro é centrado no texto escrito especialmente para esta texto”. Estorino criou sua Medeia ale- Cena da peça M³, edição, a importância de sua partici- górica, forte, sobretudo em sua coreo- dos espanhóis pação no festival, no qual encenou a grafia corporal e em seu delírio. Fernando e Jorge Sánchez-Cabezudo. peça O Homem Inesperado, junto com a A peça inaugural, A Noite dos mulher Nicette Bruno. Palhaços Mudos, obra do cartunista La- erte, foi encenada com a Cia La Mí- nima. Como resultado, tivemos uma arte que rechaça toda uma aura mágica e fala de pessoas que habitam a cidade e levam a vida tentando fazer o públi- co rir, e por isso, são perseguidos por uma seita que pretende eliminá-los. O teatro atormentado de Nelson Rodrigues não ficou de fora. O univer- so rodrigueano que transcende o teatro e nos faz refletir sobre as misérias hu- A Noite dos Palhaços Mudos, manas, colocou em cena dois de seus obra do cartunista Laerte. textos épicos: Viúva, Porém Honesta, com o grupo Gatu, e direção de Elo- ísa Vitz, e Senhora dos Afogados, com a se criar em grupo e colocar muita gen- eram sempre recheadas de diálogos e Cia Firma de Teatro, e direção de José te em cena, aqui o único personagem comédias, folias e chicotadas, e tinham, Henrique de Paula. Em ambas fica re- dá conta de uma atmosfera claustro- sobretudo, a finalidade de entreter a forçado o aspecto alegórico e dantesco fóbica e kafkaniana ao viver situações tripulação nas longas travessias. Como sempre presentes nas obras do mítico e absurdas e surpreendentes. afirma Moura “era também uma forma controvertido Nelson Rodrigues. O desenvolvimento do teatro no de difundir nas novas terras descober- Se ir ao teatro ainda pode ser Continente se dá via colonizadores, tas, as tradições, os cultos e costumes sinônimo de divertimento, foi isso portugueses e espanhóis. Basta dizer dos portugueses”. No ideário do te- que o público encontrou na peça M³, que já nas caravelas dos descobridores atro universal, várias peças falam, de comédia –show, dos espanhóis Fer- portugueses se faziam representações forma humorada, sobre as conquis- nando e Jorge Sánchez-Cabezudo. Ao teatrais, como observa o escritor Car- tas, como o espetáculo Ptolomeu e sua ação ação G G UL UL V contrário da tendência característica V los Francisco Moura, em seu livro Tea- Viagem de Circum-Navegação, de Tchlé DI DI FOTO: FOTO: de companhias da América Latina de FOTO: tro a Bordo de Naus Portuguesas. As peças Figueira, com o grupo Art´Imagem e 20 21 EL teatro latinoamericano EN BRASIL A feiticeira Medea, encenada pela Cia Hubert de Cuba, com direção de Abelardo Estorino. Cordel do Amor Sem Fim, drama encenado dentro de um ônibus, com a Troupe Cia Sinhá Zozima. Minha história de amor com o damente lírico que, na época, me en- teatro latino-americano vem de muito cantou. O texto provindo da Venezuela direção de José Leitão. Centrada num ro de Madalena. A trama, que se passa longe. Desde antes do tempo em que foi encenado por amadores e, se mais tom de comédia o texto tem uma lin- dentro de um ônibus urbano em movi- eu me senti cada vez mais latina, cada não fez, pelo menos me introduziu no guagem direta e conta histórias de Pto- mento, agarra o público pela capacida- vez mais americana, e cada vez mais conhecimento da existência de vida in- lomeu Rodrigues, um aventureiro dos de verbal da personagem. estarrecida diante da maneira acintosa teligente na dramaturgia dos nossos sete mares, natural de Cabo Verde, que No conjunto, as obras que mo- como nós, o Brasil, desconhecíamos irmãos latino-americanos. narra suas proezas sexuais vividas ao vimentaram o palco do Memorial po- a literatura dramática dos nossos mais Mais tarde, em 1969 , já profes- longo de suas viagens. dem ser consideradas exemplos do ca- próximos vizinhos. sora da Escola de Arte Dramática e da O teatro popular tem seu espaço leidoscópio formado pela fragmentação Lembro-me que, na década de 50 Escola de Comunicações e Artes da garantido dentro da dramaturgia brasi- de tendências que ocupam os teatros (do século passado ! ), envolvida aci- USP, chefiando uma delegação de estu- leira e um público cativo. O Cordel do latino-americanos. Daí a importância dentalmente com uma revista de poesia dantes que ia ao Festival de Teatro de Amor Sem Fim, de Cláudia Barral, ilu- do Festival que, como todos os grandes venezuelana que se chamava Lírica His- Manizales, na Colômbia, pude assistir minou o palco do Auditório Simón Bo- eventos do gênero, deu a oportunidade pana , travei conhecimento com o texto a um espetáculo impressionante: Topo- lívar ao contar a história de Carminha para o público se atualizar e compreen- dramático de Román Chalbaud (depois grafia de un Desnudo, texto de autoria de ação ação G G UL UL V der os novos conceitos que regem a dra- V cineasta) e me atrevi a traduzir Réquiem DI que gosta de José, que deseja Teresa, DI Jorge Díaz, chileno , que fora obrigado FOTO: FOTO: que espera por Antonio, para desespe- maturgia contemporânea. FOTO: por un Eclipse , peça de cunho marca- a exilar-se na Espanha. O espetáculo 22 23 provinha da Universidad Católica de dia carioca que, aqui no Brasil, fomos Chile e, surpresa ! – tratava de um as- obrigados a silenciar. sunto brasileiro, a sinistra “operação No entretanto, outra coincidên- mata-mendigos” que, no começo da cia feliz me levou, em 1988, a ser con- década de sessenta, tinha sido levada a vidada para dar classes na Escuela In- cabo pelo governador da Guanabara ternacional de Cine y TV , da cidade de então, Carlos Lacerda. de San Antonio de los Baños, Cuba. 3 Naturalmente, alertado pelas Era o início de uma longa convivência notícias de jornais que, aqui, eram com artistas e escritores cubanos, para- minimizadas, Jorge Diaz escreveu seu lelamente a alunos que provinham dos texto, narrando a história de um de- mais remotos países do mundo – Índia, terminado mendigo, e de seu entorno, Burkina-Fasso , Guiné-Bissau , Vietnã, que era descrito com extremo talento Japão – e também de vários países da até o sacrifício final. nossa América, alguns dos quais quase Estava comigo nessa viagem a não falavam espanhol. diretora Teresa Aguiar que, como eu, Foi assim que entrei em conta- se encantou com o espetáculo.