A Oposição Ideológica Existente No Filme Eles Não Usam Black-Tie, De Leon Hirszman
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A OPOSIÇÃO IDEOLÓGICA EXISTENTE NO FILME ELES NÃO USAM BLACK-TIE, DE LEON HIRSZMAN Anna Carolina Botelho Takeda1 Resumo: Este artigo tem por objetivo analisar a oposição ideológica existente no filme Eles Não Usam Black-tie (1981), de Leon Hirszman a partir das personagens, os operários Otávio e Tião, pai e filho, respectivamente. Palavras-chave: Eles Não Usam Black-tie; Operários; Ditadura militar. THE OPPOSING IDEOLOGIES THAT EXIST IN THE FILM ELES NÃO USAM BLACK-TIE, BY LEON HIRSZMAN Abstract: The objective of this article is to analyze the opposing ideologies that exist in the film Eles Não Usam Black-tie (1981) by Leon Hirszman from the perspective of the protagonists, the factory workers Otávio and Tião, father and son respectively. 1 Doutoranda em Letras Clássicas e Vernáculas – Estudos Comparados de Literatura de Língua Portuguesa pela Universidade de São Paulo (USP) e docente da Universidade do Sagrado Coração (USC). E-mail: <[email protected]>. Cordis. História, Cinema e Política, São Paulo, n. 16, p. 121-148, jan./jun. 2016. ISSN 2176-4174. Anna Carolina Botelho Takeda 122 Keywords: Eles Não Usam Black-tie; Factory workers; Military dictatorship. Introdução A representação do operariado no cinema nasce em simultaneidade com a elaboração dos instrumentos técnicos que possibilitaram o florescimento de sua linguagem. Uma das primeiras imagens, senão a primeira, capturada pelos pais dessa arte, os irmãos Lumière, ainda com seus insipientes instrumentos, foi a da saída dos trabalhadores de sua própria fábrica em Lyon. Existia algum motivo para que esse cenário fosse o escolhido e sugere-se que essa escolha estava relacionada à necessidade de registro do movimento das ruas, das multidões das grandes cidades, ou seja, das transformações na modernidade industrial. A saída dos trabalhadores das fábricas sintetizava todos esses elementos e apontava para o novo paradigma social que nascia com o desenvolvimento dessas atividades.2 Com o cinema de Eisenstein, após o sucesso da Revolução Russa, o cinema foi utilizado como instrumento de conscientização da classe operária. Com o filme A greve, de 1924, os operários tornaram- se os protagonistas da história e as lutas por melhores condições de vida e de trabalho vieram a ser trama articulada de muitos filmes. Se em um primeiro momento os trabalhadores foram meramente mostrados como sinônimo de modernidade, posteriormente, suas 2 HAGEMEYER, Rafael Rosa. Operário em movimento: o surgimento da greve como enredo do cinema. Anais do XXVI Simpósio Nacional de História – ANPUH, São Paulo, jul. 2011. Cordis. História, Cinema e Política, São Paulo, n. 16, p. 121-148, jan./jun. 2016. ISSN 2176-4174. Anna Carolina Botelho Takeda 123 questões transformaram-se no epicentro dos filmes. Com o passar dos anos, acompanhando o desenvolvimento técnico da linguagem cinematográfica, a representação da problemática dos trabalhadores vinculou-se a essa nova arte e perpetuou-se como um tema fundamental em suas narrativas.3 Diante dessa estreita ligação entre o cinema e a representação da classe trabalhadora, propõe-se uma análise do filme Eles não usam black-tie (1981), de Leon Hirszman, realizado em um momento de grande tensão nacional entre trabalhadores, poder público e a classe patronal, que revela a utilização do cinema como um instrumento para alimentar as discussões em torno dessa espinhosa questão, sobretudo, em plena ditadura militar, que era o acirramento das tensões geradas pelo estrangulamento das condições de trabalho de classe. Baseado na peça homônima de Gianfrancesco Guarnieri, escrita em 1956, e encenada pela primeira vez apenas em 1958, o filme tem como temática as disputas ideológicas no seio de uma família de operários que vivenciam uma greve por melhores condições salariais. Leon Hirszman, cineasta disposto à discussão dos problemas enfrentados pela classe trabalhadora desde seu primeiro filme, o curta- metragem A pedreira de São Diogo, que compunha o filme Cinco 3 Em 2014, os irmãos Dardenne fizeram um filme, Dois dias, uma noite (Deux jours, une nuit) cujo argumento central girava em torno da busca desesperada de uma trabalhadora (Marion Cotillard) para manter o seu emprego em uma fábrica. No filme, ela precisava convencer seus companheiros de trabalho de que conseguiria trabalhar, mesmo possuindo um quadro clínico depressivo. A história é inspirada em casos similares que aconteceram no fim dos anos 1990 em empresas como a Peugeot. Se o ambiente fabril não foi explorado enquanto espaço, as tensões vividas pelos trabalhadores era o ponto fulcral da narrativa. Tal filme chegou a ser cogitado à Palma de Ouro de Melhor Filme do Festival de Cannes, porém, sem vencer o festival, obteve sucesso de crítica e público. Cordis. História, Cinema e Política, São Paulo, n. 16, p. 121-148, jan./jun. 2016. ISSN 2176-4174. Anna Carolina Botelho Takeda 124 vezes favela, decide, diante do contexto político brasileiro que propiciava tais discussões, desengavetar a peça de Gianfrancesco Guarnieri, que havia obtido grande sucesso antes da repressão gerada pela ditadura militar, e modernizá-la, tomando como referência o novo movimento operário que se firmava com o avanço da crise econômica gerada pelas metas de modernização da ditadura.4 O país vivia o esgotamento da política nacional desenvolvimentista do governo militar com a retração salarial, o aumento da inflação e o crescimento da dívida externa. Esse cenário fortalecia o descontentamento da classe trabalhadora que, contando com a lenta abertura política, aproveitou a brecha para organizar-se e reivindicar reajustes salariais por meio da organização de grandes greves que tiveram início a partir de 1978 com a paralisação de funcionários da Scania em São Bernardo. Atento às mudanças sociais e entusiastas da reação dos trabalhadores que, por longos anos, sofreram calados a deterioração das suas condições trabalhistas, o diretor buscou registrar esse período, elaborando um novo caminho para o drama escrito por Gianfrancesco Guarnieri. 4 Para Daniel Aarão Reis Filho, a ditadura militar foi um desastre para os trabalhadores: “As organizações sindicais e políticas que lhes pertenciam ou/e que mereciam sua confiança, dissolvidas. As lideranças que respeitavam, em fuga, já no exílio, ou presas, em qualquer caso, neutralizadas [...]. Não mais teriam direito àquelas lutas sindicais por reajustes salariais, ritmadas pelos dissídios coletivos, arbitradas pela Justiça do Trabalho [...]. Agora, prisões e perseguições. E uma nova legislação, restritiva, excludente: lei de greve (contra a greve), lei de arrocho salarial, revogação da estabilidade, anulação do poder normativo da Justiça do Trabalho, exclusão de verdadeiras cornucópias, como a Previdência Social. O céu desabou na cabeça dos trabalhadores.” REIS, Daniel Aarão. 1968, o curto ano de todos os desejos. Tempo social. Revista de sociologia da USP, v. 10, n. 2, p. 25-35, out. 1998, p. 27. Cordis. História, Cinema e Política, São Paulo, n. 16, p. 121-148, jan./jun. 2016. ISSN 2176-4174. Anna Carolina Botelho Takeda 125 As produções do filme começaram no ano de 1979 e Leon Hirszman, para melhor entender a situação dos operários, viu-se obrigado a realizar abrangente pesquisa acerca das organizações sindicais e da ressurreição das mobilizações populares paulistas. Para assim o fazer, parte do Rio de Janeiro em direção ao ABC Paulista, mais precisamente a São Bernardo do Campo, local em que os sindicatos dos metalúrgicos possuíam sólida organização. Quando estourou a grande greve de 13 de março de 1979, às vésperas da posse do general João Figueiredo à presidência, o cineasta decide registrar esse momento e interrompeu parcialmente os trabalhos de Eles não usam black-tie para capturar imagens do movimento. Como o filme contava com o financiamento da Embrafilme e possuía recursos financeiros, Leon Hirszman pôde continuar no local acumulando muitas horas de filmagem que resultaram no documentário ABC da greve (apesar de ter sido gravado durante o fim da década de 1970, sua finalização e estreia aconteceram somente em meados de 1990) e entender os dramas enfrentado por esses trabalhadores que se rearticulavam após um longo período de silêncio imposto pelas políticas repressivas dos militares. Desse modo, a realização do filme Eles não usam black-tie contava com uma intensa pesquisa do diretor em relação ao contexto social dos trabalhadores da época que possibilitou até mesmo a produção, mesmo que tardia, de um denso documentário sobre o período. Cordis. História, Cinema e Política, São Paulo, n. 16, p. 121-148, jan./jun. 2016. ISSN 2176-4174. Anna Carolina Botelho Takeda 126 O que se deseja observar neste artigo, contudo, é a maneira encontrada por Leon Hirszman para retratar em Eles não usam black- tie essa classe trabalhadora a qual insurgia em meio às pressões de uma ditadura militar. O cineasta parece almejar observar a intimidade da classe trabalhadora, retratando o seu cotidiano e não apenas as suas lutas políticas travadas nas instâncias sindicais, isto é, preocupava-se em mostrar o seu ambiente privado, até mesmo em detrimento das lutas públicas que se davam nas ruas. Percebe-se que a preocupação de Leon Hirszman não era apenas em mostrar esses sujeitos superficialmente, mas entender sua realidade e os embates enfrentados por eles tanto na esfera pública quanto na esfera privada.5 Dessa forma, pode-se concluir que o diretor atenta-se à pesquisa desses indivíduos não somente como classe, mas como sujeitos repletos de contradições e particularidades: Então fomos filmar no ABC as condições de vida da massa trabalhadora, onde mora, como é sua saúde, suas relações familiares, seu cotidiano. E também suas condições de trabalho, ou seja, o problema ecológico verdadeiro, a situação real daqueles que lidam com produtos químicos, gases que engolem tudo, mastigam aquele ferro, engolem aquele fel.6 5 É importante lembrar que a montagem do documentário não foi acompanhada por Leon Hirszman. Sua finalização se deu após a morte do diretor, em 1990, e cuja montagem foi realizada por Adrian Cooper que havia capturado as imagens juntos com o diretor. 6 O ESPIÃO DE DEUS.