UC Berkeley UC Berkeley Electronic Theses and Dissertations
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UC Berkeley UC Berkeley Electronic Theses and Dissertations Title Vozes dos Porões: A literatura periférica do Brasil Permalink https://escholarship.org/uc/item/6tn3622m Author Reyes Arias, Alejandro Publication Date 2011 Peer reviewed|Thesis/dissertation eScholarship.org Powered by the California Digital Library University of California Vozes dos Porões A literatura periférica do Brasil By Alejandro Reyes Arias A dissertation submitted in partial satisfaction of the requirements for the degree of Doctor in Philosophy in Hispanic Languages and Literatures in the Graduate Division of the University of California, Berkeley Committee in charge: Professor José Rabasa, Chair Professor Natalia Brizuela Professor Mark Healey Spring 2011 Vozes dos Porões: A Literatura Periférica do Brasil © 2011 by Alejandro Reyes Arias Abstract Voices from the Basements: Peripheral Literature from Brazil by Alejandro Reyes Arias Doctor of Philosophy in Hispanic Languages and Literatures University of California, Berkeley Professor Jose Rabasa, Chair In the last decade, a growing number of works by authors from urban peripheries, favelas , prisons, and other marginalized spaces has been produced in Brazil. It is for the most part a literature of self-representation with an important social and political dimension, which focuses on the topics of violence, exclusion, exploitation, poverty, and marginalization. Most importantly, it is a literature written by and about populations who have traditionally been excluded from the written word. With very rare exceptions, these populations have never had a voice to convey their own reality — which has up to now been exclusively studied and written about by a lettered, mostly white, middle-class elite — or to participate actively in the country’s intellectual production. The impact of this recent production in the media, the publishing market, and academia is therefore significant and calls for a change of paradigm in understanding cultural production and subaltern speech. In addition, the literary phenomenon is accompanied by a wide range of social, cultural, and political initiatives by the cultural activists themselves, pointing to an emerging movement which offers creative alternatives in the context of growing social violence and inequality. This dissertation studies this cultural production in both its literary and political dimensions, in order to ascertain whether and how this literature challenges both the literary canon and the social status quo and offers new aesthetic and political alternatives to the social crisis. 1 Pa mi compita Claudia Y p’al pichito o pichita i Sumário Introdução ..................................................................................................................... iii Agradecimentos............................................................................................................ vii PARTE 1 – A PERIFERIA SE FAZ PRESENTE ......................................................... 1 Periferia literária ....................................................................................................... 2 As margens na literatura brasileira ....................................................................... 23 PARTE 2 – NA CONTRAMÃO .................................................................................... 47 O mediador ............................................................................................................... 48 A memória ................................................................................................................ 73 A língua .................................................................................................................... 91 PARTE 3 – DISCURSOS ........................................................................................... 112 Violência ................................................................................................................. 113 Periferia e alteridade ............................................................................................. 129 (IN)CONCLUSÃO – A era da periferia .................................................................... 138 Bibliografia ................................................................................................................. 145 ii Introdução Durante todo o século XX, a favela — e, por extensão, os setores marginalizados da sociedade — tem sido, em diferentes momentos e de diferentes formas, tema da produção cultural brasileira e o locus de discussões sobre a identidade nacional. Entretanto, nas últimas décadas essa produção vem sofrendo mudanças importantes. Por um lado, há um aumento importante na quantidade de obras produzidas e, sobretudo, na atenção que a mídia e os mercados culturais vêm dando a essas produções (filmes, documentários de TV, música, literatura, poesia). Ao mesmo tempo, há também uma mudança complexa nos conteúdos, no contexto da crescente violência, do domínio do tráfico de drogas, do envolvimento de crianças e adolescentes no crime organizado, da desigualdade em aumento e da separação cada vez maior entre as classes sociais. Porém, a mudança mais significativa é a crescente participação dos próprios setores marginalizados na produção cultural. Na última década, uma profusão inusitada de obras de autores oriundos das periferias urbanas, favelas e prisões se fez presente na produção literária brasileira. Trata-se, em geral, de uma literatura de auto-representação com uma dimensão política e social importante, a enunciação de realidades invisibilizadas por parte de setores sociais que historicamente têm tido um acesso mínimo à palavra escrita, em um contexto no qual a língua, sobretudo escrita, tem servido como mecanismo de dominação desde os tempos coloniais. São obras que se colocam intencionalmente fora do cânone literário: pela temática, pelo lugar de onde se fala dessa temática, pela utilização de uma linguagem híbrida carregada da oralidade popular e inclusive pelos meios de produção e distribuição, que muitas vezes consistem em publicações artesanais e/ou independentes e venda de mão em mão nas ruas, bares e saraus, assim como a veiculação através de blogs e páginas de internet. Cada vez mais, estas produções vêm ultrapassando o âmbito das publicações independentes, conquistando espaços no mercado editorial e suscitando um crescente interesse na mídia e na academia. Ao mesmo tempo, esta produção literária está estreitamente vinculada a um movimento cultural e político mais amplo. Desde o início da década de 2000, os saraus literários vêm se expandindo em periferias e favelas, primeiro em São Paulo e depois em outras cidades do Brasil. Trata-se de espaços — geralmente bares — transformados em locais de encontro poético e literário onde poetas, escritores e ativistas das periferias compartilham suas obras com um público também periférico, em um ambiente lúdico e combativo; espaços de politização, debate e criação artística, que somam cada vez mais participantes e que servem como pontos aglutinadores para outras iniciativas políticas e culturais periféricas. Este fenômeno literário, político e cultural surge em um momento de profunda crise social. Por um lado, as mais de três décadas de políticas neoliberais têm iii provocado uma crescente desigualdade e um abismo de incompreensão, intolerância e violência entre as classes sociais. Por outro lado, o tradicional mediador cultural — o intelectual de classe média — que, ao longo da história, tem servido como ponte entre os dois extremos sociais na configuração de uma identidade nacional, vem perdendo sua capacidade mediadora. Esta mediação está sendo retomada, agora, pelos produtores culturais periféricos que, a partir do lugar da exclusão, têm uma visão “privilegiada” sobre a doença que afeta a sociedade brasileira. Pensar esta produção em suas dimensões literária e política é importante por várias razões. Do ponto de vista literário, ela oferece novos desafios no contexto da história literária brasileira: pelo conteúdo, pela forma, pela linguagem e, sobretudo, pelo lugar da enunciação. Do ponto de vista político, ela provoca questionamentos sobre o potencial emancipador de movimentos de baixo, perante a crise global dos Estados-nação, do liberalismo e da democracia representativa. Nas periferias, a ninguém lhe ocorre se perguntar se o subalterno pode falar. Em vez disso, a pergunta é outra: se o sujeito privilegiado pode escutar (em minha opinião, a pergunta de Gayatri Spivak teria ficado muito mais interessante expressada dessa forma). Em Microfísica do poder , Michel Foucault escreve: Ora, o que os intelectuais descobriram recentemente é que as massas não necessitam deles para saber; elas sabem perfeitamente, claramente, muito melhor do que eles; e elas o dizem muito bem. Mas existe um sistema de poder que barra, proíbe, invalida esse discurso e esse saber. Poder que não se encontra somente nas instâncias superiores da censura, mas que penetra muito profundamente, muito sutilmente em toda a trama da sociedade. Os próprios intelectuais fazem parte deste sistema de poder, a idéia de que eles são agentes da “consciência” e do discurso também faz parte desse sistema. (41) Isso me leva a discutir brevemente o lugar a partir do qual este trabalho foi escrito. Mais que as do acadêmico ou intelectual, as inquietações que movem a pesquisa são as do ativista e as do escritor. Trata-se de uma posição ambígua, nem de dentro nem de fora, ou ambas as coisas ao mesmo tempo. Minha própria literatura se coloca nessa posição ambígua.