Dinâmicas do pensamento autoritário durante a Primeira República Portuguesa1 Mário Novaes César Rezende2

Neste artigo, proponho mostrar os fluxos em combate do pensamento autoritário português nos momentos seguintes à proclamação da República. Em 1908, o país vivia sob uma monarquia constitucional, em que a figura do rei passava por um ápice de impopularidade e esvaziamento, inclusive com membros de seu parlamento discursavam em defesa de um exílio do rei (SERRÃO, J. 1988, p. 127). Para além de uma crise institucionalizada dentro das fileiras do governo, no período havia um crescente movimento republicano, além de anarco-sindicalistas e socialistas que atuavam principalmente entre organizações de trabalhadores (SERRÃO, J. 1988, p.128). A tensão atingiria um ponto de inflexão em primeiro de Fevereiro de 1908, quando o rei D. Carlos I e seu filho, o príncipe herdeiro D. Luís Felipe, seriam assassinados a tiros por dois indivíduos ligados indiretamente a braços do movimento republicano. O príncipe D. Manuel II, o segundo filho, foi coroado em Maio de 1908 (SERRÃO, J. 1988, p. 129). Durante as eleições de Novembro o Partido Republicano Português (PRP) conseguiria mais cadeiras no parlamento, agudizando ainda mais a crise (SERRÃO, J. 1988, p. 134). O governo vai gradativamente escanteando rei, relegando a ele funções meramente diplomáticas, especialmente quando se tratava de encontros com outros monarcas europeus (SERRÃO, J. 1988, p. 141). O então Presidente do Conselho de Ministros, Wenceslau Lima, é demitido pelo rei; o que era para ser um período de acalmação e estabilização política se desflora em uma crise ainda mais profunda, com a instabilidade e a insatisfação pública sendo acrescida, seja por um temporal que atingiu Lisboa, como escândalos de corrupção que se tornariam públicos, dando espaço para um sentimento de descrença na política organizada (SERRÃO, J. 1988, p. 146). No espaço de dois anos entre o regicídio e a proclamação da República, haveriam mais de cinco governos, marcados por tentarem dar os últimos suspiros da monarquia, realizando

1 Partes deste texto fazem parte das reflexões presentes no primeiro capítulo de minha dissertação intitulada “Os Cortejos Históricos (1940 e 1947): o e seu projeto de identidade”, que será disponibilizada integralmente após concluída. 2 Mestrando do Programa de Pós-Graduação em História Social da Universidade Federal do Rio de Janeiro, bolsista CAPES, sob a orientação da Profª. Drª. Sílvia Correia. Contato: [email protected].

coligações que se provariam sem sucesso. A própria direção de movimentos monarquistas passa a defender um afastamento político do monarca, temendo que uma agitação popular crescesse mais e levasse a uma revolução (SERRÃO, J. 1988, p. 153). Uma coligação monárquica ganharia nas eleições seguintes, colocando Francisco da Veiga Beirão como presidente do Conselho de Ministros, em compensação, o número de republicanos no gabinete mais do que triplicaria (SERRÃO, J. 1988, p. 155). O gabinete duraria pouco mais de seis meses, e seria dissolvido pelo rei. Em cinco de Outubro de 1910 seria proclamada a República, o rei e a família real seriam exilados, teríamos uma experiência republicana no país. No breve período republicano, foram em torno de quarenta governos em menos de vinte anos, indo de movimentos ultraliberais e laicizantes, até presidentes simpáticos à monarquia e antiliberais: a complexidade política portuguesa era acrescida por uma série de revoltas, de toda sorte política. Seguindo essa linha de raciocínio, a análise sobre os primeiros anos da República, realizado por Vasco Pulido Valente, focará em duas frentes: os movimentos dos trabalhadores e a dicotomia política entre as alas moderadas e radicais. O autor aponta para como os trabalhadores portugueses encaravam a proclamação da República como uma oportunidade de ascensão social, de certa forma, uma libertação de uma condição de pobreza de grande, o que refletiria não só um caráter citadino do movimento republicano – especialmente em sua fase inicial – como também uma crença de salvação política nas novas instituições. Por outro lado, o PRP encarava que caberia a ele apenas a criação das instituições republicanas, e não a universalização do acesso: “A República devia ser o próprio "povo" em acção e não cabia, portanto, aos dirigentes oferecer-lhe "bacalhau a pataco" ou a tostão, mas deixá-lo livre de exercer a sua soberana vontade.” (VALENTE, V. 1972, p. 293). Entretanto, havia em uma classe trabalhadora com sindicatos organizados mesmo durante os períodos de maior recrudescimento repressivo da monarquia. A abertura política oferecida pela República fez com que quase duplicasse o número de sindicatos no país, ainda que muito limitados aos espaços urbanos (especialmente Porto e Lisboa) (VALENTE, V. 1972, p. 294-295). O autor aponta que essas primeiras organizações eram meramente ligadas por ofícios e não por bases ideológicas, apesar disso, prevalecia uma liderança socialista ou anarco- sindicalista nessas organizações (VALENTE, V. 1972, p. 297). As lideranças sindicais, para Pulido Valente, entravam em constante atrito com a Polícia Cívica, assim como os Batalhões de Voluntários, organizações governamentais (ou para-governamentais) que era usadas para

reprimir greves e protestos, todavia, essas organizações traziam um problema de identidade classe à tona: A razão desta estranha lealdade reside provavelmente no facto de os Voluntários, a Polícia "Civica" e as suas inúmeras imitações darem aos trabalhadores um certo poder político que os compensava da sua extrema sujeição econômica. O trabalhador médio, que era obrigado a um dia de dez, doze e até, às vezes, catorze horas por um salário de fome, que sofria a pequena tirania de patrões, mestres e encarregados, recuperava a dignidade e, com a dignidade, o amor-próprio quando vestia o uniforme dos Voluntários ou quando enfiava no braço a banda vermelha e verde da Polícia "Cívica". [...] No papel de Voluntário ou de Polícia "Cívico" sentia-se um homem novo. Patrões e encarregados, burgueses e aristocratas, os ricos e os felizes temiam-no e respeitavam-no. Quando passeava na rua à caça de conspiradores, clericais, alarmistas e outros criminosos do dia, não existiam "capitalistas" e operários, "doutores e analfabetos, existiam só "bons Republicanos" e traidores. (VALENTE, V. 1972, p. 298) A cisão entre a classe trabalhadora ia além das forças voluntárias repressivas, já que da mesma forma que a República deu a esperança de uma mudança política, entretanto, temos um agravamento da crise econômica, fazendo com que o ano de 1911 fosse marcado por uma alta de preços de artigos alimentícios, resultando em uma série de greves que seriam duramente reprimidas (VALENTE, V. 1972, p. 299). Em pouco tempo os trabalhadores rurais também passariam a se organizar em sindicatos, rompendo um imaginário de um trabalhador camponês subserviente e obediente (VALENTE, V. 1972, p. 301). Não obstante, as greves se mostravam cada vez mais custosas com poucos resultados: Assim, a greve média acabava ao fim de uns dias: poucos geralmente violentos. Ou, se os trabalhadores conseguiam resistir às primeiras crises, sucumbia à intervenção de "fura-greves", protegidos pelo Exército, pela Guarda Republicana ou pelos Batalhões de Voluntários. Mesmo nos casos, muito raros, em que os patrões se viam forçados a ceder, nada podia depois impedi-los de despedir os cabecilhas mais conspícuos e de faltar à palavra dada, precisamente quando a capacidade de resistência dos trabalhadores chegara ao ponto mais baixo (VALENTE, V. 1972, p. 303) As associações de trabalhadores estavam se distanciando do Governo Provisório liderado pelo PRP (que consistia principalmente lojistas, funcionários públicos, caixeiros), este, por sua vez, temia nessas associações não só pela instabilidade produtiva que traziam ao país, como pelo discurso cada vez mais radicalizado dos anarco-sindicalistas e socialistas (VALENTE, V. 1972, p. 304-305).

Alas do PRP passam a encarar esses sindicatos como de fato oponentes, aliados com a setores contra-revolucionários monarquistas, que abusavam da boa-fé republicana dos políticos constituintes: “Consequentemente, os dirigentes Republicanos apresentavam as greves sobretudo como "manobras reaccionárias", ou seja, como "ataques a o regime, e tendiam a ignorar ou a minimizar seus verdadeiros motivos”." (VALENTE, V. 1972, p. 311). O autor aponta para como a constante repressão e o rompimento entre os sindicatos e governo, estabeleceriam um estado de guerra nos espaços urbanos – especialmente na capital – em que a classe trabalhadora passaria a ter um maior receio de se posicionar em sintonia com o republicanismo em que o regime defendia (VALENTE, V. 1972, p. 314). Em seu outro trabalho, o autor explora a dinâmica da radicalização da política institucionalizada nos primeiros anos da República. O governo provisório passa a setores do movimento republicano, especialmente ligados à Carbonária, criando uma mítica de serem os heróis de Outubro, e com o Governo Provisório distribuindo bonificações (sendo de cargos públicos à títulos e medalhas) para essas figuras, enquanto a imprensa republicana dedicava colunas para descrever os feitos heróicos desses cidadãos (VALENTE, V. 1975, p. 233). Na esfera institucionalizada, haveria um debate sobre o funcionalismo público na nova República, entre os Moderados e os Radicais (Jacobinos) (VALENTE, V. 1975, p. 237). Isso acaba por provocar uma cisão societária, em que de um lado seriam colocados os Radicais, como bastiões da República, e do outro os Moderados, demasiados brandos para uma revolução, “adesivos”, que se tornaram republicanos apenas após o sucesso de Outubro, vira- casacas (VALENTE, V. 1975, p. 239). Afonso Costa, passa a defender abertamente a separação entre Estado e Igreja, defendendo uma política de radicalização e choque direto aos católicos, que a religião não passaria de uma justificativa divina para a manutenção das desigualdades sociais, e a abolição de feriados religiosos (VALENTE, V. 1975, p. 243). A imprensa republicana passa a capitalizar o descontentamento para denunciar movimentos contra- revolucionários no país: O movimento "adesivo" da província viu-se promovido a "espectro de reação" e anunciou-se seriamente que Lisboa não tardaria a ser submergida pelos jesuíticos exército dos caciques. A acreditar no Mundo [Jornal republicano], nunca houvera tantos monárquicos em Portugal como desde a República fora proclamada: cresciam e multiplicavam-se, espreitava por cima do ombro de cada militante, entravam com "diabólicos manejos" a redentora obra do governo, lançavam "veneno" e "peçonha" nas puras fontes da democracia. Pouco a pouco, esta serena propaganda foi

convencendo a opinião republicana de que o regime estava de facto em perigo. Sem surpresa, os graves apelos dos moderados à ordem, à disciplina e ao respeito pela legalidade deixaram de ser ouvidos ou começaram a ser tomados como traição. (VALENTE, V. 1975, p. 244) Haveria perseguições, organizada por manifestantes – especialmente os republicanos ligados a algum ramo da carbonária -, cada vez mais violentas, seja aos clérigos como qualquer símbolo ligado a monarquia, em uma iconoclastia revolucionária: Depois da revolução, os militantes haviam passado dois meses de inquieta ociosidade, entregues a purificar a sociedade portuguesa dos seus ornamentos monárquicos e religiosos. Calorosamente aplaudidos pelo Mundo [jornal republicano] e amargamente criticados pela imprensa moderada, tinham destruído ou retirado brasões, coroas, cruzes, Cristos e santos (com ou sem valor artístico) de edifícios públicos, ruas, praças, parques, igrejas e cemitérios. Também as palavras haviam constituído uma grave preocupação. Em Outubro, a tarefa principal consistira em mudar os ofensivos nomes de dezenas de avenidas, vielas e travessas. Santos vários, membros da família real e políticos do constitucionalismo deram lugar na toponímica da República, à Liberdade, às datas do movimento, aos chefes, mártires e heróis do Partido. Depois os activistas haviam transferido a sua patriótica atenção para outro género de crimes linguísticos e começando a atacar autoridades, os oficiais do Exército, os padres e até simples cidadãos por usarem termos incompatíveis com o novo estado das coisas. Censurar em em particular as formas aristocráticas e cerimoniosas de tratamento, mas também não toleravam qualquer referência, directa ou indirecta, à "odiada" Monarquia.(VALENTE, V. 1975, p. 245) Em 24 de Abril de 1911, o Governo Provisório promulgou a Lei de Separação do Estado e da Igreja, em que propriedades seculares da Santa Sé seriam confiscados, proibia crianças de frequentarem Igrejas durante o horário de aula, além da proibição de reuniões em Igrejas após o pôr do sol, com exceção a cerimônias previamente aprovadas pelas autoridades municipais (VALENTE, V. 1975, p. 253). Pulido Valente aponta para como o fato da constituição permitir tal perseguição política aos opositores, se tornaria o instrumento perfeito para qualquer partido que conseguisse assumir o poder, contudo, tornar-se-ia uma perfeita fagulha para a radicalização de qualquer opositor que conseguisse se armar, seguir em uma intentona (VALENTE, V. 1975, p. 263). Ambos os trabalhos nos são importantes pois nos revelam uma instabilidade na pedra fundamental republicana portuguesa, como se os dois primeiros anos exemplificariam, tal como

uma sinédoque, o que teria sido o período republicano: um tensionamento revolucionário laicizante, seguido por um contra movimento. Para uma visão mais holística do período, munimo-nos também das obras de Ernesto Castro Leal, não colocando-o no mesmo campo político que Vasco Valente, mas principalmente pois o autor se debruça sobre os movimentos antiliberais do mesmo período. O autor aponta para uma forte influência de grupos contrarrevolucionários franceses, marcados por uma doutrina católica conservadora, assim como: “No universo do nacionalismo e do antiliberalismo portugueses, revelou-se a atitude mental dominante do nacionalismo tradicionalista, de matriz monárquica ou republicana, apesar de coexistir com outras variantes de nacionalismo revolucionário de menor recepção." (LEAL, E. 2015, p. 115) Remontando o antiliberalismo à Revolta Liberal de 1820, esse ethos só assumiria as características nacionalistas e contrarrevolucionárias entre as décadas de 1910 e 1920, sendo um marco a formação do Integralismo Lusitano, em 1914, e a Acção Realista Portuguesa, em 1923, e teríamos também influência de um liberalismo conservador autoritário, orbitando em torno da Liga Nacional, entre 1915 e 1918, do Centro Católico Português, entre 1917-1932, e da Cruzada Nacional D. Nuno Álvares Pereira, entre 1918 e 1938 (LEAL, E. 2015, p. 116). Grande parte desses movimentos convergiriam e seriam incorporados pelo Estado Novo nos anos porvir. A construção do nacionalismo português beberia principalmente de duas tradições, e que a união dessas tradições explicariam elementos que parecem contraditórios, ou demasiadamente díspares entre si: A primeira tradição [civico-política e nação-contrato, francesa e inglesa] coadunava- se com os processos de construção liberal do Estado-nação, enquanto a segunda [etnocultural e nação-gênio, alemã] servia de justificação aos processos de formação ou de refundação da nação-Estado. A apropriação de ambas as categorias para formulações políticas, históricas ou literárias far-se-á dentro do liberalismo e do antiliberalismo e a utilização dessas duas ideias de nação permite observar as multiplas faces do discurso ideológico-político e suas interdependências, dentro do vasto campo do nacionalismo português - liberal e antiliberal, monárquico e republicano, católico e laico. (LEAL, E. 2015, p. 117) Portanto, teríamos uma configuração de elementos envernizados como orgânicos à sociedade portuguesa e que legitimariam um tradicionalismo originado em um período republicano autoritário que basearia ideologicamente a ditadura do Estado Novo (LEAL, E. 2015, p. 118). Portanto, a tópica antirrevolucionário que predominaria o campo político

antiliberal português seria um afortalezamento contra, não somente os valores propostos pelo período Jacobino da Revolução Francesa, dos valores da Revolução Russa, alguns anos mais tarde, assim como as revoluções portuguesas de 1820 e 1910 (LEAL, E. 2015, p. 120). Isso permitiria que, por exemplo, quando o Centro Católico Português defendesse a construção de um catolicismo integral e intransigente, que remontasse a sua luta às jornadas anticlericais do período inicial da Primeira República, assim como da Revolução Liberal de 1820, conseguindo congregar católicos monarquistas – um ponto de intersecção com os Integralistas – e constitucionalistas autoritários (LEAL, E. 2015, p. 123). E mesmo dentro do universo Integralista, teríamos defensores de uma monarquia orgânica tradicionalista, de tom antiparlamentar, assim como tendências descentralizadoras; mais tarde, desenrolaria em uma matriz sindicalista e corporativista, questionando o demoliberalismo, assim como o racionalismo e o positivista, em uma mitificação da organização medieval e das municipalidades (LEAL, E. 2015, p. 125). Desta maneira, percebemos que não existe uma oposição republicana, mas toda uma seara de idéias que se unem e se separam conforme o jogo do tabuleiro político do momento. Pensar na leituras e releituras dos agentes políticos é central para entender o período. Para o autor, a guinada que teria permitido o consenso pré-hegemônico do pensamento nacionalista antiliberal conservador teria sido a beatificação de Nuno Álvares, e a consequente criação da Festa da Pátria (no dia da Batalha de Aljubarrota): O mundo político nacionalista antiliberal português nessa época divulgou uma imagem de "Portugal-Império" e viveu em situação messiânica, moldada pela criatividade ideológica, pela concorrência de chefias, pela construção de poderes simbólicos, pela pouca fixação das ideias, pela emotividade e paixão ou pela vertigem do movimento e da agitação, em que vanguardas culturais seduzidas pelo modernismo e pelo futurismo também se exibiriam com revistas, panfletos, conferências ou comícios. Nesse período, foi-se construindo um paradigma nacionalista antiliberal, conservador e autoritário, caracterizado pelo sincretismo de elites nacionalistas e pelo hibridismo de ideias nacionalistas, dos quais resultaria a consensualização da mentalidade pragmática face ao utopismo ideológico e a hegemonização da ideia política autoritária perante a ideia política totalitária. (LEAL, E. 2015, p. 128) E esse consenso se tornaria hegemônico após a Primeira Guerra Mundial, com nacionalistas antiliberais, ligados a alas republicanas conservadoras que defenderiam essencialmente:

Moral cristã, ética da responsabilidade, patriotismo cívico, Estado unitário, nação imperial, autoridade do Estado, regime republicano presidencial, governo com forte componente de técnicos (“ministério nacional das competências”), regime de separação leal entre o Estado e as Igrejas (com crescente audiência do concordatismo de separação jurídica com a Igreja Católica Romana), organicismo e corporativismo (representação institucional de corpos sociais intermédios) e projecto de desenvolvimento económico-social com intervenção estadual. (LEAL, E. 2015, p. 132) Em um outro artigo, Ernesto Castro Leal apresentará o processo de secularização e de criação dos novos símbolos nacionais, e como tal ingerência de tornar o Estado em algo profano, sobrepondo-o a religião, resultaria no reverso, em uma indiferenciação do Estado com o religioso, o segundo como sendo parte fundamental do primeiro. O autor aponta para os primeiros governos da República, que teriam seguido um impulso pedagógico de desclericalização, todavia a partir de 1917, as lideranças governamentais teriam partido para uma política institucionalista do Estado, seria quando se reataram as relações entre Portugal e a Santa Sé (LEAL, E. 2010, p. 123). A partir de António José de Almeida, como Presidente do Conselho de Ministros, marcaria uma fase de uma institucionalização da relação intrínseca entre a história de Portugal e o cristianismo (LEAL, E. 2010, p. 124). Abandonando a posição Jacobina, a República optaria por uma convivência pacífica com a Igreja, um exemplo seriam os feriados nacionais e os feriados religiosos (LEAL, E. 2010, p. 128). A Cruzada Nacional D. Nuno Álvares Pereira, criada em 1918, seria um exemplo da fusão de valores católicos com valores nacionalistas, assumindo uma linha antiliberal e antidemocrática (LEAL, E. 2010, p. 129). Contudo, apenas em 1920 a Cruzada aliada ao Centro Católico Português, e inspirados pelos deputados que na França instituíram a Festa a Joana D’Arc, conseguiriam passar no Senado português a criação da Festa de Nuno Álvares ou Festa do Patriotismo (LEAL, E. 2010, p. 130). A comemoração seguiria um modelo misto: O modelo celebrativo nacional constava essencialmente de cerimónias religiosas levadas a cabo pela Igreja Católica, de prelecções nos quartéis sobre Aljubarrota e a vida militar de Nuno Álvares, de sessões cívicas promovidas oficialmente pela Cruzada Nuno Álvares, e, desde 1928, já noutro ambiente político-institucional, a peregrinação religiosa e patriótica a Fátima, Batalha de Aljubarrota. (LEAL, E. 2010, p. 131) Castro Leal ressalta como as diversas expressões do culto cívico patriótico durante o período republicano recriariam elementos da identidade nacional, assim como animariam um

ufanismo nacionalista de tom fortemente chauvinista, defendendo uma cidadania patriótica liberal, incluindo a participação popular no estabelecimento da construção de uma memória histórica e coletiva, resultando na nacionalização das massas (LEAL, E. 2010, p. 132) Se mostra importante para nós pensar nas origens de tal crise autoritária que desembocaria nas direitas autoritárias predominantes na Europa da primeira metade do século XX. Para isso, nos é caro munir da leitura proposta por Zeev Sternhell (2010). Para o autor, no período em questão, estaríamos tratando de uma erupção não de valores anti-liberais, mas de valores anti-iluministas, sendo retomado por uma discussão presente entre círculos conservadores europeus desde meados do século XVIII, principalmente por pensadores alemães (mas não exclusivo), no que o autor chama de Gegen-Aufklärung (STERNHELL, Z. 2010, p. 3). O elemento fundamental de crítica que esses autores têm ao iluminismo, seria associado à noção de indivíduo da perspectiva rousseauniana, principalmente em uma questão empirista e objetiva do autor francês, mas também pela sua crítica à naturalização das desigualdades humanas, assim como: “[...] the disparager of the idea of "original sin", which means the negation of the autonomy of the individual, has always provoked such hatred among all the enemies of the Enlightenment." (STERNHELL, Z. 2010, p.5). O autor ressalta como as ideias de Rousseau serviriam de combustível dos levantes contra a dominação não justificada, e em oposição a isso, surgiria um movimento majoritariamente aristocrático de resistência ao Iluminismo (STERNHELL, Z. 2010, p.5). Portanto, o ideal Iluminista se propunha a: “liberate the individual from the constraints of history, from the yoke of traditional unproven beliefs.” (STERNHELL, Z. 2010, p.7). Em resposta a visão atomista da sociedade proposta pelos pensadores iluministas, o campo liberal de intelectuais franceses anti-iluministas lançariam projetos comunitaristas, que não demoriam para esses mesmos projetos serem ressignificados por pensadores liberais clássicos (e não propriamente no campo anti-iluminista, e não necessariamente franceses), como Benjamin Constant, Alexis de Tocqueville e John Stuart Mill (STERNHELL, Z. 2010, p.7). O autor apresenta que esses intelectuais, fora do campo de uma intelectualidade Iluminista Franco- Kantiana, majoritariamente ingleses e escoceses, trariam uma revolta não contra- revolucionária ou contra-Moderna, mas, contra a proposta de intelectuais continentais (STERNHELL, Z. 2010, p.8). Portanto, essa outra Modernidade seria então: “based on all that differentiates and divides people—history, culture, language —a political culture that denied

reason either the capacity or the right to mold people’s lives, saw religion as an essential foundation of society, and did not hesitate to call on the state to regulate social relationships or to intervene in the economy” (STERNHELL, Z. 2010, p.8). Por consequência, essa revolta ao universalismo iluminista seriam a pedra fundamental em que o liberalismo, e em decorrência, as democracias liberais europeias se fundamentariam (STERNHELL, Z. 2010, p. 9).

O pensamento conservador não seria apenas, ou também seria, anti-liberal, mas principalmente anti-Iluminista, dotados de um pensamento de fracasso civilizacional e decadentista associado a todas mudanças decorrentes das revoluções que seguiram a francesa:

The first generation of the Anti-Enlightenment saw the old world collapse in 1789. Thomas Carlyle, Taine, and Renan represented the second wave of the deconstruction of the thought of the Enlightenment, the one that arose as a result of the democratization of political life, first in England at the beginning of the 1830s and then in France after 1848 and 1870. Where they were concerned, the second British Bill of Rights of 1867, the Paris Commune, and the founding of the Third Republic announced the coming of Caliban. In this context, there began to be a reflection on the failure of Western civilization and its medieval heritage: an organic, communitarian civilization steeped in the fear of God subjected to democratic decadence and the grip of ‘‘materialism.’’ The broad lines assumed by the critique of rationalist modernity at that time were to be fixed for a century and a half. [...] It would seem that for the enemies of the Enlightenment decadence is inevitable in a world that adopts rationalism, universalism, and the idea of the primacy of the individual as principles of conduct. (STERNHELL, Z. 2010, p. 15) Para o autor, esse conjunto de ideias, evoluiriam no século XX para uma oposição a democracia, assim como uma rejeição aos fenômenos de massa, a liberdade política e a universalização do sufrágio, sendo incorporado por intelectuais que tornar-se-iam suportes dos fascistas () ou autoritários (como Oswald Spengler) (STERNHELL, Z. 2010, p. 15). Uma forma que esses autores do século XX utilizariam em sua crítica, seria principalmente o que o autor chamou de “Historism”, em que consistiria numa fragmentação da humanidade, e da ideia de progresso e utopias universais, propondo utopias locais e particulares culturalmente, em uma forma de relativismo que legitimaria o nacionalismo (STERNHELL, Z. 2010, p. 21). Esses pensadores partiriam do princípio que: “rationalism was the source of the

evil: it led to ‘‘materialism,’’ to utopias, to the supremely pernicious idea that man is able to change things. It killed instinct and vital forces; it destroyed the almost carnal connection between the members of an ethnic community and made one live in an unreal world." (STERNHELL, Z. 2010, p. 24). Existiria, afinal, no cerne desse discurso, uma valorização do transcendental, e de revigoração – viril – dos instintos e transcendência da sociedade e de seus valores. Existiria então um movimento conservador liberal, que beberia também do pensamento anti-Iluminista, e que encararia na democratização do Estado como uma forma de banalização da essência da nação, representado pela cultura (STERNHELL, Z. 2010, p. 25). Assim sendo: “The social and cultural elites had to be defended on a different terrain, and high culture had to be protected from the danger represented by universal primary education.” (STERNHELL, Z. 2010, p. 25), justificando e limitando a democracia como instrumento de controle da Cultura Nacional a ser legitimada, em oposição a uma cultura popular, degenerada, e que não encaixava no projeto de nação vislumbrado pelas elites (STERNHELL, Z. 2010, p. 25). Os pensadores do anti-Iluminismo, afinal, não defendiam apenas um Ocidente cristão, idealizado e tocado em essência, mas também, o que o autor define como uma nostalgia: “not for the recent past but for a highly selective historical landscape and generally, at least until the beginning of the twentieth century, for the organic culture of the chivalric Christian Middle Ages." (STERNHELL, Z. 2010, p. 26). Apesar de concordarmos com a perspectiva proposta por Zeev Sternhell, nos é interessante apontar alguns questionamentos sobre esse seu trabalho. Principalmente, por não ser pensando nas limitações do universalismo do Iluminismo. Especialmente nas Américas, África, Ásia e Oceania, esse universalismo conviveu perfeitamente com a escravidão. Nesse caso, nos interesse, brevemente, trazer uma ideia proposta por Aimé Césaire (1978), em que o colonialismo teria de tal forma embrutecido o colonizador, associado com um pseudo- humanismo universalista, o qual ele acusa de: “o ter, por tempo excessivo, apoucado os direitos do homem, o ter tido ainda e ter deles uma concepção estreita e parcelar, parcial e facciosa e, bem feitas as contas, sordidamente racista." (CÉSAIRE, A. 1978, p. 18). O processo de coisificação seria ricocheteado, e a empresa colonial, desumanizadora e violenta, voltaria para a Europa, sintetizado pelo autor pelas ações do Nazismo na Alemanha (CÉSAIRE, A. 1978, p. 24).

Isso nos é muito caro: pensar na brutalização da política, no discurso e na estética violenta em que os regimes fascistas se estabelecem; seja por uma ideia de extermínio da oposição, legitimando uma revitalização autoritária do que se pensa como nação. E isso não se trataria de um algo recente, recortado ao Entre-Guerras, mas um processo intrinsecamente ligado ao Estado, e sua forma marginalizante, e sua seletividade da universalização de seus direitos. Nesse sentido, se mostra importante trazer a análise proposta por Robert Paxton sobre o tema da formação do fascismo na Europa, trazendo uma outra perspectiva para nota de comparação com Zeev Sternhell. Em um cenário de pós-Primeira Guerra Mundial, o autor apresenta que o horizonte político se expandiu, como reflexo de uma desilusão em relação ao liberalismo, supostamente defensor do universalismo dos direitos; tal desilusão, associada a um crescente anti-bolchevismo, alimentou a ideia de uma saída por uma terceira via: nem o socialismo, nem o liberalismo, mas uma revitalização autoritária do poder, e que garantisse a manutenção de um status-quo aristocrático europeu prévio. Segundo o autor, uma das raízes dos movimentos fascistas, teria sido uma incapacidade das nações de desmobilizarem o chauvinismo nacionalista que cativou as massas durante a Primeira Guerra Mundial (PAXTON, R. 2007, p. 57). Nos anos que seguiram o fim do conflito, houve uma tênue estabilização por parte dos governos, em sua maioria, repúblicas recém-formadas, mas que a radicalização política que o nacionalismo belicista trouxera à tona, e seria algo mais duradouro que um: “espasmo nacionalista momentâneo acompanhando o paroxismo final da guerra." (PAXTON, R. 2007, p. 57). O autor desenvolve ainda mais: em que a Primeira Guerra Mundial não teria sido a responsável por gerar o fascismo, o que ela fez foi: “abrir vastas oportunidades culturais, sociais e políticas para ele.” (PAXTON, R. 2007, p. 58). O autor aponta que a guerra teria sido, de certa forma responsabilizada, pelo descrédito das visões de um futuro otimista e progressista, levando a um questionamento das utopias liberais e a uma ideia de harmonia humana natural (PAXTON, R. 2007, p. 58). No campo político: “o conflito gerou tensões econômicas e sociais que excediam em muito a capacidade das instituições existentes - quer liberais ou conservadoras - de solucioná-las." (PAXTON, R. 2007, p. 58). Outro fator apontado seria a exaustão mútua após a guerra prolongada, anos e anos de racionamento de alimentos, energia e roupas, assim como uma desilusão – nesse caso, política – que as nações europeias passariam no imediato pós-Primeira Guerra (PAXTON, R. 2007, p. 60). Como se o ônus ultrapassasse os ganhos da vitória – ou fosse demasiadamente agudo na derrota. Nesse caso, ele

aponta para países como Inglaterra e França, que conseguiram passar a maior parte desse ônus para suas colônias, garantindo uma estabilidade política maior nas metrópoles, em comparação com o Império Russo e Austro-húngaro, que tiveram suas classes médias e baixas polarizadas, levando a uma implosão de seus estados dinásticos (PAXTON, R. 2007, p. 60). Um outro fator a ser levado em consideração, segundo o autor, seria o do fracasso do atendimento das reivindicações nacionais por parte da proposta liberal de Nacionalismo Wilsoniano, assim como um igual fracasso de expansão revolucionária, internacionalista, por parte da proposta leninista (PAXTON, R. 2007, p. 62). Ele, sintetiza a questão como: Em vez de um mundo ou de nacionalidades satisfeitas ou de poderes dominantes, os tratados de paz criaram um mundo dividido entre, de um lado, as potências vitoriosas e seus Estados clientes, artificialmente inchados de modo a incluir outras minorias nacionais (Polônia, Tchecoslováquia, Iugoslávia e Romênia) e, de outro, os Estados derrotados e vingativos (os Estados perdedores, Alemanha, Áustria e Hungria, e a Itália insatisfeita). Dilacerada entre um wilsonismo distorcido e um leninismo frustrado, a Europa, após 1919, fervilhava de conflitos não resolvidos, tanto territoriais quanto de classe. (PAXTON, R. 2007, p. 62) Para Paxton, o fascismo não seria naturalmente anti-liberal, entretanto, articularia muito com pensadores desse campo, seguindo muito mais por uma linha de uma iconoclastia filosófica de denúncia de uma fraqueza humana inerente e consequente do capitalismo e do ateísmo, defendendo um resgate, uma elevação dos valores nacionais (PAXTON, R. 2007, p. 66). O desenvolvimento teórico da noção de subconsciente, embora não tivesse esse como objetivo, seus estudiosos acabaram por: “minar a convicção liberal de que a política significava indivíduos livres escolhendo as melhores políticas pelo simples exercício da razão.” (PAXTON, R. 2007, p. 67). Ou seja, separaram a política do pensamento racional, reduzindo- a ao timor das emoções. E aqui o autor revela um de seus pontos centrais de sua hipótese para a ascensão do fascismo no período: “O século XX trouxe consigo novas formas de angústia, para as quais o fascismo não tardou a prometer remédios. Procurar medos talvez seja uma estratégia de pesquisa mais frutífera do que uma busca literal pelos pensadores que 'criaram' o fascismo." (PAXTON, R. 2007, p. 68). Logo, seria necessário, para se compreender o fascismo, compreender ao o que os fascistas se opõem, especialmente se tratando de um modelo político que se alimenta dos medos e aflições sociais de um grupo hegemônico.

O autor aponta para uma aversão às massas, principalmente por intelectuais que legitimariam o fascismo, fortemente associado a um repertório de ideias já existente e presente no discurso político (raça, nação, vontade e ação), que somado a um darwinismo social, resultaria no cerne do discurso fascista (PAXTON, R. 2007, p. 68). A defesa de um cesarismo heroico também entraria no léxico desses partidos, mas também de intelectuais conservadores, constantemente preocupados com uma noção de decadência civilizacional associado ao presente (PAXTON, R. 2007, p. 70). As raízes desses pensamentos, segundo o autor, estariam ligados a uma primeira concessão das massas ao poder, principalmente a partir do final do século XIX, associado com os movimentos de universalização do sufrágio masculino, as limitações de acesso real participativo no poder, que levaria a uma radicalização das massas, entre os defensores de tal universalização e seus opositores – tanto à esquerda, quanto à direita (PAXTON, R. 2007, p. 83). Existiria algo inconclusivo, um ressentimento polarizador (PAXTON, R. 2007, p. 76) que seria explorado pelos fascistas, com as particularidades históricas de cada país, baseado também em uma oposição ao socialismo e o bolchevismo (PAXTON, R. 2007, p. 93). Os fascismos, portanto, se ordenariam como movimentos de contra-mudança (PAXTON, R. 2007, p. 91), apelando muito mais às emoções do que a razão de seus militantes (PAXTON, R. 2007, p. 95). O autor não pretende propor uma patologização do fascismo, mas exatamente demonstrar como: “A maioria dos líderes e militantes era composta de pessoas bastante comuns, colocadas em posições de extraordinário poder e responsabilidade por processos perfeitamente compreensíveis em termos racionais." (PAXTON, R. 2007, p. 95). O fascismo deve ser tratado como uma resposta apavorada, por conservadores apavorados, de diversos estratos sociais, e que se radicalizam ao tomarem o poder. Finalmente, para Paxton, o fascismo e seus desdobramentos devem ser entendidos como partidos políticos que se hegemonizaram em um discurso de “antipartido" anti-socialista e anti- burguês" (PAXTON, R. 2007, p. 99). E essa definição nos parece extremamente precisa para entender a intenção antipolítica na qual o fascismo se baseia. O autor apresenta que o fascismo seria: “um amálgama de ingredientes distintos, mas combináveis, do conservadorismo, do nacional-socialismo e da direita radical, unidos por inimigos em comum e pela mesma paixão pela regeneração, energização e purificação da Nação, qualquer que seja o preço a ser pago em termos de instituições livres e do estado de direito” (PAXTON, R. 2007, p. 336). Portanto, um dos fatores centrais seria essa ideia de um

conservadorismo aliado com a restauração de uma ordem anterior, de revigorar a nação, um retorno a algo apagado. Paxton diferencia os fascistas dos autoritários. Não que fascistas não sejam autoritários. Mas nem todo autoritário é propriamente fascista. Para o autor, os regimes autoritários “não compartilham da ânsia fascista de reduzir a zero a esfera privada” (PAXTON, R. 2007, p. 356). Ademais, autoritários consolidariam com interesses privados nacionais, especialmente por parte de grupos intermediários da sociedade, que se tornariam hegemônicos, e não necessariamente representados em um partido único (PAXTON, R. 2007, p. 356). Para um governo autoritário não é interessante ter sua população constantemente mobilizada e engajada para um conflito porvir, mas sim manutenção da passividade de sua população, sem grandes excitações (PAXTON, R. 2007, p. 356). Afinal, não haveria um culto a força e a ação, como é característico em governos fascistas. O autor conclui sua análise trazendo uma definição, em que: O fascismo tem que ser definido como uma forma de comportamento político marcada por uma preocupação obsessiva com a decadência e a humilhação da comunidade, vista como vítima, e por cultos compensatórios da unidade, da energia e da pureza, nas quais um partido de base popular formado por militantes nacionalistas engajados, operando em cooperação desconfortável, mas eficaz, com as elites tradicionais, repudia as liberdades democráticas e passa a perseguir objetivos de limpeza étnica e expansão externa por meio de uma violência redentora e sem estar submetido a restrições éticas ou legais de qualquer natureza. (PAXTON, R. 2007, p. 358) Afinal, nos é interessante essa leitura pragmática política que Paxton faz sobre o fascismo: apontando-o não somente como um governo de uma anti-política, mas com uma ausência de propostas objetivas, calcados principalmente numa ideia de restauração nacional. Acima de tudo, é importante o recorte histórico que o autor faz, como sendo um regime que se apropria de ideia anteriores ao pós-Primeira Guerra, em sua maioria de cunho anti-liberal, mas também anti-bolchevistas. Historicizar o fascismo é fulcral para entendê-lo. Para encerrar nossa discussão sobre as naturezas dos fascismos, gostaríamos de trazer a análise lançada por Leandro Konder. Nos é interessante tal discussão pois ao autor demonstra como historicamente o movimento foi encarado, entre os momentos de sua ascensão e sua decadência, além de propor uma revisão crítica de associação ao fascismo como uma face – ocultada por muitos historiadores – do liberalismo.

O autor começa sua reflexão trazendo uma diferenciação necessária: nem todo governo repressivo, que visa a conservação de privilégios de classe, é fascista, fugindo então, de possíveis reducionismos políticos (KONDER, L. 1979, p. 4). É então ressaltado a amplitude do termo: “a direita é o gênero de que o fascismo é uma espécie.” (KONDER, L. 1979, p. 5). O conservadorismo seria algo fundamental para se pensar as direitas da perspectiva de Konder, seja um conservadorismo ligado a determinados privilégios de classe ou de um determinado sistema socioeconômico (KONDER, L. 1979, p. 5). Para os conservadores, não seria apenas um esforço doutrinário, mas também uma energia material repressiva, em que os agentes repressivos internalizariam e naturalizariam um conteúdo conservador da ordem (KONDER, L. 1979, p. 5). Em outro ponto, enquanto os ideólogos de esquerda (aqui o autor aponta para principalmente a leitura de Lênin sobre Marx e Engels) defenderiam a união entre a teoria e a prática (KONDER, L. 1979, p. 6), o fascismo adotaria: “a solução do pragmatismo radical, servindo-se de uma teoria que legitimava a emasculação da teoria em geral" (KONDER, L. 1979, p. 7). Ou seja, uma teoria de tal forma superficial que proporia uma supremacia da ação sobre a reflexão e o pensamento, uma resposta enérgica as insatisfações e as contradições das direitas em seu tempo. Os intelectuais fascistas não vão abdicar da luta de classes, ou negar sua existência, como feito pelos pensadores conservadores, mas iriam naturalizá-la, encará-la como parte de uma natureza trágica, e que: “o que se precisava fazer era discipliná-la, e o único agente possível desta ação disciplinadora teria de ser uma elite de novo tipo, enérgica e disposta a tudo." (KONDER, L. 1979, p. 8), como defenderá a corrente mussoliniana do Partido Nacional Fascista. O fascismo, portanto, beberia muito de formas de populismo, como maneira de lisonjear o povo, em contraposição às massas, dificilmente concedendo direitos, e amalgamando o povo na nação (KONDER, L. 1979, p. 13). O mito fascista utilizaria da desconstrução da lógica liberal democrática, utilizando de uma desarticulação política dos partidos e massas (KONDER, L. 1979, p. 14). O aspecto de superação da política, como proposta pelos fascistas, apareceria nos discursos de seus candidatos: No lugar da polida oratória parlamentar, impôs-se o discurso enérgico, de agitação, pronunciado ao vivo em múltiplos comícios ou então ressoando por todo o país, graças ao uso sistemático (pioneiro) do rádio." (KONDER, L. 1979, p. 18)

Para Konder, a Guerra de 1914-18 teria sido responsável por trazer a tona as contradições do mundo capitalista em sua fase Imperialista (KONDER, L. 1979, p. 20). O fascismo seria um reflexo de uma tentativa por parte do capital financeiro de conservação de uma ordem pré-Guerra, em que: “o sistema só poderia ser salvo por meio de reformas que suprimisse certos estorvos, remanescentes da fase da "livre competição", acentuassem a concentração do capital (uma forma de "racionalização" da economia) e aprofundassem a interdependência entre os monopólios e um "Estado Forte"." (KONDER, L. 1979, p. 20). O autor passa a analisar como o fascismo “clássico”, restrito parcialmente a primeira metade do século XX, teria sido encarado pelos pensadores de seu período. Konder, traz que o fascismo teria se apoiado em pensadores conservadores do XIX, que se empenharam em uma demonização das massas e da esquerda, em favor de um conservadorismo aristocrático ou de uma manutenção do status quo (KONDER, L. 1979, p. 28). O autor lança como hipótese que, esse princípio de manutenção da ordem, fez com que a União Soviética se posicionasse não apenas contra o fascismo, em 1924, mas também contra a social-democracia, que passa a ser encarada como forma mais moderada de fascismo (KONDER, L. 1979, p. 50). Em Sternhell, achamos central a ideia de uma genealogia do pensamento fascista remontando aos críticos do Iluminismo. Assim como uma sincronia da ascensão do movimentos fascistas com o ocultar de horizontes, em que se tira a capacidade de se pensar em utopias coletivas, para uma relativização particularista. Além do autor trazer a tona que a ideia de um retorno a um passado idealizado não seria algo exclusivo dos fascistas, mas algo inerente ao pensamento conservador europeu. Por outro lado, como já apontado, seu enquadramento que oculta o quão exclusivistas eram essas utopias européias, nos parece problemático. Em Paxton, expor como o pós-Primeira Guerra Mundial trouxe ao mundo uma miríade de pensamentos políticos, com radicalizações de todas as partes, com uma incapacidade de um projeto político democratizante se tornar hegemônico, principalmente por movimentos de manutenção do status quo. Pensar nesse universo de ideias nos é algo rico, superando a ideia do fascismo como principal agente político do período. Outro elemento que nos é caro e é apontado pelo autor, diz respeito ao fascismo como uma resposta anti-bolchevique de movimentos conservadores. Além disso, o lado anti-político do fascismo de Paxton é algo central no argumento que estamos desenvolvendo. Uma proposta política anti-”tudo”, defendendo um retorno à um passado idílico, conservador e não democrático.

Na obra de Konder, nos é caro sua a correlação do fascismo como uma fase imperialista do capitalismo, e não como um agente propriamente antiliberal, mas como restritor de um liberalismo clássico em detrimento de um liberalismo monopolista. Outro elemento interessante apontado pelo o autor seria do fascismo como um agente de seu tempo, potencializado pelos novos meios de comunicação - no caso, o rádio. Por fim, achamos importantíssimo seu apontamento sobre como os fascistas se limitam ao campo do discurso, um discurso vazio e sem aplicação objetiva, e que se aproveita de tal ausência para se substanciar e moldar-se conforme lhe é interessante. Finalmente, é isso que encararemos como fascismo neste trabalho: um desdobramento do Imperialismo, cunhado em um discurso expansionista e de eclipse dos direitos de uma minoria, baseado em um tripé de nacionalismo, corporativismo e autoritarismo. Baseado em um antibolchevismo, antiliberal, antidemocrático - ou seja, anti-político. Uma saída violenta elaborada por conservadores de uma elite, temerosos com qualquer processo de universalização de direitos, em um espaço europeu ocidental e em um recorte temporal, com sua formação no período do Entre-Guerras. António Costa Pinto (2000) defende que o Nacional-Sindicalismo de Francisco Rolão Preto se tornaria uma das leituras do fascismo em Portugal de maior sucesso, até sua dissolução na segunda metade dos anos 30 (PINTO, A. 2000, p. 1). Entretanto, o autor traça uma trajetória dessa organização política, remontando às vésperas da Primeira Guerra Mundial, com muitos dos intelectuais que viriam formar o Nacional-Sindicalismo, sendo parte integrantes do Integralismo Lusitano (PINTO, A. 2000, p. 2). O Integralismo Lusitano seria formado, inicialmente, por intelectuais da Universidade de , opondo-se a Revolução Republicana de 5 de Outubro de 1910, e que passam a organizar periódicos defendendo a restauração monarquista (PINTO, A. 2000, p. 2). Durante um curtíssimo período esse jovens seriam perseguidos e exilados, mas não demoraria para serem anistiados e voltarem as publicações dos periódicos (PINTO, A. 2000, p. 2). Já em 1916, o Integralismo Lusitano passa a defender claramente um programa político: “Its goal was to restore an anti-liberal, de-centralised and traditional corporatist .” (PINTO, A. 2000, p. 3). Esses intelectuais (especialmente António Sardinha) defenderiam um retorno a uma ordem medieval orgânica, baseada em uma ordem corporativa estruturada na tradição, valores supostamente teriam sido destruídos pelos republicanos (PINTO, A. 2000, p. 3). Embora se declarassem anti-democráticos, e dialogassem com demais políticos do campo,

os Integralistas consideravam a defesa da monarquia algo central, um ponto de intransigência de seus objetivos políticos (PINTO, A. 2000, p. 3). O principal jornal Integralista, A Nação Portuguesa, proporia uma leitura oficial da organização à respeito da história nacional, em que a sociedade portuguesa teria atingido sua perfeição durante a Idade Média (PINTO, A. 2000, p. 6), em compensação: “In their view, the Renaissance and Discoveries had threatened rural and the artisanal medievalism of that period.” (PINTO, A. 2000, p. 6). O exilado rei D. Miguel seria o único portador da tocha da tradição lusitana capaz de libertar o país do liberalismo (PINTO, A. 2000, p. 6). O autor coloca esses intelectuais em um campo anti-Cosmopolitano, para além disso, ele também aponta que: “Early Integralist writings argued that rural and traditional anti-capitalism was threatened by a process of modernisation dominated by ‘plutocrats’ and industrialists exploiting cheap rural labour.” (PINTO, A. 2000, p. 8). Um discurso conservador e anti-capitalista (pelo menos pro forma). António Costa Pinto defende que o processo de fascização dos Integralistas aconteceria no pós-Primeira Guerra, mas que eles jamais abandonariam seu cunho anti-liberal, a defesa de um nacionalismo histórico e o ruralismo (PINTO, A. 2000, p. 8). Para esses Integralistas, o comunismo e o socialismo seria um desdobramento natural da universalização do liberalismo, para eles: “Jacobin and anti-clerical republicanism, along with Masonry, were the real enemies.” (PINTO, A. 2000, p. 9). O autor aponta que a guinada política do movimento - deixando de ser um clube e passando a disputar de fato um projeto político nacional - viria em 1917 com o golpe de Sidónio Pais (PINTO, A. 2000, p. 9). Sidónio concederia a integralistas e simpatizantes cargos ministeriais, além de introduzir modelos corporativos no governo (PINTO, A. 2000, p. 9). Isso levou a uma cisma entre os Integralistas mais radicais, que defendiam um irredentismo monárquico, que acabaria por enfraquecer o movimento a partir de 1920 (PINTO, A. 2000, p. 10). A partir de 1918 haveria uma ruptura definitiva no movimento Integralista português, uma vez que D. Manuel II passa a se mostrar hesitante a apoiar qualquer revolta em seu nome (PINTO, A. 2000, p. 12). Desde então, o jornal A Monarquia gradativamente mudou sua linha editorial, mais tarde passando a defender um cesarismo heróico aos moldes do Partido Nacional Fascista italiano ou o da ditadura de Miguel Primo de Rivera (PINTO, A. 2000, p. 12). Essas ideias passaram a influenciar os círculos militares, que passaram a apresentar uma crescente descrença em relação à República (PINTO, A. 2000, p. 13). Ou pela inação, ou pela ação direta, seriam esses mesmo militares que encabeçariam o golpe de Maio de 1926 (PINTO, A. 2000, p.

13). Para o autor, a presidência de Sidónio Pais, e seu consequente assassinato, faria com que jovens militares monarquistas passassem a simpatizar com sua ideia de restauração autoritária, abandonando a ala monarquista (PINTO, A. 2000, p. 14). O não apoio desses militares nas revoltas monarquistas de 1918, seria uma prova dessa mudança no pensar autoritário desses jovens (PINTO, A. 2000, p. 14). É dentro desse oxigênio político do final da década de 1910, que Francisco Rolão Preto retornaria à Portugal, após seu exílio na França, onde teve contato com intelectuais ligados a Action Française, especialmente Charles Maurras, apesar de possuir uma simpatia intelectual maior com George Valois (PINTO, A. 2000, p. 16). Preto dialoga também com pensadores proto-fascistas italianos, como o neo-nacionalismo de Corradini e o irredentismo de D’Annunzio (PINTO, A. 2000, p. 18). Nesse ponto: Preto agreed with the Integralists on the need to restore the monarchy as a means to overthrow , but his newspaper columns did not use the historical, ultramontane and ruralist language of contemporary Integralists. Issues related with workers became progressively dominant. His articles in 1918 and 1919 referred to socialism, marxism, the Second International and the Bolshevik Revolution, all revolutionary phenomena. (PINTO, A. 2000, p. 18) Nesse ponto teríamos um racha no pensamento Integralista português: de um lado teríamos António Sardinha, com um uma reinvenção idílica de um passado medieval corporativista e monárquico, e do outro teríamos Francisco Rolão Preto combinando as ideias de Maurras e Valois, em defesa do nacionalismo como uma resposta à crise do liberalismo e o risco do bolchevismo (PINTO, A. 2000, p. 19). Entretanto, Preto não abdicou de uma visão idealizada do passado, defendendo um princípio do neo-nacionalismo latino, do Império como legado civilizador europeu, entretanto, isso aparece de maneira secundária em seus artigos de jornais, onde haveria uma predominância de temas do presente (PINTO, A. 2000, p. 20).Como apontado por Pinto: For Preto, the war [1914-1918] proved the bankruptcy of liberalism, pacifism, and the socialism of the Second International. It also proved that national interest preceded the belief of the socialists in a class based internationalism transcending sovereign boundaries. For him, the war re-awakened “historic patriotism based on the hidden laws of life and national duty” and destroyed “the chimera of socialist universalism”. (PINTO, A. 2000, p. 20) Existiria uma barreira econômica para o crescimento das ideias de Preto em Portugal: estamos tratando de uma país rural, poucamente industrializado, onde os princípios de um

Integralismo rural, anticapitalista e anticosmopolitano, como proposto por Sardinha, eram mais apelativos para a maior parte da população (PINTO, A. 2000, p. 22). A partir de 1919, Preto passa a beber também do Integralismo Italiano, principalmente por parte de Alfredo Rocco, que culminaria numa formação, e nos primeiros passos, de um pensamento Nacional-Sindicalista (PINTO, A. 2000, p. 25). Preto passaria a defender a formação de redes, de inspiração também corporativa, entre patrões e trabalhadores sindicalizados, que arbitrária os conflitos de classe e os interesses dos dois lados (PINTO, A. 2000, p. 26). Isso daria um novo léxico aos setores simpáticos a Preto no Integralismo Lusitano, substituindo o pensamento aristocrático monárquico por temáticas anti-plutocráticas (PINTO, A. 2000, p. 26). O Integralismo Lusitano atingiria seu ponto de virada em 1922, quando o suposto rei abdicou de seu direito ao trono (PINTO, A. 2000, p. 30). Com isso, haveria um esvaziamento do Integralismo, mesmo das alas não monarquistas, demarcando o fim de uma tentativa de fascização do movimento (PINTO, A. 2000, p. 30). Em 1923, Preto e seus dissidentes, seriam incorporados pelo Nacionalismo Lusitano, movimento diretamente inspirado pelos Partido Nacional Fascista italiano (PINTO, A. 2000, p. 31). Para o autor, a origem do fascismo em Portugal viria dos desdobramentos do sidonismo, que utilizariam da proposta do presidente de uma organização nacional corporativa assim como: “Sidónio Pais's political discourse was anti-plutocratic during the period of war shortages, directed against the party oligarchies, and espousing a messianic nationalism. He managed to unite monarchists and conservative republicans. In all this, he made full use of his charismatic strengths.” (PINTO, A. 2000, p. 34). Mais adiante, o autor afirma que: “Sidonism became a point of reference for post-war Portuguese fascists, particularly for right-wing republican junior officers, intellectuals and students, who went on to create several parties that increasingly cited Mussolini's party as their model.” (PINTO, A. 2000, p. 34). Entretanto, para Pinto, a miríade de movimentos vindos dos desdobramentos do sidonismo seriam complexos demais para serem simplificados sob o carimbo de fascistas em um senso estrito, mas todos fariam parte do campo de uma direita radical (PINTO, A. 2000, p. 34). O movimento que seria de fato fascista seria o Nacionalismo Lusitano, responsável pelo periódico A Ditadura, e que dialogava mais com os pensadores republicanos conservadores do que com os Integralistas (PINTO, A. 2000, p. 34). A Ditadura seria direcionado a classe operária, aos veteranos e a juventude portuguesa, acusando a burguesia por prática plutocráticas, e defendendo a libertação dos trabalhadores das

ideologias vermelhas e a liberdade incompetente. (PINTO, A. 2000, p. 38). Para António Costa, o movimento focaria em formar organizações para-militares em setores de veteranos, apelando para o nacionalismo de guerra dos mesmos (PINTO, A. 2000, p. 40). Para o autor, o Nacionalismo Lusitano: “adopted a contradictory political programme that was suspicious of traditional conservative forces, particularly monarchists and catholics. Nonetheless, its mobilising capacity was weak, and its role in the defeat of the parliamentary republic negligible.” (PINTO, A. 2000, p. 40). Ou seja, podemos observar nesse movimento as características de um movimento fascista tradicional, conforme trabalhado anteriormente: um discurso vazio, baseado em uma anti-política, se apropriando parcialmente de um léxico das esquerdas tradicionais da época, ao mesmo tempo que prega um forte conservadorismo. O autor ressalta que uma das forças responsáveis pela derrocada da República em Portugal teria sido a Cruzada Nacional Nuno Álvares Pereira, ligada a uma extrema-direita conservadora, elitista, associada a militares de patente mais alta, e filiados ao Partido Conservador Católico. Seriam eles que liderariam o movimento golpista de 1926 (PINTO, A. 2000, p. 46). O autor define que o fascismo português seria diferente comparativamente aos casos semelhantes europeus, pois: The 'national question' in Portugal, for example, had been solved. 'State' and 'nation' were unified reflecting the country's homogeneity. There were no national or ethnic minorities. Portugal did not wish to alter its frontiers. Possession of its colonies was guaranteed by the fact that the country was under Britain's sphere of influence. It embarked on the 'age of masses' without experiencing the radicalisation generally associated with the rise of fascist movements. (PINTO, A. 2000, p. 49) Portanto, estamos tratando de fascistas extremamente restritos politicamente, com pouca penetração e área de ação. Um fascismo incipiente no grande cenário da sociedade portuguesa. Temperados com certo oportunismo político nas intentonas pelo poder. A ideia da incipiência do fascismo reflete em, por exemplo, a ideia de que o fenômeno dos veteranos que se tornaram fascistas, conforme observado na Alemanha e na Itália, atenderia apenas em parte ao caso português. Para o autor, a grande maioria dos veteranos teriam sido incorporados novamente pela sociedade portuguesa, seja no meio rural, como pela migração para as colônias em África. Da mesma forma é incompleta a ideia da Victoria

Mancata italiana, para se analisar o caso português, pois, como proposto pelo autor, Portugal manteve suas colônias e não tinha pretensão de expansão em território europeu (PINTO, A. 2000, p. 51). Haveria apenas: “In the early 1910s, a group of catholics put forward a political programme that advocated the restoration of the rights of the Church and na authoritarian alternative to liberalism. In cultural terms, there was little space for the emergence of a 'fascist intelligentsia' in Portugal.” (PINTO, A. 2000, p. 51). Ou seja, haveria uma predominância do pensamento conservador católico, mas não propriamente fascista, seguindo essa perspectiva. Após o golpe de 1926, seria criada a Liga 28 de Maio, que amalgamou o Nacionalismo Lusitano com a Cruzada Nacional Nuno Álvares Pereira, misturando ainda mais as fronteiras entre os fascistas e os conservadores (PINTO, A. 2000, p. 60). A Liga formaria uma oposição à União Nacional, conseguindo penetrar nos movimentos sindicais (PINTO, A. 2000, p. 62). O apelo aos trabalhadores viria exatamente da capacidade da Liga de negociar com o patronato, oferecendo inclusive empregos ou promoções aos trabalhadores que fossem filiados a ela (PINTO, A. 2000, p. 62). O principal ponto de separação entre a Liga e a União seria que, a primeira acusaria a segunda de negociar com valores republicanos para formar seu consenso político (PINTO, A. 2000, p. 64). O objetivo de nossa análise foi o trazer um aspecto comparativo entre a leitura tradicional no que diz respeito ao fascismo clássico, e aplicar esses autores para um caso específico em Portugal no período entre 1910 e 1926. Tendemos a concordar com o ponto de vista exposto por António Costa Pinto, de considerar os espaços por onde Francisco Rolão Preto passou e dialogou, como os ambientes simbólicos e principais para o caso do fascismo português. Entretanto, discordamos do autor ao trazer que apenas o Nacionalismo Lusitano e setores do Integralismo que se encaixariam nessa definição. Nos apoiando em Paxton e Konder, podemos afirmar que o conservadorismo autoritário, além do anti-bolchevismo presente na Cruzada Nacional Nuno Álvares Pereira, além do suposto mito da paliogênia estatal proposto por grande parte dos conservadores portugueses, seriam sim um reflexo de um tácito fascismo desses intelectuais. Levando em consideração também, a revolta contra o presente, comum ao pensamento anti-Iluminista e antidemocrático, como proposto por Sternhell.

A década de 1910 trouxe expandiu a política, e a revolução no leste europeu em 1917 traria uma resposta conservadora de igual força. Acreditamos que é impossível pensar o fascismo dissociando de seu aspecto contra revolucionário, dado a verdadeira primavera dos povos que foram os movimentos de democratização – de fato – na Europa.

Bibliografia

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