Dinâmicas Do Pensamento Autoritário Durante a Primeira República Portuguesa1 Mário Novaes César Rezende2
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Dinâmicas do pensamento autoritário durante a Primeira República Portuguesa1 Mário Novaes César Rezende2 Neste artigo, proponho mostrar os fluxos em combate do pensamento autoritário português nos momentos seguintes à proclamação da República. Em 1908, o país vivia sob uma monarquia constitucional, em que a figura do rei passava por um ápice de impopularidade e esvaziamento, inclusive com membros de seu parlamento discursavam em defesa de um exílio do rei (SERRÃO, J. 1988, p. 127). Para além de uma crise institucionalizada dentro das fileiras do governo, no período havia um crescente movimento republicano, além de anarco-sindicalistas e socialistas que atuavam principalmente entre organizações de trabalhadores (SERRÃO, J. 1988, p.128). A tensão atingiria um ponto de inflexão em primeiro de Fevereiro de 1908, quando o rei D. Carlos I e seu filho, o príncipe herdeiro D. Luís Felipe, seriam assassinados a tiros por dois indivíduos ligados indiretamente a braços do movimento republicano. O príncipe D. Manuel II, o segundo filho, foi coroado em Maio de 1908 (SERRÃO, J. 1988, p. 129). Durante as eleições de Novembro o Partido Republicano Português (PRP) conseguiria mais cadeiras no parlamento, agudizando ainda mais a crise (SERRÃO, J. 1988, p. 134). O governo vai gradativamente escanteando rei, relegando a ele funções meramente diplomáticas, especialmente quando se tratava de encontros com outros monarcas europeus (SERRÃO, J. 1988, p. 141). O então Presidente do Conselho de Ministros, Wenceslau Lima, é demitido pelo rei; o que era para ser um período de acalmação e estabilização política se desflora em uma crise ainda mais profunda, com a instabilidade e a insatisfação pública sendo acrescida, seja por um temporal que atingiu Lisboa, como escândalos de corrupção que se tornariam públicos, dando espaço para um sentimento de descrença na política organizada (SERRÃO, J. 1988, p. 146). No espaço de dois anos entre o regicídio e a proclamação da República, haveriam mais de cinco governos, marcados por tentarem dar os últimos suspiros da monarquia, realizando 1 Partes deste texto fazem parte das reflexões presentes no primeiro capítulo de minha dissertação intitulada “Os Cortejos Históricos (1940 e 1947): o Estado Novo e seu projeto de identidade”, que será disponibilizada integralmente após concluída. 2 Mestrando do Programa de Pós-Graduação em História Social da Universidade Federal do Rio de Janeiro, bolsista CAPES, sob a orientação da Profª. Drª. Sílvia Correia. Contato: [email protected]. coligações que se provariam sem sucesso. A própria direção de movimentos monarquistas passa a defender um afastamento político do monarca, temendo que uma agitação popular crescesse mais e levasse a uma revolução (SERRÃO, J. 1988, p. 153). Uma coligação monárquica ganharia nas eleições seguintes, colocando Francisco da Veiga Beirão como presidente do Conselho de Ministros, em compensação, o número de republicanos no gabinete mais do que triplicaria (SERRÃO, J. 1988, p. 155). O gabinete duraria pouco mais de seis meses, e seria dissolvido pelo rei. Em cinco de Outubro de 1910 seria proclamada a República, o rei e a família real seriam exilados, teríamos uma experiência republicana no país. No breve período republicano, foram em torno de quarenta governos em menos de vinte anos, indo de movimentos ultraliberais e laicizantes, até presidentes simpáticos à monarquia e antiliberais: a complexidade política portuguesa era acrescida por uma série de revoltas, de toda sorte política. Seguindo essa linha de raciocínio, a análise sobre os primeiros anos da República, realizado por Vasco Pulido Valente, focará em duas frentes: os movimentos dos trabalhadores e a dicotomia política entre as alas moderadas e radicais. O autor aponta para como os trabalhadores portugueses encaravam a proclamação da República como uma oportunidade de ascensão social, de certa forma, uma libertação de uma condição de pobreza de grande, o que refletiria não só um caráter citadino do movimento republicano – especialmente em sua fase inicial – como também uma crença de salvação política nas novas instituições. Por outro lado, o PRP encarava que caberia a ele apenas a criação das instituições republicanas, e não a universalização do acesso: “A República devia ser o próprio "povo" em acção e não cabia, portanto, aos dirigentes oferecer-lhe "bacalhau a pataco" ou a tostão, mas deixá-lo livre de exercer a sua soberana vontade.” (VALENTE, V. 1972, p. 293). Entretanto, havia em Portugal uma classe trabalhadora com sindicatos organizados mesmo durante os períodos de maior recrudescimento repressivo da monarquia. A abertura política oferecida pela República fez com que quase duplicasse o número de sindicatos no país, ainda que muito limitados aos espaços urbanos (especialmente Porto e Lisboa) (VALENTE, V. 1972, p. 294-295). O autor aponta que essas primeiras organizações eram meramente ligadas por ofícios e não por bases ideológicas, apesar disso, prevalecia uma liderança socialista ou anarco- sindicalista nessas organizações (VALENTE, V. 1972, p. 297). As lideranças sindicais, para Pulido Valente, entravam em constante atrito com a Polícia Cívica, assim como os Batalhões de Voluntários, organizações governamentais (ou para-governamentais) que era usadas para reprimir greves e protestos, todavia, essas organizações traziam um problema de identidade classe à tona: A razão desta estranha lealdade reside provavelmente no facto de os Voluntários, a Polícia "Civica" e as suas inúmeras imitações darem aos trabalhadores um certo poder político que os compensava da sua extrema sujeição econômica. O trabalhador médio, que era obrigado a um dia de dez, doze e até, às vezes, catorze horas por um salário de fome, que sofria a pequena tirania de patrões, mestres e encarregados, recuperava a dignidade e, com a dignidade, o amor-próprio quando vestia o uniforme dos Voluntários ou quando enfiava no braço a banda vermelha e verde da Polícia "Cívica". [...] No papel de Voluntário ou de Polícia "Cívico" sentia-se um homem novo. Patrões e encarregados, burgueses e aristocratas, os ricos e os felizes temiam-no e respeitavam-no. Quando passeava na rua à caça de conspiradores, clericais, alarmistas e outros criminosos do dia, não existiam "capitalistas" e operários, "doutores e analfabetos, existiam só "bons Republicanos" e traidores. (VALENTE, V. 1972, p. 298) A cisão entre a classe trabalhadora ia além das forças voluntárias repressivas, já que da mesma forma que a República deu a esperança de uma mudança política, entretanto, temos um agravamento da crise econômica, fazendo com que o ano de 1911 fosse marcado por uma alta de preços de artigos alimentícios, resultando em uma série de greves que seriam duramente reprimidas (VALENTE, V. 1972, p. 299). Em pouco tempo os trabalhadores rurais também passariam a se organizar em sindicatos, rompendo um imaginário de um trabalhador camponês subserviente e obediente (VALENTE, V. 1972, p. 301). Não obstante, as greves se mostravam cada vez mais custosas com poucos resultados: Assim, a greve média acabava ao fim de uns dias: poucos geralmente violentos. Ou, se os trabalhadores conseguiam resistir às primeiras crises, sucumbia à intervenção de "fura-greves", protegidos pelo Exército, pela Guarda Republicana ou pelos Batalhões de Voluntários. Mesmo nos casos, muito raros, em que os patrões se viam forçados a ceder, nada podia depois impedi-los de despedir os cabecilhas mais conspícuos e de faltar à palavra dada, precisamente quando a capacidade de resistência dos trabalhadores chegara ao ponto mais baixo (VALENTE, V. 1972, p. 303) As associações de trabalhadores estavam se distanciando do Governo Provisório liderado pelo PRP (que consistia principalmente lojistas, funcionários públicos, caixeiros), este, por sua vez, temia nessas associações não só pela instabilidade produtiva que traziam ao país, como pelo discurso cada vez mais radicalizado dos anarco-sindicalistas e socialistas (VALENTE, V. 1972, p. 304-305). Alas do PRP passam a encarar esses sindicatos como de fato oponentes, aliados com a setores contra-revolucionários monarquistas, que abusavam da boa-fé republicana dos políticos constituintes: “Consequentemente, os dirigentes Republicanos apresentavam as greves sobretudo como "manobras reaccionárias", ou seja, como "ataques a o regime, e tendiam a ignorar ou a minimizar seus verdadeiros motivos”." (VALENTE, V. 1972, p. 311). O autor aponta para como a constante repressão e o rompimento entre os sindicatos e governo, estabeleceriam um estado de guerra nos espaços urbanos – especialmente na capital – em que a classe trabalhadora passaria a ter um maior receio de se posicionar em sintonia com o republicanismo em que o regime defendia (VALENTE, V. 1972, p. 314). Em seu outro trabalho, o autor explora a dinâmica da radicalização da política institucionalizada nos primeiros anos da República. O governo provisório passa a setores do movimento republicano, especialmente ligados à Carbonária, criando uma mítica de serem os heróis de Outubro, e com o Governo Provisório distribuindo bonificações (sendo de cargos públicos à títulos e medalhas) para essas figuras, enquanto a imprensa republicana dedicava colunas para descrever os feitos heróicos desses cidadãos (VALENTE, V. 1975, p. 233). Na esfera institucionalizada, haveria um debate sobre o funcionalismo público na nova República, entre os Moderados e os Radicais (Jacobinos) (VALENTE, V. 1975, p. 237). Isso acaba por provocar uma cisão societária, em que de um lado seriam colocados os Radicais, como bastiões da República,