UNIVERSIDADE CÂNDIDO MENDES PÓS-GRADUAÇÃO LATO SENSU INSTITUTO A VEZ DO MESTRE

AS CORES DO CRIME

Por: Luciana Vicente Portugal Pereira

Orientador Prof. Mary Sue Pereira

Rio de Janeiro 2009

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UNIVERSIDADE CÂNDIDO MENDES PÓS-GRADUAÇÃO LATO SENSU INSTITUTO A VEZ DO MESTRE

AS CORES DO CRIME

Apresentação de monografia ao Instituto A Vez do Mestre – Universidade Cândido Mendes como requisito parcial para obtenção do grau de especialista em psicologia jurídica. Por: Luciana Vicente Portugal Pereira

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AGRADECIMENTOS

....aos colegas de turma pelo carinho e amizade......

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DEDICATÓRIA

.....dedico ao meu maior incentivador, meu marido, e aos meus pais pelo amor incondicional......

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RESUMO

É instigante observarmos como as cores estão presentes e influenciam o nosso dia-a-dia. Talvez nunca tenhamos nos dado conta de sua interferência ou de seus significados. Sob um olhar mais atento, conseguiremos perceber a abrangência das cores em várias circunstâncias de nosso cotidiano, principalmente no que diz respeito ao crime no estado/cidade do , pois se analisarmos sob a ótica das cores observaremos claramente que a história do crime organizado e de seus atores, se desenha de maneira curiosa através delas (cores). São vermelhos (), verdes (), azuis (Polícia Militar- Comando Azul), pretos (Polícia Civil, BOPE e Milícias), negros (os detentores da “cor padrão”, pela cor da pele), enfim, um mundo “paralelo” e “colorido” que está bem de baixo de nossas vistas e não percebemos. Um mundo de comandos, facções, vilões e vítimas de uma escalada impiedosamente violenta e avivada pelas cores que, provavelmente, nunca tenhamos nos interessado. É dentro deste contexto que podemos entender que as cores, nestes casos, funcionam como um importante instrumento de composição da identidade e reconhecimento daqueles que integram estas organizações, possibilitando aos seus componentes a formação de uma reconhecida individualidade, notadamente negada pelo poder público.

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METODOLOGIA

A metodologia empregada para a composição desta monografia foi a utilização basilar de pesquisas através de livros como: Cromoterapia a cor e você, do psicólogo Valcapelli; As cores de Acari, do antropólogo Marcos Alvito, além de constantes pesquisas realizadas pela internet.

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SUMÁRIO

INTRODUÇÃO 08

CAPÍTULO I - Cores e significados 10

CAPÍTULO II - Facções, Cores e Crimes 21

CAPÍTULO III – Polícia e Cores 29

CAPÍTULOIV – Cor Padrão 37

CONCLUSÃO 48

BIBLIOGRAFIA 51

ANEXOS 53

ÍNDICE 57

FOLHA DE AVALIAÇÃO 59

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INTRODUÇÃO

Preto? Branco? Será assim o mundo em que vivemos? De acordo com o psicólogo, escritor, metafísico, cromoterapeuta e professor de auto-ajuda, Valcapelli, com certeza não! Vivemos num mundo multicolorido, um mundo de sensações, de diversidades culturais, raciais que transbordam numa louca profusão de cores por todos os lados. Tudo, tudo ao nosso redor é colorido, cores que saltam aos nossos olhos a todo momento. Será que nos damos conta disso? Será que realmente observamos tudo aquilo que vemos? Quais as cores do seu time de futebol? Da bandeira do seu país? De sua escola de samba preferida? E da sua pele? Dos seus cabelos? O dia-a-dia nos cega para questões que muitas vezes julgamos sem importância ou simplesmente não queremos enxergar, deixando de lado evidências quem fazem parte do nosso cotidiano inclusive na formação de nossas identidades. Toda vez que falamos em cores temos boas sensações que nos remetem, não por acaso, à beleza, à natureza, ao arco-íris, a tudo de bom que está ao nosso redor, porém nem sempre as cores estão relacionadas às coisas boas da vida. Podemos tomar como exemplo a cor preta que, na nossa cultura, está associada ao luto, a dor da perda de alguém. Outro exemplo que podemos usar é em relação a cor vermelha, que pode ser associado ao sangue, logo, à violência, principalmente se levarmos em conta o atual contexto em que estamos inseridos, onde mortes acontecem com uma assustadora “normalidade” e passividade. Através destas reflexões podemos entender que as cores estão presentes também no mundo do crime. Talvez nunca tenhamos nos dado conta dessa estreita relação entre cores e crimes, mas se observarmos com mais cuidado, notaremos que a história do crime organizado no Rio de Janeiro se desenha de maneira curiosa através delas (as cores), possibilitando um estudo de sua estrutura organizacional a partir da observação de suas “personalidades coloridas”. 9

Essa estrutura tem início nos anos 70 quando presos da Ilha Grande fundam a famosa FALANGE VERMELHA, (hoje COMANDO VERMELHO) dando o ponta- pé inicial para a consolidação do modelo atual, onde podemos encontrar várias outras organizações (ou facções) criminosas. Tendo como estopim divergências internas surgem novos comandos como o TERCEIRO COMANDO, representado pela cor verde, A.D.A. (), COMANDO VERMELHO JOVEM, entre outros pouco expressivos. Paralelo a tudo isso observamos o surgimento do COMANDO AZUL, assim denominados os policiais militares do Rio de Janeiro, fazendo referência à cor da farda que usam. Também dentro da polícia militar encontramos os “HOMENS DE PRETO”, alusão aos integrantes da tropa de elite, o famoso BOPE (Batalhão de Operações Especiais), pela cor do uniforme usado. Dentro desta “louca lógica”, verificamos, ainda, o nascimento das chamadas MILÍCIAS, formadas por policiais civis e militares, agentes penitenciários e bombeiros. Essas organizações adotaram em muitas comunidades o uso da cor preta como forma de reconhecimento e conseqüente intimidação no sentido de impor respeito (leia-se medo) na comunidade onde atuam. Em última análise e não menos importante, pelo contrário, na ponta de todo esse organismo, encontramos os atores principais desta macabra engrenagem, o NEGRO, leia-se COR PADRÃO, predominante. Quando, mais uma vez temos a chance de observarmos o desenho traçado pela ótica das cores! Na opinião de Valcapelli, grande estudioso do mundo das cores, elas exercem grande influência na vida das pessoas desde a parte psicológica até a saúde física. Ele acredita que através do uso das cores podemos encontrar a cura para diversos males ressaltando, porém, que o uso indiscriminado delas poderá produzir efeitos contrários a saúde física e mental. Serão estes efeitos diversos que abordaremos.

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CAPÍTULO I CORES E SIGNIFICADOS

São inúmeros os significados das cores, principalmente se levarmos em conta suas possibilidades terapêuticas dentro de um contexto da medicina alternativa cada vez mais procurada e respeitada. Será dentro desta ótica que vamos tentar compreender os padrões de influências comportamentais da psique humana na utilização das cores.

As cores representam um papel de maior importância para a vida humana, mesmo não percebendo, essa influência existe e atua vivamente em nosso físico, mental, e emocional. Enquanto algumas cores tem efeito deprimente, outras despertam alegria, algumas tristeza e outras excitam as atividades motoras. A verdade é que cada cor e cada tonalidade desperta em nós alguma reação, quer física, emocional ou psicológica. (Valcapelli, 2000, p. 15, 16).

1.1 - Vermelho

No dicionário seu significado aparece como: (substantivo masculino), 1 a cor do sangue. 2 Que é dessa cor (bandeira vermelha). De acordo com Valcapelli (2000), o vermelho possui uma onda de freqüência vibracional que mais se aproxima da matéria, sendo assim, considerada a cor relacionada ao mundo físico, causa-nos uma sensação puramente física e ambientalista. Relaciona-se com as experiências humanas ligadas às pessoas com que convivemos e com o meio ambiente que participamos. O vermelho desperta nas pessoas o poder sobre o ambiente, criando condições de controle sobre as coisas ou situações da vida. É exatamente no campo da matéria que se desenrola a experiência humana e encontramos no vermelho as condições adequadas para vivenciá-la. 11

Esta cor proporciona as condições básicas necessárias para a vida, o que se traduz por vitalidade física. É capaz de trazer e manter a pessoa em contato com a realidade física, fazendo-a sentir-se centrada no “aqui agora” e com total domínio das situações. É por isso que o vermelho é considerado a cor do poder sobre o ambiente e o controle das situações. Por ser uma cor capaz de trazer a pessoa para o presente e proporcionar estímulo e vitalidade, induz a pessoa à ação, para realizar e concretizar projetos, dominando e manipulando as situações que envolvem o mundo físico. É a cor que faz emergir em nós força, garra e coragem, dando condições de desempenharmos as funções que fazem parte do nosso cotidiano. O vermelho é a cor que nos proporciona o prazer que sentimos na vida e que gera a vitalidade necessária para o corpo. De todas as cores, o vermelho é a mais poderosa no que diz respeito aos efeitos mentais.

1.1.1 – Aspectos Psicológicos do vermelho

Em seu estudo, Valcapelli traça os efeitos psicológicos produzidos pelas cores, aqui, especificamente, abordaremos esses efeitos a partir da cor em foco. O vermelho produz uma forte sensação de estar presente no “agora”, desperta a sensação de poder, consciência física, vontade e sexualidade. Estimula a auto-estima recupera a consciência de si próprio, estimulando a criatividade. Cor apaixonante, sensual, chamativa, agradável e extrovertida. Sua tendência é estimular os comportamentos externos e, ainda estimula a praticidade e a objetividade; é força de vontade e determinação necessárias para a obtenção do sucesso. Representa, ainda, saúde, fogo, sangue quente, raiva, mau humor, perigo e destruição, agindo também como elemento de irritação. 12

O excesso da cor vermelha pode provocar, segundo Valcapelli, revolta, barbarismo, violência, agressividade, paixão, vulgaridade, extroversão, alerta e bravura.

1.2 – Verde

No dicionário seu significado aparece como: (substantivo masculino) 1 A cor das folhas das plantas, da relva etc. 2 A vegetação: preservar o verde. 3 Que é da cor verde (bandeiras verdes). 4 Que ainda não amadureceu (diz-se do fruto). 5 Que tem pouca experiência: assistente muito verde para o cargo. 6 Que tem frescor, viço: os verdes anos da infância. 7 Mencionar algo, propositalmente, com a intenção de colher da resposta ou comentários de interlocutor(es) alguma declaração ou maiores informações sobre o assunto.- “Jogar verde”. O verde é considerado uma cor intermediária entre o nível físico mental e o emocional. Isso faz com que o verde tenha como principal característica o equilíbrio. Não leva aos extremos e possibilita um estado neutro, facilitando a assimilação e permite uma boa condição para o julgamento claro. A sensação que o verde transmite possibilita-nos fazer ótimas ponderações. Valcapelli atenta ainda, para o fato de que o verde exerce influência no campo do sexo, agindo como tônico e afrodisíaco sexual, lembrando que o seu efeito é diferente do vermelho, que provoca um superestímulo seguido de um profundo e quase irresistível desejo do orgasmo. É uma cor que permite o mínimo de atividade, facilitando a fixação no lugar. Tanto permite o movimento, quanto a posição estática. É o perfeito equilíbrio entre a atividade e a passividade.

1.2.1 – Aspectos psicológicos do verde

No aspecto psicológico, o verde é a energia da juventude, do crescimento físico, da fertilidade, da esperança e da vida nova. Desperta a necessidade de uma diretriz sólida, promovendo a segurança. 13

O verde dá uma sensação de renovação, proporcionando frescor e brilho, algo como um início de primavera. Permite a serenidade psíquica e equilibra os pensamentos, permitindo avaliações mentais de circunstâncias, eventos e até julgamentos, levando a uma compreensão maior da vida e do mundo. É considerado calmante emocional, amenizando as perturbações psíquicas e ajudando a remover os medos. O termo verde simboliza vida nova, energia, fertilidade e crescimento, jovem e inexperiente. O verde alivia as tensões, porém o excesso pode manter o indivíduo num estado de indecisão, pois seu estímulo é psíquico, o que aumenta o raciocínio amplo dificultando a tomada de decisões.

1.3 – Azul

No dicionário seu significado aparece como: (substantivo masculino). 1 A cor do céu em dia claro sem nuvens. 2 Que é dessa cor (camisa azul). Com base nos estudos de Valcapelli, o azul simboliza fé, (não a religiosa, mas sim, a fé em nós mesmos), aspiração, sinceridade, lealdade, confiança e tranqüilidade. “True blue” em inglês, significa leal. Significa também sentimento triste, repouso, frescor, espaço, elegância, céu, paz e meditação. Esta cor permite a compreensão exata das coisas, proporcionando uma atmosfera de verdade absoluta O azul produz uma sensação de calma que relaxa o corpo e a mente, desperta a nossa essência, criando paz interior e nos permite entrar em contato com o mais profundo do nosso íntimo. É uma cor que ajuda na verbalização, facilitando toda a exteriorização que materializa o que está dentro de nós e que apenas nós conhecemos e sabemos. Permite a troca.

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1.3.1 – Aspectos psicológicos do azul

Psicologicamente, o azul traz quietude e paz à mente. Remova as idéias obsessivas e padrões comportamentais, reduzindo as tensões. O azul é associado ao gosto doce, idéia de amizade, amor, felicidade, higiene e harmonia. É a cor que representa espiritualidade, tanto que os povos antigos afirmam que tem a capacidade de aliviar a dor porque eleva o ser, fazendo com que ele não perceba a dor física. Valcapelli diz ainda, que estarmos envolvidos com o azul nos dá um sentimento de proteção e perfeição. O excesso desta cor pode levar ao cansaço, tristeza, ou, até mesmo, a depressão.

1.4 – Preto/Negro

No dicionário encontramos: • Preto: 1 Que é da cor do carvão: Ele tem cabelo preto. 2 Sujo, emporcalhado: As crianças voltaram da brincadeira com a roupa preta. 3 Diz-se de café sem leite. 4 Brasil Gíria Difícil, complicado: a situação lá anda preta. 5 Pej. Diz-se da pessoa de pele escura. 6 Esclarecer algo completamente, ser explícito-.”pôr o preto no branco”. • Negro: (substantivo masculino). 1 A cor do carvão, do piche. 2 Pessoa de cor negra. 3 Que é dessa cor (cabelos negros). 4 Diz- se de quem tem a pele negra. 5 Que é sombrio, lúgubre. Nos estudos de Valcapelli encontramos o preto associado ao branco, por serem considerados juntos o equilíbrio da vida, onde o preto representa escuridão morte e destruição e o branco a luz, vida e construção. O preto é considerado uma cor de energia silenciosa. Seu efeito é repulsivo, podendo causar medos. Representa uma imagem espiritual de vazio, opressão e morte. O uso do preto nos funerais e no luto representa um período de depressão ou introspecção causado pela perda de uma pessoa querida. 15

Para os povos que aceitam a morte como o início de uma vida eterna, o branco é a cor escolhida nos funerais. Com base nos estudos de Valcapelli, a cor preta simboliza o mal, o medo, a destruição, a superstição, a magia negra, o desespero e a depressão.

1.4.1 – Aspectos psicológicos do Preto

O preto parece indicar revolta do indivíduo contra o destino. Ao optarmos pela roupa preta, demonstramos o desejo de mantermo-nos misteriosos, representa o desejo em nos esconder. Convém observar que o preto tende a esconder os traços mais atraentes do rosto, faz o sorriso parecer desanimado e os olhos sem brilho e vitalidade.

1.5 – Branco

No dicionário: (substantivo masculino). 1 a cor do leite, da neve etc. 2 Que é dessa cor (flores brancas). 3 Fig. Sem cor (diz-se do rosto de alguém); pálido: Ela ficou branca de susto. 4 Diz-se do que tem a cor mais clara do que os demais do mesmo tipo (farinha branca, vinho branco).5 Que ou quem tem a pele clara (homem branco). 6 Dar um branco (em alguém) Pop. Esquecer algo ou ficar momentaneamente sem orientação ou sem clareza de raciocínio. Em branco, não escrito, não preenchido. A cor branca é a mais pura de todas, assim que representa à pureza. É a cor mais protetora, contribui à paz e ao conforto, alivia a sensação de desespero e de choque emocional, ajuda a limpar e aclarar as emoções, os pensamentos e o espírito. Se você precisa de tempo e espaço em sua vida porque se sente pressionado, o branco é a cor que pode dar a sensação de liberdade para esquecer-se das opressões. Demasiado branco, quando não é necessário, pode dar a sensação de solidão e frio, porque o alvo nos separa das outras pessoas. 16

Palavras chaves da cor branca: luz, bondade, inocência, pureza, virgindade, otimismo, perfeição, isolamento, frio.

1.6 – Laranja

No dicionário: (substantivo feminino). 1 fruta arredondada, cuja polpa se divide em gomos e contem muito sumo. 2 A cor da laranja quando madura. 3 Que é dessa cor ( casacos laranja). 4 Bras. Pop. Pessoa que intermedeia transações financeiras fraudulentas usando o próprio nome para ocultar a identidade de quem a contrata.- “Usava o primo como laranja”. A cor laranja simboliza encorajamento, estimulação, robustez, atração, gentileza, cordialidade, tolerância e prosperidade. É a cor do fogo e do pôr-do- sol), simboliza o instinto maternal, relaciona-se à força, luminosidade, euforia, energia, tentação, prazer e senso de humor. A cor laranja, segundo Valcapelli, é aquela que desperta coragem suficiente para vencer as dificuldades e superar os obstáculos. É a cor capaz de tornar as mudanças de personalidade possíveis, a fim de observarmos o quanto é prejudicial mantermos atitudes e comportamentos pré-estabelecidos e arraigados na nossa personalidade.

1.6.1 – Aspectos psicológicos do Laranja

É a cor das idéias inovadoras, ajuda na depressão e tristeza, trazendo leveza e calma para dispersar os pensamentos sombrios e as preocupações, mantendo a serenidade psíquica. Excelente para remover as inibições, repressões e condicionamentos do passado. Amplia os limites mentais aumentando a compreensão e a tolerância. Esta cor inspira confiança. A cor laranja elimina tristeza, frustrações e medo, é anti-depressiva, e proporciona uma espécie de abertura para o sentimento.

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1.7 – Amarelo

No dicionário: (substantivo masculino). 1 A cor do ouro, da gema do ovo. 2 Que é dessa cor (bolsas amarelas). 3 Que perdeu a cor; pálido. 4 Diz-se do sorriso constrangido. O amarelo simboliza a cor da luz irradiante em todas as direções. Pra muitos povos antigos, representava o princípio animador da vida; para os chineses simbolizava a nobreza, Simboliza ainda, a criatividade as idéias, o conhecimento, um artista nato, contentamento, júbilo, alegria, adolescência, juventude e alimentação. Associa-se também à luz do sol e ao ouro. De acordo com Valcapelli, o amarelo está associado à mente, ou seja, à potência intelectual do indivíduo. O amarelo é a cor da lógica e da razão, fazendo racionalizar as circunstâncias. Desperta a capacidade de concentração, que é de vital importância para desempenharmos funções que exijam criatividade e vivacidade psíquica. Algumas abordagens literárias consideram o amarelo como sendo a cor da alta espiritualidade, pois contém profunda sabedoria, esclarecimento, discernimento e afasta o medo e as incertezas.

1.7.1 – Aspectos psicológicos do amarelo

O amarelo emocionalmente representa esperança, idealismo, espontaneidade, originalidade e expectativa. Estimula a paciência sem anular a persistência. Apesar do estímulo psíquico, pode afastar o indivíduo da ação, separando-o da realidade e não permitindo que ele esteja com os pés no chão.

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1.8 – Violeta

No dicionário: (substantivo feminino). 1 Botânica. Planta herbácea ornamental que dá flores. 2 A flor desta planta. 3 A cor presente nesta planta; roxo. 4 Que é dessa cor (camisa violeta). Esta cor simboliza dignidade, devoção, piedade, sinceridade, festividade, espiritualidade, nobreza, esplendor, etc. Com base no estudo de Valcapelli, violeta é considerada a cor da dignidade e da divindade. Eleva a auto-avaliação e a auto-estima. Esta cor é harmonizadora, vivificante e permite um perfeito sincronismo dos ritmos corporais, sendo conhecido como ”raio do poder”.

1.8.1 – Aspectos psicológicos do violeta

A cor violeta proporciona equilíbrio da mente, reverência, silêncio e paz interior, tendo um maravilhoso efeito curativo sobre todos os tipos de neurose ou quaisquer manifestações neuróticas. Acalma os extremos da insanidade mental violenta. Esta cor purifica e limpa as impurezas de nossas emoções, tais como ciúme, angústia, sentimento de ódio, medo sem causa, etc. É uma cor de ideais elevados, sensibilidade, inspiração e intuição.

1.9 – Outras cores

1.9.1 – Índigo

Resultado da mistura do azul com uma pequena quantidade de vermelho. A combinação que surge é um azul muito escuro, chamado azul da meia-noite. Esta cor simboliza idealismo, sinceridade, dignidade, graça, solenidade, noite, etc. Ajuda a expandir a mente, liberando-a dos medos e inibições 19

Relaxante e liberador, limpa e clareia as correntes psíquicas do corpo físico. Possui poderoso efeito nas complicações mentais graves, como obsessão e outras formas de psicose.

1.9.2 – Magenta

É a combinação do vermelho e violeta. Simboliza suntuosidade, festividade e realeza. Estimula a determinação quanto às coisas relacionadas ao espírito. Tem propriedade de realçar o efeito do violeta e pode causar desejo de fugir das situações oriundas da vida da matéria, podendo até induzir ao suicídio dependendo do grau de desequilíbrio em que a pessoa se encontra.

1.9.3 – Púrpura

É a combinação do vermelho com o azul Simboliza a cor da ira, da divindade, dignidade, realeza e majestade (púrpura real). Pode ser utilizado em pessoas que necessitem de animação, sem mesclar com irritação.

1.9.4 – Escarlate

Caracteriza-se por ser um vermelho muito forte. Desperta o desejo sexual, sendo útil nos casos de impotência e frigidez.

1.9.5 – Marrom

O marrom é a cor da integração e do oferecimento. Indica compromisso e praticidade. Transmite calma e ponderação; ajuda a refrear extravagâncias. 20

Esta é a cor da terra, associa-se às coisas sólidas, seguras e permanentes; sugere confiança e muita segurança. É uma cor agradável e também indica planejamentos em longo prazo.

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CAPÍTULO II FACCÕES, CORES E CRIMES

Neste capítulo, iremos abordar o histórico do surgimento destas hoje conhecidas facções criminosas. O Estado diz não reconhecer este poder paralelo vigente, porém especialistas da área de segurança pública são categóricos ao afirmarem a existência desse poder. Talvez como forma de estabelecer uma identidade própria, as organizações criminosas do Rio de Janeiro, adotaram as cores como objeto de fortalecimento, reafirmação e legitimação.

2.1 – Falange Vermelha/ Comando Vermelho

O berço das principais facções criminosas do Brasil são os presídios. Aqui, como em outros países, o melhor lugar para o crime se organizar ou aumentar seu poder é atrás das grades. É angustiante que isso apareça exatamente entre os bandidos que estão sob a tutela do Estado", diz Norman Gall, do Instituto Fernand Braudel, uma ONG de pesquisas econômicas e sociais. A primeira facção a sair dos presídios brasileiros foi a Falange Vermelha, atual Comando Vermelho (CV), ainda na década de 1970. Posteriormente, ela teria dado origem a todas as demais grandes facções cariocas. Acredita-se que seus primeiros líderes tenham convivido com grupos guerrilheiros de esquerda no presídio Cândido Mendes, em Ilha Grande, Rio de Janeiro, e se inspirado neles para criar sua organização, daí o uso do "vermelho" no nome. No presídio Cândido Mendes ficavam confinados presos comuns, que com a chegada de presos políticos, começaram a ter contato com as estruturas organizacionais de grupos guerrilheiros que combatiam a ditadura. Essa organização, a princípio, se dá de forma a garantir seus direitos e frear as atrocidades cometidas dentro do sistema carcerário, o que acontece com sucesso, pois organizados os presos descobrem que podem reivindicar 22

seus direitos com muito mais resultados. Não demorando muito tempo e a Falange Vermelha domina o presídio. Em seguida descobrem que esta estrutura poderia também facilitar suas atividades, que nesta época ainda não se tratava do tráfico de drogas e sim, tão somente de assaltos especialmente a bancos. Eram apenas quadrilhas de ladrões Uma das primeiras medidas do Comando Vermelho foi a instituição do “caixa comum” da organização, alimentado pelos proventos arrecadados pelas atividades criminosas daqueles que estavam em liberdade, o dízimo. O dinheiro assim arrecadado serviria não só para financiar novas tentativas de fuga, mas igualmente para amenizar as duras condições de vida dos presos, reforçando a autoridade e respeito do Comando Vermelho no seio da massa carcerária. No início dos anos 80, os primeiros presos foragidos da Ilha Grande começaram a pôr em prática todos os ensinamentos que haviam adquirido ao longo dos anos de convivência com os presos políticos, organizando e praticando numerosos assaltos a instituições bancárias, algumas empresas e joalherias. Nos dois primeiros anos dessa década, os membros do Comando Vermelho mostraram ao poder público carioca que um novo tipo de criminoso havia surgido: organizado, criterioso, bem equipado, atacando com planejamento, cuidado e, sobretudo, eficaz nas suas operações. De acordo com a pesquisa feita pelo jornalista Caco Barcellos, em seu livro “Abusado- O dono do morro Dona Marta”, a primeira comissão fundadora do Comando Vermelho, então apenas intitulada Falange Vermelha foi formadata por Willian da Silva Lima (o Professor), Rogério Lemgruber (o Bagulhão) e por Paulo César Chaves (o PC) e foi composta por pelo menos quinze integrantes, criminosos com extensos antecedentes criminais, outros por sua relevância ou periculosidade. Eram eles: • William da Silva Lima, o Professor • José Carlos dos Reis Encina, o Escadinha • Rogério Lemgruber, o Bagulhão • Carlos Alberto Mesquita • Paulo Nunes Filho, o Careca • Paulo Cesar Chaves, o PC Branco 23

• José Jorge Saldanha, o Zé do Bigode • Eucanan de Azevedo, o Cana • Orlando Conceição, o Orlando Jogador • Paulo David, o Padre • Apolinário de Souza, o Nanai. • Adevani Fumero, o Arara. • Luiz Orlando Gomes, o Cara de Rato • Silvio Maldição • Francisco Viriato de Oliveira, o Japonês Entre os integrantes da facção que se tornaram notórios depois de suas prisões, estão Fernandinho Beira-Mar, Marcinho VP, Mineiro da Cidade Alta e . José Carlos dos Reis Encina, o “Escadinha”, se tornou famoso por, em 1986, protagonizar uma fuga espetacular de helicóptero da Ilha Grande, José Jorge Saldanha, o “Zé do Bigode”, também ganhou fama ao enfrentar sozinho um cerco de mais de 400 policiais. Resistiu durante onze horas, até ser morto. Especializado em roubar bancos,. Morava justamente no Conjunto Habitacional dos Bancários, onde obtinha informações e planejava seus crimes. Esse episódio ficou muito conhecido por ter sido transmitido pela TV aberta e por mostrar até onde os ideais revolucionários podiam levar um indivíduo. Dos fundadores Willians da Silva Lima, o Professor,é o único vivo com 60 anos de idade e ainda preso. Com a chegada das drogas, tornou-se um grupo voltado para o tráfico. A primeira conseqüência foi exacerbar dois componentes que já existiam no bicho: o terror aplicado àqueles que se voltassem contra a facção e o assistencialismo à comunidade. Houve até uma época em que o Comando Vermelho especializou-se em uma tática Robin Hood: assaltar caminhões com mercadorias e distribuir para os moradores das . Com o lema: “PAZ, JUSTIÇA E LIBERDADE” esses mais novos “quadrilheiros organizados” dão o ponta- pé inicial para a formatação do atual crime organizado no país. Esse lema é hoje utilizado pelo PCC (primeiro comando da capital), facção criminosa do Estado de São Paulo, sendo considerado o maior desafio das autoridades de segurança daquele estado, por sua impressionante 24

capacidade de articulação entre seus componentes estejam eles presos ou não.

2.1.1 – Comando Vermelho- Vermelho

O Comando Vermelho controla cerca de 70% das favelas cariocas, entre elas a do Complexo do Alemão e a de Vigário Geral. Entre seus principais líderes estão Fernandinho Beira-Mar e Elias Maluco, ambos presos. Como vimos anteriormente, o uso da cor vermelha por esta facção, provavelmente tenha se dado por influência comunista dentro do presídio da Ilha Grande. Verdade ou não, o fato é que a cor vermelha e a sigla C.V. compõem inquestionavelmente, a personalidade de um grupo. Ao andarmos pelas ruas do Rio de Janeiro, podemos observar o quanto são visíveis estes símbolos e o quanto se fazem presentes no nosso dia-a-dia. É, sem dúvida, de todas as facções, a mais arraigada nos nossos subconscientes, tanto no que tange a cor, quanto à sigla utilizada. A partir desta simbologia, várias são as restrições impostas pelo poder do tráfico nas comunidades que dominam. Entre tais restrições é comum observarmos a proibição do uso de roupas de determinada cor por representar facção inimiga. Como exemplo, podemos citar um artigo publicado no site ISTO É Online, sob o título “Guerra Particular”: Três jovens moradores de comunidades carentes falam sobre alguns “signos” que identificam o morador de uma ou outra comunidade. Outros lugares também guardam suas peculiaridades, contudo, os três se referem a determinados “códigos” criados em função das rivalidades entre as facções. Segundo eles, se em certos pontos se perguntam onde você mora e você não sabe a facção que comanda aquela área, você fica até indeciso na hora de responder. Fala que mora em uma área neutra. O jeito de falar e a cor da roupa (em especial, a vermelha) podem denunciar a origem da pessoa e ser motivo de retaliação. Uma simples blusa vermelha pode ser interpretada como uma afronta em áreas onde atuam facções rivais ao Comando Vermelho. 25

Toque de recolher – Durante vários dias, a comunidade viveu momentos de terror. Os bandidos proibiram o uso de roupas vermelhas (para evitar qualquer associação com o Comando Vermelho, facção de VP) e implantaram o toque de recolher: todos tinham de estar em casa antes das dez da noite. “Quem conhecia Marcinho VP saiu do morro”, conta um morador protegido pelo anonimato...”(ISTO É.online). Este artigo mostra-nos com clareza o poder do tráfico no Rio de Janeiro. O ”poder paralelo” dita a moda nas comunidades carentes. O comando Vermelho enaltece a cor vermelha, fazendo do seu uso uma forma de expressão de conivência e concordância com suas práticas. Nestes casos a cor funciona como forma de afirmação de uma identidade. Através destes símbolos, jovens traficantes conseguem, mesmo que negativamente, um reconhecimento que a sociedade não os atribui. O uso de armas, de drogas, da cor vermelha, os insere num contexto onde experimentam o “respeito” dos moradores da comunidade e prestígio neste complexo meio do tráfico de drogas.

2.2 – Terceiro Comando

A facção criminosa Terceiro Comando (TC) tem sua origem questionada. Há quem diga que ela foi formado ainda nos presídios fluminense por um grupo auto-denominado Falange Jacaré, que era rival da Falange Vermelha, posteriormente Comando Vermelho (CV). Outros falam que o antigo TC surgiu no final dos anos 80 e no início dos anos 90 como uma dissidência do CV e teve como principais fundadores os traficantes José Roberto da Silva Filho, o Robertinho de Lucas, Milton da Costa, o Miltinho do Dendê e Darcy da Silva Filho, o Cy de Acari. O fato é que integrantes do TC ascenderam em uma época de crise do Comando Vermelho, que passou a ser comandado por traficantes muito jovens, como Márcio dos Santos Nepomuceno, o Marcinho VP, cuja principal característica era a violência e o consumo de drogas. VP, inclusive, criou uma ala jovem da facção que passou a se rebelar contra os antigos chefes. Na 26

contramão disso, o TC tinha membros com visão empresarial do tráfico e interessados somente no lucro. Em meio a tudo isso, um traficante expulso do CV, Ernaldo Pinto de Medeiros, o Uê, funda na cadeia, com o crivo de ninguém menos do que José Carlos dos Reis Encina, o Escadinha, um dos antigos 'reis' do CV, uma outra facção, a Amigos dos Amigos (ADA) juntamente com o amigo Celso Luiz Rodrigues, o Celsinho da Vila Vintém. Assim como os integrantes do TC, Uê também tinha uma visão empresarial do tráfico e, na época que foi preso, em 1996, já havia montado uma estrutura de distribuição de drogas com contatos nas fontes produtoras do Paraguai, Bolívia e Colômbia. O golpe de mestre foi dado no início deste século quando TC e ADA resolveram unir forças. Cada facção tinha seus próprios redutos, não se atacavam e ainda se uniam para invadir áreas dominadas pelo CV. Em 2002, porém, as relações azedaram após Fernandinho Beira-Mar ter comandado uma matança dentro de Bangu 1 em que morreram Uê e outros dois comparsas. Suspeita-se que, na época, o líder do TC, Paulo César Silva dos Santos, o Linho, que administrava as bocas de Uê, teria armado um plano para matá-lo juntamente com Celsinho da Vila Vintém e este último falado para Beira-Mar que o próprio Uê queria matá-lo. Acreditando na história, Beira-Mar, se antecipou. O fato é que o TC rachou. Traficantes de Acari, Parada de Lucas, Dendê e das favelas de Senador Camará romperam com a ADA e criaram o (TCP), que se tornou inimigo mortal dos antigos aliados. Róbson André da Silva, o Robinho Pinga, passou a ser o principal líder da nova facção. Linho ficou com a ADA juntamente com Irapuan David Lopes, o Gangan, o poderoso do Complexo de São Carlos.

2.2.1– Terceiro Comando Puro

Dissidência surgida, no ano de 2003, a partir da união entre TC (Terceiro Comando) e a ADA (Amigos dos Amigos). Domina pontos de venda nas zonas Oeste e Norte e tem pouca expressão no centro e na Zona Sul da cidade. 27

Principais líderes: Robinho Pinga, Facão Principais redutos: Acari, Dendê,Casa branca,Parada de lucas

2.2.2– Terceiro Comando/ Terceiro Comando Puro- Verde

O Doutor em antropologia, professor da Universidade Federal Fluminense, Marcos Alvito, em seu livro “As cores de Acari”, conta que em uma operação comandada pela associação de moradores em parceria com os comerciantes, a teve suas fachadas pintadas de verde Ele também faz referência a uma operação semelhante em Parada de Lucas, cujas casas tiveram as fachadas igualmente pintadas de verde. A princípio não conseguimos, talvez por ingenuidade, vislumbrar qualquer relação do tráfico de drogas dessas comunidades, gerenciadas pelo Terceiro Comando (Puro), com essa preferência dos moradores e comerciantes pelo uso da cor verde, porém, nas pesquisas realizadas, Marcos Alvito registrou a determinação do traficante Robertinho de Lucas para que pintassem as fachadas da favela com o intuito de dificultar a ação dos informantes da polícia. Como as casas de uma favela são muito parecidas, uma das poucas formas de diferenciá-las é pela cor de suas fachadas. Com a atitude deste traficante, a cor verde torna-se a cor que identifica o Terceiro Comando (Puro)

2.3– Amigos dos Amigos

Amigos dos Amigos é um grupo surgido de uma divisão do CV (Comando Vermelho) e do TC (Terceiro Comando). Assim como o TC em seu início, passou a dominar os pontos de venda de drogas a partir das zonas Oeste e Norte. Ganhou cobertura midiática a partir da união com o TC (2002). Atualmente, atua sem se aliar a nenhum outro grupo. Tem como principais líderes: Celsinho da Vintém, Sassá, Aritana, seus locais de atuação, redutos: Rocinha, Vila dos Pinheiros, Morro dos Macacos, São Carlos. 28

2.3.1– Amigos dos Amigos -Verde

Historicamente a parte de cima do Complexo do São Carlos era controlada pelo Terceiro Comando. Quando Gangan migrou para o ADA, devido aos problemas com Adilson Balbino, seu sogro e um dos nomes históricos do Terceiro Comando, as duas facções haviam feito uma aliança para combater o Comando Vermelho, o inimigo comum. Por isso, é possível que a facção ADA tenha herdado não apenas os morros do Terceiro Comando, mas também a sua cor.

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CAPÍTULO III POLÍCIA E CORES

O professor da Universidade Federal Fluminense- UFF, doutor em antropologia Marcos Alvito, em seu livro “As cores de Acari”, consegue delinear de forma brilhante a necessidade do uso de cores e símbolos para a formação de personalidades e identidades. A partir desta abordagem, iremos mostrar essa importância, também, do ponto de vista da polícia carioca.

3.1 – Comando Azul

“Prezados azuis, Com todo respeito, perguntamos a vocês se tem condições de deixarem rolar o tráfico na moral, e nós humildemente de acordo com a venda enviaremos uma quantia em verba. Mas com a condição de que vocês terão que deixar o morro tranqüilo nos plantões de dia. Conforme for levantado a venda, com o passar do tempo vocês receberão uma quantia maior todos os plantões à noite. Agora é só cria. Agora é só paz.” Ora, segundo Marcos Alvito, se o Terceiro Comando tem a cor verde, e o comando rival leva vermelho no nome, por que não ver os policiais militares como azuis (a cor da farda)? Os traficantes do Chapéu Mangueira na zona sul do Rio de Janeiro, observaram bem esta estrutura “colorida” ao enviarem o bilhete acima ao 19º Batalhão de Polícia Militar. Na lógica da guerra entre facções, muitas vezes a polícia, sobretudo a Polícia Militar, é vista como uma terceira força, tendo também seu nome abreviado como as facções criminosas CV (Comando Vermelho), TC (Terceiro Comando), ADA (Amigos dos Amigos) e ainda PM (Polícia Militar). Guardadas as devidas proporções, podemos dizer que as facções e seus símbolos CV, TC, ADA, etc., são reforçados como vínculos identificadores, situação já presente na oposição entre elas, mas que é 30

enormemente ampliada e legitimada pela vinculação proporcionada pelos meios de comunicação. O outro lado da moeda não é menos assustador, pois mesmo grupos “formalmente organizados”, como podemos considerar a Polícia Militar do Rio de Janeiro, precisam de padrões simbólicos para legitimar suas ações. Assim os azuis, também se espelham nas outras facções “informais”, passando a se considerarem um comando cuja meta principal é dar cabo do inimigo. É essa equivalência assumida pelo aparelho policial, que permite falar- se em azuis, verdes vermelhos, etc. Pode parecer surpreendente, mas a própria Polícia Militar se vê como uma espécie de facção e costuma dialogar com seus rivais de várias maneiras. Se o território é todo demarcado com sinais de determinada facção (CV, TC, ADA...), a Polícia Militar ao “ocupar” esse território, não se furta a inserir inscrições agressivas. Essa lógica chegou ao asfalto, onde a PM demarca seu território com placas bem-educadas: “Seja bem vindo, você está entrando numa área sob a jurisdição do 6º Batalhão de Polícia Militar.” Os vermelhos (Comando Vermelho), também já praticam esta delimitação. Em uma boca-de-fumo encontrada na garagem de um edifício no Centro da cidade, ostentava o lema do CV “Paz, justiça e liberdade”. Em Acari o Prof. Marcos Alvito, observou que as principais entradas da comunidade estavam todas marcadas com as iniciais do TC (Terceiro Comando). Pois bem, o 9º Batalhão da Polícia Militar, após a ocupação de Acari e Vigário Geral, também demarcou o território. Poderiam ser observadas iniciais da “PM” exatamente na esquina de uma rua que dava acesso a uma das bocas de fumo mais importantes. Em Vigário Geral os primeiros invasores foram da Polícia Civil, também chamados de “pretos” (pela blusa preta que usam) que pintaram 65ª DP (Delegacia de Polícia) acima de algumas inscrições do CV (Comando Vermelho), que ficavam próximas à principal boca de fumo, acrescentando a uma delas “iado” (ficou “CViado”). No local onde funcionava a boca, inscreveram: “fim do tráfico, “paz” [assim mesmo entre aspas] para a comunidade”. Posteriormente, na mesma favela, os policiais militares pintaram: “9º BPM” e foram menos sutis que seus colegas da Civil, acrescentando à inscrição “CV: tudo viado”. Essa prática de pintar inscrições corresponde à colocação da bandeira após a tomada do 31

território inimigo, configurando um desafio que põe em xeque a honra do grupo rival. Azuis, verdes, vermelhos, pretos....tentar desnudar a lógica e a construção de um imaginário da guerra entre facções, nos leva à certeza do espelhamento que há entre policiais e traficantes.

3.2 – BOPE (Batalhão de Operações Especiais)

O Batalhão de Operações Especiais (BOPE) é uma força de operações especiais da Polícia Militar do Rio de Janeiro. É uma unidade especializada em patrulhas, progressões e combates em ambientes confinados e restritos. É considerada uma das mais eficientes tropas de combate urbano do mundo. Atua em operações de risco extremo, seja em patrulhamento em locais de alto risco, combates em locais de difícil acesso, operações em montanha, ocorrências com reféns localizados, ocorrências envolvendo explosivos, incursões em favelas e situações de confronto com traficantes de drogas. O BOPE foi criado em 19 de janeiro de 1978, como Núcleo da Companhia de Operações Especiais (NuCOE), através de um projeto elaborado e apresentado à época, pelo então Capitão PM Paulo Cesar Amendola de Souza ao Comandante-Geral da PMERJ, Coronel do EB Mário José Sotero de Menezes. Em 1982 foi elevado à categoria de Companhia de Operações Especiais (COE). Mudando pouco depois de denominação em 1984, para Núcleo da Companhia Independente de Operações Especiais (NuCIOE). Em 1988 ganhou autonomia administrativa, para Companhia Independente de Operações Especiais (CIOE). Em 1991 foi transformado em Batalhão, mantendo-se ainda aquartelado no Regimento Marecha Caetano de Farias, sede do Batalhão de Polícia de Choque, entre outras unidades policiais. No ano de 2000 ganhou instalações próprias, localizadas no Morro do Pereirão, no bairro de Laranjeiras, na zonz sul da capital fluminense .

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3.2.1 – O BOPE e sua cor

O cinema consagrou o uniforme preto usado por seus integrantes no filme “Tropa de Elite”. “Homem de preto, qual é sua missão? Entrar pela favela e deixar corpo no chão.” Tendo esse como um dos principais gritos de guerra, mostrado pelo filme, o uso da farda preta do BOPE virou febre entre os jovens de todo país. O integrante do BOPE ganha o direito de usar a farda e boina pretas, motivo de orgulho, após o término de um rigorosíssimo curso de treinamento, do qual poucos conseguem chegar ao fim. No BOPE, outro símbolo de identidade é o emblema da faca na caveira. Pode parecer infantil e estranho um grupo criado para assegurar a paz ter uma caveira como símbolo. Mas ela faz todo sentido para eles. Significa a ação vitoriosa e rápida (da faca) sobre a morte (a caveira). Em uma visão crítica vista de um diferente ângulo, podemos abordar, ainda, as cores da tropa. Como bem definiu o Deputado Estadual Marcelo Freixo numa palestra durante um encontro realizado na Escola de Magistratura do Rio de Janeiro (EMERJ), cujo tema foi “A Política da “in” segurança pública. Extermínio. Direito à vida. O Poder Judiciário e a violência estatal”, o BOPE é composto por “homens de preto, matando pretos, quase todos pretos.” A guerra BOPE x traficantes nada mais é do que um dos mais nítidos reflexos de nossa luta de classes velada reflete este desdobrado em um nível de conflito e violência mais do que suficiente para desmentir qualquer idéia de paz no cotidiano brasileiro, para além daquele idealizado na imagem da “cidade maravilhosa. As duas faces desta mesma moeda de nossa luta cotidiana, que nesta guerra é maximizada, mas que ocorre invisivelmente em nossa distinção de classe, onde o mérito atribui espontaneamente privilégios para um lado e sacrifícios para o outro, podem ser vistas da seguinte maneira. Por um lado, o título “Tropa de Elite” parece exprimir um significado ambíguo, referindo-se a algo mais do que apenas uma tropa de alto nível de treinamento, e a “elite” 33

aqui pode ser as classes e segmentos de classe cujos sentimentos ele mais representa. Por outro, sua formação também é ambígua, e aqui se reflete mais uma vez o paradoxo de nossa desigualdade: os homens que compõem o BOPE são originados em sua maioria das classes baixas, ao mesmo tempo em que a corporação representa especialmente sentimentos de classes médias e dominantes, ou seja, do bem. Deste modo, a realidade do BOPE é uma só, nua e crua: é ralé matando ralé. O significado dessa matança, justificada como uma guerra do bem contra o mal, deriva de um sistema impessoal de naturalização da desigualdade que deixa bem claro quem deve ser preservado e quem pode morrer na guerra. Trata-se de uma guerra impessoal entre classes que, como diria Foucault, tem como objetivo “fazer viver” e “deixar morrer”.

3.3 – Milícias

Milícia é a designação genérica das organizações militares ou paramilitares compostas por indivíduos, armados ou com poder de polícia que teoricamente não integram as forças armadas de um Estado/ país. As milícias podem ser organizações oficiais mantidas parcialmente com recursos do Estado e em parceria com organizações de carácter privado, muitas vezes de legalidade duvidosa. Podem ter objetivos públicos de defesa nacional ou de segurança interna, ou podem atuar na defesa de interesses particulares, com objetivos políticos e monetários. Recentemente, no Rio de Janeiro, o termo milícia foi associado a práticas ilegais. Geralmente são grupos formados em comunidades urbanas de baixa renda como conjuntos habitacionais e favelas sob a alegação de combater o crime de narcotráfico, porém mantendo-se com os recursos financeiros proveniente da venda de proteção (ilusória) da população carente e cobrança de agio no fornecimento de serviços como a venda de gás de cozinha e tv à cabo, de modo que a venda de proteção, mesmo que aparente, tornou-se uma nova atividade entre os cariocas. 34

São, ainda, consideradas milícias todas as organizações da administração pública tercerizada e que possuam estatuto militar, não pertençam às Forças Armadas de um país, isto é, ao Exército, Marinha ou à Aeronáutica As "milícias", nome que a imprensa fez circular por toda a cidade a partir de 2006, é anterior ao atual fenômeno. Em pequenas favelas e conjuntos habitacionais onde há entre os moradores policiais militares, bombeiros e/ou agentes penitenciários que conseguiram organizar-se seja para impedir a entrada do tráfico, seja para expulsar ou matar assaltantes e outros jovens que ali pudessem ser identificados como criminosos. Na favela de Rio das Pedras, por exemplo, o tráfico jamais conseguiu organizar-se, mesmo numa área com milhares de habitações. Sabia-se que policiais ofereciam e cobravam por "proteção" aos moradores e comerciantes há muitos anos. Na Zona Oeste e em parte da Zona da Leopoldina, em vários pequenos conjuntos habitacionais, sucedia o mesmo, mas nem sempre com policiais moradores do local. O fenômeno das "milícias" ganhou maior visibilidade com as invasões organizadas de favelas e conjuntos habitacionais a partir de 2006 por grupos de trinta a quarenta policiais militares. Após afastarem os traficantes da área, instalavam ali de quatro a oito policiais, que passavam a exigir uma "contribuição" dos moradores para a manutenção da "ordem" (segundo as leis deles). Assumiram, em seguida, algumas das atividades ilegais – como o cabeamento clandestino de TV por assinatura e a comercialização de bujões de gás. A estratégia das "milícias" é nitidamente inspirada nas táticas da máfia – reunião de mafiosos de várias áreas para invadir uma área; depois, a fixação de um pequeno grupo, bem armado, mantendo o controle do "território", sobre o qual exercem domínio e exploram atividades rentáveis. Não se devem confundir, entretanto, essas atividades de "proteção" com as de "vigilância privada", geralmente acionadas pelos próprios moradores junto a empresas licenciadas pela polícia. No caso das milícias, há inúmeros relatos de violência em relação a moradores que não concordaram em "contribuir" com os policiais para receberem "proteção”. 35

3.3.1– Milícias, Facções e Cores

Assim como o tráfico, as milícias também possuem suas facções. A mais conhecida delas é a chamada "Liga de Justiça”, que tem como símbolo o escudo do Batman e o uso de roupas pretas. Pertenceriam a essa milícia, segundo investigações oficiais, os políticos Jerominho e Natalino. Havia poucos registros de guerras entre milícias, sendo o caso de maior repercussão até então o assassinato do chefe da milícia de Rio das Pedras, o inspetor Félix Tostes. Este caso foi apontado apenas como uma disputa interna de poder entre membros de uma das facções milicianas. Até que em janeiro de 2009 foi iniciada uma série de assassinatos entre líderes de facções distintas. Esta guerra entre facções havia sido anteriormente prevista em agosto de 2008 pela polícia, que teria descoberto um plano de milicianos da Liga da Justiça para matar seus rivais da milícia de Rio das Pedras. No dia 5 de janeiro, Carlos Alexandre Silva Cavalcante, o "Gaguinho", indiciado pela CPI das Milícias, foi morto a tiros, possivelmente por membros da Liga da Justiça, uma vez que, atuando como policial, participou da prisão de Natalino. Horas depois, Alexandre Silva Cavalcanti, apontado como membro da Liga da Justiça, também foi morto a tiros.

3.3.2– Milícias e a Política

Diversos políticos do Rio de Janeiro são notórios milicianos, embora nenhum deles tenha ainda sido julgado e condenado. Dois vereadores cariocas chegaram a ser presos em 2007 e 2008 por ligações com os grupos paramilitares: Nadinho de Rio das Pedras e Jerominho. Além disso, o irmão de Jerominho, o deputado estadual Ntalino, também acusado de integrar uma milícia, foi preso em flagrante após trocar tiros com policiais em sua casa, na Zona Oeste do Rio. Sua prisão foi mantida pela Assembléia Legislativa do Rio de Janeiro. O parlamentar renunciou no fim 36

do ano de 2008 para escapar de um processo de cassação que levaria à perda de seus direitos políticos. Em 2008, foi instalada a CPI das Milícias na Assembleia Legislativa fluminense, presidida pelo deputado estadual Marcelo Freixo Diversos políticos foram intimados a depor diante desta CPI, sendo acusados de envolvimento com milicianos, entre os quais os vereadores/candidatos a vereador Nadinho de Rio das Pedras, Cristiano Girão, Deco e Doen, além da deputada Marina Magessi e do deputado e ex-secretário de segurança Marcelo Itagiba. A filha de Jerominho,Carminha Jerominho, do PT do B, após ter sido presa e levada para um presído de segurança máxima, acabou libertada pela justiça e pôde assumir a vaga de vereadora. Carminha foi eleita com 22.049 votos, apesar da imprensa e as investigações acusaram ela ser umas das envolvidas.

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CAPÍTULO IV COR PADRÃO

A “cor padrão” já foi objeto de estudo em várias esferas sociais, não se trata de nenhuma novidade. Porém ainda é de causar espanto o fato de estarmos diante de uma realidade incontestável: o termo “cor padrão” existe sim, e o pior, sabemos exatamente do que se trata, sem , se quer, precisarmos falar (escrever) explicitamente de que cor estamos falando.

4.1 – “Cor Padrão”? Como assim?

Estudiosos dizem estar havendo o crime genocídio no Brasil, pois, as altas taxas de morte violenta dos negros demonstram claramente que este grupo racial está sendo dizimado com a conivência das autoridades brasileiras. Cerca de 75% das mortes violentas no Brasil, atingem os negros que estão na faixa dos 15 aos 24 anos e não se tem uma política para contenção deste extermínio. Pelo contrário. O governo federal pensa em aumentar mais ainda o sistema penitenciário brasileiro com criação de mais presídios para abrigar os jovens em conflito com a lei. Não se fala, por exemplo, numa política educacional, onde os jovens pobres possam ser alvos de medidas sócio-educativas de fato, e assim, possa evitar-se o caminho da marginalidade. Vejamos, então, os estereótipos que nos fazem alvos das políticas repressivas oficiais e não oficiais, e que está reduzindo substancialmente o número de jovens em nossa comunidade, e provocando desequilíbrio populacional, quer dizer, o número de mulheres jovens é muito alto na comunidade negra, e estas correm o risco de ficarem sem parceiros, pois o casamento com brancos, como prova alguns estudos, é muito mais difícil para as mulheres negras. A cor negra assusta? Em que medida? O fato é que, em qualquer sociedade ocidental, o negro é visto como um indivíduo perigoso, isto é, aquele, que pode provocar o mal. Ora, estas 38

apreciações são extremamente subjetivas, não há precisão, e elas acabam sendo incorporadas como elementos de condução de uma determinada verdade. Psicanalistas como Jung, já demonstraram como a cor negra provoca sentimentos subjetivos no outro. Além disso, ele remonta a outro continente, a outra terra, a outra cultura, a outra forma de viver, ou seja, ela, a cor, é antagônica por si só ao que nos é representado como "normalidade". Então, na verdade, tendo esta cor, já somos claramente um individuo "perigoso", sujeito ao controle social. Os próprios policiais incorporam esta visão européia e suas ações são medidas por esse modelo. Na PM do Rio, o suspeito é chamado de "elemento cor padrão". Sabem o que é "cor padrão"? Acham que a "cor padrão" foi racionalizada pelo policial da rua? Nunca. Ele recebeu instruções de superiores para relacionar a cor com a suspeição. Quer dizer, existe um sistema ideológico que idealiza, esclarece e fundamenta objetos a serem reprimidos, a partir dos das visões subjetivas de seus autores.

4.2 – “Cor Padrão” e a história

Os militantes de movimentos negros há décadas tem se angustiado com uma ação que historicamente atinge a sua comunidade: a repressão policial. Nestes 200 anos de Polícia Militar (a instituição surgiu em 1809 após um decreto do Príncipe Regente de Portugal Dom João VI que estava no Rio de Janeiro) é possível fazer alguns comentários críticos a respeito do papel da polícia frente à comunidade negra, a fim de que possamos ter uma melhor visão deste problema que, volta e meia, atinge dolorosamente os negros com menos poder para se proteger. Em primeiro lugar, temos que acentuar imediatamente a contradição. Em outras palavras: em geral, os quadros policiais foram recrutados na comunidade negra, quer dizer, são oriundos das camadas pobres da população brasileira e passam a exercer um trabalho super antipático: o do 39

controle/repressão aos indivíduos julgados "suspeitos", "perigosos" ou "tendentes ao crime". Em outras palavras: os repressores dos negros são negros. A tendência é nos perguntarmos por que o policial não tem consciência que ele está reprimindo sua comunidade em nome das elites racistas? Porque historicamente esta repressão se abate sobre eles e resvala nos integrantes de classe média? E ainda, porque não se repara esta injustiça onde o negro e o pobre sempre são vítimas do braço repressivo do estado, enquanto os demais cidadãos tendem a escapar do controle policial? Neste sentido, temos sempre conhecimento de casos onde pessoas de pele negra foram vítimas da repressão policial, sendo presas sem nenhum fundamento jurídico e encarceradas sem nenhuma defesa. Ao mesmo tempo, vemos os membros da elite que quando presos, ficam menos de trinta dias, beneficiados pelos mais diversos estatutos jurídicos. O historiador inglês Thomas H Holloway, diz que um dos fundamentos do acirrado controle social após a criação da Polícia Militar, a partir de 1809, foi que as elites portuguesas e brasileiras viam no homem sem posse e vadio como um risco para o equilíbrio dos acordos de classe no colonialismo. Ou seja, as elites migradas para o Brasil se depararam com uma população hostil e perigosa e com o espaço público da cidade ocupado por escravos africanos como nunca tinham visto em sua pátria. A Intendência Geral de Polícia foi uma das instituições trazidas de Lisboa, criada em 1762 como um das reformas do absolutismo esclarecido. O gabinete do Intendente no Rio de Janeiro, estabelecido em 1808 e complementado no ano seguinte com um corpo de polícia militarizada serviu de base às demais instituições policiais da cidade. O governo respondeu ao desafio de manter sob controle os habitantes do Rio de Janeiro com um aparato repressor que cresceu na mesma medida que o problema para cuja solução fora criado Ou seja, o absolutismo português já institucionalizara o negro como objeto de violência naquele momento histórico. Quer dizer, antes da viagem, já concebera montar no Brasil o aparelho policial Esta montagem se acelerou mais ainda ao ver o escravo em grande número nas ruas do Rio. Esta elite portuguesa supôs ainda ser difícil manter o controle sobre aquele indivíduo estrangeiro. Na verdade, era difícil mesmo 40

controlá-lo. Assim, nestes últimos duzentos anos, vemos como este estigma ideológico permanece nos dias atuais a partir de uma visão européia: os negros como potenciais criminosos e seres objetos de controles férreos. Acrescente-se a esta visão penal, o fato de o escravismo brasileiro ter confirmado as políticas penais voltadas para o africano ou afro-descendente em toda a sociedade brasileira. Neste sentido, os 300 e tantos anos de escravidão brasileira teve uma vítima penal clássica como já estamos cansados de saber. São poucos aqueles que concordam com a postura segundo a qual o negro não deve ser objeto da repressão, pois, este é historicamente um indivíduo onde seu corpo é costumeiramente vilipendiado em implementos/experiências das políticas repressivas até seu esgotamento/morte. A criação da Polícia Militar em 1809 mostrou que a necessidade de se profissionalizar uma mão-de-obra adaptada para impor este controle e castigo nos africanos e que deveria ser recrutada nos guetos e nos lugares mais vis da cidade. Em geral, estes homens eram pardos livres, alforriados, brancos pobres, homens sem qualificação profissional ou mesmo aqueles vivendo como salteadores, de furtos e roubos periódicos na sociedade escravocrata. Estes foram os primeiros quadros policiais no Brasil, segundo Holloway. Este mesmo fenômeno coincidentemente se apresentou em alguns países europeus pós- absolutismo como na França, cujo criador da moderna polícia era um escroque de alto nível. Por essa perspectiva, os primeiros policiais tinham que ser negros já que, historicamente, a função policial nunca foi do agrado das classes mais elevadas, e sempre se caracterizou como uma mão-de-obra "suja", isto é, contratada para fazer os trabalhos mais abjetos da sociedade. O policial é, na verdade, o "lixeiro da história", pois, é encarregado de fazer os piores trabalhos que as elites não querem meter a mão, porém tanto suas digitais, quanto as das elites, aparecem neles numa análise mais minuciosa das políticas repressivas. Assim, os policiais negros e pardos das primeiras tropas repressivas no Rio de Janeiro do início do século XIX, por exemplo, não tinham este negócio de "comunidade negra". Eles não raciocinavam que estavam reprimindo seus pares em função de uma política excludente imposta pelas elites. Eles 41

raciocinavam que exerciam uma nova função na sociedade daquela época, passando de uma categoria menosprezada para uma mais prestigiada, isto é, a de servidor público. Neste sentido, acreditamos que os pobres repressores ficam adaptados a este tipo de serviço, tendo sido a única forma encontrada para serem incluídos no modo de produção colonial, onde acaba incorporando a cultura corporativa da instituição que trabalha. Não comum, por causa destas transições, vemos policiais negros defendendo com muito rigor a repressão contra negros indistintamente. Em muitos depoimentos de policiais que participaram de grupos de extermínio em nossa atualidade, vemos esta justificativa moral-corporativa, onde o assassinato de deserdados se justifica, pois, os mortos, eram indivíduos imprestáveis, que não teriam mais função social. Este é um argumento tendo como ponto de apoio as próprias teses das elites. Neste sentido, uma das chaves para se entender este massacre invisível dos populares vulneráveis é entender como funciona esta cultura corporativa através da manipulação feita pelas elites que estão no poder. Quer dizer, o policial ou aquele que exerce a função policial, naquele momento, entende os mecanismos profissionais de sua carreira. Mas não vão essencialmente contra eles, podendo ter suas dissidências, mas que não afetam a estrutura da instituição como um todo, até porque para que isso aconteça é necessário existir um movimento ideológico de forte conteúdo orgânico em contrapartida às ideologias dominantes. Este conteúdo assim deve penetrar com grandeza na cabeça daqueles que estão enclausurados pela ideologia dominante.

4.3 – A grande estratégia

A grande estratégia de controle republicano se dá a partir da abolição do trabalho escravo, em 1888, no Brasil, como sabemos, acabou pondo o negro nas ruas de cidade como pedinte e trabalhador informal. 42

Enquanto ele se agarrava aos pequenos trabalhos esparsos, a mão- de-obra imigrante européia ocupava os postos de trabalho nas fábricas do nascente capitalismo. Mesmo assim, parte da população masculina negra mantivera experiência com trabalhador assalariado. O negro estava presente principalmente nos postos que exigiam força física como o de estivadores. A experiência como assalariado não fora bem vista. Os negros, através da arte, nos primeiros anos do século XX, vão produzir um do discurso anticapitalista que vai influenciar dali por diante toda a sociedade brasileira. Este discurso expresso através do samba - nascido como gênero musical em 1916 - nas suas letras vangloriava a vida malandra, o usufruto do ócio e negava o trabalho como projeto de ascensão social para o operário. Os negros cariocas entenderam que o novo regime econômico pós abolição não trouxera nenhum benefício para suas vidas. Muito pelo contrário, este sistema explorava com extensas jornadas de trabalho e salários ínfimos. Nesta perspectiva, os operários bem comportados dos primeiros trinta anos do século XX eram classificados como "otários" pelos difusores da malandragem. Esta acabou se tornando a inimiga número um do capitalismo no Brasil e também foi considerada uma "doença" que desmoralizava os ideais operários pelo donos do capital. Pelo lado do operariado estrangeiro, o inicio do século no Brasil teve um marco de grande impacto: o impacto das greves surgiu no período, principalmente no Rio de Janeiro e São Paulo, as cidades que mais se industrializavam. Neste sentido, era comum ver trabalhadores imigrantes, principalmente italianos, fechando fabricas após a decretação da greve ou protestando nas ruas da cidade contra a exploração do trabalho, os baixos salários e as péssimas condições de produção nos estabelecimentos operários, causando apreensão de todos os tipos nas classes dominantes. No entanto, esta instabilidade da ordem nas ruas e nas fábricas vinha sendo acompanhada e analisada minuciosamente pelos empresários e representantes do poder público. 43

Assim, em 1917, uma articulação poderosa de forças conservadoras do antigo distrito federal, lança, em 4 de maio de 1916, na Biblioteca Nacional, a chamada "Conferência Judiciária- Policial", com diversos objetivos. O conclave de forças conservadoras propunha a retomada do controle do espaço urbano pelo estado e a restauração de normas, onde o governo pudesse ampliar o controle social fora e dentro da fábrica. Nesta retomada conservadora, a conferência, na sua abertura e durante a realização dos trabalhos, contou com a presença de todas as autoridades públicas do distrito federal, incluindo os juristas, promotores de justiça, policiais, advogados, peritos, desembargadores do STF (Superior Tribunal de Justiça). Eles havia se reunido ali para relatar e debater mais 30 teses jurídicas de controle social, que implicavam, como dissemos anteriormente, na retomada do controle do espaço urbano da cidade do Rio de Janeiro e no protagonismo das forças conservadoras através da edição posterior de diversas leis mais duras contra operários, cidadãos, estrangeiros, prostitutas e outras categorias sujeitas a "suspeição”. Agora, o endurecimento do controle social era bem explícito e apresentava com muita clareza quem eram os "inimigos" do estado e do capital no Brasil daquela época. O clima autoritário e antipopular que perpassava todas as propostas emanadas das teses elaboradas na "Conferencia Jurídico-Policial" era, no seu todo, tinha como objetivo neutralizar a sociedade e, em especial, os trabalhadores, por inúmeros lados, uma vez que raros eram os temas do cotidiano do homem comum da rua, que não eram invadidos pela atuação vigilante do estado. Do ponto de vista do negro, é importante fazer uma leitura mais detalhada deste super- conclave de forças conservadoras pós abolição. Em 1916 (um ano antes da realização da Conferência), no Rio de Janeiro, a primeira música registrada como samba, "Pelo Telefone", de Donga e Mauro de Almeida, se tornara sucesso entre as camadas populares justamente pela ironia com que os sambistas se referiam às forças repressivas Ou seja, os sambistas ironizavam justamente as medidas tomadas pelo chefe de Polícia, Aurelino Leal, para coibir o jogo na cidade. 44

Na letra, os sambistas diziam que o próprio chefe de Polícia tinha avisado a eles que havia uma roleta para se jogar no Largo da Carioca, invertendo, assim, o posicionamento da autoridade em relação ao jogo, que era proibido. No ano seguinte, em 1917, Aurelino Leal se tornara o poderoso secretário-geral da "Conferência Jurídico-Policial". Com sua influência, percebemos como o estado, agora, centra forças no controle das ideologias anticapitalistas produzidas pelos guetos do antigo distrito federal. Assim, se estabelece o zoneamento tolerável das culturas populares. Com isso, a malandragem, a mendicância, a prostituição e outras formas de exploração das ruas passam a ser tolerada em determinados bairros como Lapa, Estácio, Catumbi, que, na época, eram parte da chamada "Pequena África", ou seja, o conjunto de bairros decadentes com forte presença da comunidade negra. Além disso, os "vadios" e "capoeiras" passam novamente a fazer parte do programa repressivo do estado, que quer exterminá-los das áreas urbanas, pois, se revelam uma praga incontrolável. Alguns autores, aqui, demonstram que estas medidas exprimem a chegada do capital que busca ordenamento material para sua configuração ideológica, e para tal, teria de remover as ideologias negras que fundamentavam um modo de vida diferente daquela que estava sendo implantado.

4.4 – A inferioridade biológica - Lombroso

Quem já ouviu falar de positivismo penal ou a da teoria lombrosiana do crime, não terá dúvida a respeito do que estamos falando. No início do século XX, um criminalista italiano, Cesare Lombroso, desenvolveu sua tese segundo a qual os criminosos podiam ser identificados pelas suas características físicas, pela cor e pelo seu comportamento suspeito. Ou seja, havia um "criminoso nato". Autor do livro “O homem criminoso", Lombroso acabou fazendo sucesso no mundo do pensamento criminológico, sendo requisitado para inúmeras palestras e escrevendo diversos artigos a respeito de sua tese. 45

Vejamos uma rápida análise da estrutura ideológica do pensamento lombrosiano: (...) o criminoso nato, que começava a ser chamado também de " criminoso instintivo", seria então um "subproduto" do atavismo, o funesto fruto de uma espécie de seleção às avessas, um monstro híbrido aparentado ao homem e ao animal, portador de estigmas regressivos cujas raízes estariam perdidas num passado longínquo e obscuro. A tendência criminal, os instintos sanguinários e anti-sociais desse homem das cavernas, desse fóssil vivo perdido no mundo civilizado, será outro tanto de reminiscências, de restos de uma organização ancestral imperfeita, ela mesma tributaria de atavismos animais. Ora, quem pagou o pato com a propagação no Brasil da ideologia lombrosiana? O negro. Assim, há mais de um século, o direito penal convencional brasileiro se deixa guiar pelas teses lombrosianas, cujos indicadores de suspeição atingem preferencialmente o negro. Isto porque ele, o negro, na visão dos criminalistas brasileiros, se adapta com perfeição a tese de lombrosiana, pois, seus atributos físicos e "estigmas animalescos" são originários de uma terra “desconhecida” pelos europeus. Na tese lombrosiana, os perfis humanos de criminosos nunca são europeus, mas originários de países ou continentes considerados atrasados. A tese fez escola no Brasil e penetrou em todos os estudos criminológicos do início do século XX em diante em nosso país. Jorge da Silva ficou perplexo quando encontrou referências lombrosianas de peso nas obras de um consagrado jurista brasileiro da atualidade, autor de leis importantes no pais. Ou seja, o criminoso é criminoso pelos seus atributos físicos, neste caso, cor, comportamento, subjetividades, marcas, sinais etc. No entanto, em contraponto com as teses lombrosianas, os grandes criminosos brasileiros de hoje tem aspectos da sociedade européia, quer dizer, são empresários, brancos e bem educados e jamais seriam alcançados se a Polícia Federal utilizasse a escala do pensamento de Lombroso. Assim, o negro brasileiro, por mais de um século, se tornou no suspeito "nato" mais referenciado pelas escolas criminológicas brasileiras, pois, ele, se adaptava com perfeição às teses lombrosianas. 46

4.5 – O medo e as elites

Historicamente, ao mesmo tempo em que desenvolve um amplo programa de repressão das camadas populares, as elites sentem medo de serem devoradas por estas comunidades. O exemplo mais clássico, talvez aconteça em Salvador e Rio de Janeiro, cidades, onde historicamente, houve grandes revoltas de escravos, que deixou os donos do poder com a possibilidade de passarem as rédeas do poder para os negros. A ameaça que os moradores do "asfalto" sentem, de um dia a população desvalida descer o "morro", é apenas um sintoma da defesa e do reforço de um modelo de organização de cidade que já invadiu o "morro" há muito tempo desde que privou seus moradores de condições dignas de existência. Os grupos dominantes, historicamente, produziram o inusitado: a "estigmatização do espaço" apropriado pelas classes trabalhadoras. Por essa perspectiva, então, o favelado é considerado classe perigosa atualmente por representar o diferente, o “outro”, no que se refere á ocupação do espaço urbano. Obviamente, a cor continua a ser um dos elementos fundamentais, mas a favela esconde parte dessa diferença étnica. Negros, brancos, paraíbas, baianos, entre outros atores sociais, são, antes de tudo, pobres, mas são classificados, em geral, pelos formadores de opinião, como pertencentes às "classes perigosas". Desse modo, podemos deduzir que este seja um medo histórico das elites, quer dizer, medo do que o negro organizado possa realizar em termos de vingança histórica ou algo parecido. Neste sentido, o desenvolvimento dos aparatos repressivos é constante, quer dizer, a acentuação da repressão nestes estados beira a insensatez em certos momentos em função deste medo histórico. Desta forma, a tendência do estado do Rio de Janeiro em executar operações policiais sem qualquer controle nas comunidades carentes para demonstrar para as elites que o olho estatal não desgruda daquele que pode assustar os moradores dos condomínios de luxo. 47

Com isso, o negro se torna, mais uma vez, o objeto central penal, porque ele é a maioria dos moradores das comunidades carentes destas duas cidades. Este medo ficou muito claro Durante o governo de Benedita da Silva, no Rio de Janeiro, em 2002, quando ninguém sabe como, os traficantes teriam ordenado que todo o comércio carioca fechasse as portas. Assim, praticamente 70% do comércio da zona sul fechou as portas temendo a represália dos traficantes enquanto as autoridades policiais tentavam impedi-los de realizar tal intento, pois se tratava de boatos e não de ameaças confirmadas. Finalmente, o medo clássico das elites enseja repressão constante, contra aqueles cujos signos corporais sejam idênticos aos dos moradores que assustam as elites com a possibilidade de tomar seu território e instalar uma forma de governo antagônica aos projetos dos antigos dos donos da cidade. Nesta perspectiva, pode-se ver, numa leitura critica da mídia, a guerra entre as cidades "quilombola" e a "européia", cada uma defendendo sua cidadela. Assim, os "quilombolas" se queixam da violência policial, do desrespeito às suas famílias e da forma como são tratados pelo Estado, que os vê como indivíduos descartáveis, sem nenhum direito. Os "europeus", por seu turno, reclamam dos assaltos, da ameaça permanente dos favelados de invadirem seus redutos, do abuso das ameaças e da forma como eles gerem o espaço público, em geral, controlado pelas armas de fogo dos traficantes de drogas. 48

CONCLUSÃO

A partir deste estudo torna-se inegável a importância e influência das cores no que tange a identidade humana. De acordo com o psicólogo e escritor Valcapelli, as cores representam um papel de maior importância para vida humana, mesmo não percebendo, essa influência existe e atua vivamente em nosso físico, mental e emocional. Enquanto algumas cores tem efeito deprimente, outras despertam alegria, algumas tristeza e outras excitam as atividades motoras. A verdade é que cada cor e cada tonalidade desperta em nós alguma reação, quer física emocional ou psicológica. Abordando cores como o vermelho, verde, azul, preto, branco, laranja, amarelo, violeta, entre outras, balizamos suas implicações na psique humana e pudemos observar a infinidade de resultados que podem ser alcançados a partir do uso (exposição) delas. Evidenciados tais efeitos, a tarefa que se seguiu foi a de entendemos de que maneira o crime organizado do Rio de Janeiro se utiliza destes símbolos (cores) para a formação e fortalecimento de seus mecanismos de personificação, individualização e, principalmente, reconhecimento referentes à determinada facção criminosa. Participar de um reconhecido grupo, identificado por determinada cor, fazer parte de uma hierarquia e ter um papel desempenhado e respeitado dentro de uma comunidade, são posições jamais imaginadas por jovens moradores das favelas do Rio de Janeiro. Comando Vermelho (usa a cor vermelha), Terceiro Comando (usa a cor verde), A.D.A. (amigos dos amigos, também usa a cor verde) são exemplos objetivos de facções que utilizam as cores como meio de reconhecimento e identificação, atraindo, cada vez mais, jovens negros pobres e favelados que, com a falta do poder público, tornam-se presas fáceis. Ao contrário do que possa parecer, esta necessidade da utilização de símbolos (cores), não diz respeito apenas ao mundo das facções criminosas. Como bem vimos anteriormente, esta precisão é da natureza humana, logo não podemos excluir o outro ator desta realidade carioca, qual seja, o Estado que se “faz presente” através das polícias militar e civil. São eles os azuis e pretos, 49

respectivamente. Igualmente utilizando a cor preta além do símbolo de uma caveira com dois facões atravessados pelo crânio, podemos identificar o Batalhão de Operações Especiais, o BOPE, braço especializado em combates de maior potencial ofensivo da Polícia Militar do Rio de Janeiro, que se tornou famoso após o filme “Tropa de Elite” tendo seu uniforme preto largamente difundido e admirado, principalmente entre os jovens de todo o Brasil. Segundo o antropólogo Marcos Alvito em seu livro “As cores de Acari”, o poder público legitima estas estruturas a partir do momento em que se permite entrar no “jogo” da criminalidade, utilizando-se dos mesmos padrões de identificação e participando de maneira ativa desta atmosfera de violência. É neste ambiente que observamos, também, o surgimento das Milícias, formada por policiais civis e militares, agentes penitenciários e bombeiros. Criadas com a finalidade de abolir o tráfico das comunidades carentes a partir de uma “contribuição” financeira por parte dos moradores, tornou-se um grave problema a ser enfrentado pelo poder público. Esses grupos, do mesmo modo, se utilizam de símbolos (cores) como forma de identificação. O mais conhecido deles é a milícia intitulada “Liga da Justiça”, que tem como símbolo o uso do logotipo do “Batman” seguido da cor preta. Certamente a mais perigosa de todas as organizações criminosas se levarmos em conta o uso político que vem sendo feito, freqüentemente divulgado nos meios de comunicação, tendo deputado estadual e vereadores eleitos apontados como os chefes deste esquema. Ainda traçando um paralelo entre cores e crimes, podemos contextualizar a cor que define os criminosos, não precisando de nenhuma análise profunda para identificar estes sujeitos. São aqueles aos quais a polícia do Rio de Janeiro define como detentores da “cor padrão”, nomenclatura utilizada para determinar o negro. Vivemos numa sociedade onde, historicamente, o negro, pobre e favelado são reconhecidos e identificados apenas através de números que, comumente, fazem parte de estatísticas relacionadas à Segurança Pública. São os vilões, as vítimas, atores principais de um dia-a-dia de incertezas, pobreza, degradação e violência. Respeito? Cidadania? Dignidade? 50

Para esta parcela da população não passam de palavras sem sentido, ou melhor, palavras com sentido sim, mas para outra “categoria” de seres humanos na qual não se encontram incluídos. É neste terreno fértil que podemos observar o indiscriminado crescimento dos mais variados tipos de consolidação identitária que se dá a partir da estruturação de organizações paralelas, onde o jovem negro, pobre e favelado encontra uma forma de ser reconhecido e respeitado, já que a sociedade “daqui do asfalto” jamais o reconhecerá, senão através das páginas policiais. Quando passam a fazer parte de uma facção, passam também a terem o que mais buscam, pois serão chamados por seus nomes, usarão roupas das cores de suas “tribos”, terão cargos, serão respeitados, enfim, terão finalmente uma identidade. A identidade é algo tão importante para o ser humano que podemos observar a fragilidade com que as autoridades que a princípio deveriam coibir essas práticas através do não reconhecimento, acabam fazendo o pior, pois além de reconhecê-las mergulham de cabeça nesse jogo colorido e cheio de simbolismos identificadores, tornando o mundo complexo do crime e da violência cada vez mais “lúdico”, onde podemos encontrar vermelhos, verdes, azuis, pretos, negros, todos num frenético combate entre si e contra todos ao mesmo tempo!

Com tudo isso, tentamos propiciar uma visão geral e abrangente dos mais variados aspectos no que diz respeito à necessidade humana em fazer parte de um grupo, ter uma identidade, ter uma história, e acima de tudo, ser respeitado e reconhecido como sujeito de direito.

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BIBLIOGRAFIA

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ALVES, Ronaldo. Bandido e outras histórias da Rocinha.Rio de Janeiro. Sete Letras, 1997.

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BUCKLAND, Raymond. O poder Mágico das cores. 3ª edição. São Paulo. Siciliano, 1991.

HOLLOWAY, Thomas H. Policia no Rio de Janeiro: repressão e resistência numa cidade do século XIX.- Rio de Janeiro: Editora Fundação Getulio Vargas, 1997.

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SILVA da, Jorge. O controle da criminalidade e segurança pública na nova ordem constitucional. 2ª ed., Rio de Janeiro. Forense, 1990.

VALCAPELLI. Cromoterapia a cor e você. 6ª edição. São Paulo: Roca, 2005.

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Y. Valentim. A repressão do negro pela polícia. Site Coletivo de entidades negras. www.cenbrasil.blogspot.co, acessado em 09.07.09.

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ANEXO

“Qual é a desse menino?”, perguntou um dos olheiros do tráfico na Mangueira, ao ver entrar na sua área a equipe de jovens atletas comandada pelo misto de produtor cultural e líder comunitário Carlos Henrique, o Malaquias. “Afinal de contas, ele é do Comando ou do Terceiro?” A dúvida do marginal fazia sentido para as pessoas que vivem o cotidiano das favelas do Rio, demarcadas de várias formas pelas facções criminosas que disputam o controle do tráfico de drogas. É que o tal menino, que saíra de Acari para conhecer a Vila Olímpica da Mangueira, estava usando um vistoso bermudão da marca TCK e uma camisa da Cyclone. Seriam apenas duas grifes da moda esportiva, se não tivessem sido eleitas pelas duas principais facções criminosas da cidade como uma espécie de uniforme. À revelia de seus fabricantes, as duas marcas são cultuadas, odiadas, demarcam fronteiras e até causam conflitos sangrentos. Hoje, numa favela, a marca TCK é entendida como uma declaração de adesão ao Terceiro Comando. E a Cyclone é a "farda" do Comando Vermelho. Na casa de Malaquias, não sai um tostão para compra de roupas dessas marcas para o filho de 13 anos. “Estou criando meu filho para viver no mundo, não em uma favela dominada pela facção A ou B”, diz. Mas se fosse feito um balanço do impacto desse fenômeno nas vendas das duas marcas, possivelmente sua apropriação pelas gangues indicaria vantagem comercial. É o que contam dois vendedores da loja da Cyclone no NorteShopping, que pediram para não ser identificados com medo de perder o emprego. Os vendedores admitem que os traficantes são bons clientes e que contribuem para o sucesso das lojas Cyclone, que hoje são o sonho de consumo de qualquer balconista de shopping. “Já vi cliente saindo daqui com 16 sacolas”, lembra um deles. Além de gastadores, são generosos, dando gorjetas gordas quando bem tratados. “Um dia desses atendi a mulher do dono da Mineira”, conta o mesmo vendedor, referindo-se ao comandante do tráfico daquele morro. “Ela estava com um conto (mil reais) para gastar em roupa aqui e na Gang”, disse. Os vendedores, aliás, são uma categoria especial no meio dessa guerra de grifes. Eles têm uma espécie de habeas corpus junto ao tráfico. Três vendedores da loja da TCK, no mesmo Norteshopping, que também pediram anonimato, moram em favelas controladas pelo Comando Vermelho. Em geral, voltam para casa usando as roupas da grife com que trabalham. “Mas o pessoal respeita porque sabe que é responsa”, pondera um deles. “Não sei o que aconteceria se algum alemão (rival) entrasse no Jacá (Jacarezinho) de TCK.” O músico Sandro Costa, morador da Rocinha que tira seu sustento como padeiro em uma lanchonete da PUC, diz que usa Cyclone em qualquer circunastância. “Se é para ir nos ´alemãos´ tem que ser na minha disciplina”, diz. No seu caso, ir de Cyclone seria uma provocação. "O pessoal arranca a sua roupa e te manda usar Cyclone" E uma provocação nesse universo pode ser fatal, como testemunhou Márcio Goulart, o locutor Dicró da Rádio Madame Satã, uma rádio comunitária ligada à ONG Ex-cola na qual só trabalham jovens que tenham crescido na rua e tragam em seu currículo um histórico de delinqüências. “Vi um cara entrar todo de TCK em um baile na Fazendinha, uma área do Comando Vermelho perto de Irajá”, conta Dicró. “Logo depois, o pessoal do movimento arrastou o cara lá pra 54

cima do morro. Não teve nem direito a enterro.” Desde então evita usar roupas com as duas marcas, muito embora, se pudesse, sairia de Cyclone pelas noites. “Tenho medo de ser confundido com um gerente ou patrão. Até explicar que tamanduá não é gambá o cheiro já passou.” Nos redutos mais tensos da cidade, como é o caso da Nova Holanda, uma das poucas favelas do Complexo da Maré que é controlada pelo Comando Vermelho, o tráfico continua sendo implacável com as pessoas que ousem entrar em seus domínios usando roupas da grife TCK. “Na primeira oportunidade, o pessoal do movimento arranca a sua roupa e te dá peças da Cyclone pra você usar”, conta o estudante secundarista Roberto Oliveira, que foi à Lapa na semana passada para participar de eventos artísticos promovidos pelo premiado projeto Jovens Pela Paz trazendo na cabeça um vistoso boné preto da Cyclone. “Na segunda, passam o carro.” O estudante conta essa história com a naturalidade de quem cresceu no meio da guerra entre as facções, separadas uma da outra pelo fétido valão registrado na foto que ele e seu grupo expuseram nos Arcos da Lapa, conhecido como a Divisa. “De um lado, ficam os irmãos da Nova Holanda. Do outro, os TCKs da Baixa do Sapateiro.” Os TCKs são os moradores das áreas controladas pelo Terceiro Comando, sejam eles trabalhadores ou marginais. O produtor cultural Malaquias, nascido e criado em Acari, se lembra de como o Terceiro Comando adotou a marca TCK. “A TCK começou a ser a marca do Terceiro no início dos anos 90.” Segundo ele, foi nessa época que a zona oeste passou a ser dominada pelo traficante conhecido como Kiko. “A partir daí, a TCK passou a ser a sigla de Terceiro Comando Kiko.”

Garotos do tráfico tomam banho de loja A polícia passou a ser um problema para Malaquias, principalmente quando a TCK lançou camisas na linha “Legalize”, tendo folhas de maconha como estampa. “Se não é proibido vender nas lojas, não é proibido usar nas favelas”, dizia ele para as autoridades do 9º BPM, responsável pelo policiamento de Acari, que viviam abordando os jovens que usassem esse tipo de camisa, fossem eles do tráfico ou não, para lhes tomar a roupa. “O máximo que nós conseguimos que a polícia desse camisas brancas a quem tivesse confiscado uma camisa da TCK”, conta. Na verdade, a sigla são as iniciais do seu dono, Tufi Cosme Kalaum. O verde com que o traficante Robertinho de Lucas pintava as suas propriedades na favela Parada de Lucas se tornou a cor do Terceiro Comando, mas ela não é tão determinante como o vermelho da facção rival. A incorporação da marca Cyclone pelo Comando Vermelho pode ter origem no modo como o C e o Y aparecem na logomarca, dando a impressão de formar as iniciais do Comando Vermelho (o y seria confundido com o v). Nas recentes filmagens feitas pela TV Globo na chamada feira das drogas, onde alguns traficantes ofereciam seus produtos aos gritos, algumas imagens deixaram as grifes bem visíveis. “Na da Grota e na da Mangueira, eu vi que os traficantes estavam de Cyclone”, conta um dos vendedores da grife no NorteShopping. As peças mais pedidas pelos traficantes que chegam na loja são as bermudas de veludo, que podem ser de qualquer cor, e bonés e camisas em geral vermelhos. Segundo o vendedor, os traficantes costumam passar na bordadeira do mesmo shopping e providenciar a inclusão de um fuzil AK-47 nas laterais do boné. Completa esse visual um vistoso par de tênis, que pode ser da Nike, da Mizuno ou da Olympikus. Na moda do CV, a cueca foi abolida 55

(o que é inclusive tema de um dos funks da série de CDs Proibidão, cujas músicas fazem a apologia do Comando Vermelho). Há lojas em que a música ambiente inclui os CDs Proibidão. “No momento, nosso som é a chamada surf music”, conta o vendedor. “Mas se você quiser ouvir, ainda temos o Proibidão na loja”, revela. Numa das músicas desse CD, o refrão é o seguinte: Cyclone, Cyclone, Cyclone / Cyclone da cabeça aos pés.” Geralmente, as compras são feitas pelos chamados “dimenor”, que em qualquer outra loja seriam tratados como pedintes. “A gente já sabe quando vê aqueles neguinhos de bermuda e chinelo”, conta um deles. De acordo com os vendedores, esses garotos sempre estudam a área antes de entrar na loja, evitando-a caso vejam um “cliente cheio do ouro, com cara de polícia”. Em seguida, tiram um celular do bolso, “sempre da melhor marca”, e começam a descrever as novidades da Cyclone para seus respectivos chefes. Os melhores dias são os que antecedem as grandes festas promovidas nas cadeias, quando trazem consigo intermináveis listas de compras. Uma das principais lojas da Cyclone é a que fica no Madureira Shopping, região cujas favelas são em sua maior parte controladas pelo Comando Vermelho. No Norte Shopping, os vendedores têm que cobrir cotas semanais de 6 mil reais.

Jovem compara Cyclone e Comando Vermelho ao Flamengo O amor à marca Cyclone faz com que alguns bandidos do Comando Vermelho a tatuem no peito ou a desenhem na cabeça fazendo uso de máquinas de cortar cabelo. Na favela do Jacarezinho, um dos principais redutos da facção, existem confecções especializadas em falsificar roupas da Cyclone, acrescentando à logomarca da loja o indefectível CV. As grifes foram adotadas pelo tráfico, mas se espalharam como moda para além da marginalidade – como propaganda do próprio tráfico. Uma visita ao baile funk do Valão, na Rocinha, mostra o que o cientista social Mário Miranda acredita ser uma das mais poderosas estratégias de marketing usadas não pelas grifes, mas pelo tráfico. “Os comandos se confundem com os lugares”, afirma. Tanto que no baile, para o qual acorrem cerca de 4 mil moradores do local às sextas-feiras, se forma um verdadeiro mar vermelho em frente a equipes de DJs como a Duda’s Cyborg e A cova. “O que está em jogo não são apenas produtos, mas uma marca que denota pertencimento e identidade”, teoriza Miranda, baseando-se no que os teóricos chamam de antropologia do consumo, que leu durante o mestrado em antropologia pela Universidade Federal Fluminense, que está prestes a concluir. Um caso bastante representativo da tese defendida por Miranda é o do próprio estudante Roberto Oliveira, que não se sente bandido por ir de Cyclone aos bailes da Nova Holanda. “É como o Flamengo. Você não precisa jogar pelo clube para torcer pelo time. Só que com o Comando a gente não torce, a gente fecha.” O estudante sabe que o visual funkeiro é quase um estigma de favelado, mas ele não apenas não liga, como se orgulha de usá-lo. “Não tenho nada o que fazer fora da favela. Na favela, eu me divirto a noite toda com 15 reais no bolso e no asfalto eu gasto isso só pra entrar nos lugares.” Como tem que defender a sua sobrevivência no asfalto, Fábio Campos, o DJ Mosca da Rádio Madame Satã, evita usar as mesmas roupas que os seus amigos da Providência, área do Comando Vermelho na qual nasceu e para a qual voltou depois da adolescência vivida nas ruas do Centro. “Cyclone é isca de polícia”, diz ele, que adotou um visual mais discreto por achar que já tem 56

muito trabalho por causa da cor negra da sua pele. “Se tiver ladrão de terno e gravata e um trabalhador de Cyclone, os homi deixam o bandido passar e pedem os documentos a quem tem cara de funkeiro.” Reportagem extraída do site da Polícia Civil do Rio de Janeiro, www.mail- archive.com/[email protected] Policia-br - Forum de discussão sobre Segurança Pública 57

ÍNDICE

FOLHA DE ROSTO 2 AGRADECIMENTO 3 DEDICATÓRIA 4 RESUMO 5 METODOLOGIA 6 SUMÁRIO 7 INTRODUÇÃO 8

CAPÍTULO I - Cores e significados 10 1.1- Vermelho 10 1.1.1- Aspectos psicológicos do vermelho 11 1.2- Verde 12 1.2.1- Aspectos psicológicos do verde 12 1.3- Azul 13 1.3.1- Aspectos psicológicos do azul 14 1.4- Preto/ Negro 14 1.4.1- Aspectos psicológicos do preto 15 1.5- Branco 15 1.6-Laranja 16 1.6.1-Aspectos psicológicos do laranja 16 1.7- Amarelo 17 1.7.1- Aspectos psicológicos do amarelo 17 1.8-Violeta 18 1.8.1- Aspectos psicológicos do violeta 18 1.9- Outras cores 18 1.9.1- Índigo 18 1.9.2- Magenta 19 1.9.3-Púrpura 19 1.9.4- Escarlate 19 1.9.5- Marrom 19

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CAPÍTULO II Facções, Cores e Crimes 21 2.1-Falange Vermelha/ Comando Vermelho 21 2.1.1-Comando Vermelho- Vermelho 24 2.2-Terceiro Comando 25 2.2.1-Terceiro Comando Puro 26 2.2.2-Terceiro Comando/ Terceiro Comando Puro- Verde 27 2.3-A.D.A(Amigos dos Amigos) 27 2.3.1-A.D.A- Verde 28

CAPÍTULO III Polícia e Cores 29 3.1-Comando Azul 29 3.2-BOPE (Batalhão de Operações Especiais) 31 3.2.1-BOPE e a sua cor 32 3.3-Milícias 33 3.3.1-Milícias, facções e cores 35 3.3.2-Milícias e a política 35

CAPÍTULO IV Cor Padrão 37 4.1-Cor padrão? Como assim? 37 4.2-Cor padrão e a história 38 4.3-A grande estratégia 41 4.4-A inferioridade biológica- Lombroso 44 4.5-O medo e as elites 46

CONCLUSÃO 48

BIBLIOGRAFIA 51

ANEXOS 53

ÍNDICE 57 FOLHA DE AVALIAÇÂO 59

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FOLHA DE AVALIAÇÃO

NOME DA INSTITUIÇÃO: UNIVERSIDADE CÂNDIDO MENDES PÓS-GRADUAÇÃO “LATU-SENSU”PROJETO A VEZ DO MESTRE

TÍTULO DA MONOGRAFIA: AS CORES DO CRIME.

AUTOR: LUCIANA VICENTE PORTUGAL PEREIRA.

DATA: 27. 07. 09

AVALIADA POR:

CONCEITO: