EFEITOS DO BRT‐ ? MERCADO IMOBILIÁRIO NA ZONA NORTE SUBURBANA E NA REGIÃO DE JACAREPAGUÁ, NO

EFFECTS OF BRT‐TRANSCARIOCA? REAL ESTATE MARKET IN THE NORTH SUBURBAN ZONE AND IN THE JACAREPAGUÁ REGION, IN RIO DE JANEIRO

¿EFECTOS DEL BRT‐TRANSCARIOCA? MERCADO INMOBILIARIO EN LA ZONA SUBURBANA DEL NORTE Y EN LA REGIÓN JACAREPAGUÁ, EN RÍO DE JANEIRO

EIXO TEMÁTICO 2: PROJETO, TECNOLOGIA, INFRAESTRUTURA E QUESTÕES SOCIOAMBIENTAIS

IZAGA, Fabiana Generoso de Prof. PhD. PROURB/FAU‐UFRJ [email protected]

RESUMO

Os sistemas de BRT (bus ) foram implementados de maneiras muito diferentes, dependendo do ambiente urbano em que estão inseridos, com efeitos diferentes no espaço público e no solo urbano ao longo do seu traçado e no entorno de suas estações. Neste artigo analisaremos as repercussões no mercado de solo e na estrutura urbana do novo sistema de transporte BRT Transcarioca, na cidade do Rio de Janeiro. A pesquisa mapeou o nível de atividade imobiliária do mercado primário (imóveis novos), por meio do site de anúncios ZAP Imóveis, consolidando dados e informações em base georreferenciada. Concluímos que um novo desenvolvimento urbano ocorrendo como um dos prováveis efeitos do BRT‐TC. Entretanto, isto se dá muito mais nos centros de bairros já anteriormente valorizados e em localizações distantes do eixo. As áreas mais impactadas com as desapropriações para implementação do BRT permanecem até o momento descaracterizadas pelos rastros das obras, com espaços públicos mal agenciados e ambientalmente mal tratados pela poluição do ar (Co2) e sonora.

PALAVRAS‐CHAVE: BRT Transcarioca. atividade imobiliária. desenvolvimento sustentável. solo urbano. imóveis residenciais novos.

ABSTRACT

BRT () systems have been implemented in very different ways, depending on the urban environment in which they were implemented, with different effects on public space and land use along their route and around their stations. In this article we will analyze the repercussions on the land market and on the urban structure of the new BRT Transcarioca transport system, in the city of Rio de Janeiro. The research mapped the level of real estate activity in the primary market (new properties), through the ZAP Imóveis ad site, consolidating data and information on a georeferenced base. We conclude that a new urban development is taking place as one of the probable effects of the BRT‐TC. But, this is much more so in the neighborhood centers that were previously valued and in locations far from the axis. The areas most impacted by the expropriations for the implementation of the BRT remain so far uncharacterized by the traces of the works, with public spaces poorly organized and environmentally poorly treated by air pollution (Co2) and noise. KEYWORDS: BRT Transcarioca. real state activity. sustainable development. land use. new housing properties.

RESÚMEN

Los sistemas BRT (bus rapid transit) se han implementado de maneras muy diferentes, dependiendo del entorno urbano en el que operan, con diferentes efectos en el espacio público y el suelo urbano a lo largo de su trayecto y alrededor de sus estaciones. En este artículo analizaremos las repercusiones en el mercado del suelo y en la estructura urbana del nuevo sistema de transporte BRT Transcarioca, en la ciudad de Río de Janeiro. La investigación mapeó el nivel de actividad inmobiliaria en el mercado primario (nuevas propiedades), a través del sitio de anuncios ZAP Imóveis, consolidando datos e informaciones sobre una base georreferenciada. Concluimos que está en marcha un nuevo desarrollo urbano como uno de los probables efectos del BRT‐TC. Sin embargo, esto es mucho más en los centros de barrio valorados previamente y en ubicaciones alejadas del eje. Las áreas más afectadas por las expropiaciones para la implementación del BRT siguen descaracterizadas por las huellas de las obras, con espacios públicos mal organizados y mal tratados ambientalmente por la contaminación del aire (Co2) y el ruido.

PALABRAS‐CLAVE: BRT Transcarioca. actividad inmobiliaria. desarrollo sostenible. uso del suelo. inmuebles residenciales nuevos.

Limiaridade: processos e práticas em Arquitetura e Urbanismo

INTRODUÇÃO1

Os sistemas de BRT (bus rapid transit) foram implementados de maneiras muito diferentes, dependendo do ambiente urbano em que estão inseridos, com efeitos diferentes no espaço público e no solo urbano ao longo do seu traçado e no entorno de suas estações. A promoção de um ambiente urbano equilibrado e socialmente includente passa pela conjugação da política do setor de transportes ao planejamento urbano e ambiental, e a gestão dos espaços públicos das cidades. Ademais, a mobilidade urbana e o transporte público se inserem como um dos objetivos do Objetivo 11 "Cidade e comunidades sustentáveis" (ONU Habitat, 2016), que por sua vez está relacionado a outros objetivos de desenvolvimento sustentável, como equidade, saúde, meio ambiente, urbanização inclusiva.

As transformações do tecido urbano face às intervenções para implementação de infraestruturas de transporte público e suas possibilidades futuras de desenvolvimento, precisam de investigações que gerem insumos consistentes para consubstanciar análises mais aprofundadas, com vistas à promoção de sistemas urbanos sustentáveis e de produzir um urbanismo induzido a partir de eixos estruturantes de mobilidade urbana (ONU‐Habitat, 2016; SUZUKI H.; CERVERO R., 2013; HERCE, 2013; BERTOLINI, 2017).

Figura 1: Trajeto do BRT Transcarioca e principais sistemas de transporte público no Rio de Janeiro. Fonte: Autor, 2019

1 Esta pesquisa recebeu apoio de fomento do CNPq e da UFRJ por meio de bolsa de iniciação científica. Os alunos da FAU‐UFRJ Lucas Pacobahyba, Nuno Gomes Vieira, Mariana Assumpção, Marina Agudo, Ricardo Kranen, Luiz Gustavo Mello colaboraram no mapeamento de dados e informações.

Limiaridade: processos e práticas em Arquitetura e Urbanismo

Conhecer, analisar e discutir as potencialidades do tecido urbano ao longo do vetor de transporte público do BRT Transcarioca (BRT‐TC) na Cidade do Rio de Janeiro é o objetivo geral da pesquisa em desenvolvimento. Neste artigo analisaremos as repercussões no mercado de solo e na estrutura urbana do novo sistema de transporte BRT Transcarioca, na cidade do Rio de Janeiro. As perguntas que buscamos responder dizem respeito a se com a nova acessibilidade introduzida pelo BRT‐TC, estaria ocorrendo valorização do solo e aquecimento do mercado de imóveis novos? E em caso afirmativo, que tipo de imóveis e de terrenos e quais localizações estariam sendo priorizadas?

Inaugurado em 2014 o BRT‐TC integra o quadro de mudanças estruturais no sistema de transporte público, realizadas ao longo da última década no marco dos grandes eventos mundiais da cidade do Rio de Janeiro (Copa do Mundo de Futebol 2014 e Olimpíadas 2016). O BRT Transcarioca, por seu traçado e como possível fator indutor da mudança do uso do solo urbano, apresenta‐se como um novo vetor de reestruturação urbana da cidade do Rio de Janeiro. O BRT Transcarioca é um das 4 linhas troncais do novo sistema de transporte público de ônibus e tem um traçado de 39 quilômetros que interligam 27 bairros das zonas norte e oeste da cidade. Foi concebido como um novo eixo estruturante de transporte público que articula transversalmente, em forma de arco viário, os principais ramais ferroviários que ao longo da segunda metade do século XX vertebram os subúrbios e parte da área metropolitana com a sua ligação ao centro da cidade. Hoje, dos 4 ramais de passageiros, 3 são de trens com alcance metropolitano e um foi transformado em metrô, cujo serviço se limita à cidade do Rio de Janeiro. Por meio da iniciativa do poder local, e complementar ao projeto do sistema de transporte BRT‐ TC, a municipalidade propôs em 2014 um plano de regulação urbanística, que não se concretizou, específico para a área do traçado do BRT TC (Área de Especial Interesse Urbanístico (AEIU) Transcarioca) que estabelecia diretrizes e incentivos de redefinição de usos do solo (parâmetros de ocupação do uso do solo e zoneamento) para 17 Km ao longo dos bairros que o cercam.

Em síntese, a área de influência do BRT‐TC apesar da falta de um incentivo normativo atualizado ao seu traçado, se configura como um eixo estruturante da cidade, e vem, embora em ritmo lento, com repercussões relevantes no mercado imobiliário por meio de novos lançamentos. O mercado imobiliário obedece uma lógica macroeconômica brasileira, e a uma política de financiamentos e juros que está atrelada às finanças do país, onde houve desacelaremento e estagnação a partir de 2014, e recessão nos últimos dois anos. Mas, com efeito, mesmo com andamento vagaroso, o BRT‐TC demonstra a possibilidade de uma grande reestruturação urbana na área da Zona Norte Suburbana (Área de Planejamento 3 AP3) que é consolidada e apresenta densidades médias no uso do solo; e na grande área de Jacarepaguá (Área de Planejamento 4 AP4), que possui ainda muitos terrenos vazios, e com isso estabelecer um novo vetor de crescimento e estruturação da cidade.

Do ponto de vista metodológico, a pesquisa se voltou para o mapeamento do nível de atividade imobiliária do mercado primário (imóveis novos). O levantamento dos imóveis residenciais novos foi realizado por meio do site de anúncios ZAP Imóveis, auxílio do Google Maps e Street View e consolidação de dados e informação em base georreferenciada. Como conclusão das etapas da pesquisa desenvolvidas até o momento se pode afirmar que um novo desenvolvimento urbano vem ocorrendo como um dos efeitos do BRT‐TC. Isto se dá muito mais nos centros de bairros já anteriormente valorizados, e em menor quantidade nas áreas diretamente impactadas pelas desapropriações ou nas principais estações/nós. Embora o BRT seja uma vantagem anunciada nas propagandas para a venda de imóveis novos, os

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investimentos tendem a ocorrer em distâncias até 750metros do eixo. As áreas mais impactadas com as desapropriações para implementação do BRT permanecem até o momento descaracterizadas pelos rastros das obras, com espaços públicos mal agenciados e ambientalmente mal tratadas pela poluição do ar (Co2) e sonora.

O SISTEMA BRT E OS DESAFIOS PARA INTEGRAR TRANSPORTE PÚBLICO, USO DO SOLO E AMBIENTE

Os estudos que exploram as complexas relações para integrar eixos estruturadores de transporte público e a estrutura do uso de solo em geral buscam discutir as dificuldades para a efetiva coordenação da infraestrutura de transporte e o desenvolvimento urbano no âmbito da formulação de políticas públicas. Suzuki et.al (2013) apontam a importância da definição de: i‐ uma visão estratégica do marco regulatório e institucional; ii‐ o planejamento urbano no nível da cidade; iii‐ a promoção do desenvolvimento orientado pelo transporte (DOT); iv‐ o esquema de financiamento, onde o financiamento sustentável por meio da captura de mais valia se apresenta como desafio para as cidades que planejam fazer melhorias no sistema de transporte.

A centralidade que vamos atribuir ao mercado de solo e imobiliário na análise do BRT‐TC pode ser vinculada a duas grandes dimensões que se articulam e, de fato, se auto alimentam. Trata‐ se da forte imbricação que o mercado de solo estabelece com os resultados da ação pública na estrutura urbana. Essas ações públicas, sejam elas tanto de caráter direto por investimentos ou de forma indireta com mudanças institucionais nas normas e regras de uso do solo, edificabilidade, zoneamento, etc. tem um impacto direto na formação dos preços do solo. Essa relação engaja dois eixos temáticos importantes para se pensar o BRT: a) o financiamento das cidades fazendo uso de instrumentos de mais valias fundiárias‐imobiliárias; b) os grandes projetos urbanos como instrumentos de configuração urbana buscando maior eficiência no uso do solo e na inclusão urbana e redução das desigualdades socioespaciais. Onde o viés do segundo eixo é o que mais se aproxima da abordagem das nossa análises.

Nas últimas décadas, muitas cidades latino‐americanas e brasileiras modernizaram seus sistemas de transporte público, com forte presença dos sistemas de ônibus expresso de alta capacidade, os BRT, (Bus Rapid Transit) (MEJÍA, 2013; LINDAU et alli, 2016). Houve um forte aumento da sua instalação, justificada pela flexibilidade do sistema e seus menores custos de implementação, em comparação a outros sistemas de média e grande capacidade.

Se poderia dizer que o BRT teve diferentes níveis de sucesso, dependendo do contexto em que se insere e do ponto de vista em que é avaliado. No que diz respeito à sua relação com o desenvolvimento urbano, foi dada particular importância ao estudo da produção de valor nos mercados fundiários e da renda imobiliária do entorno, argumentando‐se que, dada a melhoria da qualidade dos serviços e maior acessibilidade introduzida por sua infraestrutura, induziria um 'círculo virtuoso' de crescimento urbano. Mas, as evidências são ambíguas devido, em muitos casos, ao uso de métodos diferentes, como apontam alguns autores (RODRÍGUEZ, 2013; STOKENBERGA, 2014).

Os sistemas BRT também foram estudados em sua capacidade de induzir o desenvolvimento urbano, o que é conhecido como “desenvolvimento orientado pelo transporte” DOT (ou TOD, em inglês, Transit Oriented Development) (RODRÍGUEZ e VERGEL, 2013, 2018; STOKENBERGA, 2014; SUZUKY; CERVERO e LUCHI, 2014). Mas as evidências de que isso se verifica não são claramente distinguíveis, embora tenham potencial para fazê‐lo (RODRÍGUEZ, 2013). No entanto, da perspectiva dos objetivos de desenvolvimento voltados para inclusão e integração

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social, o 'círculo virtuoso' descrito por Rodríguez (2013) pode apresentar o risco do deslocamento de segmentos da população de menor renda ‐ os principais usuários do sistema ‐ em direção a localizações periféricas (HURTADO, 2008; VENTER et alli, 2018). Em síntese, pode‐ se dizer que a contribuição do BRT para o desenvolvimento urbano sustentável ainda está em estudo, fazendo‐se necessária a análise de vários critérios.

Por fim, aponta‐se para a importância da forma de inserção do BRT no sistema viário e da adequação do seu desenho. Herce (2015) indica que por vezes o desenho dos BRTs melhoram as condições da via com pistas bem sinalizadas e adequadas, mas que em outras ocasiões a construção de “artefatos elevados” destroem o espaço público da via e dificultam o acesso de pedestres. Assim, segundo o autor, a busca pela sustentabilidade no transporte muitas vezes colide com a destruição do espaço público (2015, p. 149). Nesse sentido, Dextre (2015) também ressalta que, ao focar na infraestrutura e operação do sistema, em muitos casos, a grande oportunidade de melhorar o espaço público, recuperar o espaço para pedestres e ciclistas, reorganizar o comércio e o meio ambiente, com ele, é perdida. Finalmente, Rodríguez e Vergel (2013) corroboram no entendimento da importância de não se perder a oportunidade de qualificação dos espaços públicos. Chamando a atenção para o fato de que, na maioria dos casos, a implementação do BRT não trouxe consigo espaços públicos de qualidade e que, se o valor da terra continuar a capitalizar os benefícios da acessibilidade em detrimento do uso do chão da cidade, isso pode se reverter, e a não produção de espaços públicos qualificados não favorecê‐los.

Figura 2: Bairro de Vicente de Carvalho Estação Marambaia. Foto aérea e visão do observador antes e depois das desapropriações para implementação do BRT‐Transcarioca. Fonte: Google Maps e Street View , 2019

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BRT‐TRANSCARIOCA – CARACTERIZAÇÃO E COMPARTIMENTAÇÃO ESPACIAL

O vetor por onde passa o BRT‐TC integrou diversos planos de transporte propostos para a cidade nos últimos cinquenta anos, com diversas opções modais. Com os preparativos para o Rio de Janeiro sediar grandes eventos, e sobretudo a partir dos Jogos Panamericanos de 2007, com Prefeitura e Governo Federal alinhados, se constrói a proposta de uma rede de BRT’s, que poderiam, em um curto espaço de tempo e a custos menores, organizar o sistema de transportes públicos da cidade, que é majoritariamente feito por ônibus. As obras do BRT‐TC acontecem em momento posterior às do BRT‐ – as outras duas linhas que compõem o sistema são o BRT‐Transolímpica e BRT‐Av. Brasil, esta última ainda em obras – , e tem início em março de 2011 e inauguração em fevereiro de 2014.

Figura 3: Setores/Trechos de compartimentação do estudo da área de influência do BRT‐TC. Fonte: Autor, 2019

O conceito norteador do projeto do BRT‐TC é o de superposição de uma infraestrutura de transportes em relação à malha urbana existente, tendo aberto espaço com desapropriações parciais onde necessário para a localização de estações e para garantir a continuidade das pistas laterais de fluxo local. A seção viária implantada, em um desenho tipo, não integra as áreas livres pré‐existentes e seus usos. O desenho da via do BRT insere‐se dividindo o espaço público em dois, impedindo que os pedestres atravessem a rua e os motoristas de fazer giros à esquerda, separando o espaço da via em lados pares e ímpares. Não há ciclovias ou vagas de estacionamento. O que se tem é um efeito de túnel onde quase não há áreas livres projetadas para descanso (Figura 2). As poucas praças que existiam ao longo do eixo foram transformadas em estações, e algumas foram eliminadas para dar lugar aos terminais de ônibus, evidenciando um aspecto global com escassas áreas verdes e uma contribuição que leva aridez e monotonia à paisagem.

Registra‐se um grande mal trato do espaço público e para o pedestre, com um projeto que privilegia a operação do transporte em detrimento da criação de corredores verdes para integração social, ecológica e ambiental dos bairros em que operam, falhando em atuar como regeneradores dos efeitos das ilhas de calor urbano, e aumentar a permeabilidade do solo

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(IZAGA; SCHUTZER e KANTAMANENI, 2018). Em síntese, pode‐se dizer que o que se verifica é um total alheamento do projeto a qualquer melhora na qualidade do espaço público, sendo hegemônica a lógica da engenharia de transportes, como se o BRT não atravessasse a cidade, que é negada em sua diversidade e multiplicidade. O projeto do BRT transformou estradas e caminhos que estruturaram o crescimento dessas regiões em um espaço funcional, anódino e que não promove permanências, só fluxo.

Figura 4: Setores/Trechos de compartimentação do estudo da área de influência do BRT‐TC. Fonte: Autor, 2019

O BRT‐TC tem 47 estações, 39 km de extensão, transporta uma média de 230mil passageiros/dia (2017) e atravessa as antigas áreas industriais da Zona Norte Suburbana e a região de Jacarepaguá, ligando o Terminal Rodoviário da Alvorada na Barra da Tijuca ao Aeroporto Internacional do Galeão na Ilha do Governador (Figura 1). Para efeito de análise, compartimentou‐se o seu trajeto em 3 setores ou trechos que apresentam coesão interna, considerando o limite administrativo dos bairros, e que estão espacialmente delimitados entre si por infraestruturas viárias e de transportes. (Figura 3)

O Setor 1 Baixada de Jacarepaguá está identificado pelo trajeto que vai desde o na Barra da Tijuca até a Estação e Terminal Intermodal do Tanque. Este setor caracteriza‐se por possuir tecido urbano menos consolidado, ter menor densidade construída ao longa da via, e não cruzar com outro modal de alta capacidade. O Setor 2 Zona Norte Suburbana é definido pelo trajeto que se estende da estação Ipase até a estação Santa Luzia. Caracteriza‐se por um tecido urbano consolidado, e por ter ao longo da via do BRT uma densidade construída homogênea e que segue a média daquela da cidade. Neste setor a via do BRT apresenta três importantes nós intermodais. O nó de Madureira onde se cruzam BRT , ramal

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Deodoro de trem, ramal Belford Roxo de trem, e por ter um terminal de ônibus. O nó de Vicente de Carvalho onde o BRT cruza com o metrô. E o nó de Olaria, onde o BRT volta a cruzar com os trilhos, neste caso com o ramal Leopoldina. O Setor 3 Zona Norte Via Expressa é aquele que se desenvolve após a estação Santa Luzia, passa sobre a Av. Brasil e compreende a estação Rubens Vaz, no Complexo da Maré, e chega até o Aeroporto do Galeão.

ASPECTOS METODOLÓGICOS DO MAPEAMENTO DE IMÓVEIS RESIDENCIAIS NOVOS

Para monitorar os novos lançamentos de imóveis residenciais ao longo do BRT‐TC utilizamos um dos mais populares sites de anúncio de imóveis na internet, o Zap imóveis. Sendo a área de influência do BRT‐TC de segmentos médios da população, focamos o mapeamento na oferta de venda de unidades residenciais novas de 2 quartos, com área total construída entre 60m2 e 90m2. O mapeamento dos lançamentos foi feito nos setores 1 e 2, tendo em vista o setor 3 não se apresentar de interesse imobiliário. Os dados sobre os novos lançamentos à venda no setor 2 foram pesquisados ao longo de 2017 e 2018, e os do setor 1 em 2018 e 2019.

Em um raio de 750 metros para cada lado do eixo do BRT foram levantados os novos empreendimentos à venda, com data de construção após o início das obras do BRT. De acordo com o número de imóveis colocados à venda por bairro foi ponderada uma amostragem de levantamento para que a proporção da oferta de imóveis por bairro fosse mantida.

A sistemática do mapeamento está organizada em, primeiramente, fazer a busca no site do Zap imóveis onde se verifica a oferta total de imóveis de 2 quartos à venda, com filtros que separam imóveis novos e edificações existentes. Procede‐se com a checagem do endereço, bairro e Região Administrativa ao qual pertence, pois muitos anúncios não são fiéis à sua efetiva localização. Isto é feito com auxílio do Google Maps e do Google Street View. Identificada a localização, o polígono do terreno do novo empreendimento é demarcado em aplicativo de georreferenciamento (ArcGis), onde os dados das tabelas do levantamento são atrelados e sistematizados em mapas temáticos.

BRT‐TC E O MERCADO IMOBILIÁRIO DE IMÓVEIS RESIDENCIAIS NOVOS

Foram identificados e mapeados um total de 79 novos empreendimentos residenciais novos de unidades de 2 quartos, onde 52 pertencem ao Setor1 Baixada de Jacarepaguá (S1‐JCP), e 27 ao Setor 2 Zona Norte Suburbana (S2‐ZNS). A grande parte desses empreendimentos estão em condomínios fechados e no S2‐ZNS ocupam os grandes terrenos ainda remanescentes de antigas indústrias. Já as dinâmicas da SZ1‐JCP ocorrem como novas urbanizações, em virtude de uma considerável oferta de grandes terrenos disponíveis e de terras ainda livres. No total de unidades novas de 2 quartos colocadas no mercado isso representa 17.211 no S1‐JCP, e 4.029 no S2‐ZNS, totalizando 21.240 novas unidades.

Destacamos que muitos dos anúncios pesquisados informam a proximidade do BRT‐TC como uma vantagem locacional desses imóveis. Segundo dados da ADEMI‐RJ (Associação de Dirigentes de Empresas do Mercado Imobiliário) entre 2009 e 2017 haviam sido lançados em todo o Rio de Janeiro 101.460 novos imóveis residenciais. Para efeitos de mensuração aproximada, tendo em vista que nosso levantamento se restringe a imóveis de 2 quartos, o total de imóveis lançados ao longo do BRT‐TC representa 20,93% desse total, o que é um número substancial.

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Quando desagregamos a quantidade de lançamentos por bairro, identificamos que os bairros que receberam o maior número de unidades são Jacarepaguá, Vicente de Carvalho, Praça Seca e Taquara. Onde Jacarepaguá tem quase o dobro de novos lançamentos em relação ao segundo colocado que é Vicente de Carvalho. Praça Seca e Taquara, ambos bairros localizados na região de Jacarepaguá indicam o grande boom imobiliário na zona oeste da cidade, em especial as áreas que tangenciam a retro área da Barra da Tijuca, ao redor das estações Rede Sarah, Rio 2, Pedro Correio e Curicica. (Figura 5a).

10.000 9.000 8.000 7.000 6.000 5.000 4.000 3.000 2.000 1.000

0 Vicente de Vila da Jacarepaguá Curicica Taquara Pca Seca Campinho Madureira Vaz Lobo Penha Olaria Carvalho Penha Unidades 9.188 170 1.907 2.011 296 400 672 4.190 728 988 493

Figura 5a: Quantidades de unidades novas por bairro. Fonte: Autor, 2019

9.000 8.000 7.000 6.000 5.000 4.000 3.000 2.000 1.000

0 Vicente de Vila da Jacarepaguá Curicica Taquara Pca Seca Campinho Madureira Vaz Lobo Penha Olaria Carvalho Penha Pós - BRT 6.630 4.312 4.421 3.932 4.691 5.375 3.688 4.735 5.210 3.474 8.078 Pré - BRT 6.070 3.664 4.060 3.825 3.796 3.546 3.133 3.578 4.755 4.117 4.380

Figura 5b: Média do valor do m2 por bairro Fonte: Autor, 2019

Já Vicente de Carvalho destaca‐se como um dos principais nós intermodais do BRT‐TC, por conta do cruzamento com o metrô, que oferece um diferencial de serviço em relação aos demais nós onde há o cruzamento com os trens. Com efeito, Vicente de Carvalho vem se colocando, cada vez mais, como uma centralidade importante na Zona Norte Suburbana, por sua localização central na região, a partir de onde se pode acessar várias direções no contexto metropolitano.

Outro aspecto que analisamos diz respeito ao tamanho das unidades e à sua configuração espacial em condomínios, que são quase hegemónicos nos novos lançamentos, presentes em 90% dos casos. Identificamos que a média de unidades por empreendimento novos é de 269

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unidades residenciais, enquanto os antigos alcançam 57 unidades. Essas novas unidades em condomínio oferecem áreas comuns, que recebem todo tipo de nomenclatura em inglês ou algum outro tipo de marketing que pretensamente ofereça um diferencial.

Outro aspecto investigado diz respeito ao arranjo espacial da unidade e à média do tamanho das unidades. As unidades antigas de 2 quartos apresentam uma média de 72m2, enquanto nos novos empreendimentos é de 67m2. Quando cotejamos área construída com o valor do metro quadrado, identifica‐se que as unidades diminuíram de tamanho e aumentaram de preço. Se nas unidades mais antigas de 2 quartos nessas regiões um apartamento custa em média R$290.317,00; as novas unidades, que são menores, estão em média em R$378.940,00, o que representa em torno de 30% de aumento.

ALGUMAS CONCLUSÕES

Mapeamos o mercado imobiliário de imóveis novos de 2 quartos ao logo de dois terços da extensão do BRT Transcarioca, onde há interesse imobiliário, entre os anos 2016 e 2019. As obras do BRT‐TC tiveram início em 2011 e considera‐se que há um momento anterior de discussão acerca das propostas urbanísticas para a cidade, cujo marco, de certo, é a confirmação do Rio de Janeiro como cidade sede das Olímpiadas, em 2009. O tempo de 5 anos – entre 2009 e 2014 – é visto como tempo preparatório para os arranjos para incorporação e organização de investimentos pelo mercado imobiliário na região afetada pelo BRT‐TC. Desta forma, o marco temporal coberto pela pesquisa representa o fechamento de um ciclo imediato de implementação das obras.

Figura 6: Empreendimento Pátio Carioca Residencial, localizado ao longo do BRT‐TC. Fonte: ZAP imóveis, 2019

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Lembra‐se que com o término das obras em 2014, a Prefeitura da Cidade do Rio de Janeiro apresenta à Câmara Municipal, em 12 de Maio, o Projeto de Lei Complementar nº 77/2014 que “Institui a Área De Especial Interesse Urbanístico Transcarioca, Estabelece Diretrizes e Incentivos para a Reestruturação Urbana de Sua Área de Abrangência, define Normas de Aplicação de Instrumentos de Gestão do Uso e Ocupação do Solo e dá outras Providências”. Esta proposta de alteração de Lei tramita durante um ano na Câmara Municipal, tendo sua discussão adiada várias vezes, sendo arquivada em 10 de maio de 2015. Sem tecer juízo sobre o que o PLC nº 77/2014 propõe em termos de aproveitamento construtivo, o que não é objetivo deste artigo, presumimos, de todas formas, o grande potencial que residiria na integração da intervenção do BRT‐TC, com a melhoria da acessibilidade sobre o valor da terra, sobre as áreas que o contornam. Esta ideia é reforçada se considerarmos que o número de unidades novas mapeadas representam aproximadamente 20% do total de unidades novas no Rio de Janeiro, o que não é pouco. Assim, podemos supor a ampliação do potencial existente com uma nova normativa específica e atenta ao eixo estruturante.

O que sim podemos afirmar, contudo, é que os empreendimentos pesquisados obedecem às normativas urbanísticas anteriores à possibilidade de execução do BRT‐TC. Ao que tudo indica, a norma vigente é já bastante permissiva em termos de índices, mas que não haviam sido atendidos anteriormente por falta de interesse do próprio mercado em explorá‐los. Esses novos empreendimentos são marcados pela verticalização, com alturas entre 8 e 10 pavimentos, em blocos isolados em condomínios fechados com muros para a cidade.

Os principais fenômenos observados nos novos empreendimentos é que estes buscam terrenos grandes, onde possam ser feitos loteamentos fechados com vários blocos de edifícios com facilidades adicionadas de áreas de lazer, segurança e serviços de todo tipo. As unidades de 2 quartos diminuem de tamanho e aumentam de preço. A disposição interna das unidades é uma só, dando muito pouca flexibilidade a novas formas de morar, ou morar e trabalhar, ou co‐ habitar (Figura 6). Talvez o principal problema desses empreendimentos seja sua completa autonomia como peça urbana e a sua alienação em relação à cidade. Assim como ao próprio modo de vida reconhecido como dos subúrbios, de valorização da vizinhança e dos laços comunitários. Na região de Jacarepaguá, um tecido novo se forma, indiferente a qualquer interface com os espaços públicos

Por fim, observamos que as localizações priorizadas pelos novos empreendimentos acontecem muito mais nos centros de bairros já anteriormente valorizados, e não nas áreas diretamente impactadas pelas desapropriações ou no entorno das principais estações e nós de transporte público. Também não encontramos uma correspondência entre as movimentações de passageiros nas estações e a localização dos novos empreendimentos. O maior movimento das estações parece ainda obedecer a lógicas de grandes equipamentos e usos comerciais pré‐ existentes, ou como locais de troca entre modais nos principais nós de transporte público apontados anteriormente, como parece ser o caso de Madureira, Vicente de Carvalho e Praça Seca.

Embora o BRT‐TC seja anunciado como uma vantagem nas propagandas para a venda de imóveis novos, os investimentos tendem a ocorrer em distâncias até 750metros do eixo. As áreas mais impactadas com as desapropriações permanecem até o momento descaracterizadas pelos rastros das obras e ambientalmente mal tratadas pela poluição do ar (Co2) e sonora. O BRT‐TC de certo tem tido alguns efeitos sobre a Zona Norte Suburbana e a Região de Jacarepaguá. Mas esses efeitos parecem não se alinhar com o que os estudos de DOT em geral propõem, de adensamento em torno das estações e ao longo do eixo de transporte. O que observamos no

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caso do BRT‐TC são lógicas inconclusas de um “desenvolvimento orientado pelo transporte”, onde a possibilidade de captura de investimentos por parte do estado para um projeto de conjunto não consegue articular o mercado imobiliário. Este, por sua vez, está presente comendo pelas beiradas e impondo a sua própria lógica comercial no espaço construído. REFERÊNCIAS

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