UNIVERSIDADE DO CENTRO DE LETRAS E ARTES INSTITUTO VILLA-LOBOS BACHARELADO EM MÚSICA POPULAR - ARRANJO

Banda Black Rio: O e a música americana

Daniel Pequeno

Rio de Janeiro 2018 Banda Black Rio: O Samba e a música americana

por

Daniel Pequeno

Trabalho de Conclusão de Curso apresentado ao Instituto Villa-Lobos do Centro de Letras e Artes da UNIRIO, como requisito parcial para obtenção do grau de Bacharel em Música Popular Brasileira - Arranjo, sob a orientação do Professor Thiago Trajano.

Rio de Janeiro 2018 UNIVERSIDADE DO RIO DE JANEIRO CENTRO DE LETRAS E ARTES INSTITUTO VILLA-LOBOS BACHARELADO EM MÚSICA POPULAR - ARRANJO

Banda Black Rio: O Samba e a música americana por Daniel Pequeno TCC de Graduação Autorização para publicação de TCC em página da UNIRIO, bem como seu uso sob a licença Creative Commons.

Eu, Daniel Pequeno, autorizo a publicação do meu Trabalho de Conclusão do Curso de Bacharelado em Música Popular Brasileira, habilitação em Arranjo “Banda Black Rio: O Samba e a música americana” em página da UNIRIO e sua disponibilização sob a licença Creative Commons Attribution-NonCommercial-ShareAlike 3.0 Unported (CC-BY-NC-SA). http://creativecommons.org/licenses/by-nc-sa/3.0/deed.pt_BR

Estou ciente que o público poderá compartilhar e remixar o conteúdo do meu TCC, desde que faça a devida (a) ATRIBUIÇÃO de autoria, (b) Uso NÃO COMERCIAL, e (c) COMPARTILHAMENTO pela mesma licença. Quaisquer outros usos, por exemplo, para fins comerciais, exigem que seja obtida PERMISSÃO do titular dos direitos autorais. Exceções: (a) Onde a obra ou qualquer deseus elementos estiver em DOMÍNIO PÚBLICO sob o direito aplicável; (b) Quando houver LIMITAÇÕES E EXCEÇÕES aos direitos autorais ou quaisquer usos livres aplicáveis; (c) Em todas ocasoões são mantidos os DIREITOS MORAIS do autor; (d)bem como Direitos que outras pessoas podem ter sobre a obra ou sobre a utilização da obra, tais como DIREITOS DE IMAGEM OU PRIVACIDADE.

Rio de Janeiro, 18 de Dezembro de 2018,

Daniel Pequeno

Telefone: 98547-5115 Email: [email protected] Sumário

1. Introdução...... 6 2. Aspectos históricos da Banda Black Rio...... 8 2.1 – A música americana...... 8 1.2 – Antes da Black Rio: Movimentos Culturais do século XX...... 10 1.3.1 – Os Músicos...... 14 3. Análise das gravações da Black Rio...... 16 2.1 – O hibridismo da banda...... 16 2.2 – Músicas analisadas e suas características...... 16 2.2.1 – Maria Fumaça...... 20 2.2.2 – Vidigal...... 26 2.2.3 – Tico Tico no Fubá...... 29 2.2.4 – Na Baixa do Sapateiro...... 36 4. Elaboração dos arranjos...... 40 3.1 – Mas que nada...... 40 3.2 – Conversa de Botequim...... 43 3.3 – 1X0...... 46 3.4 – O Juízo Final...... 50 Considerações Finais...... 54 Referências Bibliográficas...... 55 DANIEL PEQUENO. Banda Black Rio: O Samba e a música americana. Rio de Janeiro: IVL/UNIRIO, 2018. 1 CD (13 min). TCC (Bacharelado em Música Brasileira – Arranjo) – Instituto Villa-Lobos, Centro de Letras e Artes, Universidade do Rio de Janeiro.

RESUMO

A proposta deste trabalho é explorar a combinação do samba com o , a soul music, o jazz e a sonoridade das orquestras de gafieira aplicada na Banda Black Rio nos anos 1970, mais focado nos discos “Maria Fumaça” (Warner Music - 1977) e “Gafieira Universal” (RCA Records - 1978). Este projeto, envolvendo a seção escrita e artística, englobará não apenas o trabalho do grupo musical específico – sua trajetória artística, o contexto do movimento negro na época no Brasil e no exterior, o fator identitário ligado ao grupo - mas também uma análise sobre a fusão de estilos musicais usados pela banda e das releituras realizadas por eles de outras músicas de gêneros típicos brasileiros. O projeto artístico consistirá em, a partir desta pesquisa, escrever arranjos/releituras de músicas consagradas do repertório de música popular brasileira, compostas por músicos muito conhecidos nacionalmente. Em uma primeira etapa, farei uma análise das composições originais a partir de suas respectivas transcrições; em uma segunda procurarei realizar uma releitura destas músicas. Estas serão finalmente registradas em disco a ser gravado em estúdio na UNIRIO e prevê-se também a possibilidade de se fazer vídeos para serem lançados nas mídias sociais.

Palavras-chave: Black Rio; samba funk; soul music; música popular; black music. 6 1. Introdução

Na segunda metade dos anos 1970, um grupo musical carioca, com uma sonoridade peculiar, intitulado “Banda Black Rio”, lançava seu primeiro disco. Este teve o nome de “Maria Fumaça” (Warner Music - 1977), e logo no ano seguinte viria o seu segundo disco, intitulado “Gafieira Universal” (RCA Records - 1978). Estes se tornariam os álbuns mais influentes da história da banda. O que provavelmente muitos não esperavam é que este grupo, com sua sonoridade híbrida que combinava música brasileira com o funk americano, a soul music e o jazz, se tornaria uma grande referência nacional e internacional.

As motivações deste trabalho se devem pelo meu interesse pela música de gênero híbrido. A música a qual se consegue reconhecer a sonoridade vinda do país em que você reside, mas com a presença forte de gêneros característicos de países e culturas que estão a milhares de quilômetros de distância, criando assim, um “novo DNA” (PIEDADE, 2011).

Este interesse é relativamente recente, passei a olhar mais para esse assunto depois que comecei a estudar a música brasileira mais a fundo. Até mesmo antes disto, me lembro de uma época em que eu ouvia muito a banda de Heavy Metal “Angra”, e eu percebia os diversos estilos brasileiros que eles misturavam com o rock, metal, música clássica, e como aquilo me fascinava. Em relação à Banda Black Rio, o samba e o soul, que são os estilos mais presentes na sonoridade da banda segundo muitos autores – como Carlos Palombini, Eloá Gonçalves, Celso Guimarães entre outros – são gêneros que por si só já me interessam muito, portanto, a junção destes dois, com a inclusão de outros, como o baião, a disco music e outros estilos é algo que acredito ser um material rico e abrangente a ser estudado.

Podemos perceber nos dois discos aqui citados que há diversas releituras de músicas populares brasileiras que foram trazidas para este âmbito do soul e funk americano. Portanto, a proposta quanto a parte artística deste trabalho é escrever arranjos para quatro músicas famosas de compositores brasileiros do âmbito popular usando os mesmos parâmetros, métodos de adaptação e técnicas utilizadas pelo grupo para se alcançar tal objetivo. A escrita destes arranjos incluirá a aplicação de aprendizados adquiridos no próprio curso acadêmico e em trabalhos fora da faculdade; e terão a seguinte formação instrumental: guitarra, baixo, bateria, teclado, percussão e naipe de sopros – trompete, saxofone tenor e trombone.

Esta reflexão aqui proposta se divide em três capítulos. O primeiro, intitulado “Aspectos 7 Históricos da Banda Black Rio” consiste em uma revisão da literatura sobre o tema, que abrange não apenas da Banda Black Rio, mas o contexto da época, o movimento negro, acontecimentos que contribuíram de forma direta ou indireta para o surgimento do grupo.

O segundo analisa as gravações da Banda Black Rio contidas em seus dois primeiros discos. Esta análise abrangerá a formação instrumental utilizada, ritmos, timbres e um breve estudo a respeito dos estilos musicais que influenciaram os arranjos e a combinação dos mesmos.

Finalmente, o terceiro, intitulado “Elaboração dos Arranjos”, consiste em realizar uma análise das músicas escolhidas – em termos de forma, melodia, harmonia dos arranjos originais – com a finalidade de elaborar os arranjos das releituras que fiz. Neste processo, procurei aproveitar elementos típicos dos arranjos da Black Rio analisados no segundo capítulo e também propor contribuições originais minhas.

Pretendi então, através deste breve estudo a respeito da banda em questão, explorar, até certo ponto, seus aspectos históricos, socioculturais e musicais, expondo as consequências de sua formação, a influência que exerceu e continua exercendo até os dias de hoje. 8 2. Aspectos históricos da Banda Black Rio

2.1 – A música americana

Segundo diversos autores, como José Roberto Zan (2005) e Carlos Palombini (2017), os gêneros de origem americana que mais influenciaram a sonoridade da Banda Black Rio são a soul music e o funk.

Na década de 50, rhythm and blues (R&B) se tornaria um termo para englobar todo o tipo de canção negra dos EUA. O blues, de acordo com Carlos Eduardo de Paiva, “se formou a partir das chamadas “Work songs” (canções de trabalho dos escravos do sul) e:

“começou a se expandir, quando grande número de negros vindos do sul com relativa quantia de dinheiro começam a investir em rádios independentes para o próprio público negro. Como era de se esperar, o gênero não se limitou a esse mercado, se expandindo para parte da juventude branca norte americana” (PAIVA, 2015)

Na década de 60, à medida que se começou a usar elementos da música gospel (canção desenvolvida nas igrejas protestantes negras nos EUA) e do soul jazz na música popular negra dos anos 60, o termo soul music começou a integrar o vocabulário da grande mídia e a nomenclatura rhythm and blues (R&B) gradativamente perderia espaço para a soul music (PAIVA, 2015). Segundo Hermano Vianna (1988) a soul music seria o resultado da combinação do rhythm and blues e o gospel. De acordo com David Brackett (2009), a música soul seria “um estilo de música popular negra americana, que compartilha, muitas vezes, abordagens harmônicas, rítmicas, melódicas e timbrísticas com o gospel, o jazz e o rhythm and blues”.

Sobre a origem do termo, duas correntes podem ser apontadas para explicá-la: por um lado, acredita-se que o termo se originou pelo fato do gospel ter grupos com o uso do termo soul na década de 40 e 50, como o Soul Stirrers; por outro, foi por conta do jazz, que incorporava figuras melódicas ou riffs1 provenientes da música gospel ou do folk blues, passar a ser chamado de jazz soul no final dos anos 50 (BRACKETT, 2001).

Segundo Brackett (2011) “a ascendência do termo está inextricavelmente ligada ao mo- vimento pelos direitos civis e ao crescimento dos nacionalismos negros culturais e políticos do

1D e acordo com Shuker, riff é “um padrão rítmico ou melódico curto repetido muitas vezes”. (SHUKER, 1999) São Paulo: Ed.Hedra, 1999. p.35. 9 período”. Celso Guimarães (apud SHAW, 1986, p. 209-10), escreve que os “negros, marginalizados, buscavam um canal artístico através do qual pudessem expressar a angústia provocada pela opressão racista”. É interessante notar que, segundo Carlos Palombini, o soul brasileiro foi usado de maneira semelhante ao modo como ocorreu nos Estados Unidos, pois

“ao inserir os bailes black, a música soul, os bailes funk e o funk carioca no âmbito transnacional das manifestações da diáspora africana, ambos prestam contribuição ao combate contra o racismo estrutural da historiografia musical brasileira” (PALOMBINI, 2016).

No final da década de 1960, um novo termo surge no cenário musical: o funk ou funky, que seria um estilo diretamente ligado à soul music e à musica negra. Inicialmente este nome tinha uma conotação negativa, algo que remetia a cheiro forte ou sujo, mas que passa a ser “sinônimo de harmonias menos complicadas[...] e execuções francamente emocionais.” (CALADO, 1990, p.166). A pesquisadora Eloá Gonçalves (apud BRACKETT, 2001, p. 65), observando este estilo, escreve que nas “canções de andamento moderado ou rápido, as linhas de baixo se tornam ʽmais ativasʼ, os arranjos ʽmais cheiosʼ, com maior uso de ʽpartes múltiplas de guitarra, instrumentos orquestrais e percussão auxiliarʼ.

Mais tarde, próximo à virada da década de 60 para 70, o termo usado para abranger toda música negra norte americana, soul music, passaria a ser considerado vago, sendo assim gradualmente substituído por “black music” (VIANNA, 1988, p. 20). Este novo termo seria aquele que exerceria grande influência na cultura brasileira e contribuiria para nomear o grupo musical aqui estudado. Porém, observaremos a seguir que a BBR2 não apenas se apropriou desse termo referente a música negra norte-americana, mas também o misturou com as referências do cenário da música popular brasileira de maneira peculiar.

Entre os grandes ícones desta música, pode-se começar citando Clyde McPhatter3, o primeiro cantor de R&B a se destacar por conta de sua incrível técnica gospel. Ele chamou a atenção por conta da maneira com que adotou o estilo de solo dinâmico de cantores tais como Mahalia Jackson4 e Clara Ward5, para canções com progressões harmônicas derivadas daquele estilo (GONÇALVES, 2011, p. 18).

Posteriormente, dois grandes ícones da soul music foram Ray Charles e James Brown. Estes dois incorporaram muitas das inovações propostas por McPhatter, usando claramente modelos gospel em suas músicas, como por exemplo, na voz de timbre áspero, no “modo gospel”

2 A partir de agora, usarei “BBR” como abreviação para “Banda Black Rio”. 3 https://www.youtube.com/channel/UCyMOY3Mt8EEHYyQokSasauw 4 https://www.youtube.com/channel/UCHAvtOQ_HlQ9P-Xg3mNXcVw 5 https://www.youtube.com/channel/UCjm6z158JRVOJewGA880mOw 10 de se tocar piano, nos padrões de pergunta e resposta entre as vozes e entre outros.

1.2 – Antes da Black Rio: Movimentos Culturais do século XX

“A busca da identidade da música brasileira passa por algumas questões importantes: em primeiro lugar, a cidade do Rio de Janeiro torna-se, na primeira metade do século XX, o centro onde a cultura nacional e a música nacional irão se estabelecer. Esta posição assumida pela cidade do Rio deve-se não só ao fato de ser, na época, a capital da República, mas também à atuação do Estado como agente do projeto de construção de uma identidade nacional” (GUIMARÃES, 2007).

A partir da virada do século XIX para o XX, esta busca da identidade da música brasileira ia se tornando cada vez mais intensa. Até que a partir da década de 20, iniciava-se o movimento que foi chamado de “Modernismo”, liderados por diversos intelectuais também chamados de “nacionalistas”, e entre eles se encontrava Mario de Andrade, um dos maiores representantes do movimento.

A proposta de Andrade (1972) em relação a música brasileira consistia no uso sistemático da música popular rural (um tipo de música de tradição oral, também chamada de folclore) como matéria-prima para se construir a música genuinamente brasileira, mas simultaneamente também se utilizando de materiais tradicionalmente eruditos. Esta música rural era muito considerada por acreditar-se que era uma música com virtudes autóctones e tradicionalmente nacionais, e que esta inconsciente e anônima música rural deveria ser usada pelos compositores como um tipo de base (WISNIK, 1983).

Concomitantemente, a música popular urbana no Rio de Janeiro ia ganhando cada vez mais espaço no cenário musical brasileiro, pode-se apontar como exemplos: o samba, o maxixe, o choro, entre outros. Esta seria a música que surgiu nas massas populares da cidade, vinda dos morros e principalmente do Estácio/Cidade Nova, onde o convívio e mistura de etnias resultaria em novas manifestações culturais através da música.

Uma das características do movimento modernista foi a intolerância em relação à música popular urbana. Esta música era vista como manifestações “indisciplináveis, inclassificáveis, insubmissas à ordem e à história e que os modernistas não poderiam “suportar a incorporação desta última, que desorganizaria a visão centrada homogênea e paternalista da cultura nacional” (WISNIK, 1983). Foi inclusive chamada por Mário de Andrade (1972) de “influência deletária do urbanismo” e algo com “tendência à degradação popularesca e à influência estrangeira” (WISNIK, 1983). E de fato, eram perceptíveis os traços de música estrangeira na música popular urbana, o que desagradava os chamados nacionalistas. 11 Na década de 50, podemos observar que uma tendência vanguardista que buscava um rompimento com a linha de raciocínio que a música européia seguia em toda sua história (incluindo todas as suas tradições e regras pouco inovadoras em sua composição e estruturação) teve influência no Brasil. Um dos resultados desta influência foi o surgimento de um grupo seguidor desse movimento: O Grupo Música Nova, e entre os integrantes estava o compositor e arranjador Rogério Duprat.

O destaque da figura de Rogério Duprat no assunto envolvendo o hibridismo explorado neste trabalho é fundamental, pois apesar de Duprat trabalhar inicialmente com a música erudita (a qual o Grupo Música Nova estava diretamente ligada), ele foi se aproximando cada vez mais da música popular a partir da década de 60. Posteriormente foi indicado como arranjador para o cantor e compositor Gilberto Gil. O trabalho destes dois, junto com , constituiu parte importante do movimento cultural que depois se denominou Tropicalismo.

Na montagem dos arranjos, Duprat propôs adaptar a música brasileira ao rock. Para que isso fosse possível, Duprat apresentou à Gil o grupo de rock “Os mutantes“, que fizeram parte deste movimento que ia ganhando força, e inclusive utilizou a guitarra elétrica (instrumento que foi recebido de maneira hostil no Brasil por ser de origem estrangeira e comumente utilizado no rock americano) na instrumentação. Junto com isto, Duprat se utilizou de uma orquestra, porém, dando-lhe um tratamento sonoro mais pop.

O tropicalismo buscou, de certa forma, uma ruptura com o pensamento nacionalista; buscou mostrar que a música não deve ficar presa apenas no Brasil; buscou mostrar a música como algo universal (expressão usada no próprio disco da Tropicália como “Som Universal” ou “Som Livre”) e resultado de uma mistura vinda de diversas culturas.

Muitos textos falam a respeito da grande invasão da soul music e do funk americano no mercado fonográfico brasileiro na década de 60 e que esta influência resultaria no surgimento de artistas e bandas identificadas com o gênero soul, principalmente na década de 70. Umdos grandes precursores do chamado soul brasileiro é .

Tim Maia, depois de passar 5 anos nos Estados Unidos, convivendo com outros artistas de soul, voltou para o Brasil em 1964, e a partir daí tentaria levar sua carreira em seu país de origem. Depois de muitos fracassos em shows e gravações de discos, Tim Maia começou a adentrar a cena musical e o mercado de discos brasileiros a partir de 1969, através de sua parceria com o cantor e compositor Eduardo Araújo. Depois, outros grandes nomes do cenário musical da época, como 12 Roberto Carlos e Elis Regina, passaram a se interessar pelo gênero americano e a inclusive gravar músicas autorais de Tim Maia. O cantor de soul seria convidado pelo presidente da gravadora Phillips para gravar seu próprio disco, que seria um sucesso. De acordo com Nelson Motta:

“Com o estouro nacional de Tim Maia, o soul tomou conta da cena. Como sempre, os nacionalistas musicais chiavam, como haviam feito diante de Pixinguinha, da bossa nova, da Jovem Guarda e do Tropicalismo, mas a caravana soul passava, levantando a massa e fazendo todo mundo dançar. Baseado no R&B dos anos 60, na soul music da Motown e no funk de James Brown, mas já miscigenado com o samba, o xote e o baião, o soul brasileiro nasceu negro e internacional, romântico e suingado, destinado a se integrar definitivamente à melhor música popular do Brasil” (MOTTA, 2007).

Outros artistas influenciados pelo soul na década de 60 que valem ser citados é Jorge Ben Jor, chamado de “James Brown brasileiro” (MOTTA, 2007), Dom Salvador e Tony Tornado. Todas estas referências, tanto nacionais como internacionais, assim como o surgimento de bailes e casas de festa na cidade do Rio de Janeiro com a forte presença de soul e de funk abriram portas para que outros artistas e bandas entrassem em cena na década de 70.

1.3 – O surgimento e desenvolvimento do grupo

“A popularização da música soul no Brasil aconteceria a partir daquilo que ficaria conhecido como os ‘bailes da pesada’, no início da década de 1970. Tais bailes reuniam centenas e muitas vezes milhares de jovens (em sua maioria negros e mestiços) e eram realizados em diversos pontos do subúrbio do Rio de Janeiro. O crescimento do fenômeno apontou para o surgimento de um novo movimento cultural, que seria batizado pela imprensa carioca de ‘Black Rio’ tendo o mesmo um ‘papel relevante no reencontro com a identidade negra brasileira’ naquela década.” (GUIMARÃES , 2007, p. 2, apud Arce, 1997, p.144)

Em 17 de julho de 1976, Lena Frias lançava sua manchete: “Black Rio: o orgulho (importado) de ser negro no Brasil”, publicada em 17 de julho de 1976 no Caderno B do Jornal do Brasil. De acordo com Carlos Palombini (2017), “entende-se por Black Rio a cultura de bailes que, nos anos 1970, espalhou-se pela Zona Norte carioca, alimentados por soul, funk e disco afro-norte- americanos”. Em relação aos bailes, Celso Guimarães destaca que “uma das conseqüências do fato seria o surgimento, nos anos 70, de artistas e bandas identificados com o gênero soul. Entre tais artistas e bandas destacou-se a Banda Black Rio, assim batizada em referência ao movimento cultural do qual era oriunda” (GUIMARÃES, 2007).

É interessante citar a fala de Roberto Menescal, que de certa forma já enxergava qual seria o resultado da influência do soul no Brasil: 13 “(…) o pessoal do black soul amanhã vai acabar fazendo black samba. Vai ser legal porque vai trazer uma nova maneira de ver o samba”; e ainda acrescentava sua opinião a respeito da conquista de espaço pela música “black”: “o black, agora, é uma realidade(...)” (GONÇALVES, 2011)

No mesmo ano da Manchete de Lena Frias, a Gravadora WEA (filial da Warner do Brasil), que seria a primeira gravadora da BBR, se instalava no território com um dos objetivos de competir com o mercado internacional da black music, e para isso, lançar um grupo brasileiro de soul com afinidades com o “mercado black“. E esse grupo viria a ser a Banda Black Rio, que teve como primeiro produtor musical o diretor artístico da WEA na época, Marco Mazzola.

A banda era formada de músicos experientes no meio musical carioca da década de 70, e que após a contínua entrada da black music americana no cenário musical brasileiro, passaram a se identificar. A respeito de como foi o início desse grupo, André Midani disse que “eram músicos que se conheciam, e tinham uma inquietação muito grande quanto à condenação do músico negro, aqui no Brasil, a ser deixado na cozinha fazendo samba. Eles todos possuíam uma educação musical bastante jazzística, (…) e se gostavam por essa ligação musical que tinham” (GONÇALVES, 2011).

O primeiro álbum da banda, intitulado Maria Fumaça, foi lançado em 1977 com dez faixas inteiramente instrumentais, algumas autorais da banda (como a própria Maria Fumaça, que será analisada posteriormente neste trabalho), e outras que são releituras de obras consagradas do repertório de música popular brasileira, como “Casa Forte (Edu Lobo) e Na Baixa do Sapateiro (Ari Barroso). Em relação a este disco, André Midani diz que:

“A gravação que o Mazzola produziu com a Banda Black Rio foi um momento muito importante na vida musical do país, pois o grupo reunia os mais importantes músicos black do Rio de Janeiro. Oberdan, líder da banda, desenvolveu arranjos surpreendentemente ousados e modernos, que fizeram com que o álbum Maria Fumaça se tornasse, até hoje, uma referência entre os músicos brasileiros devido ao seu conceito inovador e, sobretudo, à influência que exerceu sobre os destinos musicais do funk brasileiro, que estava nascendo, inicialmente pela influência musical do Jorge Ben Jor, do Tim Maia, e naquele momento, dessa banda. O negro podia se expressar de muitas maneiras – sem ficar unicamente confinado ao samba e, no entanto, sem o renegar. Em conseqüência, a Warner passou a ser um ponto de convergência para muitos eventos relacionados com o movimento black, promovidos por Djs nos subúrbios do Rio de Janeiro e de São Paulo.” (MIDANI, 2008, 180)

O seu segundo álbum, que levou o nome de “Gafieira Universal”, foi feito por outra gravadora, a RCA Rio de Janeiro, e foi produzido por Durval Ferreira. Este LP com 10 faixas, sendo 8 músicas autorais - como a canção Vidigal (Oberdan Magalhães e Valdecir Nei), que faz parte das músicas analisadas neste trabalho e 2 releituras - entre elas, o choro Tico-Tico no Fubá (Zequinha de Abreu e Eurico Barreiros). Diferente do primeiro álbum, este não é inteiramente instrumental por conta da presença de duas músicas cantadas em forma de coro pelo baterista Luiz Carlos Batera e pelo novo tecladista Jorge Barreto. 14 É válido ressaltar que a proposta da Banda Black Rio, assim como a de diversos outros adeptos da soul music no Brasil, não foi tão bem recebida por alguns críticos que consideravam o uso de elementos do soul e do funk como prejudicial a música brasileira, e que a considerava uma demonstração do imperialismo cultural norte-americano, “música importada” ou “imposta pelas gravadoras”6. O texto presente no encarte do disco Gafieira Universal, assim como o próprio título do álbum, parecem se defender deste tipo de crítica:

“Gafieira era o lugar onde o povo ia escutar boa música, com boas bandas e danças até o fim da madrugada. Musicalmente era de grande proveito, pois as músicas, fossem elas nacionais ou estrangeiras, eram arranjadas mais livremente e tocadas mais a gosto. Havia uma alquimia maravilhosa, pois se tocava temas de jazz com ritmo de samba. (…) Nesse trabalho, há células de SAMBA, JAZZ, FUNKY, CHORO e SOUL MUSIC, enfim, toda a universalidade da música, que por si só é universal.”7

O pesquisador José Roberto Zan também se pronuncia diante desta situação: “a intenção manifesta de reviver a alquimia das gafieiras e afirmar a universalidade da música, mesmo que refletisse de fato a identidade dos artistas com gêneros nacionais e internacionais, exprimia, de um certo modo, a necessidade dos músicos de legitimar a sua produção.” (ZAN, 2005)

1.3.1 – Os Músicos

Antes do nome do grupo se tornar Banda Black Rio, como é conhecida hoje, seu nome era Senzala e era integrada pelo saxofonista Oberdan Magalhães (considerado o líder do grupo), o trompetista Luiz Carlos Barroso ("Barrosinho"), o baterista Luiz Carlos dos Santos ("Luiz Carlos Batera"), o pianista Cristóvão Bastos, e o contrabaixista Jamil Joanes, o Senzala ‐ com o acréscimo de dois outros músicos, Claudio Stevenson (guitarra) e Lúcio J. da Silva (trombone). Esta viria a se transformar, pouco tempo depois, a primeira formação da banda Black Rio.

“A Banda Black Rio, formada por músicos que vem atuando no cenário nacional há anos, dá um banho de interpretação, conjunto e nível de instrumentistas. Oberdan nos saxes e flauta, acompanhante entre outros de Hermeto Pascoal e Gal Costa; Cristóvão Bastos, tecladista, a maior autoridade em choro eletrônico e colaborador de Paulinho da Viola; Barrosinho, trompete, o mais antigo músico da banda, talvez o maior solista de instrumento no Brasil; Luiz Carlos Santos, bateria, acompanhante de Melodia e um dos fundadores da banda; Jamil Joanes, baixista, com estilo super pessoal, membro original do grupo Senzala, célula ponto de partida para a fundação da banda; Claudinho Stevenson, guitarrista, músico veterano no circuito rock carioca e considerado um dos melhores guitarristas da América do Sul; e Lúcio, trombone, já despontando como um dos grandes valores jovens do instrumento. Um tal nível de experiência confere uma unidade inédita na música brasileira. Um verdadeiro Baile Show.”(...)8

6 Jornal Folha de São Paulo. 17 de Julho de 1977. Folhetim , p.23 7Texto extraído do encarte de Gafieira Universal, Banda Black Rio. LP. 1978. RCAVictor. 15 Depois da BBR gravar seu terceiro disco, intitulado Saci Pererê (WEA, 1980), continuou a tocar e participar de bailes e shows até encontrar seu fim em 1984 quando Oberdan Magalhães, considerado o líder do grupo, faleceu em um acidente automobilístico.

8 Caetanoe a Banda Black Rio. Reportagem publicada na coluna de Nelson Motta para o jornal O Globo.1978. 16 3. Análise das gravações da Black Rio

2.1 – O hibridismo da banda

O termo “hibridismo” vem da palavra grega “hybris”, seu significado original seria, segundo Piedade (2011), “uma força excessiva que violava as leis naturais”. Porém, seu significado foi sendo transformado e filtrado ao longo da história, até que no século XIX, Gregor Johann Mendel “consolidou o uso de termo híbrido para nomear organismos criados artificialmente a partir do cruzamento de espécies naturais. Trata-se da criação de um novo corpo: nos termos da genética atual, um novo DNA” (Piedade, 2011). Ou seja, se fizermos a fusão de dois organismos, o primeiro chamado de A e o segundo chamado de B, teríamos como resultado um organismo o qual as características das anteriores estaria claramente presente, podendo então ser chamado de AB. Porém, por este ser simultaneamente um novo organismo e diferente dos anteriores, poderia também ser chamado de C.

É interessante notar que diversas críticas que surgiam sobre os grupos que praticavam alguma espécie de hibridismo musical na década de 60, como a bossa nova e o tropicalismo, provinham de uma visão a qual o conceito de hibridismo é seu significado original, de algo que viola as leis da natureza, e que tal mistura estaria, de certa forma, violando a pureza musical da música popular.

“O processo de hibridação cultural verificado na música brasileira dos anos 1970 e, mais especificamente na fusão criada pela Banda Black Rio, se liga a um histórico de mestiçagem da cultura brasileira. Muito mais do que meros imitadores da música americana, os músicos da banda trabalharam no sentido de uma reelaboração, a tal “deformação profanatória” de que fala Martín- Barbero. Sendo assim, a identidade cultural brasileira, construída a partir do samba, passa, da mesma forma, por um processo de reelaboração, uma vez que tal gênero, ao alcançar o status de símbolo máximo desta cultura, dilui sua identificação com o grupo étnico ou social de onde se originou“ (Guimarães, 2007.)

2.2 – Músicas analisadas e suas características

Para esta análise, que tem como propósito tentar extrair o máximo de informações possíveis a respeito das técnicas de arranjo e composição usadas pela banda, para posteriormente 17 realizar minhas próprias releituras das músicas escolhidas, foram utilizadas transcrições de quatro faixas dos dois álbuns que aqui estão sendo estudados. “Vidigal”, música autoral da banda e a única cantada que analisaremos neste tópico, foi transcrita por mim e também foi utilizada para ser apresentada pela Orquestra de Música Popular da UNIRIO no primeiro semestre de 2018, enquanto que as outras três foram adquiridas através dos trabalhos acadêmicos de dois estudiosos da banda: Eloá Gonçalves e Miguel Dias. As músicas são: Maria Fumaça (música autoral), Tico Tico no Fubá (Zequinha de Abreu) e Na Baixa do Sapateiro (Ary Barroso). Apesar de Maria Fumaça e Vidigal serem músicas autorais, julguei que estas músicas contém fatores importantes a se considerar a respeito da mescla de estilos musicais

Em sua tese de mestrado “BANDA BLACK RIO: O SOUL NO BRASIL DA DÉCADA DE 1970” (2011), Gonçalves foca no estudo da banda em si, sua história e sonoridade. Enquanto que Miguel Dias, em seu trabalho de Conclusão de curso “Arranjadores, afinidades e influências” para o curso de Música Popular Brasileira – Arranjo na UNIRIO, discorre sobre certos músicos e grupos que o influenciaram ao longo de sua carreira, um deles foi a Banda Black Rio. Assim, estes dois materiais serviram de importante referência para o trabalho aqui proposto.

Algo que pode-se apontar de antemão é a formação instrumental:

A) Naipe de sopros: Formado na maioria das músicas por: Trompete, saxofone e trombone. O próprio uso desta instrumentação, como também os voicings utilizados nos arranjos demonstram a influência da soul music vinda de grupos como “Earth Wind & Fire” e “Kool and The Gang”, jazz bands americanas e orquestras de samba de gafieira, como a Orquestra Tabajara, Maestro Cipó e Severino Araújo.

B) Teclado: Em geral, o timbre mais utilizado pelo teclado é o de Fender Rhodes, além do uso de sintetizador minimoog, clavinete e etc. São timbres muito característicos do soul, funk e jazz fusion, fazendo assim uma perceptível aproximação da banda com estes gêneros.

C) Guitarra: Assim como o piano elétrico, o uso da guitarra também remete à sonoridade do soul e do funk, porém, sem deixar de se aproximar do samba. O timbre em grande parte das músicas é limpo, soando em certos momentos como as guitarras tocadas no soul e em outros como um cavaquinho, geralmente sendo tocado nas regiões agudas; e alternando algumas vezes com o uso da distorção.

D) Baixo Elétrico: Este, junto com a bateria e percussão, é um dos maiores pontos de referência para o diálogo entre o samba e o soul, tocando ora nos padrões do samba, ora os elementos da soul music. 18 E) Bateria e Percussão: Como dito acima, a bateria e percussão, junto com o baixo, parece ser o que mais caracteriza a mescla de gêneros musicais neste caso. A bateria geralmente alterna a execução de um grooves9 de samba-funk para um mais típico do funk, enquanto que a percussão em geral remete à sonoridade do samba.

Observei algumas características que considerei as principais para os arranjos da Banda Black Rio e formei as seguintes categorias e sub-categorias:

1) Hibridismo: Baseado no conceito de hibridismo de Piedade (2011) pude observar, como é dito acima, que os grooves formados por bateria, baixo e percussão são os maiores pontos de referência para o diálogo entre o samba, o funk e o soul, tocando ora nos padrões do samba, ora os elementos da soul music e funk. A aplicação destes grooves serão analisados mais a fundo no próximo tópico.

1.1) Grooves de Samba-funk e Samba-Soul: Levadas10 de bateria que por si só já misturam samba, soul e funk. O baixo em geral executa um padrão rítmico típico do samba sobre a bateria ou faz uma mescla tocando dentro do mesmo compassos elementos dos dois estilos.

1.2) Groove de samba-funk e funk na mesma música: Duas levadas de gêneros diferentes tocadas em momentos diferentes da música. No caso do funk, o baixo segue uma linha ligada ao gênero.

1.3) Bateria funk e percussão: A sonoridade híbrida da banda mostra-se ainda mais complexa que esses pontos, não se limitando apenas às estruturas rítmico-melódicas ou harmônicas de um instrumento para outro sendo apresentadas de maneira isolada (por exemplo, a transição de um groove de bateria mais próximo do soul para outro mais próxima do samba, como está em 1.2), mas também às transições e mistura de estilos que ocorrem de maneira sobreposta. Podemos apontar, por exemplo, um momento da música MariaFumaça que o triângulo executa o padrão rítmico típico do baião sobreposto sobre um groove de bateria e baixo elétrico ligados à soul music e ao funk. Forma-se assim uma textura heterogênea ou, melhor dizendo, “uma complexa teia de linguagens musicais que ora se fundem, ora dialogam, ora movimentam-se e transitam em sentidos e gêneros musicais diversos” (GONÇALVES, 2011).

9 Segundo a pesquisadora Eloá Gonçalves, autores que estudaram o termo “groove“ por uma perspectiva etnomusicológica o definem como uma espécie de “senso particular, mas ordenado, de algo que é sustentado de forma distinta, regular e atraente, agindo de forma a incitar/atrair o ouvinte”. As conexões do termo groove com a dança também são importantes, sendo as características do termo geralmente apontadas como “forças irresistíveis que obrigam o corpo a se mover” (The New Grove Dictionary of Jazz. Second Edition. Volume 2. p.100).

10Levada é um padrão rítmico executado por um acompanhamento musical, seja ele harmônico, percussivo, ou ambos. 19

2) Manipulação motívica: No processo de releitura de alguma obra, este tipo de manipulação é algo muito comum na BBR, ora por diversas vezes a melodia original não se enquadra no estilo de samba-funk proposto, ora por questões de estética. Julgo que os processos de manipulação do motivo descritas por Jono Kornfeld (SD) são bastante eficientes para a análise dos arranjos da BBR e para descrever o que fiz nos meus arranjos. Embora este autor descreva vários tipos de manipulação, apresento aqui aquelas utilizadas pelo grupo e por mim:

2.1) Sequência: motivo repetido em outra altura. 2.2) Mudanças de intervalo: mudanças intervalares realizadas em alguma parte do motivo. 2.3) Extensões: novo material adicionado após a execução do motivo, aumentando sua duração. 2.4) Expansões: adicionar novo material no meio do motivo, antes de seu fim, tornando-o mais longo. 2.5) Fragmentação: capturar um pequeno fragmento do motivo e repetí-lo. 2.6) Aumentação: alongar a duração de notas do motivo, tornando o motivo mais extenso que o original. 2.7) Diminuição: processo inverso da aumentação, encurtar a duração de notas do motivo, tornando o motivo mais breve que o original. 2.8) Afinamento (thinning em inglês): retirar algumas notas da melodia, mantendo a linha mais essencial. Possivelmente é posta com certas mudanças de ritmo para que sua duração seja a mesma do motivo que se baseou. 2.9) Mudança de ritmo: uma ou mais mudanças rítmicas feitas em algum momento do motivo de forma que a duração do mesmo permaneça igual.

3) Convenções: Algo muito comum no repertório da BBR é a presença de convenções e frases tocadas muitas vezes em uníssono/oitavas ou em bloco. Isto é muito presente nas transições entre partes e nas introduções. Entre os tipos de convenção observadas, pode-se apontar:

3.1) Convenções de base: frases tocadas simultaneamente pelos instrumentos de base, às vezes acompanhadas pelos instrumentos de sopro também.

3.12 Hits: ataques isolados, ou seja, acentos rítmicos executados ao longo da levada e tocados poucas vezes. 20 3.3) Diálogo entre convenções e hits: Percebe-se também uma junção das sub-categorias anteriores, em que convenções de base são executadas por certos instrumentos e ao longo delas hits são tocados, ou com instrumentos diferentes, ou com acréscimo de instrumentos, formando assim um diálogo.

2.2.1 – Maria Fumaça

Esta é uma música autoral da banda que deu nome ao seu primeiro disco em 1977. Foi composta por Luiz C. Dos Santos e Oberdan Magalhães e mistura diversos aspectos presentes na sonoridade do samba, do funk e do soul, que foram estudadas nos sub-tópicos anteriores e que citaremos a seguir. Sua transcrição foi feita por Eloá Gonçalves para a sua dissertação de mestrado em música “BANDA BLACK RIO: O SOUL NO BRASIL DA DÉCADA DE 1970”. Uma das características que podemos apontar quanto a mistura de estilos (não apenas nesta música, mas nas outras aqui analisadas) é a parte percussiva: Percebe-se na utilização de bateria, o uso de células rítmicas e grooves muito típicos do samba e do funk e instrumentos de percussão característicos do samba, como blocks, ganzá, cuíca, pandeiro e triângulo. Irei usar nesta análise uma ilustração de dois grooves tocados na música Maria Fumaça, presentes na transcrição de Eloá Gonçalves, um mais próximo do samba-funk e outro do funk (Figura 1), e outro groove típico do samba escrito por mim (Figura 2):

Fig. 1 – Grooves retirados da transcrição de Eloá Gonçalves 21

Fig. 2 - Levada típica de Samba

Nota-se que no groove de samba-funk usado na música aqui analisada utilizam-se alguns elementos de cada um dos outros mostrados. O padrão de ritmo do hi-hat em colcheia, presente no funk, passa a ser em semicolcheia, algo típico do samba. Enquanto que a caixa clara, que é tocada basicamente no aro no samba, representando o tamborim, passa a ser tocada na pele na cabeça do segundo e quarto tempo do groove, algo típico do funk e soul music (essa acentuação é denominada backbeat). Ao analisar-se a linha de baixo elétrico, nota-se que ele segue o que a bateria toca, transitando entre o samba e o funk. Quando o groove de bateria é o samba-funk, o baixo executa o padrão rítmico do samba; e quando a bateria toca funk, o baixo toca uma levada típica do funk porém, de maneira mais livre no fraseado após as primeiras duas notas do compasso:

Fig. 3 – Trecho do groove de baixo durante o samba-funk

Fig. 4 - Trecho do groove de baixo durante o samba-funk

Quanto à percussão, podemos perceber o uso de blocks, ganzá, cuíca, pandeiro e triângulo, sendo tocados em diferentes partes da música e sobrepostos aos padrões de funk executados pela bateria e baixo: 22

Fig. 5 – Padrões rítmicos tocados pelos blocks.

Fig. 6 – Padrões rítmicos tocados pela cuíca.

Nota-se nos blocks e na cuíca, o constante uso de padrões rítmicos sincopados, como aqueles conhecidos popularmente como “garfinhos” - semicolcheia, colcheia e semicolcheia – muito ligados aos gêneros de música popular brasileira. Não apenas os padrões rítmicos devem ser destacados, mas também o próprio timbre dos instrumentos, principalmente da cuíca e pandeiro (como veremos a seguir), que são muito característicos da linguagem do samba:

Fig. 7 – Padrão rítmico tocado pelo pandeiro. 23 Percebe-se também o uso do padrão rítmico do baião na execução do triângulo (semi- colcheias contínuas com terceira e quarta semicolcheia abertas).

Fig. 8 – Padrão rítmico tocado pelo triângulo.

Em relação à progressão harmônica e voicings11 executados (principalmente pelo piano elétrico), pode-se destacar o uso de tétrades com extensões nona, assim como o uso de acordes chamados de “sus4“ (acordes com a quarta no lugar da terça), como “Emaj(9)” e “A7sus4”, remetendo a uma sonoridade do jazzística. É importante ressaltar também a presença da guitarra nas regiões agudas (o que remete ao cavaquinho):

Fig. 9 – Trecho de Maria Fumaça.

11 Voicing é um termo que se refere à disposição das notas de um acorde. 24

Fig. 10 – Trecho de Maria Fumaça.

Porém, essa referência não se deve somente às jazz bands americanas, mas também às referências nacionais. Pode-se pensar que a bossa nova, por conta da sua grande influência nos trabalhos desenvolvidos na década de 60 e 70, tenha sido referência para o trabalho da BBR. Porém, Eloá Gonçalves destaca que “quando observam‐se aspectos como instrumentação, presença de seções de improvisos mais livres, arranjos com andamentos mais rápidos e escolha de repertório (releituras de choros, por exemplo), as afinidades parecem se aproximarem do samba- jazz e se afastarem do lirismo presente na bossa nova” (GONÇALVES, 2011). Entre essas possíveis influências, inclusive citadas pelo próprio André Midani (integrante co-fundador da banda) em uma entrevista concedida a Eloá Gonçalves em Maio de 2010 (GONÇALVES, 2011, p. 151), podemos citar o Tamba Trio de Luizinho Eça, o Samba Trio de Sérgio Mendes, o Zimbo Trio, o Rio 65 Trio do baterista Edison Machado e do pianista Dom Salvador. Como exemplo, pode-se perceber que a condução feita na bateria por Luiz Carlos “Batera” em trechos da música Maria Fumaça remete às conduções comumente feitas por Edison Machado, que utiliza muito o prato de condução (ou ride) e de forma mais aberta. Em relação a forma, podemos definí-la na seguinte ordem: Introdução – Parte [A] – Parte [B] – Parte [A´] – Parte [B´]. Algo para se notar em todas as músicas analisadas neste trabalho, é que depois da exposição inicial de todas as seções do arranjo, a repetição se dá, na maioria das vezes, mantendo as repetições internas das seções individuais com sutis ou nenhuma variação. 25 Algo muito comum no repertório da BBR, incluindo esta música, é a presença de convenções e frases tocadas muitas vezes em uníssono/oitavas. Isto é muito presente nas transições entre partes e nas introduções. Vejamos um exemplo na transição entre partes de Maria Fumaça:

Fig. 11 - Convenção entre partes A e B

Segundo a transcrição, todos os instrumentos que estavam tocando na seção anterior, interrompem seus padrões rítmicos de samba-funk para realizar esta convenção, aparentemente para ressaltar a transição de uma seção da música para outra. Em relação ao naipe de sopros e suas texturas, podemos destacar que variam em cada parte. Vajamos a parte A e B:

Fig. 12 - Trecho da parte A 26

Fig. 13 - Trecho da parte B

Nota-se que a parte A é tocada em bloco, sendo assim uma textura homofônica com inter- valo de quarta. Quanto a parte B, ela é tocada em oitavas entre Sax e o trombone, sendo assim uma textura monofônica. Posteriormente o trompete entraria dobrando a voz do saxofone na mesma altura.

Percebe-se que, não apenas com este exemplo, mas também com as próximas músicas que analisaremos, que é comum que haja uma mudança de textura no naipe quando a música transita de uma parte para outra. A aplicação destas diferentes texturas também se deve a intenção de cada parte, a melodia em bloco é usada em um contexto mais rítmico, enquanto os uníssonos/oitavas são usados onde o trecho visa soar mais leve e melódico e as notas são executadas de modo mais leggato.

2.2.2 – Vidigal

Esta é a música autoral da BBR, a qual a transcrição foi realizada por mim. Foi composta por Valdecir Nei e Oberdan Magalhães e está presente no segundo disco da banda - Gafieira Universal. Esta é uma das poucas músicas cantadas no segundo disco da banda. O álbum anterior, Maria Fumaça, contêm apenas músicas instrumentais, tornado este um dos primeiros trabalhos da banda envolvendo o canto. As estrofes, do início ao fim, são cantadas em coro pelo baterista Luiz Carlos Batera e pelo novo tecladista Jorge Barreto. É interessante notar que o modo de cantar nesta música não remete à impressionante técnica gospel de Clyde McPhatter ou ao timbre rasgado de Ray Charles, e sim ao modo simples de cantar dos de gafieira, se aproximando muito mais da velha atmosfera da malandragem. O tema da letra não está longe da proposta da black music e nem do movimento negro, pois envolve uma denúncia à situação do morro do Vidigal no Rio de Janeiro e ainda exalta a beleza 27 do morro e as gafieiras que aconteciam às sextas-feiras. Pode-se citar alguns trechos: “Falaram que o morro tá ruim pra cachorro, que a turma não pode ficar [...]/ O morro é tão lindo, coberto de verde com ondas de mar e luar / Tem a gafieira que na sexta-feira trabalha e zombam demais / Agora esse papo que não me convence dizendo que o morro não dá”. Podemos perceber que nesta música, assim como naquela estudada no sub-tópico anterior, há um dialogo entre o funk e o samba, porém, de maneira diferente. Embora a introdução da música seja com um groove de samba-funk na bateria, desta vez temos uma linha de baixo elétrico agressiva (provavelmente o instrumento mais marcante desta faixa) que não segue o padrão do samba, mas que remete ao som de slaps12 (vindo do funk) e dialoga com um ritmo feito na cuíca (vindo do samba):

Fig. 14 – Trecho de Vidigal, com baixo elétrico, bateria e cuíca

Quando entra a primeira estrofe, o groove de samba-funk continua, mas o baixo desta vez segue usando o padrão do samba:

Fig. 15 – Trecho de Vidigal: Baixo elétrico e Bateria.

12 Uma técnica muito comumente usada no baixo elétrico, a qual o instrumentista “bate“ em uma corda, geralmente uma das duas mais graves, contra o braço do instrumento, usando o polegar. 28

Em relação à guitarra, o som é limpo o tempo inteiro. Ela mantém padrões rítmicos na maior parte da música, tocando, ora nas regiões agudas, ora nas regiões médias. O teclado parece estar ainda mais livre durante a canção, preenchendo os espaços deixados por outros instrumentos com melodias e harmonias, porém não tão presente e marcante quanto a guitarra. Entre os instrumentos de percussão, pode-se notar o uso do apito sendo tocado de uma maneira que se relaciona com o samba em uma parte que chamarei de Parte B, que é um trecho instrumental que é tocado 3 vezes durante a música. Sobre forma da música, ela é apresentada de maneira simples. A música basicamente é formada por uma introdução, uma parte A e uma parte B que se repetem respectivamente por 3 vezes seguidas, com suas devidas variações:

Fig. 16– Forma da música Vidigal

A harmonia também é simples, grande parte da música é um vamp do acorde de Em7. A introdução se mantem em Em7 e as Partes A e A' são apresentadas com Em7 e Dm7. Apenas as partes B e B' apresentam maior contraste harmônico. Nelas temos os acordes de F, Em7 e uma sequencia de acordes “sus4” separados por intervalos de um tom: Gsus4 – Asus4 – Bsus4 – C#sus4. Quanto ao âmbito das convenções, observemos a figura 17: 29

Fig. 17 – Transição da introdução para Parte A

A figura 17 mostra a transição entre a introdução e a Parte A, na qual o baixo e guitarra estão executando frases na rítmica do samba-funk em cima do acorde de Em7, até que em certo momento, após uma frase cromática ascendente executada pelo sax, trombone e baixo, toda a banda ataca junta na segunda semicolcheia do próximo compasso. Logo após isto, a levada da bateria continua normalmente. No compasso seguinte, o mesmo processo se repete, mas desta vez, um ataque em cima do acorde de Em6 é adicionado na terceira semicolcheia do compasso. Depois disto, a levada de samba-funk continua normalmente para então entrar na parte A no compasso seguinte. Portanto, nota-se que, além das convenções presentes no repertório da banda, que muitas vezes são compostas por diversos ataques e melodias tocadas sucessivamente por 2 ou mais compassos, também há acentos isolados, que são executados no meio da levada, e em seguida continua normalmente.

2.2.3 – Tico Tico no Fubá Composta por Zequinha de Abreu por volta de 1930 e presente na quarta faixa do álbum Gafieira Universal, esta é a primeira releitura que analisaremos. Embora esta música seja um choro em sua versão original e este trabalho tenha um foco maior no samba, acredito que os métodos 30 utilizados para realizar tal releitura de música popular brasileira sejam válidos para este estudo. Isto se deve também às proximidades do samba com o choro e pelo fato do estilo tocado pela BBR nesta música ser o próprio samba-funk. Sua transcrição foi feita por Eloá Gonçalves para o trabalho citado anteriormente. Nesta releitura, podemos observar que muitos elementos são adaptados e novas partes são adicionadas, tanto na forma, como na harmonia, melodia e seção rítmica. O que torna este arranjo muito diferente do choro composto por Zequinha de Abreu. Para esta comparação, usarei como referência a gravação do grupo Bando de Macambira para o seu álbum “Chorinho” (Gravadora Galeão, 2007)13. Sobre os aspectos melódicos do tema, podemos dizer que houve muitas adaptações envolvendo manipulação motívica. Na figura abaixo, apresento uma edição da melodia original publicada no livro “O melhor do choro brasileiro Vol. II” pela editora Irmãos Vitale e irei compará-la com o tema apresentado pela Banda Black Rio:

Fig. 18 – Parte A original de Tico Tico no Fubá14

13https://www.youtube.com/watch?v=BJ8SQzFGz7U 14 http://4.bp.blogspot.com/-xmgEujZCwLI/VhUj2PxlMtI/AAAAAAAABTs/1YxsyuDObIQ/s640/ticotico.png 31

Fig. 19 – Parte A de Tico Tico no Fubá (BBR)

Analisando-se a parte A de Zequinha de Abreu, conclui-se que é composta basicamente pelo primeiro motivo, que é formado por uma bordadura dupla, seguida de um salto ascendente. As demais melodias são formadas por sequências, mudanças de intervalo e extensões. Comparando-se a parte A das duas versões, percebe-se que a BBR seguiu as mesmas manipulações motívicas usadas originalmente, mas sem o uso das extensões presentes na melodia deAry Barroso. Porém, percebe-se o uso constante de expansões (neste caso, utilizou-se apenas pausas entre certos fragmentos do motivo) e outras pequenas extensões. A harmonia da BBR se assemelha a harmonia original, a qual começa com tônica, dominante e tônica (embora a armadura de clave seja a mesma da versão choro, a música é tocada no tom relativo maior). Porém, na versão da BBR, mais tensões são colocadas nos acordes, tornando a harmonia mais densa. Em seguida, os dois últimos acordes desta parte, que são sus4, fazem a música se distanciar ainda mais da versão original. Seguindo para a Parte [A'], nós temos:

Fig. 20 – Parte A‘ de Tico Tico no Fubá

Este [A'] é muito diferente do [A'] original (que é apenas uma reexposição de [A]), pois no arranjo da BBR trata-se na verdade de uma elaboração motívica de [A], criando assim um novo tema. Ele se utiliza das primeiras três notas tocadas em movimento descendente e em anacruse, 32 que estão presentes na frase anterior. Em seguida, uma apojatura cromática é tocada, o que faz certa alusão à bordadura cromática na parte anterior, para assim chegar na nota alvo, a qual é a fundamental do acorde de D7sus4 (Fig. 20). A nomenclatura mais coerente para nomear esta manipulação seria o uso de mudanças de intervalo seguido de uma extensão. Vejamos agora como a BBR se baseou na parte B original para fazer sua releitura:

Fig. 21 – Parte B de Tico Tico no Fubá

Fig. 22 – Parte B de Tico Tico no Fubá (BBR)

O tema original faz constante uso de arpejos ascendentes com variações na última nota que compõe cada arpejo, e a releitura da BBR não foge desta mesma ideia. São executados arpejos ascendentes com mudança de intervalo e aumentação. Porém, mantém-se claramente a sonoridade do choro por conta da própria rítmica dos arpejos: – Pausa de colcheia – Colcheia – Semicolcheia – Colcheia – Semicholcheia – e assim sucessivamente. Quanto a harmonia, pode-se ressaltar o fato de que não houve mudança de tom, se distanciando assim da forma tradicional do choro (embora modulação não seja incomum em soul 33 music). Outros pontos que podemos apontar na relação das duas harmonias são: a permanência no acorde de tônica nos primeiros compassos sem ir para a dominante, como é na versão de Zequinha de Abreu; em seguida tem-se a dominante do [II] e um [II]-[V], como é na versão choro. Porém, em seguida, a harmonia permanece continuamente em um [II]-[V] a cada compasso, o que é comum no jazz e na soul music, até retornar novamente para [I]. Conclui-se com isso que as rearmonizações utilizadas se dão com o intuito de aproximar a sonoridade com o soul e o jazz. Em relação à bateria, um groove diferente dos anteriores é tocado na maior parte da música. Eloá Gonçalves o chamou de Samba-Soul em sua pesquisa, portanto, usarei este título por considerá-lo coerente:

Fig. 23 – Groove mais usado na música

Percebe-se a proximidade com o samba pelo hi-hat tocado em semicolcheia e pelo bumbo tocando em colcheia pontuada seguida de duas semicolcheias, o que normalmente é tocado pelo bumbo ou surdo no samba. Outro aspecto rítmico que remete ao samba são os instrumentos de percussão característicos presentes: tamborim, agogô, cuíca, congas e pandeiro. O baixo elétrico usa uma combinação interessante para formar sua linha: 34

Fig. 24 – Trecho da linha de baixo elétrico.

Nota-se o padrão do samba nos dois primeiros tempos de cada compasso, já nos 2 últimos percebe-se características do soul ao fazer-se frases em semicolcheia, sincopadas e com aproximações cromáticas que remetem à escala de blues. Temos também a forte presença do piano elétrico e do clavinete, remetendo à sonoridade da soul music, muito presente na música de muitos artistas de soul, como e Stevie Wonder. Também pode-se destacar um outro groove presente na música, tocado na parte [A‘], que tem uma linguagem mais ligada ao funk:

Fig. 25 – Groove usado na Parte [A‘]

O ano de 1978, ano de lançamento de disco Gafieira Universal, foi o início do que foi chama-do de “Era das Discotecas”. Isso se deve à vasta entrada de Disco-Music no mercado fonográfico nacional e à sucessos nacionais como “Dancin‘Days” (Nelson Motta e Rubens Queiroz) e internacionais, como “Stayin‘ Alive” (B. Gibb, R. Gibb, M. Gibb). Portanto, pode-se deduzir que o uso do groove de Funk-Disco está ligado à esta forte influência naquele ano. Quanto à forma, usarei como base a análise feita por Eloá Gonçalves em sua dissertação de mestrado já citada. A forma é adaptada e posta de maneira bem diferente do tradicional rondó do 35 choro. A introdução original é omitida e substituída por uma frase do final da Parte B (que foi retirada da parte B da versão choro) e a parte C é também omitida. Antes do início do tema, há a presença de um trecho instrumental, sem melodia, que liga a introdução ao tema [A], o qual Gonçalves chamou de “Ponte” (derivada da nomenclatura americana Bridge). Outro fator comum nos arranjos da BBR são os vamps15 que aparecem no final desta música e em outras. Analisando o arranjo da BBR, podemos colocar na seguinte forma:

Fig. 26 – Forma da música Tico Tico no Fubá

Quanto à parte “Convenção”, pode-se dizer que ela é estruturada de maneira diferente das anteriores:

15Motivo ou frase musical que é persistentemente repetido. 36

Trompete

Sax. T.

Trombone

Pno. El.

Guitarra

Baixo E.

Fig. 27 - Convenção

A convenção se inicia com uma frase feita em uníssono pelo piano e baixo elétrico, logo em seguida são executados hits (em staccato) por toda a banda (incluindo a bateria, que não está presente na imagem). Logo, conclui-se que as conversões tocadas pela banda se dão de diversas formas, usando, ora apenas alguns instrumentos, ora todos. Quanto às texturas do naipe, pode-se destacar outro tipo, não falado ainda, presente na introdução:

Fig. 28 - Introdução de Tico Tico no Fubá 37

Desta vez, o naipe de sopros utiliza alternância de solo de uníssonos/oitavas; aqui vemos melodias distintas, embora sem muito contraste, acontecendo juntas, formando uma textura diferente daquelas analisadas até agora.

2.2.4 – Na Baixa do Sapateiro

Em 1938, Carmen Miranda lançava a primeira gravação de um samba composto por Ary Barroso pela gravadora Odeon Records, que será o material de referência para esta análise. A releitura desta obra está presente no primeiro álbum da banda (Maria Fumaça – WM – 1977) e sua transcrição foi feita por Miguel Dias para o seu trabalho de conclusão de curso em Música Popular Brasileira – Arranjo na UNIRIO, já citado anteriormente.

Diferente de Tico Tico no Fubá, a melodia desta releitura é apresentada de forma mais literal e “fiel” ao tema original. Na figura abaixo, apresento uma edição da melodia original publicada no livro “Songbook – Ary Barroso – Vol. 1” pela editora Irmãos Vitale e irei compará-lo com o tema apresentado pela Banda Black Rio:

Fig. 29 – Parte A de Na Baixa do Sapateiro (original)

Bbm7

Sax A.

Fig. 30 - Parte A de Na Baixa do Sapateiro (BBR)

Primeiramente gostaria de destacar as diferenças de interpretação e articulação. Na música de Ary Barroso, cada nota é mais “ligada” uma na outra, isto é, uso de leggatos. Enquanto que na 38 versão da BBR as melodias são interpretadas com mais ataques e notas tocadas de forma seca (staccato), algo próprio do estilo proposto por eles.

Percebe-se que um dos principais fatores que diferenciam as duas versões é o ritmo da melodia. A primeira nota do tema, que começa sendo tocada na cabeça do primeiro tempo do primeiro compasso é tocada no segundo tempo na versão da BBR. As demais notas seguem utilizando as variações de articulação citadas anteriormente: forte presença de síncopes e staccatos. A forma também se diferencia pelo fato de que, originalmente, a primeira frase não é repetida e em seguida segue-se para a próxima frase; enquanto que na versão da BBR, esta frase é repetida 4 vezes antes de seguir para a próxima.

A harmonia original é um acorde dominante em cima do primeiro grau (Bb7) em toda a parte A, e passa a ser um acorde menor com sétima.

Avançando para o segundo tema, nós temos:

Fig. 31 - Parte B de Na Baixa do Sapateiro (original)

Fig. 32 - Parte B de Na Baixa do Sapateiro (BBR)

Pode-se concluir que os mesmos princípios usados para reler a parte A da música foram usados para a releitura da Parte B. Isto se deve pela reprodução com variações de rítmica e de articulação típicas do funk e do samba. Quanto à forma, esta frase é executada sem repetições na composição original, enquanto na versão da BBR é repetida 2 vezes. Quanto à harmonia da parte B, temos a presença do quarto grau maior e quarto grau menor (Amaj7 – Am9), assim como é originalmente. Em seguida, ocorre um movimento cromático 39 descendente da harmonia, até chegar ao acorde de Fmaj9(#11), para então repetir esta seção e voltar para o primeiro tema. A Parte C a seguir se trata de um vamp formado a partir de uma elaboração da introdução original. A parte C original foi omitida neste arranjo:

Fig. 33 - Introdução original em C7

Fig. 35 – Parte C (BBR) Quanto aos grooves da música, podemos destacar que se segue o mesmo tocado em Tico Tico no Fubá, chamado Samba-Soul:

Fig. 36 – Groove de bateria (Parte A)

Fig. 37 - Trecho do Groove de baixo (Parte A)

Na parte B encontramos um groove que difere de todos estudados até agora:

Fig. 38 - Trecho do Groove de baixo (Parte B) 40

Fig. 39 – Groove de bateria (Parte B)

Nota-se que esta levada não se baseia tanto nos padrões do samba e do funk. Embora o hi- hat esteja sendo tocado em semicolcheia, o bumbo não segue os padrões do samba e a caixa não segue o padrão de nenhum dos dois estilos. Mas ao comparar com a melodia que está sendo tocada sobre esta levada, percebe-se a intenção de formar um diálogo entre a seção rítmica e a melodia da música (observar Figura 32), e não seguir padrões rítmicos. Isto envolve não apenas a bateria, mas todos os demais instrumentos participam deste diálogo. Embora eu não tenha aplicado este método nos meus arranjos, achei válido destacá-lo por ser diferente daqueles comumente usados e para um maior enriquecimento desta análise. Quanto à percussão, ela entra de maneira mais presente a partir da Parte B, em que o triângulo passa a fazer o mesmo padrão rítmico já citado anteriormente:

Fig. 40 – Padrão rítmico tocado pelo triângulo.

Apenas a partir da Parte C que outros instrumentos de percussão entram em cena: o ganzá e a cuíca. Estes executam padrões rítmicos próximos daqueles já citados anteriormente, os quais remetem à sonoridade do samba. 41 4. Elaboração dos arranjos

Neste capítulo escrevo sobre as músicas escolhidas para compor este trabalho e as analiso individualmente; expondo ao leitor a aplicação dos métodos de hibridismo, manipulações motívicas e convenções observados nos arranjos da BBR . Nas ilustrações deste capítulo optei por notar os instrumentos transpositores em concert pitch para uma melhor compreensão das análises.

3.1 – Mas que nada

Em 1963, Jorge Ben Jor lançava seu disco intitulado “Samba Esquema Novo”, e entre as músicas que compõe seu álbum está uma das canções escolhidas para formar este trabalho: Mas que nada. A música se inicia com a introdução que está presente no disco. A mesma foi posta de maneira quase literal, porém, tocada em bloco pelo naipe e com algumas alterações por conta da harmonia proposta:

Fig. 41 - Introdução

Não há levada ou groove nesta parte, a base inteira toca junta atacando na rítmica exposta na linha de guitarra. Tentei assim encaixar estes ataques da base nos supostos espaços deixados pela melodia e criar um diálogo entre base e hits. A seguir, na parte A, optei por não realizar muitas rearmonizações e manipulações motívicas pelo fato da harmonia e melodia de Jorge Ben se encaixarem muito bem no estilo aqui proposto. 42 No groove usado nesta parte, me baseei naqueles usados nas músicas analisadas neste trabalho, incluindo o uso da percussão:

Fig. 42 - Trecho do groove da Parte A (Mas que nada)

Considero válido destacar que, em muitos momentos da música, eu utilizo convenções de base que reforçam a divisão rítmica da melodia:

Fig. 43 – Convenção da Parte A

Na parte B, a guitarra e piano elétrico param de tocar, visando valorizar, não só a mudança de dinâmica, mas também a mudança de groove:

Fig. 44– Groove da parte B 43 Aqui foi usado o recurso de bateria funk e percussão, no qual o triângulo executa um padrão rítmico comumente usado na música brasileira sobre um groove típico do funk, criando uma textura heterogênea. Desta vez, pelo fato da melodia original conter diversas semicolcheias, eu a adaptei para se adequar melhor ao estilo usando um afinamento. Feito isso, dei mais destaque ao saxofone no início da parte B, com o trompete e trombone completando os primeiros dois motivos com a última nota. Em seguida, formei linhas de suporte harmônico com ambos com o intuito de deixar a melodia do sax na voz central:

Fig. 45 - Início da Parte B

Logo em seguida, a melodia passa a ser tocada em uníssono até o final desta parte e a guitarra e piano voltam a tocar. No final da parte B, quando a melodia inicial é retomada, volta-se a tocar o groove de samba-funk para dar mais movimento à música, também pelo fato desta melodia já ter sido tocada poucos compassos antes. Após isto, há um improviso de piano elétrico de 8 compassos, para então voltar para a parte A e B, com as mesmas repetições tocadas anteriormente (o que é feito nos arranjos da BBR, como já foi visto). Por fim, a introdução inicial é repetida quase literalmente, apenas com uma variação ao final. Logo em seguida, há uma convenção para finalizar a música: 44

Fig. 46 - Final de Mas que nada.

Usei a mesma ideia da primeira convenção da parte A e com a devidas rearmonizações para que a música finalizasse na tônica.

3.2 – Conversa de Botequim

Em 1935, Noel Rosa lança a gravação de um samba composto em conjunto com Vadico e Osvaldo Gogliano, e este samba foi escolhido para fazer parte dos arranjos que escrevi.Para a introdução desta música, usei como referência a ideia usada na introdução da música Vidigal, para isso, utilizei apenas baixo (em F dórico), bateria e percussão. Vale apontar que a rítmica proposta na virada inicial visou fazer referência à anacruse para a parte A que veremos mais a frente:

Fig. 47 - Groove da Introdução 45 Abaixo há uma comparação entre o primeiro tema original e o arranjo que escrevi:

C D7 G7 C A7 Dm7 G7

Am7 Gm7 C7 F E7 D7

G7

Fig. 48 - Parte A original em Dó16

Fig. 49 - Parte A do arranjo de Conversa de Botequim

Visando uma adaptação ao estilo proposto, fiz um afinamento tirando as diversas semi- colcheias de notas repetidas e deixei as notas que considerei as mais essenciais para, de certa forma, resumir a melodia original. Optei por utilizar o uníssono para deixar a melodia mais evidente, sem o adensamento gerado com a utilização de um bloco e não visei alongar o tema ou algum motivo com pausas ou notas mais longas, como é feito em Tico-Tico no Fubá. Depois da parte A, uma convenção é feita de maneira semelhante àquela destacada em Tico-Tico no Fubá:

16https://marceloleite.webnode.com.br/downloads/ 46

Fig. 50 - Convenção entre a parte A e B

Após um breque com os sopros e base no compasso 17, os instrumentos de base tocam uma convenção referente à anacruse da parte A, mas executada em sequência e diminuição, seguida de um hit no final da frase, para então repetir o mesmo processo até se chegar ao acorde dominante do novo tom, que é quando começa a parte B. Embora tenha-se observado anteriormente que nem sempre a BBR segue as mudanças de tom das versões originais (como visto em Tico Tico no Fubá), achei válido manter a modulação entre as sessões para uma maior variação entre as partes A e B. Antes de fazer uma comparação entre as duas melodias, vale apontar que neste momento o groove muda para o funk americano e é acompanhado pela percussão. Comparemos agora a parte B da música original e o meu arranjo:

Fig. 51 - Parte B original em F 47

Fig. 52 - Parte B do arranjo de Conversa de Botequim

Nesta parte, usei o mesmo método usado na parte anterior, preservei o número de compassos usados para completar o tema e me baseei no contorno melódico para fazer um afinamento e resumir as diversas semicolcheias presentes na versão original. Para esta parte, a melodia é tocada em bloco para um maior preenchimento harmônico e variação de textura. Logo após a parte B, a música retorna para a Parte A e B, e é tocada da mesma forma que fora anteriormente para então chegar a um solo de bateria no qual os outros instrumentos tem participação em certos ataques. Após o solo, o esperado seria finalizar a música se eu me ativesse à forma normalmente usada pela BBR, mas achei válido repetir a parte A de maneira diferenciada. Com o intuito de fazer uma mudança drástica de dinâmica, comecei o primeiro tema apenas com bateria e trombone por dois compassos, para então fazer uma entrada forte com todos os demais instrumentos no compasso seguinte, manipulando a melodia com constantes mudanças de intervalo para então finalizar a música alguns compassos depois.

3.3 – 1X0

Em 1919, Pixinguinha e Benedito Lacerda faziam a primeira gravação de um choro composto por eles e o intitularam 1X0. Esta será a terceira música que escreverei a respeito das aplicações dos métodos de hibridismo da BBR. Neste arranjo, me baseei muito nos métodos usados em Tico Tico no Fubá. Eu utilizei o mesmo groove, uma forma e um método semelhante para montar a melodia. Começarei discorrendo sobre a Introdução: 48

Fig. 53 - Introdução de 1X0

Fiz esta introdução baseada em uma frase presente na parte B da versão original, na qual observamos um movimento descente de diversas semicolcheias em um âmbito de uma oitava. Apenas fiz uma pequena mudança de ritmo na segunda nota. Utilizo este mesmo motivo para montar uma convenção com mais uma mudança de ritmo na transição entre partes A e B, e para terminar a música. A respeito do groove:

Fig. 54 - Groove de 1X0

Utilizei ogroove de bateria de Tico Tico no Fubá de forma literal e usei o baixo para dialogar com o bumbo e caixa. Como de costume, a percussão, no caso a cuíca, está presente para fazer mais uma aproximação com o samba. Agora faremos uma comparação da parte A original e no meu arranjo: 49

Fig. 55- Início da parte A original

Fig. 56 - Parte A da arranjo de 1X0

Nesta parte, caso o tema fosse executado como ele é originalmente, descaracterizaria o estilo de samba-funk aqui proposto, por isso usei uma expansão, adicionando pausas entre fragmentos da melodia, tornando o tema mais longo. Quanto a harmonia, me baseei na harmonia original e busquei certo diálogo com o blues pelo uso das sétimas dominantes. Diferente de Tico Tico no Fubá, a parte A da música de Pixinguinha não se baseia em um motivo inicial que claramente se desenvolve ao longo do trecho, mas encontra-se uma clara distinção entre as frases da parte A, pois não provém de um mesmo motivo. Por isso, usei a frase seguinte da parte A para compor a parte B de meu arranjo, ao invés de usar a parte B original da música:

Fig. 57 - Trecho da Parte A original 50

Fig. 58 - Parte B da releitura

Desta vez, não usei uma expansão, mas reproduzi o tema de maneira mais literal. Apenas modifiquei algumas notas, principalmente no último compasso devido à nova harmonia que eu propus. Outro fator a se destacar é que usei um groove de Disco-funk para esta parte com um padrão rítmico de triângulo, o que se diferencia das outras levadas de funk utilizadas nos outros arranjos que fiz. Depois disto, uma convenção baseada na frase da introdução é tocada como convenção pela base, para então retornar a parte A:

Fig. 59 - Convenção entre partes A e B

Depois de repetir as partes A e B, a música finalmente entra na parte C, a qual se baseia na parte B original de 1X0. Farei uma comparação entre trechos das duas versões:

Fig. 60 - Primeiros compassos da parte B 51

Fig. 61 - Parte C de 1X0 (arranjo)

Para formar a Parte C, me baseei no motivo presente nos primeiros compassos da Parte B de Pixinguinha, o qual começa com uma nota na cabeça do primeiro tempo, seguido de um arpejo ascendente para então tocar a primeira nota novamente e recomeçar outro arpejo. À medida que os arpejos seguem, esta nota que é repetida em cada um deles muda em movimento descendente e em grau conjunto. Usei esta lógica para compor a parte C, porém, com aumentações e mudanças de intervalo. Depois da parte C, volta-se para a harmonia inicial, para entrar na última parte da música que chamei de CODA, que é um vamp antes de terminar a música:

Fig. 62 - Trechos do CODA

A Fig. 62 mostra as duas estruturas motívicas que compõem o CODA. A primeira está presente na Parte B da versão de Pixinguinha, a qual foi usada para compor a introdução e as convenções presentes no arranjo aqui estudado. A segunda melodia, tocada pelo sax (voz do meio) e acompanhada pelos outros instrumentos de sopro é a única referência que há da parte C original, a qual por si só, tem um caráter bem marcante. 52 3.4 – O Juízo Final

O último arranjo a ser analisado neste trabalho é uma composição de Nelson Cavaquinho, gravada pela primeira vez em 1973 e intitulada Juízo Final. Nesta música, a melodia foi transposta para o tom em questão de forma literal e sem qual- quer mudança drástica na duração das notas pelo fato do tema original de Nelson Cavaquinho parecer se adequar bem ao estilo aqui proposto. Vejamos como a introdução foi construída:

Fig. 63 - Introdução

Para formar esta introdução, utilizei a frase presente nos primeiros compassos da Parte A e, usando uma diminuição, a reproduzi em semicolcheias e com uma mudança de intervalo na primeira nota:

Fig. 64 - Trecho da Parte A

Algo que procurei valorizar neste arranjo foi o groove de bateria. Em diversas transições utilizei a levada da bateria sozinha, como antes da parte A, no final da parte A e C, e inclusive para terminar a música. Antes de entrar na parte A, a bateria fica 2 compassos executando sozinha a levada padrão deste arranjo, a qual é diferente de todos aqueles tocados até agora: 53

Fig. 65 - Trecho da música

Para formar esta levada, tomei partido de outro groove que também é utilizado popularmente em sambas-funk. Por exemplo, esta levada é utilizada frequentemente pelo baterista Ivan “Mamão” Conti no grupo Azymuth e em sua carreira solo, além de diversos outros bateristas interessados nesta mescla de gêneros musicais. Percebe-se claramente uma proximidade ainda maior com o samba neste groove, não só pelo bumbo no segundo e quarto tempo, mas também pela caixa fazendo uma rítmica típica do tamborim do samba. Depois disto, a música segue para a parte B, constituído por um vamp em C7(#9). Nesta parte, o objetivo é a guitarra estar mais à frente e os outros instrumentos estarem mais discretos. Usando uma fragmentação junto com mudança de intervalo, naipe repete as duas primeiras notas do primeiro tema e faz uma extensão na última nota.

Fig. 66 - Transição para a Parte B 54 Após o vamp, ocorre mais uma vez uma convenção que conecta as partes B e C. Esta frase é baseada na introdução, mas aplicando uma sequência:

Fig. 67 - Convenção na transição entre as partes B e C

Depois da convenção, o arranjo entra na parte C, onde a melodia original se mantém e harmonia segue com um baixo pedal no sétimo grau (F7sus4 – F7/9). Ao final desta parte, ocorre uma convenção no compasso 30 que é baseada numa frase da própria parte C para depois entrar o groove de bateria sozinho, voltar para a parte A e repetir tudo. Depois da nova repetição da parte C, há um solo de saxofone tenor e mais 4 compassos apenas com levada de bateria e percussão para finalmente terminar a música. 55 Considerações Finais

A mistura de gêneros musicais é, sem dúvida, um assunto extremamente abrangente e tem um rico material que pode ser profundamente explorado. Neste trabalho de conclusão de curso, propus uma maneira de extrair características estilísticas de certos materiais para serem usadas como referência para novos arranjos com este tema. Acredito ter conseguido apresentar formas e métodos coerentes de releitura e elaboração para os arranjos das músicas que propus e levado algumas músicas consagradas do repertório nacional, até certo ponto, para o âmbito estrangeiro sem perder o caráter da música brasileira. Durante o processo de formação deste trabalho, visei não apenas botar em prática o conhecimento que obtive através das análises da BBR, mas também das ricas aulas de arranjo, análise, entre outras realizadas na UNIRIO; no intercâmbio que fiz na Suécia no curso Jazz/Rock; e na minha vivência musical fora do contexto acadêmico. Também não poderia deixar de mencionar o contato que tive com tantos colegas músicos, que foi imprescindível para a minha formação profissional. Inclusive tive aprendizados muito úteis no processo de gravação no estúdio e na organização da mesma porque pretendo me aprofundar no âmbito da produção musical, em trabalhos em home studio e em lançamentos de material áudio-visual nas redes sociais. Para isso, o aprendizado obtido no curso de arranjo será imprescindível. Para que a apresentação do resultado deste trabalho não fique restrito somente à banca examinadora e àqueles que estarão presentes na ocasião, pretendo fazer vídeos para cada arranjo gravado e publicá-los, em breve, nas mídias sociais, como Youtube e entre outros. Acredito que assim eu poderei expor melhor o resultado obtido e fazer com que sirva de influência para mais músicos. Por fim, agradeço aos professores Thiago Trajano e Pedro Aragão por me orientarem nes-te trabalho e por todos os colegas que estiveram diretamente e indiretamente envolvidos para que ele se concretizasse. Gostaria de deixar um agradecimento especial ao professor Josimar Carneiro, que foi meu professor da matéria de Arranjo em quase todos os períodos da faculdade. E acima de tudo, agradeço a Deus, que creio que me colocou onde estou hoje. 56 Referências Bibliográficas

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