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UNIVERSIDADE DE SÃO PAULO INSTITUTO DE BIOCIÊNCIAS

BOTÂNICA NO INVERNO 2018

Organizadores

Laboratório de Algas Marinhas Laboratório de Fisiologia do Fábio Nauer da Silva Desenvolvimento Vegetal Nuno Tavares Martins Bruno Nobuya Katayama Gobara Laboratório de Anatomia Vegetal Frederico Rocha Rodrigues Alves Leyde Nayane Nunes dos Santos Silva Renata Callegari Ferrari Erika Prado Maximo Laboratório de Sistemática, Evolução e Laboratório de Biologia de Sistemas Biogeografia de Plantas Vasculares Daniele Silva Pereira Rosado Aline Possamai Della Laboratório de Fitoquímica Andressa Cabral Gislaine das Neves Sacramento

Professora responsável Profa. Dra. Cláudia Maria Furlan

Autores Aline Possamai Della Luana Jacinta Sauthier Allyson Eduardo Nardelli Luíza Teixeira Costa Andressa Cabral Maria Camila Medina Montes Annelise Frazão Maria Carolina Las-Casas e Novaes Antônio Azeredo Coutinho Neto Mariana Maciel Monteiro Augusto Giaretta Mariana Sousa Melo Bianca Kalinowski Canestraro Matheus Colli-Silva Bruno Lenhaverde Sandy Milena de Godoy Veiga Camila Dellanhese Inácio Natalie do Valle Capelli Carmen Lucia Gattás Nuno Tavares Martins Eduardo Damasceno Lozano Pamela Santana Ellenhise Ribeiro Costa Pâmela Tavares da Silva Emanuelle Lais dos Santos Patrícia Guimarães Araújo Erika Prado Maximo Priscila Pires Bittencourt Fábio Nauer Raquel Paulini Miranda Filipe Christian Pikart Rebeca Laino Gama Gisele Alves Renata Callegari Ferrari Jéssica Nayara Carvalho Francisco Sabrina Gonçalves Raimundo José Hernandes Lopes Filho Sebastião Maciel do Rosário Juan Pablo Narváez-Gómez Tiphane Andrade Figueira Juliana Lovo Valéria Ferrario Bazalar Karoline Magalhães Vanessa Ariati Leyde Nayane Nunes dos Santos Silva Vinícius Daguano Gastaldi Lorena Bueno Valadão Mendes

São Paulo 2018

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Imagem de fundo da capa: Colagem da folha diafanizada de Tetrapterys mucronata Cav., uma das espécies de Malpighiaceae estudadas no projeto de doutorado da discente Leyde Nayane Nunes dos Santos Silva, do programa de Ciências Biológicas (Botânica) da Universidade de São Paulo.

VIII Botânica no Inverno 2018 / Org. Aline Possamai Della [et al.]. – São Paulo: Instituto de Biociências da Universidade de São Paulo, Departamento de Botânica, 2018. 275 p. : il.

ISBN Versão online: 978-85-85658-77-9

Inclui bibliografia

1. Biodiversidade e Evolução. 2. Estrututa e Desenvolvimento. 3. Recursos Econômicos Vegetais. 4. Ensino em Botânica.

VIII Botânica no Inverno 2018.

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PREFÁCIO

Fundado em 1934 pelo professor Felix Kurt Rawitscher, o Departamento de Botânica do Instituto de Biociências da Universidade de São Paulo atualmente é referência em nível internacional de pesquisa e ensino. Possui uma equipe formada por 28 docentes (3 aposentados), os quais estão distribuídos em 8 áreas de conhecimento. Apresenta como infraestrutura 11 laboratórios, um herbário com a coleção de plantas vasculares, algas e madeiras estimado em 300.000 espécimes e, um fitotério, com uma coleção de plantas vivas para uso didático, estufas e casas de vegetação. Somando-se ao grande número de pós-graduando (dentre esses, estrangeiros) e a alta atividade científica dessa comunidade, a Pós-Graduação de Botânica possui conceito CAPES 7, o mais alto entre as botânicas do país. Realizado desde o ano de 2011, o curso de Botânica no Inverno, é uma iniciativa dos pós- graduandos que visa divulgar esse trabalho realizado no Departamento de Botânica, possibilitando o futuro acolhimento de alunos (potenciais) pesquisadores ao seu corpo discente. Na VIII edição, o Curso de Botânica no Inverno pretende, com os alunos de graduação e recém-formados, revisar e atualizar conceitos fundamentais das subáreas Anatomia Vegetal, Educação em Botânica, Ficologia, Fisiologia Vegetal, Fitoquímica, Sistemática e Taxonomia Vegetal, além de proporcionar a experiência de vivenciarem as atividades realizadas em nossos laboratórios, despertando o primeiro interesse dos possíveis futuros acadêmicos em projetos de pesquisa do Departamento. Para a realização do VIII Botânica no Inverno, agradecemos à Universidade de São Paulo, à direção do Instituto de Biociências, à chefia do Departamento de Botânica, à Comissão Coordenadora do Programa de Pós-graduação em Botânica, as agências de fomento FAPESP, CAPES e CNPq.

O conteúdo dos capítulos é de responsabilidade dos respectivos autores.

Desejamos a todos um bom curso. Comissão Organizadora do VIII Botânica no Inverno

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ÍNDICE

PREFÁCIO...... 5 PARTE I: DIVERSIDADE E EVOLUÇÃO Capítulo 1: Origem e evolução do cloroplasto...... 8 Capítulo 2: Criptofíceas: um pequeno grupo de grande importância...... 13 Capítulo 3: Macroalgas marinhas: técnicas de cultivo e aplicação...... 20 Capítulo 4: Ecologia de costões rochosos: metodologias de amostragem e monitoramento...... 29 Capítulo 5: Mudanças climáticas e os efeitos sobre macroalgas marinhas...... 46 Capítulo 6: Macroalgas e suas aplicações biotecnológicas...... 51 Capítulo 7: Morfologia e ecologia das briófitas...... 67 Capítulo 8: Tópicos gerais sobre licófitas e samambaias...... 77 Capítulo 9: Herbáceas de sub-bosque...... 94 Capítulo 10: Inferindo a história evolutiva de organismos: dos fundamentos básicos da obtenção dos dados à reconstrução de uma hipótese filogenética...... 102 Capítulo 11: Fundamentos de taxonomia vegetal...... 125 Capítulo 12: Biogeografia neotropical: história e conceitos...... 145

PARTE II: ESTRUTURA E DESENVOLVIMENTO Capítulo 13: Bases de anatomia para compreensão de aspectos funcionais da madeira...... 168 Capítulo 14: Estruturas secretoras...... 175 Capítulo 15: Interação planta-animal: uma pequena abordagem sobre os mecanismos por detrás dos mutualismos ...... 193

Capítulo 16: Genômica e elementos de transposição ...... 200

PARTE III: RECURSOS ECONÔMICOS VEGETAIS Capítulo 17: Fatores que influenciam no desenvolvimento das plantas: Água e Macronutrientes...... 211 Capítulo 18: Reações luminosas da fotossíntese: produzindo NADPH e eletricidade...... 226 Capítulo 19: Estresse hídrico em plantas: aspectos morfofisiológicos, adaptações e mecanismos de resposta...... 235

PARTE IV: ENSINO EM BOTÂNICA Capítulo 20: Precisamos falar sobre a Bioinformática...... 246 Capítulo 21: Educomunicação como ferramenta de Educação Ambiental: Projeto Ecossistemas Costeiros...... 262

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Parte I

DIVERSIDADE E EVOLUÇÃO

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CAPÍTULO 1 Origem e evolução dos cloroplastos Karoline Magalhães (Universidade de São Paulo) Fábio Nauer (Universidade de São Paulo)

A diversidade biológica encontrada atualmente em nosso planeta está classificada em três domínios, Archaea, Bacteria e Eukarya, sendo os dois primeiros procariontes e o último eucarionte. As células de eucariontes são fruto do processo de endossimbiose que ocorreu há mais de 1.4 bilhões de anos. Nesse processo, um endossimbionte foi retido e integrado à célula hospedeira, originando a mitocôndria. Toda a diversidade biológica encontrada dentro de Eukarya descende deste único processo de endossimbiose. Os processos endossimbiose podem impactar dramaticamente a arquitetura celular e genômica das células envolvidas. Ao longo do processo de estabelecimento de endossimbiose, parte do material genético do endossimbionte é transferido para o núcleo principal da célula hospedeira. Tal fato resulta na diminuição dos genomas organelares, assim como reestruturação genética nessas organelas. Consequentemente, mitocôndrias e cloroplastos passam a ser dependentes de proteínas produzidas pelo núcleo, que são marcadas para realizarem funções como expressão, reparo e replicação dentro nessas organelas. A endossimbiose teve uma ampla influência sobre a diversificação das linhagens de eucariontes. Há teorias que defendem que o processo foi fundamental para o surgimento do sistema de endomembranas e da origem do núcleo dos eucariontes. As células procariontes são cerca de 10 vezes menores que os eucariontes e assim exigem um outro nível de compartimentação para seu funcionamento. A capacidade de criar um fagócito por meio de uma invaginação celular, que fosse capaz de envolver partículas tão grandes quanto bactérias, foi crucial para a evolução dos eucariontes. A fotossíntese surgiu originalmente nas cianobactérias (algas azuis) há aproximadamente 3.5 bilhões de anos. Esses organismos foram responsáveis pela oxigenação da atmosfera, permitindo a colonização do ambiente terrestre e modificando completamente o clima na Terra. Após o surgimento das células eucariontes, a endossimbiose envolvendo cianobactérias entram em cena. Chamamos de endossimbiose primária, aquela na qual um organismo eucarionte heterotrófico englobou e reteve uma cianobactéria, culminando no surgimento dos cloroplastos. Acredita-se que um único processo de endossimbiose primária deu origem à Archaeplastida (Figura 1). Tal grupo compreende a importantes linhagens que conhecemos atualmente, são as glaucófitas, rodofíceas (algas vermelhas) e clorofíceas (algas verdes e plantas terrestres).

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A partir do processo de endossimbiose primária, os primeiros cloroplastos surgiram. Posteriormente, processos de endossimbiose envolvendo dois eucariontes se iniciaram. Em processos distintos de endossimbiose secundária envolvendo uma alga verde ancestral como endossimbionte, as chlorarachniofítas e euglenofíceas adquiriram seus plastídios (Figura 1). As características das células hospedeiras dos dois grupos é bastante distinta. Enquanto as euglenofíceas estão proximamente relacionadas aos tripanossomídeos e leishmanias (Discicristata), as chlorarachniofítas são relacionadas aos foraminíferos e radiolários (Rhizaria). Embora filogenia dos plastídios secundários verdes já seja melhor compreendida, a história dos grupos com plastídios derivados de algas vermelhas ainda é controversa. Não há consenso sobre quantos eventos de endossimbiose originaram as linhagens de plastídios vermelhos. Inicialmente, acreditava-se que um único evento de endossimbiose secundária envolvendo uma alga vermelha e um hospedeiro heterotrófico se diversificou e deu origem as linhagens atuais de criptofíceas, dinoflagelados, haptofíceas e heterocontes. Esse grupo foi chamado Chromoalveolata. Outra teoria proposta para a evolução dos plastídios vermelhos, supõe que dois eventos distintos deram origem às linhagens vermelhas atuais. As haptofíceas e criptofíceas são fruto de um único evento de endossimbiose, sendo agrupadas em Hacrobia. Já os heterocontes teriam adquirido seus plastídios em um evento separando. Entretanto, trabalhos recentes utilizando filogenômica nuclear não embasam tais teorias. Recentemente, uma nova teoria sobre a origem e evolução dos plastídios secundários vermelhos foi proposta, em que propõe que as criptofíceas adquiriram seus cloroplastos por meio de um único evento de endossimbiose secundária com uma alga vermelha. Posteriormente, um eucarionte heterotrófico englobou uma criptofícea, originando plastídios terciários dos heterocontes. A partir de então, outro eucarionte heterotrófico englobou o heteroconte (plastídio terciário) em um processo de endossimbiose quaternária, dando origem a linhagem das haptofíceas (Figura 2). Entretanto, muito ainda precisa ser investigado para se chegar a um consenso sobre a evolução dos grupos de organismos que possuem plastídios de algas vermelhas. Os dinoflagelados são constantemente excluídos dessas analises.

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Figura 1. Representação esquemática dos processos de transferência lateral dos plastídios nas atuais linhagens de eucariontes

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Figura 2. Representação das teorias atuais sobre a origem dos plastídios derivados de algas vermelhas.

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Referências Burki, F., Kaplan, M. Tikhonenkov, D., Zlatogursky, V., Minh, B. Q., Radaykina, L., Smirnov, A., Mylnikov, A. P., Keeling, P. J. 2016. Untangling the early diversification of eukaryotes; a phylogenomic study of the evolutionary origins of Centrohelida, Haptophyta and Cryptista. Proceedings of the Royal Society Biological Sciences, v. 283, n. 1823, p. 20152802. Charrier, B., Bail, A., Reviers, B. 2012. Proteus: Brown Algal Morphological Plasticity And Underlying Developmental Mechanisms. Trends In Plant Science, August 2012, Vol. 17, No. 8. Graham, L.E.; Graham, J.M. & Wilcox, L.W. 2009 Algae. 2. ed. Pearson Benjamin Cummings, 616 p. Guimarães, S.M.P.B. 1990 Rodofíceas marinhas bentônicas do Estado do Espírito Santo: ordem Cryptonemiales. Tese de Doutorado, Universidade de São Paulo, São Paulo, 275 p. Guiry, M.D. 2011 The seaweed site: information on marine algae (Online). Acesso em 02 de junho de 2012. Knoll, A.H. The Multiple Origins Of Complex Multicellularity. Annu. Rev. Earth Planet. Sci. 2011. 39:217–39. Lee, R.E. 2008 Phycology. 4ª ed. Cambridge University Press, 547 p. Paula, E.J.; Plastino, E.M.; Oliveira, E.C.; Berchez, F.; Chow, F. & Oliveira, M.C. 2007 Introdução à Biologia das Criptógamas. Instituto de Biociências da Universidade de São Paulo, Departamento de Botânica, São Paulo, SP, 184 p. Smith, D. R., Keeling, P. J. 2015. Mitochondrial and plastid genome architecture: reoccurring themes, but significant differences at the extremes. Proceedings of the National Academy of Sciences, p. 20144049. Spalding, M.D., Fox, H.E., Allen, G.R., Davidson, N., Ferdaña, Z.Z., Finlayson, M., Halpern, B.S., Jorge, M.A., Lombana, A., Lourie, S.A., Martin, K.D., Mcmanus, E., Molnar, J., Recchia, C.A., Robertson, J. 2007. Marine Ecoregions of the World: A Bioregionalization of Coastal and Shelf Areas. BioScience 57(7): 573-583.

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CAPÍTULO 2 Criptofíceas: um grupo pequeno de grande importância Karoline Magalhães (Universidade de São Paulo)

Cryptophyceae, ou criptofíceas, é uma linhagem monofilética de organismos majoritariamente fotossintéticos. Algumas formas com plastídios sem cor (leucoplastos) podem ocorrer no gênero Cryptomonas. Há também espécies heterotróficas do gênero Goniomonas, que não possuem plastídios. Em estudos recentes, as criptofíceas são colocadas como irmãs de linhagens heterotróficas, como katableparídeos, telonemídeos e palpitia, que juntos formam o clado Cryptista. Entretanto, não há uma teoria consenso a respeito do relacionamento das criptofíceas com as demais linhagens de autótrofos cujos plastídios são derivados de algas vermelhas e ainda há debate na literatura cientifica a respeito deste tema. Inicialmente, o grupo foi classificado junto com as haptofíceas e heterocontes, como Chromista. Tal hipótese de classificação foi baseada em características compartilhadas pelos três grupos, como o armazenamento de β1-3 glicano no citoplasma, a presença de clorofila c nos tilacóides, aliado ao fato dos plastídios serem revestidos por quatro membranas (duas extras). A relação de ancestralidade dos plastídios dessas linhagens também foi confirmada por meio de dados filogenômicos dos cloroplastos. Entretanto, trabalhos filogenômicos utilizando os genomas do núcleo e da mitocôndria indicam que Cryptista (criptofíceas e outras linhagens heterotróficas) é grupo irmão de Archaeplastida. As criptofíceas são organismos unicelulares e biflagelados. Suas células são assimétricas, devido a inserção de um par de flagelos ligeiramente distintos. O flagelo maior (dorsal) é geralmente adornado por duas fileiras de mastigonemas, enquanto o flagelo menor com apenas uma fileira (Figura 1). Próximo a inserção dos flagelos, uma citofaringe, que é uma invaginação celular, se estende para o interior da célula. Alguns táxons podem ter uma abertura dessa citofaringe (gullet), chamada de sulco (furrow), que pode ser parcial ou total. Ejectiossômios, que são organelas explosivas, estão dispostos ao redor da região da citofaringe/ sulco. Eles também são encontrados entre as placas do periplasto em outras regiões da célula. Supõem- se que os ejectiossômios sejam organelas relacionadas a fuga e defesa contra injurias, e esses são diferentes dos tricocistos dos dinoflagelados. O periplasto cobre as células das criptofíceas e é organizado em duas camadas de proteínas que revestem a membrana plasmática por dentro (componente interno do periplasto-CIP) e por fora (componente externo do cloroplasto-CEP). As formas das placas do periplasto variam entre as

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linhagens de criptofíceas e são muitas das vezes usadas como caracteres taxonômicos do grupo. A mitocôndria é unitária e tem forma tubular, que pode ser não ramificada à até complexas formas ramificadas. A mitocôndria se dispõe ao longo das demais organelas. O núcleo principal da célula está sempre disposto na parte antapical da célula (Figura 1).

Figura 1. Morfologia básica das células fotossintetizantes de criptofíceas. (Am) amido, (Ci) citofaringe, (Cl) cloroplasto, (E) ejectiossômios, (F) flagelos, (M) mastigonemas, (Pi) pirenoide, (Nu) núcleo, (V) vestíbulo.

As criptofíceas surgiram por meio de um processo de endossimbiose, cujo endossimbionte foi uma alga vermelha (Figura 2). Consequentemente, seus plastídios são complexos e têm algumas características únicas. Quatro membranas envolvem os cloroplastos das criptofíceas. Os dois pares de membranas externas correspondem ao retículo endoplasmático, e o par de membranas interno são do envelope do cloroplasto. A membrana formada pelo vacúolo durante o englobamento do endossimbionte parece ter se fundido com o envelope nuclear. A grande maioria das espécies tem um único cloroplasto parietal lobado, com um pirenoide conspícuo (Figura 1). Os pigmentos fotossintéticos do grupo são clorofilas a e c, ficobiliproteínas e carotenoides. As ficobiliproteínas não estão dispostas em ficobilissomos, a despeito das algas vermelhas e cianobactérias. Existem estudos que indicam que todos os tipos de ficobiliproteínas encontrados nas criptofíceas são originalmente derivados uma ficoeritrina, visto que a aloficocianina e ficocianina foram perdidas ao longo do processo evolutivo.

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Figura 2. Representação esquemática do processo evolutivo que resultou no surgimento de Cryptophyta

Nas células desse grupo, as ficobiliproteínas estão localizadas dentro dos tilacóides e apenas um tipo é encontrado por organismo. Sendo assim, ao se obter um extrato de ficobiliproteína de uma espécie é possível saber qual tipo de ficobiliproteína essa possui por meio de uma varredura em espectrofotômetro dentro dos comprimentos de onda da luz visível (400-750nm). O tipo de ficobiliproteína tem sido utilizado para auxiliar a taxonomia das criptofíceas e existe correlação entre o tipo do pigmento e a filogenia molecular. Nos grupos vermelhos de criptofíceas, as ficobiliproteínas são mais conservadas. Por exemplo, a ficoeritrina 545nm é encontrada nos gêneros Rhodomonas, Rhinomonas, Storeatula, Teleaulax, Hanusia, Guillardia, Proteomonas Plagioselmis e Geminigera. A ficoeritrina 566nm é exclusiva do Cryptomonas, assim como a ficocianina 569nm do gênero Falcomonas. Já nos gêneros Chroomonas e Hemiselmis têm variação do tipo de ficobiliproteína de acordo com a linhagem. Em Hemiselmis, cinco tipos diferentes de ficobiliproteinas já foram descritas, sendo que algumas são espécie-especificas (até o momento). Os cloroplastos das criptofíceas ainda retêm o núcleo vestigial do endossimbionte, chamado de nucleomorfo. Portanto, as células de criptofíceas possuem quatro genomas (Figura 3), dois eucariontes (núcleo e nucleomorfo), e dois procariontes (cloroplasto e mitocôndria). Enquanto os genomas da mitocôndria e do núcleo são heranças da célula hospedeira, os genomas do nucleomorfo e do cloroplasto advêm do endossimbionte (alga vermelha). Cada genoma comanda sua síntese de

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proteínas em compartimentos celulares distintos e fazem intercambio de moléculas, o que requere um mecanismo de coordenação dos compartimentos celulares. O nucleomorfo das criptofíceas tem três cromossomos, mas o tamanho do genoma varia e não há correlações obvias entre a filogenia do grupo e o tamanho do genoma do nucleomorfo. O processo de compactação do material genético do nuclemorfo se iniciou há milhões de anos atrás, sendo responsável pela eliminação e transferência de quase todos os genes para o núcleo principal do hospedeiro. Além do mais, o nucleomorfo tem sido considerado muito importante para o entendimento dos processos de endossimbiose e origem dos cloroplastos, visto que é um estado intermediário de redução do núcleo do endossimbionte. As células de criptofíceas têm dois citoplasmas, um da célula hospedeira e outro do endossimbionte. O citoplasma do endossimbionte fica localizado entre as duas membranas internas e externas do cloroplasto, e é chamado de espaço periplastidial (EPP). Nessa região celular são encontrados grãos de amido, os ribossomos 80S e o nucleomorfo (Figura 3).

Figura 3. Representação da célula de criptofíceas evidenciando os quatro genomas e dois citosois presentes em cada organismo. (Am) amido, (EPP) espaço periplastidial, (G) complexo de Golgi, (MT) mitocôndria, (NM) nucleomorfo, (Pi) pirenoide, (RER) retículo endoplasmático rugoso.

Ehrenberg descreveu as primeiras espécies de criptofíceas em 1832. Outras espécies e gêneros foram sendo descritos ao longo do tempo. Entretanto, a grande maioria dos autores tinha dificuldade 16

de separar espécies e propor filogenias devido ao pequeno tamanho da maioria das espécies (menor que 40µm) e a falta de características morfológicas conspícuas. A partir da década de 60, trabalhos com criptofíceas utilizando microscopia eletrônica se tornaram mais comuns, o que aumentou o número de caracteres morfológicos para sistemática e filogenia do grupo. Muitos gêneros foram criados, entretanto, há uma grande divergência na literatura sobre quais caracteres morfológicos são válidos para estabelecer as categorias taxonômicas. Por meio de imagens de microscopia eletrônica, a reprodução sexuada foi reportada nas criptofíceas, sendo que em alguns gêneros, como Proteomonas, pode haver dimorfismo entre os haploides de diploides. A partir da década de 90, trabalhos utilizando inicialmente sequências moleculares ribossomais para inferência filogenética validaram muitos dos gêneros estabelecidos previamente com base em caracteres morfológicos. Outros táxons já foram invalidados, como Chilomonas, atribuído as espécies atualmente classificadas como Cryptomonas (que possuem leucoplasto). Para outros táxons, as filogenias moleculares indicaram para- ou polifilia, e, portanto, necessitam de revisão taxonômica para validar ou não esses grupos. O uso de sequências moleculares junto a dados morfológicos também possibilitou a identificação de dimorfismo dentro de uma mesma espécie, que anteriormente poderiam classificadas como duas espécies distintas. Tal fato já foi documentado para espécies do gênero Cryptomonas. As criptofíceas são encontradas em ambientes marinhos, salobros e dulcícolas desde ambientes tropicais até áreas polares. São frequentemente reportadas na comunidade planctônica de ambientes aquáticos, embora raras espécies tenham sido documentadas para o solo e gelo. Ocasionalmente, algumas populações podem se multiplicar rapidamente resultado em florações, que são rapidamente sucedidas por florações de seus predadores, como dinoflagelados e ciliados. As criptofíceas são importantes como fonte de alimento para animais e protistas, como larvas e ciliados. Sendo assim, para reduzir a predação, algumas espécies de Cryptomonas desenvolveram comportamento de migração vertical na coluna d’água em lagos. Durante o dia vão para a zona eufótica e durante a noite migram para ambientes anôxicos e com sulfito de hidrogênio. Atribui-se que tal mecanismo consiga reduzir as perdas da população por predação em 38%. Alguns organismos marinhos do plâncton marinho podem manter cloroplastos de criptofíceas como cleptoplastídeos por um período de tempo. Os hospedeiros assim se favorecem pelos produtos da fotossíntese. O ciliado Myrionecta rubra e alguns grupos de dinoflagelados, como Dinophysis, são conhecidos por manter temporariamente plastídios de criptofíceas. Os hospedeiros temporários dos plastídios das criptofíceas também são capazes de formar florações, já reportadas na costa do Brasil e outras partes do mundo. Entre os dinoflagelados hospedeiros de cleptoplastídeos de criptofíceas, há espécies potencialmente produtoras de toxinas que podem causar envenenamento humano.

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A estimativa do número de espécies de criptofíceas é incerto e chega a próximo de 200, sendo que cerca de metade dessas são marinhas e outra metade dulcícola. As ordens mais diversas são Cryptomonadales (166 espécies) e Pyrenomonadales (40 espécies). O gênero Cryptomonas conta com o maior número de espécies descritas atualmente (54 espécies), seguido pelos gêneros Chroomonas, Rhodomonas e Hemiselmis. Entretanto, muitas dessas espécies necessitam de uma investigação mais detalhada devido a carências na tipificação. Estudos recentes utilizando abordagem metagenômica, amostrando os oceanos em uma escala global (ver TARAOCEANS), identificaram cerca de 150 unidades taxonômicas operacionais (UTO) para as criptofíceas usando bibliotecas da região V9 do 18S rRNA. Esses dados representam mais da metade da diversidade de espécies previamente estimada para o grupo nos ambientes marinhos. Adicionalmente a grande maioria das UTO (90%) encontradas para as criptofíceas foram dentro da fração do picoplâncton marinho. Entretanto, grande parte das espécies descritas de criptofíceas são da fração do nanoplâncton. Tais dados nos levam a supor que boa parte das espécies de criptofíceas marinhas ainda não foram descritas. A descrição de espécies do grupo numa perspectiva geral é bastante limitada. Todos os táxons descritos são resultados de coletas de oportunidade, o que resulta em uma baixa amostragem e representatividade numa perspectiva global. A imensa maioria das espécies descritas foram coletadas para o Hemisfério Norte. No Brasil, o conhecimento a respeito da flora das criptofíceas é ainda incipiente. Poucos trabalhos foram publicados e todos eles se baseiam apenas em descrições morfológicas obtidas por meio observações em microscopia de luz. Consequentemente, as estimativas do número de espécies em território nacional são incertas, uma vez que espécies crípticas são comumente descritas para o grupo. A escassez de taxonomistas para criptofíceas, aliado a problemas como falta de infraestrutura para microscopia eletrônica e biologia molecular, são fatores que contribuem para a carência de dados para o grupo em território brasileiro. Trinta e quatro espécies foram documentadas no Brasil, sendo 31 de ambientes continentais e duas de ambientes marinhos.

Referências Burki, F., Kaplan, M. Tikhonenkov, D., Zlatogursky, V., Minh, B. Q., Radaykina, L., Smirnov, A., Mylnikov, A. P., Keeling, P. J. 2016. Untangling the early diversification of eukaryotes; a phylogenomic study of the evolutionary origins of Centrohelida, Haptophyta and Cryptista. Proceedings of the Royal Society Biological Sciences, v. 283, n. 1823, p. 20152802. De Vargas, C.; Audic, S.; Henry, N.; Decelle, J.; Mahe, F.; Logares, R.; Lara, E.; Berney, C.; Le Bescot, N.; Probert, I.; Carmichael, M.; Poulain, J.; Romac, S.; Colin, S.; Aury, J.-M.; Bittner, L.; Chaffron, S.; Dunthorn, M.; Engelen, S.; Flegontova, O.; Guidi, L.; Horak, A.; Jaillon, O.;

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Lima-Mendez, G.; Luke, J.; Malviya, S.; Morard, R.; Mulot, M.; Scalco, E.; Siano, R.; Vincent, F.; Zingone, A.; Dimier, C.; Picheral, M.; Searson, S.; Kandels-Lewis, S.; Acinas, S. G.; Bork, P.; Bowler, C.; Gorsky, G.; Grimsley, N.; Hingamp, P.; Iudicone, D.; Not, F.; Ogata, H.; Pesant, S.; Raes, J.; Sieracki, M. E.; Speich, S.; Stemmann, L.; Sunagawa, S.; Weissenbach, J.; Wincker, P.; Karsenti, E.; Boss, E.; Follows, M.; Karp-Boss, L.; Krzic, U.; Reynaud, E. G.; Sardet, C.; Sullivan, M. B.; Velayoudon, D. 2015. Eukaryotic plankton diversity in the sunlit ocean. Science, v. 348, n. 6237, p. 1261605–1261605. Falkowski, P. G.; Katz, M. E.; Knoll, A. H.; Quigg, A.; Raven, J. A.; Schofield, O.; Taylor, F. J. R. 2004. The Evolution of Modern Eukaryotic. Science, v. 305, n. July, p. 354–360. Gantt, E.; Edwards, M. R.; Provasoli, L. 1971. Chloroplast structure of the Cryptophyceae. Evidence for phycobiliproteins within intrathylakoidal spaces. Journal of Cell Biology, v. 48, n. 2, p. 280– 290. Guiry, M. D.; Guiry, G. M. 2018. AlgaeBase. Disponível em: . Acesso em: 13 mai. 2018. Hoef-Emden, K. 2005. Multiple Independent Losses of Photosynthesis and Differing EvolutionaryRates in the Cryptomonas (Cryptophyceae): Combined Phylogenetic Analyses of DNA Sequences of the Nuclear and the Nucleomorph Ribosomal Operons. Journal of Molecular Evolution, v. 60, n. 2, p. 183–195. Hoef-Emden, K. 2007. Revision of the Genus Cryptomonas (Cryptophyceae) II: Incongruences between the Classical Morphospecies Concept and Molecular Phylogeny in Smaller Pyrenoid- less Cells. Phycologia, v. 46, n. 4, p. 402–428. Kim, J.; Yoon, H.S.; Yi, G.; Shin, W.; Archibald, J. M. 2018. Comparative mitochondrial genomics of cryptophyte algae:gene shuffling and dynamic mobile genetic elements. BMC Genomics, v. 19, n. 1, p. 275. Laza-Martínez, A. 2012. Urgorri complanatus gen. et sp. nov. (Cryptophyceae), A red-tide-forming in brackish waters. Journal of Phycology, v. 48, n. 2, p. 423–435. Lee, R.E. 2008 Phycology. 4ª ed. Cambridge University Press, 547 p. Stiller, J. W.; Schreiber, J.; Yue, J.; Guo, H.; Ding, Q.; Huang, J. 2014. The evolution of photosynthesis in chromist algae through serial endosymbioses. Nature Communications, v. 5, p. 5764.

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CAPÍTULO 3

Macroalgas marinhas: técnicas de cultivo e aplicação Patrícia Guimarães Araújo (Universidade de São Paulo) Allyson Nardelli (Universidade de São Paulo)

As algas marinhas são utilizadas pelo homem a milhares de anos. E apesar de seu consumo ser mais evidente pelos povos orientais, estudos arqueológicos demonstraram a utilização de macroalgas na costa sul do Chile a 14.000 anos atrás, sugerindo que as algas também fazem parte da dieta humana no Hemisférico Ocidental desde a antiguidade. Nos últimos 400 anos, as algas marinhas representam uma parte importante da culinária asiática, e após a segunda guerra mundial, o consumo deste recurso também se expandiu para o Ocidente. Atualmente elas são utilizadas na alimentação direta, em sopas, chás, saladas e sushi, como matéria-prima para produção de hidrocolóides, um espessante utilizado na indústria alimentícia, na composição de adubos, tintas, ração animal, na indústria farmacêutica, cosmética, nutracêutica e biotecnológica. Até a Idade Média, as algas eram provenientes de coleta em bancos naturais, mas a partir do século XVII com o surgimento dos primeiros substratos artificiais para criação de peixes marinhos, também se desenvolviam os primeiros cultivos de algas. Atualmente, a algicultura tem um papel fundamental no desenvolvimento da maricultura mundial, representa uma alternativa para suprir a demanda de mercado, no complemento de renda de diversas comunidades tradicionais e minimiza a sobreexplotação dos bancos naturais. De acordo com o último levantamento da FAO (Organização das Nações Unidas para Agricultura e Alimentação), a produção de algas em 2014 foi de 27.300 toneladas, que corresponde a 20% do total da produção mundial de organismos marinhos, com um valor de US$ 6,7 bilhões em 2014. A maior parte desta produção ocorre na Ásia, principalmente na China, Indonésia, Filipinas, Coréia, Japão, Malásia e Tanzânia. Entre os países ocidentais, destacam-se o Chile, com 99% da produção de Gracilaria spp. no continente americano, seguido dos países da África como a Tanzânia, Madagascar, África do Sul e Namíbia. As principais espécies cultivadas são Kappaphycus alvarezii, Eucheuma spp., Gracilaria spp., Laminaria japonica Areschoug (Kelps), Undaria pinnatifida (Harvey) Suringar, Porphyra spp. (Pyropia spp.) e Sargassum fusiforme (Harvey) Stechell. No Brasil, há registros de cultivos de Gracilaria spp. nos Estados do Ceará, Rio Grande do Norte e Paraíba, e da espécie Kappaphycus alvarezii (Doty) Doty ex. P. C. Silva no litoral do Rio de Janeiro e São Paulo. Apesar do potencial para produção de algas, condições ambientais favoráveis, demanda social e

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diversos estudos desenvolvidos neste setor, os cultivos de algas no país ainda são em pequena escala e representa uma atividade incipiente.

Tecnologias para produção de macroalgas marinhas As técnicas de cultivo de algas desenvolveram-se rapidamente nos últimos 70 anos, principalmente na Ásia e, mais recentemente, nas Américas e na Europa. No entanto, ainda há muitos desafios a serem superados relacionadas a técnicas de cultivo mais robustas e economicamente viáveis, especialmente para ambientes offshore, seleção e desenvolvimento de linhagens tolerantes a variações térmicas e de salinidade, resistentes a doenças e organismos epífitos e incrustantes, com altas taxas de crescimento e alta concentração de moléculas de interesse. De modo geral, o cultivo de algas é baseado na propagação vegetativa dos talos. As mudas de macroalgas são presas a cabos, redes ou colocadas em tanques onde ocorre um aumento da biomassa através de crescimento vegetativo. As mudas são originadas da coleta de bancos naturais, algas arribadas1, da produção do próprio cultivo ou da produção de esporos a partir de linhagens selecionadas. As algas vermelhas dos gêneros Gracilaria Greville, Gracilariopsis E.Y. Dawson, Kappaphycus Doty e Eucheuma J. Agardh são as mais cultivadas no mundo. Elas são produzidas a partir de quatro técnicas diferentes: (i) cultivos em cordas flutuantes em um sistema denominado tie- tie, (ii) balsas flutuantes ou semi-flutuantes com cordas ou redes tubulares, (iii) estacas presas ao fundo e (iv) em sistemas de tanques (Figura 1). As estruturas de tie-tie e balsas podem ser alocadas em baías protegidas ou mar aberto, enquanto que o método de estacas é utilizado em áreas rasas e protegidas, próximo à costa. O período de colheita varia de acordo com a espécie cultivada, geralmente varia entre dois a três meses. A técnica de cultivos em tanques possui a vantagem de controle do sistema, que garante uma produção com altos padrões de qualidade e biossegurança, no entanto, o custo elevado de manutenção torna esta técnica limitada. Atualmente a maior parte estoques de mudas de Gracilaria e Gracilariopsis são provenientes da coleta de bancos naturais, mas também são observadas a reposição de mudas a partir de talos jovens produzidos do cultivo ou de esporos (carpósporos e tetrásporos) provenientes de linhagens selecionadas. Esta última técnica é comumente utilizada no Chile para produção de Gracilaria chilensis C.J. Bird, McLachlan & E.C. Oliveira e outras regiões como o Havaí. A dependência de mudas a partir dos estoques naturais pode causar sérios problemas em virtude da variabilidade genética das populações de algas, além de ocasionar a sobre-explotação deste recurso natural. As

1 Algas arribadas são algas desprendidas do substrato pela força das correntes e que ficam atiradas a linha de praia durante a maré baixa. 21

mudas de Kappaphycus e Eucheuma são originadas de talos jovens do próprio cultivo. As espécies destes gêneros apresentam alta taxa de crescimento e facilidade de manejo do cultivo, por esta razão, estas espécies têm sido introduzidas em diversas regiões tropicais e subtropicais com objetivo de maricultura

Figura 1. Técnicas de cultivo de algas dos gêneros Gracilaria, Gracillariopsis, Kappaphycus e Eucheuma. A) Sistema de cabo flutuante ou tie-tie, B) Balsas flutuantes onde as algas estão presas a cabos ou redes tubulares, C) Sistema de cabo presos no fundo.

Os desafios da produção destas algas vermelhas é reduzir os problemas de incrustação, epifitismo e herbivoria. Geralmente, a manutenção dos cultivos é feita 2-3 vezes por semana para retirada de incrustantes e epífitas das estruturas e algas cultivadas. Algumas soluções bem-sucedidas incluem o enxágue das algas com água doce, determinação de densidade de algas ideal e cultivos em tanques. As doenças também são frequentes entre as espécies de Kappaphycus e Eucheuma, e que ameaça a produção de diversas fazendas de algas marinhas. A mais comum é denominada de ice-ice, devido ao surgimento de manchas brancas ao longo dos talos, que causa ruptura e morte celular. Ainda não se conhece ao certo o vetor desta doença, infecções bacterianas, virais ou estresse físico podem ser fontes potenciais.

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O método de cultivo de Porphyra C. Agardh e Pyropia J. Agardh, comercialmente conhecidas como nori, envolve todo ciclo produtivo da alga. Na primeira fase, denominada conchocelis, ocorre a liberação e semeadura de esporos que se fixam em redes e são cultivados em tanques sobre condições controladas de temperatura, salinidade, pH e luminosidade. Na segunda fase, os talos gametofíticos (mudas) são transferidos para áreas maiores: tanques maiores, estacas fixas, redes e jangadas semi-flutuantes e flutuantes, que crescem por propagação vegetativa até atingir um tamanho comercial (Figura 2). As técnicas de controle de epífitas variam de acordo com os sistemas de cultivo. Podem ser através da dessecação com a exposição da estrutura de cultivo ao ar para matar epífitas e organismos incrustantes, através do controle do pH com aplicação de ácidos orgânicos nas redes. A produção das algas pardas Saccharina Stackhouse e Undaria Suringar, conhecidas como kelps, é semelhante as técnicas de produção do nori. Envolve a liberação e semeadura de esporos e crescimento de talos gametofíticos em tanques, e posterior instalação destas mudas em sistemas off- shore, onde os talos atingem até 5 metros de comprimento.

Figura 2. Técnicas de cultivo de algas envolvendo todo reprodutivo.

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Cultivo de algas multi-trofico Segundo a FAO, a produção no setor da aquicultura deve crescer 17% até 2025, em relação a safra de 2015, que foi de 166 milhões de toneladas. Está expansão na produção, gera apreensão com o uso sustentável dos corpos d’águas. Uma vez que as operações aquícolas podem causar impactos negativos como a eutrofização dos corpos d’água, devido ao aumento da concentração de nutrientes, o que pode provocar a hipóxia e acidificação das áreas sobre influência dos cultivos, afetando a diversidade dos organismos bentônicos e planctônicos, proliferando patógenos e ameaçando a saúde do ecossistema. Com isso, é relevante a aplicação de métodos de produção alinhados a bioeconomia, que visem, não apenas o crescimento econômico, mas também, uma maior abordagem ecológica e social, sendo fundamental para o desenvolvimento sustentável da atividade produtiva. Nesse contexto, é recomendável a utilização de métodos de produção que visem não apenas o crescimento econômico, mas também uma maior abordagem ecológica e social. Uma maneira para alcançar este objetivo é a implementação da Aquicultura Multi-Trófica Integrada Marinha (AMTIM). A AMTIM é uma abordagem que pode ser adotada para mitigar os possíveis efeitos negativos da monocultura. Esta estratégia de aquicultura baseia-se na produção aquática sob o conceito de reciclagem e reutilização. Em lugar de cultivar uma única espécie (monocultura) e incidir os esforços sobre suas necessidades, a AMTIM tenta imitar um ecossistema natural, combinando o cultivo de várias espécies com funções ecossistêmicas complementares, de modo que um tipo de alimento não consumido, por exemplo, resíduos, nutrientes e subprodutos, possam ser reaproveitados e convertidos em nutrientes, alimentos e energia para outras culturas, tendo a água como meio de conectividade entre os níveis tróficos. Sistemas AMTIM envolvem espécies como peixes ou camarões, que são alimentados com ração e/ou rejeitos de pesca (arraçoados), organismos filtradores de material orgânico particulado (MOP), como ostras, vieiras e mexilhões, e filtradores de compostos inorgânicos, como algas (Figura 3). Os peixes introduzem material orgânico na coluna d’água devido a alimentos não consumidos e + -3 produção de fezes, além de liberar compostos inorgânicos como NH4 , PO4 e CO2, devido à ação metabólica. Organismos filtradores de MOP podem ter um reforço na sua dieta devido ao abastecimento de resíduos particulados de alimentos e fezes provenientes dos organismos arraçoados, assimilando parte deste material em seu tecido. Assim, espécies filtradoras podem apresentar uma maior taxa de crescimento, acima das observadas em monocultora de filtradores. Como consequência, a integração dos filtradores possibilitaria a diminuição da carga de MOP para os arredores do cultivo. Por sua vez, os filtradores também introduzem compostos inorgânicos na água pelas suas vias metabólicas. Os compostos inorgânicos provenientes dos arraçoados, dos filtradores e do processo de biodegradação de material orgânico pela ação microbiana, são aproveitados pelos produtores

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primários como as macroalgas que os usam na produção de compostos vitais para o seu desenvolvimento, como por exemplo, a produção de açúcares, proteínas e enzimas.

Figura 3. Interações entre os organismos cultivados em sistema multitrófico

+ -3 No cultivo integrado, as macroalgas retiram da água compostos como NH4 , PO4 e CO2, que são provenientes das ações metabólicas dos organismos de níveis tróficos superiores, e os incorporam na sua biomassa, o que favorece o seu desenvolvimento, aumentando as taxas de crescimento. Estudos demostraram que as algas cultivadas em sistemas AMTIM apresentam um acúmulo de compostos de alta qualidade, como proteínas, polissacarídeos, pigmentos e compostos funcionais, contribuindo dessa forma na produção de biomassa de alta qualidade nutricional. Além disso, as macroalgas contribuem para o aumento da concentração de O2 dissolvido na água e estabilização do pH da água. Deste modo, o cultivo de algas integrado a outros níveis tróficos, não só favorece o aumento da produtividade da região, mas também contribui para a manutenção da saúde do ecossistema da área de cultivo e arredores.

Aplicação das macroalgas O mercado global de algas marinhas movimentou cerca de US$ 6,7 bilhões em 2014, representando 20% do total de produção mundial de organismos aquícolas. Grande parte da população mundial consome algas marinhas ou produtos derivados dela, como laticínios, carnes e frutas processadas, iogurtes, flans, pudins, sorvetes, tintas, creme dental, cosméticos e produtos farmacêuticos. Os países asiáticos ainda representam o principal mercado de algas marinhas, especialmente na indústria alimentícia, no consumo direto e de aditivos. Todavia, a demanda nos mercados Americanos e Europeus tem crescido nos últimos anos, com aditivos e espessante de alimentos, novas fontes de proteínas, suplementos alimentares saudáveis e alimentos nutracêuticos.

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Além disso, também são utilizadas na alimentação direta ou suplemento da ração animal como abalones, aves, porcos e peixes. A aplicação das macroalgas nas indústrias farmacêutica, cosmética e biotecnológica também tem crescido significativamente os últimos anos. As algas marinhas são ricas em compostos bioativos com propriedades anti-inflamatória, antioxidantes, antiviral, anticâncer, antifúngica e ação de proteção contra radiação ultravioleta. As algas ainda são utilizadas na agricultura para prevenção de patógenos, na produção de biopolímeros e na solução integrada de biorrefinarias para produção de biocombustíveis. Todavia, apesar da grande demanda de mercado e os esforços de pesquisas na área ainda são muitos os desafios para o desenvolvimento e expansão da indústria sustentável de algas marinhas. Diversos estudos têm sido realizados para desenvolver linhagens resistentes a doenças, epífitas, variações de temperatura e salinidade, alta taxa de crescimento, melhor propriedade nutricional e maior concentração de moléculas bioativas. Esforços também têm sido realizados para melhoria nos processos de manutenção, colheita, processamento, armazenamento das algas e desenvolvimento de fazendas offshore, com ampliação de áreas cultiváveis. Considerando as técnicas aquícolas atuais, as algas marinhas representam os organismos mais apropriados para o cultivo no mar. Comparado a outros organismos, são técnicas de baixo custo, requer menor esforço de trabalho para manutenção e colheita, menor tempo de ciclo de produção e baixo impacto ambiental. Além disso, representa uma alternativa de renda para diversas comunidades costeiras ao redor do mundo.

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CAPÍTULO 4

Ecologia de costões rochosos: metodologias de amostragem e monitoramento Mariana Sousa Melo (Universidade de São Paulo) Sabrina Gonçalves Raimundo (Universidade de São Paulo) Bruno Lenhaverde Sandy (Universidade de São Paulo)

Introdução Grande parte da superfície da Terra é coberta pelos oceanos com aproximadamente setenta e um por cento do planeta coberto por águas marinhas e mesmo assim, é um ambiente relativamente pouco investigado se comparado com o ambiente terrestre. Contudo, tem grande importância para os seres humanos, indo muito além de um prazeroso banho de mar. A maior parte da população mundial vive nas regiões costeiras, o que se relaciona diretamente com os inúmeros serviços que o oceano nos proporciona, como o fornecimento de alimentos, extração de petróleo, entre outros. Porém, esta proximidade e relações estreitas tornam este ambiente muito vulnerável, em parte pelo seu desconhecimento e seus ecossistemas. Com fronteiras sutis, os ecossistemas estão todos ligados, de forma que eventos ocorridos no continente influenciam o oceano, podendo citar o aporte de nutrientes e água doce. Assim, o ambiente marinho sofre diversas influências oriundas das atividades humanas, bem como: a queima de combustíveis fósseis libera gás carbônico (CO2) na atmosfera, que ao se dissolver no oceano acidifica a água, dificultando a formação de conchas e estruturas calcárias por moluscos (como o mexilhão), algas e corais. Atualmente é sabido que a profundidade média dos oceanos é 3.800 metros, e em locais mais profundos atingem quase 11.000 metros e possui cerca de 300 vezes mais espaço para a ocupação dos seres vivos do que os ambientes terrestres e de água doce combinados. Existem mais filos de animais no oceano do que em água doce ou em terra, embora cerca de 80% das espécies animais não sejam marinhas devido à grande diferença dos habitats terrestres. No entanto, o ambiente marinho possui duas grandes regiões: pelágica, (a coluna d’água) e a bentônica (o assoalho marinho). A região pelágica contém dois grupos, o plâncton e o nécton, e a região bentônica apenas o bentos (Figura 1). Dentre as regiões citadas, a pelágica agrupa os organismos da coluna d’água que vivem à deriva, ou seja, com poder limitado de locomoção, sendo transportados passivamente por correntes e massas d’água. O plâncton possui uma diversidade mais específica: zooplâncton (pequenos animais, animais de baixa mobilidade e larvas de peixes e organismos bentônicos, entre outros) e fitoplâncton (organismos fotossintetizantes do plâncton, como as microalgas) (Figura 2A).

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Figura 1. Os grupos dentro dos Domínios Marinhos: Plâncton, Nécton e Bentos.

Figura 2. Biodiversidade presente nos Domínios Marinhos: Plâncton: (A) fitoplâncton e zooplâncton; Nécton: (B) peixe e Bentos: (C) ouriço-do-mar, (D) mexilhões, (E) alga verde e (F) estrela-do-mar.

Embora muito pequenas, as microalgas do fitoplâncton são responsáveis pela produção de aproximadamente cinquenta por cento do oxigênio disponível na atmosfera através do processo da

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fotossíntese. O oxigênio liberado neste processo vem da quebra da molécula de água e a matéria orgânica resultante é construída a partir do dióxido de carbono (CO2). Além de liberar oxigênio, organismos fotossintetizantes também produzem matéria orgânica (alimento, na forma de glicose) a partir de gás carbônico (CO2), utilizando a energia do Sol. Por isso, são considerados produtores primários, que compõem a base da cadeia alimentar de quase todos os ecossistemas do planeta. Tratando-se do outro grupo da região pelágica, o nécton é composto por organismos que vivem na coluna d’água e que possuem órgãos eficientes para natação, possuindo então capacidade de locomoção e podendo nadar longas distâncias, independente de correntes e movimentos de massas d’água (Figura 2B). Por fim, os organismos bentônicos os quais fazem parte da região bentônica são os que vivem junto ao leito oceânico de diversas naturezas, sejam eles sésseis ou fixos, como os mexilhões e as algas verdes (Figura 2D e E) ou móveis, como as estrelas-do-mar e os ouriços-do-mar (Figura 2C e F). Além disso, existe uma grande diversidade de habitats marinhos e costeiros, resultando em um grande mosaico de diferentes tipos de ambientes. De forma geral, os ambientes marinhos são regiões sobre a influência do mar, cada qual com uma condição de pressão, salinidade, profundidade, temperatura, luminosidade e diversidade biológica. Entre os diversos ecossistemas marinhos e costeiros podemos destacar os recifes de corais, as fontes hidrotermais, os manguezais e marismas, as praias arenosas, os costões rochosos, ambientes de mar profundo, entre outros. Embora existam vários ecossistemas que estão presentes na região costeira, como os costões rochosos, os quais são considerados muito importantes por apresentar alta riqueza de espécies de importância ecológica e econômica, por exemplo: mexilhões, ostras, algas, crustáceos e uma variedade de peixes. Além disso, por receber grande quantidade de nutrientes proveniente dos sistemas terrestres, estes ecossistemas de transição entre o ambiente terrestre e marinho, apresentam uma grande biomassa e produção primária de microfitobentos e de macroalgas. Como resultado, os costões rochosos são locais de alimentação, crescimento e reprodução de muitas espécies. Entre outras características, existe limitação de substrato ao longo de um gradiente existente, favorecendo a ocorrência de fortes interações biológicas entre a grande diversidade de espécies presentes. A grande variedade de organismos e o fácil acesso tornaram os costões rochosos uns dos mais populares e bem estudados ecossistemas marinhos.

Costões Rochosos Os costões rochosos são afloramentos de rochas cristalinas que em geral estão situadas na transição entre os ambientes terrestres e marinho e, por isso, sofrem influência da maré e de diversos

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fatores relacionados ao oceano como a temperatura da água. Desta forma, há diversas formações rochosas, como por exemplo, as falésias, os matacões e os costões rochosos verdadeiros (Figura 3).

Figura 3. Exemplos de Costões Rochosos: (A) Matacões em Itaguá – Ubatuba, SP e (B) Costões Rochosos Verdadeiros no Parque Estadual da Ilha Anchieta – Ubatuba, SP.

Estes ecossistemas atuam como substrato para comunidades biológicas, e é considerado como um ambiente muito mais marinho que terrestre já que as espécies que o habitam estão muito mais relacionadas ao mar. No Brasil, as rochas possuem origem vulcânica e estão estruturadas de diversas formas, desde paredões verticais bastante uniformes (ex. a Ilha de Trindade/RJ) ou matacões de rocha (ex. a costa de Ubatuba/SP). Assim, encontramos ambientes de costa rochosa em quase toda costa brasileira. No entanto, a maior concentração dos verdadeiros costões rochosos na região Sul e Sudeste entre Cabo Frio (RJ) e o Cabo de Santa Marta (SC). Os costões rochosos podem apresentar muitas características complexas, mas de forma geral quanto maior sua complexidade, maior a diversidade de organismo ali encontrada. Por exemplo, existem costões rochosos expostos e outros protegidos que compreendem uma variação biológica distinta entre eles. Os costões expostos são aqueles que recebem frequente impacto de ondas e por isso são pouco fragmentados, aparentando-se a um paredão liso. Assim, possuem menor quantidade de habitats comparados aos costões protegidos, os quais estão localizados em baias abrigadas, podendo ou não ser orientadas para o continente. Além disso, por ser um ambiente que sofre com o alto hidrodinamismo (locais onde o embate de ondas é mais forte), não favorece a existência de organismos mais frágeis. No entanto, possuem alta produção primária devido ao fluxo de nutrientes que chega pela água, de modo que as algas (em geral de talos ramificados) se utilizam desta energia para realização da fotossíntese. Já os costões protegidos estão localizados em áreas em que o hidrodinamismo é menor, como por exemplo áreas no qual aconteceram rolamentos de matacões formando piscinas naturais. Assim, esses lugares apresentam alto nível de complexidade biológica, resultando numa grande riqueza de

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espécies associadas. Nessas áreas podemos encontrar organismos maiores que os de costão exposto, como algas com talos bem desenvolvidos e com abundante biota associada a essas algas (algas, briozoários, esponjas, vermes, entre outros) e que conseguem viver ali.

Zonação Ao se observar um costão rochoso pela primeira vez desde sua porção submersa até a porção rochosa exposta, um dos fatores mais notáveis é a disposição dos organismos em faixas ao longo de um perfil vertical deste ecossistema. A esta disposição vertical denominamos zonação, a qual resulta da influência de diversos fatores físicos e biológicos, como por exemplo, a variação das marés e a predação, respectivamente. No costão rochoso é possível observar três zonas distintas:

SUPRALITORAL

MEDIOLITORAL INFRALITORAL

Foto: Bruno Sandy

Figura 4. Zonação em costões rochosos: Foto representativa de costão rochoso no Parque Estadual da Ilha Anchieta - Ubatuba/SP com esquema didático mostrando zonas de supra, médio e infralitoral.

1. Supralitoral: Zona na qual encontra-se organismos que nunca ficam submersos, mesmo na maré alta. Esta zona está sujeita apenas a borrifos de água e abriga uma comunidade de líquens, cianobactérias (algas azuis) e de alguns animais móveis, como pequenos moluscos (como a Echinolittorina sp.) e artrópodes (como a Lygia sp., a baratinha-do-mar); 2. Médiolitoral: Também chamada de zona “entremarés” é localizada logo abaixo da zona de supralitoral e é o nível no qual os organismos estão sujeitos à variação da maré, ficando expostos ao ar durante a maré baixa e submersos na água durante a maré alta. Na região superior do médiolitoral podemos observar organismos como cracas e mexilhões, que possuem adaptações ao fator abiótico

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como a dessecação, enquanto na parte inferior, ocorrem macroalgas, que ressecam durante o período de exposição e são reidratadas durante a maré alta. 3. Infralitoral: Esta zona localiza-se abaixo do médiolitoral onde encontra-se organismos que ficam sempre submersos, mesmo durante a maré baixa. Neste ambiente encontram-se todos os peixes e organismos que não são adaptados à perda d’água e altas temperaturas, como ouriços-do-mar, estrelas-do-mar e anêmonas.

Influências para formação da zonação em costões rochosos Muitos dos organismos do costão são fixos ou de baixa mobilidade, o que faz com que eles dependam muito das condições da água para sua reprodução, dispersão (através de larvas planctônicas) e para sua alimentação (por serem fixos, portanto filtradores). Desta forma, a zonação observada na composição predominante de alguns organismos em cada faixa do costão rochoso é resultante de fatores físicos e biológicos que atuam como fatores seletivos de organismos aptos a ocuparem cada zona (infralitoral, médiolitoral e supralitoral). Entre esses fatores estão: as marés, a temperatura, radiação solar, hidrodinamismo, as interações biológicas, entre outros. Por muito tempo acreditou-se que a maré era o único fator responsável pela zonação que observamos no costão, hoje sabe-se que este seja um dos mais relevantes fatores que atuam sobre esse ela. No período de maré baixa, muitos organismos ficam emersos e expostos às condições adversas como dessecação e altas temperaturas (Figura 5). Os organismos que se fixam nas regiões mais altas do costão são os primeiros a ficarem expostos e os últimos a serem novamente submersos. Por isso, conseguimos observar uma clara divisão vertical entre as faixas de exposição, já que os organismos que se distribuem de acordo com suas adaptações para estas condições extremas.

Figura 5. Exposição de organismos na maré baixa. Ao lado esquerdo: aquário natural, Parque Estadual da Ilha Anchieta. Ao lado direto: organismos de costão rochoso expostos durante a maré baixa.

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Outros fatores físicos importantes são a radiação solar e a temperatura. Por exemplo, os cirripédios (cracas) que são crustáceos que ocupam a região do médiolitoral possuem envoltório resistente que abrem e fecham mantendo uma quantidade adequada de água para manter a temperatura do organismo, além de contribuir para que não se exponham à radiação solar. Outro exemplo são as baratinhas-da-praia que também são animais que ocupam a zona de supralitoral, neste caso além de possuírem exoesqueleto quitinoso que diminui o contato com a radiação solar, se locomovem muito bem o que facilita transitar neste ambiente. O hidrodinamismo pode ser um fator relevante para a predominância de algumas espécies, em particular no médiolitoral. Neste caso, um bom exemplo são as diferentes algas que podem ocupar essa região. Em áreas de alto hidrodinamismo observa-se a predominância de algas com talos ramificados pela movimentação das águas que impede a superposição, que causaria sombreamento dos talos inferiores. Os ambientes com baixo hidrodinamismo podem favorecer a fixação e estabelecimento de organismos, principalmente esporos e propágulos, proporcionando a existência de algas com talos não ramificados e outros organismos mais frágeis. Somado a esses fatores, as interações existentes entre os organismos também ajudam a determinar o padrão observado na zonação dos costões rochosos. Deste modo, fatores biológicos como a competição por espaço, predação e a herbivoria podem ser cruciais na zonação. Estudos mostraram que alguns gastrópodes predadores estendem-se desde a zona do médiolitoral até o infralitoral, dependendo do batimento das ondas ou da disponibilidade das presas. Essas interações biológicas têm relevância particular para a determinação da distribuição dos organismos na região do supralitoral, onde fatores abióticos são mais determinantes. Além dos fatores descritos, outros podem atuar como limitadores da distribuição dos organismos. Águas com alta turbidez, por exemplo, podem reduzir a presença de algas na região do infralitoral. Assim, a zonação dos organismos bentônicos num costão rochoso reflete a interação de vários fatores físicos e biológicos, estabelecendo limites precisos de distribuição. Cada costão possui características próprias que vão definir a importância relativa dos fatores abióticos e bióticos na estrutura das comunidades bentônicas presentes. De todo modo, este padrão de zonação é comum nos costões rochosos do mundo inteiro. As espécies que ocorrem em cada zona podem variar em função das diferentes latitudes, níveis de maré e exposição ao ar, entre outros, porém mostram adaptações especiais para viverem nesta área, sendo a zonação, a estrutura básica reconhecida na maior parte dos ambientes de costões rochoso.

Ameaças aos Costões Rochosos

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Atualmente, os costões rochosos sofrem diversos impactos antropogênicos, por exemplo, poluição orgânica, industrial, derrame de óleo, sedimentação de áreas portuárias, captura excessiva, introdução de espécies exóticas, turismo descontrolado, desmatamento das matas de encosta e até mesmo efeitos das mudanças climáticas. Nesse último caso, temos efeitos diversos, incluindo aumento da temperatura, resultando em perda de diferentes espécies como, por exemplo, o branqueamento de corais (fenômeno que acontece com a perda algas que vivem em simbiose com estes organismos e morrem pelo aumento da temperatura ou contaminação de patógenos). Outro efeito importante das mudanças climáticas sobre todo o oceano é sua acidificação, podendo ocasionar, entre outros impactos, a não calcificação de estruturas calcárias de diferentes espécies.

Este efeito acontece quando a água (H2O) e o gás se encontram formando o ácido carbônico ²- + (H2CO3) que se dissocia no mar, formando íons carbonato (CO3 ) e hidrogênio (H ). O nível de acidez se dá através da quantidade de íons H+ presentes em uma solução – nesse caso, a água do mar. Quanto maior as emissões, maior a quantidade de íons H+ e,mais ácido os oceanos ficam. Em quantidades normais de absorção de CO2 pelo oceano, as reações químicas favorecem a utilização do carbono na formação de carbonato de cálcio (CaCO3) utilizado por diversos organismos marinhos na calcificação.

O aumento intenso das concentrações de CO2 na atmosfera, e consequentemente, a diminuição de pH das águas oceânicas acaba por alterar o sentido destas reações, fazendo com que o carbonato dos ambientes marinhos se ligue com os íons H+, ficando menos disponível para a formação do carbonato de cálcio, essencial para o desenvolvimento de organismos calcificadores. A diminuição das taxas de calcificação afeta, por exemplo, o estágio de vida inicial destes organismos, bem como sua fisiologia, morfologia, reprodução, distribuição geográfica, crescimento, desenvolvimento e tempo de vida. Além disso, afeta também a tolerância às alterações na temperatura das águas oceânicas, tornando-os mais sensíveis e interferindo na distribuição de espécies. Somado a todos esses impactos que foram superficialmente citados, ainda há uma falta de maiores esclarecimentos a respeito destes ecossistemas. De forma geral, conhecemos pouco dos costões rochosos brasileiros, tendo mais informações ecológicas de curto prazo no litoral de São Paulo, alguns pontos da Baía de Guanabara, a costa norte do Rio de Janeiro e em Cabo Frio (RJ). De modo que expandir a pesquisa para outras áreas, considerar monitoramentos e estudos de longo prazo ainda é uma necessidade. Além disso, é igualmente importante que tenha um embasamento mais relevante a respeito das espécies que habitam, tendo em vista que o conhecimento é mais aprofundado quando consideramos as macroalgas bentônicas.

Pesquisa em Ecologia de Costões Rochosos

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Realizar estudos ecológicos em costões rochosos apresenta muitos desafios. O próprio ambiente, em si, já é um fator limitante para o pesquisador. A maioria dos estudos em costões rochosos no mundo foi realizada na zona do médiolitoral. Estudos neste ecossistema devem ser planejados para serem executados durante as poucas horas do dia em que a maré está baixa, quando a região está acessível. Estudar o infralitoral também tem suas complicações. Como a amostragem nesta região é feita, geralmente, com mergulho autônomo, o tempo de amostragem é limitado pelo consumo de ar do mergulhador-pesquisador. A grande complexidade física e biológica destes ambientes resulta em uma grande variabilidade em quase todos os parâmetros medidos, mesmo numa pequena escala, seja ela vertical ou horizontal. Por isso, as características únicas deste ambiente devem ser levadas em consideração antes de definir um desenho amostral, para então selecionar os procedimentos mais adequados. Diversos parâmetros contribuem para a alta variabilidade na distribuição dos organismos de costão rochoso. São muitos os gradientes afetando as comunidades, como grau de exposição a ondas e correntes, proximidade de rios, a amplitude de maré e uma variação topográfica muito alta. A paisagem de costão rochoso é muito heterogênea, compondo diversos micro-habitat. Por exemplo, fendas, matacões, paredões ou poças de maré. Fatores como inclinação e rugosidade do substrato e incidência de luz também contribuem para uma grande variabilidade espacial. Além de variar em diversas escalas espaciais, os organismos de costão rochoso também apresentam uma considerável variação temporal, que pode levar de anos a décadas. Estas fontes de variabilidade devem ser cuidadosamente analisadas e levadas em conta antes de selecionar os métodos de coleta e desenho amostral. Se a variabilidade natural do sistema não for corretamente avaliada, esta pode gerar um ruído na interpretação dos dados, confundindo os resultados. Isto impede o pesquisador de detectar causas alternativas de variação na estrutura das comunidades como, por exemplo, as resultantes de impactos antrópicos. Estudos de campo podem ser classificados de diferentes formas. Entre eles estão: Estudos de base, que tem como objetivo definir o status presente de alguma condição biológica; Estudos de impacto, que incluem detectar e relacionar alterações biológicas com perturbações; Monitoramentos, que consistem em acompanhar determinados parâmetros ao longo do tempo para detectar mudanças; e Estudos ecológicos, que avaliam padrões e processos, onde padrões biológicos são descritos para determinar os fatores que os causam. A pesquisa em ecologia de costão rochoso, hoje em dia, frequentemente envolve experimentos controlados. Entretanto, amostrar padrões de distribuição e abundância por si só ou em conjunto com experimentos é ainda muito importante.

Amostragem em Costão Rochoso

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Para desenhar um método de amostragem em campo adequado, o pesquisador deve ter claros os objetivos e perguntas do estudo. Isso permitirá uma melhor definição das hipóteses a serem testadas e dos parâmetros que devem ser medidos, para assim definir o local de estudo, posicionamento de unidades amostrais e unidades biológicas utilizadas. Desta forma, o desenho amostral pode ser definido de maneira eficaz, com poder estatístico suficiente para responder às perguntas em questão. Independente dos objetivos do estudo, um desenho amostral deve incluir controles tanto no tempo quanto no espaço, replicação de todos os níveis de amostragem, múltiplos locais de amostragem, garantia de réplicas independentes e preferencialmente aleatórias e os resultados devem ser expressos em medidas de variabilidade estatística. A análise, para ser considerada válida, deve possuir poder estatístico. Este diminui à medida que aumenta a variabilidade intrínseca do sistema. Isto reflete diretamente no número de réplicas a serem amostradas no estudo.

Seleção dos locais de estudo Os locais de coleta de dados ecológicos devem ser cuidadosamente selecionados. Para que possam ser consideradas réplicas, os locais devem possuir características parecidas quanto ao maior número de parâmetros possíveis. Assim, variações nos parâmetros medidos podem ser detectadas sem que sejam confundidas com a variabilidade natural devido a diferenças geofísicas, por exemplo. Se estas características não forem semelhantes, elas devem ao menos ser registradas. A seleção dos locais de coleta deve, portanto, seguir algumas diretrizes, dentre elas: locais com características geofísicas semelhantes; seleção de pontos aleatórios dentre os possíveis locais, para que os dados possam ser extrapolados para toda a área. Dependendo dos objetivos do estudo e dos recursos disponíveis, cabe ao pesquisador definir se a amostragem será feita de forma mais abrangente, em muitos locais, se em poucos locais com um maior esforço de coleta, ou se unirá ambas as estratégias.

Unidades Biológicas No ambiente de costão rochoso há uma diversidade muito alta de filos e espécies, o que exige um nível alto de conhecimentos taxonômicos do pesquisador em estudos que envolvem comunidades. Uma estratégia muito adotada é utilizar níveis taxonômicos mais altos ou grupos morfofuncionais como alternativa a espécies, dependendo da pergunta a ser respondida. A estes diferentes tipos de classificação adotados se dá o nome de unidades biológicas. A amostragem de populações, utilizando-se uma única espécie-alvo, ainda é a mais comum em estudos ecológicos. Nestes casos são utilizadas espécies bioindicadoras, mas a seleção de uma

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determinada espécie vai depender dos objetivos do estudo. Não há regras a priori para definir um modelo biológico, estas são geralmente espécies conspícuas e abundantes. Outro desafio em utilizar uma só espécie é a grande variabilidade no espaço e tempo que estas geralmente apresentam. Categorias taxonômicas mais altas, como família ou gênero, também são utilizadas. Esta estratégia pode ser utilizada quando a resposta da comunidade neste nível é semelhante ao nível de espécie, simplificando a coleta e análise de dados. Morfoespécies também são consideradas e já apresentaram, também, resultados semelhantes aos de espécies. Entretanto, estes tipos de unidades biológicas devem ser utilizados com cautela. É necessário um estudo prévio para detectar se os níveis considerados possuem mesmo respostas semelhantes para não gerar resultados equivocados. Outro tipo de agrupamento utilizado como substituto de espécies é o de grupos funcionais. Estes são espécies que compartilham características semelhantes como forma do corpo, posição trófica, ou ciclo biológico. Estes casos são geralmente aplicados para se detectar respostas ambientais mais amplas e abrangentes, mas podem não ser sensíveis o suficiente para detectar alterações mais sutis.

Amostragem aleatória Este tipo de amostragem é uma das mais comuns, tanto para a seleção dos locais de coleta, quanto para o posicionamento das unidades amostrais. Amostras aleatórias permitem que o pesquisador extrapole os dados obtidos e faça inferências válidas sobre o universo amostral selecionado, a partir dos dados coletados desta forma. São raros os casos em que é possível determinar a abundância de uma determinada população contando todos os indivíduos. Por isso, uma amostra é utilizada para que se possa estimar a abundância ou parâmetro de interesse. Estas estimativas devem seguir os pressupostos exigidos pelos testes estatísticos selecionados, além de evitar vieses. Para serem consideradas réplicas, amostras individuais devem ser coletadas aleatoriamente, garantindo a independência entre elas e evitando pseudoreplicação.

Distribuição de Elementos Amostrais A localização dos elementos amostrais vai determinar a natureza da informação coletada, bem como a precisão dos dados e inferências que podem ser extraídas destes. Há muitas maneiras de se distribuir os elementos amostrais em campo. A amostragem aleatória (Figura 6A) é a mais comum e estatisticamente aceita. Esta é geralmente feita determinando-se dois eixos imaginários na área de estudo e sorteando coordenadas. Cabe ao pesquisador definir como serão realocadas as amostras, caso

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elas caiam em ambientes particulares, como fendas. Nestes casos, o pesquisador deverá seguir sempre o mesmo padrão para evitar viés na coleta. A amostragem sistemática (Figura 6B) consiste em distribuir os elementos amostrais uniformemente, como em uma grade. Este tipo é relativamente mais simples do que a amostragem aleatória. É vantajoso, pois amostra toda uma área por igual, enquanto aleatoriamente uma área pode ser amostrada mais intensivamente do que outra somente devido ao acaso. Porém, não garante independência entre as amostras, por isso possui um menor poder estatístico. Este tipo de coleta não é recomendado caso haja algum padrão de distribuição espacial da biota que siga um espaçamento semelhante ao da amostragem. Cabe ao pesquisador analisar esta comunidade previamente para definir se esta amostragem é aplicável. Na amostragem direcionada (Figura 6C), o pesquisador define os locais onde são posicionados os elementos amostrais. Neste caso, não há como evitar viés por parte do pesquisador e o pressuposto de independência de erros entre as amostras é violado. Há poucos casos em que este tipo de amostragem pode ser utilizado, como quando há algum habitat ou espécie alvo que só ocorre em local específico. Então o pesquisador deverá direcionar esforços de coleta para onde esteja o objeto de estudo. Outro método de amostragem é a estratificada (Figura 6D, E e F). Como os organismos não se distribuem uniformemente no costão rochoso, a estratificação pode ser utilizada para diminuir a influência da variabilidade espacial, aumentando a precisão da amostragem. Uma vez definidos os estratos de acordo com a fisionomia da área, a distribuição pode ser simples (Figura 6D), com o mesmo número de elementos amostrais por estrato; proporcional (Figura 6E), com mais elementos amostrais em áreas maiores; ou ótima (Figura 6F), com mais elementos amostrais onde há uma maior concentração da espécie ou comunidade alvo.

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Figura 6. Tipos de disposição de elementos amostrais. A. Aleatória, B. Sistemática, C. Direcionada, D. Estratificação simples, E. Estratificação Proporcional e F. Estratificação ótima. Foto: Bruno Sandy.

Tipos de amostradores O tipo de unidade amostral também depende dos objetivos de estudo e das espécies a serem estudadas. Os tipos mais comuns são quadrados e transectos de linha. Transectos de linha são plotagens de uma dimensão, utilizados para estimar a cobertura de organismos sésseis. Uma vantagem de se utilizar transectos é que estes englobam uma grande área. Há duas maneiras de estimar dados de cobertura com transectos, uma delas é a de intersecção, onde a distância a qual cada unidade biológica ocupa na linha é registrada. Ou seja, a intersecção

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entre unidades biológicas no transecto, o que reflete a área que estas ocupam, portanto, seu recobrimento. Esta abordagem é precisa, porém trabalhosa. Isto faz com que a segunda estratégia seja mais comum no campo, a de pontos de contato. Pontos de contato são distâncias pré-determinadas pelo pesquisador, podendo variar de poucos centímetros a um metro, geralmente, dependendo da resolução necessária e do tamanho do transecto. Neste método, a unidade biológica exatamente abaixo de cada ponto é registrada. No fim, estes valores são convertidos em porcentagens, estimando a cobertura de cada unidade biológica. Estes pontos podem ser distâncias homogêneas pré-definidas ou pontos aleatórios sorteados no transecto. Quadrados, por sua vez, são amostradores de duas dimensões que cobrem uma área do substrato. São utilizados para estimar cobertura, densidade ou biomassa de organismos tanto sésseis quanto móveis. O tamanho do quadrado também depende da resolução e alvo de estudo. No geral, quadrados são utilizados para delimitar uma área onde os organismos serão contados, raspados, ou terão sua cobertura estimada. Para estimar cobertura, assim como no transecto, pontos de contato são utilizados, seja aleatoriamente ou sistematicamente numa grade dentro do quadrado. Outro método, muito utilizado hoje em dia, é o de fotoquadrados. O mesmo princípio é seguido, onde a cobertura das unidades biológicas é estimada a partir de pontos plotados na imagem. Este método é vantajoso, uma vez que reduz muito o tempo de amostragem em campo, permitindo um melhor aproveitamento da coleta, uma vez que tempo é um fator limitante tanto no médio quanto no infralitoral, como já mencionado. Uma desvantagem desta abordagem é que a identificação de espécies é dificultada. Neste caso é muito comum a utilização de substitutos como grupos funcionais ou níveis taxonômicos mais altos.

Monitoramento no Brasil. Os ambientes terrestres e marinhos vêm sofrendo com diversos impactos causados pelas mudanças climáticas unidas às intervenções humanas, gerando degradação, perda de habitats com consequente redução da biodiversidade. Uma das formas para minimizar estes efeitos é realizar estudos de monitoramento para entender os ambientes através de observação, coletando informações relevantes sobre diversos aspectos ambientais que podem ser utilizados em diversas áreas do conhecimento (academia, indústrias, agropecuária, climático, florestal, entre outros). Estudos de monitoramento por definição são os quais envolvem amostragem repetidas de parâmetros medidos, por exemplo, características estruturais da comunidade, biomassa, ocorrência e sazonalidade através do tempo. Estes estão classificados em duas categorias principais (curto e longo prazo), de acordo com o enfoque (linhas de base, impacto, ecológico) e relativo aos fatores (bióticos e abióticos).

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Os estudos de monitoramento de curto prazo são aqueles que são realizados em horas, dias até meses. Já os de longo prazo são estudos com maior duração, ou seja, anos, décadas, séculos. Em ambas as categorias, a utilização de um ou de outro vai depender do enfoque e dos fatores da pesquisa. Os estudos de linha de base são realizados para determinar o status atual da comunidade, geralmente feitos uma única vez e são utilizados como estudos precursores para projetos a longo prazo. São muitas vezes realizados em locais onde não se tem dados prévios ou históricos. Os estudos de impacto são realizados mediante a um distúrbio conhecido, como por exemplo, vazamento de petróleo, queimadas, corte de cultivares, impactos antrópicos, introdução de espécies invasoras, poluição. Os estudos de impacto possuem variedades dependendo da sua execução. Pode-se avaliar antes e depois do distúrbio, onde o mesmo local é monitorado antes e depois do impacto. Através de um gradiente de perturbação, monitorando-se desde o ponto principal do impacto, ou seja, ponto de maior alteração, até o local de menor magnitude. E através de comparação entre locais preservados (grupos controle) e os locais impactados. Já os estudos ecológicos são aqueles que descrevem a distribuição e abundância das espécies (padrões) e determinam os fatores que a influenciam (processos). Quanto aos fatores utilizados no monitoramento, os bióticos são aqueles que se referem aos organismos vivos, como por exemplo, algas, fungos, animais, vegetais. Já os fatores abióticos utilizados no monitoramento são aqueles que influenciam os seres vivos derivados de aspectos físico, químicos do ambiente, tais como a irradiância, temperatura da água, salinidade, turbidez, quantidade de O2 dissolvido na água, rugosidade, tipo de solo, humidade, precipitação, ventos, topografia. Estes tipos de monitoramento podem ser realizados em diversos ecossistemas terrestres, como bacias hidrográficas, de florestas e marinhos, como os costões rochosos e são de suma importância para: (i) coletar e gerar informações (linhas de base) sobre possíveis alterações na biodiversidade da comunidade bentônica, (ii) prever e mensurar os efeitos das mudanças climáticas, permitindo, a partir da análise do status da biodiversidade, distribuição de organismos e caracterização da comunidade, um alerta precoce acerca de eventuais alterações e a tomada das melhores ações de mitigação ou adaptação do habitat. Alguns dos mais antigos estudos de monitoramento que se tem registro datam do século XIX na Europa, entretanto no contexto Sul-Americano há poucos sítios de monitoramento, sendo os mais antigos localizados na costa central do Chile, como a Área de Proteção Ambiental Marinha da Estação Biológica de Las Cruzes, criado em 1982 e o sítio mais austral, correspondente ao Parque Etnobotânico Omora na reserva da Biosfera de Cabo de Hornos. No contexto nacional, há poucos projetos de monitoramento de longo prazo em escala de comunidade existentes, sendo focados na região sudeste do Brasil, onde os costões rochosos são mais abundantes. Para reverter este quadro, uma das iniciativas foi a criação da Rede de Monitoramento de Habitats Bentônicos Costeiros

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(ReBentos) foi criada com o intuito de detectar precocemente os efeitos das mudanças ambientais regionais e globais sobre a biodiversidade desses ambientes, bem como permitir a realização de previsões, tornando-se possível a adoção de medidas adequadas de mitigação ou adaptação, dando início a uma série histórica de dados ao longo da costa brasileira.

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CAPÍTULO 5

Mudanças climáticas e os efeitos sobre macroalgas marinhas Nuno Tavares Martins (Universidade de São Paulo) Sabrina Gonçalves Raimundo (Universidade de São Paulo)

Mudanças climáticas se refere às variações do clima em escala global ao longo do tempo, podendo ser definida como variações estatisticamente significativas na média do clima ou sua variabilidade, persistindo por um longo período (tipicamente décadas ou mais). As alterações climáticas, podem ser causadas por processos naturais, eventos externos ao Planeta Terra (exemplo: meteoros) ou por alterações antropogênicas. Ou seja, as mudanças climáticas são fenômenos naturais que ocorrem na Terra. Essas variações abrangem diversas alterações, como mudanças de temperatura, precipitação, umidade relativa do ar, aumento do nível dos oceanos, derretimento das calotas polares e outras. Contudo, ao longo das últimas décadas, têm se percebido aumento na velocidade dessas mudanças, devido ações antropogênicas desde a Revolução Industrial (principalmente aumento da atividade industrial, desmatamento e aumento populacional). As mudanças climáticas antropogênicas referem-se a qualquer mudança no clima causada pelo efeito cumulativo da atividade humana. A magnitude da mudança climática global antropogênica é atualmente considerada irreversível em escalas de tempo humanas. Por exemplo, para o ano de 2100 é especulado um aumento de temperatura média da Terra em 2 a 4C, uma diminuição do pH oceânico de 0,3 até 0,5 e um aumento dos índices de UV entre 12-17%.

Box 1: Tempo meteorológico x tempo geológico. Ambos estão dentro do conceito de mudanças climáticas Tempo geológico: escala de tempo medida em milhões de anos, sendo classificada em eras geológicas e seus respectivos períodos. Tempo meteorológico: escala de tempo em horas/dias, mensurado nas últimas décadas. .

As mudanças climáticas ocorrem tanto no ambiente terrestre quanto marinho. Os oceanos cobrem 2/3 da Terra, e por isso, absorvem 80% do calor incidente. O que faz com que as linhas de temperatura nos oceanos (isotermas) migrem mais rápido do que em ambientes terrestres, culminando em comunidades marinhas inteiras a migrarem mais rapidamente (alterando sua distribuição). O aumento da temperatura é um dos principais processos resultantes de mudanças climáticas antropogênicas no ambiente marinho. Esse aquecimento vem sendo confirmado por dados de

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temperatura dos oceanos registrados nos últimos anos. O aumento da temperatura nos oceanos tem diversas consequências (Fig. 1), como aumento de eventos extremos, alterações nos padrões de ocorrência de tempestades e secas, aumento da umidade relativa do ar entre outras.

Figura 7: Alguns eventos alterados em consequência do aumento da temperatura nos oceanos.

Dessa forma, o aquecimento global deverá produzir grandes mudanças no ambiente marinho, como na distribuição e abundancia de espécies além de mudança na estrutura de comunidades, incluindo extinções locais. Macroalgas marinhas são as bases ecológicas da maioria dos ecossistemas marinhos costeiros, e sua diversidade tem implicações fundamentais para a vida e os serviços ecossistêmicos na zona costeira. As macroalgas ocorrem principalmente nas regiões costeiras, localidade em que está mais susceptível às mudanças, devido à sua proximidade como o ambiente terrestre. As mudanças climáticas deverão alterar diversas características dessas regiões, devido alterações no padrão de ondas, pluviosidade, elevação do nível do mal, diminuição das faixas de areias, erosão e outros.

Box 2: Serviços ecossistêmicos São benefícios que podemos obter a partir dos ecossistemas de forma direta ou indireta. Exemplos: proteção contra desastres, controle da erosão, alimentos, manutenção do clima, purificação da água, controle de inundações, além do uso recreativo.

Apesar de algumas espécies de macroalgas terem mostrado alta tolerância, ou até́ mesmo se beneficiarem de mudanças climáticas, o aumento na temperatura tende a trazer mudanças drásticas para comunidades bentônicas. Há diversos estudos acerca dos processos ecológicos em macroalgas, contudo, poucos abordam a distribuição de espécies. A temperatura influencia drasticamente

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processos biológicos, atuando em diversas escalas (Fig. 2): desde moléculas a biotas inteiras. Os efeitos da temperatura em reações químicas, estruturas moleculares e fisiologia das algas são bem documentados, apesar de não tão bem elucidados. Essas lacunas no conhecimento são atribuídas à grande dificuldade em isolar o fator temperatura de outros em ambiente natural. Em teoria, por efeitos que ocorrem nos níveis químicos e moleculares, as algas são beneficiadas com o aumento da temperatura. Contudo, alteração da temperatura pode ser fatal para macroalgas que possuem seu rendimento máximo próximo ao seu limite fisiológico. O aumento de temperatura observado na natureza nos dias de hoje pode não evidenciar nenhuma diferença fisiológica nesses indivíduos, muitas vezes levando a uma falsa interpretação de que toleram tal situação. Por esse motivo, experimentos laboratoriais se fazem necessários.

Figura 8. Consequências do aumento da temperatura nos oceanos em diversas escalas

Os oceanos absorvem cerca de um terço (1/3) de todo CO2 emitido antropologicamente - desde a revolução industrial. O impacto antropogênico é de tamanha magnitude de forma que é esperada que a uma diminuição de pH mais significativa ao longo dos próximos séculos do que nos últimos

300 milhões de anos, tendo drásticas consequências para organismos marinhos. A absorção de CO2 − pelos oceanos aumenta a concentração de ácido carbônico (HCO3 ), o que além de diminuir o pH, diminui também a disponibilidade dos íons carbonato de cálcio. A maioria das macroalgas marinhas têm acesso tanto ao CO2 quanto ao ácido carbônico para conduzir a fotossíntese. Todavia, algumas macroalgas vermelhas só podem absorver CO2. Por esses motivos, apesar da mudança no pH, a maior disponibilidade de carbono tem se mostrado benéfica. No entanto, diversas macroalgas vermelhas, por não conseguirem absorver o ácido carbônico, a mudança de pH tem se mostrado prejudicial. Ainda, muitas macroalgas vermelhas (assim como os corais) possuem parede celular com carbonato de cálcio, que também tem sua disponibilidade diminuída devido à alteração do pH.

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Box 3: 퐶푂2 + 퐻 2푂 ↔ 퐻2퐶푂3 퐻 퐶푂 ↔ 퐻+ + 퐻퐶푂− 2 3 3 − + 2− 퐻퐶푂3 ↔ 퐻 + 퐶푂3

Até o ano de 2100, é especulado um aumento dos índices de UV entre 12-17%. A radiação UV pode afetar as macroalgas marinhas de diversas maneiras, principalmente causando diminuição da fotossíntese e fixação de CO2. UV-A tem efeitos ambíguos nas macroalgas, podendo ser usado como fonte de luz para a fotossíntese, direcionando a utilização fotossintética do bicarbonato, tendo efeito positivo na morfogênese e crescimento de algumas espécies de macroalgas. No entanto, níveis altos de UV-A podem causar diminuição da fotossíntese, alterar a diversidade e a biomassa da comunidade bentônica marinha. Por outro lado, UV-B raramente mostra efeito positivo. Podem causar alterações nas mitocôndrias, cloroplastos e outras organelas, além de aumentar a espessura da parede celular, reduzir o espaço intracelular e até mesmo alterar os contornos das células e morfologias. Como descrito acima, diversas são as mudanças ambientais que atuam concomitantemente nos organismos e os fatores são de difícil dissociação em estudos controlados. Um exemplo da ação de diversos fatores é o impacto dos herbívoros sobre as comunidades de macroalgas. Os herbívoros são agentes estruturantes fundamentais nas comunidades de macroalgas, influenciando, desde a sobrevivência do indivíduo até a totalidade da biodiversidade. Os resultados das interações entre plantas e herbívoros dependem das características da alga e do herbívoro, incluindo a palatabilidade das algas, as taxas de consumo per capita de herbívoros e as taxas de crescimento individual e populacional e a abundância total de ambos. Fatores abióticos associados à mudança climática são conhecidos por afetar todos esses atributos. A temperatura pode reduzir as defesas dos herbívoros enquanto que alterações na disponibilidade de nutrientes alteraram a palatabilidade das algas (além do carbonato de cálcio, que é uma importante defesa anti-herbívoro). Ainda, apesar do aquecimento beneficiar algumas populações de herbívoros, a acidificação é geralmente prejudicial para muitos herbívoros invertebrados, particularmente espécies fortemente calcificadas, tais como ouriços do mar e moluscos. Dessa forma, as mudanças climáticas também terão efeitos diretos sobre os herbívoros que por efeito em cascata influenciará nos produtores primários.

Box 4: Adaptação e aclimatação de forma extremamente resumida: Adaptação é alteração no genoma e ocorre ao longo de gerações. Aclimatação é ajuste fenotípico e ocorre no indivíduo.

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Possíveis respostas fisiológicas de uma espécie e de suas populações podem decorrer de processos de aclimatação ou adaptação. Estudos fisiológicos em populações naturais, não permitem a distinção entre esses processos, pois as variáveis ambientais são distintas e mascaram possíveis conclusões sobre os efeitos de determinados fatores abióticos. É importante, portanto, realizar estudos de variação em condições controladas e determinar o padrão de variação fisiológica em condições laboratoriais em associação com dados de campo. Esses dados devem possibilitar uma melhor previsão dos efeitos das mudanças climáticas em comunidades marinhas futuras. Todo esse aspecto promissor mencionado faz com que os estudos acerca da fisiologia e ecologia sejam de extrema importância para o conhecimento dos ecossistemas marinhos num cenário especulado para o futuro de aumento de temperatura média dos oceanos.

Referências Burrows M.T., Schoeman D.S., Buckley L.B., Moore P., Poloczanska E.S., Brander K.M., et al. 2011. The Pace of Shifting Climate in Marine and Terrestrial Ecosystems. Science 334:652–655. Cheung W.W.L., Lam V.W.Y., Sarmiento J.L., Kearney K., Watson R., Pauly D. 2009. Projecting global marine biodiversity impacts under climate change scenarios. Fish and Fisheries 10:235–251. Field C.B., Barros V.R., Dokken D.J., Mach K.J., Mastrandrea M.D., Bilir T.E., et al. 2014. IPCC, 2014: Climate Change 2014: Impacts, Adaptation, and Vulnerability. Part A: Global and Sectoral Aspects. Contribution of Working Group II to the Fifth Assessment Report of the Intergovernmental Panel on Climate Change. Harley C.D.G., Anderson K.M., Demes K.W., Jorve J.P., Kordas R.L., Coyle T.A., Graham M.H. 2012. Effects Of Climate Change On Global Seaweed Communities. Journal of Phycology 48:1064–1078. Hobday A., Alexander L.V., Perkins, S.E., Smale D.A., Straub S.C., Oliver E., et al. 2016. A hierarchical approach to defining marine heatwaves. Progress in Oceanography 141:227-238 Poloczanska E.S., Brown C.J., Sydeman W.J., Kiessling W., Schoeman D.S., Moore P.J., et al. 2013. Global Imprint of Climate Change on Marine Life. Nature Climate Change 3: 919–25. Trenberth K.E. 2012. Framing the way to relate climate extremes to climate change. Climatic Change 115:283– 290. Ji Y., Xu Z., Zou D., Gao K. 2016. Ecophysiological responses of marine macroalgae to climate change factors. Journal of Applied Phycology 28: 2953-67.

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CAPÍTULO 6

Macroalgas e suas aplicações biotecnológicas Tiphane Andrade Figueira (Universidade Federal do Rio de Janeiro) Nuno Tavares Martins (Universidade de São Paulo)

1. Plano de fundo Macroalgas marinhas são organismos autotróficos fotossintetizantes, talófitos (ou seja, não são diferenciados em raízes, caule e folhas), que possuem em comum o pigmento clorofila a. Estes organismos são agrupados em três divisões taxonômicas, feofíceas (algas pardas), rodófitas (algas vermelhas) e clorófitas (algas verdes). No sul do Chile foram encontradas algas cozidas e parcialmente consumidas em um sítio arqueológico de 14 mil anos, sugerindo seu uso na alimentação e medicina, e o primeiro registro escrito do uso de macroalgas data de 1700 anos atrás na China. Historicamente, as macroalgas foram utilizadas pelas populações costeiras na alimentação humana, forragem animal, como fertilizantes e com fins medicinais, principalmente em países do Oriente. Na medicina tradicional chinesa, estes organismos foram utilizados, por exemplo, no tratamento de gota e problemas estomacais. Ainda hoje, países como China, Japão e República da Coréia figuram entre os principais consumidores de algas tanto frescas quanto desidratadas, em sopas, saladas, sobremesas e como condimentos. Inicialmente estas eram utilizadas apenas domesticamente, mas nas últimas décadas, diversas aplicações industriais foram desenvolvidas. Durante a Primeira Guerra Mundial (1914-1918), ocorreu embargo ao comércio de potássio mineral pela principal exportadora mundial – a Alemanha. O potássio é amplamente utilizado na produção de armamentos, mas também muito utilizado como fertilizantes. O embargo afetou principalmente os Estados Unidos, maior consumidor de fertilizantes. Visando abastecer estes mercados, empresas americanas começaram a utilizar a alga parda kelp na obtenção de potássio, para produção de fertilizantes. A partir de então, diversas outras aplicações tecnológicas para macroalgas surgiram. Segundo dados mais recentes da Organização das Nações Unidas para Alimentação e Agricultura (FAO, na sigla em inglês) em 2015 foram produzidas, aproximadamente, 30 milhões de toneladas de macroalgas (peso fresco), movimentando um mercado de 5 bilhões de dólares (Fig. 1).

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Figura 1. Principais países produtores de macroalgas em 2015 (Adaptado de FAO, 2016).

Mundialmente, aproximadamente 221 espécies de macroalgas são utilizadas, sendo 66% delas para alimentação. Os sete principais gêneros cultivados com fins comerciais são: Eucheuma sp., Kappaphycus alvarezii e Gracilaria sp. (para produção de carragenana e ágar), Saccharina japonica, Undaria pinnatifida, Porphyra sp. e Sargassum fusiforme (usados na alimentação humana). As macroalgas utilizadas comercialmente são obtidas de duas formas: coletadas na natureza e através de cultivo. Com a expansão do uso de macroalgas, apenas a coleta de populações nativas deixou de ser suficiente para suprir a demanda comercial. Além disso, perda de biodiversidade e extinção de populações locais são alguns dos impactos ambientais que podem ser associados a essa atividade. Por conta disso, a obtenção de biomassa a partir de depósitos naturais tem se mantido estável, enquanto a produção de macroalgas através de cultivo apresenta um crescimento de aproximadamente 7,5% ao ano. O cultivo de macroalgas é o setor para produção de alimentos que cresce com a maior velocidade, contando com quase 50% dos recursos aquáticos globais. Acredita-se que a aquicultura tenha grande potencial para enfrentar os desafios da crescente necessidade de alimentos. A maioria das pessoas utiliza diariamente produtos oriundos de macroalgas, na forma de comidas processadas (como iogurtes, carnes e frutas) e produtos domésticos como tintas, pasta de dentes, suplementos alimentares, purificadores de ar, cosméticos e etc. Dentre as múltiplas aplicações biotecnológicas existentes para macroalgas, apresentamos a seguir um breve panorama de seus principais usos e mercados futuros mais proeminentes.

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2. Hidrocolóides Hidrocolóides são substâncias não cristalinas formadas por estruturas de elevado peso molecular que se dissolvem em água formando uma solução viscosa. Alginato, ágar e carragenana são os principais carboidratos utilizados para formar géis com variadas viscosidades e graus de firmeza. Atualmente, aproximadamente 13% das macroalgas produzidas mundialmente são utilizadas pela indústria de hidrocolóides. O primeiro registro escrito do uso de macroalgas como fonte de hidrocolóides (ágar) data de 330 D. C. pelo chinês Chi Han. Extratos de Irish Moss (Chondrus crispus) contendo carragenana foi um agente espessante muito usado na Europa do século 19, porém somente a partir de 1930 extratos de algas pardas contendo alginato foram produzidos e comercializados em escala industrial como agentes gelificantes e espessantes. Após a Segunda Guerra Mundial, com a necessidade de alimentar uma crescente população, as aplicações industriais de extratos de macroalgas se expandiram e diversificaram rapidamente, e hoje estão presentes na fabricação de produtos como sorvetes, cosméticos e géis usados em eletroforese. A produção de hidrocolóides é o principal mercado de produtos extraídos de macroalgas. Em 2013, foram produzidas mais de 100000 toneladas de biomassa, totalizando aproximadamente 1,2 bilhão de dólares.

2.1.Ágar O ágar é obtido principalmente a partir de dois tipos de algas vermelhas que apresentam uma ampla distribuição geográfica: Gelidium sp. e a Gracilaria sp, que pode ter uma concentração de ágar de até 31% do seu peso seco. A produção de ágar gira em torno de 10,600 toneladas/ano, e aproximadamente 90% do ágar produzido é utilizado na indústria alimentícia. Alguns tipos de ágar, especialmente os extraídos de Gracilaria chilensis, são usados na produção de produtos com elevados teores de açúcar, como doces de frutas. Este tipo de ágar é conhecido como “açúcar reativo”, pois o açúcar (sacarose) aumenta a força do gel. Em panificações, a capacidade desses géis de suportar elevadas temperaturas permite que este hidrocolóide possa ser usado como estabilizante e espessante para tortas e glacês. O ágar também é usado como aditivo em inúmeros produtos como laticínios, carne e peixe enlatados, sopas, molhos e bebidas. Na indústria farmacêutica, o ágar é há muito usado como um laxante suave. Já no setor de microbiologia bacteriana este hidrocolóide, com um grau de pureza especial, é utilizado para testar a presença de bactérias. Devido ao tratamento especial necessário, esta forma de ágar pode custar até duas vezes mais do que o utilizado na indústria alimentícia.

2.2.Carragenana

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A produção de carragenana originalmente era dependente da coleta de algas que crescem em águas frias. Contudo, a partir dos anos 1970 macroalgas nativas de países tropicais contendo carragenana passaram a ser cultivadas, permitindo assim o escalonamento de sua produção. Atualmente, a maior parte deste hidrocolóide é extraído das macroalgas Kappaphycus alvarezii e Eucheuma sp., produzidas em cultivo e, Sarcothalia sp. e Gigartina sp. (Chile e México) e Chondrus crispus (Canadá e França) coletadas na natureza. A principal aplicação da carragenana é na indústria de alimentos, especialmente em produtos lácteos, onde frequentemente apenas pequenas quantidades desse produto são necessárias. Em produtos de baixa caloria, a carragenana pode ser utilizada para melhorar a textura de alimentos salgados e como substituto para pectina em alimentos doces, como geléias. Na produção de bebidas, a carragenana é usada para o clareamento de cervejas, vinhos e mel. Na indústria farmacêutica, este hidrocolóide é usado como agentes de suspensão e estabilizantes em medicamentos, loções e pomadas. A carragenana pode ser encontrada em muitos outros produtos utilizados no dia-a-dia como em rações animais, pasta de dentes e purificadores de ar em gel.

2.3.Alginato O alginato foi descoberto em 1880 pelo farmacêutico britânico E. C. C. Stanford, e sua produção comercial teve início em 1929 na Califórnia. O alginato é extraído de algas pardas principalmente coletadas na natureza, pois os custos para o cultivo desse grupo de macroalgas é muito elevado. As espécies mais utilizadas para extração deste hidrocolóide são: Ascophyllum spp., Durvillaea spp., Ecklonia spp., Laminaria spp., Lessonia spp., Macrocystis spp. O alginato é amplamente utilizado em alimentos, cosméticos, medicamentos e também encontra aplicação na indústria têxtil e de papel. Na impressão têxtil os alginatos são usados como espessantes para a pasta contendo o corante. Graças às propriedades gelificantes do alginato este foi muito utilizado no início da produção de cerejas artificiais em 1946. O alginato também é usado na produção de molhos, ketchup, caldas e cobertura para sorvete dada sua função espessante. Na indústria cervejeira, pequenas concentrações de alginato de propileno glicol promovem a formação de uma espuma mais estável e duradoura. Quando em contato com a água, pós de alginato absorvem e aumentam seu volume, por isso estes pós são utilizados em produtos dietéticos gerando maior sensação de saciedade, em medicamentos para dores estomacais entre outros. Anualmente são produzidas 26,500 toneladas de alginato.

3. Alimentação Humana Segundo dados da FAO, em 2014, 75% das macroalgas produzidas mundialmente foram utilizadas na indústria de alimentos, e a produção de Kombu (Saccharina japonica), Wakame

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(Undaria pinnatifida) e Nori (Porphyra spp.), utilizadas na comida tradicional japonesa, representou 40% dessa produção. Países da Ásia (China, Japão e Coréia) e Pacífico (Filipinas, Nova Zelândia, Indonésia e outros) são os principais consumidores de alga, utilizando-as em alimentos como saladas, sopas, biscoitos, acompanhando alimentos crus (como sushi) e diversos outros pratos. De forma mais tímida, países como Gales, França, Irlanda, Chile e Canadá possuem algumas tradições alimentares com pratos baseados em algas. Com a imigração internacional, pessoas originárias de países com tradição no uso de algas levaram consigo costumes e receitas que facilitaram a difusão do consumo desses alimentos. Com isso, novas receitas e produtos foram sendo desenvolvidos, como chips, shakes enriquecidos, biscoitos, purê instantâneo, tagliatelle entre outros, todos produzidos ou enriquecidos com algas. O elevado teor de proteínas encontrados em macroalgas, que pode variar de 3-15% (peso seco) em algas pardas e de 10-47% (peso seco) em algas vermelhas e verdes, tem chamado a atenção para o uso desses organismos em alimentos vegetarianos e veganos como substitutos de proteínas de origem animal. Algumas macroalgas como a Porphyra tenera, conhecida como “nori” e usada em sushi, e a Palmaria palmata, conhecida como “dulse” e também muito utilizada na culinária japonesa, podem apresentar teores de proteína (47 e 35% do peso seco, respectivamente) mais elevados do que encontrados na soja, por exemplo. Alguns dos produtos desenvolvidos visando abastecer principalmente o mercado vegano/vegetariano são óleo de alga, ovos veganos, maionese sem ovo, entre muitos outros. Sabe-se que macroalgas podem conter diversos tipos de nutrientes como fibras alimentares, minerais, polissacarídeos, vitaminas (como B1, B12, A, E), e ácidos graxos poliinsaturados (como ômega-3). A associação entre dietas ricas em algas e menores índices de doenças e benefícios a saúde, tem levado a entrada de produtos de macroalgas em um novo mercado, o dos alimentos funcionais. Estes tipos de alimento possuem compostos bioativos que visam trazer benefícios à saúde além da nutrição básica. Algas como Caulerpa lentilifera, Ulva fasciata, Chondrus ocellatus, entre outras, possuem elevado teor de fibras alimentares. A ingestão regular destas fibras ajuda a reduzir o risco de doenças como diabetes, doenças cardíacas e câncer. Muitos estudos têm sido realizados buscando identificar o potencial de diferentes compostos presentes nas macroalgas e suas propriedades como agentes anti-inflamatórios, antioxidantes, antivirais, antibactericidas, entre outros. Atualmente, ao menos 145 espécies de macroalgas são utilizadas diretamente para alimentação.

4. Alimentação Animal Macroalgas vem sendo usadas como alimentação animal por populações costeiras há milênios. Segundo o livro Bellum Africanum, de 45 A.C., em tempos de escassez, os Gregos utilizavam

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macroalgas para alimentação de seus rebanhos. Na Islândia, ovelhas, cavalos e o gado podiam ser alimentados com macroalgas por até 8 semanas. Na primeira guerra mundial, quando não havia ração para os cavalos, algas secas foram usadas pelo exército francês. Na Escócia, ovelhas e gado consomem diferentes espécies de algas quando pastam na costa. O uso comercial de macroalgas na ração animal foi pioneiro na Noruega, que iniciou sua produção em escala na década de 1930. Macroalgas podem representar uma excelente fonte alternativa para alimentação animal, pois possuem importantes nutrientes, minerais, carboidratos complexos com atividades probióticas e ácidos graxos poliinsaturados, que podem beneficiar a saúde dos animais e do consumidor. Macroalgas concentram minerais da água do mar e seu conteúdo pode ser de 10 a 20 vezes maior do que o encontrado em plantas terrestres. Estes fatores têm renovado o interesse do setor em desenvolver novos produtos e formulações. Atualmente, a macroalga mais utilizada na alimentação animal é a alga parda Ascophyllum nodosum. Esta alga é comumente encontrada na costa norte-ocidental da Europa e no noroeste da América do Norte. Seu extenso uso se deve principalmente à sua abundância, facilidade de coleta e crescimento em áreas próximas a infraestruturas de processamento e, além disso, estudos apontam que esta alga contém elevadas concentrações de minerais (potássio, fósforo, cálcio, sódio, magnésio e enxofre), metais traços e vitaminas. Estudos utilizando macroalgas na alimentação de peixes sugerem que essa fonte de proteína pode aumentar o ganho de peso e a deposição de proteínas e triglicerídeos nos músculos. Além disso, uma dieta enriquecida com macroalgas poderia melhorar a resistência ao estresse e doenças nos peixes. Na pecuária, o uso de macroalgas na ração levou ao aumento da produção de leite no gado, da taxa de crescimento em cordeiros, e da melhora na cor da gema nos ovos.

5. Cosméticos Os oceanos são fontes extremamente ricas de produtos bioativos, muitos com características não encontradas em organismos terrestres. Mais de 7,000 produtos naturais marinhos já foram isolados, sendo 25% extraídos de algas. Durante seu desenvolvimento, as macroalgas geram uma grande quantidade de compostos químicos conhecidos como “compostos bioativos”, fazendo com que estes organismos possuam um grande potencial para uso no setor de cosméticos. Extratos oriundos de macroalgas podem ser utilizados em uma grande variedade de produtos como sabonetes, xampu, pasta de dentes, hidratantes corporais, maquiagem, protetor solar, entre muitos outros. Macroalgas são organismos sésseis, expostos a grandes variações ambientais que levaram ao desenvolvimento de mecanismos adaptativos, como a produção de compostos bioativos com atividade antioxidante. Em cosméticos, estes compostos ajudam a retardar o envelhecimento da pele,

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inflamações cutâneas, câncer de pele e na proteção contra raios ultravioleta (filtros solares). Podemos citar como exemplo de macroalgas com potencial para uso em cosméticos a macroalga vermelha Chondrus cripsus, que é rica em polissacarídeos e minerais como manganês, zinco, cálcio e magnésio que possuem ação hidratante, condicionante, calmante e cicatrizante, Asparagopsis spp., que já é cultivada na França para produção de extratos para o tratamento de pele, Fucus vesiculosus, cujo extratos podem ser usados para reduzir e melhorar a aparência de olheiras, e estimular a produção de colágeno, reduzindo rugas e linhas de expressão. Algas pardas, em geral, possuem muitas vitaminas, minerais e ácidos graxos essenciais, incluindo ômega 3 e 6, conhecidos por auxiliar na regeneração e saúde da pele. O principal mercado de cosméticos produzidos a partir de macroalgas é a França, que utiliza aproximadamente 5 toneladas (peso fresco) de algas para atender sua demanda. A mudança no padrão de consumo dos clientes, que buscam produtos ambientalmente corretos, oriundos de fontes renováveis e sem adição de compostos sintéticos tem estimulado a busca por produtos utilizando macroalgas. Embora o efeito cosmético desses compostos bioativos venha cada vez mais sendo descrito em diversos estudos e patentes, muitos destes produtos ainda não chegaram ao mercado consumidor. Alguns dos principais entraves para a comercialização são os elevados custos para identificação e extração do composto bioativo, o desenvolvimento de técnicas de cultivo para obtenção de maiores rendimentos e concentração dos compostos. Além disso, um elevado nível de padronização, eficácia e rastreabilidade dos produtos são necessárias.

6. Fármacos As macroalgas são os recursos marinhos mais amplamente estudados e nas últimas três décadas o interesse e descoberta de compostos bioativos extraídos desses organismos tem crescido exponencialmente. Estudos revelaram que alguns desses compostos podem possuir propriedades terapêuticas e atuar no combate de doenças como câncer, diabetes, hipertensão, possuir atividades anti-virais, bactericidas, neuroprotetoras e etc. Ao longo da história, macroalgas foram usadas com fins medicinais por populações das mais diversas tradições, como chineses e japoneses, que utilizavam diversas espécies de algas na medicina tradicional. Na Europa do século 18, vermífugos foram preparados a partir de espécies de Laminaria spp., romanos que usavam cataplasmas de Fucus vesiculosus para o tratamento de dores nas articulações e com fins cosméticos, entre muitos outros exemplos. Na Irlanda, ainda hoje são usados chás tradicionais feitos com Irish moss (Chondrus crispus) para tratar resfriados, broquite e tosses crônicas. Estudos sugerem que compostos extraídos de algas pardas, como floroglucinol podem apresentar atividades anti-inflamatórias, anti-tumoral e anti-diabética. Laminaria spp. contém até 13 vezes mais cálcio do que o leite. Já fucoidans, também extraídos de algas pardas, são excelentes

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anticoagulantes e podem prevenir trombose (Mohamed et al., 2012). Extratos ricos em fenol oriundos de algas como: Alaria spp., Ascophyllum spp., Palmaria spp., Ulva spp. podem atuar como agentes antioxidantes, bem como anti-diabéticos ao inibir determinadas enzimas digestivas. Carotenóides, tradicionalmente utilizados para pigmentação, podem atuar como antioxidantes, na prevenção de câncer e melhora na resposta do sistema imune. O elevado teor de fibras alimentares solúveis presentes em espécies como Eucheuma cottonii, Caulerpa lentillifera, Sargassum polycystum, Ahnfeltiopsis concinna, Gayralia oxysperma, Chondrus ocellatus e Ulva fasciata podem auxiliar na redução de colesterol. Alguns polissacarídeos sulfatados extraídos de algas vermelhas apresentaram atividades anti-viral em doenças como vírus da imunodeficiência humana (HIV), vírus herpes simplex (HSV) tipo 1 e 2 e vírus sincicial respiratório (RSV) (Smit, 2004). Contudo, apesar das pesquisas e esforços acadêmicos e empresariais, poucos fármacos derivados de macroalgas chegaram ao mercado consumidor. Uma das principais barreiras para o desenvolvimento e disponibilização destes produtos são os custos de produção, o caráter inovador dos produtos, dado que a maioria dos medicamentos disponíveis no mercado é baseada em organismos terrestres, falta de tecnologias de cultivo que atendam os requerimentos do setor e a falta de regulamentação específica.

7. Biocombustíveis Atualmente, a população mundial gira em torno 7 bilhões de pessoas, e espera-se que em 2050 sejamos 9,6 bilhões. Esse crescimento populacional, o aumento da longevidade e a elevação no padrão de vida aumentam a pressão sobre diversos setores, entre eles o energético. Visando atender a essas demandas e reduzir o impacto ambiental causado pelo setor, fontes renováveis de energia vêm sendo cada vez mais adotadas. O uso de biocombustíveis é globalmente difundido como alternativa ao uso de combustíveis fósseis. As duas fontes de biocombustíveis utilizadas atualmente são as fontes alimentares, que são culturas agrícolas com finalidades energéticas como milho e cana-de-açúcar, e fontes não alimentares, que utilizam resíduos de biomassa, como aparas agrícolas e o bagaço de cana-de-açúcar. Porém, o cultivo terrestre para produção de biocombustíveis exerce uma grande pressão no ambiente, com uso intensivo do solo, demanda por água potável e uso de agroquímicos, além de competir com cultivos alimentares. Com o crescimento da demanda por alimentos, estes conflitos tendem a se agravar e novas alternativas precisam ser encontradas. O uso de macroalgas como fonte de biocombustíveis apresenta muitas vantagens quando comparado às fontes atualmente utilizadas. Algumas dessas vantagens são a ausência de lignina encontrada nas algas, a não competição por área com culturas alimentares, macroalgas não necessitam

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de água potável nem de fertilizantes, apresentam elevadas taxas de crescimento e podem fixar gás carbônico. Alguns requisitos devem ser levados em consideração para a escolha da macroalga a ser estudada para produção de biocombustíveis, como cultivo sustentável e a disponibilidade de biomassa em grandes quantidades (ao longo de todo ano ou a maior parte dele), para atender a demanda do setor. Aproximadamente metade dos trabalhos investigando o uso potencial de macroalgas no setor energético focam na alga parda Laminaria japonica, seguido de diversas espécies de Sargassum sp. Entre as algas vermelhas e verdes, espécies de Gracilaria spp. e Ulva spp. são as mais intensamente estudadas. Estas espécies possuem diversos usos biotecnológicos e já são intensamente cultivadas e tradicionalmente conhecidas, principalmente em países asiáticos. Embora o uso de macroalgas como fonte de biocombustíveis seja proeminente, esta tecnologia ainda é limitada por barreiras tecnológicas e pela baixa relação custo-benefício. Estudos estimam que o custo para produção de bioetanol a partir de macroalgas, seja de $0,50/kg (em dólares por peso seco) contra $0,16 para o milho. Quanto à tecnologia, os protocolos de produção ainda estão sendo desenvolvidos, principalmente tendo como base aqueles usados na produção de biocombustíveis convencionais, sendo necessária muita pesquisa para seu desenvolvimento. Por estas razões, a produção de biocombustíveis a partir de macroalgas não é economicamente viável, ainda estando limitada a estudos em escala laboratorial e em mesocosmos.

8. A produção de Macroalgas na América Latina Na América Latina as espécies de macroalgas representam de 4,9 a 8,7% da biodiversidade marinha, sendo encontrada no Brasil a maior biodiversidade – 10,6 espécies por 100 km de costa. Os principais países produtores são Argentina, Brasil, Chile, México e Peru. A exceção do Chile, informações sobre a produção de macroalgas na América Latina são dispersas. O Chile é o maior produtor de macroalgas, com uma produção, em 2015, de 11952 toneladas, sendo 97,6% oriunda da coleta na natureza e apenas 2,4% de cultivos. As principais espécies de macroalgas comercializadas são Gracilaria chilensis, usada na produção de ágar e Macrocystis pyrifera, principalmente para a extração de alginato e alimentação de abalone. A produção comercial de macroalgas na Argentina tem por volta de 40 anos e as principais espécies coletadas são: Macrocystis pyrifera, Lessonia vadosa, Gracilaria gracilis, Gigartina skottsbergii, Sarcothalia sp., e Porphyra columbina. Toda macroalga utilizada é coletada na Patagônia, principalmente na província de Chubut. Essas algas são cultivadas para produção de carragenana, alginato, consumo humano, nutraceuticos, cosméticos e fucoidans. No México, o comércio de macroalgas é estabelecido desde 1960, contudo, ainda hoje, essa atividade é totalmente baseada na coleta na natureza, principalmente para a produção de carragenan.

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No México as quatro principais espécies mais exploradas são Macrocystis pyrifera, Gelidium robustum, Chondracanthus canaliculatus, Gracilariopsis lemaneiformis. No Peru as informações disponíveis sobre a produção de macroalgas são escassas. Sabe-se que Chondracanthus chamissoi e Gracilaria lamaneiformis são coletadas para a produção de ficocolóides, principalmente carragenana, e pequenas quantidades de Porphyra columbina, para consumo humano. No Brasil, a produção de macroalgas é principalmente oriunda de coletas realizadas na natureza. Contudo, o cultivo de Kappaphycus sp. tem sido realizado no país há pelo menos 20 anos. Outras duas espécies comercialmente exploradas são Gracilaria sp. e Hypnea sp. Em 2015 o Brasil produziu 730 toneladas de macroalgas (peso fresco). Na América Latina, com exceção do Chile, a exploração econômica das macroalgas ainda é pouco conhecida e para seu desenvolvimento desafios como tecnologia, mão-de-obra qualificada e falta tradição no uso de macroalgas precisam ser superadas. Além disso, é fundamental a criação de planos de manejo e regulamentação que possam garantir o desenvolvimento sustentável dessa atividade econômica.

9. Vantagens e Desvantagens 9.1. Desvantagens Macroalgas absorvem nutrientes como nitrogênio e fósforo presentes no ambiente marinho, mas também podem acumular metais pesados como arsênico, cobre, zinco entre outros. Para que se evitem tais contaminações é necessário realizar o monitoramento regular da qualidade do ambiente de cultivo ou coleta, e da composição das macroalgas, principalmente quando utilizadas para alimentação humana e animal. Assim como ocorre com as plantas terrestres, o valor nutricional e composição bioquímica podem variar entre as espécies e grupos de macroalgas, estação do ano e localização geográfica. Este é um dos principais desafios para o desenvolvimento de produtos com maior valor agregado como fármacos, que necessitam de um rigoroso nível de padronização. Para atender a essas demandas, técnicas de cultivo, extração dos compostos e armazenamento da biomassa precisam ser desenvolvidos. Em lugares como a América Latina e alguns países da Europa, a produção de macroalgas ainda está em seus primeiros estágios e políticas públicas e legislação ainda estão em desenvolvimento. A falta de controle para a coleta de macroalgas na natureza pode levar ao uso predatório e a exaustão desse recurso. É interessante notar que existe uma diferença entre a produção de biomassa e o depósito de patentes registradas pelos países. Entre os maiores produtores encontram-

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se países como Filipinas, Vietnã, China e Japão, enquanto os dois primeiros países possuem um número de registros de patentes irrelevante, os últimos são líderes no ranque de registro de patentes.

9.2. Vantagens As macroalgas possuem uma ampla distribuição geográfica e elevado teor nutricional, o que as posicionam como uma alternativa para enfrentar o desafio global de alimentar uma população cada vez mais numerosa, sem acrescentar mais pressão aos recursos ambientais já combalidos. Em 1999, o Fórum Nacional de Macroalgas realizado pelo Ministério de Recursos Naturais e Marinhos da Irlanda, determinou que o desenvolvimento da aquacultura de macroalgas era atividade fundamental para atender mercados emergentes e criar postos de trabalhos altamente qualificados em áreas costeiras no país. Em países em desenvolvimento, o cultivo de macroalgas pode ser uma valiosa fonte de renda para comunidades costeiras afetadas pela pesca comercial. Dentro do cultivo de macroalgas, uma técnica que vem sendo difundida é o Sistema de Cultivo Multitrófico Integrado (IMTA, na sigla em inglês). Nesse sistema, as macroalgas são cultivadas em fazendas para criação de peixes, crustáceos ou moluscos. Este cultivo integrado leva a uma maior diversificação da produção, atendendo mais de um mercado e gerando assim uma maior renda para os aquacultores. Outro fator importante são os serviços ambientais prestados. Nesse sistema, as macroalgas absorvem os nutrientes oriundos da produção pesqueira, atuando como biofiltros e removendo o excesso de nutrientes. Ainda captam o gás carbônico atmosférico através da fotossíntese, ajudando a reduzir a concentração desse gás de efeito estufa no ambiente. Além disso, o processo fotossintético das macroalgas é altamente eficiente, (6-8%), muito superior às plantas terrestres (1,8-2,2%). O aumento do cultivo de macroalgas em até 14% por ano poderia gerar 500 milhões de toneladas de biomassa (em peso seco) em 2050, aumentando em 10% a oferta atual de alimentos, gerando renda e melhorando a qualidade ambiental.

10. Biorrefinarias Um dos principais gargalos para o desenvolvimento de bioprodutos extraídos de macroalgas são os elevados custos com tecnologia, tanto para a produção de biomassa como para a extração dos compostos desejados. A solução mais proeminente para essas questões seria a implementação do conceito de biorrefinarias. Similar a refinarias de petróleo, onde as diferentes frações dos produtos derivados são extraídos, na biorrefinaria múltiplos compostos podem ser obtidos através do fracionamento da biomassa utilizada.

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Esse conceito visa otimizar o uso de recursos, minimizar custos e maximizar os lucros, extraindo em um só local produtos de elevado valor agregado, como fármacos, e comodities como biocombustíveis e biomassa para alimentação animal e fertilizantes. Além disso, não há descarte de biomassa, já que cada fração é aproveitada. Uma importante vantagem do conceito de biorrefinaria, são os serviços ambientais prestados, como a mitigação da emissão de gases do efeito estufa, a substituição do uso de combustíveis fósseis, através da produção de biocombustíveis que não competem por terras aráveis ou água doce, a biorremediação de ambientes marinhos, entre outros. Atualmente existem diversas iniciativas para implementação e desenvolvimento de biorrefinarias na Europa.

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CAPÍTULO 7

Morfologia e ecologia das briófitas Emanuelle Lais dos Santos (Instituto de Botânica de São Paulo) Aline Possamai Della (Universidade de São Paulo)

Quem são as Briófitas? Briófitas é um termo artificial que denomina três divisões: Bryophyta, que corresponde aos Musgos, Marchantiophyta as Hepáticas e Anthocerotophyta aos Antóceros. Constituem o segundo maior grupo de plantas terrestres, estando atrás somente das angiospermas. Segundo (2018) há cerca de 20.000 espécies no mundo, sendo que no Brasil ocorrem 1568 espécies.

Aspectos gerais São plantas avasculares, com reprodução sexuada dependente de água, uma vez que apresentam anterozoides flagelados; e com geração gametofítica (haploide) predominante sobre a esporofítica (diploide) (Fig. 1).

Figura 1. Ciclo de vida haplodiplobionte. Elaborado por: E.L. dos Santos

De modo geral, musgos, hepáticas e antóceros são formados por estruturas básicas comuns, com algumas modificações para cada grupo. O esporófito (diploide) produz os esporos (haploides)

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através de meiose, e ao serem dispersos quando encontrarem locais adequados podem germinam, e assim dar origem a um protonema. A partir desse protonema inicial podem-se originar outros gametófitos, os quais apresentam filídios, caulídios e rizóides (Fig. 2). Essas estruturas são análogas a folhas, caule e raiz, respectivamente, mas sem tecidos especializados em condução.

Figura 2. Esquema básico demonstrando a morfologia de um musgo. Elaborado por: E.L. dos Santos

Os gametófitos, haploides, se desenvolvem a partir de uma célula apical (não por meristema), e produzem os gametângios, chamados de Anterídio (masculino) e Arquegônio (feminino), os quais são os órgãos responsáveis pela produção dos gametas. Os Anterídios e Arquegônios podem se desenvolver num mesmo indivíduo (planta monoica), ou estar em indivíduos separados (planta dioica). Frequentemente, os gametângios encontram-se envolvidos por filídios (nesse caso chamados de perianto), que promovem a proteção dessas estruturas. Os filídios que envolvem os gametângios formam inflorescências, que são chamadas de perigônio (masculina) e periquécio (feminina) (Fig. 3).

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Figura 3. A: filídios periqueciais no ápice do gametófito de um musgo (Trematodon Michx. sp.); B: filídios do perianto em uma hepática folhosa (Lejeunea Lib. sp). Fotos: E.L. dos Santos

Reprodução e desenvolvimento O arquegônio tem forma de garrafa, com uma porção ventral mais alargada e uma porção apical alongada. A porção ventral possui a oosfera (gameta feminino), e na apical alongada frequentemente se encontram os anterozoides (gameta masculino), que são produzidos nos anterídios. Quando os anterozoides chegam até a oosfera, ocorre a fertilização e, consequentemente, a formação de um embrião. A partir de várias divisões celulares, o embrião se desenvolve em Pé, estrutura que liga gametófito e esporófito e transfere nutrientes entre estes (visto que em geral o esporófito não é fotossintetizante), na Cápsula, local onde os esporos são produzidos, e na Seta, que eleva a cápsula acima do gametófito, para a dispersão dos esporos ser mais efetiva.

Substratos As briófitas ocorrem em diversos ambientes, sendo os locais úmidos os mais adequados para a sobrevivência destes organismos, tendo em vista que apresentam tecido vascular rudimentar, e a necessidade de água para a fecundação. Apesar disso, elas são amplamente distribuídas no mundo, 69

ocorrendo do ártico aos trópicos e, em ambientes submersos a desérticos. Crescem em vários tipos de substratos, como representado na Figura 4, sendo consideradas como epifilas (quando crescem sobre folhas), terrestres, corticícolas: (em troncos vivos ou em decomposição), rupícolas (superfícies rochosas) e em materiais introduzidos pelo homem.

Figura 4. Exemplos de substratos das briófitas. Espécies: A- epifilas, B- terrestres, C e D- corticícolas, E- rupícolas, e F: em materiais introduzidos pelo homem. Fotos: E.L. dos Santos

Marchantiophyta - Hepáticas As hepáticas podem ser subdivididas em dois grupos morfológicos principais, as plantas folhosas e as talosas (Fig. 5). As hepáticas folhosas são caracterizadas pela ausência da costa (espessamento de células no centro do talo), pela presença ou ausência dos anfigastros (filídios

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diferenciados na posição ventral dos ramos) (Fig. 6), pelos lóbulos, que podem estar ausentes, reduzidos ou de tamanho variável, e pela presença de rizoides unicelulares.

B

A C

Figura 5. A: hepática folhosa, B e C: hepática talosa. Fotos: E.L. dos Santos

Figura 6. Exemplo de anfigastro do tipo bífido. Foto: E.L. dos Santos

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As hepáticas talosas não se diferenciam em filídios, além disso, a costa pode estar presente ou ausente no talo, os rizoides são unicelulares, e podem apresentar escamas pluricelulares ventrais.

Anthocerothophyta - Antóceros Os antóceros são talosos e multilobados (lembram algas) (Fig. 7), possuem células com apenas um cloroplasto (e geralmente um pirenoide), e rizoides unicelulares com paredes lisas. O esporófito é persistente, apresenta crescimento contínuo, além de pseudoelatérios, que são estruturas para dispersão dos esporos. A ornamentação dos esporos é bastante variável (visível em microscopia óptica), sendo uma característica importante para a identificação dos gêneros.

Figura 7. Talos e esporófitos de Antóceros. Fotos: E.L. dos Santos

Bryophyta - Musgos Os musgos possuem as estruturas mais variáveis entre as briófitas, variando na forma, no tamanho e na estrutura do gametófito (Fig. 8). O esporófito apresenta frequentemente dentes no peristômio e um opérculo, já no gametófito diversas especializações podem estar presentes, como a costa e as células alares. Os musgos são artificialmente divididos em acrocárpicos e pleurocárpicos, isto é, em relação às características do crescimento do gametófito e a posição de surgimento do esporófito.

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Figura 8. Diversidade de musgos. Fotos: E.L. dos Santos

Tabela descritiva com comparação morfológica entre Hepáticas, Musgos e Antóceros Hepáticas Musgos Gametófito Folhoso ou taloso Folhoso Anfigastros Presente Ausentes Rizóides Unicelulares, hialinos, com escamas Pluricelulares, coloridos, septados Oleocorpos Compostos, bem visíveis Ausentes ou pouco visíveis Esporófito Pé, seta (hialina) e cápsula Pé, seta (fotossintetizante) e cápsula Liberação dos Rápida (auxílio de elatérios) Rápida, através do peristômio esporos

Antóceros Gametófito Taloso e lobulado Anfigastros Ausentes Rizóides Unicelulares, hialinos, sem escamas Oleocorpos Simples e pouco visíveis Esporófito Pé e cápsula Liberação dos Gradual (auxílio de pseudoelatérios) esporos

Papel ecológico das briófitas As briófitas são classificadas como plantas pioneiras (frequentemente primárias, ou até secundárias) numa sucessão ecológica. Os tapetes, ou tufos orgânicos, formados por essas plantas promovem a retenção de umidade, e as secreções ácidas auxiliam na quebra das rochas, que

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posteriormente serão parte do solo. Essas alterações no ambiente são indispensáveis para que ocorra o estabelecimento de novas espécies e, principalmente, para que ocorra a germinação de sementes.

Outras funções ecológicas As briófitas também são consideradas como indicadores ecológicos da qualidade de habitat, uma vez que muitos táxons desse grupo são sensíveis a alteração de umidade na atmosfera. Além disso, outras funções ecológicas destas plantas podem ser citadas como: • Evitam a erosão, pois auxiliam na manutenção do balanço hídrico do solo; • Participam da ciclagem de nutrientes, uma vez que são componentes da biomassa; • São indicadores ecológicos de mudanças climáticas, uma vez que respondem de forma rápida e direta a mudanças ambientais; • Podem ser indicadoras de depósitos minerais, como por exemplo os “musgos do cobre”, pois estão associados a solos ou rochas com grande concentração deste mineral. • Além de serem abrigo e alimento para animais, microrganismos e insetos. Exemplo: Em ambientes gelados a cápsula é fonte de alimento para mamíferos;

Utilização comercial As espécies de briófitas mais empregadas para fins comerciais são as pertencentes ao gênero Sphagnum L. Plantas desse grupo são usadas em floriculturas como meio de cultivo de outras plantas, além de serem empregadas na fabricação de papel, como isolante térmico, em enchimento de camas e travesseiros, como combustível natural (turfeiras), para filtração de água, e para ação antisséptica.

Briófitas como plantas medicinais Alguns estudos apresentam um histórico com várias aplicações das briófitas para fins medicinais, destacando inclusive a utilização desses organismos como antibióticos. A hepática Marchantia polymorpha L. já foi utilizada no tratamento de tuberculose pulmonar e doenças do fígado. Na China, o chá do musgo Sphagnum L. foi empregado na cura de hemorragia aguda e doenças oculares, e a infusão de Polytrichum commune L. ex Hedw., ajudava a dissolver cálculos renais e da vesícula. Sphagnol, destilado de turfa, constituído principalmente de Sphagnum sp., foi reconhecido como sendo útil no tratamento de diversas doenças da pele e recomendado para diminuir o prurido de picadas de insetos. Os índios do Alasca preparavam pomada para a pele misturando Sphagnum com sebo ou outra gordura. Nas ilhas inglesas, as populações da zona rural usavam Sphagnum como bandagem em furúnculos e feridas, o que também foi empregado nos exércitos durante as guerras Napoleônicas e Franco-prussianas, bem como por ocasião da guerra

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Russo-japonesa (nessa última substituía o algodão no curativo de primeiros socorros). Ainda, nos Estados Unidos, a Cruz Vermelha Americana preparou 500.000 curativos usando musgos. Na Segunda Guerra Mundial, os musgos de turfeiras também eram empregados como remédios cirúrgicos. Além disso, as briófitas possuem as seguintes atividades biológicas: citotóxica, antioxidante, anti-inflamatória, carcinogênica, inibição enzimática, antimicrobianas (antifúngica, antibacteriana, antiviral), alelopática (inibem o crescimento de raízes e folhas nas plantas de arroz, e o crescimento de outras plantas vasculares, e também promovem a germinação de sementes de trigo), cardiotônica (aumento do fluxo sanguíneo coronário) e, ainda possuem toxicidade diante de moluscos e peixes.

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CAPÍTULO 8

Tópicos gerais sobre licófitas e samambaias Aline Possamai Della (Universidade de São Paulo) Bianca Kalinowski Canestraro (Instituto de Botânica de São Paulo) Sebastião Maciel do Rosário (Museu Paraense Emilio Goeldi)

Nesse capítulo abordaremos alguns aspectos relacionados à evolução, classificação, reprodução, morfologia, ecologia, distribuição, conservação e importância econômica das licófitas e samambaias.

Introdução Licófitas e samambaias são termos que se referem à todas as plantas vasculares (apresentam portanto, xilema e floema), que não produzem flores e frutos, as quais, são popularmente conhecidas como samambaias, avencas e cavalinhas. No ensino básico, elas são tradicionalmente tratadas como “pteridófitas”, no entanto, a reunião desses dois grupos de plantas sob o termo “pteridófita” é reconhecidamente uma classificação artificial, uma vez que nem todas as espécies evoluíram a partir de um mesmo ancestral comum (ou seja, é um agrupamento parafilético). Como atualmente um dos critérios para se estabelecer um grupo biológico é este ser considerado monofilético (em oposição ao termo parafilético), ou seja, incluir o ancestral comum e todos os descendentes daquela linhagem, o termo “pteridófita” encontra-se praticamente em desuso pela comunidade científica. A grosso modo, as licófitas se diferenciam pela presença de microfilos (folhas geralmente pequenas, que apresentam uma nervura central não ramificada), e esporângios situados nas axilas entre folhas e caules. Já as samambaias apresentam folhas do tipo megafilo (geralmente grandes, com nervuras ramificadas, formando uma rede bastante complexa no tecido laminar), e esporângios localizados na face abaxial ou na margem da folha. Diversos estudos têm demonstrado que as samambaias são mais aparentadas filogeneticamente com as espermatófitas (plantas com semente, angiospermas e gimnospermas) do que com as licófitas. Na Figura 1 podemos constatar que as licófitas foram a primeira linhagem a divergir das plantas vasculares (isso considerando apenas espécies atuais), e que está linhagem é grupo irmão do clado (grupo monofilético) das eufilófitas, que é formado pelas samambaias e pelas espermatófitas (Fig. 2 mostrando imagens de alguns representantes desses grupos de plantas atuais).

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Figura 1. Esquema simplificado demonstrando as relações filogenéticas dos principais grupos de plantas atuais. O grupo das briófitas (plantas avasculares) é irmão de todas as plantas vasculares. No clado das vasculares (flecha roxa), o grupo das licófitas é irmão das eufilófitas (clado representado pela flecha verde). E dentro das eufilófitas temos espermatófitas (gimnospermas e angiospermas) e as samambaias. Elaborado por: A.P. Della.

Figura 2. Representantes dos principais grupos de plantas atuais. A: Bryum Hedw. (Bryaceae, Briófita); B: Malvaviscus Fabr. (Malvaceae, Angiosperma); C: Cyathea Sm. (Cyatheaceae, Samambaia); D: Phlegmariurus Holub (Lycopodiaceae, Licófita); E: Hemionitis L. (Pteridaceae, Samambaia); F: Pinus L. (Pinaceae, Gimnosperma); G: Ctenitis (C. Chr.) C. Chr. (Dryopteridaceae, Samambaia). Fotos: A.P. Della. & B.K. Canestraro.

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Evolução A origem das licófitas e samambaias é muito antiga. Os primeiros fósseis de organismos semelhantes a elas datam de 425 milhões de anos, no período geológico conhecido como Siluriano. Porém foi supostamente no Carbonífero (a cerca de 360 milhões de anos atrás), que houve uma ampla diversificação e irradiação desse grupo, momento em que possivelmente se tornaram os elementos dominantes nas florestas. Esse período do Siluriano/Carbonífero é reconhecido como a primeira grande radiação das licófitas e samambaias. A segunda grande radiação é do Carbonífero/Triássico, até cerca de 245 milhões de anos atrás, onde registros fósseis indicam a existência de verdadeiras florestas formadas, principalmente, por licófitas arbóreas com até 25 metros de altura. Nesse período, as licófitas deviam corresponder a cerca de 50% das espécies. Na era Mesozóica tivemos o aparecimento e a irradiação de angiospermas, isso provavelmente promoveu a extinção de muitas linhagens de samambaias e licófitas (derivadas das duas grandes radiações destacadas acima), assim como de muitas gimnospermas. No entanto, ao mesmo tempo que houve extinções de muitas linhagens, ocorreu o surgimento de outras, como a linhagem de samambaias polipodiódes (correspondem a ordem Polypodiales, ver próximo tópico), que acabaram por se diversificar “na sombra das angiospermas” (é a chamada terceira grande radiação das licófitas e samambaias). As florestas de angiospermas que foram surgindo, principalmente entre o final da era Mesozóica e o início da era Cenozóico, eram muito mais diversas que as florestas de gimnospermas existentes até então. Além disso, tinham diferentes estratos (plantas de dossel, de sub-bosque, etc.), assim o estabelecimento das angiospermas deve ter proporcionado grande mudanças ambientais, e o surgimento de novos ecossistemas potencialmente ocupáveis pelas samambaias e licófitas. Hoje as samambaias polipodióides, que se diversificaram principalmente nos últimos 50 milhões de anos, correspondem a cerca de 80% das espécies existentes. Esse grupo de plantas deve ter se estabelecido, principalmente, sob o dossel florestal, onde provavelmente havia poucas gimnospermas e angiospermas, ou seja, onde havia menor competição. Como visto nos parágrafos acima, as licófitas e samambaias atuais correspondem a grupos muito recentes, ao contrário do que se imaginava antigamente, que elas eram “plantas fósseis” e remanescentes das linhagens antigas.

Classificação A classificação das licófitas e samambaias passou por muitas alterações ao longo do tempo. Desde as primeiras classificações baseadas somente em caracteres morfológicos (tais como:

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características do rizoma, da fronde, a disposição dos soros, a presença ou a ausência de indúsio, etc.), as quais, em geral não levam em conta as relações filogenéticas, a classificações que passaram a incorporar dados moleculares (as quais, partem de uma filogenia, e usam o princípio de monofiletismo para o estabelecimento dos grupos). O Pteridophyte Phylogeny Group I (PPG I, 2016), a classificação mais recente desses grupos, é de certa forma um resumo das diversas filogenias, que vem sendo obtidas a partir de dados moleculares. As licófitas são tradadas como a classe Lycopodiopsida, e as samambaias como Polypodiopsida (Fig. 3 e 4). Dentro de Lycopodiopsida há três ordens, as quais apresentam 1.338 espécies. A maior ordem é Selaginellales (com 700 espécies), seguida por Lycopodiales com 388 e Isoëtales com 250. Em Polypodiopsida há 10 ordens, totalizando 10.578 espécies. Polypodiales é a maior ordem com 8.714 espécies, seguida por Cyatheales com 713 e Schizaeales com 190. Assim, há atualmente 11.916 de licófitas e samambaias.

Figura 3. Esquema simplificado demonstrando as relações filogenéticas das ordens de Lycopodiopsida (licófitas em azul) e Polypodiopsida (samambaias em vermelho) segundo o PPG I (2016). Entre parênteses o número de espécies de cada ordem. Elaborado por: A.P. Della.

A B C 80

D E F

G H I

J K L

M N 81

Figura 4. Fotos ilustrando as principais ordens de licófitas e samambaias. A: Phlegmariurus Holub (Lycopodiales), B: Selaginella P. Beauv. (Selaginellales), C: Equisetum L. (Equisetales), D: Psilotum Sw. (Psilotales), E: Ophioglossum L. (Ophioglossales), F: Eupodium J. Sm. (Marattiales), G e H: Osmundastrum C. Presl (Osmundales), I: Hymenophyllum Sm. (Hymenophyllales), J: Dicranopteris Bernh. (Gleicheniales), K: Anemia Sw. (Schizeales), L: Dicksonia L'Hér. (Cyatheales), M: Hemionitis L. (Polypodiales) e N: Jamesonia Hook. & Grev. (Polypodiales). Fotos: B.K. Canestraro e A.P. Della.

Reprodução Reprodução sexuada O ciclo de vida das licófitas e samambaias, assim como as demais plantas terrestres, é haplodiplobionte, ou seja, envolve a alternância de gerações. A geração gametofítica, a qual produz os gametas, é haplóide (x=n) e efêmera, já a geração esporofítica, que produz os esporos, é diplóide (x=2n) e de longa duração (Fig. 4).

Figura 4. Ciclo de vida de uma samambaia leptoesporangiada. Elaborado por: B.K. Canestraro.

Apresentaremos agora o ciclo de vida, tomando como exemplo uma samambaia leptoesporangiada (que corresponde a maioria das samambaias). Na maturidade de um esporófito (diplóide) são produzidos os soros, que estão localizados, frequentemente, na parte inferior das folhas. Os soros correspondem ao agrupamento de esporângios, os quais contém numerosos esporos. Os esporos por sua vez são células haplóides, formadas por meiose. Os esporângios são constituídos, geralmente, por uma haste (porção inferior) e uma cápsula globosa (porção superior). Nessa cápsula há uma linha de células espessadas em forma de “U”, a qual chamamos de ânulo. Quando há redução de umidade do ambiente (seca), as paredes do ânulo se 82

comprimem e acabam rompendo o esporângio, promovendo, dessa forma, a liberação dos esporos (os quais são passíveis de serem carregados pelo vento). Num ambiente propício, os esporos podem germinar e se desenvolver em prótalos, e posteriormente em gametófitos (haplóides). Os gametófitos, que por sua vez, são geralmente pequenos, com formato cordiforme e coloração verde clara (a morfologia do gametófito será vista em detalhes no próximo tópico), apresentam em sua porção inferior órgãos sexuais. Os órgãos masculinos são chamados de anterídios e produzem os anterozoides (gametas masculinos flagelados). Já os órgãos femininos são chamados de arquegônio e produzem as oosferas (gametas femininos). A água é essencial para a fecundação, tendo em vista que o anterozóide é flagelado. Os gametófitos podem ser unissexuados (apresentam órgãos sexuais masculinos e femininos em indivíduos diferentes) ou bissexuados/hermafroditas (apresentam órgãos sexuais masculinos e femininos num mesmo indivíduo). Quando o anterozóide chega até o arquegônio e fecunda a oosfera, é gerado o zigoto, iniciando-se assim a fase diplóide. O gametófito permanece vivo até a formação dos primórdios foliares, e em seguida morre. O zigoto, formado pela fecundação, sofre sucessivas divisões mitóticas gerando um novo indivíduo (esporófito), que apresenta raízes, caule e folhas, e ao atingir a maturidade produzirá os esporos. É extremamente importante aqui ressaltarmos um detalhe que diversos livros texto de botânica descrevem e enfatizam erroneamente: a autofecundação (quando um gameta masculino fecunda um gameta feminino do mesmo indivíduo) como a forma mais comum de reprodução do gametófito. Isso é apresentado tanto em explicações no texto como em figuras. No entanto, a maioria dos eventos de fecundação que ocorrem nesses grupos é por meio de fecundação cruzada (quando gametas masculinos fecundam gametas femininos de indivíduos diferentes) gerando maior variabilidade genética.

Reprodução assexuada A reprodução assexuada pode ocorrer por meio de apomixia e/ou de propagação vegetativa. No ciclo de vida de uma samambaia apomítica, há produção de 32 esporos diploides (por meio de falhas na disjunção dos cromossomos na meiose), ao invés dos 64 esporos haploides formados normalmente (ciclo de vida não apomítico). Dessa forma, não há fecundação (fusão de gametas), uma vez que os esporos já são diploides. Estes esporos diplóides germinam e se desenvolvem em gametófitos menores do que os normais, além disso, esses gametófitos formados não produzem gametângios. Então, a partir de uma célula do gametófito há o desenvolvimento de um esporófito, que apresenta raiz, caule e folhas. O gametófito morre a medida que essa nova plântula se desenvolve. O esporófito apomítico poderá produzir esporos, também apomíticos, fechando o ciclo.

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A propagação vegetativa é uma alternativa mais rápida do que a reprodução sexuada. As plantas (esporófito) produzem gemas, as quais podem estar localizadas tanto na raque, quanto na lâmina foliar (Fig. 5). Essas gemas se desenvolvem e dão origem a plântulas, que são clones da planta mãe. Ao tocarem o chão (quando folhas da planta mãe murcham) e/ou quando se desprendem da planta mãe, tornam-se indivíduos independentes, sem a necessidade de reprodução sexuada.

Figura 5. Exemplos de reprodução vegetativa via gemas em duas espécies de Thelypteris Adans. (Thelypteridaceae) Fotos: B. K. Canestraro. Outro fenômeno comum entre as licófitas e samambaias é a hibridação, que consiste no cruzamento de duas espécies distintas, gerando descendentes com características combinadas de ambos parentais. A hibridação ocorre quando o anterozóide do gametófito de uma espécie fecunda a oosfera do gametófito de outra espécie. Identificam-se híbridos com certa facilidade por estes apresentarem características intermediárias entre os parentais, no entanto, nem sempre são expressas de forma proporcional (Fig. 6). Indivíduos híbridos geralmente apresentam esporos abortados, o quais podem inclusive ser maiores que os esporos dos parentais. Esporos abortados têm a aparência de uma “sujeira” sob o microscópio estereoscópico, pois eles são irregulares, enegrecidos e sem forma definida. Os híbridos são estéreis na maioria dos casos, uma vez que não ocorre o pareamento correto dos cromossomos provenientes dos diferentes parentais.

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Figura 6. Folha de Lomariopsis japurensis (Mart.) J. Sm. (Lomariopsidaceae) acima e de Lomariopsis vestita E. Fourn. abaixo. Ambas espécies são as parentais do híbrido natural Lomariopsis × farrarii R.C. Moran & J.E. Watkins (ao centro) ocorrente na Costa Rica. Foto: B.K. Canestraro. A hibridação entre espécies do mesmo gênero é chamada de intragenérica, e é a mais comum. A hibridação também pode ocorrer entre gêneros diferentes, neste caso é chamada de hibridação intergenérica. Recentemente foram descritos dois híbridos entre gêneros muito aparentados de samambaias: Cyclodium C. Presl e Polybotrya Humb. & Bonpl. ex Willd. Na nomenclatura botânica, deve-se usar o símbolo × para indicar que o táxon é um híbrido. No caso anterior, o gênero novo foi descrito como × Cyclobotrya Engels & Canestraro, que representa a combinação entre o nome dos dois parentais.

Morfologia do gametófito e do esporófito Fase gametofítica Os gametófitos das licófitas e das samambaias nem sempre são cordiformes, como os livros frequentemente ilustram. Eles apresentam diferentes morfologias, cujos tipos morfológicos são relacionados ao hábitat do esporófito. Os gametófitos cordiformes (Fig. 7) são geralmente anuais e típicos da maioria das espécies terrestres de Polypodiales. Os gametófitos em forma de fita são ramificados, perenes, apresentam crescimento indeterminado, alongamento gradual e desenvolvimento mais lento que o cordiforme. O talo dos gametófitos em forma de fita pode dar origem a outros indivíduos por meio de reprodução assexuada. Esse tipo de gametófito é encontrado em epífitas da família Polypodiaceae, Dryopteridaceae, Hymenophyllaceae e Pteridaceae, e em plantas terrestres pertencentes a Osmundaceae. 85

Figura 7. Gametófito terrícola e cordiforme à esquerda, e gametófito epífito e em forma de fita à direita. Fotos: B.K. Canestraro. Os gametófitos cordiformes, anuais e de crescimento rápido são adaptados para viver em ambientes com perturbações constantes, como barrancos, que sofrem erosão, e solo com contínuo acúmulo de serapilheira. Já os gametófitos em forma de fita, perenes e de crescimento lento adaptam- se a habitats mais maduros e estáveis, como troncos de árvores e cavernas.

Fase esporofítica A morfologia do esporófito é bastante variável nas licófitas e samambaias. Em geral, esses dois grupos apresentam raízes, caule e folhas (também chamadas de frondes). Contudo, as licófitas e as samambaias possuem diferenças morfológicas entre si (como comentado anteriormente). As licófitas apresentam microfilos, que são folhas inteiras, geralmente, menores que 1 cm de comprimento, sésseis, com apenas uma nervura, e um esporângio por microfilo (este localizado na superfície superior do microfilo). Já as samambaias possuem megafilos, que são folhas simples ou compostas, sésseis ou pecioladas, com várias nervuras, e numerosos esporângios por folha (geralmente na face inferior da folha) As folhas das licófitas e samambaias são divididas em lâmina (porção geralmente verde e expandida) e pecíolo (porção alongada e cilíndrica), sendo estas partes ausentes nas licófitas (Fig. 8). A lâmina pode ser inteira ou parcialmente dividia, em graus crescentes de dissecção até uma lâmina totalmente composta. A lâmina que apresenta alguns lobos e/ou incisões (as quais chegam a nervura central) é chamada de pinatissecta. Se a lâmina é completamente dividida até a nervura central ela é chamada pinada, onde cada unidade da lâmina é uma pina e o eixo entre as pinas é a raque. Se a pina é dividida mais uma vez, a lâmina é bipinada, se esta se divide mais uma vez, é tripinada e assim sucessivamente.

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Figura 8. Diferentes formas e dissecções das folhas de samambaias. Fotos: B.K. Canestraro.

As folhas das samambaias nascem enroladas em uma espiral, ou seja, apresentam venação circinada, e ao longo do tempo vão se desenrolando gradualmente. A folha jovem (enrolada) das samambaias é chamada de báculo, pela similaridade do báculo (cajado) dos papas da igreja católica. O formato da folha também pode variar muito entre os grupos, assim como as nervuras das folhas, as quais são importantes para identificar algumas famílias. As nervuras podem ser: lineares (livres ao longo de toda lâmina), furcadas (em forma de Y) ou reticuladas (nervuras unem-se em aréolas). Na superfície das folhas, pecíolos ou caule pode haver escamas ou tricomas, ambos de origem epidérmica. As escamas são estruturas laminares com mais de uma célula de espessura e podem ter formatos e cores variados. Tricomas são formados por uma célula de espessura e também podem apresentar cores diversas (lembram vagamente os pelos dos mamíferos). Existem dois tipos de esporângio em licófitas e samambaias: o eusporângio e o leptoesporângio. O eusporângio é formado a partir da divisão de várias células da epiderme da folha, e o leptoesporângio é originado a partir de uma única célula epidérmica. O eusporângio está presente nas licófitas e nas ordens Equisetales, Psilotales, Ophioglossales, Marattiales e parte das Osmundales (dentro de Polypodiopsida). Já o leptoesporângio é encontrado em alguns grupos de Osmundales e em todas as outras seis ordens de Polypodiopsida, dessa forma, as samambaias leptoesporangiadas são muito mais numerosas. As folhas podem ser de dois tipos: férteis ou estéreis. As folhas férteis contêm os soros, conjunto de leptoesporângios, cujo formato e posição são muito importantes para a identificação dos grupos. Os soros são castanhos quando maduros e podem ter formato arredondado, ou linear, ou podem ainda recobrir toda a superfície da folha (neste caso o soro é chamado de acrosticóide). O indúsio é uma membrana epidérmica, frequentemente fina, que recobre parcial ou totalmente os soros

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até a maturidade dos esporos, pode estar presente ou ausente, sendo também um importante caráter taxonômico. O caule pode ser reptante (quando este é paralelo ao substrato), ou ser ereto (em alguns casos chegando a formar um “caule” com diâmetro e altura consideráveis, como nas samambaias arborescentes). As licófitas e samambaias são plantas herbáceas, uma vez que não apresentam crescimento secundário.

Distribuição As licófitas e samambaias apresentam ampla distribuição geográfica (plantas consideradas cosmopolitas), ocorrendo desde as tundras geladas, acima do círculo polar ártico, até as florestas tropicais quentes e úmidas na linha do equador. O número de espécies aumenta no sentido polos para trópicos (há um gradiente de riqueza), como pode ser visto nesses exemplos: na Groelândia há cerca de 30 espécies, 100 na Inglaterra, 130 na Flórida, 652 na Guatemala, 1160 na Costa Rica e 1250 no Equador. Na América do Sul há estimativas de ocorrência de 3500 espécies, e no Brasil 1307, sendo que grande parte desses táxons, que ocorrem em nosso país, estão na Mata Atlântica e na Amazônia. Em menor proporção ocorrem nas regiões serranas, nas matas de galeria, nas florestas nebulares e nas áreas de Cerrado e Caatinga. Além do maior número de espécies, é na região tropical onde elas apresentam maior diversidade de formas de vidas, havendo plantas: terrícolas (plantas que nascem e passam todo o ciclo de vida em contato com o solo), rupícolas (em contato com rochas), epífitas (nunca em contato com o solo, nascem e passam todo o ciclo de vida em tronco de árvores), hemiepífitas (nascem no solo, mas crescem subindo em outras plantas, só se reproduzem depois de atingir certa altura) e aquáticas (todo ciclo de vida flutuando sobre a água). O calor excessivo pode causar o ressecamento destas plantas, por isso a maioria das espécies ocorrem em condições microclimáticas de umidade constante, principalmente nas áreas próximas a cursos de água, como riachos, igarapés e rios. Muitas plantas dessas áreas úmidas são exclusivas (endêmicas) destes ambientes. No entanto, apesar das licófitas e samambaias atingirem maior frequência e abundância em florestas úmidas, elas também crescem em habitats secos. Uma das regiões secas no norte do México é considerada como um centro de riqueza e de endemismo de certos grupos, principalmente, da família Pteridaceae. As plantas que ocorrem nessas áreas secas apresentam adaptações, tais como reprodução somente assexuada (tendo em vista que a sexuada necessita de água), além de escamas que absorvem umidade, e capacidade de perda de até 95% da água do corpo, sem causar danos fisiológicos ao organismo.

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Interações com animais Como vimos, as licófitas e samambaias se reproduzem por meio de gametas e esporos, os quais são dispersos por vento e/ou água, assim o ciclo de vida desses organismos é praticamente independente de animais, tais como polinizadores e dispersores (que são extremante importante para angiospermas). Assim temos outros tipos de interação dessas plantas com animais, tais como: o uso de partes de rizoma e folhas das samambaias por passarinhos na construção de ninhos, sendo que já foram observados estes animais coletando escamas de Phlebodium (R. Br.) J. Sm. e de Cyathea Sm., além de caules de Microgramma C. Presl. Além disso, o uso de partes de samambaias (rizoma ou folhas) como alimento. Antigamente se imaginava que as samambaias eram menos consumidas por herbívoros, quando comparadas com angiospermas, no entanto, estudos mostraram um valor de 5 a 38% de herbivoria, o que é semelhante ao observado para as plantas com flores. Esses estudos também têm mostrado que muitos herbívoros são especialistas em samambaias. É muito comum também a predação de partes de samambaias, como pecíolos e raque, por mariposas, que são posteriormente colonizadas por formigas, como visto para Acrostichum danaeifolium Langsd. & Fisch. Também já foi verificado associações mutualísticas entre samambaias e formigas, onde a planta oferece abrigo, e às vezes alimento, e as formigas protegem as samambaias contra os predadores. As samambaias apresentam algumas estratégias visando reduzir a herbivoria e a predação. Uma dessas estratégias, é conhecida em angiospermas como “atraso verde”, onde a coloração verde da folha é obtida somente após algumas semanas de desenvolvimento, e não imediatamente ao nascer. As folhas jovens em geral são muito finas e delicadas quando nascem, bem como apresentam menos compostos secundários (substâncias tóxicas aos herbívoros), assim são alvos fáceis para os herbívoros. Dessa forma, sabendo que esses animais são atraídos pela coloração verde, a alteração da cor para vermelho ou branco em estágios inicias pode ser uma defesa dessas plantas. No entanto, ter outra coloração se torna um pouco desvantajoso, uma vez que estas folhas possuem pouca capacidade de realizar fotossíntese, já que a clorofila (pigmento responsável pela absorção de luz) não está presente.

Conservação A diversidade de licófitas e samambaiais, assim como de quase todos os organismos presentes em florestas tropicais, é fortemente ameaçada pelo desmatamento. As espécies que ocorrem no interior de florestas maduras dificilmente conseguem sobreviver em ambientes alterados, tais como: pastos, plantações, e florestas secundárias. Assim, muitos táxons correm o risco de serem extintos.

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Na Mata Atlântica, uma grande ameaça às licófitas e samambaias é a redução e fragmentação dos ambientes florestais. O uso dos solos, antes ocupados por florestas, é histórico, sendo que hoje a floresta cobre menos de 10% da área original, que existia antes da chegada dos europeus. Muitas espécies endêmicas desse ecossistema estão fortemente ameaçadas, pois já sofreram uma drástica redução no tamanho de suas populações. Aqui vale ressaltar que as licófitas e samambaias são muito sensíveis às alterações microclimáticas, que ocorrem, nas bordas de matas. Na Amazônia, essas plantas são ameaçadas pelo desmatamento executado principalmente para atividades agropecuárias e de extração de madeira. A fronteira sul da Amazônia vem sendo fortemente ameaçada nos últimos anos. Diversos estudos realizados na Amazônia constaram que as licófitas e samambaias são bons indicadores ecológicos, sendo inclusive importantes para o planejamento da conservação da biodiversidade desse ecossistema.

Importância econômica Diversas espécies de licófitas e samambaias são usadas em todo o mundo, com diferentes finalidades, por diferentes populações tradicionais. Na China, é muito comum o emprego de espécies desses grupos na alimentação, sendo consumido tanto folhas e báculos, quanto rizomas. Há a estimativa de que 50 espécies sejam usadas para essa finalidade nesse país. Na Amazônia, elas são usadas principalmente para fins medicinais, havendo registro de usos de licófitas e samambaias no tratamento de dor de estômago, diarréia, dor de dente, dores no corpo e nos rins, gripe, cicatrização de feridas, e inclusive para uso veterinário. A cavalinha (Equisetum) é comumente encontrada em casas de produtos naturais para o emprego de infusões em problemas renais. Antigamente o talo de Equisetum também era usado para polir panelas em virtude da alta concentração de sílica. O gênero Pteridium Gled. ex Scop., que apresenta ampla distribuição mundial, é frequentemente consumido (principalmente os báculos) por chineses, japoneses e brasileiros (em Minas Gerais). Contudo, o consumo excessivo de plantas desse gênero aumenta os riscos de câncer de estômago em humanos, e intoxicação no gado. Em regiões tropicias podem ser usadas como cosmético (desodorante), também na alimentação como tempero, ou mesmo para usos medicinais e na produção de tintas e fibras. Samambaias também são utilizadas para fitorremediação, ou seja, para descontaminação de ambientes naturais poluídos por substâncias químicas e/ou metais pesados. Pteris vittata L. é uma espécie com grande potencial fitorremediador. Recentemente, tem-se discutido o potencial de algumas proteínas extraídas de samambaias serem usadas no tratamento contra o câncer.

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As samambaias também apresentam grande potencial ornamental, sendo as mais utilizadas em jardinagem e paisagismo as espécies dos gêneros: Adiantum L. (avencas), Cyathea Sm. (samambaiaçu), Dicksonia L'Hér. (xaxim-bugio), Davallia Sm. (renda-portuguesa), Platycerium Desv. (chifre-de-veado), Nephrolepis Schott (samambaia-de-metro) e Selaginella P. Beauv. (erroneamente chamado de musgo). As samambaias aquáticas Salvinia Ség., Azolla Lam. (samambaia-mosquito) e Marsilea Adans. (trevo-de-quatro-folhas) são usadas em aquários ou em lagoas. O caule da Dicksonia sellowiana Hook., planta nativa da Mata Atlântica, já foi muito utilizado como substrato para cultivo de orquídeas pela capacidade de retenção de água, no entanto, em virtude da intensa exploração comercial, atualmente essa planta é ameaçada de extinção. A samambaia mais utilizada comercialmente é a Azolla, uma planta pequena, aquática, flutuante, que se reproduz rapidamente por meio de propagação vegetativa. Plantas desse gênero possuem simbiose com uma cianobactéria, Anabaena azollae Strasb., que fixa nitrogênio em troca de proteção e abrigo. Ao longo dos últimos 1000 anos, e até os dias atuais, a Azolla é cultivada em campos de arroz no sudeste asiático para incremento de nitrogênio nos cultivares. Ela é cultivada nos campos inundados, onde chega a recobrir toda a superfície e após a drenagem dos campos a samambaia é retida para ser incorporada ao solo. Posteriormente, o arroz é plantado, dessa forma todo o nitrogênio será fornecido ao cultivar (através da samambaia) sem a necessidade de adubação química.

Conclusões Licófitas e samambaias são dois grupos filogeneticamente distintos, que tradicionalmente são tratadas pelo termo “pteridófita”. Elas são plantas vasculares, que apresentam ciclo de vida haplodiplobionte, com fase esporofítica dominante sobre gametofítica. Foram grupos muito diversos e predominantes em todos os ecossistemas terrestre no período Carbonífero ao Triássico. Atualmente apresentam cerca de 12 mil espécies, ocorrentes em praticamente todo o globo, sendo, no entanto, a região tropical a mais diversa. A maioria das espécies de licófitas e samambaias que vemos atualmente são plantas muito recentes (pertencentes a Polypodiales, que se originaram principalmente no Cenozóico), as quais apresentam morfologia muito variada, principalmente, quanto as secções da lâmina foliar. Essa morfologia laminar muita atrai atenção (pela sua beleza), por isso são plantas muito usadas como ornamentais. Hoje, no entanto, com o desmatamento descontrolado e a fragmentação de habitats há um grande risco de muitas dessas espécies serem extintas, principalmente, plantas endêmicas.

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CAPÍTULO 9

Herbáceas de sub-bosque Eduardo Damasceno Lozano (Universidade de São Paulo) Vanessa Ariati (Floresce Consultoria Ambiental) Camila Dellanhese Inácio (Universidade Federal do Rio Grande do Sul)

O que são herbáceas? As herbáceas ou ervas, são plantas em que o caule não é lignificado e/ou não possui crescimento secundário. Geralmente o caule é de cor verde ou esverdeado, podendo apresentar função fotossintética. Dentro do grupo das plantas vasculares a forma de vida herbácea surgiu em diferentes linhagens. Desta forma, grupos filogeneticamente distintos podem ser considerados herbáceas, como licófitas (Fig. 1A), samambaias (Fig. 1B) e angiospermas (Fig. 1C). As herbáceas ocupam diversos ambientes, podendo ser epífitas, rupícolas, terrícolas, trepadeiras e até parasitas.

O que é o sub-bosque? Florestas são formações arbóreas nas quais as copas se tocam e cobrem ao menos 60% do solo. A estrutura destas florestas pode ser estudada através de sua organização horizontal ou vertical. Partindo de uma abordagem da estrutura vertical, as florestas podem ser organizadas em estratos, que correspondem a porções de massa vegetal contidas entre um limite de altura. Em florestas tropicais bem desenvolvidas, podem ser observados até cinco estratos: I herbáceo, II arbustivo/regenerante, III arbóreo inferior, IV arbóreo superior ou dossel e V emergente (Fig. 2). Os estratos III, IV e V juntos formam o estrato arbóreo da floresta. Abaixo destes está o sub-bosque, que é composto pelos estratos I e II. O sub-bosque é composto por plantas que são adaptadas a viver em uma região sombreada pelo dossel e, no caso das herbáceas e arbustos, completando ali todo o seu ciclo de vida. Já no caso de indivíduos arbóreos parte de seu desenvolvimento ocorre nesse ambiente e parte se completa no dossel. Os dois estratos do sub-bosque podem ser tratados de forma distinta, mas alguns estudos os consideram como algo único, também sendo chamado de estrato herbáceo-arbustivo.

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Figura 1. Exemplos de: A) licófita (Selaginella sp.); B) samambaia (Amaropelta sp.); C) angiosperma (Goeppertia sp.).

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Figura 2. Perfil esquemático de uma floresta tropical dividida em cinco estratos. I herbáceo, II arbustivo/regenerante, III arbóreo inferior, IV arbóreo superior ou dossel e V emergente.

As herbáceas de sub-bosque As espécies herbáceas que vivem no sub-bosque formam uma sinúsia, ou seja, um grupo de espécies que utilizam os recursos ambientais de forma semelhante. Para isso, essas espécies possuem adaptações morfológicas e fisiológicas convergentes. O sub-bosque das florestas tropicais é um ambiente físico muito estável em relação ao dossel. Devido à “proteção” das árvores, a temperatura e o vento são fatores que variam pouco neste ambiente. O fator que mais influencia a distribuição das herbáceas no sub-bosque é a estrutura do dossel, que é variável conforme o tipo florestal, e que determina a distribuição heterogênea de luz. Praticamente toda a luz que chega às plantas do sub-bosque provem dos espaços entre as folhas e é a luz difusa a principal fonte de energia destas espécies. Portanto, uma das principais características dessas espécies é a utilização ótima de fracas quantidades de luz, que pode ser inferior a 1% da energia incidente no dossel. Essa capacidade em sobreviver em ambientes com tão baixa luminosidade, provavelmente corresponda ao limite extremo de adaptação fisiológica destas plantas. Outro fator ambiental a qual as plantas do sub-bosque estão sujeitas e que difere das plantas do dossel é a desvantagem na captação de água. O sistema radicular das plantas herbáceas é em geral pouco profundo, ocupando principalmente a região entre a serapilheira e o solo. Deste modo, essas plantas são mais susceptíveis a períodos de estiagem.

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As herbáceas são mais sensíveis a mudanças no ambiente, o que as torna boas indicadoras das condições ambientais, pois respondem a variações ambientais de forma mais rápida do que o observado nas espécies lenhosas. Além disso, a variedade de micro hábitats encontrados no sub- bosque, como rochas expostas, a proximidade com corpos hídricos, a existência de pequenas clareiras e variações no relevo, por exemplo, refletem diretamente na diversidade de espécies herbáceas encontradas no sub-bosque, mesmo em pequena escala espacial.

Adaptações morfológicas As herbáceas de sub-bosque são morfologicamente adaptadas a sobreviver nesse ambiente de pouca luminosidade. Uma característica notável dessas plantas é a adaptação ao espalhamento, ou seja, as plantas são na maioria das vezes prostradas, com as folhas em geral na posição horizontal, dispostas em coroa, próximas umas das outras e largas, o que permite a máxima captação de luz (Fig. 3A). Isso pode ser observado em convergências morfológicas no formato das folhas entre espécies filogeneticamente distintas.

Figura 3. A) Poaceae – Pharus lapulaceus Aubl., exemplo de gramínea de interior de floresta com caule folhas largas; B) Costaceae – Costus spiralis (Jacq.) Roscoe, exemplo de herbácea com caule e folhas suculentos; C) Rubiaceae – Coccocypselum geophiloides Wawra, exemplo de estolão; D) Thelypteridaceae – Amauropelta araucariensis (Ponce) Salino & T.E.Almeida, exemplo de reprodução por gemas foliares.

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Em vários grupos, as folhas e/ou caules são suculentos para reserva de água, contornando o problema das raízes serem pouco profundas para captação de água na possibilidade de ocorrerem períodos sem chuvas (Fig. 3B). Quanto à reprodução, a multiplicação vegetativa das herbáceas de sub-bosque é relativamente comum, tanto a partir do caule (Fig. 3C), quanto pelas folhas (Fig. 3D). Isso parece ocorrer principalmente em espécies anemocóricas, possivelmente porque o sub-bosque é protegido dos ventos.

Nutrição Dentre as herbáceas de sub-bosque a maioria das espécies é autotrófica, ou seja, são capazes de produzir seu próprio alimento. Mas alguns grupos de plantas são heterotróficos, ou seja, não são capazes de produzir seu próprio alimento. Neste grupo estão as espécies holoparasitas de raízes e as mico-heterotróficas (erroneamente chamadas de saprófitas). As holoparasitas de raízes retiram todos os nutrientes necessários ao seu desenvolvimento das raízes da planta hospedeira. Neste grupo de plantas se destaca a família Balanophoraceae (Fig. 4A).

Figura 4. A) Balanophoraceae – Helosis brasiliensis Schott & Endl., espécie holoparasita; B) Burmanniaceae - Apteria aphylla (Nutt.) Barnhart ex Small, espécie mico-heterotrófica; C) Gentianaceae – Voyria aphylla (Jacq.) Pers., espécie mico-heterotrófica; D) Orchidaceae – Wullschlaegelia aphylla (Sw.) Rchb.f., espécie mico-heterotrófica.

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As espécies mico-heterotróficas obtêm seu alimento através de uma associação com fungos micorrízicos. Esses fungos metabolizam a matéria orgânica da serapilheira e disponibilizam para a planta. Essas espécies não realizam fotossíntese e geralmente não são maiores que 10 cm. As principais famílias com essa forma de nutrição no Brasil são Burmanniaceae (Fig. 4B), Gentianaceae (Fig. 4C), Orchidaceae (Fig. 4D), Thismiaceae e Triuridaceae.

Riqueza em herbáceas de sub-bosque no Brasil A riqueza de espécies herbáceas nas formações florestais é determinada principalmente pela abertura do dossel e características do solo. No sub-bosque das florestas brasileiras predominam, em riqueza e cobertura, principalmente espécies de samambaias e angiospermas. Dentre as samambaias alguns gêneros são praticamente exclusivos dessa sinúsia, como Ctenitis e Megalastrum (Dryopteridaceae). Já entre as angiospermas se destacam as monocotiledôneas, principalmente pela grande diversidade de espécies de Ochidaceae que ocupam essa sinúsia. As principais famílias que compõem o sub-bosque das florestas brasileiras estão na tabela 1.

Tabela 1: Famílias de espécies herbáceas com maior riqueza no sub-bosque no Brasil.

Licófitas Samambaias Angiospermas

Selaginellaceae Aspleniaceae Acanthaceae Athyriaceae Araceae Blechnaceae Begoniaceae Dryopteridaceae Bromeliaceae Lindsaeaceae Commelinaceae Marattiaceae Heliconiaceae Pteridaceae Marantaceae Thelypteridaceae Orchidaceae Piperaceae Poaceae Rubiaceae

Estudos com herbáceas Em florestas temperadas a sinúsia herbácea é bastante estudada, sendo considerada o componente florestal mais dinâmico em contraste com o componente arbóreo que é pouco diverso. Já nas florestas tropicais e subtropicais, dá-se mais importância ao estrato arbóreo devido a sua complexidade, e a maioria dos estudos com plantas herbáceas está focado em florística e 99

fitossociologia. Estudos que abranjam a relação da sinúsia herbácea com fatores bióticos e abióticos são mais raros, e são esses fatores que determinam a abundância e distribuição das espécies. A abertura do dossel é medida com o uso de fotografias hemisféricas (Fig. 5) e diferenças entre as estações podem ser identificadas em florestas estacionais. Análises de solo são realizadas a partir de coletas nas parcelas amostradas, nas quais se quantifica fósforo, potássio, alumínio, cálcio e magnésio, pH e capacidade de troca de cátions, por exemplo.

Figura 5. Fotografias hemisféricas do dossel de uma floresta estacional, nas parcelas de maior (A) e menor (B) abertura.

Os parâmetros fitossociológicos utilizados para estudos com a sinúsia herbácea são a cobertura e frequência, esses são analisados e relacionados com os fatores bióticos e abióticos. A comunidade herbácea pode apresentar padrões espaciais e temporais, tendo em vista que são sensíveis e respondem a variações no ambiente.

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Gonçalves, E.G. & Lorenzi, H. 2011. Morfologia vegetal: organografia e dicionário ilustrado de morfologia das plantas vasculares. 2a ed. Instituto Plantarum de Estudos da Flora, São Paulo. 512p. Inácio, C.D. & Jarenkow, J.A. 2008. Relações entre a estrutura da sinúsia herbácea terrícola e a cobertura do dossel em floresta estacional no Sul do Brasil. Revista Brasil. Bot. 31(1): 41-51. Leake, J.R. 1994. The biology of myco-heterotrophic (“saprophytic”) plants. New Phytologist 127: 171-216. Meira-Neto, J.A.A.; Martins, F.R. & Souza, A.L. 2005. Influência da cobertura e do solo na composição florística do sub-bosque em uma floresta estacional semidecidual em Viçosa, MG, Brasil. Acta bot. bras. 19(3): 473-486. Poggiani, F. 1989. Estrutura, funcionamento e classificação das florestas implicações ecológicas das florestas plantadas. Documentos Florestais. 3: 1 –14. Puig, H. 2008. A floresta tropical úmida. Editora UNESP: Imprensa Oficial do Estado de São Paulo, 496p. Vieira, L.T.A.; Polisel, R.T.; Ivanauskas, N.M.; Shepherd, G.J.; Waechter, J.L.; Yamamoto, K. & Martins, F.R. 2015. Geographical patterns of terrestrial herbs: a new component in planning the conservation of the Brazilian Atlantic Forest. Biodivers Conserv. 24: 2181–2198.

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CAPÍTULO 10

Inferindo a história evolutiva de organismos: dos fundamentos básicos da obtenção dos dados à reconstrução de uma hipótese filogenética Annelise Frazão (Universidade de São Paulo) Juan Pablo Narváez-Gómez (Universidade de São Paulo) Juliana Lovo (Universidade Federal de São Paulo)

Breve histórico da sistemática filogenética A busca do homem pelo entendimento da natureza e a sistematização desse conhecimento remonta à Antiguidade. A diversidade de organismos vivas e suas semelhanças e diferenças eram assuntos abordados por filósofos como Aristóteles e Platão e, posteriormente, pelos naturalistas, como eram chamados os estudiosos das ciências naturais. Atualmente, denominamos Sistemática a área da ciência responsável por estudar a diversidade de organismos existentes em nosso planeta e organizá-los por meio de sua classificação em um sistema de referência. Como é inerente à ciência, a Sistemática é bastante dinâmica, e ao longo de sua história diversas escolas de classificação com inúmeros critérios foram propostas e empregadas por diferentes estudiosos. No entanto, nas décadas de 1950-1960 modificações substanciais quanto aos critérios de classificação ocorreram, representando um marco profundo na forma como o homem compreende e classifica os seres vivos. Essas mudanças foram propostas e sintetizadas pelo entomólogo alemão Willi Hennig em uma nova escola chamada de Sistemática Filogenética, na qual foi incorporada a premissa máxima da biologia evolutiva proposta por Charles Darwin, isto é, os organismos compartilham ancestrais em comum. Hennig propôs que os sistemas de classificação dos seres vivos refletissem seu grau de parentesco, ou seja, sua história evolutiva, resultando assim em sistemas mais estáveis e preditivos. Além de sugerir que o grau de parentesco passasse a ser o único critério utilizado como base para as classificações, Hennig desenvolveu um método prático que permitiria fazermos inferências sobre essas relações históricas. A partir desse momento, a Sistemática incorpora os conceitos de evolução biológica e ancestralidade comum como elemento ordenador da diversidade e passa a contar com uma base metodológica mais clara, objetiva e definida. A Sistemática Filogenética foi gradualmente aceita e implementada pelos sistemas de modo universal e sua conexão com diversas áreas da ciência ampliou-se. O progresso tecnológico, principalmente nos últimos 30 anos, permitiu que diversos avanços fossem agregados e os estudos filogenéticos tornaram-se corriqueiros, servindo de base para classificações mais robustas.

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Atualmente, os estudos de filogenia, além de serem úteis ao trabalho tradicional da taxonomia, possibilitam também uma grande interação entre disciplinas diversas como zoologia, botânica, genética, morfologia, fisiologia, ecologia, dentre outras. Isso resultou no aumento do conhecimento sobre as dinâmicas evolutivas e sobre a geração da biodiversidade do planeta.

Conceitos básicos da sistemática filogenética Uma das grandes inovações propostas pela Sistemática Filogenética foi apresentar um método para inferir hipóteses sobre a história evolutiva, o qual consiste essencialmente no levantamento de evidências de parentesco evolutivo entre os organismos. A comparação dos organismos permite identificar características semelhantes e compartilhadas que sugerem uma relação evolutiva próxima. Na sistemática, as características dos organismos que podemos comparar denominam-se de caráter e a suas variações possíveis de estados de caráter. O que interessa ao sistemata é identificar quais caráteres são compartilhados, pois assume-se que foram herdados desde ancestrais comuns. Na prática, são considerados caráteres potencialmente informativos para estudos filogenéticos quaisquer características herdáveis e que apresentem variação no grupo estudado. Considerando que os seres vivos apresentam um fenótipo que é resultado da expressão da informação contida no DNA, e que esses são transferidos hereditariamente, todos os diversos aspectos de um organismo podem ser empregados nas análises. Desse modo, podem ser utilizados caráteres das mais diversas naturezas e escalas como os moleculares (DNA, RNA), citogenéticos, fisiológicos, morfológicos, comportamentais, entre outros. O aspecto essencial é que esses caráteres compartilhados pelos organismos em estudo indiquem que alguns deles tiveram uma história em comum e exclusiva. Não são válidos, portanto, caráteres que sofrem modificação a partir da interação com o ambiente e que não sejam transmitidos hereditariamente. Nesse contexto, caráteres moleculares, por exemplo, devido à sua universalidade, permitem a comparação entre organismos muito diversos, como um peixe e uma planta, o que seria difícil com base em sua morfologia. Isso favorece seu emprego em estudos de maior abrangência, isto é, com organismos mais heterogêneos. No entanto, a evolução dos caráteres moleculares não é tão simples quanto pode parecer em um primeiro momento e é necessário que a biologia dessas moléculas seja bem conhecida e considerada nas análises. Ao mesmo tempo, grande parte do conhecimento que temos, foi obtido a partir de estudos morfológicos de espécimes com identificação conferida. Desta forma, estudos utilizando dados moleculares e morfológicos são igualmente essenciais, assim como o emprego de caráteres fitoquímicos, anatômicos, comportamentais, fisiológicos.

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Fazendo uma comparação, a história evolutiva de uma parcela de diversidade biológica qualquer pode ser vista como um quebra-cabeça. No entanto, como os processos históricos se perdem no tempo, as peças que compõem o quebra-cabeça (i.e. os caracteres e seus estados presentes nas espécies) Figura 2: Árvore filogenética evidenciando são limitadas. Por este motivo, o que é possível relações entre os táxons A, B e C. Traços representam os caráteres observados nos avaliar é uma hipótese sobre a evolução com base em organismos para inferência das relações. Símbolos em vermelho e azul estados de uma parcela da diversidade biológica disponível a ser caráter presentes no ancestral de AB. Símbolos estudada, a qual está condicionada ao padrão de em branco representam estados de caráter que ocorriam no no ancestral ABC e que continuam relação filogenética entre os organismos. Esse padrão presentes na linhagem C. Figura de Frazão et al. é representado por meio de um diagrama dicotômico 2016. e hierárquico chamado de árvore filogenética. Ele representa uma hipótese sobre as relações das linhagens atuais, consequência de eventos no passado sobre os processos genealógicos e de especiação que tiveram como resultado sua evolução (Fig. 1a-f). Dessa forma, um filogeneticista busca nos organismos estudados, evidências que possibilitem criar hipóteses sobre suas relações evolutivas. Por exemplo, na Figura 2, observa-se na árvore filogenética três táxons A, B e C. O agrupamento e as relações entre eles são estabelecidos com os caráteres forma, cujos estados de caráter são “círculo” e “retângulo”; e cor, cujos estados de

Figura 1. Esquema hipotético mostrando os diferentes níveis em que a evolução ocorre e o que uma filogenia realmente representa. A partir de um nível individual, quatro indivíduos de uma espécie A de angiospermas (a) podem ser relacionados diretamente com sua geração parental e com a geração parental dos parentais deles e assim por diante, por meio de características herdadas (b e c). É possível ainda estabelecer a relação genealógica entre esses indivíduos em nível populacional (d) e da relação entre essas diferentes populações dentro da espécie (e). Por fim, essas populações com todas suas características representam uma espécie, que é utilizada para o estabelecimento da história evolutiva em relação a outras espécies (B, C, D, E) por meio de uma filogenia (f). Figura adaptada de Baum (2008).

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caráter são “branco”, “azul” e “vermelho”. Com essa árvore filogenética podemos estabelecer que A e B são mais relacionados entre si do que com C, porque A e B compartilham um ancestral comum hipotético e exclusivo (x). Dizemos que A é grupo-irmão de B, e C é grupo-irmão de A + B, ou seja, compartilham um ancestral comum hipotético e exclusivo entre si (y).

Figura 2. Árvore filogenética evidenciando relações entre os táxons A, B e C. Traços representam os caráteres observados nos organismos para inferência das relações. Símbolos em vermelho e azul estados de caráter presentes no ancestral de AB. Símbolos em branco representam estados de caráter que ocorriam no no ancestral ABC e que continuam presentes na linhagem C. Figura de Frazão et al. (2016).

Anatomia da árvore filogenética Para uma leitura apropriada de uma árvore filogenética é necessário entender elementos fundamentais que a compõem. Nela, os representantes utilizados para o estudo de uma parcela da diversidade biológica são chamados de terminais (Fig. 3a). Esses terminais são representados por diferentes táxons. Os terminais se conectam por nós, formando o que chamamos de clados. Os nós representam o ancestral comum hipotético mais recente compartilhado por entidades presentes nos clados. As conexões entre terminais e entre clados são chamadas de ramos (Fig. 3a). Tendo em vista que o acúmulo de variação ocorre continuamente, os terminais também representam ramos, os quais chamamos de ramos terminais (Fig. 3a). O nó mais externo de uma árvore filogenética que conecta todos os ramos desta é chamado de raiz (Fig. 3a). Quando mostramos apenas o padrão da relação entre os terminais, temos um diagrama ramificado e dicotómico que chamamos de cladograma (Fig 3c). Essa relação entre os terminais também é conhecida como topologia. Contudo, os ramos podem ser informativos e terem diferentes tamanhos, representando uma proporção entre o tamanho do ramo e o número de mudanças acumuladas por uma linhagem (ou a chance de mudança de estado no ramo). O diagrama que mostra a relação entre os terminais e comprimentos de ramos proporcionais a chance de alteração dos estados é conhecido como filograma (Fig. 3d). Uma árvore filogenética também pode conter informação temporal. Neste caso, o comprimento dos ramos é proporcional ao tempo

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transcorrido. Quando a informação temporal é apresentada temos um cronograma (Fig. 3e). Além de conter informações distintas em determinados casos, uma árvore filogenética pode ser apresentada de diferentes formas, como pode ser visto na Figura 3b.

Figura 3. Representação esquemática de elementos que constituem uma árvore filogenética. a) Árvore filogenética dos grandes grupos de Angiospermas com cada elemento de uma árvore filogenética indicado. b)As diferentes formas possíveis de se representar uma filogenia. c) Esquema de um cladograma. d) Esquema de um filograma. e) Esquema de um cronograma. Figura de Frazão & Fonseca 2015.

A sistemática filogenética procura estabelecer uma classificação natural (isto é, uma classificação que reflita o que ocorre na natureza), ou seja, ela procura reconhecer grupos cujas semelhanças e diferenças sejam todas explicadas por uma causa comum, e que representem grupos que, de fato, existem na natureza além dos pressupostos dos pesquisadores. Assim, um grupo natural é reconhecido quando o grupo reconstruído é composto pelo ancestral e todas as espécies descendentes desse ancestral. No contexto de uma árvore filogenética, um clado, ou todos os terminais conectados pelo mesmo nó, representam um grupo natural ou um grupo monofilético (Fig. 4a). Descobrir esses grupos é um dos objetivos principais da sistemática filogenética. Por outro lado, dois agrupamentos artificias podem ser definidos: o grupo parafilético, o qual contém a espécie ancestral comum, mas não a totalidade dos descendentes (Fig. 4b); e o grupo polifilético, o qual não contém o ancestral comum mais recente entre todos os indivíduos do grupo, mas sim vários ancestrais (Fig. 4c). Com base no estabelecimento de relações entre terminais e entre clados, o objetivo da inferência filogenética é de apresentar hipóteses de relações hierárquicas e dicotômicas entre as entidades biológicas estudadas e reconhecer como grupos taxonômicos válidos são apenas aqueles monofiléticos, representados por clados na árvore filogenética.

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Figura 4. Os três diferentes tipos de grupos possíveis em um cladograma: monofilético (a), parafilético (b) e polifilético (c).

Os blocos de construção de uma árvore filogenética são: homologia, caráteres e relações hierárquicas. Dizemos que um caráter é um atributo biológico variável que tem ao menos dois estados de caráter discretos e mutuamente exclusivos que distinguem os organismos que os apresentam. Um caráter em vários organismos é tido como homólogo quando, apesar das diferenças estruturais, as semelhanças permitem afirmar que é o mesmo tipo de característica. Dizemos que existe homologia quando com base numa árvore filogenética encontramos que o caráter tem uma origem única, e dizer, que dois organismos de espécies diferentes o compartilham porque ele se originou em um ancestral comum. A similaridade pode ser interpretada desde um ponto de vista evolutivo como causadas pela herança a partir de um ancestral comum entre as espécies que os apresentam, e a diferença como o produto da transformação evolutiva do caráter a partir desse ancestral comum. Um caráter é, então, uma representação de uma série de transformação evolutiva entre os seus estados. Em outras palavras, o caráter representa uma hipótese de homologia. As homologias representam, então, caráteres que tem uma origem única na história evolutiva das espécies. Descobrir quais caráteres originam-se e transformam-se paralelamente aos processos de diversificação das espécies podem nos ajudar a identificar relações filogenéticas e definir grupos (Fig. 5). A ideia básica é que os caráteres evoluem paralelamente à diversificação (= surgimento) das espécies. Por isso, é esperado que cada caráter deverá, em consequência, recuperar independentemente padrões hierárquicos da relação entre espécies irmãs. Portanto, uma árvore filogenética é um diagrama que melhor representa a possível filogenia de um grupo estudado. Quando consideramos uma série de transformação de um dado caráter, podemos verificar que alguns caráteres surgem primeiro do que outros, ou seja, são modificações de caráteres relativamente mais antigos. Deste modo, a similaridade entre as espécies surge de uma combinação de caráteres que teriam surgido cedo na história evolutiva da linhagem e outros que têm evoluído tardiamente. Chamamos de apomorfias aos caráteres modificados ou “derivados” ou mais recentes na série de transformação; e

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de plesiomorfias aos caráteres ancestrais ou mais antigos na série de transformação. Note que antigo e recente é um conceito relativo e depende do grupo tomado como referência em uma árvore filogenética.

Figura 5. Relação entre a evolução de caráteres e a diversificação das espécies. a) Matriz de caráteres das espécies A, B e C com os seus respectivos estados. b) Cladograma mostrando as relações entre as espécies e exibindo as mudanças entre estados do caráter que suportam as relações entre elas: α(1) é uma sinapomorfia do grupo A, B e C; β (1) e γ(1) são sinapomorfias o grupo B e C; δ é um caráter que é único da espécie B; ε é um caráter que entra em conflito com o padrão descrito pelos outros caráteres com respeito ao relacionamento entre as espécies. c) Representação do que provavelmente teria acontecido na evolução dos caráteres nas espécies A, B e C. Figura de Frazão et al. 2016

A construção de uma árvore filogenética é realizada a partir da identificação das apomorfias que distinguem clados. Chamamos de sinapomorfías aos caráteres “derivados” ou mais recentes (=apomorfia) que são compartilhados por todas as espécies ou táxons de um clado particular. As sinapomorfias definem os grupos monofiléticos. Em outras palavras, elas são caráteres com uma origem evolutiva única que são compartilhados pela espécie ancestral hipotética e todas as espécies descendentes. Já aos caráteres ancestrais ou mais antigos (= plesiomorfias) que são compartilhados por todas as espécies ou táxons, tanto do clado particular analisado quanto com os táxons fora dele, são denominados simplesiomorfías. Quando as simplesiomorfias são utilizadas para criar grupos, é comum que sejam definidos tanto grupos parafiléticos como polifiléticos. Com isso em mente, podemos dizer que o resultado que a análise filogenética pretende obter é a congruência entre caráteres no contexto hierárquico da topologia de uma árvore filogenética. Nas análises filogenéticas, porém, é comum que exista conflito entre os caráteres, pois nem sempre eles são congruentes uns com os outros e, em alguns casos, seus estados surgem múltiplas vezes na árvore filogenética. Quando isso acontece, o mesmo caráter aparece na análise como sustentando diferentes clados não relacionados. Desta forma, uma avaliação correta das sinapomorfias de grupos

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monofiléticos é prejudicada. Quando um caráter não é exclusivo de um grupo monofilético, portanto, recorrendo em outros ramos da topologia, este é tido como uma homoplasia. Tendo em vista essas precisões terminológicas, podemos dizer agora que o processo de inferência filogenética abrange dois passos metodologicamente diferentes. O primeiro passo consiste na análise comparativa das características biológicas com objetivo de identificar, descrever e codificar os caracteres numa linguagem apropriada para a análise filogenética, bem como propor hipóteses de homologia. Esse passo é conhecido como Análise de Caráteres, e tem como fim a construção de uma matriz de caráteres onde a variação é codificada numericamente. O segundo passo consiste em determinar o padrão hierárquico de relações filogenéticas entre as espécies. Esse passo é conhecido como Inferência Filogenética e estima a topologia que representa as relações filogenéticas a partir da aplicação de diversos métodos à matriz de caráteres, os quais buscam distinguir sinapomorfias das homoplasias.

Homologia em dados morfológicos de planta A análise de caráteres morfológicos consiste em responder: o que observar no corpo das plantas? O que identificar? O que nomear? O que medir para propor hipóteses de homologia entre atributos e descobrir as relações filogenéticas entre as espécies? O problema indicado por essas perguntas é como podemos representar adequadamente a variação das características morfológicas em caráteres para resgatar o sinal filogenético que se encontra neles. Para responder essa pergunta é necessário enxergar como é o processo de produção e coleta dos dados morfológicos e como é feita a comparação entre esses atributos. Vamos supor que um botânico está trabalhando com um grupo de três espécies de plantas X, Y e Z (Fig. 6). Num primeiro momento, o botânico enxerga o corpo dos espécimes das diferentes espécies separadamente e descreve a suas proporções, orientação, conexões topológicas (localização no ramo da planta), geometria, composição material, textura e consistência. Todas essas propriedades são estudadas aplicando uma série de tratamentos específicos aos espécimes que permitem obter essas informações. Por exemplo, se quisermos estudar a anatomia desses espécimes, seria necessário seccionar a parte do corpo do espécime de interesse, aplicar corantes específicos e preparar lâminas para enxergar através do microscópio. As diferentes combinações dessas propriedades estruturais definem uma parte da planta à qual é atribuída um nome, permitindo que partes equivalentes possam ser reconhecidas em plantas diferentes. Esse nome faz parte dos vocabulários técnicos botânicos. Deste modo, a descrição verbal dessas partes, conjuntamente com as suas propriedades usando termos técnicos botânicos é conhecida como dado morfológico. Esse dado resume os limites estruturais, correlações e conexões com outras partes e formas repetidas no gradiente continuo de variação morfológica da planta que é percebido visualmente pelo botânico. Suponha agora que nos espécimes 109

das três espécies de plantas encontramos uma estrutura com as seguintes propriedades: (i) a posição dela é lateral ao eixo principal da planta; (ii) ela tem uma simetria dorsiventral; (iii) ela tem crescimento determinado; (iv) ela apresenta um meristema no ponto de conexão com o caule; (v) ela tem uma função fotossintética. Essas propriedades definem o que é uma folha e cada uma delas constitui um dado morfológico.

Figura 6. Processo de análise de caráteres morfológicos desde a coleção os espécimes até a codificação destes caráteres. Lembre-se que os caráteres morfológicos são dados de natureza verbal: a sua qualidade depende da rigorosidade e objetividade com que são feitas as descrições. O uso de vocabulários técnicos botânicos e o seu exame crítico são fundamentais para potencializar a produção de caráteres morfológicos com sinal filogenético. Figura de Frazão et al. 2016. O conceito de caráter em sistemática filogenética implica que ele é independente de outros caráteres e que os seus estados de caráter são mutuamente exclusivos. Entramos aqui no problema de avaliar quais características morfológicas são homólogas. Esse processo implica no uso do método comparativo com o qual avaliamos as semelhanças e as diferenças entre as partes do corpo da planta entre espécimes de espécies diferentes. Existe um conjunto de regras chamadas de critérios de homologia que permitem identificar quais estruturas são comparáveis e poderiam, portanto, ser homólogas: (1) o critério de topologia, que significa que caráteres homólogos geralmente conservam a mesma posição e conexão com outras partes no corpo das plantas; (2) o critério de qualidade especial, isto é, que os caráteres homólogos exibem propriedades estruturais similares; e (3) o critério das formas transicionais, o qual assume que duas características que não são necessariamente

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similares em sua estrutura podem ser homólogas se, durante a ontogenia, os passos intermediários entre os primórdios no desenvolvimento e as estruturas adultas são similares. Supondo que as folhas das espécies das plantas X, Y e Z sejam laterais ao caule da planta (critério topológico), dorsiventrais e fotossintéticas (critério de qualidade especial), é possível assumir que são estruturas homólogas. Contudo, vemos que a complexidade é variável: a espécie X tem folhas com uma única lâmina, ou simples; a espécie Y tem folhas compostas, ou com várias divisões formando folíolos (pinada); e que a espécie Z tem folhas compostas, mas com a lâmina dos folíolos também divididas (duas vezes pinada). Ao examinar a complexidade estrutural das folhas, encontramos um grupo de propriedades que se mantêm constantes, enquanto outras propriedades são variáveis. A aplicação dos critérios de homologia é conhecida como teste de similaridade. Outro teste importante é a conjunção, o qual indica que para serem estruturas homólogas, os caráteres analisados não podem ocorrer juntos no mesmo organismo. No exemplo das folhas entre as plantas X, Y e Z, vemos que nenhuma delas apresenta, ao mesmo tempo, folhas simples e compostas. Caso as folhas simples e compostas estivessem num mesmo espécime, então, teríamos que rejeitar a hipótese inicial de homologia. Embora as folhas passem no teste de similaridade e de conjunção, ainda resta uma última etapa, o teste de congruência entre as homologias iniciais no contexto da árvore filogenética, o qual será tratado com mais detalhes posteriormente na seção “Os métodos de inferência filogenética”. Os caráteres (= hipóteses de homologia) são séries de transformação independentes e únicas evolutivamente cujos estados são modificações a partir de condições ancestrais da estrutura. Um caráter é, então, uma descrição que codifica a informação evolutiva das características morfológicas examinadas. Por exemplo, o caráter que representa a transformação das folhas das espécies X, Y e Z poderia ser codificado segundo sua complexidade da seguinte forma: 1. Folhas, complexidade: (0) Simples; (1) Compostas pinada; (2) Compostas pinada duas vezes. Essa apresentação do caráter tem uma estrutura lógica básica, onde a primeira parte indica a estrutura analisada e o atributo específico de interesse, enquanto a segunda parte indica os estados do caráter definindo quais propriedades dessa estrutura variam e em quais condições. Na prática, o raciocínio é similar para todos os atributos morfológicos: descrevem-se as propriedades estruturais das partes do organismo; identificam-se partes comparáveis a partir da aplicação dos critérios de homologia para propor hipóteses de homologia; e codificam-se as informações num enunciado de caráter que logo será incluído na matriz de caráteres. A matriz de caráteres é composta por linhas que

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representam os táxons, colunas que representam os caráteres, e em cada célula, se preenche o número que codifica o estado de caráter particular que apresenta o táxon específico (Fig. 6). Entre os múltiplos tipos básicos de codificação, dois tipos básicos são os mais comuns. O primeiro chamado de transformacional ou convencional exibe múltiplos estados de caráter que se assumem como transformações evolutivas desde um atributo ancestral. Um exemplo dele é o caráter descrito acima sobre a variação das folhas. O outro tipo de caráter é chamado de variável nominal ou neomórfico o qual indica o surgimento ou perda de uma estrutura. Por isso, é um caráter binário com os seus únicos estados sendo ‘ausente’ ou ‘presente’. Um exemplo desse tipo de caráter pode ser: 2. Eixo caulinar reprodutivo, carpelo: (0) Ausente; (1) Presente. Apesar da maioria dos caráteres morfológicos utilizados serem codificados de forma qualitativa, os caráteres também podem ser codificados de forma quantitativa. Neste caso, a variação contínua deve ser segmentada e codificada como variáveis discretas. Assim, um caráter do tipo quantitativo como o comprimento do pecíolo das folhas, por exemplo, poderia ser codificado assim: 3. Folhas, comprimento do pecíolo: (0) curto, entre 0-1cm; (1) mediano, entre 1-2cm; (2) comprido, entre 2-3cm. As séries de transformação representadas por esses diferentes tipos de caráteres devem ser ordenadas para que as apomorfias e as plesiomorfias possam ser identificadas. Para saber quais estados estavam presentes no ancestral hipotético e quais correspondem ao mais derivados, é necessário realizar a polarização dos caráteres. Esse processo permite determinar qual é a direção das transformações ou mudanças entre os estados de caráter. As informações necessárias para descobrir essa ordem podem ser obtidas antes ou depois da análise filogenética. Para definir esta ordem antes da análise filogenética, podem ser utilizadas informações acerca do conhecimento sobre a biologia do desenvolvimento dos caráteres analisados, já que permite verificar quais estados surgem primeiro na ontogenia. Quando não há informação de desenvolvimento, a seleção de um grupo externo é necessária. O grupo externo pode ser fóssil, sendo que as informações nele contidas podem ser examinadas para investigar se, entre os táxons extintos, sabidamente ou supostamente aparentados com as espécies das plantas estudadas, um dos estados de caráter estava presente. Se sim, este é escolhido como o estado de caráter plesiomórfico. O grupo externo também pode ser composto por espécies que a princípio não façam parte do grupo estudado, mas que podem ser aparentadas com as espécies analisadas, sendo que o estado do caráter presente nesse grupo externo será interpretado como plesiomórfico. Assim, assume-se como pressuposto que o estado de caráter presente nos primeiros estágios do desenvolvimento ou no fóssil é o estado plesiomórfico, ou ainda que o grupo externo é composto por organismos aparentados, porém, ausentes do grupo estudado.

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Homologia em dados moleculares O uso de dados de sequências de DNA em análises filogenéticas está amplamente disseminado nos dias atuais. A popularização do uso de sequências nucleotídicas em inferência filogenética ocorreu na década de 1990, principalmente, pela facilidade da obtenção de sequências devido à técnica de PCR (Polimerase Chain Reaction) e pela quantidade de dados disponíveis para análise. Essa quantidade de dados é atualmente ainda maior com a crescente facilidade de acesso a dados de sequenciamento de Figura 7. Tipos de mutação em sequencias de DNA: segunda geração (também conhecidos como substituições de bases nucleotídicas. Figura de Frazão et al. (2016). sequenciamentos de próxima geração ou Next Generation Sequencing). O número de caráteres a serem analisados é, em geral, muito maior para dados genéticos se comparado aos dados fenotípicos comumente utilizados (morfológicos, comportamentais, químicos, entre outros). A análise filogenética utilizando dados de DNA possui como fonte de evidência os genomas mitocondrias, cloroplastidial ou nuclear. Os táxons em estudo são comparados segundo diferenças no tipo de base nucleotídica, inserção ou deleção das

Figura 8. Tipos de mutação em sequencias de DNA: mesmas em posições específicas nos três genomas. O inserção, deleção e inversão. Figura de Frazão et al. 2016. acúmulo dessas diferenças é resultado da evolução molecular que cada linhagem de organismos está sujeita. Entre os mecanismos de evolução molecular mais importantes na geração de diferenças moleculares entre espécies (ou outros tipos de terminais) estão as mutações pontuais, ou substituições de bases (Fig. 7). Essas substituições podem ocasionar danos na molécula de DNA ou erros de replicação desta molécula. Inserções ou deleções de bases na sequência também podem ocorrer e são coletivamente conhecidas como indels (Fig. 8). Nesse caso, a mutação ocorre tanto por erros na inserção de bases nucleotídicas pela enzima DNA polimerase durante a replicação quanto são causadas por danos ao DNA por agentes externos. Outras importantes fontes de variação molecular são a recombinação cromossômica, a troca de éxons entre genes ou de

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genes completos e a migração dos elementos de transposição. Nestes casos, as mutações como substituições (Fig. 7), inserções, deleções ou inversões (Fig. 8) podem ser observadas. Essa variação gerada por mutações, entre

Figura 9. Alinhamento de sequências de seis espécies outros processos moleculares, é o dado utilizado diferentes. As linhas representam as espécies, as colunas os caráteres e cada um dos nucleotídeos possíveis são os para a inferência filogenética. Para que isso seja estados dos caráteres. As barras (–) representam a manutenção de espaços devido à ocorrência de indels. possível, é preciso inicialmente estabelecer a Figura de Frazão et al. 2016. homologia dos nucleotídeos nas sequências de DNA. Duas sequências serão homólogas se elas descenderem de uma sequência ancestral e, igualmente, seus resíduos serão homólogos se tais descenderem de um resíduo precursor dentro dessa mesma sequência homóloga. Durante o estudo comparativo de sequências de DNA, as homologias são representadas por alinhamentos múltiplos de sequências. Assim como nas matrizes morfológicas, as linhas em um alinhamento são os terminais e as colunas os caráteres, neste caso, os potenciais nucleotídeos homólogos (Fig. 9). No caso de moléculas de DNA, os estados possíveis dos caráteres (= colunas) são os quatro nucleotídeos, Adenina, Guanina, Timina ou Citosina (Fig. 9). A árvore filogenética será, então, uma representação gráfica da informação contida nesse alinhamento. Sendo assim, a topologia e comprimento de ramos da árvore filogenética são totalmente dependentes do alinhamento utilizado na busca da árvore. A árvore filogenética obtida só terá significado e poderá ser utilizada em outras análises se o alinhamento representar com acurácia as homologias entre as bases. A composição das sequências é a única evidência de homologia utilizada em alinhamentos automatizados sendo, justamente, sua principal limitação. A evolução gera diversidade, assim como mantém a coesão e uniformidade. Dessa forma, como reconhecer a semelhança e definir os caráteres se a informação a ser recuperada está justamente na mudança das bases ao longo do tempo? O principal critério para obtenção de alinhamentos de sequências de DNA é o de similaridade. A grande maioria dos algoritmos utiliza o critério de similaridade aliado a uma função de otimização para acessar a homologia das bases e propor os caráteres e seus estados. Algoritmos são importantes nas ciências em geral e, particularmente, para alinhamentos de sequências de DNA, já que transformam observações empíricas em dados objetivos e reproduzíveis. Em alinhamentos múltiplos, a maioria das implementações possuem algoritmos de dois passos: (1) no primeiro deles é feito a maximização da similaridade entre pares de sequências utilizando, em geral, programação dinâmica; e (2) no segundo é realizado um alinhamento progressivo guiado por uma árvore guia, sendo dessa forma um algoritmo heurístico, ou seja, apenas uma parte das soluções é observada na busca da resposta.

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O primeiro e principal algoritmo para maximizar a similaridade entre pares de sequências foi proposto por Needleman e Wunsch e leva seus nomes. O algoritmo calcula a distância mínima, ou seja, o número mínimo de transformações para que uma sequência se torne idêntica a outra. Durante a rotina de programação dois processos básicos são levados em consideração. A proposição de alterações de bases, representando mutações pontuais, e a inserção de gaps, representando os eventos de indel. O alinhamento de pares de sequências é feito com (1) a atribuição de pesos para abertura de gaps, (2) substituição e (3) a atualização de uma matriz a partir desses pesos, além (4) da proposição do alinhamento do par de sequências otimizando esses valores em uma matriz. O algoritmo de Needleman e Wunsch funciona bem para pares de sequências ou um pequeno número delas. Contudo, o problema de alinhamento de sequências se torna computacionalmente intratável quando envolve dezenas ou centenas de sequências. Uma solução exata e elegante para o problema é obtida com o conhecimento de uma hipótese filogenética para os táxons em análise, utilizando da estrutura desta como guia para inclusão dos pares de sequência. Não obstante, na maioria dos casos é justamente a obtenção da árvore filogenética o objetivo da análise. Nesses casos, é necessário o uso de algoritmos heurísticos, onde somente uma parcela das respostas é acessada. Para solucionar esse problema são empregadas árvores obtidas por métodos de distância, onde um alinhamento não é necessário para se obter a topologia. Nesses casos, a árvore de distância é utilizada como uma aproximação à filogenia e o uso de apenas uma ou um conjunto delas para se obter o alinhamento é o que caracteriza a busca heurística.

Os métodos de inferência filogenética Os métodos de inferência filogenética são divididos em métodos baseados em distância e baseados em caráter. Métodos baseados em distância utilizam uma matriz construída a partir do número de diferenças entre pares de táxons e, geralmente, são análises realizadas com dados genéticos. Os baseados em caráter utilizam características diretas dos táxons e podem ser utilizados com qualquer tipo de dado sobre o grupo estudado. Há muitos algoritmos disponíveis para inferir filogenias e, por isso, não temos a pretensão de abordar aqui pormenores de cada método. Assim, apresentaremos os fundamentos básicos do funcionamento de cada método e das diferentes escolas atribuídas a estes.

Métodos baseados em distância Análises de distância foram muito aplicadas na segunda metade do século XX com dados genéticos. Esses métodos foram utilizados pelos cientistas da chamada escola fenética e ainda são empregados em estudos de genômica. A ideia dessa escola era estabelecer o relacionamento de organismos com base apenas em similaridade. Quanto menor a distância genética entre os táxons, 115

mais próximos eles seriam. Esta forma de pensar o relacionamento evolutivo entre os organismos é muito criticada, já que nem sempre organismos que apresentam pouca diferença entre si compartilham uma história evolutiva em comum. Desta forma, é possível que o estabelecimento de alguns grupos não represente uma hipótese provável da história evolutiva do grupo estudado. Por este motivo os métodos baseados em caráter são os mais aceitos para estudos evolutivos. Neighbor- Joining (agrupamento de vizinhos) e UPGMA (Unweighted Pair Group Method using Arithmetic average) são os métodos baseados em distância mais utilizados. A distância genética é a divergência entre duas sequências derivadas de um ancestral em comum. Na lógica de um método baseado em distância, se as sequências evoluíram como um diagrama dicotômico e se conhecemos as distâncias entre as sequências, seria possível reconstruir a árvore filogenética. Para calcular distâncias genéticas é preciso ter um modelo de substituição de nucleotídeos que forneça uma descrição estatística das substituições de um nucleotídeo para outro. A partir desta probabilidade, calcula-se a distância genética esperada entre os táxons estudados.

Métodos baseados em caráter Os métodos baseados em caráter possuem duas escolas, a parcimônia e a probabilística ou paramétrica. Na escola da parcimônia, a melhor hipótese filogenética será aquela que assumir um menor número de pressupostos, ou seja, um menor número de mudanças dos caráteres e seus estados melhor explicaria a história evolutiva de um grupo. Na parcimônia, as mudanças dos caráteres são chamadas de passos evolutivos. Quanto mais mudanças detectadas em uma hipótese filogenética, menos parcimoniosa é a hipótese filogenética e vice-versa. Já a probabilística leva em consideração a probabilidade de uma hipótese filogenética ser mais próxima da verdadeira uma vez que temos os dados e um modelo de substituição nucleotídica (=descrição estatística das mudanças de um nucleotídeo para outro) que explique esses dados. A probabilidade de uma hipótese filogenética pode ser inferida com base em máxima verossimilhança ou por inferência Bayesiana.

Parcimônia (Fig. 10) A busca da árvore mais parcimoniosa (com o menor número de passos) é feita entre árvores não enraizadas (sem direção de transformação dos caráteres). O número de árvores possíveis aumenta exponencialmente com o aumento do número de terminais. Por exemplo, para três terminais existem três árvores possíveis, para quatro terminais existem 15 e para 20 terminais existem 2.1020 árvores possíveis. Dessa forma, existem dois grupos de métodos utilizados para a busca da melhor árvore (ou melhores árvores). Os métodos exatos buscam em todo o universo amostral de possibilidades de árvores a árvore que minimiza o critério de otimização (Fig. 10a). Já os métodos heurísticos exploram apenas uma parcela do universo de árvores possíveis, não incluindo todas as possibilidades existentes 116

para um conjunto de dados. Métodos heurísticos foram adotados como critério para busca de árvores filogenéticas porque o número de árvores possíveis, a medida que aumentamos a amostragem de táxons, aumenta muito o tempo computacional da análise de busca de árvores, o que torna o trabalho do sistemata quase impossível de ser realizado. Há diversas estratégias de busca de árvores disponíveis, os quais foram desenvolvidas para otimizar o processo e tornar a inferência filogenética mais confiável, como é o caso do algoritmo de Wagner, rearranjo dos ramos, Ratchet, dentre outros. Como mencionado anteriormente, a ordem para as transformações dos estados dos caráteres deve ser estabelecida para permitir que possamos distinguir estados apomórficos de estados plesiomórficos. Para isso, é necessária a seleção de um grupo externo. Como dito anteriormente, o grupo externo corresponde a um ou vários táxons relacionados ao grupo de interesse, contudo existem evidências indicando que não pertencem a tal grupo. A escolha é facilitada caso uma hipótese filogenética prévia já esteja disponível. Não é recomendável restringir as comparações de caráteres a um único táxon externo. Isso porque o grupo escolhido como externo pode apresentar estados apomórficos para os caráteres em análise, dessa forma enviesando as conclusões possíveis sobre a evolução do grupo estudado. Diferente da abordagem apresentada na seção de homologia morfológica, o ordenamento das transformações se dá no momento do enraizamento da árvore, o qual é efetuado no ramo do grupo selecionado como grupo externo (Fig. 10b).

Figura 10. Esquema geral mostrando as etapas de uma inferência filogenética hipotética por parcimônia. Figura modificada de Frazão & Fonseca 2015.

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O próximo passo na inferência por parcimônia é a etapa de otimização. É nesta etapa que os caráteres utilizados na análise são associados à árvore filogenética. Neste passo, as hipóteses de homologia apresentadas na matriz de caráteres são testadas, ou seja, se o caráter utilizado para a análise é ou não de fato uma homologia. Se a hipótese for aceita, o caráter utilizado é uma homologia, a qual poderá ser uma novidade evolutiva (apomorfia) ou não (plesiomorfia). Caso seja um caráter que apareceu mais de uma vez de forma independente nos diferentes táxons estudados, este não é considerado homólogo e sim uma homoplasia e, portanto, a hipótese de homologia inicial é rejeitada. Na Figura 10, os caráteres 1, 2 e 3 são homólogos e o caráteres 4 é uma homoplasia. Diferente dos outros métodos baseados em caráter, a parcimônia não utiliza modelos de substituição de nucleotídeos. Como já mencionado na seção de métodos de distância, os nucleotídeos podem mudar em diferentes taxas dependendo da região do genoma dos organismos. Então como a parcimônia lida com essa variação se os dados utilizados na matriz de caráteres forem informações genéticas? Neste caso, existe a possibilidade de atribuir custos para as mudanças dos nucleotídeos. Quanto mais custo for dado a uma mudança, um maior número de passos será necessário para que tal mudança ocorra e, portanto, menos parcimoniosa será esta possibilidade de mudança. Essa atribuição de custos deve ser muito criteriosa, já que pode trazer ruído para a análise e influenciar o algoritmo a encontrar uma árvore subótima. Existem índices que mensuram o quanto os caráteres utilizados para a inferência da filogenia representaram ou não homologias para o grupo estudado (Fig. 10d). O índice de consistência (CI) mede o quanto das hipóteses de homologia criadas para a construção da matriz de caráteres representaram realmente uma homologia ou não. Já o índice de retenção (RI) mede a proporção de autapomorfias (estado presente em apenas um táxon) e homoplasias em relação ao número total de passos. Quanto maior for o valor do RI mais apomorfias compartilhadas (=sinapomorfias) não estão sujeitas a homoplasia, ou seja, de não ter aparecido mais de uma vez de forma independente no grupo de estudo. Já quando o RI tende a zero, existem muitas apomorfias não compartilhadas (autapomorfias) e homoplasias. Mas o que fazer quando mais de uma árvore mais parcimoniosa é obtida? Para sumariar essa informação, são empregados os métodos de consenso. A árvore de consenso estrito elimina qualquer clado que não tenha sido reconstruído em todas as hipóteses filogenéticas igualmente parcimoniosas. Porém, parte da informação presente nas árvores é perdida, como no caso dos clados não conflitantes entre si, mas não presentes em todas às árvores. A árvore de consenso de maioria inclui os grupos monofiléticos presentes na maioria das árvores obtidas na análise, haja ou não conflitos entre eles. As estimativas de suporte trazem uma mensuração da robustez de um clado e indicam o quanto os dados disponíveis sustentam a existência do clado, ou seja, esse tipo de análise demonstra o quanto

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os caráteres de uma matriz contam uma mesma história proporcionalmente. As estimativas de suporte mais usadas são baseadas na reamostragem dos caráteres, sendo o bootstrap (Fig. 10e) o mais utilizado. O método de bootstrap é de reamostragem não paramétrica, ou seja, não dependem de parâmetros previamente definidos e atribuição de valores de probabilidades. O bootstrap reamostra os caráteres da matriz com reposição e constrói novas matrizes com o mesmo tamanho original. Na descrição original do método a existência de um clado seria estatisticamente significativa se o valor de suporte obtido seja superior ou igual a 95%, significando que de todas as reamostragens de caráteres, um determinado clado foi recuperado em 95% das réplicas. A interpretação dos valores de bootstrap é difícil devido a grande variação nos resultados e valores inferiores a 95% foram posteriormente propostos como aceita (p.e. 70%). Uma outra forma de se interpretar os resultados de bootstrap seria a de que o resultado obtido indicaria que os dados existentes não seriam capazes de contar uma história bem resolvida para o grupo estudado e que caráteres com mais variações informativas seriam necessárias para auxiliar na melhor compreensão da história evolutiva do grupo.

Máxima Verossimilhança (Fig.11) A ideia da máxima verossimilhança (Maximum likelihood - ML) está associada a um valor que maximiza a verossimilhança de algo acontecer ou ter acontecido. Assim, a aplicação da máxima verossimilhança na inferência filogenética implica na busca pela árvore que tem a maior probabilidade de ter originado os dados observados. O objetivo é avaliar, assumindo um modelo de substituição de nucleotídeos, a probabilidade condicionada (P) de ter uma árvore específica (T), sabendo que observamos os dados da matriz (D). A notação matemática da probabilidade é P(D|T), a qual lê-se “qual a probabilidade de uma árvore específica ter gerado os dados utilizados?”. Na análise filogenética pelo método de ML é realizado o cálculo do valor de verossimilhança de cada caráter da matriz em uma dada árvore (Fig. 11). Os logaritmos das verossimilhanças de cada caráter da matriz são, então, multiplicados para se obter o valor de verossimilhança global da árvore analisada. Na estimativa de verossimilhança, os valores de base ancestrais são feitos levando em consideração os comprimentos dos ramos da árvore analisada. Dessa forma, não é apenas a topologia que é confrontada com os dados, mas também o comprimento dos ramos. A forma como o universo de árvores possíveis é explorada é similar ao realizado para a parcimônia, com alguns dos algoritmos de busca heurísticas. Como o comprimento dos ramos também é incluído no cálculo e as árvores precisam estar enraizadas para o cálculo da verossimilhança, o universo de árvores possíveis é maior e o cálculo de verossimilhança mais complexo, fazendo as buscas de árvores mais demoradas. Os algoritmos de ML calculam o valor que maximiza a probabilidade de uma árvore filogenética existir a medida que amostram as possibilidades de árvores. O algoritmo para de calcular as

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verossimilhanças quando ele não encontra mais nenhuma árvore que tenha a verossimilhança maior do que a uma árvore competente. Na Figura 11, box 2, há um exemplo de como funciona basicamente a seleção de árvores por verossimilhança. Uma árvore A é inferida e tem o valor de verossimilhança igual a 0,888. Uma segunda árvore possível é inferida com o valor de verossimilhança igual a 0,889. O algoritmo pergunta “Qual é a melhor árvore, A ou B?“, sendo B a melhor. O algoritmo calcula uma nova árvore C com o valor de verossimilhança igual a 0,750, faz a mesma pergunta ao final do cálculo e verifica que B permanece a melhor árvore e continua comparando outra árvore com B. Com o cálculo da nova árvore D, o algoritmo verifica que B ainda permanece com a maior verossimilhança. Portanto, assume que B é a árvore com o valor de verossimilhança que maximiza a probabilidade dos dados da matriz utilizada ter sido gerada.

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Figura 11. Resumo ilustrando o funcionamento da Inferência por Máxima Verossimilhança. Com adaptações de Herron & Freeman 2014, p. 128.

Inferência Bayesiana (Fig. 12) A ideia da estatística bayesiana é a de ser possível calcular a probabilidade de algo acontecer ou ter acontecido, sabendo alguma informação a priori. Por exemplo, imagine que um dia você acordou e viu que o gramado de sua casa estava molhado. Você pode criar inúmeras hipóteses acerca do que deve ter acontecido para que a grama esteja molhada, como ter chovido durante a noite ou que seu vizinho molhou a grama. No entanto, você tem uma informação a priori, notou que na noite anterior o céu estava nublado. Dada esta informação, qual seria a hipótese mais provável dentre as que você criou? A de que choveu, correto? Mesmo que essa não seja a hipótese correta, ela terá, em sua inferência mental, uma maior probabilidade de explicar o evento. É basicamente assim que a estatística Bayesiana funciona. Num contexto de inferência filogenética, enquanto a verossimilhança avalia uma árvore com base em quão provável é que a evolução teria produzido os dados observados, a inferência bayesiana avalia uma árvore com base em sua probabilidade posterior, P(T|D). A probabilidade posterior (P) representa a probabilidade de uma árvore específica (T) ser verdadeira, ou seja, de representar a história evolutiva de um grupo, dada uma matriz de caráteres (D). Além disso, são embutidas no cálculo informações tidas a priori sobre a evolução dos caráteres utilizados e a verossimilhança dos dados dependendo da árvore hipotética. O prior de uma árvore nos algoritmos tradicionalmente usados, como o MrBayes, por exemplo, é a probabilidade de uma árvore dependente do número de táxons na análise. Na Figura 12, por exemplo a probabilidade de uma árvore com quatro terminais com grupo externo fixado existir é 1/3 (=0,333). Este é o valor de probabilidade automático que o algoritmo embutirá na análise. Agora, se não há um grupo externo a probabilidade inicial ou prior para a árvore será 1/12 (=0,083). A probabilidade posterior em quase todos os casos é maior do que o prior. Isso acontece porque os dados utilizados para um determinado grupo de estudo sempre terão alguma informação com sinal filogenético, o que conferirá mais evidências que sustentem uma hipótese testada. O resultado da análise bayesiana é um conjunto de árvores (em geral centenas ou mesmo milhares) que foram amostradas durante a análise. Portanto, esse tipo de inferência é frequentista e não chega a apenas uma árvore final, como é o caso da ML. Uma árvore de consenso de maioria, entre outras opções, é construída para sintetizar os resultados da amostragem. A probabilidade posterior de cada clado é estimada e é utilizada para a sustentação, onde quanto maior é o valor, maior a probabilidade daquele clado existir, dados os dados e informações a priori. A interpretação estatística da probabilidade posterior na árvore final é muito complexa matematicamente. Apesar disso, esta é mais uma característica interessante da análise bayesiana, já que sua árvore filogenética 121

é uma árvore de consenso de maioria representando um conjunto de árvores possíveis, e não apenas uma única árvore como acontece com a inferência por ML. Desta forma, a análise bayesiana é um método de aproximação da resposta e incorpora incerteza à inferência, o que se assemelha mais com a forma com que a história evolutiva dos organismos é acessada por nós humanos. Uma vez que história evolutiva não pode ser conhecida, uma distribuição de probabilidade com possíveis cenários parece ser o método de inferência mais razoável.

Figura 12. Resumo ilustrando o funcionamento da Inferência Bayesiana. Referências

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CAPÍTULO 11

Fundamentos de taxonomia vegetal Jéssica Nayara Carvalho Francisco (Universidade de São Paulo) Luana Jacinta Sauthier (Universidade de São Paulo) Augusto Giaretta (Universidade de São Paulo) Aline Possamai Della (Universidade de São Paulo) Andressa Cabral (Universidade de São Paulo) Rebeca Laino Gama (Universidade de São Paulo) Introdução A Taxonomia é uma das áreas do conhecimento mais antigas da biologia, tendo surgido como uma necessidade de facilitar a comunicação do homem em sociedade. Mais tarde, essa comunicação foi aperfeiçoada na academia, momento este em que a taxonomia foi reconhecida como ciência de fato. O objeto de estudo na Taxonomia é o Táxon (plural táxons), que é qualquer agrupamento de organismos definidos (ex.: reino, família, gênero, espécie). A Taxonomia se encarrega de reconhecer e relativizar o posicionamento de um táxon aos outros táxons já conhecidos. Por isso, à esta ciência foram designados alguns elementos básicos, que são identificação, descrição, nomenclatura e classificação dos seres vivos. A identificação é um processo de associação de uma entidade não conhecida com uma conhecida. Em outras palavras, é comparar se um organismo se assemelha a outro e pode vir a pertencer ao mesmo táxon. Geralmente, esse processo se baseia em chaves de identificação elaboradas por taxonomistas, ao passo que a descrição é resultado da tradução em palavras de como o organismo pode ser reconhecido por meio de características inerentes (mais detalhes na secção específica abaixo), que frequentemente são morfológicas. Para que haja eficiência comunicativa, a nomeação dos táxons deve seguir um Código que rege todos os princípios, regras e recomendações. Isso garante que um nome seja exclusivo de um táxon, sendo aplicado apenas a ele independentemente do local em que seja encontrado. Já a classificação diz respeito à organização do táxon em relação a uma classificação padrão que busca ser estável. Atualmente, a Taxonomia segue a proposta de Carl von Linnaeus, em que os seres vivos são classificados de acordo com níveis hierárquicos (Fig. 1). Esses níveis podem ser amplos, abrigando inúmeras categorias dentro dele, e por isso, ser menos específicos. Este é o caso de hierarquias como Reino, por exemplo, que abriga todas as plantas, sejam vasculares ou avasculares. Quando os níveis são menos inclusivos, o número de hierarquias 125

abrigadas é menor. Por isso, essas categorias apresentam grau de especificidade maior. Este é o caso do nível de Espécie, que abriga apenas indivíduos reconhecidos como tal. Eventualmente, categorias mais inclusivas como Variedade podem ser criadas dentro de Espécies. Consequentemente, Variedade apresenta maior especificidade em relação à Espécie, sendo também menos inclusiva que a mesma.

Figura 9. Esquema representativo dos níveis hierárquicos criados por Carl von Linnaeus com suas respectivas terminações, onde Reino corresponde à categoria mais ampla e menos específica, abrigando todos os níveis abaixo dele, e variedade à categoria menos ampla e mais específica.

O papel do taxonomista é identificar, nomear e classificar os organismos dentro de sistemas de classificação. Como a diversidade de formas e organismos é muito vasta, os taxonomistas costumam se especializar em determinados grupos. Desta forma, é possível aprofundar o conhecimento taxonômicos desse táxon, como investigar outras questões a ele relacionadas, desde suas interações ecológicas, padrão de distribuição, variação morfológica e estado de conservação. Boa parte do trabalho do taxonomista está concentrado na consulta aos materiais depositados em Coleções Científicas. Essas coleções podem ser compostas por plantas desidratadas (herbário, xiloteca, carpoteca, etc.), fixadas em meio líquido (coleções úmidas ou spirit collections), ou até mesmo vivas (jardins botânicos). Essas coleções desempenham extrema importância no trabalho do taxonomista, uma vez que reúnem e preservam vários exemplares da flora que são foco de estudo. Elas possuem também

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registros históricos de coletas realizadas pelos primeiros botânicos ou primeiros coletores de determinado local. Assim, existe uma escala temporal de amostragens que contribuem muito para o entendimento distribucional da flora, compreendendo uma prova da existência desse material em determinada região, e para estimar o estado de conservação. Adicionalmente, essas coleções também detêm grande quantidade de espécimes não identificadas, atuando como um reservatório potencial de novas descobertas. Além da consulta às coleções, o taxonomista frequentemente realiza investigações em campo, onde busca os táxons de interesse. Nesses casos, ele busca reunir todas as informações possíveis sobre o grupo com o qual trabalha, coletando dados diversos como a composição populacional, distância entre populações, distribuição geográfica, características do ambiente, condições climáticas locais, etc. Particularmente, as coletas botânicas são feitas com base em espécimes em estado reprodutivo, pois, para a maioria das plantas eles são fundamentais à identificação. Após o trabalho em campo, o material coletado é identificado e incorporado às coleções científicas. De modo geral, os estudos taxonômicos são o ponto inicial de muitos outros estudos científicos, pois a Taxonomia é uma ciência básica, isto é, fornece a base para que outras ciências possam ser aplicadas como estudos de conservação, ecológicos, evolutivos e até de interesse econômico (ex.: farmacêutico, agronômico, extrativista).

História da taxonomia na Botânica Quando nos deparamos com uma grande variedade de objetos ao nosso redor é comum reunirmos (classificarmos) os objetos que consideramos como semelhantes. Essa é uma característica inerente ao ser humano, uma vez que procura tornar as coisas mais fáceis de serem compreendidas. Portanto, é bem provável que desde a pré-história o homem classifique, tanto os serem vivos quanto os inanimados que o cercam. Nesse sentido, o interesse na compreensão e classificação da biodiversidade data de longo prazo, tanto que a taxonomia é considerada uma das áreas mais antigas na ciência. A história da taxonomia tem início na Antiguidade, quando Aristóteles (384 a 322 a.C.) tentou fazer o primeiro sistema de classificação dos vegetais, separando as plantas pela presença ou ausência da estrutura floral. Esse sistema foi utilizado durante a maior parte da idade média e pode ser considerado o início da classificação dos vegetais. Posteriormente, na Grécia Antiga Teofrasto (372 a 287 a.C.), discípulo de Platão e Aristóteles, propôs a primeira classificação artificial dos vegetais em árvores, arbustos, sub-arbustos e ervas. Ele publicou uma série de livros intitulada Historia Plantarum, onde descreveu mais de 500 plantas.

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Além disso, Teofrasto também estabeleceu uma classificação com base no número de cotilédones do embrião da semente, isto é, separando as plantas em monocotiledôneas e dicotiledôneas. Pela importância do seu legado, é considerado atualmente como o pai da botânica. No final do século XVI o médico italiano Andreas Caesalpino (1519 a 1603) fundamentou as primeiras ideias do que viriam a ser os princípios do sistema de classificação “natural” relacionando a classificação com o método de descrição, tema que foi desenvolvido posteriormente pelo Linneaus. Ele publicou uma coleção de livros intitulada Plantis libri, onde orientou a formação de grupos de plantas através de características reprodutivas apresentando conceitos básicos de morfologia (caracteres florais, do fruto, da semente e do hábito) e fisiologia das plantas vasculares, além de citar suas propriedades medicinais (objetivo principal de seu trabalho). Caesalpino foi pioneiro em incluir ilustrações e descrições morfológicas visando facilitar a identificação das plantas. Por este trabalho é considerado um dos primeiros taxonomistas botânicos. Quase cem anos depois, o naturalista francês Joseph Pitton de Tournefort (1656 a 1708) forneceu diretrizes claras para descrever gêneros através de um sistema genérico baseado principalmente em caracteres de flores e frutos que deveriam ser reconhecíveis em todos os integrantes de cada gênero. Neste sistema artificial, as plantas estão reunidas em grupos hierarquizados e a nomeação de gênero segue uma regra semelhante à proposta de Linneaus. Em sua obra Éléments de botaniques ele propôs 700 gêneros de plantas cujos nomes, em sua maioria, ainda são adotados atualmente. Carl von Linnaeus (1707 a 1778), conhecido como o pai da taxonomia, exerceu um grande papel nessa área pois foi o primeiro botânico a reunir ao sistema de classificação uma sistemática de descrição e uma normatização para a nomeação das espécies e gêneros, tal conjunto permitia a rápida identificação de espécies. Porém, esse trabalho foi construído gradualmente conforme o avanço do conhecimento teórico na botânica. Em 1735, Linnaeus publicou o Systema naturae, onde propôs um sistema de classificação artificial de plantas baseado em critérios reprodutivos, conhecido como sistema “sexual”. A reprodução sexual e o papel da flor no sistema de classificação foram desenvolvidos com base em noções que já haviam sido propostas por autores anteriores. Esse sistema de classificação propôs uma hierarquização de categorias taxonômicas utilizada até os dias atuais (Fig. 1). Posteriormente, Linnaeus estabeleceu regras precisas para nomear as espécies revolucionando a taxonomia com o aperfeiçoamento da nomenclatura binomial. O Sistema Binomial foi publicado em 1753 em uma série de livros intitulada Species Plantarum. Ao invés de se referir a uma planta usando uma frase (polinômio), como alguns naturalistas faziam anteriormente, Linnaeus apresentou uma versão simplificada com apenas dois termos chamado “binômio” (Fig. 2).

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Figura 2. Esquema explicando o funcionamento do binômio.

Pouco tempo depois, o francês Antoine Laurent Jussieu (1748 a 1836) propôs um sistema natural de classificação que se baseia na afinidade (semelhança) entre as plantas. Ele publicou uma obra intitulada Genera Plantarum, secundum ordines naturales disposita, na qual divide o reino vegetal em três grupos: Acotyledones (criptógamas e incorretamente algumas monocotiledôneas), Monocotyledones (incluindo grande parte das monocotiledôneas) e Dicotyledones (incluindo dicotiledôneas e gimnospermas). Essa classificação é muito diferente da proposta por Linnaeus, uma vez que não considera apenas caracteres sexuais para o estabelecimento dos táxons. O sistema de classificação proposto por Jussieu foi fundamental para o desenvolvimento das classificações naturais atuais, sendo muitas das famílias descritas ainda aceitas. Com a publicação da obra On the Origin of Species de Charles Darwin (1809 a 1882) em 1859 surgem novos paradigmas sobre as classificações taxonômicas. Sob essa nova concepção conceitos evolutivos começaram a ser integrados nas classificações, abandonando os sistemas hierárquicos. Nesse momento, busca-se agrupar as plantas através de relações evolutivas que reflitam o parentesco filogenético. Porém, a primeira escola baseada em conceitos evolutivos, Gradista, não apresenta uma base metodológica com inferência empírica. Em 1905, ocorreu um marco importante para a Taxonomia. Foi publicado o primeiro regulamento da nomenclatura botânica, sendo que somente em 1952 houve a publicação do primeiro Código Internacional de Nomenclatura (CIN) para Algas, Fungos e Plantas (Código de Estocolmo). O CIN foi um marco para a padronização da nomenclatura, uma vez que apresenta regras para a criação de nomes novos, para descrição e publicação de táxons, bem como assegura o emprego de regras estabelecidas anteriormente (como o binômio e o latim como língua oficial). Hoje, já estamos na 12ª versão do CIN, e a cada seis anos, esse código passa por discussões e revisões, objetivando um aprimoramento dos artigos e recomendações. Entre 1950 e 1975 Robert Sokal (1926 a 2012) e Peter Snetah (1923 a 2011) publicaram os principais livros de Taxonomia Numérica ou Fenética (Principles of Numerical e o 129

Numerical Taxonomy). Essa escola propõe a classificação dos organismos com base em similaridade fenotípica, empregando o máximo de caracteres possíveis, mesmo que isso não reflita uma ancestralidade em comum. Essa forma de classificação foi recebida com empolgação, mas logo deixou de ser amplamente empregada. Paralelamente ao desenvolvimento da Fenética, em 1950 houve o lançamento dos princípios da Cladística ou também chamado da Sistemática Filogenética, por meio do trabalho intitulado Grundzüge einer Theorie der Phylogenetischen Systematik de Willi Hennig (1913 a 1976) - atualmente considerado o pai da Sistemática Filogenética. Segundo a Cladística, uma classificação deve expressar relações evolutivas das espécies, não importando se as espécies diferem drasticamente entre si. Um táxon, em qualquer nível de categoria taxonômica deve ser monofilético, ou seja, possuir um ancestral comum e exclusivo, incluindo todos os descendentes. Os princípios da Cladística são a base das classificações atualmente empregadas. Mais recentemente, o advento de técnicas molecular possibilitou a incorporação de dados de DNA visando a obtenção de hipóteses filogenéticas as quais as classificações das plantas vasculares são fundamentadas. Aliado a isso, o avanço de novas metodologias de análise trouxe profundas mudanças nas propostas de classificação. Nesse sentido em 1998, foi publicada a primeira ampla classificação das Angiospermas baseada, principalmente, em dados moleculares: The Angiosperm Phylogeny Group (APG). A primeira proposta do APG passou por atualizações em edições posteriores (em 2003, 2009 e 2016). E apenas em 2016 houve a publicação da primeira classificação ampla de Pteridófitas (incluindo licófitas e samambaias), o Pteridophyte Phylogeny Group (PPG I, 2016), igualmente baseada principalmente em dados moleculares.

Chaves de Identificação As chaves de identificação constituem ferramentas essenciais, desenvolvidas com o propósito de auxiliar na identificação de táxons, sendo utilizada pelos taxonomistas e profissionais não- taxonomistas. A identificação de plantas pode empregar diversos sentidos perceptivos. O olfato, por exemplo, é muito útil na identificação de Nectandra megapotamica (Spreng.) Mez (Lauraceae), cuja madeira e folhas apresentam cheiro característico. Em alguns casos, até o paladar pode ser utilizado como ferramenta de identificação. Entretanto, a visão é o sentido mais empregado para identificação, podendo funcionar de duas formas: na primeira, o taxonomista associa as características da planta com algo que já conhece, enquanto na segunda, a informação visual é comparada em um sistema que utiliza uma terminologia descritiva especializada (chaves de identificação).

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Uma chave é um dispositivo de identificação que consiste em escolhas sequenciais em uma lista de possibilidades, que deve ser seguida até que as possibilidades se esgotem e o nome do táxon seja encontrado. O tipo de chave mais usual é a chave dicotômica. Esta consiste na escolha de uma entre duas opções contrastantes. A opção escolhida leva a outras duas opções e assim por diante, até chegar na identificação mais adequada. Segue abaixo um exemplo simplificado de chave de identificação dicotômica:

Figura 3. Exemplo de chave dicotômica.

Dois conceitos importantes devem ser levados em conta na construção das chaves: caráter e estados de caráter. Os caracteres são os atributos avaliados, enquanto os estados de caráter compõem as possíveis formas de como os atributos se apresentam. Por exemplo, na chave acima, o caráter “composição da vestimenta” tem como estados de caráter “única peça” ou “pelo menos duas peças”, enquanto para o caráter “número de olhos”, os estados de caráter são “um” ou “dois”. Esse tipo de chave pode ser construído tanto manualmente como por meio de softwares. Um bom exemplo é o DELTA-System, desenvolvido pela CSIRO Division of Entomology (1971-2000). Esse programa funciona com base no preenchimento de caracteres e estados de caráter que o próprio taxonomista elabora. A partir disso, o DELTA é capaz de construir a chave de identificação, elaborar um texto descritivo e diagnóstico sobre os táxons, além de produzir uma matriz morfológica. 131

Outro tipo de chave de identificação é a chave de multi-entrada, construída por meio de softwares interativos. Este tipo de chave é utilizado quando os caracteres apresentam vários estados de caráter, sendo possível percorrer caminhos alternativos dentro da chave. Por isso, é dita como chave interativa, funcionando basicamente por eliminação, onde todos os táxons que não apresentam o estado de caráter escolhido são eliminados. Um software amplamente conhecido para este fim é o Xper® (Infosyslab 2014). Existem duas versões do mesmo. Na primeira, denominada Xper2, é possível trabalhar off-line. Já na segunda, conhecida como Xper3, a interface funciona em uma plataforma online e é dependente de compatibilidade com o componente Java. Algumas destas chaves interativas possuem livre acesso, como é o caso do Portal de Chaves Interativas da Biodiversidade (https://www2.icb.ufmg.br/chaveonline/index.html) e do website das chaves “on-line” de identificação de plantas do Departamento de Biologia Vegetal do IB/Unicamp (https://www2.ib.unicamp.br/profs/volker/chaves/). A vantagem desse tipo de chave é que ele engloba a variação morfológica dentro das espécies. Em alguns táxons, é comum serem encontrados estados de caráter de uma forma em um indivíduo ou população e de outra forma em outro indivíduo/população. Além disso, permite acessar a identificação através dos caracteres que temos disponíveis no momento, por exemplo, apenas informações acerca do fruto. Lidar com essas variações em uma chave dicotômica é mais complicado, pois, dependendo de como a chave foi construída, pode-se chegar a um resultado errôneo. Já as chaves multi-entrada preveem isso e conseguem lidar com as duas situações.

Descrição, diagnose, sinopse e trabalhos taxonômicos A precisão é uma das condições necessárias para um trabalho taxonômico consistente. Nesse sentido, compreender as diferenças entre alguns conceitos comumente encontrados em trabalhos taxonômicos é de fundamental importância. Qual a diferença entre sinopse, diagnose e descrição? Os questionamentos podem ir além e compreender aspectos mais amplos. Uma flora também é um check list? Uma revisão taxonômica pode ser uma flora? O que vem a ser um tratamento taxonômico? Todos esses questionamentos serão tratados a seguir. Uma descrição de um táxon deve conter toda a informação necessária para fornecer uma imagem mais próxima do real de determinado organismo. A descrição deve incluir, portanto, a variação associada às populações do táxon em questão. Note que a descrição não deve ser confundida com conceito de espécie, embora, especificamente, o conceito morfológico de espécie possua aspectos que parcialmente se sobreponham à descrição. Para que uma descrição seja eficiente, a terminologia adotada deve ser acurada e previamente estabelecida. A descrição deve ser detalhada, porém, não pode ser prolixa. Por isso, é importante

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tomar conhecimento de termos comumente empregados (ex. lanoso = tipo de indumento com tricomas longos e emaranhados cuja textura lembra a lã). Alguns termos podem ser bastante específicos, sendo utilizados apenas em determinada família (ex. espigueta = menor unidade da inflorescência de Cyperaceae). A ordem em que os caracteres aparecem na descrição segue uma lógica que pode variar entre as famílias botânicas. No entanto, de uma maneira geral, a descrição inicia detalhando o hábito, as partes vegetativas e, por fim, as partes reprodutivas, começando pela flor e terminando pelo fruto. Ex: Calyptranthes Sw. (Giaretta & Peixoto 2015). Arbusto ou árvore. Planta com tricomas dibraquiados. Casca lisa ou áspera. Terminação dos ramos crescendo em organização dicotômica. Lâmina discolor; nervura principal sulcada na face adaxial; margem discretamente revoluta; glândulas translúcidas pouco visíveis em ambas as faces, às vezes inconspícuas na abaxial. Tirsóide axilar, terminal ou ramiflora, flores às vezes sésseis; bractéolas não conadas; cálice concrescido no botão, deiscente por caliptra de 1,5-2 mm diâmetro, ápice acuminado; pétalas 4 ou ausentes; estames adnados ao ápice do hipanto; estigma punctiforme, glabro; ovário 2-locular, óvulos 2 por lóculo. Bacáceo, globoso, hipanto persistente formando tubo de 1 mm compr., às vezes com caliptra persistente, sementes 1-2, testa cartácea, embrião mircioide. Embora algumas descrições contenham diagnose, elas não devem ser confundidas. A diagnose é empregada na divulgação de um novo táxon e se limita à indicação das características que distinguem rapidamente o novo táxon de um ou mais táxons previamente conhecidos. Esses táxons devem compartilhar o máximo de semelhanças com o táxon alvo da diagnose. Por esse motivo, a diagnose é geralmente construída entre táxons aparentados, contudo, a nova espécie pode ser tão diferente que o táxon mais próximo pode ser filogeneticamente distante. Nesse sentido, é importante notar que a diagnose deve levar em conta os caracteres compartilhados ao invés das relações de parentesco. Ex: Eugenia itaunensis Giaretta et al. (2018) (tradução livre). A espécie é semelhante a Eugenia copacabanensis Kiaerskou mas difere por suas folhas maiores, 7–18.5 × 4–11 cm (vs. 4–7 × 2–3.5 cm) com base obtusa, arredondada, cordada ou subcordada (vs. cuneada ou decorrente), 10–18 pares de nervuras secundárias (vs. 8–10 pairs), botões florais maiores, 9–11 × 5.5–7 mm (vs. 4-6 × 3 mm) com lobos do cálice em dois pares desiguais em tamanho (vs. lobos do cálice iguais), e bractéolas persistentes depois da antese (vs. não persistentes). A sinopse reúne um conjunto de atributos morfológicos que diferenciem determinado táxon de todos os outros, tendo em vista uma área geográfica ou uma circunscrição taxonômica. Note que duas condições devem ser preenchidas na sinopse. A primeira, é que deve ser atribuído ao táxon uma

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característica exclusiva ou uma combinação de características que funcionalmente desempenham o papel de uma característica exclusiva. Na segunda, a sinopse deve ser empregada em um contexto limitado geograficamente (ex. um município, uma unidade de conservação) ou limitado a uma circunscrição taxonômica (ex. um gênero, uma categoria infra genérica). Ex: insularis Gardner em Amorim & Alves (2012) (tradução livre). Árvore 8–10 m de altura. A espécie difere das demais espécies de Myrcia pelas folhas 10.5– 12.0 × 3.5–4.5 cm, com nervura mediana achatada ou elevada na face adaxial da lâmina, brácteas lanceoladas, bractéolas lineares, lobos do cálice agudos e desiguais, 2 maiores (2 mm de comprimento), 3 menores (1 mm de comprimento), hipanto glabro e fruto subgloboso. O check list nada mais é do que uma lista de espécies. De certa maneira, o check list organiza a informação disponível por meio da revisão dos nomes associados a um táxon, o qual é frequentemente delimitado geograficamente. Check lists podem agregar informações como distribuição geográfica, habitat, ecologia e até mudanças nomenclaturais. As revisões taxonômicas são trabalhos completos que geralmente incluem descrições, diagnoses, chave de identificação, alterações nomenclaturais, comentários taxonômicos, distribuição geográfica, informações relevantes sobre fenologia, habitat e ecologia. Essencialmente, as floras são semelhantes às revisões taxonômicas, exceto por focarem em áreas cujos limites podem ser políticos ou geográficos, enquanto que o foco das revisões taxonômicas é exclusivamente um grupo taxonômico. Isso implica que as informações da variação morfológica dos táxons tratados em floras são limitadas às populações que ocorrem em determinada área. Alternativamente, as informações associadas às revisões taxonômicas são relativas a um táxon em estudo (ex. um gênero), portanto, abrangendo toda a variação de todas as populações, independente dos limites geográficos ou políticos.

Uso de evidências taxonômicas na Botânica A palavra “evidência” significa qualidade ou caráter daquilo que é evidente, incontestável, que todos podem ver e verificar sem deixar dúvidas. Os taxonomistas e sistematas buscam por informações relacionadas aos seres vivos que podem ser reproduzidas por outros estudos independentemente, aumentado a confiabilidade dos resultados. Para os botânicos, estas evidências podem ser obtidas a partir de fontes diversas, com base em várias partes estruturais de uma planta e em diferentes estágios de seu desenvolvimento. As diferentes evidências utilizadas estão intimamente relacionadas com as tecnologias envolvidas em sua obtenção. A seguir, as evidências mais recorrentes em estudos comparativos na taxonomia vegetal serão abordadas. As evidências morfológicas são baseadas em caracteres oriundos da forma, disposição e estrutura externa de partes vegetativas e reprodutivas das plantas. De modo geral, fornecem a maior

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parte da informação utilizada na identificação prática de plantas, sendo muitas delas usadas na construção de hipóteses filogenéticas. A utilização de informações morfológicas ocorreu desde o início da taxonomia, em que eram utilizados caracteres facilmente obtidos e visualizados, como o caráter “presença e ausência de estrutura floral” abordado na classificação de Aristóteles (ver secção sobre a História da taxonomia na Botânica). A obtenção das evidências morfológicas foi refinada à medida que novas técnicas e ferramentas surgiram, como as lupas (estereomicroscópios) e microscópios ópticos e eletrônicos, capazes de fornecer um maior detalhamento das estruturas analisadas. A análise dos dados morfológicos deve ser cautelosa, evitando a subjetividade na interpretação dos caracteres e seus estados, levando-se sempre em consideração a homologia destes e suas possíveis alterações influenciadas por fatores não hereditários, como as alterações morfológicas influenciadas por aspectos ecológicos. Um exemplo da utilização de dados morfológicos é apresentado na Figura 4, onde vários atributos vegetativos e reprodutivos de Lamanonia ternata Vell. (Cunoniaceae) frequentemente abordados em tratamentos taxonômicos para a família são ilustrados.

Figura 4. A-I. Lamanonia ternata - A. ramo com flores; B. gineceu; C. detalhe da antera; D. face abaxial do folíolo, forma com menores dimensões; E. face abaxial do folíolo, forma com maiores dimensões; F. detalhe da nervura principal do folíolo, face abaxial; G. fruto cápsula. Ilustrações: Andressa Cabral.

As evidências anatômicas fornecem detalhes da estrutura interna dos órgãos vegetais, permitindo identificar seus tecidos e tipos celulares. As informações morfológicas e anatômicas são 135

frequentemente utilizadas como caracteres diagnósticos na identificação de um táxon (ex. gênero) ou indivíduo pela sua facilidade de obtenção. Para a família Velloziaceae, caracteres obtidos através da anatomia da folha e do pedicelo serviram como base para as classificações taxonômicas e inferências filogenéticas do grupo. Na Figura 5, constam imagens da anatomia e morfologia de Barbacenia spectabilis L.B. Sm. & Ayensu.

Figura 5. Detalhes morfoanatômicos de Barbacenia spectabilis - A. Vista externa da flor; B. corte transversal do pedicelo; C. Corte transversal da folha totalmente expandida (Imagens: Andressa Cabral).

As evidências moleculares são baseadas em dados genéticos, tais como sequências de DNA e RNA obtidas de cloroplastos, mitocôndrias e núcleo das células vegetais. O uso desse tipo dado provocou grande impacto na sistemática vegetal nas últimas três décadas. Sua utilização está amplamente disseminada nos dias atuais, e a popularização do uso de sequências nucleotídicas em inferência filogenética ocorreu devido ao avanço nas técnicas de extração e amplificação de fragmentos de DNA (ou até mesmo do genoma completo!). Em uma análise filogenética que utiliza dados de DNA, as unidades taxonômicas são comparadas segundo diferenças no tipo de base nucleotídica, inserção ou deleção das mesmas em posições específicas no genoma. Além de fornecerem um número de caracteres, em geral, muito maior se comparado aos dados fenotípicos comumente utilizados, os dados moleculares eliminam uma grande fonte de subjetividade contida nas reconstruções filogenéticas baseadas apenas em caracteres morfológicos. Por exemplo, se o carácter fruto apresenta os estados de caráter: 1) tipo 136

cápsula; 2) tipo baga. O mesmo caráter fruto pode ser codificado de uma maneira diferente, considerando outros atributos: 1) consistência da parede interna; 2) deiscência; 3) número de sementes; 4) coloração; etc. Portanto, pesos diferentes podem ser dados ao mesmo carácter dependendo da interpretação. Já no caso de dados moleculares, existe apenas um caráter cujos estados correspondem às bases nitrogenadas do DNA, adenina (A), timina (T), citosina (C), guanina (G) e, no caso de RNA, também a uracila (U). Os metabólitos secundários têm sido utilizados nos estudos de variações entre táxons e nas construções de hipóteses filogenéticas. O emprego destes compostos como caracteres na taxonomia e sistemática vegetal está, em geral, baseado na sua presença ou ausência em um dado grupo. Além disso, estão frequentemente restritos à grupos relacionados filogeneticamente. Vários tipos de metabólitos secundários já foram identificados e estudados na sistemática e taxonomia (Fig. 6), sendo alguns deles amplamente citados na literatura (mais informações em Judd et al. 2002). Os glicosídeos cianogênicos são compostos hidrolisados por diversas enzimas que liberam cianeto de hidrogênio em respostas de defesa, sendo os glicosídeos cianogênicos ciclopentenoides conhecidos para as famílias Achariaceae, Malesherbiaceae, Passifloraceae e Turneraceae, todas inseridas em . Já os glicosídeos cianogênicos sintetizados a partir de leucina são comuns na família Rosaceae (Rosales) e os derivados de tirosina são encontrados em várias famílias de Magnoliales e Laurales. Os alcaloides são compostos estruturalmente diversos e alguns deles estão presentes em várias famílias de angiospermas, sendo alguns tipos específicos de grupos de Angiospermas, como os alcaloides indólicos da classe da secologanina, que ocorrem somente em Gentianales (nas famílias Apocynaceae, Gelsemiaceae, Loganiaceae e Rubiaceae), e os alcaloides benzilisoquinolínicos que ocorrem em Nelumbonaceae (Proteales) e em algumas famílias de Magnoliales, Laurales e Ranunculales. Além disso, tipos similares de alcaloides tropânicos são característicos de duas famílias de Solanales (Solanaceae e Convolvulaceae). Os glucosinolatos, ou glicosídeos de óleo de mostarda, constituem uma sinapomorfia de Brassicales. As betalaínas são alcaloides indólicos que atuam como pigmentos em algumas espécies de Caryophyllales (com exceção de Caryophyllaceae e Molluginaceae).

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Figura 6. Exemplos de metabólitos secundários encontrados em algumas ordens de Angiospermas, baseado na filogenia de Agiosperm Phylogeny Group (APG IV 2016).

Os terpenóides constituem a maior classe química de constituintes ativos nas plantas sendo importantes em várias interações bióticas. Os iridoides são um grupo de monoterpenoides encontrados em diversas famílias de Asterídeas, e suas classes têm sido utilizadas para sustentar relações dentro deste grande clado. Os iridoides limonoides e os quassinoides são derivados de triterpenoides, e estão presentes em famílias de (Rutaceae, Meliaceae e Simaroubaceae). Os cardenolídeos são glicosídeos de um tipo de esteroide altamente tóxicos, podendo ser encontrados em Apocynaceae (Gentianales), (Malphigiales), Liliaceae (Liliales), Plantaginaceae (Lamiales) e Ranunculaceae (Ranunculales). Os óleos essenciais são terpenoides encontrado nas 138

famílias de Austrobaileyalles, Laurales, Magnoliales e Piperales, e também em outras distantemente relacionadas, como Asteraceae (Asterales), Lamiaceae e Verbenaceae (Lamiales), (), Rutaceae (Sapindales) e algumas famílias compreendidas em Apiales. Os poliacetilenos são metabólitos não nitrogenados que caracterizam um grupo proximamente relacionado de Asterídeas, estando presentes nas famílias Asteraceae, Apiaceae, Caprifoliaceae, Campanulaceae, Goodeniaceae e Pittosporaceae. A palinologia é o estudo da constituição, estrutura e dispersão do pólen e esporos, incluindo os exemplares atuais e fossilizados. Suas camadas externas são equivalentes e geralmente contém esporopolenina, um composto que confere resistência à degradação por substâncias químicas variadas, bactérias e fungos, além de contribuir com a preservação dos esporos e do pólen em sedimentos, sendo muito associada aos estudos paleobotânicos. Um exemplo interessante foi da utilização da palinologia na sustentação de um grande grupo das Angiospermas, as Eudicotiledôneas, em que grãos de pólen tricolpados, ou de tipos derivados deste, constituem uma sinapomorfia do grupo. As evidências somadas nos permitem entender com mais clareza o relacionamento existente entre os seres vivos considerando o tempo e o espaço. Analisar a homologia das evidências é um importante passo para a interpretação das informações observadas baseando-se na evolução e ancestralidade comum dos grupos. O estudo dessas relações, durante muitos anos, se deu basicamente por evidências obtidas unicamente pela morfologia, e por esta razão, algumas associações entre organismos foram inferidas erroneamente. Um bom exemplo é sobre o gênero Kirkia Oliv., que foi primeiramente classificado na família Simaroubaceae (Sapindales). Nesta classificação, foram levadas em consideração, estruturas semelhantes, como a estrutura do fruto, sem um conhecimento mais aprofundado da sua composição, organização e origem. Com o passar do tempo, outros estudos morfológicos comparativos (análise do gineceu, do pólen, da madeira) foram realizados e as afinidades entre Kirkia e Simaroubaceae, permaneciam incertas. Porém, análises moleculares recentes, adicionadas aos estudos da estrutura floral de Kirkia, sugeriram que o grupo pertenceria à família Kirkiaceae, considerada atualmente como grupo-irmão do clado formado pelas famílias - Burseraceae.

Delimitação de espécies A classificação e identificação de limites entre espécies são fundamentais para entender e mensurar as unidades básicas que compõe a biodiversidade. A velocidade e eficácia na delimitação de espécies é criticamente importante frente a crise da biodiversidade. Seja durante o trabalho de campo ou no processo de análise de materiais de herbário há uma grande probabilidade de o

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taxonomista deparar-se com indivíduos cujas determinadas características (ex. cores, forma) são destoantes das demais espécies reconhecidas dentro grupo de estudo. Após pesquisa aprofundada na literatura este profissional concluí que não há registros sobre esse “tipo morfológico” e que se trata de algo inédito para a ciência. Porém, este passo é apenas o início da laboriosa jornada que um taxonomista teve que percorrer até conseguir classificar e reconhecer esse novo táxon. A descrição de um táxon não é um fato, mas uma hipótese testável. Espécie representa uma categoria taxonômica que busca representar uma tentativa de “entidade biológica real”. A questão é como tais hipóteses são formuladas em referência ao arcabouço teórico e como elas são revisadas à luz de novos dados empíricos? Desde Darwin, há um intenso debate sobre o conceito de espécie entre os pesquisadores. Em 1998 de Queiroz foi um dos primeiros cientistas a identificar que duas questões de natureza diferentes são misturadas: a definição da categoria espécie (questão ontológica) e a adequação dos critérios (questão epistemológica) utilizados na definição dos táxons classificados como espécie. Ou seja, a delimitação de espécies tem sido confundida com o conceito de espécie em si. Na literatura há diversos conceitos de espécie (ex. fenético, biológico, ecológico, filogenético, etc) que discordam na adoção de diferentes propriedades adquiridas pelas linhagens durante a especiação (ex. morfologia distinta, isolamento reprodutivo, nicho ecológico, monofiletismo) como propriedades definidoras (critérios de espécie). Apesar das diferenças entre os conceitos alternativos de espécie, todos exibem uma unidade conceitual comum que fornece base para um conceito unificado de espécie: “linhagens de metapopulações que evoluíram separadamente”, sendo essa a única propriedade necessária para definição de espécie. Assim, as incompatibilidades de propriedades criadas entre os conceitos de espécie alternativos são reinterpretadas como propriedades das categorias de espécie. Essas propriedades constituem um critério de espécie secundário, servindo como critérios operacionais ou linhas de evidências para avaliar a separação entre as linhagens. Isso permite a clara segregação entre o conceito teórico de espécie e os critérios operacionais usados para sua aplicação empírica. Não obstante, é necessário avaliar até que ponto os dados empíricos e os métodos analíticos permitem aos taxonomistas propor conjuntos de indivíduos que se encaixem na definição escolhida da categoria de espécie. Dado que as espécies são consideradas hipóteses científicas, elas estão envolvidas em um processo de falsificação baseado na aquisição de novas evidências – processo correspondente ao trabalho das revisões taxonômicas. Tradicionalmente as espécies têm sido delimitadas baseadas em morfologia comparativa. Porém essa prática é sujeita a subjetividade e variável entre diferentes taxonomistas. O atual campo ativo da taxonomia é integrador e emprega múltiplas fontes de evidências derivadas de atributos biológicos (dados morfológicos, fisiológicos,

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ecológicos, genéticos, etc) que são analisados através de diferentes métodos e diferentes critérios de delimitação afim de propor hipóteses de espécies robustas e testáveis (ver Fig 7).

Figura 7. Representação esquemática de possíveis etapas percorridas para a delimitação de espécies através de uma abordagem taxonômica integrativa. 1. Amostragem populacional. 2. Hipótese filogenética sugere que indivíduos podem ser diferenciados (amarelo e laranja) enquanto linhagens recentemente divergentes ainda estão em uma "zona cinzenta" (*) com a maioria dos caracteres indiferenciados (azul e roxo). 3. Hipóteses de espécies primárias (HEP) são propostas, ex. iluminação recíproca de morfologia e sequências de DNA. 4. HEP são avaliadas com adição de novas linhas de evidências utilizando diferentes critérios de delimitação. Dentro de cada critério, podem ser aplicados diferentes tipos de dados (ex. morfológico, biológico, bioquímico, genético) e métodos (distância, parcimônia, bayesiano, coalescência, cruzamento entre indivíduos). Neste cenário, é possível determinar se os padrões de divergência são observados entre os diferentes tipos de dados, apoiando ainda mais o status das espécies. 5. Quando possível, as decisões taxonômicas são tomadas convertendo as HEPs em hipóteses de espécies secundárias (HES) que são nomeadas (amarela e laranja). Porém, algumas linhagens (azul e roxo) podem permanecer no circuito sendo necessário dados mais conclusivos antes de serem transformadas em HES. Setas indicam zonas temporais da rede genealógica no momento em que a separação e divergência entre as linhagens formam uma zona confusa onde critérios alternativos para identificar limites entre as espécies podem entrar em conflito.

Desta maneira a taxonomia integrativa reflete um campo vibrante que, acompanhado do desenvolvimento de técnicas moleculares, métodos estatísticos e conceitos de espécies contemporâneos, trouxe a delimitação de espécies para uma encruzilhada interessante, onde diversas abordagens metodológicas e filosóficas se encontram. Nada ilustra melhor sua contribuição do que a acelerada taxa de descoberta e documentação de espécies crípticas (morfologicamente indistinguíveis) e sua resolução em casos de táxons com alta variação morfológica intra e interespecífica. Além disso, ela fornece uma compreensão mais acurada dos limites entre as espécies, estabelecendo uma taxonomia mais concisa e estável. Por isso, a taxonomia integrativa é particularmente importante em campos que dependem de medidas precisas da biodiversidade, como biologia da conservação, biologia evolutiva, ecologia, biogeografia, entre outros.

Taxonomia unificada Como vem sendo discutido, a importância da taxonomia para a ciência da vida, por meio da classificação e nomeação dos táxons, é inquestionável. Ao longo das últimas décadas, no entanto, a taxonomia tem sofrido um declínio de interesse, parcialmente promovido pela falta de prestígio e iniciativas de financiamento.

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A taxonomia descritiva, aquela envolvida na catalogação e descrição de táxons, tem sido apontada pela Linnean Society como “o setor que sofre o maior risco” (tradução livre) na biologia sistemática. Um dos motivos reside na falta de objetivos claros e realistas por parte dos taxonomistas. Seria um grande feito descrever todas as espécies do planeta, contudo, nem ao menos sabemos quantas existem, ao passo que a melhor estimativa varia entre 4 e 10 milhões de espécies no mundo. Outro problema persiste no legado de mais de 200 anos de estudos em sistemática. Muitos taxonomistas ocupam boa parte de seu tempo e esforços interpretando trabalhos do século XIX, isto é, desconstruindo conceitos pretéritos de delimitação de táxons ou mesmo descrições inadequadas e os recircunscrevendo de acordo com premissas atuais. Não é por acaso que como área da ciência, a botânica possui elevados índices de citações de obras com mais de 50 anos. Infelizmente, publicações recentes também geram problemas. A descrição de espécies em revistas de baixa circulação, que frequentemente ocorre com espécies quistas por suas qualidades ornamentais como Orquidaceae e Bromeliaceae, tem gerado problemas a serem resolvidos, principalmente do ponto de vista nomenclatural. Contudo, uma possível solução, que atualmente tem sido discutida, reside na imensa quantidade de informação e facilidade de acesso disponíveis on-line. A taxonomia unificada tem sido discutida como uma maneira de retomar o interesse da taxonomia pelo público e órgãos de fomento. Ela consiste na construção colaborativa de uma base de dados sobre certo grupo, incorporando informações sobre a taxonomia tradicional como checklists, descrições, chaves dicotômicas de identificação, ilustrações, mas também incluindo informações que geralmente não são agregadas formalmente como fotos na natureza, sequências de genes ou chaves de multi-entrada. O mais interessante é que iniciativas como esta já tem ocorrido sem mesmo que tenhamos nos dado conta. A Lista da Flora do Brasil posicionou o Brasil como o primeiro país do mundo a disponibilizar uma lista atualizada da sua flora. Essa conquista foi promovida por um trabalho colaborativo entre botânicos nacionais e internacionais, liderados pela equipe do Instituto de Pesquisas do Jardim Botânico do Rio de Janeiro. A lista está disponível on-line, e foi motivada pela Estratégia Global de Conservação das Plantas que estabeleceu 16 metas a serem alcançadas até 2020, dentre elas uma “flora online para todas as plantas conhecidas”. Nesse sentido, foi lançado o projeto Flora do Brasil 2020 (www.floradobrasil.jbrj.gov.br), comprometendo um número ainda maior de botânicos e instituições. O objetivo é que além de uma lista constantemente atualizada, esteja disponível até 2020 descrições para todas as espécies brasileiras, bem como chaves de identificações. Em um contexto global que requer uma iniciativa colaborativa mais complexa, o principal objetivo é, em um primeiro momento, gerar uma lista de todas as espécies conhecidas (www.theplantlist.org) e, em um segundo momento, disponibilizar uma flora acessível de todas as plantas conhecidas.

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Iniciativas comprometidas com geração e concentração de conteúdos sobre a biodiversidade advindos de fontes confiáveis, podem ser vistos como tentativas de mitigar a falta de recursos humanos e financeiros que a taxonomia vem sofrendo. Contudo, não deve ser esquecido que para alcançar uma base de dados que reflita fidedignamente uma rica biodiversidade, sobretudo nas regiões tropicais, é necessário focar esforços também sobre o que não conhecemos.

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CAPÍTULO 12

Biogeografia neotropical: história e conceitos Juan Pablo Narváez-Gómez (Universidade de São Paulo) Andressa Cabral (Universidade de São Paulo) Annelise Frazão (Universidade de São Paulo) Matheus Colli-Silva (Universidade de São Paulo) Pamela Santana (Universidade de São Paulo)

Introdução Desde a época de Humboldt, Wallace, Darwin e De Candolle entre muitos outros grandes naturalistas, uma observação tem cativado a mente dos cientistas: cada região da Terra possui espécies diferentes, apesar de as condições ambientais adequadas para a sobrevivência dos organismos serem semelhantes em algumas regiões; isto é, os organismos se encontram confinados a áreas particulares do globo. Essa observação constitui o fenômeno fundamental a ser explicado pela Biogeografia, cuja pergunta básica é “por que os organismos, as espécies e os táxons ocorrem somente em algumas áreas e não em outras?”. Existe também uma série de questões fundamentais que estão profundamente associadas a isso e que são necessárias para entender quais fatores restringem a distribuição geográfica dos organismos, entre os quais se destacam: (1) Quais características permitem que os organismos possam sobreviver nessas regiões e quais outras os impedem de colonizar novas áreas? (2) Como varia a distribuição dos organismos à medida que examinarmos regiões com ambientes contrastantes? (3) Qual é o papel do clima, a topografia e das interações com outros organismos na determinação dos limites biogeográficos? (4) Quais são as espécies e seus grupos irmãos e onde estão localizados? (5) Onde viveram seus ancestrais? (6) Como eventos no passado (ex. separação de continentes, soerguimento de montanhas, e mudanças climáticas) determinaram a distribuição das espécies no presente? (7) Por que existem grupos de espécies proximamente relacionadas e táxons com padrões de distribuição semelhantes? (8) Por que as regiões tropicais são mais diversas que as regiões temperadas do globo? Essas e outras inúmeras perguntas fazem parte do universo de pesquisa em biogeografia e ressaltam a complexidade do problema e o carácter sintético e integrador de diferentes abordagens científicas dentro da biologia, geologia e climatologia. Deste modo, pode-se dizer que os biogeógrafos estudam a distribuição dos organismos e as suas características no espaço e no tempo tendo como objetivo fundamental a caracterização dos padrões de distribuição e a inferência de hipóteses sobre os processos que os determinam. Ambos os padrões e os processos dependem das escalas espaciais e temporais na qual são estudados. 145

Tradicionalmente duas abordagens têm sido Conceitos básicos - Processos Biogeográficos reconhecidas dentro da biogeografia dependendo Especiação alopátrica: Processo de especiação que da escala das perguntas. A biogeografia ocorre quando duas populações de uma espécie ficam ecológica foca sobre perguntas de cunho isoladas de maneira que o intercâmbio gênico fica interrompido entre elas. funcional onde as variáveis ambientais interagem com as características dos organismos Extinção: Desaparecimento de uma espécie em uma região determinada. para determinar os limites da distribuição em escalas temporais e espaciais que abrangem, Dispersão a longa distância: Separação das populações de organismos de uma espécie ancestral respectivamente, de minutos até centenas de devido à colonização ao acaso e através de barreiras à anos, e de centímetros até milhares de dispersão de uma área distante. As duas populações resultantes não mantêm o fluxo gênico entre elas, quilômetros quadrados. São geralmente portanto, especiam alopatricamente em duas ou mais abordados processos fisiológicos, populacionais espécies descendentes. Não se deve confundir com a dispersão gradual no espaço geográfico que é produto e em nível das comunidades, que ocorrem da mobilidade dos organismos. Por outro lado, a frequentemente e que são potencialmente geodispersão refere-se a dispersão conjunta de muitos táxons facilitada pela desaparição de uma barreira. observáveis no presente. Por outro lado, a biogeografia histórica foca sobre perguntas de Vicariância: Separação das populações de organismos de uma espécie devido à formação de uma cunho histórico onde eventos contingentes no barreira que fragmenta a área de distribuição. O passado —ou seja, que podem não ter resultado é a interrupção do fluxo gênico entre as populações o que leva à especiação alopátrica de duas acontecido, são únicos e não observáveis no ou mais espécies descendentes. presente— impediram a dispersão gradual dos organismos e fragmentaram a distribuição delas, modificando os limites biogeográficos. São geralmente abordados fenômenos como a vicariância , a dispersão e a extinção cuja consequência é a determinação histórica dos processos macroevolutivos e os padrões de especiação. Portanto, a biogeografia histórica abrange escalas temporais de milhares até milhões de anos e escalas espaciais que incluem áreas de milhares de quilômetros até continentes completos ou o globo. Contudo, a divisão entre as dimensões histórica e ecológica na biogeografia é considerada arbitrária e conveniente para a pesquisa e não como uma divisão fundamental sobre dois tipos de processos claramente diferenciados. Duas razões suportam essa afirmação. Em primeiro lugar, essa divisão permite delimitar claramente o nível das perguntas, as ferramentas conceituais e procedimentos mais adequados para a escala de estudo. Em segundo lugar, quando examinarmos as causas dos limites da distribuição encontraremos que os eventos no tempo passado definem esses limites mediante a modificação de processos ecológicos, e que os processos ecológicos no tempo presente determinam os padrões de distribuição no futuro junto com a ocorrência de novos eventos contingentes. Consequentemente, os padrões de distribuição são o resultado tanto de processos

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ecológicos quanto de processos históricos e, portanto, a integração de ambos os tipos de considerações é necessária para estudar e entender a distribuição atual dos organismos. Neste capítulo vamos examinar os eventos geológicos e climáticos mais relevantes para compreender os padrões de distribuição dos organismos na Região Neotropical. Também, apresentaremos, paralelamente, alguns dos conceitos fundamentais que permitem formular perguntas e inferir hipóteses biogeográficas. Finalizaremos com uma reflexão sobre os métodos em biogeografia ressaltando seu caráter integrador e interdisciplinar o qual é expresso na construção de narrativas históricas.

Biogeografia da Região Neotropical A Região Neotropical caracteriza-se por (1) ter uma identidade geológica composta com uma história antiga; (2) ter uma biota única, endêmica, que a identifica como uma área biogeográfica singular e cujas divisões e subdivisões apontam para histórias bióticas geograficamente específicas; (3) uma grande diversidade de ambientes, climas e topografia complexa que suportam a existência de múltiplos biomas e ecorregiões; e (iv) consequentemente, uma das regiões mais biodiversas do mundo. No percurso dos próximos parágrafos examinaremos cada uma dessas afirmações.

A localização geográfica da Região Conceitos básicos - Endemismo Neotropical abrange a zona tropical da América Área de distribuição: Superfície da Terra ocupada e inclui tanto a porção da plataforma continental pelos organismos de uma espécie ou táxons supre- específicos definida a partir das localidades que eles que abrange desde o México até a Argentina, ocorrem. quanto as ilhas das Antilhas no mar Caribe. Endêmico: Aqueles organismos ou táxons que Geologicamente, reconhece-se que a Região ocorrem em uma região geográfica determinada e Neotropical está composta por três placas somente ali. continentais, cada uma com uma história Área de endemismo: Região definida pela geológica própria: a placa do Caribe, a placa da coincidência espacial das áreas de distribuição de América do Norte e a placa da América do Sul, vários táxons que não ocorrem em nenhum outro lugar. Alguns autores consideram que os táxons que sendo esta última o produto da fragmentação e as definem devem possuir seus grupos irmãos também separação do supercontinente Gondwana há 100 localizados em outras áreas de endemismo. Isto implica que possa existir tanto uma congruência Ma (milhões de anos), de onde também se geográfica quanto filogenética entre os táxons. Deste originou a placa continental Africana. A biota modo, a área de endemismo é uma hipótese sobre a existência de uma biota com uma histórica evolutiva desta região é única e, portanto, está conformada compartilhada. por um grande número de espécies endêmicas. Do olhar da regionalização biogeográfica a distribuição dessas espécies endêmicas permite construir um sistema de classificação hierárquico e inclusivo de regiões, subregiões, domínios e províncias. Este sistema representa uma descrição no

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tempo presente de um padrão resultante da ocorrência de múltiplos eventos de fragmentação das biotas no passado (Fig. 1). Ele estabelece uma linguagem padronizada para nomear e descrever os padrões de distribuição das espécies e constitui uma hipótese geral da história das biotas a partir da qual as hipóteses biogeográficas para táxons individuais podem ser comparadas. Da mesma forma, as biotas podem ser classificadas a partir de uma perspectiva ecológica. A ampla extensão latitudinal e o relevo complexo da Região Neotropical produzem uma variedade de climas e ambientes que determinam a presença de fitofisionomias adaptadas às condições climáticas, topográficas e edáficas únicas de cada região geográfica, as quais em conjunto com as faunas típicas e predominantes de cada

região definem os biomas. Quando as perspectivas ecológica e histórica são consideradas ao mesmo tempo, os aspectos funcionais próprios dos biomas e os aspectos históricos próprios das áreas biogeográficas podem ser combinados para definir ecorregiões (Fig. 1), as quais identificam os limites prováveis das comunidades de espécies existentes. Cada tipo de classificação apresenta como mais relevantes um conjunto particular de fatores que determinam as distribuições dos organismos. Por isso é importante sempre considerar os pressupostos teóricos por elas expressados e o seu efeito sobre o desenho e as perguntas da pesquisa em biogeografia. Quando enxergamos a distribuição das plantas espermatófitas na Região Neotropical são evidenciados padrões gerais de distribuição de espécies endêmicas que permitem a definição de regiões fitogeográficas. Vale destacar que os limites destas regiões fitogeográficas geralmente são congruentes com os limites dos domínios morfoclimáticos da América do Sul. Isto sugere certa

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proximidade entre as causas históricas e ecológicas na determinação dos limites da distribuição em plantas neotropicais. De fato, tem-se observado que os padrões de relação filogenética e de distribuição de plantas na Região Neotropical parecem não seguir a estrutura geográfica sugerida pelas regionalizações de tipo histórico e ecológico. Assim, é frequente achar que a origem de espécies está correlacionada com a colonização de áreas diferentes daquelas de seus ancestrais. para entender as causas para os limites de distribuição na Região Neotropical (Box 1).

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Vale ressaltar que colonizações acontecem com maior frequência entre áreas com climas e ambientes semelhantes, o que sugere um papel relevante do conservadorismo e da evolução do nicho Um exemplo de como um padrão de distribuição pode responder tanto a questões ecológicas quanto históricas são as espécies que ocorrem em floresta estacional seca. Estas espécies percorrem os núcleos deste ecossistema, que estão isolados e localizados através da diagonal de formações abertas na América do Sul, indo desde a Caatinga até o Chaco, e que sobem pelos vales interandinos até a Venezuela. Tanto as dispersões a longa distância entre ambientes semelhantes quanto a fragmentação de florestas amplamente distribuídas no passado podem aplicar como possíveis explicações para este padrão. Em geral, com respeito ao padrão de diversidade, estima-se que a Região Neotropical possui 37% das espécies de plantas espermatófitas do mundo, ou aproximadamente, 90.000-110.000 espécies. Comparativamente, a Região Neotropical é muito mais rica em espécies do que os trópicos de outras partes do globo. A África, por exemplo, estima-se que possua entre 30.000 e 35.0000 espécies, e a Ásia e Oceania juntas estima-se entre 40.000 e 82.000 espécies. Em relação, ao padrão latitudinal de diversidade, onde as espécies tropicais são mais numerosas do que as espécies temperadas em ambos os hemisférios do globo, tem-se indicado que em geral as famílias de plantas neotropicais se distribuem de acordo com esse padrão e correlacionado com o clima (para compreender mais sobre a área de distribuição das espécies a respeito das interações com outros organismos, Box 2), mas podem existir diferenças quando o hábito das plantas é considerado. Em geral, a riqueza de famílias de árvores segue o padrão latitudinal enquanto a diversidade de famílias de ervas é também alta em regiões temperadas. O tamanho das áreas de distribuição também apresenta um padrão de variação latitudinal, sendo que árvores tendem a apresentar menores áreas de distribuição na região Neotropical do que em regiões Temperadas. No caso das famílias de ervas não se observa uma tendência clara com áreas grandes tanto na Região Neotropical quanto em regiões temperadas. Da mesma maneira, a idade das linhagens de árvores e ervas tende a ser maior na Região Neotropical do que em regiões temperadas, mas a tendência não é tão pronunciada pois existe uma mistura de linhagens antigas em ambas as regiões. Além das regiões fitogeográficas, também existem outros padrões de distribuição que são evidenciados para várias famílias de plantas neotropicais e que propõem dois centros de riqueza bem localizados. O primeiro padrão é formado por espécies centradas na cordilheira dos Andes, as quais se caracterizam por serem predominantemente ervas, plantas epífitas e arbustos. O segundo padrão é formado por espécies centradas na Amazônia e caracterizadas por ser predominantemente lianas e árvores.

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Em resumo, os padrões de distribuição de espécies endêmicas representados por áreas biogeográficas, os padrões ecológicos representados por biomas e ecorregiões, e os padrões de diversidade acima referidos constituem uma fotografia do estado atual de um processo histórico

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contínuo de evolução das biotas na Região Neotropical. A seguir detalhamos alguns dos eventos mais significativos nesta história, além de trazermos comentários sobre seus efeitos na biodiversidade neotropical.

Eventos históricos e implicações na distribuição da biodiversidade Neotropical 1. Separação da Gondwana Com o advento da deriva continental, nossos conhecimentos acerca da dinâmica de conexões biológicas, entre diferentes continentes, mudaram drasticamente. Antes de sabermos que os continentes se movimentam ao longo do tempo, explicações alternativas sempre eram usadas para explicar o motivo da existência de uma mesma biota em diferentes locais do planeta. Em conjunto com o surgimento de uma sistemática biológica filogenética, o estudo biogeográfico num contexto global tomou outra roupagem, com maior nível de complexidade. Para tratarmos dessa complexidade, trazemos aqui o exemplo de um dos eventos que mais traz questionamentos acerca da biogeografia num contexto filogenético, a separação dos continentes africano e sulamericano durante o Cretáceo (Fig. 2). A cerca de 120 Ma, ambos continentes ainda estavam conectados. Ao longo de aproximadamente 30 Ma esses foram se separando culminando no surgimento do Oceano Atlântico Sul. Tal separação dos dois continentes foi desigual ao longo do tempo, tendo ocorrido mais cedo ao sul e mais tarde ao norte, estando África e América do Sul separadas a cerca de 100 Ma.

Neste cenário vicariante, as biotas ocorrentes ao longo de ambos continentes foram afetadas por essa separação, já que o Oceano Atlântico passou a ser uma barreira geográfica significativa. Assim, toda esta biota passou por processos de especiação independentes nos dois novos continentes. 152

Como evidência disso, há diversos grupos de organismos da Região Neotropical que tem seus grupos-irmãos na África e vice-versa. Em 2004, Sanmartín e Ronquist publicaram um artigo onde utilizaram diversos grupos de plantas e animais para tratar das taxas de dispersão entre diferentes continentes oriundo da separação da Gondwana. Eles verificaram que mesmo depois da separação de África e América do Sul ocorrer, possivelmente existiu uma conexão entre a biota do nordeste da América do Sul e o noroeste da África. Os autores discutem a possibilidade de organismos destas biotas terem diferentes tempos de divergência entre aqueles africanos e sulamericanos. Assim, o surgimento do Oceano Atlântica para muitos grupos funcionou como uma barreira geográfica, enquanto para outros não. Além de explicar padrões de distribuição geográficas de grupos-irmão africanos e sulamericanos, este evento geológico trouxe outras influências para a diversidade que existe hoje na Região Neotropical. Desde a Gondwana até a completa separação da África, a América do Sul permaneceu sempre em uma posição equatorial no globo, conferindo a este continente uma maior estabilidade climática do que aqueles que estão distantes do equador. Esta estabilidade ocorre por conta da menor variação climática mais próxima desta latitude. Esta estabilidade climática junto com o fato da América do Sul ter ficado isolada dos outros continentes até sua conexão com a América do Norte após o fechamento do Istmo do Panamá (ver seção 7 abaixo), permitiram que linhagens distribuídas neste continente diversificassem isoladamente e com baixa taxa de extinção (devido a maior estabilidade climática). Esta explicação é conhecida como a hipótese da América do Sul como museu, que traz a ideia de que os grupos existentes na Região Neotropical diversificaram enquanto a aquele continente estava totalmente isolado do restante. Uma visão mais ecológica para esta concentração da biodiversidade na região seria a do conservantismo do nicho ancestral. De forma resumida, de acordo com esta hipótese, em consequência a estabilidade climática neotropical, principalmente da América do Sul, as linhagens neotropicais que tiveram ancestrais também nessa região apresentam maior diversificação, enquanto linhagens que estão em regiões temperadas com ancestrais neotropicais não apresentam alta diversificação. A ideia é de que as linhagens descendentes herdaram o nicho do ancestral e por isso acabam apresentando maior diversidade no nicho herdado (Box 1).

2. Sistema hidrológico Paleo-Orinoco Ao longo do Cenozóico, inúmeros eventos de mudanças hidrológicas ocorreram no Oeste da Região Neotropical. Estes eventos, os quais estão também associados às mudanças geológicas andinas, modificaram tanto a paisagem quanto a distribuição dos organismos desta região. Dois desses eventos de mudanças de sistemas hidrológicos são associados como cruciais para o surgimento

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da alta biodiversidade na Região Neotropical, o sistema Paleo-Orinoco e o sistema Pebas (Fig. 3A- B) (ver sobre o evento abaixo, no tópico 6).

O sistema Paleo-Orinoco esteve associado à Região Neotropical desde o Cretáceo (a partir de ~112 Ma) até o final do Oligoceno (~24 Ma). Durante esse período o sistema dominou a drenagem fluvial da região noroeste da América do Sul, sendo que a drenagem ocorria em direção à costa caribenha. Esse padrão hidrológico parece explicar a área de distribuição tanto para alguns grupos andinos quanto amazônicos. Neste sentido, este sistema hidrológico parece ter funcionado como uma barreira geográfica durante um longo período de tempo, o que pode ser um dos fatores que explicam

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a existências de diferentes grupos taxonômicos com maior diversidade centrada na Amazônia ou nos Andes.

3. Aquecimento global no Eoceno Fatores associados a mudanças do clima são muito utilizados para explicar a distribuição das espécies atualmente no espaço e a alta biodiversidade em decorrência da heterogeneidade de hábitats que variações do clima trazem. Para a Região Neotropical, mudanças climáticas parecem ter afetado a distribuição das espécies. Existiram algumas mudanças bruscas, principalmente de temperatura, ao longo do Cenozóico. Neste tópico tratamos de um evento mais antigo ocorrido durante o Eoceno (~50 Ma) (Fig. 4).

De acordo com registros fósseis de pólens do estudo de Jaramillo e colaboradores em 2006, existe uma correlação entre altas temperaturas no Eoceno com a uma alta diversidade de plantas naquele período na Região Neotropical. Além disso, também com dados palinológicos, Jaramillo e colaboradores (2010) verificaram que o máximo termal ocorrido entre o Paleoceno-Eoceno (~56 Ma) resultou no aumento do número de espécies de diversas famílias de plantas também no Neotrópico.

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4. Inclusões marinhas do Pacífico Desde o Eoceno até o Mioceno ocorreram diversas incursões marinhas do Oceano Pacífico em direção ao noroeste da América do Sul (Fig. 2B-C). Possivelmente estas incursões ocorreram através do chamado Portal do Oeste dos Andes – POA. Esta foi uma região que separava o Norte do Centro dos Andes até o Mioceno Médio (~12 Ma), quando ocorreu o soerguimento total das Cordilheiras ao leste da porção Central e Norte dos Andes, o que conectou permanentemente essas duas regiões através de montanhas. A existência do POA manteve linhagens norte e central-andinas separadas por um longo período de tempo, o que parece explicar a distribuição disjunta observada para diversos grupo de plantas andinas, como Campanulaceae, Passifloraceae e Alstromeriaceae, por exemplo. Isso parece estar associado a diversificações independentes desses táxons nas porções norte e central dos Andes após eventos esporádicos de dispersão. Após o surgimento da conexão entre as duas áreas, trocas bióticas foram possíveis, fazendo com que uma nova e específica biota de altitudes muito altas surgissem, como os Páramos, por exemplo.

5. A formação dos Andes A Cordilheira dos Andes é o mais extenso agrupamento de cadeias montanhosas do mundo. Ela se estende por toda a porção oeste da América do Sul, desde o norte da Venezuela até o extremo sul do Chile. A formação dos Andes como se conhece hoje iniciou-se há, no mínimo, 66 Ma, no início da Era Cenozóica, e continua até então. Continua, pois esses processos são lentos e graduais, ocorrendo de maneira desigual nas diferentes porções da América do Sul. Ao longo do tempo, diferentes cadeias de montanhas independentes foram surgindo independentemente ao norte, centro e sul do continente, na porção oeste do mesmo. Luebert e Weigend (2014) publicaram um trabalho de revisão que faz um apanhado de uma série de processos relacionados à diversificação vegetal na região Andina. Este trabalho e muitos outros indicam que as montanhas são importantes agentes vicariantes e que causaram a diversificação de muitas linhagens vegetais via especiação alopátrica (e.g. Pirie et al. (2006), para vários gêneros de Annonaceae; Särkinen et al. (2007) para Renealmia (Zingiberaceae); Lohmann et al. (2013), para várias Bignoniaceae que ocorrem na Bacia Amazônica e no leste da América do Sul), onde, por exemplo, certas linhagens permaneceram em um lado da cordilheira enquanto que outras permaneceram no outro. Por vezes, essa especiação ocorreu muito rapidamente, causando irradiação adaptativa (e.g. Hughes & Eastwood (2006), com Lupinus (Leguminosae), onde há indícios de formação de muitas espécies com menos de 7 Ma).

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Mesmo o gradiente altitudinal das montanhas pode ser um agente vicariante. Além de ser um gradiente altitudinal de diversidade, diferentes altitudes separam linhagens que toleram mais as condições climáticas de altitude das linhagens mais temperadas ou tropicais. Numa outra perspectiva, estudos também mostram a importância que os Andes possuem como corredor biológico para a dispersão a longa distância de algumas linhagens, que superaram barreiras de zonas mais áridas, como o Deserto do Atacama dispersando de montanha a montanha, fenômeno este denominado species pump (Box 3).

6. O Sistema Pebas e a formação da Bacia Amazônica A Amazônia é reconhecida por conter uma das maiores e mais diversas florestas tropicais do mundo, com estimativas de conter pelo menos 14 mil espécies só de plantas com semente. A orogênese dos Andes influenciou numa série de outros processos naturais que estavam acontecendo na região Neotropical, incluindo a mudança da drenagem da Bacia Amazônica e a dinâmica desta grande região (Fig. 2C-F). Até o Mioceno Médio, há cerca de 14 Ma, eventos sucessivos de incursões e transgressões marinhas mantinham um sistema hidrológico de bacias denominado Sistema Pebas, algo que acontecia paralelamente ao processo de formação da Cordilheira dos Andes. Este sistema foi alterado após a formação dos Andes, e a drenagem do Rio Amazonas, que era direcionada para o norte e oeste do continente sul-americano, foi, gradualmente, mudando para o leste, mantendo-se assim até então. A hipótese vigente era que a drenagem amazônica moderna teria se formado há cerca

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de 10 Ma. No entanto, com a obtenção de novos dados geológicos e biológicos, novas evidências mostram que muitas das espécies que ocorrem na Amazônia hoje são na verdade muito mais novas, com cerca de 2 a 2,5 Ma de idade, o que coincide justamente com as idades de formação dos rios provindas de novos estudos geológicos. Ou seja, as frequentes alterações na Bacia Amazônica e as incursões e transgressões do Sistema Pebas certamente alteraram bastante a dinâmica de distribuição da flora de maneira que eles podem ser vistos como agentes vicariantes, isto é, barreiras que separaram linhagens e promoveram especiação alopátrica, gerando parte da diversidade conhecida.

7. Formação do Istmo do Panamá Após cerca de 100 milhões de anos de isolamento da América do Norte e do Sul, o surgimento de uma estreita porção de terra, denominada Istmo do Panamá, passou a reconectar as Américas e a separar o Oceano Pacífico do Atlântico, há cerca de 2,8 milhões de anos (Fig. 4). Sendo este, um evento relevante para a compreensão da evolução da biodiversidade nas Américas e nos oceanos que as circundam. A evidência disponível sugere que muitas linhagens de plantas chegaram à América do Sul antes do fechamento final do Istmo. Segundo Iturralde-Vinent e MacPhee (1999), essas primeiras dispersões poderiam ter ocorrido através das proto-Grandes Antilhas (no Eoceno, há aproximadamente 50 Ma) e proto-ilhas ("ponte terrestre" Grandes Antilhas-Cordilheira de Aves ou GAARlandia, entre 33 e 35 Ma atrás). A conexão florística da América do Sul com os continentes da Laurásia foi finalmente completada com o fechamento do Istmo do Panamá, uma via terrestre entre a América Central, do Norte e do Sul. Sua formação possibilitou um extenso intercâmbio biótico, uma grande migração entre a biota das Américas, conhecida como Great American Biotic Interchange. As dispersões na América do Sul provavelmente produziram um aumento no número de espécies no continente, mesmo considerando a extinção causada pela competição entre a biota autóctone e a recém-chegada.

8. Flutuações climáticas do Pleistoceno As mudanças climáticas no planeta podem ter suas origens relacionadas a muitas causas, que foram organizadas por Nieuwolt e McGregor (1998) como causas externas, internas e relacionadas às atividades humanas (Fig. 4). As causas externas estariam associadas às mudanças na órbita do planeta em torno do Sol, alterando diretamente a incidência da radiação solar, e as causas internas representadas por mudanças na dinâmica dos oceanos, como movimento das correntes marítimas, temperatura e salinidade, do ar, como correntes e composição dos gases atmosféricos, e relevo, como movimentos de placas tectônicas e atividades vulcânicas.

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Durante a época do Pleistoceno há mais de dois milhões de anos, o clima da Terra passou por oscilações climáticas. Os episódios de temperaturas muito baixas, também chamados de glaciações do Quaternário, representam a característica mais marcante do período, em que os estágios de clima glacial e seco, e de clima quente e úmido, com amplitudes variadas, conferiram à climatologia da época um caráter oscilatório. Segundo Salgado-Labouriau (1994), ocorreram pelo menos dezesseis glaciações, das quais quatro a cinco foram identificadas geologicamente nos continentes. Estas mudanças climáticas nas zonas continentais tropicais influenciaram diretamente no tipo de vegetação e biomassa, e também a distribuição geográfica de plantas e animais no planeta. Uma interessante discussão, sobre a relação entre o paleoclima e a riqueza de espécies na região Neotropical, diz respeito à teoria dos refúgios para a Amazônia. Segundo esta teoria, a cobertura florestal da Amazônia mudou repetidamente em resposta às oscilações climáticas globais no Pleistoceno, sendo fragmentada em refúgios isolados durante períodos mais frios (secos) e expandida durante interglaciais mais quentes (mais úmidas) (Box 3). A teoria dos refúgios no Pleistoceno foi baseada na observação de que os principais centros de endemismo de aves no norte da América do Sul estão situados em zonas que atualmente possuem os maiores níveis de precipitação. A teoria foi inicialmente corroborada com o surgimento de padrões de distribuição similares em muitos táxons, incluindo plantas. Porém, posteriormente, algumas críticas surgiram, alegando que os centros de endemismo eram frequentemente artefatos de amostragem, enfatizando a falta de evidências da aridificação na Amazônia, e o fato da idade de muitos clados neotropicais preceder o início das glaciações do Pleistoceno.

Biogeografia e narrativa histórica Nos parágrafos precedentes vimos que a biogeografia explica a formação das biotas atuais a através de inferir hipóteses sobre como a configuração dos padrões de distribuição são consequência do efeito que eventos específicos no passado tiveram sobre os processos de especiação e difusão gradual no espaço geográfico. Essa forma de explicação, onde os eventos passados determinam o presente, é conhecida como narrativa histórica. A estrutura geral da narrativa histórica possui vários tipos de enunciados: premissas teóricas sobre as relações causais entre os fenômenos estudados, hipóteses auxiliares de outras disciplinas que complementam a explicação, hipóteses sobre eventos no passado, e enunciados descritivos deste fenômeno que se procura explicar. Em biogeografia, os elementos que compõem uma narrativa são: 1) uma representação das áreas de distribuição das espécies; 2) conhecimentos sobre as condições abióticas e as interações bióticas; 3) padrões de distribuição de espécies endêmicas e não endêmicas; 4) hipóteses filogenéticas; 5) hipóteses sobre os tempos de divergência das espécies; 6) hipóteses sobre eventos no passado (ex. geológicos,

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paleoecológicos e registro fóssil); 7) hipóteses sobre as datas dos eventos no passado; 8) hipóteses sobre a evolução de características adaptativas; 9) hipóteses sobre a localização de possíveis barreiras à dispersão; 10) conhecimento da heterogeneidade ambiental no espaço geográfico; 11) premissas teóricas que vinculam todos os elementos anteriores num marco explanatório, como a teoria da evolução e da tectônica de placas, modelos da relação entre o espaço, o tempo e a biologia (ex. vicariância, dispersão, ilhas, dinâmica de áreas e nicho), entre outros. O fator que permite organizar essas informações numa explicação coerente é o tempo. A correlação dos intervalos temporais entre diferentes eventos permite determinar os tipos de processos que poderiam ter acontecido. Por exemplo, discriminar entre a vicariância e a dispersão como possíveis explicações de um padrão de distribuição disjunto depende de saber qual é o grau de superposição dos tempos da cladogênese e de formação de uma barreira. Assim, se os tempos são coincidentes teríamos uma possível vicariância; se a cladogênese antecede a formação da barreira, a barreira não teria nenhum efeito; ou se a cladogênese segue a formação da barreira, teríamos uma possível dispersão a longa distância. Quando incluímos outras evidências como o registro fóssil e as reconstruções paleoclimáticas, os cenários se tornam mais complexos, podendo ser mais difícil discriminar entre os eventos É importante destacar que esse tipo de narrativa aplica principalmente à biogeografia de táxons individuais, sendo que sua aplicação à biogeografia de biotas implicaria necessariamente identificar padrões generalizados e associá-los a eventos de grande magnitude capazes de afetar vários táxons no mesmo ou em diferentes intervalos temporais. Dada a diversidade de fenômenos envolvidos, a biogeografia possui um programa de pesquisa sequencial e eclético metodologicamente, onde diferentes técnicas e métodos são vinculados. Estas técnicas e métodos abrangem desde a descrição das áreas de distribuição (ex. pontos de ocorrência, polígonos, grids e modelos de distribuição), passando pelo reconhecimento de padrões biogeográficos (ex. áreas de endemismo e traços em panbiogeografia), e terminando com a inclusão do tempo para reconstruir uma sequência de eventos no passado (ex. biogeografia cladística, de eventos e inclusão da geologia e paleoecologia). Deste modo, a biogeografia estuda o passado das biotas integrando múltiplas disciplinas científicas e técnicas de análise, sendo assim uma ciência histórica, interdisciplinar e sintética. A explicação por meio de narrativas históricas é característica de todas as ciências históricas (ex. sistemática filogenética e geologia) as quais se contrapõem às ciências experimentais (ex. biologia molecular e física), pois não podem realizar experimentos para replicar os eventos e corroborar as suas hipóteses. Não obstante, as hipóteses históricas recebem suporte, em maior ou menor grau, em concordância com a capacidade que as premissas, hipóteses auxiliares e observações que a compõem têm para explicar as observações. O suporte depende da validez e corroboração de

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todos e cada um desses elementos e da validez das conexões teóricas entre eles estabelecidas. Demonstrar que um desses elementos é falso, resta suporte à narrativa, ou hipótese, mas não a refuta definitivamente, pois pode ser que a falsidade depende de uma falsa conexão teórica ou de premissas falsas e implícitas a cada elemento. A eleição entre narrativas alternativas dependerá então de qual hipótese tem maior suporte e da identificação de evidências chave que permitam estabelecer que uma hipótese representa uma melhor explicação do que outra. Se um evento tivesse acontecido no passado, se esperaria que os efeitos por ele desencadeados gerassem rastros identificáveis no presente. Uma hipótese com alto poder explanatório seria aquela capaz de explicar a coincidência de múltiplas linhas de evidência como consequência de um evento específico no passado. Como exemplo, podemos citar a extinção dos dinossauros há 65 milhões de anos. Embora múltiplas hipóteses existam para explicar a sua extinção, desde eventos astronômicos até epidemias globais, a melhor explicação disponível é aquela do impacto de um meteorito. Se ela for certa, se esperaria desse grande impacto dois efeitos adicionais além da ausência de fósseis de dinossauros a partir de 65 milhões de anos: deveria existir uma cratera gigante cuja idade estivesse na mesma faixa temporal, e deveriam ser achadas mudanças na composição química dos solos dos estratos geológicos, tanto na cratera quanto a nível global, que fossem caracterizados pela presença de substâncias químicas comumente achadas em meteoritos ou pelo produto das altas temperatura após o impacto. Os achados da cratera Chibxulub no golfo de Yucatán no México e das altas concentrações de irídio nos estratos geológicos de 65 milhões de anos de idade ao redor do globo em correlação com a ausência dos fósseis de dinossauros a partir de 65 milhões de anos, mostrou que a hipótese do meteorito era capaz de integrar de maneira coerente diferentes observações numa única narrativa. O objetivo principal da biogeografia consiste em procurar explicações deste tipo a partir dos elementos que proveem a sistemática filogenética, a evolução, a ecologia, a geologia e a climatologia para entender a evolução espacial das biotas. Levar em consideração os princípios conceituais e metodológicos das diferentes ciências envolvidas e de vital importância para garantir a validez das inferências biogeográficas.

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Parte II

ESTRUTURA E DESENVOLVIMENTO

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CAPÍTULO 13

Bases de anatomia para compreensão de aspectos funcionais da madeira Milena de Godoy-Veiga (Universidade de São Paulo) Luiza Teixeira-Costa (Universidade de São Paulo)

1. Introdução Metade do carbono orgânico encontrado na biosfera está contido na forma de celulose, fazendo dela o composto orgânico mais abundante na terra. Mas onde está estocada esta grande quantia de biomassa? A celulose é um polímero de glicose que, em conjunto com outras moléculas não-celulósicas, compõem a parede das células vegetais. Essas células podem formar tecidos complexos, como o xilema secundário, popularmente conhecido por “madeira”, que é onde grande parte da celulose se encontra. Portanto, grande parte da biomassa terrestre está estocada na madeira das árvores. A madeira é um material complexo ao qual podem ser atribuídos diferentes significados de acordo com sua utilização. Quando utilizada por engenheiros ou artesãos, por exemplo, a madeira é vista como um material prático. Por outro lado, a madeira como um tecido vegetal também pode ser objeto de estudos estruturais, funcionais e evolutivos. Em uma perspectiva mais global, estudos de alguns aspectos da madeira podem também investigar consequências de ações humanas e das mudanças climáticas no planeta. E do ponto de vista da planta, como funciona esse tecido complexo? A madeira, ou xilema secundário, é produzida por um meristema secundário chamado de câmbio vascular. As células produzidas por este meristema compõem, além do xilema secundário, o floema secundário, que não será discutido neste capítulo. O xilema secundário desempenha várias funções, como armazenamento de reservas e sustentação de toda porção aérea fotossintetizante. Além disso, é através de células especializadas da madeira que é feito o transporte de água das raízes para as partes aéreas, bem como o transporte radial dos produtos da fotossíntese, da parte mais externa para a parte mais interna do órgão. Para que essas funções sejam estudadas, a madeira agora precisa ser vista pelos olhos de um anatomista. Vamos então estudar o câmbio vascular e as células produzidas no xilema secundário. Uma abordagem interessante é estudar estas células sob a perspectiva da anatomia funcional, que relaciona aspectos da condutividade hidráulica, como eficiência e segurança do sistema hidráulico, com características anatômicas das células, como diâmetro e comprimento. Esta abordagem também pode auxiliar no processo de aprendizagem, principalmente quando aplicadas em sequências didáticas investigativas. 168

2. Câmbio vascular O câmbio vascular é composto por uma única camada de células com paredes muito delgadas, protoplasto vivo e muitos vacúolos pequenos. Devido a semelhança anatômica entre essas células e suas derivadas diretas, é possível ver nessa região o que chamamos de zona cambial. As células iniciais do câmbio podem ser radiais ou fusiformes. As células iniciais fusiformes são longas e com terminação pontiaguda (em forma de fuso), e se diferenciam nos elementos com maior eixo no sentido de crescimento da planta, o sentido axial. Os tipos celulares diferenciados são as fibras, parênquima, elementos de vaso e/ou traqueídes. Já as células iniciais radiais são aproximadamente retangulares ou quadradas, e darão origem às células parenquimáticas que compõem os raios xilemáticos. A partir da divisão de uma célula inicial do câmbio temos duas células filhas, sendo que uma delas permanece indiferenciada, ou seja, manterá suas características anatômicas e funcionais, além de seu potencial meristemático. Por outro lado, a outra célula filha passará por diversos processos que levarão a sua diferenciação celular em um dos elementos do xilema secundário citados acima. A divisão das células iniciais pode ser de dois principais tipos. i) Divisão periclinal: O plano de divisão é paralelo a superfície do órgão. Para visualizar, imagine dois círculos: o mais interno representa o plano de divisão periclinal. É assim que as células iniciais fusiformes e radiais se dividem e proporcionam um aumento em espessura ao órgão. ii) Divisão anticlinal: O plano de divisão é perpendicular a superfície do órgão. Novamente visualize o círculo: conforme o diâmetro aumenta, o perímetro também aumenta. As células iniciais do câmbio se dividem anticlinalmente para manter a continuidade do câmbio (aumento do perímetro) conforme o órgão aumenta em espessura. Adicionalmente, novas iniciais radiais podem ser formadas a partir de divisões celulares assimétricas em iniciais fusiformes curtas. Desta forma, a proporção de iniciais fusiformes e radiais é mantida ao longo de toda a circunferência, resultando em um padrão anatômico constante, assim permitindo a identificação de espécies com base na anatomia da madeira que formam. Do ponto de vista da planta, a manutenção da proporção entre os dois tipos de iniciais é de vital importância devido à condução promovida pelo raio.

3. Tipos celulares A seguir as células produzidas pela divisão e diferenciação das células iniciais radiais e iniciais fusiformes do câmbio vascular terão sua anatomia descrita. Os esquemas das células, desde as iniciais cambiais, os planos de divisão e seus produtos podem ser vistos na Figura 1.

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Figura 1. Esquemas dos planos de divisão e dos tipos celulares presentes no câmbio vascular e no xilema secundário. A) Circunferência externa representando a superfície do órgão, com linhas azuis indicando os planos de divisão celular. Na divisão anticlinal o plano é paralelo à superfície do órgão, enquanto que na divisão periclinal ele é perpendicular. B) Dois tipos celulares presentes no câmbio vistas em corte longitudinal tangencial: as iniciais fusiformes, que darão origem aos elementos do eixo vertical da planta; e as iniciais radiais, responsáveis por formar as células dispostas no eixo horizontal. C) Tipos celulares presentes no xilema secundário. Na parte superior são mostradas as células que se diferenciaram a partir de iniciais fusiformes (fibras, traqueídes, elementos de vaso e parênquima axial vistas em corte longitudinal tangencial). Na parte inferior vemos as células originadas das iniciais radiais (parênquima radial), sendo que do lado esquerdo o raio está sendo visualizado em corte longitudinal radial e do lado direito, em corte longitudinal tangencial.

3.1. Elementos de vaso e traqueídes Estas são as principais células condutoras do xilema secundário no sentido axial (sentido de crescimento da planta). Além da parede primária, essas células também depositam grande quantidade de parede secundária, podendo ser muito espessas (Fig. 1c). Ao final do processo de diferenciação celular essas células sofrem apoptose, ou seja, morte celular programada, não apresentando protoplasto vivo na maturidade. A grande maioria das “gimnospermas” possuem apenas traqueídes como elementos condutores, enquanto nas angiospermas o que predomina são os elementos de vaso. As diferenças anatômicas entre esses dois tipos celulares implicam em diferenças funcionais que podem ser associadas a aspectos evolutivos das plantas terrestres. Dentre as diferenças, podemos citar, especialmente, a comunicação entre dois elementos condutores consecutivos. As traqueídes são células longas, finas e com terminação imperfurada, de modo que a comunicação entre duas traqueídes consecutivas é feita pelas pontoações areoladas localizadas na parede lateral dessas células. Por outro lado, os elementos de vaso são células com menor comprimento no sentido axial e 170

maior diâmetro em relação às traqueídes. Em sua extremidade temos as chamadas placas de perfuração, por onde grande parte da água conduzida pelo xilema passa. Nas paredes laterais também são encontradas pontoações. As principais diferenças entre os elementos de vaso e traqueídes podem ser vistas na Tabela 1.

Tabela 1. Principais diferenças entre os dois tipos de elementos condutores encontrados no xilema secundário das plantas terrestres.

Características da célula Traqueíde Elemento de vaso

Extremidade Imperfurada Placa de perfuração

Comprimento Longa Curta

Diâmetro Pequeno Grande

3.2. Parênquima axial e radial As células parenquimáticas do xilema secundário possuem parede primária e secundária, algumas podendo ser muito espessas e, frequentemente, lignificadas. As pontoações são majoritariamente simples, mas também podem ser areoladas. Como o protoplasto destas células é vivo na maturidade, as células parenquimáticas podem realizar funções de armazenamento de reservas energéticas, controle osmótico e regulação de embolismos nos elementos condutores. A produção de parênquima axial pode variar consideravelmente entre as diferentes espécies vegetais capazes de formar madeira. Tais variações são relacionadas não apenas à quantidade de parênquima axial produzido, como também aos padrões gerados. A Figura 2 traz esquemas de alguns dos diferentes padrões, que são de grande utilidade para a identificação de espécies vegetais com base em anatomia da madeira, além de apresentarem grande importância para a funcionalidade da condução de seiva xilemática.

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Figura 2. Esquemas de alguns padrões de parênquima axial. Em azul estão representadas as células do parênquima axial e as linhas verticais representam os raios. Nos padrões aliforme e confluente temos parênquima ao lado dos vasos (paratraqueal). Os padrões em linhas ou faixas, como o representado no marginal, escalariforme e reticulado podem ou não estar associados aos vasos. O padrão difuso é chamado de apotraqueal, já que não faz contato direto com os vasos.

Uma das principais diferenças do xilema secundário em relação ao primário é que ele contém células transportando substâncias no sentido radial, além do axial. O transporte radial de substâncias é feito pelos raios, compostos principalmente por células parenquimáticas que podem ser quadradas, eretas ou procumbentes. Já as células parenquimáticas dispostas no sentido axial podem ser fusiformes, ou sofrer divisões e formar cadeias radiais.

3.3. Fibras A principal função das fibras é a sustentação do órgão. Trata-se de células alongadas, finas e com final imperfurado. Assim como os elementos de vaso e traqueídes, elas possuem parede primária e parede secundária muito espessas. As fibras podem apresentar pontoações areoladas ou simples em suas paredes laterais. Entretanto, nem todas as fibras sofrem apoptose, em algumas espécies temos fibras septadas com protoplasto vivo, também desempenhando um papel de armazenamento. A presença de fibras septadas é bastante comum em espécies com pouco ou nenhum parênquima axial.

4. Conclusões A madeira é um material abundante, com diferentes funções e aplicações. Essa complexidade 172

fica evidente quando analisamos e descrevemos os componentes celulares presentes neste tecido vegetal. Para desempenhar variadas funções na planta, as células possuem algumas especializações e especificidades anatômicas. As paredes espessas para sustentação, protoplasto vivo para manutenção e regulação das células adjacentes e, em outros casos, a ausência do protoplasto para facilitar o transporte de água, são alguns exemplos de especializações anatômicas associadas a funções desempenhadas por este tecido. Um conhecimento dessa grande diversidade anatômica permite sua análise dentro de um contexto evolutivo e sua aplicação em diversas áreas dentro da biologia, como sistemática, taxonomia, anatomia, ecologia e engenharia florestal.

5. Para saber mais Universidade Virtual do Estado de São Paulo (Univesp). Disciplina: Morfologia Vegetal. Aula 14: Câmbio e Crescimento Secundário: https://www.youtube.com/watch?v=8dDEv_wJ_98

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CAPÍTULO 14

Estruturas secretoras Gisele Alves (Universidade de São Paulo) Ellenhise Ribeiro Costa (Universidade de São Paulo) Erika Prado (Universidade de São Paulo) Maria Camila Medina Montes (Universidade de São Paulo) Mariana Maciel Monteiro (Universidade de São Paulo) Natalie do Valle Capelli (Universidade de São Paulo) Rebeca Laino Gama (Universidade de São Paulo)

Introdução O processo de secreção nas plantas se dá através de células secretoras que apresentam como características principais uma parede primária delgada e citoplasma com numerosos vacúolos, características que indicam uma célula em intensa atividade. As células secretoras podem estar individualizadas, como os idioblastos, ou formando estruturas multicelulares como tricomas, ductos, canais, cavidades etc. Mas afinal, o que essas células secretam? Qual a sua função e importância para a planta? A secreção nas plantas envolve processos de formação e isolamento de substâncias e posterior liberação das mesmas, seja nos espaços extracelulares no interior dos órgãos ou para o exterior do corpo vegetal. As substâncias secretadas, também chamadas de exsudato, apresentam uma composição química bem variável e complexa, podendo ser provenientes do metabolismo primário da planta, que são substâncias estocadas e que podem ser remobilizadas, (como por exemplo, amido, corpos protéicos, ácidos graxos e hormônios) além de compostos provenientes do metabolismo secundário da planta (como por exemplo, terpenos, alcaloides, cristais de oxalato de cálcio, mucilagem, néctar, resinas e soluções salinas) que não são mais usados como fonte de energia para o vegetal, mas apresentam um importante valor na adaptação dessas plantas no ambiente em que se encontram, auxiliando a proteção e polinização das espécies. Existem diferentes formas de liberação do material secretado para fora do protoplasto da célula secretora (Figura 1), podendo este ser liberado devido à desintegração da célula (secreção holócrina) ou o protoplasto pode permanece inalterado (secreção merócrina). As estruturas secretoras são bem variáveis, diferindo em estrutura, posição e material secretado, podendo ser encontradas em órgãos vegetativos e reprodutivo das Angiospermas. O mesmo tipo de estrutura secretora pode estar presente em um órgão vegetal específico ou distribuída 175

em diferentes partes da planta. Elas apresentam uma especificidade na sua atividade secretora de acordo com a substância predominante no material que secreta, que está relacionado intimamente com a sua associação com a polinização das espécies (glândulas nupciais), assim como na proteção e defesa contra herbivoria e micro-organismos (glândulas protetoras).

Hidropótios Estruturas uni ou multicelulares, podem ser consideradas formas especiais de tricomas encontrados nas partes submersas de folhas aquáticas. Apresentam importante papel no transporte de água e sais minerais, e sua cutícula é permeável à água e nutrientes salinos.

Hidatódios Estruturas encontradas nas margens foliares (denteações, crenações) cuja principal função é a secreção por um processo denominado gutação (líquido cuja composição é muito varável). Este líquido se acumula nas margens foliares, eliminando desde água a soluções diluídas de solutos orgânicos e inorgânicos na forma de íons. Este processo ocorre quando a umidade local está baixa, ou quando existe uma baixa taxa de transpiração no ambiente.

Glândulas de Sal São basicamente tricomas que evitam o acúmulo de sal em plantas adaptadas a viverem no mar ou próximo a ele (halófitas). As glândulas de sal secretam o excesso de íons minerais nos tecidos de algumas espécies halócrinas, como a Laguncularia racemosa (L.) C.F. Gaertn. (espécie de manguezal) a fim de evitar que cheguem a um nível nocivo à planta. Segundo Castro & Machado (2006) estas soluções salinas podem ser secretadas por dois tipos de tricomas: glândulas holócrinas (células secretoras morrem pelo nível elevado destes íons em seus vacúolos) ou permanecem vivas pela liberação destes íons através do protoplasto da célula secretora por microvesículas (em um processo de exocitose) e da cutícula para o exterior via microporos, resultando em cristais de sal pelo corpo da planta.

Glândulas digestivas Estruturas presentes em plantas carnívoras, as glândulas digestivas liberam lipases, fosfatases, peroxidases, amilases, entre outras. Através de seu dispositivo de atração, estas plantas capturam suas presas e as células destas glândulas secretam as enzimas (que podem também reabsorver o produto do material digerido, reintegrando-o ao metabolismo da planta) e as digerem.

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Tricomas urticantes As estruturas secretoras relacionadas com a defesa nas plantas têm sido objeto de estudo durante décadas. De fato, Robert Hooke em 1665 foi o primeiro em descrevê-las. A relação das plantas com alguns animais, principalmente insetos, tem se estabelecido através dessas estruturas. Nesse sentido, os tricomas urticantes possuem um papel importante na defesa das plantas em que se desenvolvem. Estas estruturas estão presentes só em 4 famílias de plantas vasculares: Euphorbiaceae, Hydrophyllaceae, Loasaceae e Urticaceae. Urticaceae é a família mais estudada em termos de tricomas urticantes. Dependendo da família, a morfologia dos tricomas urticantes e o tipo de secreção podem variar. Neste capítulo abordaremos alguns deles. No geral, os tricomas urticantes, são células alongadas com o ápice agudo e mais estreitas logo abaixo do ápice. A base bulbosa está incorporada num pedestal de revestimento multicelular. Quando a ponta do tricoma urticante entra em contato com a pele, ela se rompe, convertendo-se em uma agulha em miniatura, que penetra na pele injetando o conteúdo. Além da forma de agulha que obtém o tricoma, um cristal de sílica está presente na região subapical de alguns dos tipos, o que potencializa a penetração na pele. Na maioria dos casos esse conteúdo cria uma reação alérgica na pele, que pode ser grave em alguns casos. Morfologicamente existem dois tipos representativos de tricomas urticantes. A maior parte das espécies são semelhantes ao tipo 1 (Urtica) e menor quantidade são semelhantes ao tipo 2 (Tragia). Tricomas urticantes do tipo 1: Geralmente possuem 6 regiões (Figura 1): 1. Ponta, 2. Pescoço, 3. Eixo, 4. Base bulbosa e 5. Pedestal multicelular. Na ponta e no pescoço, estão presentes corpos de sílica que fazem parte do mecanismo de defesa e ajuda a perfurar a pele.

Figura 1. Célula urticante do tipo 1 com as suas diferentes regiões. Modificado de Thurston (1969).

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Tricomas urticantes do tipo 2 (Figura 2): O tricoma do tipo 1 consiste de 4 células: 3 células laterais e uma célula urticante central que é mais alongada quando comparada com as laterais. Este tipo não apresenta um pedestal multicelular, mas as células epidérmicas elevam o tricoma urticante levemente em relação à superfície da planta. A ponta é acuminada, não apresentando o bulbo característico no tipo 1. Neste tipo de tricoma está presente um, ou em alguns casos, até dois cristais de oxalato de cálcio, localizados na região apical da célula urticante.

Figura 2. Tricoma urticante do tipo 2 baseado no gênero Tragia. Modificado de Thurston (1976).

De maneira geral os tricomas urticantes emergem no meristema apical, e inicia com uma protrusão de uma única célula protodérmica. Nesse momento começa o alongamento, logo após o momento que inicia a formação do pedestal. As células epidérmicas adjacentes apresentam várias divisões anticlinais e logo periclinais. Na camada subepidérmica, ocorrem algumas divisões periclinais para a formação da columela central do pedestal maturo. As divisões celulares tanto na camada epidérmica como a subepidérmica são as que dão origem ao pedestal maturo. Essas estruturas tem um papel importante na defesa das plantas que as possuem. Alguns estudos feitos para provar essa característica de defesa, mostraram que alguns animais preferem se alimentar de plantas que apresentam menos quantidade ou que não apresentam tricomas urticantes. Os padrões de danos observados no pasto e observações no comportamento de alguns herbívoros, demostraram que os

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tricomas urticantes atuam como um impedimento no consumo de grandes quantidades de matéria vegetal.

Nectários Nectários são glândulas secretoras de néctar. Esse conceito esta relacionado com a função exercida por essa estrutura, portanto trata-se de um conceito funcional. Ocorrem em todos os órgãos (vegetativos e reprodutivos) da planta, com exceção da raiz. Os nectários podem ser classificados de acordo com a posição que ocupam no corpo da planta, com a função que exercem e/ou pela estrutura que apresentam. ● Posição o Floral: Ocorrem em alguma parte da flor (cálice, corola, androceu, gineceu, tépala, hipanto, etc. Figuras 3 e 4). o Extra-floral: Ocorrem em qualquer outra parte da planta, que não na flor (caule, folha, estípula, pedicelo, bráctea, bractéola, eixo da inflorescência, etc. Figura5). ● Função o Nupcial: relacionados à polinização o Extranupcial: não relacionados à polinização.

Figura 3. Flor de Thunbergia sp., com pétalas cortadas para mostrar seu interior. (N) nectário; (S) sépala.

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Figura 4. Flor de Thunbergia sp., com parte das pétalas cortadas para mostrar seu interior. (P) pétala; (G) gineceu; (N) nectário; (E) estigma. 180

Figura 5. Ramo de Chamaechrista burchelli (Benth.) H.S. Irwin & Barneby. Nectário extra-floral (seta), onde é possível observar uma gota de néctar (Foto cedida por Dra. Juliana Gastadello Rando).

Geralmente os nectários florais são também nupciais, mas há exceções, como os nectários florais de Ipomoea (Convolvulaceae), que apresentaram o papel de defesa (extranupciais) ao atrair formigas agressivas que protegem a planta contra herbivoria. O inverso também ocorre, como em Acacia terminalis (Salisb.) J.F. Macbr., onde os nectários extraflorais são visitados por pássaros, que ao esbarrarem seu corpo nas flores atuam como polinizadores, assim como ocorre em algumas espécies do gênero onde a coleta do néctar do ciátio, envolve a polinização. ● Estrutura Neste tipo que classificação, ainda não há um consenso sobre a forma como classificar os nectários. Há autores que classificam de acordo com o formato apresentado pelo nectário, outros de acordo com o que a morfologia encontrada num grupo específico de plantas, outros pela sua estrutura histológica, etc. A seguir apresentamos a classificação de acordo com a histologia, que apresentam menos variáveis do que as demais classificações:

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o Nectário epidérmico: as células da epiderme secretam o néctar sem a participação de nenhum tecido subepidérmico. o Tricomas: região especifica formada por tricomas que secretam néctar. o Parenquimatoso: constituído de parênquima produtor de néctar e esse é liberado nos espaços intercelulares e sai do tecido via estômatos, já que a epiderme não é especializada para secretar o néctar (Figura 6). o Emergência: estrutura formada a partir da protoderme e meristema fundamental, onde as células apresentam a mesma aparência e aspecto da epiderme e o néctar é liberado por poros, pelo rompimento da cutícula ou por ela ser permeável a secreção (Figura 7). O néctar é um líquido composto por açúcares (glicose, frutose, sacarose e outros), água, lipídios, aminoácidos, íons terpenoides e proteínas (Figura 5). Ele é produzido para ser oferecido aos polinizadores como fontes de energia e em alguns casos como proteção contra micro-organismos devido a sua composição (exemplo: Nicotiana langsdorffii Weinm. Ex Roem. & Schult).

Figura 6. Corte anatômico transversal de Trichilia claussenii C. DC., mostrando nectário parenquimatoso com presença de estômatos (seta) por onde sai a secreção.

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Figura 7. Corte anatômico transversal de Pleutostima sp., mostrando nectário presente nos septos dos ovários.

A planta controla sua produção e dependendo do grupo de polinizadores, a concentração, a composição química, bem como a quantidade de néctar produzido, que varia já que elas são adaptadas ao tipo de polinizador, por exemplo: borboletas, beija-flores e abelhas preferem néctar mais concentrados em sacarose, já insetos preferem néctar que apresentem mais aminoácidos em relação à preferência dos vertebrados. Essa variação na concentração de açúcares tem relação também com a constituição da vascularização do nectário. O sistema vascular que apresenta mais floema possui um néctar com alto teor de açúcar, já se apresentar mais xilema, o teor de açúcar apresenta-se menos concentrado. Além disso, a planta controla também como será distribuído esse néctar entre as suas flores, uma vez que se o polinizador encontrar grandes quantidades de néctar em flores próximas não irá se mover para longe, se restringindo a uma pequena área de cobertura. Entretanto, se encontrar flores com pouco néctar vai evitar flores vizinhas, aumentando sua área de cobertura.

Ductos e Cavidades Ductos e cavidades são estruturas secretoras internas que liberam o material secretado em um espaço interno (lume) que é isodiamétrico nas cavidades e alongado em um único plano nos ductos. Nestas estruturas, as células secretoras que delimitam o lume são designadas células epiteliais. As células secretoras apresentam características próprias. Ultra estruturalmente, as células secretoras possuem protuberâncias de parede celular para o interior do lume das células (projeções 183

labirínticas), aumento de superfície da membrana celular (que favorece a translocação de materiais a curtas distâncias), plasmodesmos em grande número (permitindo o transporte de materiais via simplasto), mitocôndrias em grande quantidade com cristas bem desenvolvidas (a atuação dessa organela garante o suprimento energético necessário para a realização dos processos metabólicos), pequenas vesículas de origens diversas, mais numerosas na fase secretora de células que se caracterizam por processo de exocitose. Os ductos bem como as cavidades secretoras podem ser formados por dois meios distintos: lisígeno ou esquizógeno, mas, em muitos casos, podem ser formados pela combinação de ambos. O processo lisígeno ocorre quando há autólise das células iniciais dos ductos e cavidades para a formação do lume. A formação esquizógena envolve a separação das células iniciais do ducto e cavidade através da dissolução da lamela média e expansão polarizada criando o lume. Os processos lisígeno e esquizógeno podem também se combinar para a formação do lume, em um processo denominado esquizolisígeno, na qual a formação dessas estruturas secretoras inicia-se pela autólise de uma ou mais células e, depois, ocorre o afastamento entre as células iniciais restantes ampliando o lume. Os diferentes tipos de formação de ductos e cavidades secretoras causam dúvidas e controvérsias desde os primeiros trabalhos publicados na tentativa de elucidar esse assunto. Ainda hoje há muita divergência quanto à origem dessas estruturas, como foi registrado para Rutaceae, tendo sido descritas como esquizógena, lisígenas ou esquizolisígenas por diferentes autores. A exemplo do exposto anteriormente, um estudo com espécies de Citrus limon (L.) Osbeck mostrou que as paredes delgadas do tecido secretor são muito sensíveis ao potencial osmótico dos fixadores. Enquanto as células dos tecidos vizinhos que são delimitadas por paredes mais rígidas geralmente aparecem íntegras, invariavelmente as células do epitélio secretor inchavam e colapsavam, dando uma falsa impressão de que as glândulas de Citrus tinham desenvolvimento lisígeno quando, na verdade, o desenvolvimento é esquizógeno. Trabalhos semelhantes foram realizados para verificar o tipo de desenvolvimento das cavidades secretoras em espécies de Eucalyptus que, a princípio foi descrito como lisígeno, mas estudos com técnicas mais adequadas mostraram que o desenvolvimento das cavidades secretoras desse gênero é, na verdade, esquizógeno. Uma das técnicas mais utilizadas para identificar o modo de formação das estruturas secretoras em geral é o estudo do desenvolvimento ou ontogênese e análises ultraestruturais que em conjunto, fornecem dados sólidos a respeito do modo de formação, liberação da secreção, alterações de parede, bem como as organelas mais abundantes nas células secretoras. As estruturas secretoras das plantas produzem a maioria dos produtos naturais utilizados pelo homem há muitos anos. As substâncias secretadas pelas plantas podem ter origem do metabolismo

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primário ou secundário. O exsudato pode ter uma composição química mista (como é o caso da goma- resina), ou pode haver uma predominância de um composto ou grupo de compostos, o que sugere especificidade na atividade das células secretoras. Estas células podem secretar substâncias de natureza predominantemente hidrofílica (mucilagem e goma) ou predominantemente lipofílica (terpenos, agliconas, flavonoides, ceras, etc). Esses compostos podem ser identificados por meio de investigações fitoquímicas que tem por objetivo conhecer os constituintes químicos das espécies vegetais ou avaliar a sua presença por meio de técnicas de extração adequadas para cada tipo de substâncias que se pretende extrair. No âmbito da anatomia vegetal, as principais classes de compostos que constituem os secretados podem ser localizados in situ por meio de análises histoquímicas. Geralmente essa técnica é a mais utilizada para se identificar a composição química do material produzido pelas estruturas secretoras. A histoquímica é uma abordagem metodológica que permite a análise química de células e tecidos por meio da utilização de reagentes e corantes que podem ser específicos ou não. Mas é importante ressaltar que estruturas secretoras como ductos e cavidades podem secretar um grande número de metabólitos diferentes e simultaneamente. Nesse contexto, todos os testes histoquímicos devem ser realizados para se obter uma análise adequada e um resultado confiável. As células ao redor do lume, tanto dos ductos quanto das cavidades, são altamente especializadas em secreção, devido à intensa atividade e grande quantidade de organelas como retículo endoplasmático rugoso (RER), ribossomos, mitocôndrias, plastídios e dictiossomos. As células que secretam material de natureza predominantemente hidrofílica apresentam proliferação de retículo endoplasmático e microvesículas, dictiossomos ativos e mitocôndrias em grande número na fase secretora. As células que secretam material de natureza lipofílica apresentam retículo endoplasmático liso ou rugoso bem desenvolvido, leucoplastos, além de outros compartimentos sugeridos como possíveis locais de biossíntese e de transporte de material lipofílico, como as mitocôndrias e dictiossomos. Portanto, entendemos que a secreção em si é um fenômeno complexo de separação ou isolamento de certas substâncias pelo protoplasto, podendo incluir processos de síntese, acúmulo em determinados compartimentos intracelulares assim como liberação ou eliminação para dentro de espaços internos próximos ou, então para fora da superfície da planta.

Laticíferos – Estruturas secretoras de defesa Laticífero designa uma célula especializada ou uma fileira destas contendo látex. Sendo considerado todo o protoplasto celular, uma vez que ocorre injúria, a planta libera todo o seu conteúdo vacuolar e organelas. A identificação adotada é de Bary (1877), no qual classifica os laticíferos em dois tipos: articulados e não articulados.

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Laticíferos articulados são formados por fileiras de células nas quais suas paredes podem permanecer intactas (denominados não anastomosados) ou com células que podem dissolver integral ou parcialmente suas paredes terminais e/ou laterais (denominados anastomosados). Laticíferos não articulados são células individuais no quais estas podem se ramificar ou não. Segundo Mahlberg (1993), possuem crescimento autônomo intrusivo apical através de espaços intercelulares em diversos tecidos, através de divisão cenocítica sem cariocinese, formando células longas multinucleadas. Com seu rápido desenvolvimento em tecidos meristemáticos, os laticíferos articulados podem assemelhar- se com laticíferos não articulados ramificados, gerando assim uma imprecisão no tipo de classificação. Os laticíferos podem ser visualizados desde as porções mais jovens da planta, sendo encontrado em todos os tecidos, tendendo a estarem associados com o tecido vascular e apresentarem apenas a parede primária e ausência de plasmodesmas, possuindo assim transporte de nutrientes por via apoplástica. O látex é uma emulsão complexa, com predominância de terpenos, além de alcaloides, hidrocarboneto poliisoprênico, ácidos graxos, fitoesteróis, proteínas, cardenólides, grãos de amido entre outros. Devido a essa complexidade de compostos, a sua coloração varia de espécie para espécie, tendo como cor predominante branco leitosa em Asclepias, Euphorbia e Ficus. Entretanto, pode-se observar a coloração amarelada em Cannabis, laranja, esverdeado e até mesmo incolor. Outro fator que gera discordância é a classificação errônea por coloração do exudato, levando alguns taxonomistas a definir como látex um exudato de cor leitosa, podendo assim ser canais resiníferos. Para classificação correta é necessário realizar ontogenia a fim de verificar a formação do tecido. A distribuição de plantas latescentes é predominante em regiões tropicais, onde também se verifica uma maior incidência de herbivoria. Sendo assim, é possível assumir que estas plantas apresentam vantagem em relação as não latescentes, uma vez que a função do látex é principalmente de defesa, protegendo assim contra fitófagos e microorganismos. Além disso, possuem propriedades de selar ferimentos uma vez que em contato com o oxigênio, suas moléculas polimerizam e aprisionam seus predadores. Os laticíferos são presentes em 40 famílias não relacionadas filogeneticamente entre si, sugerindo uma possível origem polifilética. Utilizado como característica taxonômica auxilia na delimitação de táxons e na interpretação da história evolutiva de alguns grupos. São datados fósseis com a presença dessas estruturas desde o período Eoceno, com o gênero Regnellidium pertencente à família Marsileaceae (samambaia). Há presença dos laticíferos a partir da

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família Nymphaea das Angiospermas a partir do Cretáceo. Observa-se também em Gnetales no gênero Gnetum.

Osmóforos Também conhecidos como glândulas de odor, podem estar presentes em qualquer órgão floral (exceto no gineceu) ou mesmo extrafloral, ocorrendo em diversas famílias de plantas. Nas Orchidaceae estão localizadas no labelo; em Apocynaceae podem ser encontradas na face adaxial das pétalas. Estas glândulas podem ter anatomia variada; quando nas pétalas, podem ser compostos por somente epiderme, ou epiderme mais parênquima, ou somente parênquima; produzem e liberam compostos voláteis, de composição variável, que funcionam como atrativo de longo alcance para polinizadores, e este pode ser o único recurso disponível na planta. Nas glândulas de odor, as substâncias produzidas a partir do metabolismo secundário da planta estão presentes nos quatro grandes grupos de compostos (nitrogenados, fenólicos, terpenoides e ácidos graxos). O odor liberado pode ser atraente ou mesmo repelente e nem sempre os compostos voláteis presentes em maior quantidade são os que estão atraindo o polinizador, uma vez que alguns compostos voláteis em pequena quantidade podem atrair polinizadores mais específicos. Existem outras características que podem estar agindo em conjunto com o tipo de odor exalado. Entre os principais atrativos florais está a cor, que está relacionada com a atração visual e o odor, sendo que aparentemente o olfato dos insetos é muito mais acurado que a visão. Em espécies de Ceropegieae (tribo de Apocynaceae), por exemplo, nas pétalas marrom escuro, avermelhadas ou amareladas o odor liberado é desagradável, se assemelhando ao de matéria orgânica em decomposição, enquanto que em Ditassa gracilis Hand. Mazz. (Apocynaceae) que possui flores de corola branca com aroma agradável, semelhante a algo adocicado. Plantas com aromas florais podem apresentar diferentes síndromes de polinização dentro de um mesmo grupo ou então estarem relacionadas a um tipo principal de síndrome. Estudos que abordam estas relações são bastante informativos, fornecendo excelentes oportunidades para determinar se as mudanças nos polinizadores estão correlacionadas a mudanças paralelas na química de aromas florais (coevolução). As similaridades entre atraentes visuais e a composição química do odor floral (independente da relação filogenética entre as espécies de plantas comparadas) podem sugerir que estas tenham um mesmo grupo de polinizadores.

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A B

Figura 8. Corte anatômico transversal de Ditassa gracilis Hand.Mazz. e Tabernaemontana catharinensis A. DC., mostrando osmóforo presente na face adaxial da pétala de cada espécie respectivamente. Camada de células epidérmicas mais duas a três camadas de células subepidérmicas.

Estruturas secretoras e seu papel na circunscrição de grupos A utilização de estruturas secretoras como caracteres de identificação de táxons ocorre em muitos grupos de plantas. A correta identificação destas estruturas, bem como o mapeamento de sua presença em táxons é de grande importância, uma vez que a análise macromorfológica, muito utilizada por taxonomistas e sistematas, pode ocorrer de forma equivocada. Por exemplo, quando um pesquisador estuda determinado gênero e analisa suas folhas, busca caracteres que os táxons possam ter em comum; ao encontrar tricomas glandulares, que provavelmente secretam determinado tipo de exsudato, os classifica por sua forma. Entretanto, se realizar uma análise anatômica poderá determinar melhor o tipo de tricoma secretor, e até mesmo encontrar mais de um morfotipo, aprimorando assim sua análise de classificação para aquele grupo, que pode ter uma distribuição de tricomas glandulares que variam de acordo com as espécies. Na literatura, alguns grupos possuem como principal caráter diagnóstico o tipo de estrutura secretora. Um ótimo exemplo são as pontoações translúcidas de Rutaceae. Estas estruturas nada mais são do que glândulas que secretam óleos e são caracteres diagnósticos para a toda a família, pois são facilmente visualizadas em campo (basta colocar as folhas contra a luz que podemos vê-las sem grandes dificuldades). Além da caracterização macromorfológica, podemos citar também trabalhos que busquem análises anatômicas de estruturas secretoras para subsidiar a classificação de grupos taxonômicos, como o trabalho de Castro et al. (1997), cujo enfoque foi o estudo de ductos, cavidades, hidatódios, idioblastos, tricomas, apêndices glandulares e nectários extraflorais (estruturas relatadas para a família Asteraceae). Os autores puderam elaborar uma chave de identificação para alguns gêneros do cerrado baseada nas estruturas secretoras encontradas nos táxons analisados. Este tipo de análise anatômica em uníssono com outras áreas vem ganhando força no último século. Aos poucos, a linha de pesquisa estrutural vem ganhando espaço para atuar como área 188

complementar na pesquisa de classificação e evolução das plantas. Os estudos filogenéticos têm trazido grandes avanços nas relações entre plantas em todos os níveis hierárquicos, mas uma circunscrição baseada apenas em caracteres moleculares podem apresentar algumas posições não tão bem resolvidas nas classificações. Segundo Endress & Mattews (2006), estas relações podem sofrer uma mudança considerável em contraste com adições de dados estruturais e estudos desta natureza são cada vez mais importantes para nossa jornada na pesquisa botânica como um todo.

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CAPÍTULO 15

Interação planta-animal: uma pequena abordagem sobre os mecanismos por detrás dos mutualismos Lorena Bueno Valadão Mendes (Universidade Estadual de São Paulo) Pâmela Tavares da Silva (Universidade de São Paulo)

Apesar de grande riqueza de informações disponíveis à cerca das interações mutualistas, o mutualismo não era um conceito acentuado em ecologia ou biologia evolutiva durante a maior parte do século XX. Os biólogos estavam preocupados, principalmente, com estudos genéticos e pouca atenção era dada a qualquer forma de interação interespecífica. No entanto, os poucos estudos da história natural do mutualismo, particularmente entre plantas e insetos, continuavam, em particular, relacionados às interações economicamente importantes – como a polinização por abelhas em plantas de cultivo. Os primeiros grandes avanços conceituais do mutualismo começaram na década de 60. Durante esses anos, as investigações de coevolução, muitas das quais focadas nos mutualismos planta-inseto, aumentaram. A partir de então, surgiram modelos de como os benefícios e custos dos mutualismos poderiam ser medidos em campo. Nas duas décadas seguintes o interesse pelas condições que favoreceram a evolução e a manutenção dos mutualistas começaram a crescer. Acredita-se que praticamente todas as espécies da Terra estejam envolvidas em uma ou mais interações mutualistas. Por exemplo, a grande maioria das angiospermas depende dos animais para polinização e/ou dispersão de suas sementes. Ainda, mais de 80% de todas as plantas estão envolvidas em mutualismos com fungos micorrízicos em suas raízes. Os principais eventos na história da vida terrestre também foram ligados ao mutualismo, incluindo a origem da célula eucariótica e a origem das plantas terrestres. O estudo do mutualismo, portanto, tem um papel importante na compreensão da diversidade quanto da diversificação da vida terrestre. Uma relação mutualista pode ser definida pela interação de espécies diferentes com benefício mútuo (Fig. 1). Entretanto, é preciso reconhecer que os mutualismos não são interações sem conflitos, mas sim, uma interação de exploração recíproca mútua por recursos, em que cada parceiro explora o outro, com obtenção de benefícios, mas também com custos para ambas as espécies. E é preciso considerar que o equilíbrio entre os benefícios e os custos podem variar, de acordo com mudanças nas condições, nos níveis de recursos disponibilizados e na abundância de um dos parceiros. As interações mutualistas são mediadas por recursos, que geralmente são a base de carboidratos. Portanto, é esperado que o custo dos recursos direcionados, a fim de manter os parceiros mutualistas, seja compensando pelo serviço prestado (p. ex. alimento, defesa ou transporte). 193

Figura 1. Exemplos de interações mutualistas. A. Detalhe da interação entre fungo e raízes de uma angiosperma; B. Detalhe da interação entre fungos e algas (líquen); C. Detalhe da interação entre bactérias do tipo rizóbio e raízes de uma leguminosa; D. Detalhe da interação entre abelhas e uma flor de néctar. (Fotos: Lorena B. Valadão-Mendes)

Interação planta-animal Os mutualismos entre as plantas e os visitantes florais estão entre as interações mais estudadas. Eles são particularmente importantes para entender a evolução das plantas. Primeiro, porque a reprodução de muitas angiospermas está ligada à atração dos polinizadores. Segundo, estudar os mutualismos entre as plantas e os visitantes florais ajuda a compreender a evolução e a função de um conjunto de características das flores das plantas, bem como o seu sistema de reprodução. Finalmente, os mutualismos entre as plantas e os polinizadores assumiram particular importância no campo da

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conservação, em que as ameaças aos mutualistas podem potencialmente pôr em perigo a reprodução e a evolução das plantas. A polinização é a transferência do pólen de uma antera para o estigma de um androceu, com o propósito de fertilizar os óvulos. Muitos tipos de animais possuem relação mutualista de polinização com as flores das angiospermas (Fig. 2), dentre eles beija-flores, morcegos, pequenos roedores e marsupiais. Entretanto, grande parte das flores são visitas por insetos, no qual as abelhas são o grupo mais abundantes dentre aos visitantes florais. Sabe-se que as plantas e os visitantes florais são bastante generalizadas: a maioria das espécies de plantas é visitada por grupos diversos de visitantes florais e a maioria das espécies de visitantes florais visitam várias espécies de plantas. A maioria das plantas polinizadas por animais irá produzir algum tipo de recurso floral – que irá satisfazer as três principais necessidades dos animais (alimentação, reprodução e construção do ninho). Os recursos florais podem ser divididos em nutritivos – pólen, néctar, lipídeos e tecidos florais – e não nutritivos – resinas e fragrâncias. A alimentação é o principal responsável pela maioria das visitas às flores pelos animais. Os recursos mais frequentes produzidos pelas plantas são o pólen e o néctar. O pólen é a principal e mais importante fonte de proteínas de vários grupos de insetos, principalmente das abelhas. Existem registros de que este tenha sido primeiro recurso produzido pelas flores, utilizados pelos visitantes florais. Este é constituído principalmente de proteínas (com quantidade variando de 2 a 60%) além de lipídeos, amido, fósforo e vitaminas. Geralmente, os polinizadores coletam o pólen para consumo próprio e para alimentar a prole. O néctar é composto basicamente por carboidratos provenientes da fotossíntese, além de aminoácidos, proteínas e água, e pode atrair os polinizadores. Geralmente as plantas secretam o néctar em diferentes taxas e ritmos ao longo da vida da flor e esse padrão está relacionado ao comportamento dos visitantes além dos parâmetros ambientais. Para que os polinizadores encontrem as flores e tenham acesso aos recursos florais é necessário que estes consigam encontrar e se aproximar das flores. A função dos atrativos florais é sinalizar as flores e os seus respectivos recursos florais e estão envolvidos na atração dos polinizadores. Estão relacionados às características flores, como, tamanho, simetria, cores e perfumes. Dentre eles, os principais utilizados pelas plantas são as cores e os perfumes. Os sinais visuais das flores (cor e forma) estão relacionados à atração da maioria dos visitantes.

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Figura 2. Exemplo de visitantes florais. A. Detalhe de um beija-flor visitando flores de Rubiaceae; B. Detalhe de uma mariposa visitando flores de Malvaceae; C. Detalhe de uma abelha visitando flores de Asteraceae. (Fotos: Lorena B. Valadão-Mendes)

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A coloração é dependente da luz que é transmitida aos nossos olhos e nos ocelos dos insetos e outros dispersores, dependendo da cor produzida pelo comprimento de onda de luz que não foi absorvida, ou seja, é a cor que resta quando a luz penetra sobre um objeto. Abaixo temos a tabela 1 indicando quais são as cores resultantes entre a relação com a cor observada e o cumprimento de luz absorvido. Tabela 1. Relação entre a cor observada e o comprimento de luz absorvida λ (nm) Cor absorvida Cor complementar (observada) 400 – 435 Violeta Amarelo esverdeado 435 – 480 Azul Amarelo 480 – 490 Azul esverdeado Laranja 490 – 500 Verde azulado Vermelho 500 – 560 Verde Roxo 560 – 580 Amarelo esverdeado Violeta 580 – 595 Amarelo Azul 650 – 750 Vermelho Verde

Existem diversas classes de pigmentos que permitem a visualização das cores, sendo estes flavonoides, carotenoides, betalaínas e antocianinas. Os flavonoides constituem uma vasta classe de substâncias fenólicas, estando distribuídos amplamente nos tecidos vegetais de angiospermas e musgos. São advindos da união de duas vias metabólicas (em sua grande maioria) – Ácido Chiquímico e Acetato Malonato constituindo, assim, estrutura base de um flavonoide – C6-C3-C6 (biossíntese mista) (Figura 3). São responsáveis por conferir às plantas algumas defesas como proteção frente à radiação Ultravioleta, herbivoria ou outro estresse biótico ou abiótico que a planta venha a sofrer ou como atração para polinização/dispersão. Além disso, estão entre a classe mais frequente de pigmentos que conferem cor às flores e geralmente são encontrados nas células da epiderme.

Figura 3. Anel A representa a parte da molécula vida da rota do Acetato Malonato. O anel B e C representa a parte da via vinda do Ácido Chiquímico

Os carotenoides são tetraterpenos e são abundantes dentre as plantas, fungos e bactérias. O sistema de elétrons confere cor aos caratenoides, e seu espectro de cor corresponde aos pigmentos laranja, vermelho e vermelho curto. Exemplos de caratenoides são o licopeno, que confere cor 197

vermelha ao fruto de tomate (Lycopersicon esculentum Mill.; Solanaceae) e o β-caroteno, que confere a cor alaranjada às cenouras (Daucus carota L.; Apiaceae), geralmente encontrados nos plastídios. As betalaínas são pigmentos nitrogenados vermelhos ou amarelos que ocorrem somente em famílias de Caryophyllales (com exceção de Caryophyllaceae e Molluginaceae) e as antocianinas são os pigmentos amarelo ou púrpura presente na maioria das demais plantas. Esses pimentos não ocorrem juntos, são mutualmente exclusivos, ou seja, ou a planta tem betalaínas ou antocianinas. Muitos grupos de animais utilizam os estímulos olfativos para a reprodução e/ou alimentação. Os perfumes produzidos pelas flores podem ter função de atrair ou repelir os visitantes florais e podem sinalizar a presença de alimento ou localização para oviposição ou cópula. As substâncias aromáticas (perfumes florais) possuem complexidade e uma grande diversidade de compostos envolvidos (originados de moléculas lipofílicas), sendo em sua grande maioria vindas da via do Ácido Mevalônico ou/e da via do Metileritritol fosfato, e formam isoprenos (estrutura de cinco carbonos).

A partir destes, quando unidos indicarão a classificação dos terpenos em monoterpenos (C10), sesquiterpenos (C15), diterpenos (C20), triterpenos (C30), tetraterpenos (C40) e politerpenos (mais de 40 carbonos). Em grande maioria, os perfumes que sentimos são monoterpenos, porque em sua maioria são óleos voláteis, e possuem baixo peso molecular. Os tetraterpenos ou caratenoides são sintetizados pela via do Metileritritol fosfato, são substâncias lipossolúveis que geralmente atuam como pigmentos relacionados à fotoproteção e atração de polinizadores nas plantas, além de serem precursores da vitamina A. As betalaínas estão restritas à Caryophyllales (com exceção de Caryophyllaceae e Molluginaceae) e são pigmentos nitrogenados vermelhos ou amarelos. Embora exista uma longa história de estudos sobre a polinização, ainda há muito a ser entendido – desde a especiação e a coevolução, até a diversificação da morfologia das flores dos visitantes florais, atrelado a isso, o estudo do metabolismo secundário para tentar elucidar essas associações.

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CAPÍTULO 16

Genômica e elementos de transposição Raquel Paulini Miranda (Universidade de São Paulo) José Hernandes Lopes Filho (Universidade de São Paulo)

1. Genômica O termo genômica foi usado pela primeira vez em 1986 pelo geneticista Thomas H. Roderick, sendo empregado como descrição de uma nova área de estudo das ciências biológicas, voltada ao entendimento da estrutura, função e evolução dos genomas. Apesar disso, o marco inicial da genômica é datado de 1977, ano em que Frederick Sanger, além dos pesquisadores Allan Maxam e Walter Gilbert, apresentaram a comunidade científica duas metodologias de leitura de pequenas sequências de DNA – a primeira baseada em reações enzimáticas (Sanger) e a segunda em hidrólise química (Maxam & Gilbert). Contudo, foi apenas em 1995, com a publicação dos genomas completos das bactérias Haemophilus influenzae (Lehmann and Neumann) Winslow et al. 1917 e Mycoplasma genitalium Tully et al. 1983, que se deu início a Era Genômica – período caracterizado pelo aumento do número de genomas sequenciados e pelo surgimento de novas estratégias de sequenciamento, como a metodologia shotgun proposta por J. Craig Venter. Já em 2005, com o desenvolvimento das tecnologias de sequenciamento de nova geração (NGS; do inglês Next Generation Sequencing), deu-se início a segunda fase da Era Genômica, marcada pelo grande volume de dados e pela criação de novas estratégias de organização e análise de informações biológicas. É nesse cenário que surgem os primeiro bancos de dados de sequências de DNA, dentre os quais podemos destacar o NCBI (National Center for Biotechnology Information), o EBI (European Bioinformatics Institute) e o DDBJ (DNA Data Bank of Japan). O aumento do volume de dados e a necessidade de análises mais rápidas culminaram com o surgimento da bioinformática – campo de estudo criado a partir da associação entre conhecimentos de biologia e ferramenta de informática, voltado para elaboração de ferramentas de armazenamento, análise e interpretação de dados biológicos. Assim, a evolução das metodologias de sequenciamento e o advento da bioinformática tornaram a busca e o acesso a informações biológicas processos mais simples e rápidos, facilitando análises comparativas, estruturais e funcionais.

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2. Análises Genômicas Dentro da genômica, as metodologias de análise são muito variáveis, abordando desde o estudo e entendimento da estrutura do DNA até análises mais complexas, que buscam entender a diversidade microbiológica e elucidar possíveis associações entre genótipo e fenótipos conhecidos. Dentre as diversas áreas da genômica, podemos destacar a estrutural, a funcional, a comparativa e a metagenômica, as quais serão descritas nos tópicos a seguir.

2.1. Genômica Estrutural A genômica estrutural, uma das primeiras ramificações da genômica, é ramo responsável pelo estudo da organização e estrutura dos genes, objetivando a caracterização estrutural do genoma, assim como a análise, descrição e determinação da estrutura tridimensional de cada proteína codificada pelo mesmo. Os avanços dos estudos de genômica estrutural estão intimamente relacionados com o desenvolvimento de novas tecnologias de análise. Dentre as principais metodologias utilizadas podemos citar o mapeamento físico de sequências, técnicas de hibridização, cristalização proteica, construção de mapas cromossômicos e o sequenciamento. Além disso, é cada vez mais frequente o uso de técnicas computacionais, como a modelagem por homologia, o alinhamento estrutural e a análise funcional baseada em estrutura. Um exemplo do uso de genômica estrutural pode ser encontrado no estudo realizado por Li e colaboradores (2014), os quais analisaram a estrutura proteica de diversas ORFs (do inglês “Open Reading Frames” - quadros de leitura aberta) anotadas no genoma de Streptococcus mutans Clarke 1924, agente causal da cárie em humanos. De forma geral, a análise possibilitou a expressão, purificação e cristalização de diversas proteínas expressas pelo patógeno, permitindo a caracterização estrutural e o estudo das funções biológicas em nível molecular.

2.2. Genômica Funcional A genômica funcional busca entender, globalmente, os mecanismos biológicos que sustentam a vida de um organismo, isto é, busca elucidar a função dos milhares de genes envolvidos em processos de diferenciação, desenvolvimento, regulação e resposta a estímulos bióticos e/ou abióticos, além de tentar entender os mecanismos que integram esses genes e promovem o controle das características fenotípicas. De forma geral, as análises de genômica funcional encontram-se intimamente relacionadas às diferentes “ômicas” (e.g. proteômica, transcriptômica, epigenômica, etc.), fato que permite a integração de resultados e, consequentemente, o melhor entendimento das funções gênicas. Dentro

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da genômica funcional, as principais metodologias de análise consistem em técnicas de transcriptômica e proteômica, das quais podemos destacar a análise da expressão gênica, a análise da expressão diferencial, os microarranjos de DNA (microarrays), além de análises de espectrometria de massas. Estudos de genômica funcional são cada vez mais comuns, uma consequência do aumento do número de genomas sequenciados. Exemplos de análises de genômica funcional podem ser encontrados em estudos bacterianos e virais, os quais buscam entender o relacionamento entre esses organismos e seus respectivos hospedeiros, facilitando a identificação de mecanismos de interação, replicação e patogênese. Em plantas, a genômica funcional apresenta-se como uma importante ferramenta de estudo de variantes genéticas, amplamente aplicada em trabalhos de melhoramento de características agronômicas de alto valor comercial.

2.3. Genômica Comparativa Assim como o nome sugere, a genômica comparativa consiste no estudo comparativo de sequências de DNA provindas de diferentes organismos, visando a elucidação da relação entre genótipo (conteúdo do DNA) e fenótipo (características visíveis). Essas análises vêm sendo empregadas no estudo de processos de adaptação molecular, bem como no entendimento da biologia e evolução de algumas espécies, viabilizando o reconhecimento de genes conservados – sequências nucleotídicas preservadas ao longo da evolução dos genomas – e genes específicos – sequências responsáveis pelas características únicas de cada organismo e que podem proporcionar vantagens evolutivas. Dentro desse campo de estudo, as metodologias de análise se fazem muito variáveis e altamente dependentes das questões e problemas a serem solucionados. Dentre as metodologias mais comuns podemos citar o estudo das características gerais do genoma (tamanho, número de cromossomos, número de genes total e por cromossomos), as comparações diretas entre múltiplos organismos, entre segmentos específicos e entre organismos filogeneticamente distantes ou próximos, além da identificação de classes gerais de elementos de DNA (RNAs não codificantes, sítios de regulação gênica, elementos de transposição). Um exemplo do uso de genômica comparativa pode ser encontrado no estudo realizado por Silva e colaboradores (2002), que analisaram o genoma de duas espécies diferentes de Xanthomonas – Xanthomonas axonopodis pv. citri (ex Hasse) Gabriel et al. 1989 e Xanthomonas campestris pv. campestris (Pammel) Dowson 1939. Nessa análise, observou-se uma estreita relação entre os elementos de transposição e os genes específicos à cada cepa, permitindo a identificação dos mesmos e a sua associação aos mecanismos de patogenicidade e especificidade ao hospedeiro.

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Nesse cenário, a genômica comparativa vem apresentando papel de destaque, facilitando o entendimento das relações gênicas e a identificação de novas abordagens e tratamentos para doenças humanas, animais e vegetais. Além disso, as informações derivadas desses estudos têm auxiliado a concepção de sondas e microarranjos, essenciais em estudos de transcriptômica.

2.4. Metagenômica A metagenômica consiste em uma metodologia de estudo que objetiva o entendimento da diversidade microbiológica presente em amostras ambientais. Nessa metodologia, a análise de comunidades microbianas é realizada sem a etapa prévia de cultivo, possibilitando o estudo de microrganismos cultiváveis e não-cultiváveis. Dentro da metagenômica, as análises se dividem em duas abordagens: a primeira baseada na identificação de novos organismos dentro de uma amostra ambiental – abordagem fundamentada no sequenciamento de marcadores filogenéticos, tais como os genes 16S rRNA e recA; já a segunda, consiste na avaliação funcional desses organismos e na descoberta de novos compostos bioativos – abordagem baseada na construção de bibliotecas gênicas, seguida da busca e identificação de clones que expressem características de interesse. Nesse contexto, estudos de metagenômica são cada vez mais comuns, sendo aplicados no entendimento e descoberta de novas moléculas bioativas, amplamente utilizadas em processos industriais, agronômicos e farmacológicos. No âmbito geral, esses compostos são aplicados em processos químicos como catalisadores de reações ou usados no combate de bactérias e fungos na forma de antibióticos e antifúngicos. Podemos citar como exemplo de estudos de metagenômica o trabalho realizado por Mullany (2014), o qual identificou, a partir de análises de metagenômica funcional, novos genes de resistência à antibióticos em bactérias. Outro exemplo é o estudo de Wang e colaboradores (2015), os quais analisaram a diversidade da microbiota intestinal de humanos e sua relação com indivíduos saudáveis e doentes.

3. Elementos de Transposição Um dos fatores mais importantes na evolução e estrutura dos genomas são os elementos de transposição. Estes elementos (TEs; do inglês Transposable Elements) são sequências de DNA capazes de codificar proteínas responsáveis pela sua própria replicação e/ou mobilidade dentro do genoma no qual se encontra. Sua descoberta ocorreu na década de 1940, pela pesquisadora Barbara McClintock, e lhe rendeu um prêmio Nobel em 1983, quase 40 anos depois.

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Os elementos de transposição despertaram o interesse de pesquisadores que buscam compreender a estrutura do genoma dos organismos. Dadas as condições de sua descoberta, estes elementos foram inicialmente descritos como elementos reguladores, uma vez que sua movimentação parecia estar associada a alterações pontuais na expressão de genes do milho. Contudo, uma vez que as proteínas codificadas por TEs tem a função de replicar e mobilizar suas próprias sequências, esses elementos foram muitas vezes considerados como inúteis, parasitas, ou até mesmo chamados de DNA lixo (junk DNA). Como consequência desse período, ainda hoje os genomas nos quais determinado elemento está presente é muitas vezes chamado de “genoma hospedeiro”. No mesmo sentido, dada a semelhança entre TEs e vírus, alguns desses elementos são chamados de retrovírus endógenos (ERVs - Enogenous Retroviruses) em vertebrados. Atualmente, sabe-se que os TEs são os elementos mais abundantes do genoma dos organismos eucariotos, muitas vezes podendo representar grande porcentagem do próprio genoma. O genoma humano (Homo sapiens Linnaeus 1758), por exemplo, tem aproximadamente 45% de sua sequência composta por TEs. Esta porcentagem pode atingir níveis mais elevados ainda em plantas, especialmente algumas espécies domesticadas como o milho (Zea mays L.), que tem aproximadamente 85% de seu genoma composto por sequências derivadas de TEs. Assim, com os avanços no campo da genômica, ficou clara a extensiva presença dos TEs em genomas, sugerindo um possível papel destes elementos nos processos biológicos. Hoje os TEs têm um crescente reconhecimento como importantes mediadores de diversos aspectos evolutivos. Devido a sua natureza móvel, os TEs são importante fonte de variabilidade genética, que pode surgir como consequência de eventos de transposição. Durante tais eventos, a nova inserção de um TE pode ocorrer em regiões codificantes de genes, alterando ou inviabilizando a função das proteínas resultantes. A inserção também pode ocorrer nos introns, podendo resultar em splicing alternativo, ou próximo a regiões promotoras, alterando sua capacidade de regulação. Além disso, TEs possuem suas próprias sequências promotoras, de forma que eventos de transposição podem, por exemplo, distribuir sequências regulatórias pelo genoma, levando à formação de novas redes de expressão gênica. Dado o potencial deletério de eventos de transposição, genomas de organismos eucarióticos mantém a transcrição de TEs inativa através de uma série de processos, que vão desde mecanismos epigenéticos, como por exemplo a metilação, à edição gênica de suas regiões promotoras através de proteínas especializadas, de maneira que eventos de transposição ocorrem muito raramente. Não obstante, a expressão de TEs foi demonstrada em diversas ocasiões, sobretudo em resposta a situações de estresse biótico e abiótico. Esse mecanismo suporta a hipótese de que a expressão de TEs pode

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resultar em uma maior capacidade de resposta ao ambiente como consequência de variabilidade genética.

4. Genômica e Elementos de Transposição Dada sua natureza repetitiva, TEs representam um desafio para estudos que visam o sequenciamento e montagem de genomas completos. Isto ocorre, principalmente, porque as tecnologias de NGS baseiam-se na leitura de pequenas sequências de DNA (aproximadamente 100 pares de base), enquanto que elementos de transposição podem atingir tamanhos da ordem de milhares de pares de base. Desta maneira, genomas com alto percentual de TEs apresentam maior complexidade e maior dificuldade de montagem, sendo inviável o mapeamento dessas sequências em regiões específicas do genoma. Problemas de montagem podem ser evidenciados em projetos de sequenciamento de genomas de plantas, um exemplo consiste no genoma do tabaco (Nicotiana tabacum L.) que apresenta apenas um rascunho da sequência completa do genoma. Os problemas de montagem associados à esse genoma estão intimamente relacionados com o elevado número de TEs presentes no mesmo, só o elemento Tnt1 apresenta mais de 600 cópias dispersas por toda sequência genômica. Ademais, a atividade de mobilização dos TEs pode ocasionar variações na estrutura e organização do DNA – mecanismos importantes para variabilidade genética e evolução dos genomas. A atividade de mobilização dos TEs, dentro dos genomas, apresenta-se como obstáculo para as análises genômicas, dificultando e interferindo em estudos de genômica estrutural e comparativa. Apesar disso, é cada vez mais frequente o uso de TEs em metodologias de identificação e estudo da função gênica. Nessas novas abordagens, os organismos de interesse passam por um processo de indução de mutações aleatórias – uso de cassetes de inserção com elementos de transposição – seguido da verificação e análise das alterações fenotípicas, objetivando associações entre genótipo e fenótipo, e consequentemente a identificação de possíveis funções gênicas.

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Parte III

RECURSOS ECONÔMICOS VEGETAIS

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CAPÍTULO 17

Fatores que influenciam no desenvolvimento das plantas: água e macronutrientes Valéria Ferrario Bazalar (Universidade de São Paulo) Antônio Azeredo Coutinho Neto (Universidade de São Paulo)

Importância e propriedades da água A água é uma das substâncias mais importantes da Terra sendo indispensável para o desenvolvimento da vida. De todos os recursos de que as plantas necessitam para crescer e funcionar, a água é o mais abundante e frequentemente o mais limitante. A diversidade e o tipo de vegetação em todo o planeta dependem principalmente da disponibilidade de água, acima de qualquer outro fator ambiental. É quantitativamente importante, tanto que constitui de 80-90% do peso fresco da maioria das plantas herbáceas. Na tabela 1 se apresentam as percentagens de água em diversos órgãos de algumas espécies de plantas: Tabela 1. Concentração de água em partes de plantas. Partes da planta Conteúdo de água (%) Referência Raízes Cevada, porção apical 93.0 Kramer & Wiebe (1952) Pinus taeda L., porção apical 90.2 Hodgson (1953) Pinus taeda L., micorrizas 74.8 Hodgson (1953) Cenoura, porção comestível 88.2 Chatfield and Adams (1940) Girassol, média do sistema radicular inteiro 71.0 Wilson et al. (1953)

Caules Aspargo, ápice do caule 88.3 Girassol, caule inteiro (planta com sete dias 87.5 Daughters and Glenn (1946) de crescimento) Wilson et al. (1953) Pinus banksiana Lamb. 48.0-61.0 Raber (1937) Pinus echinata Mill., floema 66.0 Huckenpahler (1936) P. echinata Mill., madeira 50.0-60.0 Huckenpahler (1936) P. taeda L., galhos 55.0-57.0 McDermott (1941)

Folhas Alface, folhas internas 94.8 Chatfield and Adams (1940) Girassol, média de todas as folhas de uma 81.0 Wilson et al. (1953) planta com sete dias de crescimento Repolho maduro 86.0 Miller (1938) Milho maduro 77.0 Miller (1938) Frutos Tomate 94.1 Chatfield and Adams (1940) Melancia 92.1 Chatfield and Adams (1940) Morango 89.1 Daughters and Glenn (1946) Maçã 84.0 Daughters and Glenn (1946) Sementes Milho fresco, parte comestível 84.8 Daughters and Glenn (1946) Milho seco 11.0 Chatfield and Adams (1940) Cevada, sem casca 10.2 Chatfield and Adams (1940) Amendoim, cru 5.1 Chatfield and Adams (1940)

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Propriedades físico-químicas da água A água consiste em um átomo de oxigênio ligado covalentemente a dois átomos de hidrogênio. O átomo de oxigênio é eletricamente neutro, carrega uma carga negativa parcial e uma carga positiva parcial correspondente que é compartilhada entre os dois átomos de hidrogênio. Essa distribuição de elétrons assimétricos torna a água uma molécula polar. Essa polaridade permite separar íons para moléculas como açúcares e proteínas A extensa ligação de hidrogênio entre as moléculas de água resulta em água com alto calor específico e alto calor latente de vaporização. Devido à sua estrutura altamente ordenada, a água líquida também possui uma alta condutividade térmica. Isso significa que ele conduz rapidamente o calor para longe do ponto de aplicação. A combinação de alto calor específico e condutividade térmica permite que a água absorva e redistribua grandes quantidades de energia térmica sem grandes aumentos correspondentes de temperatura, graças a isso, o calor das reações bioquímicas pode ser rapidamente dissipado por toda a célula. Em comparação com outros líquidos, a água requer uma entrada de calor relativamente grande para aumentar sua temperatura. Esta capacidade é importante para as plantas, porque ajuda a amortecer as flutuações de temperatura. Isso se reflete em seu alto ponto de ebulição, a grande quantidade de calor necessária para vaporizá-la e sua alta tensão superficial. Uma forte coesão entre as moléculas de água resulta em uma alta viscosidade e um alto calor específico, o que quer dizer que a água precisa de uma alta quantidade de calor para elevar 1°C de um grama da sua massa. A extensa ligação de hidrogênio na água dá uma propriedade conhecida como coesão, à atração mútua entre as moléculas. Uma propriedade relacionada, chamada adesão, é a atração de água para uma superfície sólida, como a parede celular. As moléculas de água são altamente coesas. Uma consequência da coesão é que a água tem uma tensão superficial excepcionalmente alta, que é a energia necessária para aumentar a área da superfície de uma interface gás-líquido. A tensão superficial e a aderência nas superfícies evaporativas das folhas geram as forças físicas que puxam a água através do sistema vascular da planta. Coesão, adesão e tensão superficial dão origem a um fenômeno conhecido como capilaridade. Estas propriedades combinadas da água ajudam a explicar porque a água sobe nos tubos capilares e são extremamente importantes na manutenção da continuidade das colunas de água nas plantas de acordo com a Tabela 2.

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Tabela 2. Propriedades da água comparadas a solventes. Propriedade Água Metanol Dimetil éter

Fórmula H2O CH3OH (CH3)2O Peso molecular 18 32 46 Densidade (kg L-1) 0.998 0.7914 0.713 Ponto de ebulição (K) 373 338 248 Volume molecular (nm3) 0.0299 0.0420 0.107 Volume de fusão (nm3) 0.0027 Negativo Negativo Máxima densidade líquida (K) 277 Nenhum Nenhum Calor específico (JK–1 g–1) 4.18 2.53 2.37 (JK–1mol–1) 75.2 81.0 109.0 Calor de vaporização (kJ g-1) 2.3 1.16 0.40 (kJ mol-1) 41.4 37.1 18.4 Tensão superficial (mN m-1) 72.8 22.6 16.4 Viscosidade (μPa s) 1002 550 233 Constante dielétrica 78.6 33.6 5.0 Momento dipolo (Cm x 1030) a 6.01 5.68 4.34 *Valores em 293K quando não indicado. a Em fase gasosa.

Movimentação da água O fluxo constante de água a través das plantas é uma questão de grande significância para o crescimento e sobrevivência dos vegetais. A água deve ser absorvida pelas raízes e transportada ao longo do corpo da planta através do xilema. Desequilíbrios entre a absorção e o transporte de água e a perda desta para a atmosfera podem causar déficits hídricos e o funcionamento ineficiente de inúmeros processos metabólicos. Portanto, estabilizar a absorção, o transporte e a perda de água representa um importante desafio para as plantas. As células vegetais têm paredes celulares, as quais tem um grande impacto nas relações hídricas da planta. Essas paredes celulares permitem com que as células desenvolvam enormes pressões hidrostáticas internas denominadas, pressão de turgor. Esta pressão é essencial para processos tais como expansão celular, abertura estomática, transporte no floema e processos de transporte transmembrana. Já as membranas de células vegetais são seletivamente permeáveis. A difusão da água ocorre diretamente através da bicamada lipídica é facilitada pelas aquaporinas, que são proteínas de membrana integrais as quais formam canais seletivos de água através da membrana.

Potencial hídrico As plantas precisam de uma entrada de energia constante para manter e reparar suas estruturas bem como para crescer e se reproduzir. O potencial químico é uma expressão quantitativa da energia livre associada a uma substância. O potencial químico da água representa a energia livre associada à água. Esta flui das regiões de maior potencial químico para aquelas de menor potencial químico. Entretanto, começou-se a perceber que o movimento da água nas plantas não pode ser explicado em termos de gradientes de pressão osmótica, mas sim em termos do que é agora denominado como 213

potencial hídrico. Os principais fatores que influenciam o potencial hídrico das plantas são concentração, pressão e gravidade. O potencial hídrico é simbolizado por Ψw (a letra grega psi), e o potencial hídrico das soluções pode ser dissecado em componentes individuais, geralmente escritos como a seguinte soma:

Ψw = Ψs + Ψp + Ψg

Os termos Ψs e Ψp e Ψg denotam os efeitos dos solutos, pressão e gravidade, respectivamente, na energia livre da água. O estado de referência mais usado para definir o potencial da água é a água pura à temperatura ambiente e à pressão atmosférico padrão. A terminologia Ψs é chamada de potencial de soluto ou potencial osmótico e representa o efeito de solutos dissolvidos no potencial da água. Os solutos reduzem a energia livre da água diluindo a água e o seu valor é negativo ou máximo zero. O sinal de menos indica que os solutos dissolvidos reduzem o potencial de água de uma solução em relação ao estado de referência da água pura. O termo Ψp é chamado de pressão hidrostática de uma solução. Pressões positivas aumentam o potencial da água e pressões negativas reduzem esse potencial. A pressão hidrostática positiva dentro das células é dita como pressão de turgor. A pressão hidrostática negativa (tensão) se desenvolve no xilema e nas paredes entre as células. A gravidade faz com que a água se mova para baixo, a menos que a força da gravidade seja oposta por uma força igual e oposta. O termo Ψg depende da altura da água acima da água do estado de referência. O componente gravitacional (Ψg) do potencial da água é geralmente omitido em considerações de transporte de água no nível da célula. Assim, nestes casos, a equação pode ser simplificada da seguinte forma:

Ψw = Ψs + Ψp

Células vegetais normalmente têm potenciais de água ≤ 0 MPa. Um valor negativo indica que a energia livre da água dentro da célula é menor que a da água pura.

Do solo ás células O teor de água e a taxa de movimentação da água nos solos dependem em grande parte do tipo de solo e da estrutura do solo. Assim como o potencial hídrico das células vegetais, existe o potencial hídrico e osmótico nos solos e o potencial gravitacional. A diminuição do potencial hídrico no solo e/ou aumento do potencial osmótico neste, tem consequências diretas na planta. A parte da planta em contato íntimo com o solo é a raiz. As raízes absorvem a água como ajuda de estruturas modificadas da própria raiz, conhecidas popularmente como radiculares, as quais são excrescências filamentosas das células epidérmicas da raiz que aumentam a área superficial da raiz,

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proporcionando maior capacidade de absorção de íons e água. Desde a epiderme até a endoderme da raiz, existem três caminhos pelos quais a água pode fluir: o apoplasto, o simplasto e a via transmembrana. • O apoplasto é o sistema contínuo de paredes celulares e espaços aéreos intercelulares. Nesse caminho, a água se move sem atravessar nenhuma membrana, percorrendo o córtex da raiz. • O simplasto consiste em toda a rede de citoplasma celular interconectada por plasmodesmas. • A via transmembrana é a rota pela qual a água entra em uma célula de um lado, sai da célula do outro lado, entra na próxima da série e assim por diante. O sistema vascular da planta permite o transporte da água das raízes aos outros órgãos e de sustâncias nutritivas por toda a planta. Esses tecidos vasculares incluem o xilema e o floema. O tecido do xilema é responsável pelo transporte de água e minerais dissolvidos da raiz para o tronco para órgãos aéreos. O floema, por outro lado, é responsável principalmente pela translocação de materiais orgânicos, locais de síntese para locais de armazenamento ou de demanda metabólica. A entrada da água na raiz e mostrada na Figura 1.

Figura 1. Rotas de absorção e transporte da água nas raízes.

Existem diversos fatores que estimulam com que a água seja absorvida e transportada. A principal razão e o potencial hídrico reduzido no solo ou aquele que é provocado na própria planta,

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por exemplo, pela evaporação da água nas células do mesófilo das folhas através dos poros estomáticos. A transpiração estomática é responsável por 90 a 95% da perda de água das folhas. Quase toda a água perdida das folhas é perdida pela difusão do vapor de água através dos minúsculos poros estomacais, representados na Figura 2.

Figura 2. Imagens de microscopia eletrônica de varredura (MEV) e óptica de folhas da espécie Guzmania monostachia (L.) Rusby ex Mez. Ao lado esquerdo destaca-se a superfície foliar vista em MEV com detalhes do estômato semi-aberto e fechado. À direita observa-se o poro estomático aberto em um corte transversal a 10 µm de espessura.

A planta gasta energia para acumular solutos e manter a pressão de turgescência, investir no crescimento de órgãos não fotossintéticos, como raízes, para aumentar a capacidade de absorção de água ou construir condutos de xilema capazes de suportar grandes pressões negativas. Assim, as respostas fisiológicas à disponibilidade de água refletem um balanço entre os benefícios acumulados por serem capazes de realizar processos fisiológicos (por exemplo, crescimento) ao longo de uma gama mais ampla de condições ambientais e os custos associados a essa capacidade como mostrado no esquema da Figura 3. O estresse hídrico tipicamente leva a um acúmulo de solutos no citoplasma e no vacúolo das células vegetais, permitindo assim que as células mantenham a pressão de turgescência apesar do baixo potencial hídrico. Alguns processos fisiológicos parecem ser influenciados diretamente pela pressão do turgor.

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Figura 3. Absorção e transporte da água nas raízes.

Déficit hídrico A disponibilidade de água afeta o crescimento da planta, podendo perturbar diversos processos fisiológicos. Por exemplo: - Perda de turgor celular; - Diminuição da taxa respiratória; - Murcha; - Fechamento de estômatos; - Redução da fotossíntese; - Produção de espécies reativas de oxigênio (ROS); - Outros processos metabólicos. As respostas das plantas às condições de mudança da água abrangem muitos aspectos do nível molecular ao genético, processos bioquímicos e fisiológicos. As plantas podem perceber condições de seca e responder apropriadamente reduzindo atividades metabólicas, crescimento e desenvolvimento. Os mecanismos reguladores das plantas incluem, sensores de estresse, vias de sinalização que compreendem uma rede de reações proteína-proteína, fatores de transcrição e promotores. Além dos fatores de nível gênico já citados as plantas ainda aumentam os níveis de hormônios tais como ABA, acumulam solutos compatíveis (trealose, glicina, betaína e prolina), proteínas osmoprotetoras, regulação dos mecanismos antioxidantes e supressores de uso de energia. Diversos são os fatores que influenciam na condição ou disponibilidade hídrica para os vegetais. E consequentemente pode levar à diferentes níveis de crescimento e desenvolvimento de

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uma planta. Uma das condições citadas na literatura como influenciadora ou que pode interagir com a disponibilidade hídrica é a disponibilidade ou condição nutricional que uma foi ou é exposta. Cita- se diversos elementos nutricionais como importantes no crescimento e desenvolvimento vegetal e a sua interação com a condição hídrica na Tabela 3.

Tabela 3. Arroz em diferentes fontes de nitrogênio e fator hídrico.

Captação de água Transporte de seiva no xilema Tratamentos (g.gMF-1h-1) (mg.gMF-1h-1)

+ Amônio (NH4 ) 1,93 ± 0,11 a 47,2 ± 8,3 a

+ Amônio (NH4 ) + Déficit hídrico 1,33 ± 0,27 b 28,3 ± 6,4 b

- Nitrato (NO3 ) 1,30 ± 0,37 b 36,6 ± 2,8 ab

- Nitrato (NO3 ) + Déficit hídrico 0,93 ± 0,18 c 10,7 ± 3,6 c

A nutrição vegetal O crescimento e desenvolvimento de uma planta decorrem de diversos fatores, dos quais já mencionamos a água, também são importantes a luz, a temperatura, o ar e os nutrientes que são elementos químicos, os quais as plantas geralmente obtêm na forma de íons (ânions ou cátions) inorgânicos ou orgânicos, do meio em que se encontram. Lembrando que os elementos químicos carregados negativamente (-) são conhecidos como ânions, enquanto aqueles que são carregados positivamente (+) são conhecidos como cátions. A capacidade de carga que um elemento químico leva consigo é essencial nos processos de absorção, transporte e metabolização pelas plantas. Alguns nutrientes, por exemplo, o nitrogênio pode ser encontrado no ambiente na forma aniônica e catiônica, - + nitrato (NO3 ) e o amônio (NH4 ). Vemos abaixo na Tabela 4 alguns dos nutrientes que as plantas utilizam discriminados em ânions e cátions. Os nutrientes são classificados ainda de acordo com a necessidade de uso pelas plantas, sendo aqueles indispensáveis para o crescimento e desenvolvimento ditos como essenciais. Ao longo das pesquisas em nutrição vegetal buscou-se e delimitaram-se critérios de essencialidade. Esses critérios ainda são debatidos quanto em agrupar todos os nutrientes que são essenciais para as diversas espécies vegetais. Entretanto os critérios adotados atualmente para determinar a essencialidade de um nutriente são: 1° critério, agrupa os nutrientes necessários para que a planta complete o seu ciclo de vida; 2° critério, o nutriente não pode ser substituído totalmente por outro sem comprometer o ciclo de vida da planta e o 3° critério, todas as plantas precisam deste elemento em seu metabolismo.

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Tabela 4. Íons negativos (ânions) e positivos (cátions). Ânions Cátions Nitrogênio Nitrogênio - + Nitrito NO2 Amônio NH4 - Nitrato NO3 Potássio - + Azoteto/Azida N3 Potássio K Carbono Cálcio 2- 2+ Carbonato CO3 Cálcio Ca 2- Oxalato C2O4 Magnésio Carbeto/Metaneto C4- Magnésio Mg2+ Fósforo Ferro - 2+ Metafosfato PO3 Ferro Fe 2- Fosfito HPO3 Zinco 3- 2+ Ortofosfato PO4 Zinco Zn Enxofre Cobalto 2- 2+ Sulfato SO4 Cobalto II Co 2- Sulfito SO3 Cobre 2- + Tiossulfato S2O3 Cobre Cu Cloro Cobre II Cu2+ - Clorato ClO3 Níquel Cloreto Cl- Níquel II Ni2+ - 3+ Clorito ClO2 Níquel III Ni Manganês Manganês - 2+ Permaganato MnO4 Manganês II Mn 2- 4+ Manganato MnO4 Manganês IV Mn Boro Molibdênio 3- 2+ Borato BO3 Molibdênio II Mo

Classifica-se os nutrientes ainda de acordo com a sua origem ambiental, elementos químicos como o carbono (C), oxigênio (O) e hidrogênio (H) são provenientes basicamente do dióxido de carbono (CO2) ou ainda da água (H2O). Outros nutrientes provenientes do substrato ou solo são ditos como elementos químicos de origem mineral. Esses elementos minerais são divididos em dois grandes grupos, de acordo com a necessidade de uso que as plantas realizam. Aqueles absorvidos, transportados e metabolizados em maior quantidade são ditos como macronutrientes, enquanto os nutrientes que são absorvidos, transportados e metabolizados em menor quantidade são os micronutrientes. De acordo com a Tabela 5 vemos como fica esta classificação para os diferentes nutrientes. Os macronutrientes que são utilizados em maior quantidade possuem diversas funções para o vegetal. O nitrogênio é um elemento base da estrutura das proteínas, pigmento fotossintético (clorofila), nucleotídeos, lipídeos e outras funções de regulação no vegetal. O fósforo além da função estrutural como o nitrogênio, também está ligado ao processo de transferência de energia (ATP e outros) e regula a fosforilação e desfosforilação enzimática. O potássio está envolvido nos processos de regulação osmótica, regulação do movimento estomático e outras funções celulares. O cálcio relaciona-se com a estrutura da parede celular e atua como sinalizador celular. O magnésio é usado 219

na confecção de clorofilas e proteínas pelas plantas e também regula a ativação enzimática. O enxofre compõe várias proteínas e em específico é o grupo funcional em enzimas e faz parte de outras moléculas como aminoácidos e polissacarídeos sulfatados.

Tabela 5. Origem química e classificação dos nutrientes. Classificação Principal origem do nutriente (para planta) Elemento químico (essencialidade)

Dióxido de carbono CO2 Carbono (C)

Oxigênio molecular O2 Oxigênio (O)

- Água/Bicarbonato H2O / HCO3 Hidrogênio (H) Nitrato / Amônio / Nitrogênio NO - / NH4+/ N Nitrogênio (N) molecular 3 2 3- Fosfatos (Ortofosfato) PO4 Fósforo (P) Macronutrientes Potássio K+ Potássio (K) Cálcio Ca2+ Cálcio (Ca) Magnésio Mg2+ Magnésio (Mg)

2- Sulfatos SO4 / SO2 Enxofre (S)

- Clorato ClO3 Cloro (Cl) Íons quelatos Mn2+ / Mn4+ Manganês (Mn)

3- Boratos BO3 Boro (B) Íons quelatos Zn2+ Zinco (Zn) Micronutrientes Íons quelatos Fe2+ Ferro (Fe) Íons quelatos Ni2+ / Ni3+ Níquel (Ni) Íons quelatos Cu+ / Cu2+ Cobre (Cu) Íons quelatos Mo2+/ Mo4+ Molibidênio (Mo)

Ácido monossilícico H4SiO4 Silício (Si) 2+ Outros Íons quelatos Co Cobalto (Co)

Os nutrientes de maneira geral estão alocados no substrato como outras diversas fórmulas químicas e alguns desses são produzidos a partir do intemperismo (desgaste ou degradação de rochas) ao longo do tempo devido às condições ambientais. Formam-se então íons primários e secundários, os quais podem ser absorvidos, transportados e metabolizados pelas plantas. Alguns exemplos de íons comumente são encontrados na fração argilosa do substrato do tipo solo como observado na Tabela 6.

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Tabela 6. Íons comumente dissolvidos na argila. Mineral Fórmula química Minerais primários

Calcita CaCO3

Gesso CaSO4 2H2O

Olivina (Mg, Fe)2 SiO4

Mica K2Al2O5 [Si2O5]3 Al4(OH)4

K2Al2O5 [Si2O5]3 (Mg, Fe)6(OH)4

Feldspato (Na, K) AlO2[SiO2]3

CaAl2O4 [SiO2]2

Zircão ZrSiO4

Rutilo TiO2

Epidoto Ca2(Al, Fe)3(OH)Si3O12

Turmalina NaMg3Al6B3Si6O27 (OH, F)4

Birnessita (Na, Ca)Mn7O14 2,8H2O Minerais secundários (argilas silicatadas)

Esmectita Mx (Si, Al)8 (Al, Fe, Mg)4O20(OH)4 Vermiculita X = Cátion na intercamada Clorita

Caolinita Si4Al4O10(OH)8

Alofana Si4Al4O12 · nH2O Minerais secundários (óxidos)

Imogolita Si4Al4O10 · 5H2O

Gibbsita Al(OH)3 Goethita FeO(OH)

Hematita Fe2O3

Ferridrita Fe10O15 · 9H2O

Entretanto alguns nutrientes ficam mais aderidos à fração argilosa do que outros devido as interações químicas que esses íons podem realizar com esta fração. Em condição de um substrato ácido cátions ficam mais aderidos, enquanto os ânions podem ser mais lixiviados pela água da chuva, e assim a disponibilidade de nutrientes aniônicos em alguns tipos de substratos pode ser reduzida. Em contrapartida em substratos alcalinos (óxidos e hidróxidos metálicos) a disponibilidade de nutrientes catiônicos que será reduzida. A interação dos ânions e cátions com o substrato chama-se de Capacidade de Troca Catiônica (CTC) de acordo com a Figura 4.

Figura 4. Representação da interação dos nutrientes com um solo ácido e alcalino.

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Em solos também se formam estruturas complexas com a argila, Fe, Al e húmus (tipo de solo orgânico formado por decomposição acelerada). Nessa mistura argila-húmus as moléculas de húmus se agrupam em torno das moléculas de argila e estes são envolvidos por uma camada de água que dificulta as trocas dos íons aniônicos e catiônicos sejam lixiviados. Diz-se que essa mistura argila- húmus é uma forma de cimento para o solo, formando agregados estáveis. Existem no solo complexos solúveis e insolúveis em água, essa solubilidade é indispensável para que o nutriente seja carreado através das raízes das plantas e transportado por meio dos vasos xilemáticos. O termo solubilidade refere-se à dissolução de um soluto no solvente que geralmente é a água. Vários são os fatores que influenciam na solubilidade de um íon, como a temperatura, a pressão, o tamanho molecular e a polaridade (cargas). Exemplos, desses complexos solúveis e insolúveis podem ser vistos na Tabela 7 abaixo. Tabela 7. Íons dissolvidos na água.

Compostos solúveis Exceções Compostos insolúveis Exceções

Sais de: Sais de: Sais de: NH + e cátions de Na+, K+ e NH + CO 2-, PO 3- e C O 2- 4 4 3 4 2 4 metais alcalinos Haletos: Haletos de: - - - + 2+ 2+ Sulfetos Sais de Cl , BO e I Ag , Hg2 e Pb Hidróxidos e óxidos de: Fluoretos de: Hidróxidos e óxidos Fluoretos Ca2+, Ba2+, Sr2+ e os Mg2+, Ca2+ e Ba2+ metálicos cátions de metais alcalinos Sais de: - - - NO3 , ClO3 , ClO4 Sulfatos de: Sulfatos Pb2+, Ca2+ e Ba2+

Ácidos inorgânicos

Apesar de toda explanação levantada sobre os diversos nutrientes até o presente momento, sabe-se que os nutrientes classificados como macronutrientes são aqueles que na sua ausência ou deficiência causam grande impacto no crescimento e desenvolvimento vegetal. Para que esses macronutrientes sejam absorvidos, transportados e utilizados no metabolismo, as plantas utilizam diversas estratégias. A principal e comumente estratégia usada para a absorção é feita por meio das raízes, que realizam a absorção radicular de água e os macronutrientes minerais. Porém deve-se ressaltar que existem outras maneiras de absorção de água e nutrientes, como exemplo, em bromélias que esse processo ocorre por meio de estruturas epidérmicas modificadas (tricomas). Ou ainda plantas que se associam a microrganismos que fixam o N2 atmosférico (micorrizas).

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A absorção e transporte de água e nutrientes no sistema radicular podem ocorrer através da via apoplástica, transmembrana e simplástica. A via apoplástica ocorre de forma passiva por meio dos espaços contínuos e espaços intercelulares que ligam a epiderme até o córtex, onde estão os vasos xilemáticos, nos quais a água e nutrientes são descarregados. A pectina contida nas paredes celulares e nos poros das lamelas médias deixa que cátions passem e repele os ânions. Neste sentido ânions são absorvidos e transportados por meio das vias transmembrana e simplástica. Na via transmembrana, a água com os nutrientes se move através das membranas plasmáticas e permanece pouco tempo no espaço da parede celular. E na via simplástica a água e nutrientes se movimentam entre as células pelos plasmodesmas (poros), sem atravessar a membrana plasmática. Alguns fatores afetam a disponibilidade, a absorção e transporte dos nutrientes, como por exemplo, a aeração do solo, a temperatura, a concentração hidrogeniônica (pH), interações bióticas e a disponibilidade hídrica. A aeração do solo é necessária, já que ocorrem trocas gasosas das raízes com o ambiente, assim como alguns nutrientes como os macronutrientes nitrogenados que precisam ser oxidados por bactérias aeróbias do solo antes da absorção. A temperatura é outro fator que é necessário para que ocorram as reações químicas de maneira ideal (já que enzimas geralmente não funcionam corretamente em temperaturas extremas) e a percolação de alguns íons seja facilitada ou dificultada. A concentração hidrogeniônica (pH) varia de acordo com a disponibilidade de diferentes nutrientes. Essa concentração refere-se ao grau de dissociação de H+ ou OH- em uma solução, sendo demonstrada em uma escala que varia de 0 à 14, sendo 7 um intervalo dito neutro, abaixo deste é ácido e acima é básico. Geralmente a maioria dos nutrientes está disponível no intervalo de 5,5 à 6,5 de pH. As interações bióticas com fungos ou bactérias geralmente otimizam a absorção dos nutrientes em substratos que as plantas ocupam e que possuem certa carência nutricional. Um exemplo que são as bactérias em raízes de leguminosas (micorrizas), fixando o nitrogênio atmosférico que as plantas não conseguem fixar. Sobre o último fator que é disponibilidade hídrica, deve-se lembrar de que é na água que os solutos são dissolvidos para que sejam transportados ao longo das raízes e vasos xilemáticos e floemáticos. Entretanto água em excesso pode lixiviar nutrientes como o nitrato. Já em condição de falta de água, ou seja, dito como em déficit hídrico as plantas enfrentam a dificuldade de absorção e transporte dos nutrientes, afetando assim o crescimento e desenvolvimento das plantas. Em paralelo ao metabolismo hídrico e nutricional as plantas apresentam o funcionamento do metabolismo fotossintético. A fotossíntese também necessita de água para o seu funcionamento e está pode apresentar-se nos diferentes vegetais em três tipos diferentes de fotossíntese. Esses tipos fotossintéticos são o Ciclo C3, o Mecanismo C4 e o Mecanismo CAM. Na fotossíntese C3 as plantas fixam e assimilam o CO2 durante o dia, na fotossíntese C4 as plantas possuem duas camadas de células e duas enzimas para captação e assimilação do CO2, e em plantas CAM a captação do CO2 ocorre

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durante a noite quando os parâmetros relacionados à economia de água são favorecidos, como menores temperaturas e maior humidade ambiental. As plantas que realizam a fotossíntese C4 e CAM que são mecanismos concentradores de CO2, também são eficientes no uso da água quando se compara essas plantas com plantas que realizam o mecanismo fotossintético C3. As plantas podem possuir limitação de nutrientes importantes, tais como o nitrogênio. Um macronutriente constituinte das proteínas e o pigmento das clorofilas que, em plantas C4 e CAM, é menos necessário para a constituição de enzimas da fotossíntese (como a RUBISCO) do que em plantas com o mecanismo C3.

O investimento de nitrogênio entre plantas C4 e CAM com relação às plantas C3 é menor, fato que torna as plantas C4 e CAM, além de concentradores de CO2, mais eficientes em crescer e se desenvolver em solos pobres em nitrogênio. A interação da condição nutricional e hídrica ainda é muito estudada, já que previsões das condições ambientais para o futuro apontam maiores períodos de indisponibilidade hídrica e ainda condições adversas de substratos (solos). O conteúdo atual na área destas pesquisas ainda é insipiente devido ás dificuldades em isolar ou interpretar as respostas que são provenientes da condição hídrica e nutricional em conjunto. Porém sabe-se que essas duas condições são essenciais ao crescimento e desenvolvimento vegetal e em conjunto podem alterar significativamente os vegetais.

Referências

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CAPÍTULO 18

Reações luminosas da fotossíntese: produzindo NADPH e eletricidade. Filipe Christian Pikart (Universidade de São Paulo)

A fotossíntese é um processo bioquímico no qual esqueletos carbônicos são produzidos utilizando dióxido de carbono (CO2) e água, juntamente com a energia proveniente da radiação solar. Organismos fotossintetizantes são todos aqueles capazes de realizar esse processo e são também conhecidos como organismos autotróficos, apresentando importantíssimo papel na cadeia trófica, justamente por possuírem a capacidade de incorporar a energia luminosa e o CO2. A maioria das plantas e algas são capazes de realizar fotossíntese, salvo casos de parasitismo encontrados em ambos os grupos, sendo um processo amplamente distribuído nos ecossistemas. Além da importância como base da cadeia trófica, os organismos fotossintetizantes também são responsáveis pela adição de oxigênio (O2) à atmosfera, com destaque para as algas, que contribuem com aproximadamente 70% do total do O2 presente na atmosfera.

As reações de incorporação do CO2 e produção de O2 ocorrem nos cloroplastos, organelas compostas por um conjunto de membranas e complexos pigmentos-proteicos, especializadas em desempenhar a fotossíntese, um processo classicamente dividido em duas etapas conhecidas como a etapa fotoquímica e a etapa bioquímica (Fig. 1). Essas duas etapas ocorrem em diferentes regiões do cloroplasto, a primeira ocorre nos tilacoides, nome dado ao extenso sistema interno de membranas do cloroplasto, e é responsável pela produção de NADPH e ATP a partir da absorção da energia proveniente da radiação luminosa. Nessa etapa também ocorre a formação do O2, mencionado anteriormente. Já a segunda etapa ocorre nos espaços internos da organela fora das membranas do tilacoide, denominado de estroma. Nessa etapa ocorre a fixação do carbono proveniente do CO2 com o consumo de NADPH, resultando na produção de um intermediário à formação de carboidratos, o 3-fosfoglicerato. Nesse processo de formação de carboidratos serão consumidos NADPH e ATP, com o envolvimento de outras enzimas, com uma consequente formação de NADP+ e ADP+Pi, que poderão ser reduzidos novamente através do transporte de elétrons pelo tilacoide. Dessa forma, é possível observar que uma etapa é dependente da outra e que ambas apresentam fundamental importância para o metabolismo fotossintético, porém nesse capítulo será dada maior atenção para as reações envolvidas na etapa fotoquímica da fotossíntese também conhecidas como reações luminosas.

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Figura 1. Representação das duas etapas que compõe a fotossíntese e sua interconexão e alocação em um cloroplasto. A etapa fotoquímica, na qual ocorrem as reações luminosas, se dá no tilacoide com a absorção da energia luminosa e produção de oxigênio (O2), NADPH e ATP. Já na etapa bioquímica, que ocorre no estroma, ocorre a fixação do dióxido + + de carbono (CO2), produzindo carboidratos, NADP e ADP+Pi. As moléculas de NADP e ADP poderão ser novamente reduzidas na etapa fotoquímica, mantendo o ciclo e conexão entre as duas fases.

O que move as reações luminosas é justamente a luz, uma radiação eletromagnética que possui características físicas particulares. As ondas eletromagnéticas são compostas por uma onda elétrica e outra magnética com um deslocamento perpendicular entre si pelo espaço, carregando pacotes de energia, denominados fótons. Uma fonte luminosa, como o sol, pode emitir ondas eletromagnéticas de comprimentos de onda diferentes, resultando em uma quantidade diferente de energia carregada por essas ondas de diferentes comprimentos. Ondas com comprimento menor irão apresentar uma frequência maior, ou seja, em um mesmo intervalo de distância de deslocamento essa onda se repetirá mais vezes, resultando em uma maior quantidade de energia carregada. O inverso também é verdadeiro, onde comprimentos de onda maiores apresentarão menor quantidade de energia. A absorção da energia proveniente da radiação eletromagnética se dá através de uma estrutura denominada de complexo antena, composta por pigmentos como clorofilas e carotenoides, e também por proteínas. Durante a evolução dos organismos fotossintetizantes, foram selecionados pigmentos capazes de absorver energia em diferentes comprimentos de onda, possibilitando uma maior cobertura na absorção de energia proveniente da radiação eletromagnética emitida pelo sol e, também, possibilitando a ocupação de diversos ambientes por esses organismos. Na Figura 2 é possível observar os espectros de absorção dos pigmentos clorofila a, clorofila b, carotenoides,

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ficoeritrina e ficocianina.

Clorofila b

Clorofila a Carotenoides

Ficoeritrina Ficocianina Absorbância

Comprimento de onda (nm)

Figura 2. Representação do espectro de absorção da radiação eletromagnética nos diferentes comprimentos de onda no espectro da luz visível (400 a 700 nm) dos pigmentos clorofila a, clorofila b, carotenoides, ficoeritrina e focianina presentes em diferentes organismos fotossintetizantes como plantas, algas, cianobactérias verdes e cianobactérias vermelhas.

Em geral, na estrutura do complexo antena das plantas são encontrados, como pigmentos associados à absorção de energia, principalmente as clorofilas a e b e os carotenoides. Esse conjunto de pigmentos possibilita a absorção de energia em comprimentos de onda mais energéticos (entre 400 e 500 nm), geralmente disponíveis nos locais onde esses organismos são encontrados e ainda com uma baixa sobreposição no espectro de absorção. Entre os vegetais, por exemplo, pode ocorrer uma diferenciação entre as proporções de cada pigmento, variando de acordo com a abundância dos comprimentos de onda disponíveis no habitat de cada planta. Plantas que habitam ambientes de menor disponibilidade de luz geralmente apresentam maior quantidade de clorofila b em relação a plantas em pleno sol, já que o ambiente de sub-bosque tem maior disponibilidade de comprimentos de onda maiores, absorvidos pela clorofila b e uma redução na disponibilidade de comprimentos de onda menores, absorvidos pela clorofila a. Outros exemplos de pigmentos associados à absorção da energia proveniente da radiação eletromagnética são as ficocianinas e as ficoeritrinas. As ficocianinas podem ser encontradas em cianobactérias verdes, como por exemplo, em espécies do gênero Synechocystis Sauvageau. Já as ficoeritrinas podem ser encontradas como constituintes do complexo antena de cianobactérias 228

vermelhas, como espécies do gênero Synechococcus Nägeli. Esses pigmentos permitem a absorção de energia em comprimentos de onda maiores, o que está muito associado com o ambiente que essas espécies ocupam, já que no interior de corpos d’água ocorre a redução na disponibilidade de alguns comprimentos de onda, como pode ser visto na Figura 3.

Comprimento de onda (nm)

400 500 600 700 Profundidade (m) Profundidade

Figura 3. Representação da disponibilidade nos comprimentos de onda na faixa do visível (400 a 700 nm) conforme o aumento na profundidade em corpos d’água.

Uma vez a energia absorvida pelos pigmentos, ocorre a excitação dessas moléculas, tornando- as carregadas energeticamente. Como esses pigmentos não possuem a capacidade de armazenar essa energia, ela precisa ser transferida para outras moléculas, através de um processo conhecido como ressonância indutiva, ou será perdida na forma de fluorescência e/ou calor. A ressonância é um processo físico pelo qual um pigmento consegue transferir energia para outro através da vibração das moléculas em uma determinada frequência. Essa transferência se dará entre os pigmentos até alcançar um complexo pigmento-proteico conhecido como centro de reação, formando uma espécie de funil, concentrando a energia em um determinado ponto (Fig. 4). As proteínas, nessa estrutura, compõem o centro de reação, local onde a energia transferida levará a excitação de elétrons, dando inicio a cadeia de transporte de elétrons. Vale ressaltar que com a transferência por ressonância ocorre perda de energia na forma de calor, diminuindo o conteúdo

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energético na passagem de um pigmento para outro. Dessa forma, ocorrem níveis decrescentes de energia do exterior do complexo antena até o centro de reação, mantendo uma tendência de transferência de energia em um único sentido. As proteínas que fazem parte do complexo antena são essências nesse processo de captação da radiação eletromagnética por terem o papel de organizar os pigmentos de forma a facilitar a transferência de energia entre as moléculas mantendo a disposição destas na forma de funil.

Complexo antena

Clo a-* - Clo a Centro de reação Clo a+

H2O e- + H +O2

Figura 4. Representação do complexo antena, que pode ser constituído por diversos tipos de pigmentos com diferentes espectros de absorção da energia da radiação luminosa, e a transferência dessa energia absorvida entre os pigmentos, através da ressonância, até alcançar o centro de reação. No centro de reação, a molécula de clorofila a reduzida (Clo a-) absorve essa energia, passando a um estado excitado (Clo-*), sendo logo em seguida oxidada (Clo a+), doando elétrons para a cadeia de transporte de elétrons. Os elétrons poderão ser repostos pela oxidação da água, levando a formação de + H e O2.

A importância da existência do complexo antena se faz evidente a partir do momento em que se pensa a existência de um centro de reação sem essa estrutura. A eficiência na captura de luz por

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essa estrutura diminuiria drasticamente, ficando ociosa a maior parte do tempo já que a concentração de fótons na atmosfera não é tão grande assim, mesmo em um dia ensolarado. Pensando assim, essa estrutura é ainda mais essencial à viabilidade dos organismos fotossintetizantes em ambientes de baixa incidência de radiação solar. Uma vez que a energia chega até o centro de reação, ocorre a excitação dessa clorofila com uma consequente perda de elétron, dando início a cadeia de transporte de elétrons ao longo da membrana do tilacoide, envolvendo uma série de proteínas. Esse processo nada mais é do que uma sucessiva sequência de reduções e oxidações iniciada no centro de reação e tendo como aceptor final de elétrons o NADP+, resultando na formação de NADPH. De forma geral, os organismos fotossintetizantes apresentam dois fotossistemas inseridos nessa cadeia de transporte, sendo cada fotossistema composto pelo centro de reação e o complexo antena (Fig. 5).

Figura 5. Representação da dupla membrana do tilacoide onde estão inseridos os dois fotossistemas (PSI e PSII) recebendo energia proveniente da radiação eletromagnética. A absorção da energia leva ao transporte de elétrons (e-) através da membrana do tilacoide, que é reposto pela oxidação da água no PSII e que leva a formação de NADPH ao final da cadeia de transporte de elétrons. Associado ao transporte de elétrons ocorre o transporte de prótons (H+) através da membrana, gerando um potencial eletroquímico que será utilizado pela proteína ATPase para a formação de ATP.

O fotossistema II está alocado no início dessa cadeia de transporte e associado a ele está uma estrutura responsável pela oxidação da água, responsável pela reposição de elétrons no centro de reação e com a consequente liberação de O2, importante componente da nossa atmosfera. Além desses produtos, o transporte de elétrons ainda produz ATP, resultado do potencial eletroquímico

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transmembrana formado pelo transporte de prótons H+ de um lado do tilacoide para o outro, associado ao transporte de elétrons. Dessa forma, a etapa fotoquímica da fotossíntese se destaca por ser um mecanismo complexo responsável por absorver a energia luminosa e produzir ATP e principalmente NADPH, uma molécula com poder redutor que poderá ser utilizada tanto na etapa bioquímica da fotossíntese para a produção de carboidratos como, por exemplo, para a fixação de nitrogênio e enxofre em outras vias metabólicas. Os organismos fotossintetizantes são encontrados como à base da produtividade agrícola, fornecendo produtos, tanto para a alimentação humana, como para a alimentação de animais. Entretanto, são também importantes para a produção de biocombustíveis, fármacos, cosméticos, biorremediação e até para a produção de energia. Nos últimos anos, pesquisas científicas têm feito progresso na elucidação dos processos envolvidos na captação da energia pelos organismos fotossintetizantes com o objetivo de aplicações biotecnológicas para a produção de energia elétrica. Dessa forma, têm sido desenvolvidos os sistemas biofotovoltáicos que são baseados na utilização de organismos fotossintetizantes, como microalgas e cianobactérias, ou até mesmo na utilização de componentes subcelulares desses organismos, como tilacoides ou até mesmo proteínas do complexo antena, para a produção de corrente elétrica. Nos sistemas biofotovoltáicos os elétrons excitados no fotossistema II pela absorção da energia luminosa são transferidos para fora do organismo, devido a uma atividade exoeletrogênica, e direcionados para um eletrodo, denominado de cátodo. Assim, os elétrons partem de um eletrodo (ânodo) para outro eletrodo (cátodo), gerando uma corrente elétrica. Um exemplo de organismo utilizado em um sistema biofotovoltáico é a cianobactéria Synechocystis sp. PCC6803, por ser um organismo de rápido crescimento e por apresentar facilidade em produzir mutantes. Devido, justamente, há uma mutação na cadeia de transporte de elétrons através da membrana do tilacóide, tem-se como resultado a atividade exoeletrogênica necessária ao funcionamento do sistema. Na Figura 6 é possível observar a representação de um sistema biofotovoltáico onde as células de Synechocystis estão recebendo energia da radiação eletromagnética que levará a atividade exoeletrogênica, ou seja, a perda de elétrons para o meio. Para facilitar a transferência dos elétrons

é adicionado a esse meio K3[Fe(CN)6] (hexacianoferrato III de potássio), por ser uma substância reduzida e oxidada facilmente. Dessa forma, o K3[Fe(CN)6] possui a função de transferir os elétrons das células para o ânodo, que por sua vez irá doar elétrons para o cátodo, através de uma ligação externa, ou seja, sem passar pela solução que contém as células, gerando uma corrente elétrica. No cátodo, os elétrons serão utilizados para recompor moléculas de água (H2O), utilizando O2 e prótons + H , que foram produzidos devido à oxidação da H2O no fotossistema II das cianobactérias. Mantendo assim, o ciclo de funcionamento entre os dois eletrodos.

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Muitos avanços têm sido feitos na aplicação de organismos vivos à produção de energia, porém muitos esforços ainda precisam ser feitos para a obtenção de um sistema de produção em larga escala eficiente. Este é somente um exemplo da aplicação de sistemas biológicos na obtenção de energia através da radiação eletromagnética, evidenciando o potencial para produzir energia limpa através dos organismos fotossintetizantes. Entretanto, esses avanços somente são possíveis devido aos estudos com o objetivo de elucidar os processos envolvidos na absorção e uso da energia por esses organismos, indicando a necessidade e importância das pesquisas científicas para o avanço do bem estar da sociedade.

Cátodo

+ H +O2 H2O

e-

+ + H H +O2 H2O e-

K3[Fe(CN)6]

Ânodo

Figura 6. Representação de um sistema biofotovoltáico utilizando Synechocystis sp. PCC6803 como sistema biológico responsável por absorver a energia proveniente da radiação luminosa, levando a liberação de elétrons devido à atividade exoeletrogênica. Os elétrons são transferidos ao ânodo através do K3[Fe(CN)6] (hexacianoferrato III de potássio) e, posteriormente, ao cátodo, resultando em uma corrente elétrica. No cátodo, ocorre a formação de água, utilizando os elétrons doados pelo sistema biológico. O sistema biofotovoltáico é divido em duas partes através de uma membrana seletiva, permitindo somente a passagem dos prótons H+ da região do ânodo para a região do cátodo.

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CAPÍTULO 19

Estresse hídrico em plantas: aspectos morfofisiológicos, adaptações e mecanismos de resposta Priscila Pires Bittencourt (Universidade de São Paulo) Leyde Nayane Nunes dos Santos Silva (Universidade de São Paulo)

Introdução

Diversos fatores ambientais como temperatura, luminosidade, disponibilidade de CO2 e O2, salinidade, disponibilidade hídrica, influenciam no desenvolvimento de uma planta, principalmente por ser um organismo de “estilo de vida séssil”. Esses fatores, contribuem para a distribuição geográfica, o crescimento e a produtividade. Dessa forma, qualquer alteração negativa na fisiologia de uma planta, devido à influência de um fator externo que altera o seu equilíbrio, pode ser estabelecido como estresse. Entre os fatores ambientais, a água é o recurso mais limitante e compõe a maior proporção do volume celular nas plantas, além de representar um fator fundamental na produção vegetal. A seca é um termo meteorológico caracterizado pela precipitação abaixo do normal durante um longo período. Uma diminuição da disponibilidade hídrica tem um efeito deletério no crescimento e desenvolvimento, influenciando no ciclo de vida da planta, assim, os efeitos da seca são evidentes em todos os estágios fenológicos do crescimento das plantas. A quantidade de água disponível para as plantas é limitante quando se refere a localização das plantas pelo globo terrestre e é utilizada na classificação delas em grupos de acordo com os ambientes em que são encontradas, e cada grupo é caracterizado por uma combinação de adaptações estruturais ao seu ambiente. Segundo Warming, as plantas estão divididas em quatro grandes grupos: hidrófitas, ou plantas que crescem em água ou lugares molhados; halófitas, ou plantas que crescem em solo salino ou alcalino; xerófitas, ou plantas que crescem em habitats secos; e mesófitas, ou plantas que crescem em locais de umidade média, tais como florestas e pradarias comuns. Neste tópico, abordaremos as características morfo-anatômicas das folhas de espécies vegetais em resposta às condições de estresse hídrico. As plantas xerófitas apresentam características xeromórficas para reduzir a transpiração por vários meios, incluindo a queda, bem como a diminuição do número de folhas, o tamanho e a ramificação. O escleromorfismo é também considerado como uma adaptação à seca: folhas duras não sofrem danos permanentes devido à murcha e podem ser totalmente recuperadas quando as condições favoráveis são restauradas. Geralmente as folhas apresentam mesofilo compacto (Fig. 1A), com 235

espaços celulares reduzidos, células diminutas, de paredes espessadas, e uma rede de nervura mais compacta, cutícula espessa (Fig. 1B), presença de camadas adicionais de parênquima paliçádico, diminuição no tamanho dos estômatos, aumento na densidade estomática, presença de cripta estomática (Fig. 1C), camada epidérmica multisseriada, e especialização quanto à distribuição dos tecidos parenquimáticos no mesofilo, como por exemplo, o tipo isobilateral (Fig. 1D), que otimiza a interceptação de luz nas primeiras horas da manhã e no fim da tarde. Esse tipo de mesofilo contém em ambas as superfícies epidérmicas, parênquima do tipo paliçádico adjacente à epiderme. A espessura do mesofilo ainda pode contribuir no aumento da capacidade fotossintética se vier acompanhada pelo aumento do número de cloroplastos próximos à região onde estão os espaços intercelulares.

Figura 10. Cortes transversais em folhas. A. Secção natural (sem coloração) de Nerium oleander L. mesofilo compacto, epiderme com mais de uma camada (setas) e parênquima paliçádico com coloração esverdeada devido a presença dos cloroplastos. B. Secção com reação ao vermelho de rutênio (reage com a pectina das paredes celulares) em Niedenzuella multiglandulosa W. Anderson. Observe a parede mais externa e cutícula das células na superfície adaxial espessa (seta). C. Cripta estomática em Nerium oleander L., note a quantidade de tricomas e os estômatos (setas) nas depressões da epiderme. D. Mesofilo isobilateral em Byrsonima verbascifolia (L) DC. Barra: A e D, 100 µm; B e C, 50 µm.

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Podemos observar em plantas que apresentam o Metabolismo Ácido das Crassuláceas, muitas adaptações às condições ambientais relacionadas ao estresse hídrico. Estas plantas podem apresentar folhas modificadas em espinhos (Fig. 2A), caules fotossintetizantes, parênquima aquífero (Fig. 2B), onde podem armazenar a água que será usada durante o período de escassez de água. Além disso, plantas CAM destacam-se por apresentar comportamento estomático antagônico as plantas C4/C3. Sendo que seus estômatos ficam fechados durante o dia e abertos durante a noite, onde as temperaturas são mais amenas. Essas adaptações anatômicas e temporais permitem otimização no uso da água e dessa forma diminuindo a transpiração, aumentando a eficiência no uso da água. Eficiência no uso da água (WUE) é definida pela razão entre a taxa fotossintética líquida e a taxa de transpiração, plantas que apresentam maior WUE apresentam maior economia no uso da água e maior resistência a seca.

Figura 11. Adaptações em algumas crassuláceas. A. Folhas modificadas em espinho. B. Parênquima aquífero em Epiphyllum phyllanthoides (DC) Sweet. Barra: 200 µm. Como visto anteriormente, algumas plantas apresentam adaptações para um ambiente com condições abióticas extremas, em condições de seca severa e altas temperaturas. No entanto, em outros casos essas condições causam um desequilíbrio, resultando em estresse ambiental para outros grupos de plantas. Dessa forma, plantas apresentam diferentes mecanismos de respostas à seca dependem das características da espécie, da intensidade e duração dos eventos de seca. Plantas com mecanismo de escape utilizam o máximo de recurso disponível e podem completar o ciclo de vida antes que o estresse severo seja estabelecido, apresentando alta taxa de crescimento e trocas gasosas. Em grupos de evitação a seca há otimização de processos de absorção e retenção de água. Além disso, plantas tolerantes à seca apresentam capacidade de suportar déficit hídrico com baixo potencial de água tecidual, regulando vários processos metabólicos e ajustes morfológicos como fechamento estomático rápido, aumento do o sistema radicular e maior capacidade de absorção de água, mudanças

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orientação das folhas, redução da absorção de radiação e redução da superfície evaporativa (área foliar). Inicialmente as plantas fecham parcialmente os estômatos, reduzindo a perda de água e simultaneamente diminuição do influxo de CO2, influenciando diretamente a capacidade fotossintética (diminuição na taxa de transpiração taxa de fotossíntese). Redução da área foliar e o fechamento estomático afetam a atividade das enzimas de carboxilação e síntese de ATP, danos no aparato fotossintético. Quando o período de seca é prolongado, observa-se também uma redução no potencial hídrico e no turgor das plantas, alguns osmólitos [pequenas moléculas orgânicas que foram selecionadas para contrabalançar estresses ambientais em organismos vivos] começam a se acumular, mantendo a pressão da turgescência, diminuição na síntese e atividade de enzimas essenciais e pigmentos fotossintéticos, fotorrespiração, variações de inúmeras enzimas, genes de transdução do sinal de estresse, transcrição e regulação de proteínas funcionais contribuem para o controle molecular da resistência à seca (Fig. 3). A seca afeta não somente as reações, mas a eficiência das reações de assimilação, afetando a fotossíntese e seus produtos, consequentemente a produção vegetal.

Figura 3. A fotossíntese é afetada principalmente pela seca. Inicialmente, ocorre fechamento estomático, assim diminuindo a perda de água via transpiração, o que diminui o influxo de CO2 afetando diretamente a carboxilação, promovendo a fotorrespiração. Além disso, a seca afeta também a produção de ROS e a defesa antioxidante, provocando consequente acúmulo de espécies reativas de oxigênio, as quais influenciam na demanda oxidativa, danos celulares, síntese de ATP e consequentemente, a fotossíntese. A diminuição na expressão e atividade de enzimas como ribulose- 1,5-bisfosfato carboxilase/oxigenase (Rubisco), fosfoenolpiruvato carboxilase (PEPCase), enzima NAD(P)-málica (NAD(P)-ME) e piruvato ortofosfato dikinase (PPDK) também afetam a fotossíntese.

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No geral, nos eventos de seca há uma mudança no potencial hídrico do solo e consequentemente diminuição no potencial hídrico da planta e afeta vários processos. Assim, a resposta das plantas ao déficit hídrico é um fator determinante na manutenção do equilíbrio ao longo do continuum solo-planta-atmosfera e é marcado por uma série de modificações. Nos próximos tópicos, vamos nos concentrar em como o estresse hídrico afeta os fatores morfológicos, estruturais, fisiológicos, bioquímicos e moleculares.

Adaptações Morfológicas Plasticidade fenotípica é definida como a capacidade que um genótipo tem em apresentar diversos fenótipos de acordo com as condições ambientais, podendo resultar em mudanças anatômicas levando as plantas a evitarem os efeitos da seca. Um exemplo importante é a capacidade de alterar a forma da folha. Há ainda mudanças na área foliar, orientação dos ângulos de inclinação das folhas e ramos, os tricomas e a cutícula. A planta pode modificar sua organização na área foliar por meio da diminuição da divisão e expansão das células foliares alterando a forma da folha, iniciando a senescência e a abscisão. A orientação foliar também está relacionada à posição das folhas ao sol (Fig.4A). Para evitar o superaquecimento quando submetida a déficit hídrico, a planta orienta-se se afastando do sol, por meio do enrolamento da folha, o que é muito comum nas gramíneas. Há ainda os tricomas (Fig. 4B) desempenhando como uma de suas funções a redução da transpiração em condições de luz intensa, por meio da reflexão. A cutícula pode ainda, apresentar-se espessa como uma resposta da planta para evitar a perda de água. Esta pode conter além de lipídios, um depósito de cera na cutícula com variados tipos de arranjos e ornamentações (Fig.4C), refletindo em um efeito positivo no uso eficiente da água.

Figura 4. Modificações na lâmina foliar. A. Disposição da filotaxia em uma melastomatácea. B. Tricomas na superfície de Byrsonima correifolia A. Juss. C. Superfície epidérmica em Tetrapterys longibracteata A. Juss., visto em Microscopia Eletrônica de Varredura, com ornamentação na cera. Barra 20µm.

Ajuste osmótico

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O status hídrico é frequentemente descrito pelo potencial hídrico, potencial osmótico, potencial de pressão tanto do solo quanto da planta. O deslocamento de água através do continuum solo-planta-atmosfera quando há um decréscimo do potencial hídrico ao longo desse trajeto. No entanto, durante a seca há uma diminuição desse potencial no solo e, consequentemente, nas plantas, afetando esse continuum. Uma estratégia significativa para a tolerância à seca de plantas é o ajuste osmótico, acumulando solutos orgânicos e inorgânicos e usados para baixar o ψ durante os períodos de estresse. Alguns solutos são acumulados nos vacúolos, enquanto outros no citosol, mantendo um equilíbrio do potencial hídrico, são chamados solutos compatíveis (açúcares solúveis, açúcares álcoois como sorbitol, prolina, glicina) e não causam efeitos prejudiciais as membranas, enzimas. Além de ajudar manter a pressão de turgor, esses solutos, protegem as plantas dos efeitos prejudiciais de subprodutos tóxicos formados durante a seca.

Antioxidantes A exposição a estresses abióticos, nesse caso dano da seca as plantas também está relacionado ao acúmulo de oxigênio ativo nas plantas, as espécies reativas de oxigênio (EROs), [radicais livres altamente reativos e instáveis, produzidos como subprodutos de processos metabólicos normais, p.e respiração e fotossíntese], resultando em peroxidação da membrana e, consequentemente, leva a um dano. As formas mais comuns encontradas são os radicais superóxido (O2–), hidroxila (OH–), radicais 2- hidroxila (O 2), peróxido de hidrogênio (H2O2) e radical alcóxi (RO), estes podem reagir com proteínas, lipídios e DNA, causando dano oxidativo e prejudicando as funções celulares. Em condições de seca, consequente fechamento estomático e limitação do CO2 fixado, o elétron que seria – transferido para o NADP é direcionado para o O2 formando O2 , nos cloroplastos. Além disso, nos peroxissomos, onde ocorrem reações de oxidação de substratos orgânicos, a formação de H2O2 via fotorrespiração ocorre como subproduto da oxidação do glicolato. Em resposta a seca, sistema de defesa antioxidante constitui componentes enzimáticos (superóxido dismutase, catalase, peroxidase, ascorbato peroxidase e glutationa redutase) e não enzimáticos (cisteína, ácido ascórbico e carotenoides) são produzidos para proteger do dano oxidativo, neutralizando os EROs. O superóxido dismutase, peroxidase e catalase, desempenham papel importante na eliminação dos radicais livres, evitando danos e protegendo as células. Vários estudos têm demonstrados que as atividades dessas enzimas estão profundamente relacionadas à sua resistência à seca. As plantas que crescem em ambientes áridos apresentam uma maior atividade de superóxido dismutase e maior resistência a seca.

Sinalização hormonal

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Hormônios vegetais desempenham papéis importantes na resposta das plantas à seca, ácido abscísico (ABA) e etileno são regulados positivamente pela seca, enquanto os teores de auxinas, giberelinas e citocininas geralmente diminuem. O ácido abscísico, conhecido como hormônio do estresse, atua como principal sinal de processos envolvidos na adaptação à seca e outras tensões ambientais, promove o fechamento estomático e regula a expressão de vários genes relacionados à seca. O ABA é responsável por regular vários processos do ciclo de vida das plantas, estando envolvido na maioria das respostas aos estresses ambientais, incluindo o déficit hídrico, salinidade e as baixas temperaturas. Genes associados com as respostas de defesa a estresses abióticos são expressos apenas quando os teores de ABA são elevados. Acredita-se que existam pelo menos dois caminhos de expressão gênica em resposta ao estresse: um dependente e outro independente do ABA, pois sabe-se que vários outros genes induzidos por estresses ambientais são indiferentes ao tratamento com ABA exógeno. Efeitos desse hormônio na proteção ao déficit hídrico são exercidos principalmente através da indução da expressão de genes que codificam a síntese de proteínas que apresentam função de evitar perda de água e restaurar danos celulares. Outras respostas fisiológicas de grande valor adaptativo para a sobrevivência das plantas em condições de baixa disponibilidade hídrica também são controladas pelo ácido abscísico. O ABA endógeno é produzido rapidamente durante a seca e é o hormônio chave que regula uma cascata de respostas fisiológicas, incluindo o fechamento estomático, diminuindo a perda de água. Os genes 9’-cis-epoxicarotenoide dioxigenase e (NCED) e do citocromo P450 CYP707A codificam enzimas-chave para a biossíntese e o catabolismo, respectivamente, e são os fatores chave para determinar as concentrações dos níveis endógenos de ABA. Estudos demonstram que o aumento na expressão de NCED é induzido pela seca, e responsável pelo aumento do nível de ABA no arroz (Oryza sativa L.) e Arabdopsis sp. A superexpressão desse gene, têm demonstrado um aumento de tolerância à seca, levando a menores taxas de transpiração e aumento da eficiência no uso da água em várias espécies de plantas transgênicas. Além disso, a biossíntese não é o único fator de regulação do ABA, o catabolismo também tem papel importante durante determinação da concentração do hormônio, a expressão dos genes CYP707A1 a CYP707A4 desencadeia a hidroxilação do ABA. Assim, tanto síntese quanto catabolismo são determinantes para concentração de ABA em plantas sob estresse. Interessantemente, transportadores de ABA (transportadores ABC, ABCG40 e AtABCG25) também parecem estar envolvidos na sinalização e são também importantes reguladores da intensidade dessa sinalização ABA. Durante o período de seca leve, o hormônio é acumulado nas raízes e liberado via xilema, onde é transportado para o local atuante. A identificação desses transportadores em membranas de

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células alvo (p. e, células de guarda) auxiliam elucidar como o ABA atinge os locais de ação mesmo quando é sistemicamente reduzido. Esses dados demonstram que um eficiente transporte ativo para o movimento do ABA é essencial para as plantas responderem a um sinal de transporte de massa em condições de estresse. Assim que o ABA é transportado para o local de atuação, aumentando a concentração desse hormônio e, então, percebidos pelos receptores PYR/PYL/RCAR, inibindo a atividade das PP2Cs (que são proteínas fosfatases), permitindo a ativação das SnRK2s (proteínas cinases) através de autofosforilação. As SnRKs ativam fatores de transcrição ABF/AREB e modulam a expressão do gene. Uma vez produzido, o ABA é transportado para as células alvo. Em ausência de ABA, as PP2Cs ficam livres inibindo a ação das SnRKs, que então não fosforilam e não ocorre ativação dos fatores de transcrição, que por sua vez inibem a expressão dos genes.

Figura 5: Sinalização e reposta ABA: a síntese do ABA tem início dos carotenóides, via 9’-cis-epoxicarotenoide dioxigenase (NCED) e aldeído oxidase abscísica (AAO). Uma vez que o ABA é produzido ele pode ser hidroxilado, via CYP707A e então inativado. Em presença de ABA, este liga-se aos receptores PYR/PYL/RCAR e assim inibe a atividade das PP2Cs, permitindo a ativação das SnRK2s (autofosforialaçao). As SnRKs ativam fatores de transcrição ABF/AREB e modulam a expressão do gene. Uma vez produzido o ABA é transportado para as células alvo. Em ausência de aba, as PP2Cs ficam livres inibindo a ação das SnRKs, não são fosforiladas e não ocorre ativação dos fatores de transcrição, assim a expressão dos genes é inibida.

Mecanismos moleculares Durante estresse hídrico, algumas proteínas podem ser reguladas negativa e positivamente. Aquelas induzidas durante a seca protegem as plantas na adaptação ao estresse e aumenta a resistência. Assim, muitos estudos têm se dedicado em caracterizar e compreender esses genes e os processos fisiológicos associados à expressão gênica, identificando genes reguladores e funcionais,

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incluindo biossíntese e degradação de osmoprotetores e ABA, embriogênese abundante (LEA), genes relacionados aos ROS, fatores de transcrição (MYB, MYC, DREB, ABF, AREB, WRKY) sinalização. Após a percepção da seca, há início da tradução de sinal envolvendo várias famílias de cinases e fosfatases (p.e CDPKs proteína cinase dependente de cálcio, induzidas por estresse osmótico). Uma maior compreensão das bases moleculares de resistência a seca permite identificar os principais genes que respondem ao estresse hídrico, sua regulação e eventos adaptativos, possibilitando avanços na bioengenharia e manipulação de culturas tolerantes à seca. Além disso, combinações do desempenho ecológico, anatomia, morfologia, fisiologia auxiliam entender esses mecanismos de resistência a seca. Os índices ecofisiológicos e bioquímicos os quais são importantes para avanço nas escolhas e melhoramento de plantas mais resistentes. Além do uso de recursos vegetais, especialmente de plantas xerófitas. No geral, o esclarecimento dessas funções de resistência a seca, possibilitam aprimorar e integrar em múltiplos níveis a resposta a seca e tecnologia de engenharia genética.

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Parte IV

ENSINO EM BOTÂNICA

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CAPÍTULO 20

Precisamos falar sobre a Bioinformática Renata Callegari Ferrari (Universidade de São Paulo) Vinícius Daguano Gastaldi (Universidade de São Paulo)

A palavra “bioinformática” tem se tornado cada vez mais comum no nosso dia-a-dia e, ao mesmo tempo que causa frisson em algumas pessoas (lê-se: animação, comoção que toma um indivíduo), causa horror em outras. Afinal, o que é a Bioinformática? Neste texto, será considerado que ela compreende as análises de dados biológicos que se utilizam de métodos computacionais. Essa definição de Bioinformática, e também do chamado “bioinformata”, é recente e tem sido reformulada com frequência, sendo que às vezes é feita uma distinção entre os “usuários” e os “desenvolvedores” das ferramentas de Bioinformática. São parte da Bioinformática a análise de dados biológicos, o desenvolvimento de softwares e a modelagem de processos biológicos. Se para você computadores servem principalmente para uso do pacote Office e para navegar no browser, por favor, continue essa leitura. Isso porque, cada vez mais, a Bioinformática tem se tornado conteúdo obrigatório de cursos de graduação, existem cada vez mais pessoas que se intitulam bioinformatas, e análises bioinformáticas são empregadas nos mais diversos trabalhos científicos, inclusive na área de Botânica. Nesse sentido, o objetivo deste capítulo é discutir a aplicação da Bioinformática em tarefas simples com enfoque em temas botânicos. Não serão discutidos tópicos como BLAST, alinhamento de sequências biológicas com CLUSTALW (entre outros) e programas para análises filogenéticas, pois estes são conteúdos de Bioinformática facilmente encontrados nos cursos de graduação. É ressaltado que será considerado como parte da definição de Bioinformática o uso de linguagens de programação distintas para solucionar e lidar com problemas biológicos, mas não exclusivamente ligados às sequências biológicas.

A Bioinformática e o Mundo O estudo das sequências biológicas implica no sequenciamento do material a ser estudado, para entendimento, por exemplo, das implicações da expressão ou não de um gene específico. A preparação das amostras a serem sequenciadas envolve etapas laboriosas de isolamento, purificação e amplificação de DNA ou RNA, que são técnicas da Biologia Molecular. O sequenciamento, então, resulta na geração de milhões de reads (que são sequências de nucleotídeos) que deverão ser filtrados, ordenados, identificados e contabilizados, e somente computadores são capazes de executar estes passos em um volume tão grande de dados. Assim, por conta dessa relação entre do processamento 246

do material e a análise das sequências, a Biologia Molecular é comumente associada à Bioinformática, mas a Bioinformática não se restringe somente à análise de sequências biológicas. Ainda tratando de sequenciamento, desde a década de 70, quando os primeiros métodos de sequenciamento como o de Sanger apareceram e até os dias de hoje, avanços tecnológicos tornaram cada vez mais barato e rápido o sequenciamento de genomas inteiros. Isso permitiu o surgimento de áreas de pesquisa conhecidas como “ômicas”, que tem se utilizado grandemente de ferramentas bioinformáticas. Nas “ômicas’, o foco de estudo envolve um grande volume de dados (o genoma, o exoma, o transcriptoma, o metaboloma, o proteoma, o epigenoma, etc.) que são referidos como “big data” e às vezes correlacionados entre si para o entendimento de processos metabólicos complexos, como doenças, e para a descoberta de novos genes. Estes grandes conjuntos de dados necessitam de análises bioinformáticas complexas que requerem grande poder computacional, tornando a Bioinformática indispensável. Por se tratar de uma tendência global que o número de trabalhos utilizando estes tipos de análises aumente, existe um debate questionando se todos os Biólogos deveriam se tornar proficientes em linguagens de programação e desenvolvimento de softwares. Entretanto, essa ideia é questionável. Especializar-se em Bioinformática demanda uma quantidade enorme de tempo, uma vez que parte dos conhecimentos necessários são desenvolvidos em cursos da área de Exatas. Associado a isso, é grande a velocidade com que avanços na área da Bioinformática acontecem e as novas tecnologias computacionais surgem. Mesmo assim, é necessário que encontrar um meio termo nessa situação. Se dentre as suas metas está se tornar líder de pesquisa na área em que você trabalha, você provavelmente vai lidar com situações em que não há um programa pronto que faça uma análise específica que você deseja. Ou, mesmo que existam programas para sua análise, eles precisam ser configurados devidamente. Neste caso, você precisaria trabalhar em colaboração com bioinformatas ou cientistas da computação que serão capazes de desenvolver o lado não-biológico do seu problema. E são nestas ocasiões que se torna muito vantajoso um conhecimento básico em Bioinformática para promover uma comunicação eficaz. Além disso, aprender fundamentos básicos de programação inspira a resolver problemas simples do dia-a-dia de maneiras mais eficientes (a partir do momento que os bugs são resolvidos, claro). Portanto, apesar de aprender uma linguagem de programação ser um desafio tremendo e apresentar uma curva de aprendizagem bem íngreme, informação nunca é demais e este é o tipo de habilidade quem tem sido cada mais valorizado em quaisquer grupos de pesquisa.

A Bioinformática e a Botânica

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Não é oenfoque deste texto discutir metodologias ou pipelines de análises bioinformáticas na área de Botânica. Existem inúmeras abordagens que variam de acordo com o objetivo de cada pesquisa e que até desenvolvem ferramentas específicas para isso. Mesmo assim, é relevante mencionar alguns recursos disponíveis que facilitam o estudo de sequências biológicas em plantas. A base de dados Phytozome reúne mais de 80 genomas de diferentes linhagens vegetais e permite que sejam recuperadas sequências de um gene de interesse por anotação ou homologia. A dica é adicionar a sequência no seu "carrinho de compras" e depois clicar para visualizar o conteúdo do carrinho para fazer download da sequência. O acesso é feito através do site: https://phytozome.jgi.doe.gov/pz/portal.html. Além disso, a base de dados Arabidopsis Information Resource (TAIR) reúne recursos genéticos e moleculares para essa planta modelo de estudo. No site https://www.arabidopsis.org você também faz buscas facilmente e recupera informações detalhadas sobre genes específicos. A dica aqui é clicar na opção "WU-Blast" para poder copiar a sequência sem espaços. Ao trabalhar com espécies modelo que já tiveram seu genoma sequenciado, ferramentas bem úteis como a PCR in silico se tornam uma opção. Isso é possível, por exemplo, na base de dados de espécies de Solanaceae - Sol Genomics (https://solgenomics.net/help/toolbar), onde são fornecidas as sequências de um par de primers e o programa simula uma reação de PCR, informando se haverá amplificação não-específica. A Bioinformática em plantas adquire um nível de complexidade diferente quando comparado aos animais, visto que muitas linhagens vegetais são poliplóides. Isso faz com que análises de transcriptoma, que são uma opção bem interessante para espécies que não tiveram o seu genoma sequenciado ainda, utilizem algoritmos mais pesados, que demoram mais para rodar e exigem mais poder computacional. Sem um genoma de referência para organizar todos os reads provenientes do sequenciamento, o bioinformata deve processar os dados fazendo a chamada montagem de transcriptoma de novo, ou assembly de novo. Essa estratégia se baseia em algoritmos poderosos, como do programa Trinity, que usam algoritmos matemáticos para estimar como os reads se sobrepõe formando sequências maiores chamadas contigs. Entretanto, para um organismo hexaploide, por exemplo, existem muitas sequências consenso possíveis já que cada uma das seis cópias de um alelo pode variar em alguns bases, os chamados single nucleotide polymorphisms (SNPs). Durante o assembly de novo, como as sequências são muito parecidas entre si, pode haver a formação de contigs quimeras que não refletem a verdadeira sequência, o que pode interferir na sua análise. Mesmo assim, a análise dos transcriptomas ainda tem sido amplamente utilizada em pesquisas vegetais.

A Bioinformática e você

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O grande impulso para o desenvolvimento da Bioinformática foi o sequenciamento do genoma humano e, desde então, ela avançou consideravelmente. Hoje temos diferentes algoritmos para montagem do sequenciamento de DNA e RNA e sua anotação. Além disso, temos ferramentas para análises de expressão gênica e proteica, de organização celular, Biologia Estrutural, análise de literatura, de imagens, entre outras. Mesmo com todas essas possibilidades, boa parte do tempo de um bioinformata é consumido organizando dados. É com isso em mente que será desenvolvido o restante do capítulo.

Começo: o seu computador O instrumento de trabalho de um bioinformata são os computadores. Muitos podem imaginar que para começar a trabalhar com Bioinformática é necessário um computador com configurações extremamente potentes, mas isso não é verdade. Algumas análises vão requerer grandes quantidades de memória, poder de processamento e espaço de armazenamento, sim. Mas para trabalhar com análises de dados, um computador com um processador moderno, com no mínimo dois núcleos, 8 gigabytes de memória RAM e espaço de armazenamento mínimo para comportar seus dados já seria suficiente. As exigências computacionais vão variar com as tarefas a serem executadas, mas é possível começar a explorar seus dados sem maiores problemas. O sistema operacional a ser utilizado depende da preferência de cada usuário. Há uma certa preferência por parte de alguns bioinformatas por sistemas Linux, o qual possui inclusive distribuições específicas para Bioinformática, como o Bio-Linux. Isso é algo que se reflete em boa parte da área da computação, uma vez que desde novembro de 2017 todos os 500 mais potentes supercomputadores utilizam Linux. Entretanto, isso não é uma restrição e os sistemas Windows e macOS podem ser utilizados na análise de dados. Algumas análises específicas podem estar em programas, pagos ou não, disponíveis apenas para um dos sistemas, mas parcerias sempre são possíveis caso esta situação aconteça.

Linguagens de programação Diversas linguagens de programação são usadas por bioinformatas. De forma geral, as linguagens mais comuns são Perl, Python e R. Mas por que essas linguagens? A escolha de uma linguagem pode ser determinada por três fatores básicos: recursos disponíveis, facilidade de uso e necessidade. As três linguagens citadas acima possuem grandes acervos de ferramentas para trabalho com dados biológicos já bem estabelecidas, como BioPerl, BioPython e Bioconductor. Estes acervos são grandes coleções de módulos e bibliotecas que tornam a vida de um bioinformata muito mais

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fácil e auxiliam na replicabilidade de experimentos. As três linguagens também contam com comunidades extremamente ativas, o que facilita o aprendizado das mesmas. A facilidade de uso é outro fator de extrema importância. Nesse tópico, o R e o Python saem na frente. O Perl possui uma infinidade de formas de resolver uma mesma tarefa, o que muitas vezes torna difícil entender um programa feito por outra pessoa. Sua sintaxe pode ser bem complicada para alguém que está começando a aprender Bioinformática. O Python, por outro lado, busca a forma mais direta de realizar a tarefa. Sua sintaxe é mais simples e há uma infinidade de recursos para quem está começando a programar. O R é considerado por alguns como uma linguagem um pouco complicada de início, mas que permite fazer uma infinidade de diferentes atividades com pouco esforço. Não é o objetivo deste texto julgar qual linguagem é melhor, essa é uma discussão que vai longe! O último fator para escolha de uma linguagem é a necessidade. Dependendo do objetivo proposto, uma linguagem será melhor do que as outras, provavelmente por causa dos recursos disponíveis para ela. É possível utilizar diferentes linguagens em conjunto, mas isso vai além do escopo deste texto. Apesar de possível, é melhor imergir-se em uma linguagem e tentar resolver seus problemas somente dentro dela quando no começo do aprendizado. No final do capítulo encontra-se uma lista de recursos interessantes para estas três linguagens. Dito isto, atualmente Python e R são as linguagens que mais aparecem quando falamos de Bioinformática. Parte disso vem do grande interesse por Machine Learning e Deep Learning. Neste capítulo vamos utilizar o R para mostrar algumas das aplicações corriqueiras da Bioinformática. O Python poderia ser utilizado nestes exemplos? Com toda certeza! Mas utilizar o R foi a preferência dos autores.

A linguagem R de programação O R é uma das linguagens preferidas no meio acadêmico e não apenas entre os bioinformatas. O título do trabalho que apresentou o R para o mundo já mostrava seu potencial: “R: A Language for Data Analysis and Graphics”. O uso básico do R é justamente para análise de dados, o que o torna extremamente interessante para a Biologia como um todo. Ao falar de análise de dados, uma das primeiras etapas que vêm à mente é a análise estatística. O SPSS ou Stata (dentre muitas outras opções) são programas populares para análises estatísticas e considerado melhor e/ou mais simples que o R por alguns. O maior problema de ambos os programas é que não possuem licenças gratuitas. Uma licença para estudante custa em média U$75 por ano, apesar de algumas instituições de ensino fornecerem sem custos para seus alunos. Não estamos julgando o mérito dos programas acima, mas esses valores são elevados para um usuário comum. O R, por outro lado, é totalmente gratuito. Ele foi desenvolvido por Ross Ihaka e Robert Gentleman,

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ambos do Departamento de Estatística da Universidade de Auckland (Nova Zelândia), e lançado em agosto de 1993. O trabalho deles foi muito influenciado por duas linguagens já existentes, o S e o Scheme. Assim, seu nome foi dado como uma homenagem ao S, mas também como uma marca dos autores ("Ross" e "Robert"). A primeira reação da maior parte dos alunos da área de Biológicas é de medo/tensão quando pensam em programação. Muitos alunos logo imaginam um terminal cheio de letras como na Figura 1, e isso os faz desistir rapidamente. Comparado ao trabalho no terminal, a interface gráfica do SPSS é muito mais atraente.

Figura 1. Tela inicial do R ao ser executado em um sistema Unix.

Este capítulo visa encorajá-los nos primeiros passos dessa jornada. Nossas dicas e conselhos talvez sejam úteis mesmo para quem já tem alguma experiência com programação. Algo que pode transformar sua experiência é o uso de um ambiente de desenvolvimento integrado (a sigla em inglês é IDE, de Integrated Development Environment). Um dos IDEs mais populares para o R é o RStudio (Fig. 2). O RStudio é uma ferramenta extremamente útil para quem trabalha com o R, pois reúne diversas características que tornam todo o processo muito mais fácil. É um programa gratuito e de código aberto.

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Figura 2. Tela inicial do programa RStudio.

Mais conhecidos como open source, programas de código aberto podem ser modificados pelos seus usuários para atender suas necessidades. Não é obrigatório fazer mudanças, mas isso garante que o código possa ser explorado para entender cada etapa da análise. Programas pagos podem ser ótimos, mas não apresentam mesmo nível de liberdade. Ao mesmo tempo, programas de código aberto não são necessariamente gratuitos. Tudo isso depende do tipo de licença aplicada ao programa, portanto é importante verificar estas informações antes de escolher a melhor opção.

Utilizando o R na bioinformática Apesar do RStudio fornecer uma interface gráfica, nenhuma das opções nos menus vai executar uma operação por si só. Sim, é necessário um mínimo de programação para utilizar o R. Mas boa parte das tarefas podem ser simples e há muita ajuda na internet! Neste capítulo usaremos um conjunto de dados bem famoso, o Iris flower dataset, que é um conjunto de dados com informações a respeito do comprimento e largura das sépalas e pétalas de 50 indivíduos de três espécies do gênero Iris. Este dataset foi utilizado no artigo “O uso de medições múltiplas em problemas taxonômicos como exemplo de análise discriminante linear” (“The use of multiple measurements in taxonomic problems as an example of linear discriminant analysis”) de Robert Fisher, com dados de espécimes coletados por Edgar Anderson. A Tabela 1 apresenta uma pequena amostra deste conjunto de dados.

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Tabela 1. Parte do conjunto de dados Iris, disponível no repositório de Machine Learning da University of California, Irvine.

Sepal.Length Sepal.Width Petal.Length Petal.Width Species

5.1 3.5 1.4 0.2 setosa

4.9 3 1.4 0.2 setosa

5.5 2.3 4 1.3 versicolor

6.5 2.8 4.6 1.5 versicolor

7.1 3 5.9 2.1 virginica

6.3 2.9 5.6 1.8 virginica

No decorrer desta seção serão apresentadas três razões pelas quais o R pode ser escolhido em detrimento a um programa como o Microsoft Excel ou o LibreOffice Calc. A primeira razão é a estabilidade dos programas. É bem comum que o Excel trave durante sua utilização devido a quantidade de dados na planilha e tenha que ser reiniciado. O limite do Excel é de 1.048.576 linhas e 16.384 colunas, mas várias vezes o programa trava com apenas alguns milhares de linhas. Apesar de reconhecermos que o Excel pode lidar com quantidades maiores de colunas e linhas utilizando o Power Pivot, essa discussão sai do escopo do capítulo. Por sua vez, os limites do R são maiores, sendo 2.147.483.647 linhas e um valor próximo disso para o número de colunas. O maior limitante no caso do R é a quantidade de memória. No caso do Iris flower dataset, o conjunto de dados possui apenas 150 linhas (151 linhas com o cabeçalho) e 5 colunas, então ambos os programas mencionados acima conseguiriam lidar com ele. Uma das questões mais importante na Bioinformática é a organização dos dados, o que pode levar dias de trabalho a depender do tamanho e complexidade do seu dataset. Neste conjunto de dados (amostra na Tab. 1), na primeira linha (header) há a identificação de cada uma das colunas e todas as células estão preenchidas. É importante que cada linha contenha a identificação das variáveis medidas, seja o grupo estudado, ou a espécie/epíteto específico (que não precisa estar em itálico), ou o tratamento, mesmo que várias linhas se repitam considerando todas as réplicas biológicas. A identificação da amostra geralmente vem na primeira coluna mas neste caso, ela se encontra em um local não convencional, na última coluna. Padronizar a organização dos dados é algo extremamente importante e pode poupar trabalho extra no futuro. No R, é possível corrigir aspectos da organização 253

de dados facilmente com um comando. Para isso considere que este conjunto de dados foi aberto em uma tabela que recebeu o nome de “data”.

data[,c(5,1:4)] -> data

Este comando reordenou as colunas da tabela “data”. Os colchetes indicam para o programa que o conteúdo da tabela será o alvo das ações. Antes da vírgula estão as linhas, depois dela as colunas. A letra “c” falamos indica que a ação será aplicada a mais de um item. Neste caso, a coluna 5 assume a primeira e depois dela o intervalo de colunas de 1 até 4. Os dados agora estão organizados conforme indicado na Tabela 2.

Tabela 2. Parte do conjunto de dados Iris reorganizada no R, com a coluna de identificação das amostras em primeiro lugar.

Species Sepal.Length Sepal.Width Petal.Length Petal.Width

setosa 5.1 3.5 1.4 0.2

setosa 4.9 3 1.4 0.2

versicolor 5.5 2.3 4 1.3

versicolor 6.5 2.8 4.6 1.5

virginica 7.1 3 5.9 2.1

virginica 6.3 2.9 5.6 1.8

Isto é parte à segunda razão pela qual o R é utilizado na Bioinformática: a replicabilidade e flexibilidade. O código acima sempre produzirá os mesmos resultados dado que a tabela original siga o mesmo molde. Esse mesmo código pode também ser utilizado para outros dados com ajustes mínimos, o que também é válido para os próximos passos aqui descritos, e isso poupa tempo na reorganização de tabelas similares. Para fins de exemplo, uma tabela fictícia com dados complementares aos da tabela acima, com informações a respeito do coletor de cada espécie e o local da coleta, será utilizada. Estas informações estão representadas na Tabela 3.

254

Tabela 3. Informações sobre a coleta de três espécies do gênero Iris.

Species Collector Sampling place

setosa Edgar Anderson United States

virginica Edgar Anderson United States

versicolor Edgar Anderson Russia

No R, a função merge pode ser utilizada para combinar tabelas. A função merge une dois objetos diferentes em um único objeto a partir de uma ou mais colunas em comum ao comparar duas tabelas. Neste caso, a Tabela 3 foi carregada com o nome de “collection_information” (espaços e acentos nos nomes dos objetos carregados podem causar problemas, essas são boas práticas de programação).

merge(data, collection_information, by.x = 1, by.y = 1) -> data_collection

O que esse comando fez? A função merge utilizou a tabela “data” como o argumento x e a tabela “collection_information” como o argumento y. Após determinar quais tabela correspondiam a cada um dos argumentos, demos para a função o número da coluna que ela deveria utilizar para fazer a junção das tabelas utilizando a função by.x e by.y (indicando a coluna 1 para ambas). Como aqui podemos fornecer o número da coluna, a função merge funcionaria mesmo sem termos organizado a tabela “data” antes. O resultado dessa função pode ser visto na Tabela 4.

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Tabela 4. Parte do conjunto de dados Iris, combinando as informações apresentadas nas Tabelas 2 e 3 para cada espécie após um comando no R.

Species Sepal. Sepal.Width Petal. Petal.Width Collector Sampling place Length Length

Setosa 5.1 3.5 1.4 0.2 Edgar United States Anderson

setosa 4.9 3 1.4 0.2 Edgar United States Anderson

versicolor 5.5 2.3 4 1.3 Edgar Russia Anderson

versicolor 6.5 2.8 4.6 1.5 Edgar Russia Anderson

virginica 7.1 3 5.9 2.1 Edgar United States Anderson

virginica 6.3 2.9 5.6 1.8 Edgar United States Anderson

O exemplo acima é bem simples e serve apenas para dar uma ideia das possibilidades de organização de dados com o R. O R possui diversas outras opções de forma nativa, além daquelas que são acrescentadas através de pacotes adicionais. A terceira razão pela qual é sugerido o uso do R ao invés de outros programas é a capacidade de integração de processos. Neste momento, a Tabela 4 carregada no programa permite fazer análises estatísticas direto nela. A primeira análise estatística é um teste de normalidade. Testes de normalidade determinam se nossos dados possuem distribuição normal ou não-normal, o que influenciará na escolha do teste estatístico. Um dos testes mais utilizados é o Shapiro-Wilk. O teste de Shapiro-Wilk é aplicado de maneira individual para cada uma das medidas da tabela. Para testar a normalidade do comprimento da sépala (sepal length), usa-se o seguinte comando: shapiro.test(data_collection$Sepal.Length)

O resultado é o seguinte:

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Shapiro-Wilk normality test data: data_collection$Sepal.Length W = 0.97609, p-value = 0.01018

Aqui, o que interessa é o p-valor do teste. A hipótese nula é que os dados possuem uma distribuição normal. O nível de significância normalmente utilizado é 0,05, portanto, nesse caso podemos rejeitar a hipótese nula e os dados de comprimento das sépalas possuem uma distribuição não-normal. No entanto, para a largura das sépalas tem-se o seguinte resultado: shapiro.test(data_collection$Sepal.Width)

Shapiro-Wilk normality test data: data_collection$Sepal.Width W = 0.98492, p-value = 0.1012

Neste caso a distribuição dos dados é normal, uma vez que não rejeitamos a hipótese nula. Mas precisa-se repetir este comando para todas as quatro colunas? Conforme foi mostrado no primeiro exemplo com o R, pode-se utilizar números para trabalhar com colunas e linhas. No caso do comprimento da sépala, que está na segunda coluna da nossa tabela, utilizou-se o seguinte comando: shapiro.test(data_collection[,2])

Com isso em mente, pode-se escrever um código um pouco diferente. Precisa-se, em primeiro lugar, indicar para o R quais são as colunas de interesse. Para isso vamos criar um objeto chamado “columns”: columns <- 2:5

O que esse comando fez foi criar um objeto que contém os números 2, 3, 4 e 5 dentro dele, os quais correspondem às colunas nas quais queremos aplicar o teste de normalidade. Agora vamos escrever um loop. Um loop é uma operação na qual uma função ou um conjunto de funções é repetido por um determinado número de vezes. Aqui, ele será repetido quatro vezes. O nosso loop será o seguinte: for (i in columns){ print(shapiro.test(data_collection[,i])) }

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O loop começa com a palavra for, que indica que o processo entre chaves será repetido para cada uma das situações indicada entre os parênteses. Neste caso, a situação é cada valor individual i presente dentro do objeto “columns”. Notem que dentro dos colchetes temos praticamente o mesmo comando que utilizamos anteriormente, só substituímos o número da coluna pela letra i. Dessa forma, cada vez que o loop for executado um novo valor de coluna será utilizado. A única parte diferente é o comando print, uma vez que sem ele os resultados não seriam exibidos no console. À respeito da escolha de referir-se a colunas ou linhas através de números ou nomes, devemos pensar se nossa tabela será reorganizada em algum momento antes de repetir um mesmo comando. Ao utilizar o nome da coluna dentro de um loop, não precisa se preocupar com a posição dela na tabela, o que não ocorre se utilizamos o seu número. Uma noção clara do processamento dos dados e manter a padronização dos resultados é algo que sempre devemos ter em mente (novamente, essas são boas práticas de programação). A última análise vai mostrar como o sistema de filtros do R funciona. Dessa vez selecionamos apenas as amostras coletadas nos Estados Unidos (United States) a partir da Tabela 4, que está com o nome de “data_collection”. A função para essa filtragem é o grep: data_collection[grep("United States",data_collection$Localization),] -> united_states

Como esse comando foi construído? Em primeiro lugar, indica-se onde vamos aplicar a função grep, por isso começamos chamando a tabela “data_collection”. Em segundo lugar, utiliza-se os colchetes para indicar que a função grep será aplicada nas linhas da nossa tabela. Dentro dos parênteses, após o grep, fornecemos duas informações, o padrão que será buscado (“United States”) e onde ele será buscado (“data collection$Localization” ou poderíamos usar “data_collection[,7]”). O resultado final é uma tabela que contém apenas as amostras coletadas nos Estados Unidos (Tabela 5).

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Tabela 5. Parte do conjunto de dados Iris tal como apresentado na Tabela 4 mas filtrado apenas para amostras coletadas nos Estados Unidos.

Species Sepal.Length Sepal.Width Petal. Petal.Width Collector Localization Length

Setosa 5.1 3.5 1.4 0.2 Edgar United States Anderson

Setosa 4.9 3 1.4 0.2 Edgar United States Anderson

virginica 7.1 3 5.9 2.1 Edgar United States Anderson

virginica 6.3 2.9 5.6 1.8 Edgar United States Anderson

O objetivo desta situação exemplo foi mostrar que o R e a Bioinformática não são “bichos de sete-cabeças” e inspirar o leitor a aprender por conta própria. Os exemplos apresentados acima são bem simples e servem apenas como uma apresentação da linguagem, mas os códigos empregados poderiam ser usados para datasets mais complexos e com maior volume de dados. No final do capítulo você encontrará uma lista de recursos que pode utilizar para aprender mais sobre o R (assim como Perl e Python).

Como obter ajuda? Basicamente, para a maioria das análises que você pensar em escrever um script para rodar, saiba que alguém já deve ter pensado a respeito e debatido isso em sites como GitHub (https://github.com/) e StackOverflow (https://stackoverflow.com). O GitHub é uma comunidade para desenvolvedores e pessoas interessadas, onde cada um pode postar seu próprio código e contribuir com o código das demais pessoas. O StackOverflow é um site no qual a comunidade responde perguntas de usuários de todos os níveis para todas as linguagens de programação. É importante utilizar o mecanismo de buscas para tentar evitar perguntas repetidas e novas discussões devem ser abertas de forma clara. Sempre que possível, inclua um dataset de exemplo para facilitar as respostas dos demais usuários. Os códigos escritos em R podem ser facilmente compartilhados e para isso existem inúmeros repositórios no GitHub com ótimos scripts para utilizarmos. A flexibilidade do R permite que um mesmo código seja aplicado em diversas situações e contextos com ajustes mínimos. Para navegar 259

no Github, use o mecanismo de busca para encontrar implementações de diferentes funções ou mesmo códigos prontos.

Lista de recursos Depois desta pequena introdução à Bioinformática, talvez a ideia de utilizar as ferramentas desse campo seja mais atraente. Não é necessário se tornar um programador completo para aproveitar as vantagens destas ferramentas. Foi copilada abaixo uma lista com alguns recursos que podem ser úteis para começar seu aprendizado. Não é necessário aprender tudo de uma vez. Buscar as funções e soluções necessárias conforme o desenvolvimento do trabalho é uma ótima forma de aprender.

Coursera e edX O Coursera e o edX são duas plataformas de ensino que contam com cursos de algumas das melhores universidades e centros de pesquisa. Ambas as plataformas possuem cursos gratuitos, mas certificados estão disponíveis, no geral, apenas após pagamento de uma taxa. O Coursera oferece auxílio financeiro integral para alguns cursos, enquanto o edX concede até 90% de desconto. Recomendamos que explorem ambos os sites, principalmente para se aprofundarem nas linguagens.

R ⚫ Um curso introdutório de programação em R do site Software Carpentry. Disponível no GitHub: http://swcarpentry.github.io/r-novice-inflammation/ ⚫ Um curso de exploração estatística utilizando R no edX feito pelo Instituto Karolinska. Disponível no edX: https://courses.edx.org/courses/course- v1:KIx+KIexploRx+2015T3/course/ ⚫ R-Bloggers - Uma página que agrega postagens de diversos blogs sobre R. Diversos tutoriais interessantes podem ser encontrados aqui. Disponível em: https://www.r-bloggers.com/ ⚫ RDocumentation - Site que reúne a documentação de todos os pacotes do R disponíveis no CRAN, Bioconductor e GitHub. Disponível em: https://www.rdocumentation.org/

Python ⚫ Rosalind - Uma das iniciativas mais interessantes para aprender Python para Bioinformática. As lições envolvem tarefas cada vez mais complexas e completamente voltadas para sistemas biológicos. Disponível em: http://rosalind.info/problems/locations/ ⚫ Um curso introdutório de programação em Python do site Software Carpentry. Disponível no GitHub: http://swcarpentry.github.io/python-novice-inflammation/

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⚫ Um curso rápido de Python do Codecademy. Algumas atividades são liberadas apenas para usuários que compraram o curso. Disponível em: https://www.codecademy.com/learn/learn-python

Perl ⚫ PerlMonks - Uma comunidade voltada para auxiliar usuários de Perl e compartilhar dicas. Disponível em: http://www.perlmonks.org/ ⚫ Perl for Perl Newbies - Um curso introdutório de Perl voltados para pessoas sem experiência em programação. Disponível em: http://perl-begin.org/tutorials/perl-for-newbies/ ⚫ Perl Tutorials - Alguns tutoriais selecionados pelos mantenedores da linguagem. Disponível em: https://learn.perl.org/tutorials/

Referências Carey, M.A. & Papin, J.A. 2018. Ten simple rules for biologists learning to program. PLoS Computational Biology 14(1): e1005871. Ihaka, R. & Gentleman, R. 1996. R: a language for data analysis and graphics. Journal of computational and graphical statistics, 5(3): 299-314. Greene, C.S., Tan, J., Ung, M., Moore, J.H. & Cheng, C. 2014. Big Data Bioinformatics. Journal of Cell Physiology 229(12). Macarthur, D. 2009. Why Biology Students Should Learn How To Program. Disponível em: https://www.wired.com/2009/03/why-biology-students-should-learn-how-to-program/amp. Acesso em: 15/05/2018. Moore, J.H. 2007. Bioinformatics. Journal of Cellular Physiology 213: 365–369. Rhee, S.Y., Dickerson, J. & Xu, D. 2006. Bioinformatics and Its Applications in Plant Biology. Annual Review of Plant Biology 57:335–60. Smith, D.R. 2015. Broadening the definition of a bioinformatician. Frontiers in Genetics 6: 258. Vaughan-Nichols, S. J. Linux Totally Dominates Supercomputers. Disponível em: https://www.zdnet.com/article/linux-totally-dominates-supercomputers/. Acesso em: 15/05/2018. Vincent, A.T. & Charette, S.T. 2015. Who qualifies to be a bioinformatician? Frontiers in Genetics 6: 164. doi: 10.3389/fgene.2015.00164 Wickham, H. 2014. Tidy data. Journal of Statistical Software 59(10): 1-23.

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CAPÍTULO 21

Educomunicação como ferramenta de Educação Ambiental: Projeto Ecossistemas Costeiros Mariana Sousa Melo (Universidade de São Paulo) Maria Carolina Las-Casas e Novaes (Universidade Estadual Paulista, "Julio de Mesquita Filho") Carmen Lucia Gattás (Universidade de São Paulo) Sabrina Gonçalves Raimundo (Universidade de São Paulo)

Introdução Os seres humanos ocupam hoje todas as regiões do planeta, sendo então cosmopolitas. Há cerca de 200 mil anos surgiram os humanos modernos no continente africano, atingindo o atual comportamento e anatomia há cerca de 50 mil anos. Porém, o planeta Terra já conhecia diversos outros organismos como plantas, répteis, aves, mamíferos, fungos e bactérias que aqui habitavam há milhares de anos. Uma característica da espécie humana é o desejo de entender e influenciar o ambiente à sua volta, procurando explicar e manipular os fenômenos naturais através da filosofia, artes, ciências, mitologia e da religião. E, embora sejam parte da natureza como um todo, sua atuação sobre ela é demasiadamente predatória, causando expressivos impactos em diversas escalas ambientais. Enfrenta-se hoje uma crise ambiental que se originou com atividades humanas como: exploração descomunal dos recursos naturais, alto consumo, contaminação e poluição causadas pela expansão urbana desordenada, entre outros. A atual situação é preocupante, se intensificando ainda mais se considerarmos o desconhecimento que temos dos limites e da complexidade existente da inter-relação entre os sistemas e suas capacidades, seus elementos e sua resiliência, bem como escala de interação com outros sistemas. Assim, enfrentamos um cenário alarmante, vendo as florestas, os solos, o ar, os rios e a biodiversidade em pleno declínio. Em contrapartida, nunca antes se falou tanto em preservação, conservação e sustentabilidade. Em contra partida, alguns sinais de avanços na tomada de consciência global foram acentuadas nas últimas décadas por discussões internacionais que muito contribuíram para consolidar o conceito de Educação Ambiental e Sustentabilidade em diversas partes do mundo. A partir de conferências como a de Estocolmo nos anos 70 e Rio92, o desenvolvimento de um cenário de aprovação consensual foi favorecido entre praticamente todos os países do mundo a respeito de seus papéis político, social, econômico bem como o papel individual dos cidadãos em prol do meio ambiente.

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Visando a importância dos processos educacionais para formação de uma sociedade reflexiva, tem sido intensificada a articulação da temática ambiental nas políticas globais, regionais e locais, buscando a ampliação dessa área, visando formar cidadãos mais sustentáveis. No Brasil, existem muitas iniciativas que contemplam uma política nacional que pretende estimular o desenvolvimento da Educação Ambiental. Entre elas, temos o Tratado de Educação Ambiental para Sociedades Sustentáveis, que é usado hoje como instrumento fundamental para descrição dos objetivos e dos princípios que devem nortear os processos de Educação Ambiental em ambientes formais e não- formais. Os educadores são parte fundamental neste processo, apoiando professores e alunos no âmbito escolar. Grandes obstáculos existem no caminho rumo a sociedades justas e sustentáveis, ao considerar a realidade econômica, as desigualdades sociais e o modelo de consumo capitalista que desafiam o mundo todo. Neste contexto, devemos criar novas metodologias para a prática educativa que possibilitem uma mudança de paradigmas, capaz de preparar pessoas a lidar com a crise ambiental, capaz de analisar as complexas relações entre os processos naturais e sociais, respeitando as diferenças socioculturais e todas as formas de vida.

Histórico da educação ambiental Há cerca de três décadas a Educação Ambiental é considerada como um processo de formação dinâmico, permanente e participativo, no qual as pessoas envolvidas devem se tornar agentes transformadores, participando ativamente da busca de alternativas para a redução de impactos ambientais e para o controle social do uso dos recursos naturais. No entanto, ainda se trata de um campo de estudos e de práticas recente. A Educação Ambiental (EA) quanto nicho vem como resposta aos diversos problemas ambientais, e mais atualmente também sociais. Por esse motivo, compreender os acontecimentos históricos das diversas épocas, antes, durante a sua formação e depois desta, se faz necessário para o entendimento da constante evolução da EA e de sua relevância para a sociedade como um todo tanto no Brasil quanto no restante do mundo (Figura 1).

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Figura 12: Histórico da Educação Ambiental no Brasil e no Mundo: Durante os anos 60 as discussões sobre o impacto humano e a crise ambiental na qual estamos ainda inseridos se intensificaram, resultando em uma série de ações internacionais que culminaram conferências importantes para definição de teorias e práticas na área de educação em diversas escalas das décadas seguintes.

É importante compreender que a degradação ambiental tem se deflagrado desde a entrada dos portugueses no Brasil por meio da exploração da madeira, do ouro, diamantes, entre outros elementos naturais. No entanto, a implementação do tema ambiental na educação como meio para alcançar novos paradigmas e comportamentos frente aos problemas ambientais têm sido tema de discussão há poucas décadas, principalmente como produto de conferências internacionais refletidas em ações em escalas menores. O desenvolvimento da Educação Ambiental começou a ser discutido especialmente durante os anos 60 com a publicação do livro “Primavera Silenciosa” da jornalista Rachel Carson que denunciava as consequências devastadoras das atividades humanas como, por exemplo, perda da qualidade de vida dado o uso indiscriminado e excessivo de produtos químicos, como os pesticidas, e seus posteriores efeitos sobre o meio ambiente. Seguido desse alerta de impacto internacional, outros eventos se deflagraram e foram importantes para a EA. O próprio termo Educação Ambiental foi cunhado pela primeira vez em 1965 durante a Conferência em Educação da Universidade de Keele, na Grã - Bretanha. Três anos depois, trinta especialistas de várias áreas se reunirem em Roma discutindo a crise na qual a humanidade estaria inserida, formando o Clube de Roma e em 1972 produziriam o relatório "Os Limites do Crescimento Econômico" (The Limits of Growth) que apontava o crescente consumo mundial, o limite de crescimento, possível colapso e ações alternativas ao problema. Tendo esses e outros acontecimentos como pano de fundo, em 1972 aconteceu a primeira Conferência das Nações Unidas sobre o Meio Ambiente Humano, promovida pela Organização das Nações Unidas (ONU). A conferência aconteceu em Estocolmo, na Suécia, e dela partiu a recomendação para que o secretário-geral, organismos do sistema das Nações Unidas, particularmente as organizações Educacional, Científica e Cultural das Nações Unidas (Unesco) e as demais instituições pertinentes que, após consultas e de comum acordo, tomem as disposições 264

necessárias para estabelecer um programa internacional de educação focando as questões ambientais de forma interdisciplinar, compreendendo todos os níveis de ensino e o público em geral, bem como aqueles que vivem em zonas rurais e urbanas, de todas as idades, ensinando de forma simples e contextualizadora, possibilitando assim com que todos, dentro de suas possibilidades, possam contribuir com a causa ambiental. Essa conferência foi importante para o meio ambiente e para o fomento da EA, e é considerada por muitos como a responsável por inserir a educação ambiental na agenda global. Assis (1991) documenta que em cumprimento à recomendação feita na Conferência de Estocolmo, em 1975 a Unesco por meio do Programa das Nações Unidas para o Meio Ambiente (PNUMA) lança o Programa Internacional de Educação Ambiental (PIEA). Entre as atividades do PIEA, que contribuíram para uma conscientização internacional sobre a educação ambiental, cabe destacar especialmente uma série de reuniões internacionais e regionais, entre elas a Conferência Intergovernamental de Tbilisi, na Geórgia, em 1977. Foi nesta conferência que se considerou que embora as bases biológicas constituam um elemento fundamental e natural do meio ambiente, as questões sociais, econômicas, culturais e os valores éticos são dimensões importantes, devendo ser usados como instrumentos que nos façam compreender e utilizar melhor os recursos da natureza, com o objetivo de satisfazer suas necessidades. Também nessa conferência (Tbilisi em 1977) a EA foi definida como uma extensão do conteúdo e prática da educação convencional, direcionando a resolução de problemas relacionados ao meio ambiente, utilizando-se da interdisciplinaridade e da participação ativa e responsabilidade individual e coletiva, recomendando que a EA dirija-se a todos os públicos de forma permanente, reagindo às mudanças constantes em nosso planeta. Durante os anos 80 houve muitas ações dispersas ao redor do mundo. No Brasil, o então Presidente João Figueiredo sancionou a Lei n 6938/81, sobre a política nacional do meio ambiente, nela constam os objetivos, instrumentos e diretrizes da política, criando ainda o Sistema Nacional do Meio Ambiente (SISNAMA), e criando também o Conselho Nacional de Meio Ambiente (CONAMA). Em 1987, foi aprovado pelo Ministério da Educação o parecer 226/87 que enfatiza a necessidade da inclusão da Educação Ambiental nas propostas do currículo escolar. Em paralelo, o mundo também discutia o conceito e a viabilidade do desenvolvimento sustentável, exemplo disso foi a I Conferência sobre o Meio Ambiente da Câmara de Comércio Internacional, com o objetivo de estabelecer formas de colocar em prática o conceito de “desenvolvimento sustentado”, realizada em 1984 na Cidade de Versalhes. Dez anos passados da Conferência de Tiblisi, aconteceu em Moscou o “Congresso Internacional Unesco - PNUMA sobre a educação e a formação relativas ao meio ambiente”. Dele

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resultou um documento denominado “Estratégia Internacional de Ação em Matéria de Educação e Formação ambiental para o Decênio de 1990”. Todos esses eventos culminaram em um marco para o desenvolvimento da Educação Ambiental que se deu especialmente durante Conferencia do Rio em 1992, (popularizada como Rio- 92). Ela teve como principal resultado um documento conhecido como Agenda 21, no qual foi proposto um novo paradigma em relação ao desenvolvimento econômico. Além disso, o documento promove o ensino como forma de conscientização e treinamento profissional, formalizando a Carta Brasileira para Educação Ambiental. Em paralelo, surgia o Tratado de Educação Ambiental para Sociedades Sustentáveis e Responsabilidade Global como resultado do Fórum das ONGs que acompanhavam a Rio-92 e, sintonizado ao tratado, surge o ProNEA – Programa Nacional de Educação Ambiental, que utiliza-o como diretriz e sendo de grande importância para a realização da EA em todas as esferas do país. O tratado valoriza o papel da educação como ferramenta de formação de valores, transformação humana e social, capaz de promover conservação ambiental. Deste modo, o documento retrata a EA como um processo dinâmico em permanente construção e devendo, assim, propiciar reflexão, debate e sua própria modificação. Assim, o Tratado de Educação Ambiental para Sociedades Sustentáveis e Responsabilidade Global (1992) tem como tópicos: os princípios da Educação para Sociedade Sustentáveis e Responsabilidade Global, um Plano de Ação, um Sistema de Coordenação, Monitoramento e Avaliação, além de apontar grupos a serem envolvidos nesta busca pela Educação Ambiental transformadora e os recursos a serem utilizados. Para o Brasil, os frutos da Rio-92, juntamente ao Tratado de Educação Ambiental para Sociedades Sustentáveis refletiram em resultados educacionais posteriores importantes. Por exemplo, a portaria 773/93 do MEC que instituiu permanentemente um Grupo de Trabalho para EA com objetivos de coordenar, apoiar, acompanhar, avaliar e orientar as ações, metas e estratégias para a implementação da EA nos sistemas de ensino em todos os níveis e modalidades. É importante ressaltar que não somente a educação ambiental quanto nicho educacional que se promoveu na década de 90, mas foi nesta mesma década, em 1996, que se estabeleceu a Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (LDB, Lei 9.394/96). No entanto, na LDB existem poucas menções à Educação Ambiental. Contudo, foi promulgada em 1999 a Lei nº 9.795 de 27 de abril de 1999 que institui a Política Nacional de Educação Ambiental e também houve a inserção do tema de Meio Ambiente dentro dos Parâmetros Curriculares Nacionais (PCN). Este documento coloca como objetivo central dessa temática a formação de cidadãos conscientes aptos a decidir e atuar na realidade socioambiental. Para tanto, o PCN entende para ser necessário que os educadores, mais do que informações e conceitos,

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trabalhem com seus alunos atitudes e formação de valores. Portanto, têm por objetivo auxiliar os educadores na reflexão sobre a prática diária em sala de aula e servir de apoio ao planejamento de aulas e ao desenvolvimento do currículo da escola. Os avanços nos anos 2000 foram marcados pela definição dos ODM (Objetivos de Desenvolvimento do Milênio) da ONU e posteriormente pela Rio+20, que ocorreu em 2012 e veio para uma avaliação do que foi alcançado desde a Rio92 (20 anos antes) em relação ao meio ambiente. Esta conferência gerou muita expectativa, mas apresentou resultados aquém de sua competência, obtendo poucos avanços em um ano. Somente em 2015 na 70ª Sessão da Assembléia Geral das Nações Unidas os ODS (Objetivos de Desenvolvimento Sustentável) foram finalmente definidos. Os 17 ODS são ambiciosos e foram baseados nas 8 ODM, compreendendo metas que vão desde a erradicação da fome, da pobreza e proteção do planeta à busca pela paz e prosperidade. A nova Agenda 2030 engloba os 17 ODS e vem como ferramenta para o desenvolvimento sustentável, reconhecendo a necessidade de avanços na ciência, tecnologia e inovação, levando em conta as Mudanças Climáticas Globais, o que vai de encontro com as Conferências da ONU sobre o clima (COPs). A COP 21 (21ª Conferência das Nações Unidas sobre as Mudanças Climáticas) realizada em Paris no mesmo ano em que as ODS saíram do papel teve como objetivo firmar acordo para a redução da emissão dos gases de efeito estufa. Os avanços nas metas listadas nessa conferência estão sendo avaliadas desde então nas COP 22 (2016), 23 (2017), e novamente em dezembro desse ano, na COP 24. Assim, ao longo de todos esses anos, desde que se cunhou o termo “Educação Ambiental”, houve muitas classificações e denominações explicitaram as concepções que preencheram de sentido as práticas e reflexões pedagógicas relacionadas à questão ambiental. A princípio todas elas partem da ideia de que o próprio conceito de educação ambiental é em si uma adjetivação do substantivo "educação", colocando a ela um atributo especial dado seu caráter ambiental, não enfatizado pela educação comum. Deste modo, Educação Ambiental é o nome que historicamente se convencionou dar às práticas educativas relacionadas à questão ambiental. É igualmente importante definir que se reconhecem como essenciais as características e os princípios propostos pela Conferência de Tbilisi e refinados pelo Tratado de EA para Sociedades Sustentáveis, entendendo que a Educação Ambiental é um processo: • Dinâmico: construído de maneira integrativa e permanente, onde a comunidade se conscientiza através do conhecimento que adquire sobre o ambiente no qual está inserida, agindo individual e coletivamente com base em valores, habilidades e experiências para solucionar problemas ambientais. • Transformador: onde o conhecimento e as habilidades alcançadas possibilitem mudanças de atitudes quanto à relação humana com o meio.

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• Participativo: havendo sensibilização, conscientização e estimulo à participação do indivíduo em ações coletivas. • Abrangente: atingindo mais do que o ambiente escolar formal, conseguindo envolver as famílias e toda a comunidade, sendo eficaz e alcançando diversos grupos sociais. • Globalizador: conseguindo ver o ambiente em diversas faces, desde a natural até a tecnológica e socioeconômica, atuando de forma local, regional e global. • Permanente: que envolva o senso crítico, levando a compreensão de aspectos complexos, sendo crescente e contínuo. • Contextualizador: que entenda a realidade da comunidade na qual a EA esteja inserida, mas sem deixar de lado a influência local para o todo. • Transversal: sendo possível integrar a EA em qualquer disciplina, não tratando como um assunto a parte, mas que seja introduzindo em todo e qualquer conteúdo didático. Como observado, o desenvolvimento da Educação Ambiental como teoria e também sua prática tem como premissa discussões internacionais, tendo relevância no processo de difusão e motivação de ações na área ambiental. No entanto, o assunto ainda está longe de se esgotar e tem tido cada vez mais relevância.

Interface entre educação ambiental e educomunicação: A prática da educomunicação surgiu na América Latina em meados do século XX, junto aos movimentos ambientais da sociedade civil em defesa do meio ambiente, que acaba por aproximar a educação para comunicação dentro do contexto da educação ambiental. A educomunicação é um campo de estudos e de práticas metodológicas, aplicadas em projetos de educação ambiental, entre outros, onde a comunicação tem seu papel diferenciado nos processos educativos, de gestão e de mobilização social. Ela pressupõe a formação de pessoas que utilizem a comunicação como ferramenta de intervenção da realidade em que vivem, produzindo seus próprios canais de comunicação de forma coletiva. O desenvolvimento destas ações coletivas de comunicação deve implicar na informação de qualidade, seja ela ambiental, cultural, social entre outras, visando a garantia de acesso aos recursos tecnológicos que proporcionam o "fazer comunicativo". Dentro deste contexto, a comunicação não corresponde apenas às ações para divulgação de políticas ou projetos de educação ambiental, mas ela também está relacionada aos processos formativos e participativos, cujo foco da comunicação são todas as etapas envolvidas na produção dos materiais, desde o aprendizado do "como fazer" até os desdobramentos que o material pode desencadear com o fortalecimento da organização social, valorização da cultura local, ganhos no conhecimento, entre outros.

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Parte destas reflexões e mobilizações sobre as relações entre o meio ambiente, educação e comunicação, se dá pela articulação de práticas comunicativas no que hoje denomina-se como “Educomunicação Socioambiental", a partir do ProNEA - Programa Nacional de Educação Ambiental. Acreditamos que a Educomunicação Socioambiental é capaz de criar um ecossistema comunicativo, que se ocupa de produzir e divulgar práticas ambientais, propiciando direito à liberdade de expressão e da difusão de informação utilizado como ferramenta para a educação ambiental.

Breve histórico do Projeto Ecossistemas Costeiros Ecossistemas Costeiros é um projeto de extensão do Instituto de Biociências da Universidade de São Paulo, desenvolvido por graduandos, pós-graduando e uma rede de colaboradores, com apoio de varias instituições, como o Parque de Ciências e Tecnologia da Universidade de São Paulo e Secretaria Estadual de Educação. O projeto foi criado pelo docente Prof. Dr. Flavio Berchez, pesquisador do Laboratório de Algas Marinhas (LAM) - Departamento de Botânica (IB USP), com atuação em educação e pesquisa na área de comunidades bentônicas, promovendo o monitoramento de costões rochosos e nos efeitos de eventos extremos em áreas costeiras e marinhas, desde 1988. Inicialmente, a partir de 1997, vários cursos de extensão foram ministrados. As primeiras ações de educação não formal surgiram como extensão dos conhecimentos adquiridos no monitoramento dos costões da Enseada das Palmas, situada no Parque Estadual de Ilha Anchieta, onde pesquisou os efeitos antrópicos causados por turistas e mergulhadores sobre o costão rochoso. Pensando nisso surgiram os primeiros modelos de Educação Ambiental Marinha nascendo o Projeto Trilha Subaquática em 2002. Ao todo, foram desenvolvidos doze modelos, entre eles: a trilha Subaquática em mergulho livre, a trilha Subaquática em mergulho autônomo, a trilha do Aquário Natural, a trilha em Caiaques, a trilha Vertical, a trilha Fora d´água, a trilha dos Ecossistemas, a Gincana de Orientação por Bússola e a Trilha das Mudanças Climáticas Globais, paralelamente a outros modelos que estão em fase de amadurecimento, como um aplicativo mobile de realidade virtual. Cada modelo desenvolvido tem caráter lúdico e a interatividade com o público-alvo também são diretrizes das atividades. O desenvolvimento, aplicação e avaliação dos modelos construídos estão contextualizados em relação a questões ambientais e sociais, com objetivos holísticos e transformadores. Em 2014, o projeto evoluiu para o Programa “Educação na Natureza como suporte ao Ensino Fundamental e Ensino Médio”, incluindo escolas públicas estaduais no processo. Neste Programa, somado aos esforços de Unidades de Conservação (UC´s) e Escolas Públicas do seu entorno, formou- se uma rede de colaboração para a melhoria do ensino público no qual o grupo desenvolve propostas de atividade de ensino outdoor, utilizando os espaços naturais como sala de aula, através de temas de

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caráter fenomenológico, abordando todas as disciplinas a partir de assuntos ligados a eventos naturais ou climáticos em unidades de conservação (Figura 2). O principal foco da rede consiste na melhoria do ensino publico e os colaboradores atuam de modo a aperfeiçoar a interação entre a universidade, as UCs e as escolas do entorno. Atualmente, a rede está sendo testada e avaliada no Parque CienTec e Raia Olímpica, ambos da USP, no Parque Estadual Ilha Anchieta, no Mosaico de Unidades de Conservação da Juréia- Itatins, nos Núcleos Caraguatatuba, São Sebastião e Padre Dória do Parque Estadual da Serra do Mar, geridos pela Fundação Florestal. Todos esses parceiros são fundamentais no desenvolvimento desta iniciativa pioneira no Brasil. Novos gestores de UC´s vem se interessando e assim o projeto está em fase de expansão.

Figura 13: Mosaico de imagens do Projeto Trilha Subaquática. A) Monitor guiando estudante durante prática, modelo trilha Subaquática em mergulho livre; B) Estudante observando a fauna marinha através do instrumento adaptado utilizado no modelo trilha do Aquário Natural; C) Criança testando equipamento de mergulho ao iniciar a trilha Subaquática em mergulho autônomo; D) Grupo de monitores checando equipamento da Trilha Subaquática em mergulho livre. Imagens: Maria Carolina Las Casas.

A ação da rede começa a partir da universidade, que oferece treinamento aos monitores avançados. Monitores em nível de estágio avançado recebem capacitação para oferecer o workshop de treinamento para professores de escolas publicas, com atuação no ensino fundamental e médio. Os professores são orientados a realizar o mesmo treinamento com seus alunos antes de realizar a visita

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de campo dentro das Unidades de Conservação, onde se utiliza a Trilha das Mudanças Climáticas Globais.

Atual modelo de Educação Trilha das Mudanças Climáticas Globais O modelo atual "Trilha das Mudanças Climáticas Globais" foi fundamentado nas bases conceituais: Phenomenon Learning (Educação Fenomenológica), Outdoor Learning (Educação ao Ar Livre) e Transdiciplinarity (Transdiciplinaridade). Seu aprendizado ocorre em diferentes estações ao longo da trilha, durante um jogo cooperativo, onde cada grupo responde a perguntas em treze placas numeradas, com questões e desafios em cada uma (Figura 3). Outro diferencial deste modelo foi a elaboração de um documento único, o chamado “Protocolo da Trilha das Mudanças Climáticas Globais”, aplicado pelos monitores em exercício nas trilhas, a ser replicado em qualquer unidade de conservação, e que esteja especificamente voltado para grupos de estudantes de escolas públicas. Esse protocolo apresenta, ao longo de trilha dentro do ambiente natural, a questão do acúmulo de dióxido de carbono na atmosfera a partir da queima de combustíveis fósseis, relacionando-o aos processos de fotossíntese e respiração. Mostra esses últimos como processos em equilíbrio, que contrastam com a queima acelerada de combustíveis fósseis, onde o carbono estocado no subsolo por milhões de anos é liberado em quantidades maciças em um período curto de tempo. O protocolo deste modelo está em operação simultaneamente ao Treinamento e Credenciamento de Monitores, a partir do Programa "Educação na Natureza como suporte ao Ensino". Em fase final, a Trilha das Mudanças Climáticas Globais está sendo avaliada por projetos de pesquisa científica na área de educação, para futuras publicações.

Figura 14:Trilha das Mudanças Climáticas Globais no Parque Estadual da Ilha Anchieta. Imagens retiradas do acervo do Projeto Ecossistemas Costeiros.

Treinamento e Credenciamento de Monitores

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Paralelamente ao desenvolvimento dos modelos de Educação, há também o Credenciamento de Monitores Ambientais, que visa priorizar o treinamento continuo dos seus monitores, buscando sua avaliação de forma crítica, que indique a necessidade de adequações e a busca de melhores resultados. Aos credenciados no programa, são oferecidos alguns cursos destinados a capacitação e certificação de monitores ambientais para aplicação do "Protocolo da Trilha das Mudanças Climáticas Globais". O treinamento tem diferentes níveis de especialização, cada um deles liberando para atuações progressivamente mais abrangentes, de acordo com o registro de horas cadastrados no "logbook" - documento onde são registrados as atividades de cada monitor.

Educomunicação com Ferramenta de EA Ao final, como parte do processo de aprendizado, após os alunos percorrerem a Trilha das Mudanças Climáticas Globais, as escolas parceiras do Projeto Ecossistemas Costeiros são convidados a elaborar um curta metragem e incentivados a participar anualmente do concurso na modalidade "Melhor Vídeo" sobre Mudanças Climáticas Globais, sob ótica do júri acadêmico da Universidade de São Paulo. O concurso este ano está em sua Terceira Edição e foi lançado como forma de avaliar o processo educacional realizado com alunos e professores ao longo do ano. Os vídeos ganhadores são exibidos nas escolas como forma de educação e incentivo. De tal forma, os monitores credenciados e alunos de escolas recebem orientações para a produção de vídeos com base no regulamento do concurso, através de oficinas com profissionais na área de educomunicação. Os vídeos vencedores podem ser visualizados na perfil do Projeto Ecossistemas Costeiros no site Youtube.

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