Cada vez mais temos clareza sobre a importância Freire Luna de Leticia Leticia de Luna Freire trabalho de Leticia de Luna Freire consti- das etnogra as como legado da antropologia. O tui-se em uma contribuição excepcional livro de Leticia de Luna Freire enriquece sobrema- para a antropologia urbana. Utilizando o neira este legado. Coleção Biblioteca busca a renovação do mercado do livro acadêmico O contemplando, no âmbito da Universidade Federal Fluminense, obras de instrumental teórico da antropologia, constrói uma Simoni Lahud Guedes Atodas as áreas do conhecimento. etnogra a primorosa. Neste trabalho de campo Professora do Departamento de Antropologia e exemplar, utiliza com maestria técnicas variadas, A responsabilidade da seleção de textos, inscritos por edital público, está a PRÓXIMO DO SABER, do Programa de Pós-Graduação em Antropologia com criatividade, para nos oferecer uma visão cargo da Comissão Editorial da Editora da UFF e de pareceristas convidados. da Universidade Federal Fluminense diferenciada da Vila Residencial do campus da As edições deste selo são totalmente nanciadas com recursos da UFF. LONGE DO PROGRESSO UFRJ, re etir sobre a vida na cidade e sobre as Visando ao crescimento equilibrado, sem perder as oportunidades, a Editora da formas de implantação de equipamentos urbanos UFF procura cumprir a missão da UFF: ser um espaço plural, socialmente refe- histórias de uma vila residencial no campus públicos. Não é preciso dizer que vivenciamos, no renciado, para a formação de cidadãos e pro ssionais críticos e competentes; momento, em todo o Brasil, mais particularmente para a produção e disseminação de conhecimento pluri, inter e transdisciplinar, universitário da Ilha do Fundão - RJ no , reinvenções urbanas que deslo- contribuindo para a diminuição das desigualdades e o desenvolvimento do país. cam e atuam sobre inúmeras populações há muito instaladas. Não nos enganemos, pois: não é de PRÓXIMO DO SABER, LONGE PROGRESSO uma vila fechada e delimitada que trata este livro. Trata de políticas sociais, da implantação de gran- des projetos públicos e dos agentes sociais que são chamados ao diálogo e aqueles que são con- tinuamente silenciados. Trata de dramas sociais. Trata da forma pela qual a ameaça de remoção e o con ito com a universidade transforma, a nal, um grupo disperso de residentes da Vila Residen- cial, heterogêneo, hierarquizado, diferenciado, em “moradores” da Vila, criando uma dimensão nova nas suas identidades que se conjuga com as Leticia de Luna Freire é formada em Psicologia pela dimensões preexistentes e possibilita a luta pelo Universidade Federal Fluminense (UFF), possui mes- trado em Psicologia Social pela Universidade do Es- reconhecimento. Circulando entre densas redes tado do Rio de Janeiro (UERJ) e doutorado em Antro- de vizinhança e parentesco, reconstrói as di- pologia pela UFF, tendo realizado, em 2007, estágio mensões da vida dos moradores. Ser “morador”, doutoral na Université Paris Ouest-Nanterre (UPX) e como demonstrava Carlos Nelson Ferreira dos na École des Hautes Études em Sciences Sociales Santos, tem signi cados especí cos. (EHESS), como bolsista Capes-Cofecub. Como pesquisadora associada ao Laboratório de Explorando tais signi cados num caso especí co, Etnogra a Metropolitana (LeMetro), do Instituto de privilegia a perspectiva dos moradores, perspec- Filoso a e Ciências Sociais da Universidade Federal tiva construída com um “olhar que se demora no do Rio de Janeiro (IFCS-UFRJ), ao Instituto Nacional que vê”, para repetir a bela fórmula de Laplanti- de Ciência e Tecnologia de Estudos Comparados em ne que ela nos traz (e eu acrescentaria, respeita Administração Institucional de Con itos (INCT-InE- profundamente o que vê). Esta opção teórica e AC), vinculado à Pró-Reitoria de Pesquisa, Pós-Gra- duação e Inovação (Proppi) da UFF, e ao Grupo de existencial possibilita compreender os signi - Pesquisa Interinstitucional Entre_Redes (UFF-UERJ), cados e sentidos deste espaço para eles bem vem dedicando-se, sobretudo, a estudos de caráter como a forma como se relacionam entre si e com etnográ co sobre processos de renovação urbana e as instituições, em especial com a universidade. as mobilizações coletivas por eles desencadeadas na Um trabalho rigoroso e sensível que proporciona a Região Metropolitana do Rio de Janeiro. Atualmente, realiza pós-doutorado no Programa de Pós-Gradua- compreensão do viver na cidade, habitar a cidade, ção em Antropologia da UFF, como bolsista da Capes. ser habitado por ela e lutar por reconhecimento. Próximo do saber, longe do progresso Editora da UFF Editora da EditoraUFF da UFF Nossos livros estão disponíveis em http://www.editora.uff.brNossos livrosNossos estão livrosdisponíveis (impressos estão disponíveisem) em http://www.editoradauff.com.brhttp://www.editora.uff.brhttp://www.editora.uff.br (impressos (ebooks)) (impressos) http://www.editoradauff.com.brhttp://www.editoradauff.com.br (ebooks) (ebooks) Livraria Icaraí Rua Miguel de Frias, 9, anexo, sobreloja,Livraria IcaraíIcaraí,Livraria Icaraí Rua Miguel Ruade Frias, MiguelNiterói, 9, anexo,de RJ, Frias, 24220-900, sobreloja, 9, anexo, Icaraí,Brasil sobreloja, Icaraí, Tel.: +55Niterói, 21 2629-5293 RJ, Niterói,24220-900, ou 2629-5294 RJ, 24220-900,Brasil Brasil Tel.: +55 21Tel.: [email protected] +55 21 ou2629-5293 2629-5294 ou 2629-5294 [email protected]@editora.uff.br Dúvidas e sugestões Tel./fax.:Dúvidas +55 21 e 2629-5287 sugestõesDúvidas e sugestões Tel./fax.:[email protected] +55Tel./fax.: 21 2629-5287 +55 21 2629-5287 [email protected]@editora.uff.br Leticia de Luna Freire

Próximo do saber, longe do progresso: histórias de uma vila residencial no campus universitário da Ilha do Fundão-RJ

Niterói, 2014 Copyright © 2014 by Leticia de Luna Freire Direitos desta edição reservados à Editora da UFF - Editora da Universidade Federal ­Fluminense - Rua Miguel de Frias, 9 - anexo - sobreloja - Icaraí - CEP 24220-900 - Niterói,­ RJ - Brasil - Tel.: (21) 2629-5287 - Fax: (21) 2629-5288 - http://www.editora.uff.br E-mail: [email protected] É proibida a reprodução total ou parcial desta obra sem autorização expressa da Editora. Normalização: Maria Lúcia Gonçalves Edição de texto: Maria das Graças C. L. L. de Carvalho Revisão: Tatiane de Andrade Braga Ilustração de capa: José Clewton do Nascimento Capa e e editoração eletrônica: Marcos Antonio de Jesus Projeto gráfico: José Luiz Stalleiken Martins Supervisão gráfica: Káthia M. P. Macedo Dados Internacionais de Catalogação-na-Publicação - CIP

F866 Freire, Leticia de Luna Próximo do saber, longe do progresso: histórias de uma vila residencial no campus uni- versitário da Ilha do Fundão - RJ / Leticia de Luna Freire. – Niterói: Editora da UFF, 2014. - 247p. ; 23 cm. – Coleção Biblioteca.

Bibliografia p. 238 ISBN 978-85-228-0835-9 BISAC SOC000000 SOCIAL SCIENCE / General

1. Ciências Sociais. I. Título. II. Série. CDD 300

UNIVERSIDADE FEDERAL FLUMINENSE

Reitor: Roberto de Souza Salles Vice-Reitor: Sidney Luiz de Matos Mello Pró-Reitor de Pesquisa e Pós-Graduação e Inovação: Antonio Claudio Lucas da Nóbrega Diretor da Editora da UFF: Mauro Romero Leal Passos Editoração e Produção: Ricardo Borges Distribuição: Luciene Pereira de Moraes Comunicação e Eventos: Ana Paula Campos

Comissão Editorial Presidente: Mauro Romero Leal Passos Ana Maria Martensen Roland Kaleff Eurídice Figueiredo Gizlene Neder Heraldo Silva da Costa Mattos Humberto Fernandes Machado Luiz Sérgio de Oliveira Marco Antonio Sloboda Cortez Maria Lais Pereira da Silva Editora filiada à Renato de Souza Bravo Rita Leal Paixão Simoni Lahud Guedes Tania de Vasconcellos Ao seu Ary (in memorian) e à minha avó Thereza (in memorian), por terem inspirado, em diferentes momentos, a realização deste trabalho.

Agradecimentos

Durante todo o período de desenvolvimento da pesquisa que dá origem a este livro, tive a sorte de contar com diversas pessoas que, das mais diferentes maneiras e nos mais diferentes ambientes por onde circulei, me ajudaram a prosseguir. No Programa de Pós-Graduação em Antropologia da Universi- dade Federal Fluminense (PPGA/UFF), agradeço, em primeiro lugar, o incentivo, a amizade e a atenciosa orientação do professor Marco Antonio da Silva Mello. Se a ele devo a coautoria desta pesqui- sa (ao menos em suas qualidades), ao professor Fabio Reis Mota devo a minha apresentação a esse universo então desconhecido da Antropologia e a carinhosa parceria nas trilhas que ousamos juntos desbravar. Aos demais docentes do PPGA, nas pessoas de Simoni Lahud Guedes, Laura Graziela Gomes e Ana Paula Miranda, agradeço o apoio institucional. Ainda na UFF, agradeço ao professor Roberto Kant de Lima pela oportunidade de participar da rede que consolidou com competência à sua volta a partir do Instituto Nacional de Ciência e Tecnologia de Estudos Comparados em Administração Institucional de Conflitos (INCT-InEAC), sediado no Núcleo Fluminense de Estudos e Pesquisas (NUFEP). Desta rede, devo mencionar particularmente os professores Ronaldo Lobão, Lenin Pires, Lucía Eilbaum, Kátia Sento-Sé Mello e Vívian Paes, assim como Solange Cretton, Roberta Corrêa e Virgínia Taveira, por todo o amparo profissional e pessoal. No Instituto de Filosofia e Ciências Sociais da Universidade Federal do Rio de Janeiro (IFCS-UFRJ), onde em grande parte este livro também foi gerado, pude me beneficiar do acolhimento e do diálo- go permanente com os pesquisadores do Laboratório de Etnografia Metropolitana (LeMetro). Entre tantos colegas e amigos, sou especial- mente grata aos professores Soraya Silveira Simões, Felipe Berocan Veiga, Neiva Vieira da Cunha, Hélio Silva, Paulo Thiago de Mello e Rafael Soares Gonçalves pelas valiosas contribuições (acadêmicas e afetivas) que recebi durante o caminho percorrido até aqui. Em Paris, onde também se deu uma parte desse trajeto, duran- te a realização de um estágio doutoral através do Convênio CAPES- COFECUB n. 447/04, destaco o acolhimento e estímulo recebido dos professores Daniel Cefaï, Laurent Thévenot, Pedro José García Sánchez, Colette Pétonnet e José Manuel Resende. Cabe ainda uma menção a alguns dos amigos sem os quais o séjour d’études não teria sido tão proveitoso: Gabriel Santis Feltran, Alexandre Werneck, Biaggio Avena, Jean-Claude Torris, Mona Ghamess, Ons Debbech, Moïse Udino e Sophie Diemert. Na Cidade Universitária da Ilha do Fundão, onde desenvolvi a pesquisa, recebi o apoio crucial dos professores Aloísio Teixeira (in memorian), Hélio de Mattos Alves, Carlos Lessa e José Antônio Barbosa de Oliveira, dos técnicos-administrativos Aldenise Souza da Fonseca, Augusto Gonçalves de Lima e Maurício Mattos, e dos ser- vidores aposentados Helmuth Gustavo Treiller e Oswaldo Fonseca Almeida. No âmbito do Programa Inclusão Social – Vila Residencial da UFRJ, agradeço a colaboração e a confiança dos professores Selene Alves Maia, Pablo Cesar Benetti e Maria Julieta Nunes de Souza. No SINTUFRJ, a recepção de Francisco de Assis dos Santos à pesquisa foi fundamental. Na Vila Residencial da UFRJ ou em torno de seus moradores, entre os quais passei a maior parte do tempo, tive a fe- licidade de encontrar muitas pessoas dispostas a interagir comigo. Sem poder aqui citar todas elas, faço um agradecimento especial ao acolhimento e à interlocução de Vera Lúcia Valente de Freitas, Joana Angélica Pereira, Moacir e Rejane Lúcia Gadelha, Marcello Cantizano, Wânia, Rubem e Manoel Arnóbio Lopes Vianna, Sandra Rosa Passos, Luís Gosselin, Ary da Rocha Tristão (in memorian), Alvelina de Paula Rosa, Tílson Coelho, Altino Rodrigues dos Santos Filho, Alexandre Baldessarini, Regina Maria de Oliveira Avelino, Antônio Pereira da Silva, Marli Lima, Sandra de Oliveira, Neide Batista, Carlos Mendonça, Tânia Márcia Corrêa, Mílton Brasil, Vanda de Castro Vasconcellos (in memorian) e José Alaílton de Freitas. Ao Mário Luís Tosta da Silva, agradeço a generosidade com que me apresentou um cantinho da Ilha do Fundão até então desconhecido, e ao senhor Jonatas Pereira, por me acolher em sua casa, possibilitando aprofundar o trabalho de campo e me fazer tanto aprender sobre a arte da convivência. Falando em “casa”, não poderia deixar de mencionar o apoio incondicional de minha família às minhas escolhas pessoais e profis- sionais, em particular de minha mãe, Martha, e de minha avó Thereza (in memorian), que certamente ficaria feliz de ver este livro pronto. À minha filha, Luisa, pelo amor infinito e pelo que me ensina todos os dias desde que surgiu em minha vida. Por fim, agradeço à Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (CAPES) pela concessão da bolsa que me possibilitou realizar o estágio doutoral no exterior e me dedicar in- tegralmente à pesquisa nos seus dois últimos anos, e à Editora da UFF pela oportunidade de fazer este trabalho circular para além das paredes da universidade.

Lista de siglas

ACT – Acordo de Cooperação Técnica AMAVILA – Associação de Moradores e Amigos da Vila Residencial da UFRJ ANDES – Sindicato Nacional das Instituições de Ensino Superior ASUFRJ – Associação dos Servidores da UFRJ BNDES – Banco Nacional do Desenvolvimento CCDC – Centro Comunitário de Defesa da Cidadania CCJE – Centro de Ciências Jurídicas e Econômicas CCMN – Centro de Ciências da Matemática e da Natureza CCRN – Consórcio Construtor Rio-Niterói CDRU – Concessão de Direito Real de Uso CEF – Caixa Econômica Federal CENPES – Centro de Pesquisas e Desenvolvimento da Petrobras CEPEL – Centro de Pesquisas em Energia Elétrica CEPU – Comissão de Estudos do Plano da Universidade CETEM – Centro de Tecnologia Mineral CFCH – Centro de Filosofia e Ciências Humanas CHP – Centro de Habitação Provisória CIEE – Centro de Integração Empresa-Escola CLA – Centro de Letras e Artes CLT – Consolidação das Leis Trabalhistas CONSUNI – Conselho Universitário COPPE – Instituto Alberto Luiz Coimbra de Pós-graduação e Pesquisa de Engenharia COPU – Comissão de Organização do Plano da Universidade CRJ – Centro de Referência da Juventude CSPE – Comissão Supervisora do Planejamento e Execução da Cidade Univer- sitária CT – Centro de Tecnologia CTPD – Comitê Técnico do Plano Diretor CUEM – Concessão de Uso Especial para fins de Moradia DASP – Departamento Administrativo do Serviço Público DETRAN – Departamento de Trânsito DNER – Departamento Nacional de Estradas de Rodagem ECEX – Empresa de Construção e Exploração da Ponte Presidente Costa e Sil- va/Empresa de Engenharia e Construções de Obras Especiais EEAN – Escola de Enfermagem Anna Nery EIA/RIMA – Estudo de Impacto Ambiental/Relatório de Impacto Ambiental ETU – Escritório Técnico da Universidade ETUB – Escritório Técnico da Universidade do Brasil FASUBRA – Federação de Sindicatos de Trabalhadores das Universidades Brasileiras FAU – Faculdade de Arquitetura e Urbanismo FUJB – Fundação José Bonifácio GRPURJ – Gerência Regional de Patrimônio da União no Rio de Janeiro HUCFF – Hospital Universitário Clementino Fraga Filho IFCS – Instituto de Filosofia e Ciências Sociais INJC – Instituto de Nutrição Josué Castro IPPMG – Instituto de Puericultura e Pediatria Martagão Gesteira IPPUR – Instituto de Pesquisa e Planejamento Urbano e Regional LIpE – Laboratório de Informática para a Educação LeMetro – Laboratório de Etnografia Metropolitana MC – Ministério das Cidades MES – Ministério da Educação e Saúde MP – Ministério Público NCE – Núcleo de Computação Eletrônica PCB – Partido Comunista Brasileiro PCdoB – Partido Comunista do Brasil PDBG – Programa de Despoluição da Baía da Guanabara PDI – Plano de Desenvolvimento Institucional PMDB – Partido do Movimento Democrático Brasileiro PR-5 – Pró-Reitoria de Extensão PRE – Plano de Reestruturação e Expansão PSOL – Partido Socialismo e Liberdade PT do B – Partido Trabalhista do Brasil SINTUFRJ – Sindicato dos Trabalhadores em Educação da UFRJ SEASDH – Secretaria de Estado de Assistência Social e Direitos Humanos SPU – Secretaria de Patrimônio da União UB – Universidade do Brasil UDF – Universidade do Distrito Federal UFF – Universidade Federal Fluminense UFRJ – Universidade Federal do Rio de Janeiro URJ – Universidade do Rio de Janeiro ZEIS – Zona de Especial Interesse Social

Sumário

Prefácio - Etnografia de uma controvérsia: memória e histórias de uma Vila Residencial, 17 Introdução - como cheguei, olhei, ouvi e escrevi, 25 Ilhas de histórias, 37 Um breve percurso pela história da UFRJ, 37 Os debates em torno da localização da Cidade Universitária, 40 As ilhas antes do aterro, 51 O processo de construção da Cidade Universitária, 62 O campus universitário da Ilha do Fundão, 69 Da Ilha da Sapucaia à Vila Residencial da UFRJ, 87 A construção da Ponte Rio-Niterói, 87 O surgimento da Vila Residencial da UFRJ, 90 Os primeiros moradores, 90 Os irredutíveis, 104 Os que chegaram depois, 109 Os estabelecidos e os outsiders, 117 “Um pedacinho do céu”, 127 Situando o lugar, 127 Uma etnografia das ruas, 128 Os moradores e suas casas, 139 Rede de serviços e comércio, 143 Lazer e religião, 150 Meio ambiente, 155 Associação de Moradores e Amigos da Vila Residencial da UFRJ, 157 Vizinhos, 159 As representações sobre o lugar, 167 Ser ou não ser “da UFRJ”, eis a questão, 173 O começo de uma relação, 173 O mundo social invade a universidade, 176 A conflagração da crise, 179 A ação reparadora, 193 O desfecho do drama, 203 O começo do futuro, 219 Últimas palavras, 235 Referências, 238 Prefácio

Etnografia de uma controvérsia: memória e histórias de uma Vila Residencial.

Du point de vue sensible, il n’y a pas d’espace abstrait. L’espace n’est pas une chose qui serait dotée de diverses qualités. Il est juste le jeu de relations entre celui qui perçoit et ce qu’il perçoit. Jean-François Augoyard

A notícia correu rápido e logo se alastrou. Trazida da Reitoria da UFRJ por gente recém-chegada de uma conturbada reunião do seu egrégio Conselho Universitário, iria abater-se, nos idos de 2001, so- bre os moradores das casas de modestos aposentos da Vila onde residiam, com seus familiares, funcionários da prestigiosa instituição pública de ensino superior. Os habitantes do prosaico núcleo urbano situado na Ilha do Fundão, em decorrência de inaceitável e desastrado ato delituoso de um de seus vizinhos, estariam, falaciosa e desafortunadamente, sen- do ameaçados de forma coletiva com uma das figuras mais nefastas e de triste lembrança na história e memória urbana da cidade do Rio de Janeiro: o fantasma da remoção. O fato de terem sido surpreendidos com a inusitada atitude dos membros do CONSUNI, entretanto, não os deixaria imobiliza- dos. Diante da adversidade das circunstâncias, lançaram-se com determinação e de modo organizado ao contra-ataque, acionando uma invejável rede de relações tecidas ao longo dos anos na pró- pria UFRJ, dentro e fora dos limites do campus, articulando-se com membros de várias de suas instâncias, colegas de institutos, escolas 18

e departamentos, buscando aliados e mediadores que os apoiassem,

Prefácio ajudando-os a reunirem os elementos, mais do que necessários, im- prescindíveis para a construção de um sólido repertório argumen- tativo capaz de fazer frente aos estranhos e anacrônicos propósitos em gestação no seio do órgão máximo deliberativo da Universidade à qual pertenciam. Tratava-se, pois, de momento de elevada tensão e aguda reflexividade ensejada pela crise instaurada entre as partes en- volvidas numa disputa em torno do direito de pertinência a um lugar. Somente no decorrer do processo, no entanto, o conflito iria re- velar-se mais plenamente, adquirindo contornos mais nítidos e mais precisos, ressaltando as linhas de clivagem às quais correspondiam os princípios ora invocados por um, ora por outro dos protagonistas da contenda. Ou seja, do social drama – para empregar, com toda propriedade, a expressão de Victor Turner para designar as distintas e diferenciadas ações nas quais, passo a passo, irão desdobrar-se na sua dimensão temporal as fases do conflito. A partir de pesquisa empírica de caráter etnográfico, o estudo que o leitor tem diante dos olhos é o resultado do trabalho de cam- po sistemático empreendido entre 2008 e 2010 pela doutora Leticia de Luna Freire, buscando evidenciar o caráter ora conflitivo e problemáti- co de tais relações, ora a riqueza de aspectos acentuados pela intrigan- te e paradoxal oposição complementar, associando o “absurdo sole- ne” do campus ao inusitado despojamento de uma forma de existência da vida ativa prefigurada por uma vivaz e álacre Vila Residencial. Não se trata aqui de trabalho solitário, contudo, pois inscreve- -se na linhagem das pesquisas desenvolvidas no âmbito do programa de estudos do Laboratório de Etnografia Metropolitana (LeMetro), constituindo importante contribuição à literatura de caráter antro- pológico, particularmente sobre as formas da história, as represen- tações, os quadros da memória coletiva e a morfologia social dos assentamentos sob o impacto dos processos de reestruturação e re- novação urbana, associados às políticas habitacionais em curso na cidade e sua RMRJ. Enfim, entre os episódios que marcam as complexas relações que envolvem distintas agências e instituições sediadas na Ilha do Fundão, sobressaem aqueles que tratam da controvérsia dos víncu- los entre a Universidade Federal do Rio de Janeiro e os moradores da Vila Residencial – assentamento urbano situado no âmbito da própria Cidade Universitária. pressupostos nos quais estrutura-se e toma forma o afinco sobreatarefadereconstituiçãometiculosa dahistóriaedos contornos naqueleentãosomenteentrevistos, longo dotempoeassentadasnumatopografiaquasi-legendáriade pletora dereferênciasdistribuídasporseisdécadas,organizadasao ria queiampoucoaseconfigurandoefazendoapareceruma curando mergulharnasformasderegistroetransmissãodamemó- semântica dofluxodesuasfalas,aDrªLeticiaLunaFreire,pro- da aquerenciados. ção reivindicadadepermanecernolugareleiçãoaoqualforam respectivos papeisnasdisputastravadasemtornodasuadisposi- de mais nada, para si próprios das razões de terem encarnado seus elas ocupados reflexiva e diligentemente em fazerem sentido, antes tes, seusverdadeirosinterlocutoreseparceiros;pois,tambémeles homens emulheresquelogorevelar-se-iammaisdoinforman- de obrasexercíciodoseumétier,pelofluxodasconversaçõescom xar defazer,irásubmeter-seedeixarlevar-se,alimesmo,nocanteiro tabelecida pelosseusmoradores,aetnógrafa,comonãopoderiadei- narrativas, dosrelatosquefazemacosturadaperiodizaçãoassimes- histoire dolugar. guinte, habitamasformasnarrativasquebalizamepovoamapetite experiência queosassentanavidadeseusmoradorese,porconse- quirindo aconsistênciaepregnânciadosacontecimentosatravésda te algumasdataseefemérides,apartirdasquaiseventosforamad- da VilaResidencialvis-à-vis àReitoriadaUFRJ. quitetura jurídicanaqual seestruturavaademandadoshabitantes através deleasimplicações paraoentendimentodacomplicadaar- jogo, buscandoapreender operfildoprocessoemcursoeentrever mitia compreenderomaisplenamentepossíveltudo queestavaem dedicar-se aumaespéciede“etnografiaretrospectiva” quelheper- estrategicamente doepicentrodosacontecimentos noterrenopara efetiva presençanocampo. tiginosa escaladanosmomentosqueprecederam a suachegadae Vila traziam-lheàconsideração,demodosintético,nadensidade Empenhando-se paratrataranaliticamenteoqueosmoradores Levando em conta o modo de capturar o tempo por meio das Os quadros sociais da memória local registram cuidadosamen- A construçãodoargumentolevaráaantropóloga afastar-se irá debruçar-se drama e sua ver- com 19 Leticia de Luna Freire 20

Para alcançar tal propósito, entretanto, lançará mão de distin-

Prefácio tos protocolos de investigação, o que a obrigará a verificar outras fontes e modalidades de arquivo, recorrendo aos fundos de diferen- tes instituições, compulsando estatísticas e listagens; repassando atas e levantamentos de dados; tomando notas de leitura dos relató- rios e documentos oficiais; esquadrinhando plantas e mapas; exami- nando em filigrana a iconografia disponível; pesquisando o noticiário de jornais e consultando acervos fotográficos. Realizará, ainda, um conjunto significativo de entrevistas com reitores e ex-reitores; com técnicos-administrativos e professores- -pesquisadores; com funcionários e ex-funcionários da UFRJ, sobre- tudo aqueles do antigo ETU (Escritório Técnico) e da Prefeitura do campus, buscando analisar tanto os argumentos técnicos quanto os ideológicos em jogo no projeto de construção da Cidade Universitária em 1948 e do próprio empreendimento de constituição, por aterros hidráulicos sucessivos, durante os anos 1950-1960, do espaço hoje compreendido pelos cerca de 5 milhões de m² da Ilha do Fundão. Espaço este configurado às expensas da desaparição de um arquipé- lago inteiro da baía de Guanabara. Tais procedimentos adotados pela etnógrafa ampliariam so- bremaneira seu conhecimento quanto às implicações do processo transcorrido até pouco tempo antes do período em que realizaria sua pesquisa. Assim qualificada – pois, a história, sobretudo a reifi- cada pela tradição escriturária/cartorária, faz parte, também ela, do campo - pôde seguir o fio das conversas como ouvinte atenta, sem claudicar, como interlocutora competente, portanto. A decisão por habitar uma casa na Vila viria a constituir nova e frutuosa fase do trabalho de campo. O projeto modernista de extração racionalista (que estrutura a Cidade Universitária) pretendeu, por toda parte em que grassou, eliminar do mundo formas de vida e modos de habitar identificados com o atraso de um tempo que se desejava superar, apagando do espaço os resquícios de um passado que buscava exorcizar. Visava com isso instaurar uma nova ordem. Nossa Cidade do Sol, entretanto, deveria começar comme il faut, convertendo um sistema de lugares num espaço homogêneo, desimpedido e disponível; aberto, então, às chinoiseries do gesto demiúrgico do arquiteto-urbanista. Aliás, é assim que surgem nos memoriais descritivos o mundo sob a espé- cie da gleba sem qualidades, sem passado, sem histórias, sem seres ções queconferemdensidade emocional e atribuemvaloràscoisas amantes; dosrecintosmal-assombrados edaspequenassupersti- menos expostosaosolhares, refúgiosparaoaconchegodejovens dos pomares;portos, dos atracadourosetrapiches;recintos nhos etrajetos mais constantes; das casas,dos quintais, das hortase moradores daVila,trazem-nosarecordação dos lugares; doscami- mente organizadas dessa espécie de mesmo emqueasrepassamos,cadaumadas páginas delicada- de quefalamtaishistóriaseimagens?Onostrazem nomomento suscitar aslembrançasecomelashistóriasque vêmdelonge.E de família.Poderosos dispositivos mnemotécnicos, têm o condão de estrangeiro dedentroemaliado. da recém-chegadaàVila,buscandoassimconverteressaespéciede aos relatosqueentremeavamoprocessodeeducaçãosentimental esperava-se, confeririamcoerênciainternaeconsistênciaexterna enfim, todotipodedocumentosque,umamaneiraououtra, sação recibos,certidões,contasdeluz,cartasefotografiasantigas; da pelapresençaetnógrafa,foramsendotrazidosparaaconver- ção diantedafrequentementeincômodanaturalcuriosidadesuscita- seio defimtarde. das soleiras,osconvitesparaocafé,aconversa,umpas- dessa amabilidade não sem reservas, marcada pelos salamaleques tos deinteraçãodosencontrosfortuitos,iriamsuceder-se,paraalém pelas ruasdenomesfloridosdaVila,obedecidooprotocolodosri- de porta,entretanto, não tardaria.Logonasprimeirascaminhadas nolens volensenredadanoterrenopelasrelaçõescomseusvizinhos com oengajamentocrescentedapesquisadora,observadoraarguta percorrido. que procedeuadoutoraLeticiadeLunaFreire,aolongodocaminho contam sobreelesmesmosparamesmos”osmoradoresdaVila, dos arquivosoficiais,acercando-semaisdavidaedas“históriasque tando-se doregistrodescritivoprojetoedas“palavrasdepapel” coisas, a cuidado. Semhabitoediligo,portanto. humanos, sem apegos ou investimentos amorosos, sem cultivo ou Nessas ocasiões,costuma-serecorreraosindefectíveis álbuns Num dessesmomentosdedistensãopolidaediscretadesaten- O refinamentodaperspectivasociológica,doravantedepar Mas, se a narrativa, por sua vez, distingue e ordena. Foi, pois, afas- descrição, como dizia Georg Lukács, nivela todas as thesaurus doméstico? Entre os 21 Leticia de Luna Freire 22

naturais e supernaturais, ligando o mundo sensível às turbulências

Prefácio anímicas da vida interior. Mas, sobretudo, trazem as incontornáveis referências às genealogias. E, com elas, as proveniências e as des- cendências que norteiam a saga das famílias, uma história escandida ao longo do ciclo doméstico de cada uma delas, com seus ritos de agregação e separação; de entrada e saída da vida; por conseguinte, das relações entre os vivos e os mortos; entre o passado, o presente e a disposição de perdurar. Tudo isso, entretanto, iria finalmente converter-se em autênti- co acervo de “enunciados vivos” por ocasião do exercício das visitas guiadas e dos passeios pela vizinhança; incursões estas que acaba- riam por desvelar, na monotonia da paisagem, uma topografia inu- sitada. Uma geografia fantástica, um arquipélago que através doper - curso comentado e do itinerário escolhido por seus vizinhos e guias, transubstanciados em “retóricas caminhantes”, evidenciava-se, sob os olhos maravilhados da etnógrafa, e era possível descortinar, com a nitidez da fabulação imaginativa, nas águas protegidas de um li- toral ainda não retificado da baía: Fundão, Catalão, Sapucaia, Bom Jesus, Pindaí do França, Pindaí do Ferreira, Ilha das Cabras, Ilha do Baiacu, do Pinheiro... Não eram mais apenas toponímia encontrada nas velhas cartas náuticas, mas continuavam a habitar nas falas e nos gestos de seus moradores atuais, redesenhando em narrativas o con- torno de suas antigas ilhas aterradas e desaparecidas da paisagem, mas não da memória dos mais antigos. O processo de conversão da antropóloga nos termos da gra- mática local iria sofisticar-se ainda mais ao desdobrar-se ao longo de todo o processo de constituição do corpus etnográfico. A operação escriturária da etnografia ela mesma encarregar-se-ia de dar o devi- do acabamento à sua formação nas artes do ofício, entretecida pela tópica e a retórica que havia estruturado a ars narrandi de seus com- panheiros de deambulação e fabulação. Creio ter podido oferecer ao leitor que se prepara para debru- çar-se sobre Próximo do saber, longe do progresso, livro de estreia da doutora Leticia de Luna Freire, boas razões para acolher, como o fez Wilhelm Schapp, essas histórias que reabrem histórias, e acei- tar percorrer, sem hesitação, na companhia da etnógrafa, a memó- ria da constituição do campus do Fundão e, com ela, compreender o mais plena e sensivelmente a retórica dos motivos do acirrado con- flito protagonizado pelos moradores da Vila Residencial diante das intramuros doscampi. através dos proferimentos oraculares, como sói acontecer na vida Cidade Universitária,atualizadaaquiealipelosdecretosacreditada disciplinada, confinadaeempobrecidadessesimulacrodaurbe:a também ela ameaças, nodizerdeJaneJacobs, vigente naformaapequenadadavidaartificiosamente Coordenador LeMetro/IFCS-UFRJ da Professor GAP/PPGA/ICHF-UFF; Grande PragadaMonotonia, Professor DAC/IFCS-UFRJ Membro INCT-InEAC-UFF Professor M.MELLO Pesquisador CNPq 23 Leticia de Luna Freire

Introdução: como cheguei, olhei, ouvi e escrevi

Este livro é composto, em sua quase totalidade, de histórias e narrativas reunidas durante a pesquisa de doutorado que realizei em uma localidade de pouco mais de mil habitantes, situada no campus da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), na região conheci- da como Ilha do Fundão, ao norte da capital. Sendo uma pesquisa que se construiu a partir de uma intera- ção com o “objeto” de estudo, e sendo este texto produto da relação dialógica estabelecida com os habitantes da ilha, não tenho como me abster de começar por expor, ainda que em breves palavras, o per- curso que me levou a enveredar por este campo, descrevendo como se desenvolveram, ao longo do trabalho, as três etapas que, segundo Roberto Cardoso de Oliveira (2000), compõem a produção do conhe- cimento antropológico: o olhar, o ouvir e o escrever. Estive pela primeira vez na Vila Residencial da UFRJ em feve- reiro de 2008, a convite do professor Marco Antonio da Silva Mello, meu orientador no Programa de Pós-Graduação em Antropologia da Universidade Federal Fluminense (PPGA/UFF) e coordenador do Laboratório de Etnografia Metropolitana na Universidade Federal do Rio de Janeiro (LeMetro/IFCS-UFRJ), onde também lecionava. Na oca- sião, ainda sob efeito da experiência de um estágio doutoral no exte- rior,1 que me levara a exotizar atividades antes corriqueiras, participei de um seminário interno de um programa de extensão da UFRJ. Ainda sem imaginar as consequências que isso traria, começava a atuar como colaboradora no projeto coordenado pelo citado professor, re- lacionado à memória coletiva da localidade. Seguindo as orientações dadas por uma das diretoras da Associação de Moradores, Vera Valente Freitas (mais conhecida como Verinha), que também integrava o projeto, dirigi-me, com rela- 2ª prova – Jesus – 26 fev 2014

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tiva curiosidade, para uma área da Ilha do Fundão, nunca antes por mim visitada. Chegando ao final da rua situada ao lado do suntuo- so prédio da Reitoria da UFRJ, em direção às margens da Baía da Guanabara, surpreendi-me imediatamente com a realidade com a qual me deparei: uma vila de moradores com uma vida social pulsan- te, que se opunha totalmente à visão empobrecida que eu tinha da Ilha do Fundão. Na companhia de Verinha, passei a frequentar cada vez mais a localidade e a observar empiricamente muitas das ques- tões apresentadas pelos participantes do seminário. Aos poucos, fui construindo meu próprio olhar sobre o campo, o que me levou a

Introdução: como cheguei, olhei, ouvi e escrevi Introdução: como cheguei, compreender, meses depois, que estava, de fato, diante do que meu orientador chamava de “um bijou sociológico”, transformando-o, as- sim, em objeto desta etnografia. Como atividade perceptiva, a etnografia não é, entretanto, da ordem do imediatamente visto, mas da visão mediada, distan- ciada, diferenciada e reavaliada. O olhar do etnógrafo, diz François Laplantine (2004), não é um olhar qualquer, mas um olhar questiona- dor, “um olhar que demora no que vê”. Ainda que parecesse um ato natural e familiar, meu modo de olhar aquela realidade já evidenciava a incorporação do esquema conceitual da antropologia, que vinha sendo construído ao longo de minha formação acadêmica. Ainda que meu olhar fosse parcialmente inspirado pelos olhares que muitos sociólogos e antropólogos (brasileiros e estrangeiros) dedicaram a seus campos de estudo, eu buscava, em minhas primeiras incursões, exercitar aquilo que Colette Pétonnet (1982) chamou de observation flottante, colocando-me disponível em toda circunstância, sem mobi- lizar minha atenção sobre um objeto preciso, mas deixá-la “flutuar” de maneira que as informações penetrassem sem filtro, até o mo- mento em que pontos de referência e convergências aparecessem, evocando-me regras subjacentes. A decisão por estudar a Vila Residencial não se deu, todavia, inicialmente, sem resistência. Como muitos moradores da região metropolitana, a Ilha do Fundão resumia-se, para mim, na Cidade Universitária, sendo representada como um espaço de passagem de estudantes e trabalhadores da UFRJ – jamais como local de moradia de uma população significativa como a que acabei encontrando – e, enquanto tal, uma região erma, perigosa e distante. Esta representa- ção pôde ser revelada nas primeiras conversas que mantive com ami- gos e parentes que, como eu, somente conheciam a Ilha do Fundão 2ª prova2ª –Jesus –26 fev 2014 totalmente estranhos,amaior dificuldadequeenfrentei nessa etapa dedicando a estudar grupos ou sociedades com costumes e idiomas meio deumasocialização controlada”. Ainda quenãoestivesseme bilidade deredescobrir novasformasderelacionamento social,por DaMatta (1987,p.152),na“possi- consiste, naspalavrasde Roberto do sedeuaolongopróprio trabalhodecampo, experiênciaque (CARDOSO DEOLIVEIRA,2000,p.21).Nomeucaso, esteaprendiza- não se trata de um ouvir qualquer, mas de “um ouvir todo especial” olhar, dasmesmasprecondições. participando Domesmomodo, dimento antropológico: opontodevistanativo. que mepermitiriamacessaraquiloconstituianatureza doenten- sobre ela,ouseja,atentarparaasexplicaçõesfornecidasporeles, preciso simultaneamenteouviroqueosmoradores tinhamadizer quentam diariamenteaCidadeUniversitária. conhecidos, inclusivepormuitasdasmilhares depessoasquefre- de olharsóvieramaconfirmarestaideia, revelando aspectospouco no campoeousodafotografiacomoextensãodeminhacapacidade realizadas los indivíduos(BRIGGS,1972).Asprimeirasobservações constituía emumlugarqueera foi planejada(aconstruçãodaCidadeUniversitária),tambémse aquela região, adespeitodoprojeto utópicomodernistaparaoqual aglomerado urbanoevidenciava,comopretendo mostrar, oquanto aolongodapesquisa.Aprópriate, acompartilhar existênciadesse Residencial tinhamdaIlhadoFundão, da qualpassei,evidentemen- social. sentido, aolugarantropológico que,defato,interessaria aocientista identitário, nemcomorelacional, nemcomohistórico–oposto,nesse um “não lugar”, ou seja, como um espaçoquenãose define nem como pode-se dizerqueaIlhadoFundãocostumaserrepresentada como sional. Tomando de empréstimo a definição de Marc Augé(1994), regularidade,certa emfunçãodeumcursoouumaatividadeprofis- tinham emalgummomentodesuasvidasfrequentado ocampus provisório. Tal situaçãochegouaserepetir mesmocomaquelesque o alojamentoestudantil,localdemoradiavisto,pordefinição,como travam totaldesconhecimentoou,nomáximo,confundiam-nacom “de passagem”.QuandolhesfalavadaVila Residencial,elesdemons- O ato cognitivo de ouvir é, contudo, complementar ao ato de nalocalidade,era Para melhorcompreender oqueobservava Esta nãoera,semdúvida,avisãoqueosmoradores daVila 2ª prova2ª –Jesus –26 fev 2014 simbolizado, habitadoerecriado pe- com com 27 Leticia de Luna Freire 2ª prova – Jesus – 26 fev 2014

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consistiu na diferença de idiomas culturais entre o mundo do qual eu fazia parte e o mundo dos nativos no qual pretendia penetrar (CARDOSO DE OLIVEIRA, 2000, p. 22). Mesmo que falasse a mesma língua e vivesse a cerca de 20 quilômetros de distância da localida- de, não compartilhava os mesmos valores e o estilo de vida de seus moradores. Mais do que encará-las como um obstáculo à pesquisa, busquei reconhecer essas diferenças sem traduzi-las numa relação assimé- trica com os moradores, mas possibilitar uma relação dialógica que pudesse, como sugere Cardoso de Oliveira (2000, p. 24), transformar

Introdução: como cheguei, olhei, ouvi e escrevi Introdução: como cheguei, o confronto entre os dois mundos em um “encontro etnográfico”. A interação com os moradores colocava, certamente, diversos problemas práticos para a pesquisa, como a forma pela qual eu era identificada pelos outros, os papéis que podia assumir e o apoio ou proteção que poderia obter de alguns deles. Como já bem analisou Aaron Cicourel (1990), longe de representar sinal de fraqueza ou in- competência, assumir estas dificuldades fornece a base apropriada para discutir como a situação de pesquisa pode se tornar ao mesmo tempo fonte de dados e um dado em si mesmo. Compartilhando essa perspectiva, Gerald Berreman (1990) descreveu o trabalho de campo como uma experiência humana na qual o pesquisador se vê imediatamente confrontado com a com- preensão do modo de vida do grupo que pretende estudar e a sua própria apresentação diante desse grupo. Como em toda interação social, ambas as tarefas envolvem controle e interpretação de im- pressões, nesse caso mutuamente manifestadas pelo etnógrafo e pe- los nativos. Assim, na Vila Residencial, ao mesmo tempo que minha genérica identificação como alguém “da universidade” favorecia mi- nha aproximação com determinados grupos de moradores, já habitu- ados a se relacionar com os professores e estudantes da UFRJ que ali desenvolviam atividades de extensão, também provocava resistên- cias em outros moradores, que viam os representantes da UFRJ como ameaçadores, em função de uma experiência passada traumatizan- te: a tentativa de remoção da localidade pela Reitoria, em 2001. Ao longo da pesquisa, percebi, entretanto, que tal como foi para Willian Foote-Whyte (2005) em Cornerville, minha aceitação na localidade dependia muito mais das relações pessoais que eu desenvolvia com os moradores do que das explicações que pudesse dar a respeito de meus interesses acadêmicos. 2ª prova2ª –Jesus –26 fev 2014 urbana” (MELLO; VOGEL, 1984), que me possibilitou, por exemplo, visual, permitiam,ainda, desenvolver umaespéciede“arqueologia res, asvisitas guiadas,acompanhadasdoregistro fotográfico eaudio- almejava alcançar. Ao apelarem àcapacidade reflexiva dos morado- curso, era o próprio caminhar que possibilitava a descrição que eu ao propor aosmoradores quemeguiassememumdeterminadoper questão. Domesmomodo,setodapercepção envolve movimento, quenospermitecategorizareorganizarparticular ascoisasem algumas coisasenãooutras,éporque dispomosdeumalinguagem descrever. ComoThibaud(2002)chamaaatenção, sepercebemos de que há uma estreita ligação entre as ações de andar, perceber e do pressuposto(2002, 2008), esta estratégia metodológica partia respectivamente, porJean-Yves Petiteau (2002)eJean-PaulThibaud dos itineráriosenométodopercursoscomentados desenvolvidos, sitas guiadas, envolvendo adultos e crianças. Inspirada no das tornaram-se,assim,umdosfocosdeminhaatenção. local. Ostiposecircunstâncias emquetaisnarrativaseramproduzi- principal formadejustificaçãoe reivindicação deseupertencimento do pelos como moradores da sua situação presente, a partir servindo com todaasuadramaticidade,ressignificação deumpassadovivi- começaram a ser tecidas em torno dessas histórias expressavam, UFRJ. Maisdoqueumacuriosidadehistoriográfica,asnarrativas tória daIlhadoFundãoe,porconseguinte,comahistóriaprópria maior contatocomahistóriadalocalidadeesuasrelações comahis- nos finaisdesemanaetc. sua vida noturna, as atividades mais rotineiras dos vizinhos, as festas ela mepossibilitavaumolharestratégicosobre ocotidianodarua, Ao mesmo tempo que me expunha ao ao olhar, estabelecendodiálogosentre oespaçointerioreexterior. situadaàbeira dacalçada,oferecia-selidade, ajaneladomeuquarto, tezas ameurespeito. dasresidências Comoemgrandeparte daloca- conquistar aconfiançademuitosinterlocutores, neutralizandoincer da localidadedurantedoismeses,e,nacondiçãodemoradora,pude numaresidência einteraçãoalugandoumquarto des deobservação não vivessemisolados,tambémbusqueiampliarminhaspossibilida- Himalaia estudada por Berreman, os moradores da Vila Residencial Priorizando aperspectivadosmoradores, realizei quatro vi- Mediante minhainteraçãocomosmoradores, passei ater Embora, diferentemente daaldeiacamponesanoBaixo 2ª prova2ª –Jesus –26 fev 2014 voyeurismo dos transeuntes, método - - 29 Leticia de Luna Freire 2ª prova – Jesus – 26 fev 2014

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reconstituir a antiga configuração física e social da região, formada por um conjunto de pequenas ilhas. Para melhor compreender muito do que via e ouvia no cam- po, no que tange às características históricas e geofísicas daque- le espaço, e suprir determinadas lacunas na posterior organização dos dados, não pude me eximir de realizar pesquisa bibliográfica e documental em diversas instituições, tais como o Arquivo Geral da Cidade do Rio de Janeiro, a Biblioteca Nacional, o Museu da Maré, o Arquivo Histórico do Escritório Técnico Universitário da UFRJ e a Biblioteca Pedro Calmon. Paralelamente à minha participação nas

Introdução: como cheguei, olhei, ouvi e escrevi Introdução: como cheguei, reuniões e atividades do programa de extensão, de eventos políticos e culturais na Vila Residencial e na universidade, também estabe- leci diálogos – por vezes no formato de entrevistas semiestrutura- das – com alguns personagens importantes das histórias que visava reconstituir. Enquanto no olhar e no ouvir realiza-se a nossa percepção, é no ato de escrever, entretanto, que nosso pensamento exercita-se da forma mais cabal, como produtor de um discurso que seja tão criativo como próprio da disciplina antropológica (CARDOSO DE OLIVEIRA, 2000, p. 21). Embora, na prática, a atividade da escrita te- nha começado desde minha primeira ida à Vila Residencial, por meio da redação, em quatro pequenos cadernos, de notas sobre minhas observações, conversas e impressões realizadas no campo, tais no- tas consistiam muito mais em um registro que pudesse compensar as limitações de minha capacidade mnemônica do que em um texto estruturado capaz de produzir articulações ou análises sobre tudo o que ouvia e observava no campo. O processo de transformação dessas notas em dados etnográficos somente ocorreu no momento posterior em que me afastei provisoriamente da localidade para me deter na análise do material coletado ao longo de dois anos de tra- balho de campo sistemático. Pois, como diz James Clifford (2008, p. 39), “se muito da escrita etnográfica é produzido no campo, a real ela- boração de uma etnografia é feita em outro lugar”. Esse outro lugar, em que o pesquisador passa a estar não mais mergulhado entre os nativos, mas entre seus pares, é, como descreve Cardoso de Oliveira (2000), marcado por uma interpretação balizada pelas categorias constitutivas de nossa disciplina, que faz com que os dados sofram uma refração, uma vez que todo o processo de escrever o texto etnográfico passa a ser contaminado pelo ambiente acadêmico. 2ª prova2ª –Jesus –26 fev 2014 dos dehabitareestilos vidalocal,dossentidosatribuídospelos entreResidencial, norteando-se, outros, pela investigação dos mo- complementar, o segundo eixo centrava-se na etnografia atual da Vila reivindicavam, local.Demaneira enquantogrupo,seupertencimento zidas, emquearenas ediantedequepúblicos, e comoosmoradores circunstâncias emqueasnarrativassobre essahistóriaeramprodu- da CidadeUniversitáriaeraressignificado nopresente, asformase o passadodavidanoantigoarquipélago aterradoparaaconstrução gava sobre oprocesso deconstituiçãodalocalidade,omodocomo da UFRJenosquadros sociaisdamemóriacoletiva,noqualmeinda - O primeiro eixoconcentrava-senahistórialocalda Vila Residencial xos dequestões,emtornodosquaisoscapítulosestão organizados. permanecer nolocal. recursos que os moradores mobilizavam para reivindicar o direito de de seu“endereço nacidade”(MELLO;SIMOES;FREIRE,2010)eos UFRJ, tendocomoobjetocentraldeanáliseosconflitosdecorrentes história (oumelhor, ashistórias)eocotidianodaVila Residencialda dessecontextoquebusqueicompreendermas sociais.Foiapartir a designou, emsuapesquisasobre osNdembudaZâmbia,comodra- episódios deirrupçãopúblicatensãoqueVictor Turner (1996) gularização fundiária,identifiqueinocampoasmesmasetapasdos buscou colocarempráticaumplanoderemoção. radores àmaiorcriseenfrentada comauniversidade,quandoesta regularização fundiáriarepresentava, porsuavez,areação dosmo- habitar aárea situadadentro doslimitesdocampus universitário.A moradores extremamente vulneráveiscomrelação aseudireito de ambígua vividaentre alocalidadeeuniversidade, quedeixavaos ção tinha como pano de fundo mais de três décadas de umarelação dores, comoobjetivodegarantirsuapermanêncianaárea. Tal situa- regularização fundiária,resultante damobilizaçãocoletivadosmora- Residencial da UFRJ dava seus primeiros passos em um processo de problema queorientouapesquisa. do minhasideiasetestandointerpretações, atéconstruiro diversas leiturasrealizadas duranteesseperíodoquefuiorganizan- emeventoscientíficosedas legas dauniversidade,participação Sendo assim,foipelainterlocuçãocomoutros pesquisadores eco- A pesquisaquedáorigemaestelivro assentou-sesobre três ei- Recompondo oprocesso queconduziuàdemandapelare- Em meadosde2008,quandoinicieiotrabalhocampo,aVila 2ª prova2ª –Jesus –26 fev 2014 31 Leticia de Luna Freire 2ª prova – Jesus – 26 fev 2014

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moradores à localidade, dos conflitos envolvendo as relações de vi- zinhança e os usos e apropriações dos espaços. Já o terceiro eixo concentrava-se na análise da relação (ou relações) existente entre a Vila Residencial e a UFRJ e seus efeitos nas tentativas de exclusão e inclusão da localidade no mapa da Cidade Universitária. Indagava-se sobre os argumentos que pesaram sobre a ameaça de remoção e a defesa de sua permanência na região, o modo como a vida da locali- dade articulava-se com a vida da universidade, os tipos de conflitos que configuravam essa coabitação, as formas como os moradores se mobilizavam para reivindicar direitos e as alianças que construíam

Introdução: como cheguei, olhei, ouvi e escrevi Introdução: como cheguei, para fortalecer suas lutas. Se o ato de escrever e o de pensar são solidários entre si, a ponto de formarem um mesmo ato cognitivo, o processo de textual- ização desse conjunto de questões ocorreu concomitantemente ao processo de produção do conhecimento. Como atividade cognitiva, a escrita deste livro foi feita e refeita exaustiva e repetidamente, “não apenas para aperfeiçoar o texto do ponto de vista formal, quanto para melhorar a veracidade das descrições e da narrativa, aprofun- dar a análise e consolidar argumentos”, como propõe Cardoso de Oliveira (2000, p. 32). Mais ainda, se um dos pressupostos da antropologia é a ideia de que tudo que se vê depende do lugar e da posição em que foi visto e das outras coisas que foram vistas ao mesmo tempo, Cardoso de Oliveira (2000, p. 30) ressalta a existência de uma “responsabilidade específica da voz do antropólogo”, que não deve ficar obscurecida nem pelo uso impessoal e generalizado da primeira pessoa do plural nem pelas transcrições literais das falas dos nativos. Assim, embora, como mencionei, este texto tenha sido fruto de interlocuções esta- belecidas em diversos contextos dentro e fora do campo, optei por redigi-lo primordialmente na primeira pessoa do singular, reservan- do o uso no plural apenas para os momentos em que evoco a par- ticipação do leitor ou para descrever as situações em que eu estava acompanhada por outros colegas, cujas impressões no campo foram comigo compartilhadas. Dessa forma, busco evidenciar tanto as condições de realização das etapas iniciais da obtenção dos dados (o olhar e o ouvir) quan- to reconhecer a intersubjetividade que permeou todo o processo de produção da pesquisa. Sem tropeçar numa psicologização despropo-

si-tada, sugeriria, inclusive, acrescentar o verbo afetar às outras três 2ª prova2ª –Jesus –26 fev 2014 as estudadas por Sahlins, não estavam isoladas nem geograficamente tural. Incidiu,aocontrário, sobre umconjuntodeilhasque,talcomo “fantasia moderna”,suaimplantação nãosedeusobre um vaziocul- por meio da arquitetura e do urbanismo, aquilo que se denominou de depôremprática, Universitária tenhasimbolizado aoportunidade Cidade da do OceanoPacífico,procuroapontarque,emborao modelo Marshall Sahlins(1990),IlhasdeHistória,sobre sociedadesinsulares hoje conhecido como “Fundão”. Fazendo alusão ao título do livro de construção, assimcomoguiaroleitornumavisitaao referido campus, sua localização, dos limites e dificuldades durante o processo de sua zados em torno do projeto da Cidade Universitária, da escolha da etc.), buscoanalisarosargumentos técnicoseideológicosmobili- realizadas emdiferentes domínios (História,Arquitetura, Geografia trevistas comantigosfuncionáriosetc.)eapoiando-meempesquisas sobre diversostiposdemateriais(documentos,relatórios,en jornais, localização, em 1935, até sua inauguração, em 1972. Debruçando-me Cidade Universitária,desdeosprimeiros debatesemtornodesua este livro, dostrês estruturado apartir eixoscitados. tarefa, contento-me,então,emapresentar oscapítulosquecompõem (1989),osdadosapresentados.Geertz Legandoparaoleitoressa como diriaBrunoLatour(2000),ouinterpretar, comodiriaClifford exame nãoéapenasotextoemsi,masminhamaneiradetraduzir, de ouvir, de pensaresentir. Nessesentido,oquesecolocasob resultado deumprocesso deafetaçãonovasformasolhar, então umaetnografiaépossível.” o projeto de conhecimento não se perde em meio a uma aventura, onipresente, nãoacontecenada.Massealgumacoisae conhecimento se desfazer,pois,“seoprojetodeconhecimento for de vistanativo,masimplicaassumiroriscoverseuprojeto to porempatiaoucomaidentificaçãodopesquisadoroponto afetado, contudo,nãotemavercomumaoperaçãodeconhecimen- da deintencionalidade, e que pode serverbalounão”.Deixar-se ser específica comeles, “comunicação sempre involuntária edesprovi- mesmas forçasqueafetamosnativosparaabrirumacomunicação sa sobre a feitiçaria, basta que os etnógrafos se deixem afetar pelas creve JeanneFavret-Saada(2005,p.159,160),apartirdesuapesqui- etapas quecomporiamotrabalhodoantropólogo.Afinal,comodes- No primeiro capítulo,descrevo oprocesso deconstruçãoda É dessaperspectivaqueapresento, este livro portanto, como 2ª prova2ª –Jesus –26 fev 2014 - 33 Leticia de Luna Freire 2ª prova – Jesus – 26 fev 2014

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nem socialmente, mas cuja história estava diretamente relacionada à história da universidade, da cidade e do próprio país. É sobre esse entrelaçamento de histórias (no plural), em torno do processo de construção da Cidade Universitária, que originou a Vila Residencial a partir do aterro de um arquipélago na antiga enseada de Inhaúma, que versa, portanto, esta parte do livro. No segundo capítulo, procuro contar a história da Vila Resi- dencial com base nas narrativas dos seus moradores. Tomando-os como guias, descrevo as transformações sofridas pelo lugar, desde os anos 1940, quando a Ilha da Sapucaia deixou de sediar o antigo

Introdução: como cheguei, olhei, ouvi e escrevi Introdução: como cheguei, vazadouro de lixo do Distrito Federal para se ligar às demais ilhas, a fim de viabilizar a construção da Cidade Universitária, até os anos 1970, quando a área passou a sediar o canteiro de obras da Ponte Rio- Niterói, e, somente então, tornar-se local de moradia para famílias de funcionários da UFRJ. Focalizando nas histórias das famílias nativas, procuro evidenciar, por exemplo, como a vida dos primeiros mora- dores se articulava com a vida social e econômica em torno da Baía de Guanabara e com o próprio processo de constituição do campus universitário na região. E, ainda, como se deu a chegada de outros grupos de moradores que contribuíram para consolidar a localidade, destacando as tensões decorrentes dessa coabitação entre estabe- lecidos e outsiders – a partir das análises de Norbert Elias e John Scotson (2000) no vilarejo inglês de Winston Parva. Já no terceiro capítulo, apresento a etnografia da morfologia so- cial e dos modos de habitar a Vila Residencial, como esta se apresen- tava no momento de realização da pesquisa. Busco, assim, descrever seu espaço físico, os usos e formas de sua ocupação, sua localização, sua infraestrutura, os principais pontos de referência, a relação com os bairros do entorno e a própria Cidade Universitária, as ruas e os tipos de moradia, as relações de vizinhança, a Associação de Moradores, as formas de lazer, comércio e serviços, além de analisar as diversas representações sobre o lugar. No quarto e último capítulo, concentro a análise nas relações sociais e políticas construídas, ao longo de mais de três décadas, entre a universidade e a localidade, sendo a primeira representada por suas principais instâncias gestoras – o Conselho Universitário, a Reitoria e a Prefeitura da UFRJ – e a segunda, principalmente por sua Associação de Moradores. Analisando os argumentos e as práticas dos diversos atores envolvidos, busco recompor as diversas arenas públicas nas 2ª prova2ª –Jesus –26 fev 2014 1 Nota me resta senãodeixá-loseguirseucaminho. texto produz seuspróprios efeitos.Depoisdetê-loescrito,nadamais Pois, comodizoescritor, independentementedavontadedoautor, o não pensavaequeosleitores deentão,mesugerir. poderão, a partir uma “chaveinterpretativa” quemefaçadescobrirleiturasnasquais ser, Eco(1985)noromance comoofezUmberto ONomedaRosa, universidadesdo país,otítulopretendeuma dasmaisimportantes fraestrutura urbana daVila Residencialeaexcelência acadêmica de cuja abordagem focouacontradiçãoexistenteentre acarência dein- doBrasilemoutubrode umamatériapublicadanoJornal de2008, apesquisa.Reproduzindoto dequestõesquenorteou amanchete de remoção(ruptura,crise,açãoreparadoraereintegração). as quatrofasesquecompuseramodramasocialsuscitadopelaameaça prova, assimcomodescrever,àluzdateoriasocialdeVictorTurner, quais oestatutodarelaçãoentrealocalidadeeUFRJfoicolocadoà pelos professores KantdeLima(UFF)eDanielCefa Roberto Durante todooanode2007realizei meusestudosnaFrança,atravésdeumconvênioCAPES-COFECUBcoordenado Finalmente, otítulodolivro buscacontemplaresseconjun- 2ª prova2ª –Jesus –26 fev 2014 (UniversitéParisX). 35 Leticia de Luna Freire

Ilhas de histórias

Um breve percurso pela história da UFRJ

Em 1o de março de 1950, o professor Maurício Joppert da Silva proferiu a aula inaugural da Universidade do Brasil sobre o tema “As Cidades Universitárias”. Tendo acabado de retornar de uma viagem internacional, que tinha como objetivo visitar cidades universitárias em construção em vários países, representando o reitor na Comissão Supervisora do Planejamento da Cidade Universitária, a aula tratava do que estava por vir no então Distrito Federal. Justificando a con- cepção do grande projeto que começava naquele momento a ser co- locado em prática, o professor argumentava que o problema da ins- talação do ensino e da moradia para professores e estudantes era contemporâneo da fundação das próprias universidades, na Europa medieval.1 Segundo ele, a origem do que depois passou a se chamar Cidade Universitária partiu da necessidade de reunir as escolas, as fa- culdades e os colégios em torno de um centro isolado, no qual seriam providas residências para mestres e discípulos e todas as instalações apropriadas para o funcionamento regular da vida universitária. Tal necessidade era, por sua vez, efeito de uma conjuntura marcada tanto pelo desenvolvimento das universidades europeias quanto pela exis- tência de “incompatibilidade” entre as populações das cidades e as universidades, cujos conflitos decorriam sobretudo das diversas rega- lias que eram concedidas, na época, pelos monarcas e pelos papas aos universitários.2 Nas cidades europeias, as áreas reservadas para a construção das universidades passaram, então, a se chamar cidade universitá- ria, sendo esta denominação atribuída mesmo àquelas cidades de pequeno porte, nas quais a universidade constituía o elemento de 2ª prova – Jesus – 26 fev 2014

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maior importância, como nos casos de Bolonha, Oxford, Salamanca e Coimbra. Nos Estados Unidos da América, onde a ideia e a prá- tica de reunir as construções universitárias, formando “um todo à

Ilhas de histórias parte das cidades, com vida isolada e própria”, se desenvolveu mais fortemente, o modelo adotado seguiu, porém, um padrão diferente. Associadas à intenção de tornar o ensino superior acessível a amplos segmentos da população, as universidades norte-americanas conta- ram com a criação de fundos para viabilizar a instalação de seus cam- pi em todas as unidades da federação, principalmente nas periferias de cidades de pequeno e médio portes. Voltando a atenção para o contexto brasileiro, vê-se que, dife- rentemente dos países da América Latina de colonização espanhola – onde, desde o século XVI, incentivava-se a construção de institui- ções de ensino superior3 –, o Estado português proibia a fundação de instituições desse tipo. Isso fazia com que os filhos das famílias abastadas, educados nas poucas escolas dirigidas pelos jesuítas, ti- vessem de recorrer à metrópole para garantir sua formação superior, realizada principalmente na Universidade de Coimbra. Apenas com a transferência da família real para a colônia, em 1808, a inexistência de cursos superiores no país tornou-se uma preocupação estrutural, motivando a criação da primeira universidade no país, cinco sécu- los após a chegada dos portugueses na ilha de Vera Cruz. Durante todo o período imperial (1822-1889), privilegiou-se a formação pro- fissionalizante em escolas superiores isoladas, destinadas a formar aqueles que se encarregariam da defesa do país (Engenharia Militar), das obras (Engenharia Civil), da saúde (medicina) e da aplicação das leis (direito). Somente após a Proclamação da República, durante o governo de Epitácio Pessoa, foi instituída, por meio do Decreto no 14.343, de 7 de setembro de 1920, a Universidade do Rio de Janeiro (URJ) – formada pela fusão das faculdades de Direito, Medicina e Engenharia e contando com pouco mais de três mil alunos.4 É preciso, porém, ter em mente o contexto histórico, social e político que favoreceu a criação da primeira universidade nacional. Na década de 1920, enquanto os Estados Unidos afirmavam-se como potência mundial (até a crise de 1929), e a Europa enfrentava as consequências da Primeira Guerra Mundial, o Brasil vivia um mo- mento de grande efervescência política e cultural, em que o debate sobre a identidade e os rumos do país estava em voga, culminando na Revolução de 1930, que levaria Getúlio Vargas ao poder. Cabe citar 2ª prova2ª –Jesus –26 fev 2014 (FÁVERO, 2007, p.21-22). cultura intelectual”,cujo controle ficaria acargo dopodercentral queasituem edefinamcomoamaisaltaexpressãosorte, denossa deestudosdesinteressadoslosóficas, literáriaseartísticas, detoda de pesquisascientíficas, de investigaçõestécnicas,atividadesfi- então ministro Gustavo Capanema visava constituir um “ativo centro n Ainda nesseano,oprefeito Pedro Ernestocriou,pormeiodoDecreto efeito adelegaçãodeplenospoderes aopresidente daRepública. passou aservistacomoumerro asercorrigido,oqueteriacomo suscitadapelaRevoluçãode30 de1935,aabertura dades. Apartir -lhe autonomiadidáticaeincorporandoaelaoutrasescolasfacul- instituições, eoutro quedavanovaorganização àURJ,concedendo - das UniversidadesBrasileiras,definindoomododegestãodessas decretos,seguinte doisimportantes umqueestabeleciaoEstatuto Ministério daEducaçãoeSaúde(MES),sendopromulgados noano concretizado. esse projetocomeçouaterefetivascondiçõesinstitucionaisparaser continuava subordinadaaogoverno.Apenasnasdécadasseguintes, de formaisolada,emdiferentesáreasdacidade,eauniversidade as três faculdades, formalmente unidas, continuavam a funcionar sem, contudo,geraroesperado“espíritouniversitário”,umavezque modernizante. ÉnessecontextomaisamploqueaURJéinstituída, tornava-se, cadavezmais,ainstânciacapazdeviabilizaresteideal zação era a palavra de ordem para todas as esferas e a educação leira de Ciências e da Associação Brasileira de Educação. Moderni- Paulo, afundaçãodoPartidoComunista,criaçãodaAcademiaBrasi- no ano de 1922, a realização da Semana de Arte Moderna, em São aqui, ainda,asgrevesoperárias,omovimentotenentistae,somente a seradotadonopaís,eextinção da UDFem1939. de 5julho1937,daUniversidadedoBrasil(UB) comomodelo conservadores saíramvencidos,comainstituição, pelaLein conservadores deral. Nessa disputa pelahegemonia do sistemaescolar, osgrupos católicos, que contavam com o apoio do governo fe- conservadores cias entre as perspectivas educacionais e pedagógicas da UDF e dos tor, Anísio Teixeira. Com o golpe de 1937, acirraram-se as divergên- resistente aomovimentodaescolanovarepresentado por seudire- recebida pelossetores sobretudo conservadores, adireita católica, o 5.513,aUniversidadedoDistritoFederal(UDF),quenãofoibem Em 1930,ogovernoprovisório deGetúlioVargas criouo 2ª prova2ª –Jesus –26 fev 2014 5 Comestalei,o o 452

39 Leticia de Luna Freire 2ª prova – Jesus – 26 fev 2014

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A partir daí, todas as 15 escolas e faculdades da antiga URJ passaram a ter o adjetivo “nacional” associado ao nome. Com o fim do Estado Novo, em 1945, a UB teve sua autonomia administrati- o Ilhas de histórias va, financeira, didática e disciplinar garantida pelo Decreto-Lei n 8.393, e, no ano seguinte, teve seu estatuto aprovado pelo Decreto no 21.321, o qual estabeleceu como seus objetivos a educação, o en- sino e a pesquisa. No limiar da década de 1960, a UB sofreu uma re- forma, cuja implantação foi sustada com o golpe militar de 1964. Em 1965, cinco anos após a transferência da capital para Brasília, o pre- sidente Castelo Branco uniformizou a denominação das unidades e escolas técnicas federais. Com a Lei no 4.831, a UB passou a ser oficialmente denominada Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ).6

Os debates em torno da localização da Cidade Universitária

Faltava ainda à Universidade encontrar um corpo que corres- pondesse aos anseios de constituir o almejado “espírito universitá- rio”. A busca por esse ideal se expressava no moderno conceito de campus, em que as estruturas materiais da universidade estariam conjugadas a um “clima de espiritualidade” propiciado pelo convívio aproximado de ideais e sentimentos afins (MELLO JR., 1985). A ideia de organizar a universidade como um único conjunto, mediante uma Cidade Universitária que congregasse todos os seus setores, começou a ser idealizada em 1935. Segundo o professor Antônio José Barbosa de Oliveira (2005), a problemática da escolha do local bem como a posterior construção da Cidade Universitária foram, ao longo de uma década, objetos constantes de discussão na esfera da sociedade civil, extrapolando a concepção reducionista de que este projeto teria sido debatido apenas nas instâncias políticas. Para o autor, a ideia muito difundida de que a construção da Cidade Universitária na região hoje conhecida como Ilha do Fundão teria sido mero efeito de táticas implementadas no regime militar, visando enfraquecer o movimento estudantil e a própria instituição univer- sitária, deslocando-a da área central da cidade para outra preten- samente isolada, não se sustenta por não levar em consideração as intenções e a distribuição espacial previstas nos projetos originais, elaborados muitos anos antes.7 2ª prova2ª –Jesus –26 fev 2014 dades” (apudOLIVEIRA,2005,p.67). singela, chã,quesejaumpadrão, masaoalcancedenossaspossibili- Capanema, à época, o que se desejava fazer era “uma obra modesta e bou sendoagrandiosaobra daCidadeUniversitária.Naspalavrasde o projeto pretendia serinicialmentemuitomaismodestodo queaca- estrutura modelar às demais instituições de ensino superior no país, (ALBERTO, 2003,p.73).Emboraseuobjetivofosseconsolidaruma prescindível parasealcançaruma“comunidade escolar verdadeira” campus, demodoqueaconstruçãodaCidadeUniversitária seriaim- a escolhademodelouniversidadeconcentrada emumúnico trabalhos decriaçãodaCidadeUniversitária. do AmaraleErnestodeSouzaCampos,paraondese direcionavam os Plano daUniversidade,dirigidopelosprofessores IgnácioAzevedo ção institucional,foicriadoaindanomesmoperíodooEscritóriodo tantes dediversasáreas deconhecimento.Nessacomplexaorganiza- subcomissões especializadasconsultivas,compostasporrepresen- mada porcincodosprofessores integrantesda CEPU, emaisseis a ComissãodeOrganização do PlanodaUniversidade (COPU), for Para melhorandamentodostrabalhos,oministro designouainda auxiliares. administração,residências nologia, esportes, eserviços organizações deeducação,ensino,cultura,pesquisa,ciênciaetec- de universidade e projetar o tipo de Universidade (CEPU),tendoaresponsabilidade dedefiniroconceito Capanema instituiu,em1935,aComissãodeEstudosdoPlanoda nização doensinoeodesenvolvimentotécnico-científicopaís, número crescente deestudantesdesde1930,impedindoamoder com adeficiênciadasinstalaçõesdauniversidadeparaatendero Universitária começou efetivamente a serconcretizado. Preocupado foi ministro (1934-1945)queoprojeto deconstruçãodaCidade privilegiada topografia. centro eaausênciadebarulhotráfegointenso,favorecida porsua cal, destacando como condiçõespropícias afacilidadedeacesso ao de remodelação doRiodeJaneiro aconstruçãodocampus o MES,urbanistafrancêsAlfred Agacheteriaprevisto emseuplano abrigar aCidadeUniversitária.AntesmesmodeCapanemaassumir no bairro daUrca, candidatapara jáeracogitadacomoumaforte Assim comodefendidopeloministro, eraconsenso naCEPU Foi, contudo,duranteolongoperíodoemqueCapanema Desde oImpério,porexemplo,aregião daPraiaVermelha, 2ª prova2ª –Jesus –26 fev 2014 campus capaz de reunir todas as nesse lo- - - 41 Leticia de Luna Freire 2ª prova – Jesus – 26 fev 2014

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Em relação à localização da Cidade Universitária, ao longo de uma década, diversas localidades do Rio de Janeiro foram sugeri- das por renomados engenheiros e arquitetos, brasileiros e estran-

Ilhas de histórias geiros, sendo cada proposta objeto de intenso debate. No início, as principais áreas sugeridas eram a Praia Vermelha, a Quinta da Boa Vista, o e a Gávea. Entretanto, diversas outras áreas também foram cogitadas, tanto na capital, como os bairros de Manguinhos e Vila Valqueire, quanto fora da capital, como um terreno na Estrada de Maricá, em Niterói, e outro na cidade serrana de Petrópolis. Conforme dito anteriormente, havia uma tendência, desde o período imperial, em se conceber a Praia Vermelha como sendo uma área “ideal” para receber a Cidade Universitária. Antes mes- mo da constituição da CEPU, o engenheiro José Otacílio Saboya Ribeiro, na qualidade de membro da Comissão do Plano da Cidade do Rio de Janeiro, já estudava a região como propícia à construção da Cidade Universitária. Da mesma forma, esta foi a primeira op- ção considerada pelos integrantes da CEPU. Além das condições climáticas e topográficas favoráveis, pesava a seu favor o fato de ser uma das poucas áreas disponíveis próximas do centro da cida- de e de onde viviam os estudantes da elite carioca, para os quais o ensino superior, afinal, se destinava. Para se consolidar a proposta de construção da Cidade Universitária na Praia Vermelha, Saboya Ribeiro apontava, entretanto, dois inconvenientes principais: a insuficiência do terreno disponível – que, para ser contornado, exigiria o aterro de 520.800m² sobre o mar e a liberação de quase 300.000m² ocupados por moradores do bairro – e o alto custo das desapropriações nessa região. Apesar das dúvidas, a Praia Vermelha permanecia sendo a pri- meira opção. Tanto que, em junho de 1935, o ministro enviou carta ao embaixador do Brasil em Roma, solicitando a indicação de arqui- teto especialista para projetar o referido campus na região da . Capanema cogitava o nome de Marcello Piacentini, um arquiteto mo- derno, porém de cultura clássica, que havia sido responsável pela construção da cidade universitária da Universidade de Roma e do prédio do Ministério da Aeronáutica na capital italiana. Diante das contestações imediatas que o convite feito a um es- trangeiro gerou entre os engenheiros e arquitetos brasileiros, assim como entre os respectivos conselhos e sindicatos das categorias,8 Capanema justificou que a vinda de Piacentini nada mais seria do 2ª prova2ª –Jesus –26 fev 2014 que suapropostasuscitaria, oarquitetodestacavaasimplicidade prédios ligadoaosoutros pormeiodepontes.Cientedasreações a mesmaalturapadrãocom jardinssuspensos,sendocadaumdos aterros, jáqueosedifícios seriam suspensos sobre estacas,tendo águas” daLagoaRodrigode Freitas.Paratal,nãoseriamnecessários nistro apropostadeseconstruirCidadeUniversitária “sobreas missão deengenheirosearquitetosbrasileiros,apresentou aomi- Ainda em1936,oarquitetoLúcioCosta,representando areferidaco- dar formafinalaoprojetoaserconcebidopelo arquiteto italiano. nância comacomissãodeprofessores,deveriaser responsávelpor tes dostrêsprincipaisórgãosdeclasse,que,trabalhando emconso- uma comissão de engenheiros e arquitetos brasileiros representan- Capanema criou,porsugestãodoSindicatoNacional dosEngenheiros, à QuintadaBoaVista. cer favorávelàconstruçãodaCidadeUniversitáriaemterrenoanexo vantagens e desvantagens das duaslocalidades, a CEPU emitiupare- a suaproximidadecomregiãocentraldacidade.Comparandoas ração do terreno, já que ele era quase todo pertencente à União, e ritorial (totalde2.300m²),osmenorescustosaquisiçãoeprepa- como principaisvantagensadisponibilidadedemaiorextensãoter- Em relaçãoàPraiaVermelha,aQuintadaBoaVistaapresentava te pelaLein durante pronunciamentoemabrilde1936ehomologadooficialmen- região daQuintaBoaVista,preferênciadefendidaporCapanema Vermelha fizeramcomqueosestudosdaCEPUsevoltassemparaa executar osplanoscompletoseasmaquetesdoprojeto. compromisso devoltaraopaísnofinaldoanocomumauxiliarpara Itália ainda sem a definição oficial do terreno, Piacentini assumiu o pontos desfavoráveisapontadosporSaboyaRibeiro. Retornandoà seguido pelaQuintadaBoaVista, entretanto, compartilhando, dos o local mais apropriado para a construção da Cidade Universitária, e Gávea),entregou relatório noqualconsideravaaPraiaVermelha quatro áreas cogitadas(PraiaVermelha, QuintadaBoaVista, Leblon rápida passagempeloBrasil,emagostodaqueleano.Apósvisitaras teto italianofezaosmembros dacomissãonoprimeiro diadesua mento, prestando umaespéciedeconsultoria.Issofoioquearqui- que para expor sua larga experiência com esse tipo de empreendi- Visando controlarasreaçõesàcontrataçãode Piacentini, Os inconvenientesapontadosnoquedizrespeitoàPraia o 452/37,amesmaqueinstituiuUniversidadedoBrasil. 2ª prova2ª –Jesus –26 fev 2014 43 Leticia de Luna Freire 2ª prova – Jesus – 26 fev 2014

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e as vantagens da construção desse empreendimento no local por ele sugerido. Sua proposta, no entanto, foi recusada pela CEPU, que, além das dificuldades técnicas e dos custos elevados, alegou que a

Ilhas de histórias escolha do terreno já havia sido feita por meio de longo processo de diagnósticos e estudos. Acatando a localização proposta pela CEPU para o campus, essa nova comissão propôs, por sua vez, convidar o arquiteto mo- dernista franco-suíço Le Corbusier para auxiliar na elaboração do projeto. Embora ainda mantivesse acordo com Piacentini, o ministro trouxe Le Corbusier ao país no ano seguinte à vinda do arquiteto italiano. Além de assessorar as comissões envolvidas no projeto de construção da Cidade Universitária, Le Corbusier auxiliaria a equi- pe de Lúcio Costa, na construção do plano do edifício sede do MES no centro da cidade – atual Palácio Gustavo Capanema.9 Adepto do princípio da especialização das funções urbanas e da implantação de grandes eixos de circulação viária, Le Corbusier apresentou um esboço da Cidade Universitária, no qual propunha um sistema de via- dutos como forma de solucionar o problema do tráfego na região da Quinta da Boa Vista e da conexão do campus com o seu entorno, ga- rantindo a tranquilidade dos estudantes e a integração do ambiente universitário com o antigo parque imperial. Parece não ter havido, todavia, muito diálogo entre o arquiteto estrangeiro e os membros da CEPU. Algumas de suas ideias foram severamente criticadas pela comissão em parecer apresentado ao MES. Alegando que as questões de arquitetura estariam em plano inferior às de ordem educativa, a CEPU concluiu, assim, por rejeitar o projeto. Logo após o retorno de Le Corbusier para a Europa, Lúcio Costa e sua equipe apresentaram um novo anteprojeto para a cons- trução da Cidade Universitária, dessa vez voltado para o terreno da Quinta da Boa Vista. Assim como Le Corbusier, Lúcio Costa propôs ocupar apenas a área plana do terreno, compreendida entre os mor- ros do Telégrafo e da Quinta da Boa Vista, configurando uma univer- sidade mais compacta. Entretanto, diferentemente de Le Corbusier, o tema das conexões urbanas não parecia ser uma preocupação em seu projeto. No início de 1937, o relatório da CEPU decidiu por rejeitá- -lo unanimemente sob a alegação de que se afastava das bases esta- belecidas pela comissão. Sobre a dinâmica do funcionamento dessa estrutura organiza- cional, Oliveira (2005) salienta que, mais do que a qualidade técnica 2ª prova2ª –Jesus –26 fev 2014 n sobre alocalizaçãodaCidadeUniversitária.Remetendo-seàLei professores odesenvolvimentoarquitetônico decadaedifício. tetônica paraaobra,ficandosob responsabilidade dacomissãode distribuição dos edifícios nas áreas livres e dar orientação arqui- sistente Vittorio Mopurgo, comafunçãoespecíficadedesignar a naquele momento,veioemseulugar, emsetembro de1937,seuas- Vista. Diantedaimpossibilidadedeoarquiteto italianoviraoBrasil projeto paraaconstruçãodaCidadeUniversitárianaQuintaBoa tomou ocontatocomPiacentini,solicitandoaelaboraçãofinaldo comissão deengenheiros earquitetos. daí,Capanemare Apartir - extinguir, jánasvésperasdogolpequeinstituiuoEstadoNovo,a da equipedeLúcioCosta,nãorestou aoministro Capanemasenão vam noarenapranchetadiferentes ideologias”. um ato político. Nas palavras de Donato Mello Jr. (1985, p. 58), “esta- versidade eaescolhadolocalseconstruirCidadeUniversitária ologias e interesses de grupos diversos, tornando o modelo de uni- tratando domesmoassuntorevelava ocampodedisputasentre ide- das propostas apresentadas, acoexistênciadediferentes comissões sugeridas eanalisandooutras quepassaramasercogitadas. e novosestudosiniciados, reavaliando algumasdaslocalidades antes equipe dePiacentininãoimpediu quenovascomissõesfossemcriadas da BoaVista. Aaprovação, nomesmoano,doprojeto elaboradopela à Itália,enviando,em1938, oprojeto daCidadeUniversitárianaQuinta ção dolocalaserconstruídoocampusuniversitário,Mopurgo retornou desapropriação demaismilfamílias. pela construção da Cidade Universitária, bem como a necessidade de municipais, civisemilitares, queteriamseudeslocamentoforçado com aconstruçãodenovassedesparaosórgãos públicosfederais, cinas daestradadeferro. Ademais,alegavam-seos custoselevados selhável odeslocamentodassubestaçõestransformadoras e dasofi- da Viação eObrasPúblicas,queconsiderou tecnicamente desacon- la época.Também sepronunciou contrárioàlocalizaçãooministro pliação doprincipaltronco damalhaferroviária, jádeficientenaque- essa escolha, alegando que ela restringiria aspossibilidades de am- tor daEstrada de Ferro CentraldoBrasilmanifestou-se contrário a o 452/37,quehaviaoptadopelaárea daQuintaBoaVista, odire- Insatisfeito comaconstantereabertura dodebatesobre adefini Ao mesmotempo,retornavam àarena públicaasdiscussões Diante daembaraçosasituaçãoreprovação doanteprojeto 2ª prova2ª –Jesus –26 fev 2014 -

45 Leticia de Luna Freire 2ª prova – Jesus – 26 fev 2014

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Em janeiro de 1939, o Decreto-lei no 1.075 regulamentou a cria- ção da Comissão do Plano da Universidade do Brasil, que, ao reali- zar novos estudos sobre as áreas da Quinta da Boa Vista, Praia da

Ilhas de histórias Gávea, Piedade e Vila Valqueire, indicou sua escolha por esta última localidade. Em 1941, o engenheiro Paulo de Assis Ribeiro apresen- tou os resultados dos estudos realizados em oito localidades que se apresentavam como “soluções aceitáveis”: Praia Vermelha, Quinta da Boa Vista, Gávea, Ilha do Governador, Castelo, Manguinhos, Vila Valqueire e Niterói, indicando Manguinhos como a melhor opção. Diante dos obstáculos impostos aos terrenos da Quinta da Boa Vista e em face dos novos estudos realizados, o projeto de Piacentini e Mopurgo acabou sendo abandonado e os terrenos em Manguinhos e Vila Valqueire passaram a ser considerados tecnicamente mais adequados. Nesse contexto, o diretor do Departamento Nacional de Obras de Saneamento e do Departamento Nacional de Portos, Rios e Canais, Hildebrando de Araújo Góis, emitiu longo parecer no qual, apesar de se mostrar favorável à localização da Cidade Universitária em Manguinhos, optou pelos terrenos em Vila Valqueire, em razão das dificuldades impostas pela Segunda Guerra Mundial à realização do necessário saneamento da área, o que exigiria o emprego de extensa mão de obra e grande aparelhagem mecânica especializada, difícil de ser adquirida e transportada por via marítima. Com base nesse parecer, o ministro Capanema encaminhou, em 1943, Exposição de Motivos ao presidente Vargas, propondo a modificação da lei que dis- punha sobre a localização da Cidade Universitária e solicitando a ela- boração de um edital de concorrência, atribuindo ao empreiteiro se- lecionado os encargos de projetar e construir a Cidade Universitária em Vila Valqueire. A partir desse ato, foi emitido um decreto que de- clarou de utilidade pública os prédios e terrenos próximos à zona militar do Campo dos Afonsos, em Vila Valqueire, junto à Estrada Rio- São Paulo. Ainda em 1944, Capanema enviou uma nova Exposição de Motivos ao presidente, sugerindo novas alterações na organização e composição das estruturas definidoras da construção da Cidade Universitária. Desse documento resultou a extinção da Comissão do Plano da Universidade e a criação, em seu lugar, do Escritório Técnico da Cidade Universitária da Universidade do Brasil (ETUB), sob a administração direta do Departamento Administrativo do 2ª prova2ª –Jesus –26 fev 2014 pontos devistatécnico,econômico esocial. a área constituída peloarquipélago como sendoamaisvantajosados tadas. Osresultados, reunidos numquadro comparativo, apontaram res, elaborou-se um sistema de pontuações aplicado às 12 áreas cogi- da análise dos diversos fato- (BARBOSA, 1945; ETUB, 1954). A partir priações, demoliçõesdebenfeitorias,valorizaçãodo patrimônioetc. de construção,custosfinanceiros esociaisdecorrentes dedesapro- sibilidade, custosdeaquisição,despesaspreparo doterreno e Paulo deAssisRibeiro, examinandofatores comodistâncias,aces- rios demáximorigoreimparcialidade” sugeridos peloengenheiro Cidade Universitáriaexpuseramasavaliaçõesfeitas segundo“crité- consultados. listas, autoridades, professores, urbanistas, arquitetos e engenheiros comparação àsoutrasáreas, foiconfirmadapelosdiversosespecia- tária”. A“felicidadedaindicação”,comodiziaodiretor doETUB,em então, surgia, pelaprimeiravez,aideiadesecriaruma“ilhauniversi- quipélago. Diferentemente detodasaspropostas apresentadas até inclusão dasoutrastrês ilhascircunvizinhas quecompunhamoar Havendo necessidade,aárea poderiaaindaserexpandidacoma entre aPontadoCajueIlhaGovernador, próximo aManguinhos. àUnião,situadas tituída pelaunificação deseisilhas pertencentes bilidade delocaçãoparaaCidadeUniversitária:umaárea asercons- Ministério daAeronáutica, foitambémconsideradaumanovapossi- gestão doengenheiro deMeloFlôres, Alberto diretor deobrasdo Governador, aoMinistériodaAeronáutica. pertencentes Porsu- e um lote que poderia ser destacado das vastas áreas da Ilha do Boa Esperança, próxima às estações de Deodoro e Honório Gurgel, as disponíveisnoDistritoFederal,comoumagrandeglebachamada os estudosfeitosanteriormente,levandoemcontaaindanovasáre- Hildebrando deBarros Barbosa,quepassouaanalisartodos Horta 2005, p.93). “questãodeEstado”(OLIVEIRA, tório passariam,assim,atornar-se obras deconstruçãodaCidadeUniversitária,asdecisõesdoescri- gio. Encarregado da plena realização dos projetos e da execução das Público(DASP),quenaeragetulianagozavadegrandeprestí- Serviço retamente, com a localização da Cidade Universitária, o diretor do Após transitarportodas asesferasenvolvidas,direta eindi Documentos produzidos pelo ETUB sobre a localização da Para a direção do ETUB, foinomeado o engenheiro civil Luiz 2ª prova2ª –Jesus –26 fev 2014 - - 47 Leticia de Luna Freire 2ª prova – Jesus – 26 fev 2014

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DASP, Luiz Simões Lopes, apresentou, na Exposição de Motivos no 936, de 14/5/45, os fundamentos que iriam embasar a escolha final pelo arquipélago. Além de solicitar a anulação do decreto de 1944,

Ilhas de histórias que estabelecia a desapropriação dos terrenos em Vila Valqueire, o documento destacava, entre os motivos para essa nova escolha: (BARBOSA, 1945; ETUB, 1954)

• A proximidade da área ao centro de gravidade da popula- ção estudantil, garantindo, ao mesmo tempo, um relativo isolamento; • A construção de um hospital em área vizinha a bairros ope- rários proporcionaria a ocorrência de uma variedade de casos típicos para estudo, devido à vasta clientela que se destinaria aos seus ambulatórios e clínicas; • As condições climáticas da área favoreceriam a prática de esportes; • A existência de pedra, areia e saibro na área e a possibili- dade de receber, por via marítima, ferro e cimento, facilita- riam as obras do aterro; • A constituição geológica das ilhas de Bom Jesus, Pindaí do França, Pindaí do Ferreira, Fundão, Pinheiro e Sapucaia (exceto uma parte) propiciariam um terreno firme de 3.720.000m²; • Por fim, a possibilidade de expansão do terreno, em caso de necessidade, com a inclusão das ilhas de Baiacu, Cabras e Catalão, resultando em área superior a 5.000.000m².

Desde esse momento já se considerava a possibilidade de ampliação da área da Cidade Universitária, que seria, portanto, erguida sob o aterro total das nove ilhas. Mas assim como as de- mais localidades analisadas, o arquipélago também apresentava alguns inconvenientes, considerados menos graves: o ruído de aviões decorrente da proximidade da Base Aérea do Galeão e do Aeroclube de Manguinhos, e a proximidade de corporações mili- tares, o que, em situações de rivalidades e conflitos, poderia am- plificar os choques entre soldados e praças. Além disso, ao apoia- rem a proposta, o Ministro da Guerra e o Ministro da Aeronáutica 2ª prova2ª –Jesus –26 fev 2014 taria quaisquerinconvenientes dessetipo. que autilizaçãodessaárea paraaformaçãodeumhortobotânicoafas- pouco menos de 10% da área total da futura Cidade Universitária”, e mineralização dolixoexistentenareferidaárea,que, aliás,representa deBarbosaressaltava“oadiantadoestado por lixo,cuja resposta ao inconvenientedautilizaçãodeáreaIlhaSapucaia aterrada para seconstruiraCidadeUniversitária.Umadas críticas referia-se tões técnicasjáamplamentediscutidasemrelaçãoà definição dolocal soas diretamente envolvidasnoprojeto. arquipélago. Amaioriadascríticaspublicadasnãoprovinha depes- de MotivosquejustificouoDecreto-lei, oficializandoaescolhapelo construção daCidadeUniversitária;e3)relativas àprópria Exposição calização propriamente ditadaCidadeUniversitária;2)relativas à publicadas nosjornaisdividiam-seemtrês grupos:1)relativas àlo- (BARBOSA, 1946).SegundoochefedoETUB,ascríticaseobjeções opinião maisjusta e exata a respeito desseproblema fundamental” Barbosa em responderHorta a todas elas, com vistas a “formar uma o projeto, devendoaquimencionarocuidadodeLuizHildebrando dúvidas, críticaseespeculaçõesemdiversosjornaisdaépocasobre Universidade doBrasil. dispunha sobre alocalizaçãodefinitivadaCidadeUniversitária atraso naconstruçãodapontequeligariaaIlhadoFundãoaocon da Pátria,naextremidade nordeste daIlhadeBomJesus,eonão doAsilodosInválidos Cidade Universitárianolocal:aconservação colocaram, respectivamente, duasrestrições paraaconstruçãoda projeto daCidadeUniversitária. pelo MinistériodaAeronáutica, játinhasuaampliaçãoprevista no equeaconstruçãodareferidaartístico, ponte,àépocainiciada presença inclusivedesejáveldopontodevistasocial,culturale de apropriação doprédio doasilopelauniversidade,sendosua invalidassem a proposta, uma vez que não havia interesse imediato tinente. Restriçõesquenãochegaramasetornarobstáculos nhada pelodiretor do DASP, assinandooDecreto-lei n Vargas respondeu favoravelmenteàExposição deMotivosencami- sidade sobre ilhas, haja vista o excesso de áreas livres na cidade. A sidade sobreilhas,hajavista oexcessodeáreaslivresnacidade.A a opiniãoquequalificava de“absurda”aconstruçãoumauniver- Destacamos aquialgumasdaquelasqueescapavam dasques- Apesar daaprovação oficial,logoforammanifestadasalgumas Dessa forma,apenasumasemanadepois,opresidente Getúlio 2ª prova2ª –Jesus –26 fev 2014

10 Havia ainda nos jornais Haviaaindanosjornais o 7.536,que - 49 Leticia de Luna Freire 2ª prova – Jesus – 26 fev 2014

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esse respeito, Barbosa ponderava que as maiores áreas disponíveis situavam-se em bairros como Bangu, Campo Grande e e que, por esse motivo, não atendiam à exigência impres-

Ilhas de histórias cindível de que a Cidade Universitária fosse “urbana”, construída em “um grande terreno em zona a mais central possível, de fácil e rápido acesso”. Outra crítica referia-se à “inoportunidade do início de obra de tão grande vulto numa época de inflação e de escassez de materiais de construção, de transporte e de mão de obra”, para a qual Barbosa afir- mava a importância do empreendimento para a nação, ressaltando os numerosos imóveis federais inutilizados que, por lei, seriam vendidos para pagar despesas com as obras e que, devido à sua complexidade, estas se estenderiam por seis a oito anos, prazo em que provavelmen- te a carência de materiais, transporte e mão de obra não se consti- tuiria mais um problema. Havia ainda manifestações nos jornais de uma descrença generalizada quanto à solução do já antigo problema da construção da Cidade Universitária, a qual Barbosa esperava ser dissolvida “ante a efetivação desenvolvida, em seus primeiros seis me- ses de existência, pelo órgão técnico criado pelo DASP para esse fim”. Além disso, a aprovação do arquipélago por ato presidencial não impediu o então Ministro da Educação e Saúde e ex-membro da CEPU, Ernesto de Souza Campos, de encaminhar, em julho de 1946, nova Exposição de Motivos contestando a reserva das ilhas para a implantação da Cidade Universitária e mostrando-se favo- rável à escolha dos terrenos próximos à Quinta da Boa Vista. Ao presidente, o diretor do DASP sugeriu que a reabertura do proble- ma ficasse condicionada à elaboração prévia de estudos acurados que justificassem a adoção de medidas e a formação de uma co- missão de dirigentes dos órgãos sediados no entorno da Quinta da Boa Vista, de membros da prefeitura encarregados do projeto e construção do Estádio do Maracanã e do Plano da Cidade do Rio de Janeiro e do diretor do Serviço de Patrimônio da União. Em dezembro daquele ano, foi empossado o novo ministro Clemente Mariani Bittencourt, que no início de 1947 indicou os membros da comissão, da qual fazia parte o próprio diretor do ETUB, para estabelecer os requisitos técnicos e econômicos para o plano da localização da Cidade Universitária e verificar a adequação dos terrenos contíguos à Quinta da Boa Vista. Os resultados dos es- tudos realizados por essa comissão vieram, porém, a confirmar novamente a superioridade das ilhas. 2ª prova2ª –Jesus –26 fev 2014 especial deCr$12.860.000,00peloDecreton Universitária epermitindoaoETUBpleitearaaberturadeumcrédito de discussões e questionamentos sobre a localização da Cidade Rio deJaneiro,descrevia: hidráulico, nofinaldosanos1940,GastãoCruls, livro Aparênciado da Guanabara, no momento em queseiniciaram as obras deaterro Aeronáutica. do emtornodacriaçãoBaseAéreaGaleão,peloMinistério Governador estavapassandoporgrandestransformações,sobretu- dustrial da cidade em direção à zona norte, toda a região da Ilha do da AvenidaBrasil,inauguradaem1946,consolidandoaexpansãoin- que se processavam à época no Rio de Janeiro. Além da construção Essa aceitaçãofoireforçadapelasprópriastransformaçõesurbanas Universitária, a nova localização obteve uma boa aceitação geral. que, entre aqueles diretamente envolvidos no projeto da Cidade 1948, parafinalmentedarinícioàsobras. As ilhasantesdoaterro cionada aLein eram ascondiçõesfavoráveisqueem20deoutubro1948foisan- custa tãopoucorepresentaumafortunanodiadeamanhã!”.Tantas propaganda daCompanhiaSantaCruz,em1936,previa:“Oquehoje nos arredoresdacapital.LembrandooexemplodeCopacabana,a indicava, jánofinaldosanos1930,avalorizaçãodobairroinsular, Para seterumavisãogeralsobre asilhasexistentesnaBaía Passado essemomentoinicialderediscussão,pode-sedizer Cambembi com 162.000, Cobras com154.000 e Brocoiócom com 440.000,Boqueirão 230.000,Catalãocom166.000, cifras, BomJesuscom753.000, Fundão com 613.000, Sapucaia crescente eapenasrelacionadas àsmaiores,arredondandoas tem maisde1.093.075m²,evêm depois,sempreemordemde- tamanho, poisaqueselheseguelogoabaixo,Paquetá,já não integrantes doDistritoFederal[…]háumagrandediferença de mais de 30.000 habitantes. Entre ela e as outras ilhas também taca-se aIlhadoGovernador,com28.906.250m²desuperfície e los forosqueassumiudeimportante subúrbio marítimo, des- De todasasilhasdaGuanabara,nãosópelavastidão, como pe- 11 2ª prova2ª –Jesus –26 fev 2014 UmanúnciodevendalotesnoJardimGuanabara o 447,colocandoumpontofinalnolongoprocesso o 25.995,dedezembro 51 Leticia de Luna Freire 2ª prova – Jesus – 26 fev 2014

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143.000m². Ao todo, a área total das ilhas está computada em 35km². (CRULS, 1949, p. 477)

Ilhas de histórias A breve reconstituição do que eram as nove ilhas localizadas na Enseada de Inhaúma anos antes de serem escolhidas para abri- gar a Cidade Universitária baseou-se principalmente na série intitu- lada “A Guanabara como natureza”, publicada aos domingos, entre maio e junho de 1936, no jornal Correio da Manhã, na qual o jorna- lista Magalhães Corrêa relatava as suas observações e impressões sobre a região a partir das excursões realizadas por sua equipe a bordo do barco Acarioca. Tais excursões compreenderam a zona que ia da Ponta do Caju a Meriti, englobando 14 ilhas consideradas “rurais”: Bom Jardim, Bom Jesus, Pinheiro, Pindaí do França, Pindaí do Ferreira, Catalão, Cabras, Baiacu, Fundão, Cambembi, Sapucaia, Raimundo, Anel e Saravatá. Apresentarei aqui apenas aquelas pre- vistas para serem interligadas e formar o terreno sobre o qual seria erguida a Cidade Universitária. 2ª prova2ª –Jesus –26 fev 2014 2ª prova2ª –Jesus –26 fev 2014

Figura 1 - O arquipélago no qual seria erguida a Cidade Universitária, com a identificação dos nomes das nove ilhas. Fonte: Acervo do Núcleo de Pesquisa e Documentação FAU/UFRJ -- Brasil, 1945. 53 Leticia de Luna Freire 2ª prova – Jesus – 26 fev 2014

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Segundo Cruls (1949), a Ilha do Bom Jesus havia sido doada, no início do século XVIII, pela família do juiz de órfãos Antônio Teles de Meneses à Ordem dos Padres Franciscanos, sendo inicialmente

Ilhas de histórias conhecida como Ilha dos Frades. Nela os franciscanos construíram um convento e a Igreja do Bom Jesus da Coluna, que, no século XIX, foi muito visitada pelo príncipe-regente Dom João VI, que lá fazia suas devoções a São Francisco de Assis, atraindo igualmente muitos romeiros para as festas religiosas no local. Quando os franciscanos a deixaram, o convento foi transformado em hospital da Marinha e, depois, em hospital para doentes de cólera e febre amarela, sendo as vítimas desses males enterradas no pequeno cemitério construído em outra parte da ilha. Em 1868, o imperador Dom Pedro II inaugurou na ilha o Asylo de Inválidos da Pátria, destinado a abrigar os soldados que retorna- ram mutilados ou incapacitados da Guerra do Paraguai (1864-1870), junto ao qual foi ainda instalado um museu militar. Mesmo com a consolidação da República, o Asylo continuou a receber muitos sol- dados, com sequelas deixadas por outras guerras, como Canudos e Contestados. Em 1924, parte de um dos prédios foi atingida por um incêndio e demolida, sendo o material aproveitado para a construção de casas para abrigar as famílias de asilados. As poucas casas exis- tentes fora da área militar na ilha eram de sopapo ou pau a pique, co- bertas de zinco e rodeadas de árvores frutíferas, como mangueiras, goiabeiras, araçazeiros e cajueiros. Nelas residiam famílias de milita- res asilados, como a do terceiro sargento Antônio Basílio de Souza, “delegado da ponta da ilha” que a equipe do jornalista Magalhães Corrêa encontrou ao desembarcar. Com a criação, em 1946, dos Comandos das Zonas Militares do Sul, Centro, Leste e Norte, a Ilha do Bom Jesus passou a sediar um quartel do Comando Militar do Leste, sendo desde então ad- ministrada pelo Ministério da Guerra. No momento de início da construção da Cidade Universitária, a estrutura do antigo convento já havia ruído por falta de conservação, o antigo asilo encontra- va-se desativado e apenas a Igreja do Bom Jesus da Coluna ainda funcionava.12 2ª prova2ª –Jesus –26 fev 2014 Limpeza Pública.Pararesistir à“insanatarefa”, erambasicamente de empregadostes, namaioriaespanhóis eportugueses doServiço em 1932,apopulaçãolocal eracompostaporcerca de400habitan- daManhã suas relações comacidade”,publicadanojornalCorreio Segundo a matéria “A Sapucaia e uma bucólica aldeia portuguesa. Carlos, queaalugavamaoSr. AugustoNatario,constituindonolocal são, era de propriedade de dois irmãos, moradores do morro de São da SeçãoMarítima,parareparodosbarcoselanchas daprefeitura. lixo doDistritoFederal.Funcionavaaindanessetrecho umestaleiro segunda metadedoséculoXIX,passouafuncionar ovazadourode feitura comosacrescidosdeterrenosMarinha, onde, apartirda Pinto PeixotopeloMinistériodaJustiça,tendosido entregueàpre- duas partes.ApartemaiorforacompradadeFrancisco Albuquerque caria. Territorialmente,ailhaeradivididaporummurodepedraem da IlhadoPinheiropeloCanalCação,muitoprocuradoparaapes- queno canal,quepodiaseratravessadoapédurantemarébaixa,e superfície, eseencontravaseparadadaIlhadoBomJesusporumpe- e a igrejado Bom Jesus da Coluna. Fonte: Acervo do AGCRJ. Foto de Augusto Malta, s/d. F igura 2-VistaparcialdailhadoBomJesus,vendo-secaiscomembarcações,edificações A outra parte, situadaaoestedailhaebemmenoremexten- A outraparte, Já aIlhadaSapucaiaeraumadasmaioresdoarquipélago,em 2ª prova2ª –Jesus –26 fev 2014 55 Leticia de Luna Freire 2ª prova – Jesus – 26 fev 2014

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“homens de largos hombros e bíceps enormes”, aparentando gozar de invejável saúde, apesar de estarem em contato diariamente com todo tipo de lixo.

Ilhas de histórias Chegando na parte administrada pela prefeitura, o jornalista Magalhães Corrêa (1936b) desembarcou com sua equipe em uma ponte de madeira ali existente. Segundo ele, existia, próxima a essa parte, uma larga praça arborizada, tendo, ao centro, o pavilhão da ad- ministração. Além das residências dos trabalhadores, construídas de madeira, pau a pique e tijolo, e de um enorme capinzal, havia na ilha plantações de feijão, legumes, verduras e cana forrageira para o gado. Apesar de separadas, as duas partes da ilha comunicavam-se entre si, por meio de um portão localizado no centro do muro de pe- dra. Na aldeia, próxima a esse portão, encontrava-se uma bela árvore em cuja sombra repousavam canoas de pescaria. Sob a sombra de uma amendoeira, Magalhães Corrêa encontrou barbeiros atendendo seus clientes. Além das cerca de 50 casas feitas de pau a pique e tábuas, existia ainda um armazém e um bar, frequentados por mo- radores de ambas as partes da ilha, um galinheiro, um curral com seis vacas holandesas e diversas pocilgas situadas à beira mar, onde eram criados mais de mil porcos. Segundo o jornalista, este recanto era o maior centro rural de criação de suínos das terras insuladas do Distrito Federal, motivo pelo qual seu arrendatário era designado como “o rei dos suínos” (CORRÊA, 1936b). Em relação às demais ilhas do arquipélago, a Ilha da Sapucaia também exibia um estilo de vida simples. Entretanto, era nitidamente dotada de maior infraestrutura, tendo, por exemplo, o terreno cultiva- do e organizado espacialmente em alamedas e avenidas, a existência de pequenos serviços, como o armazém e a escola pública rural, as- sim como a instalação de água e energia elétrica pela prefeitura para o consumo da população local. Ao resumir suas impressões sobre o que viu na Ilha da Sapucaia, Magalhães Corrêa (1936b) ressaltava que, apesar da má reputação, chamaram sua atenção o “labor cons- tante dos criadores pacatos” na parte pertencente a particulares e a “limpeza e asseio” encontrada na parte administrada pela prefeitura. 2ª prova2ª –Jesus –26 fev 2014 ral. Alémdaestaçãohidrobiológica marinha,oinstitutoestabeleceu constituindo-se numaespéciedeparaísonatu- bastante preservada, de Inhaúma.Emfunçãodisso, suaformaericavegetaçãooriginalera sas sobre afauna,sobretudo marinha, da região daextintaenseada Instituto OswaldoCruz,a ilhaerautilizadaparaestudosepesqui- Pinheiro era de propriedade da União. Administrada pelo antigo Saudoso enoAmorimeracogitadacomosoluçãopara oproblema. águas daBaíaGuanabara,aconstruçãodoaterro sanitário noRetiro do, nessaépoca,anavegabilidadenocanaldaSapucaia epoluindoas vez queolixodespejadoporváriosanosnailhajáestava prejudican cada, chegandoaterquase2.000.000m²noiníciodos anos1930.Uma de lixodespejadonailhafezcomquesuasuperfície inicial fossedupli pitalares Esseaumentoprogressivo eanimaismortos. daquantidade ber diariamentecerca de700toneladaslixo,incluindoresíduos hos era tanto,comodesenvolvimentodacidadeaSapucaiachegourece Federal. Senoiníciodainstalaçãodoaterro sanitárioolixovazadonão tamente nofatodenelaserdespejadotodoolixoproduzido noDistrito Grupo deautoridadescivisemilitaresvisitandoailhadaSapucaia,vendo-se Figura 3-Grupo ao fundo edificações. Fonte: Acervo doAGCRJ.FotodeAugustoMalta,28/12/1933. ao fundoedificações.Fonte:Acervo Essa máreputação dailhaaqueojornalistaserefere residia jus Anteriormente chamada de Ilha de Manuel Luís, a Ilha do Anteriormente chamadadeIlhaManuelLuís, aIlhado 2ª prova2ª –Jesus –26 fev 2014 - - - - - 57 Leticia de Luna Freire 2ª prova – Jesus – 26 fev 2014

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ali também uma área de criação de macacos Rhesus para pesquisas científicas, o que fez o local ficar conhecido como “Ilha dos Macacos”. Descrita por Cruls (1949) como “bastante pitoresca, sombrea-

Ilhas de histórias da por muitas árvores”, esta ilha formava, com as Ilhas do Bom Jesus e da Sapucaia, uma bacia conhecida como Saco do Mangue Alto. Sua área era de 105.400m², plana em sua periferia e com uma pequena colina ao centro, coberta de mangueiras, tamarineiros, cajueiros etc. Na parte baixa, sapotizeiros, mangueiras, bananeiras, coqueiros da Bahia, entre outras espécies. No pequeno porto de atracação, feito artesanalmente com pedras amarradas, uma placa informava que a entrada de estranhos na ilha era proibida. Nela moravam apenas os poucos encarregados de cuidar da sua manutenção, que ali criavam porcos, galinhas e patos para seu próprio consumo. A Ilha Pindaí do França, assim referida por alusão ao nome de seu falecido proprietário, Sr. França, também era conhecida como Pindaí de Baixo. Seus herdeiros, D. Maria França e seu filho Thomazinho, moravam em , deixando abrigar-se na ilha a família do jo- vem pescador da Colônia Z6, do Galeão, Agenor Francisco do Espírito Santo, que era, por sua vez, filho de um morador da Ilha do Fundão. Aos 20 anos de idade, Agenor já era casado há sete e tinha três filhos pequenos, sendo os dois em idade escolar analfabetos. Conforme a descrição de Magalhães Corrêa (1936c), todos da família eram “bran- cos, de cabelos claros e olhos pretos”, viviam na ilha há dois anos e sublocavam uma dependência a outra senhora e seu “filho de côr”. Localizada entre a Ilha do Fundão e a Ilha do Bom Jesus, em frente à costa de Bonsucesso, Pindaí do França formava, junto com sua ilha-irmã Pindaí do Ferreira, uma área de quase 40.000m². A ilha era rodeada por mangues e por um banco de areia, exceto na parte leste, que formava um tapete de capim de vassoura. Ao centro des- ta parte de terra firme, onde a equipe do jornalista desembarcou, encontrava-se uma casa cor-de-rosa coberta de telha de canal, com dois quartos, sala e cozinha. Ao lado e atrás desta, havia dois “puxa- dos”, com um quarto e sala cada um. A água potável, inexistente na ilha, era buscada no Engenho da Pedra, em Ramos, há 1.800 metros dali. Em frente da casa principal, duas belas amendoeiras retorcidas destacavam-se na paisagem. Além destas, compunham a paisagem lo- cal diversas árvores frutíferas, além de cinco barulhentos cachorros vira-latas, garças, socós, patos, sacaduras e uma rica fauna marítima. 2ª prova2ª –Jesus –26 fev 2014 jovem chamadoJoaquimdaCosta–eranaturalprópria ilha. equipe deMagalhãesCorrêa erampescadores, sendoqueumdeles– mina exploradaporseudono.Todos ostrabalhadores encontradospela trabalhavam na retirada de areia, visto que também existia na ilha uma onde pernoitavam os três empregadosmal conservada, do alemão que e,acincometros encontrava-se umaporteira dali,umacasadetijolo plantas derestinga dominavamapaisagem.Naextremidade dacerca, externadapropriedade, frutíferas.Naparte ondehaviaapraia, árvores era todacercada dearamefarpado,sendoseuinteriorarborizadopor barcos. Situadaemfrente àEscoladeAviação Naval,estapropriedade próximo àpraia,umbarracãodemadeira,ondeeramguardados osseus senhor alemãoJoãoGerson,tendoaoseuladoumapequenacasae, quadro romântico denossanatureza”. Corrêa considerava queaIlhadoFundãoconstituíaum“verdadeiro ro”, comdiversascanoas, varaseredes estendidasjuntoàs árvores, Impressionado comabelezaincomumeoambientede“arraial praiei- Américo FranciscodoEspírito Santo,residente nailhahá 16anos. coqueiros, moravam30pessoasdeumamesmafamília, chefiadapor zenda, sombreada porflamboyants,amendoeiras,tamarineiros e Numagrandecasadefa- priedade doengenheiro Martins. Roberto lônia depescadores dailha de pro dopostoZ6,sendoestaparte - tre elaeocontinente. do seu nome atribuído à grande profundidade do canal existente en- que suavizinhaPindaídoFerreira, com613.476m²desuperfície,sen- Pedra, aIlhadoFundãopossuíaumaárea consideravelmentemaior de serailhaumlocal“agradávelcomomoradia”. tação rústicaeavegetaçãonativadeixounojornalistaimpressão havendo aindaaliumapequenalavoura.Aconvivênciaentre ahabi- queno pomardelaranjeiras,bananeiras,pitangueirasearaçazeiros, desapêesituadaemmeioaumpe- era feitadepauapique,coberta do França.Comoeracomumnoarquipélago, acasadeElisanailha cuidados daSra.ElisaRosadeLima,cujamãevivianaIlhaPindaí do Sr. Ferreira, quemoravanobairro deBonsucesso,deixando-aaos qual eraseparadaapenasporumestreito canal.Elaerapropriedade Ferreira possuíaaspectomuitosemelhanteaodaPindaídeBaixo, Já na Ponta do Fundão, ao sul da ilha, encontrava-se uma co- Na PontadoAraçá,anoroeste dailha,encontrava-seacasado Situada ao sulda Ponta do Galeão e a nordeste do Engenho da Também chamadadePindahyCima,ailhotaPindaído 2ª prova2ª –Jesus –26 fev 2014 59 Leticia de Luna Freire 2ª prova – Jesus – 26 fev 2014

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Situada a nordeste da Ilha do Fundão e a oeste da Ilha das Cabras, a Ilha do Baiacu possuía uma superfície de 19.385m². Assim como na Ilha do Fundão, a praia desta ilha era coberta de detritos de

Ilhas de histórias moluscos e de vegetação rasteira, formando um tapete e, logo a seguir, o capim de vassoura, comum em terreno argiloso. Conforme avança- va em direção à terra firme, a equipe de Magalhães Corrêa encontrava as mesmas espécies de árvores presentes nas outras ilhas do arquipé- lago, como cajueiros, tamarineiros, goiabeiras e amendoeiras. Conforme explicou ao jornalista o morador Mário Pedro dos Santos, pescador da colônia Z4, a ilha era habitada apenas pelas fa- mílias de quatro pescadores, sendo dois deles os seus proprietários. Enquanto a parte norte da ilha pertencia a Annibal Sacramento, a par- te sul pertencia ao herdeiro de Manduca Gutupy, seu filho Eurídice. O quarto morador era o nordestino Francisco, que criava na ilha um cão dinamarquês. A parte sul era formada pela praia em que se es- tendia um banco de areia e, ao sul e sudeste, pela restinga que ligava a Ilha do Baiacu à Ilha das Cabras. Se o banco de areia sobre o qual a ilha se assentava dificultava, por um lado, o trânsito de embarca- ções, que frequentemente ali encalhavam, por outro, facilitava enor- memente o trânsito entre os ilhéus durante a maré baixa. Além da casa de pau a pique de Francisco, existia na ilha, próxima à praia, uma casa de pedra e tijolo, dividida em quatro quartos, salão, sala de jantar e cozinha, tendo ao lado um barracão e uma velha casinha de tijolo. À direita, havia outra casa dividida em duas habitações, tendo perto um chiqueiro. O conjunto das poucas habitações na ilha, com canoas, redes e utensílios de pesca à sombra das amendoeiras, completava o que o jornalista designava de “um verdadeiro arraial”. Com 22.167m² de superfície, a pequena Ilha das Cabras, situ- ada ao sul da Ilha do Governador, pertencia aos irmãos Seraphim, herdeiros de uma viúva, mas seu arrendatário era o alemão Jonnes, que ali se dedicava à criação de suínos. Anteriormente, a ilha havia sediado uma fábrica de cal, estando a caleira e os respectivos tan- ques naquele momento abandonados e em ruínas. Durante sua excursão à ilha, o jornalista Magalhães Corrêa encontrou em frente ao cais somente uma casa em bom estado de conservação, na qual residiam quatro empregados, entre eles um ca- pataz português. Evocando certa “opulência senhorial de residência de outros tempos”, a construção reduzia-se, porém, à administração da criação de porcos. Apesar do seu nome, a ilha não possuía cabras, 2ª prova2ª –Jesus –26 fev 2014 (CORRÊA, 1936d). descortinava-se um“extraordinário panoramadaBaíaGuanabara” da destesolar,ondeviviam seisirmãoscomseusrespectivosfilhos, quartos, salaecozinha,além deváriascasasespalhadas.Dafacha- va-se umverdadeirosolar colonial,comumagrandevaranda,doze das árvores”.Noseupontomaisalto,ummorroao centro, encontra- extraordinárias esaborosasfrutasdessasexuberantes ebemcuida- vira-latas, ailhaconsistiaem“umaverdadeirapropriedade rural,com de aveseumgrandepomar. outrora havia umacriação de gado,encontrava-se uma diversidade uma ricafloraefaunanativas.Napropriedade da famíliaPaz,onde Assim comoasdemaisilhasdoarquipélago, aIlhadoCatalãopossuía irmãos, emboraestatambémfosseadministradapelo Sr. JoséPaz. ao Sr. José Paz e seus irmãos e a outra ao Sr. Cândido de Araújo e que a atravessava de praia a praia. Uma metade da ilha pertencia propriedades particulares porumalinhafeitadesoqueirabambu pedras, formandoumailhota. fácil atracaçãocomqualquermaré, havendoalipróximo umgrupode lavoura e,naextremidade meridional,umaenseada cujapraiaerade eumaenormeamendoeira.Aosuldailha,havia grandes árvores dezinco,sustentadoporcolunas estipesdecoqueiros,coberto Z5, juntoaumavelhacasadetijolos.Àesquerda, haviaumalpendre frutíferas,alémdedoispescadoresras eoutrasárvores dacolônia canoas depescaria,umagrandeplantaçãomamoeiros, bananei- Corrêa avistoucestosespeciaisparaapanharpeixeselagostasvivas, anos 1970,dedepósitomateriaisdometrô dacidade. nos Brasileira em depósito de armamentos e explosivos, servindo, droaviões. Em1942,estehangarfoitransformadopelaForça Aérea Linee Aeree Transcontinentali Italiane,umhangarparaabrigarhi- emlatasdepetróleo.transportada emlatas.Aáguapotáveleratrazidadeterrafirme, transportados e comrestos dasrefeições doBatalhãoNavaldaIlhadasCobras, ilha, essesporcos eramalimentadoscommilhoeverduras emcestos Criados em cercados naturais feitos de pedras ou mesmo soltos pela mas cerca de600porcos, segundoinformouocapatazaojornalista. Vigiada por dois “respeitáveis” cães dinamarqueses e alguns Vigiada pordois“respeitáveis”cãesdinamarqueses ealguns Com 166.123m²,ailhaeradividida,nosanos1930,emduas Ao atracarnapraiadaIlhadoCatalão,aequipedeMagalhães No finaldosanos1920,foiconstruídonailha,pelaempresa 2ª prova2ª –Jesus –26 fev 2014 61 Leticia de Luna Freire 2ª prova – Jesus – 26 fev 2014

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O processo de construção da Cidade Universitária

Embora a opção pelas ilhas no Estuário de Manguinhos te-

Ilhas de histórias nha sido vitoriosa, a antiga vocação da Praia Vermelha em acolher a universidade manteve-se presente até o início das obras, em 1949. Atendendo à sugestão do ex-ministro Souza Campos, simultane- amente ao início das obras de construção da Cidade Universitária no arquipélago, foi instalado nos terrenos onde funcionaram o anti- go Hospício de Alienados e órgãos do Serviço Nacional de Doenças Mentais (entre as avenidas Pasteur e Venceslau Braz) o Palácio Universitário, abrigando provisoriamente a reitoria e diversas outras unidades até aquele momento sem edifícios próprios. À frente do ETUB, Horta Barbosa imediatamente começou a trabalhar no planejamento e execução do que considerava “um dos mais complexos e difíceis objetivos da arquitetura e da engenharia modernas” (etub, 1952, p. 2). Organizado em torno de uma direção e quatro seções especializadas, o ETUB tinha suas atividades subordi- nadas à Co-missão Supervisora do Planejamento e Execução (CSPE) da Cidade Universitária, da qual faziam parte o próprio diretor do ETUB, um representante da Divisão de Edifícios Públicos do DASP, um representante da reitoria da UB, um representante do MES e os diretores das faculdades de Medicina, de Engenharia e de Arquitetura. De modo geral, o ETUB propusera que as obras fossem reali- zadas de forma gradual, permitindo o crescimento progressivo do conjunto universitário e da população estudantil. A fase inicial das obras consistiria nos trabalhos de aterro hidráulico, terraplenagem e saneamento das nove ilhas, priorizando-se os eixos longitudinal e transversais, nos quais seriam alocados os primeiros prédios e ins- talações universitárias. Ao longo das obras, várias subcomissões se- riam constituídas em torno de trabalhos específicos, assumindo, por exemplo, a responsabilidade pelas sondagens e mecânica dos solos e pelo processo de desapropriações e indenizações dos ocupantes das ilhas. Se a lotação da Cidade Universitária, prevista inicialmente, era de 15.500 estudantes, esperava-se que esta pudesse dobrar no final da obra, comportando até 30.000 estudantes em condições normais.13 Os trabalhos de concepção urbanística e arquitetônica haviam sido iniciados ainda em dezembro de 1948, ou seja, antes da primeira fase de obras. Entre as duas opções legais existentes à época para conduzir o processo – concurso público e execução direta pelo ETUB 2ª prova2ª –Jesus –26 fev 2014 primeiros edifíciosdaCidadeUniversitária. Corbusier, Moreira aplicou-os comfidelidadenoplanejamentodos 1950. IdentificadocomosprincípiosmodernistasdifundidosporLe escritório de planejamento de arquitetura do país na década de nejamento arquitetônico respeitável, sendo consideradoomelhor Moreira. Comele,oETUBrapidamenteformouumaequipedepla- de arquiteto-chefe oex-integrantedaantigaCEPU,Jorge Machado Barbosaadotouasegundaopção,convidandoparaocargo– Horta Yale, Roma,Atenas,MadrideCaracas. estrangeiras comcapacidadesemelhante,comoasdeColumbia, a extensãototalde5.957.460m²,maiordoquemuitasuniversidades Com ainterligaçãodasnoveilhas,CidadeUniversitáriaficariacom titutos, aCidadeUniversitáriacontariacomumtotalde54edifícios. próximo náuticos.Entre àbaíadeesportes escolas,faculdadeseins- do o acesso dos futuros usuários do hospital, e o Centro Esportivo o Centro Médicopróximo àAvenida Brigadeiro Trompowski, facilitan- dez zonasoucentros, influenciadospeloentorno,taiscomo emparte mulada porsuaequipeeraadeumcampussetorizado,abrangendo As obras de aterro hidráulico para a construção docampusuniversitário. hidráulicoparaaconstrução Figura 4-Asobrasdeaterro Fonte: Acervo doNúcleo dePesquisaeDocumentação--FAU/UFRJFonte: Acervo --Brasil,1950. A concepçãourbanísticaoriginaldaCidadeUniversitáriafor 2ª prova2ª –Jesus –26 fev 2014 - 63 Leticia de Luna Freire 2ª prova – Jesus – 26 fev 2014

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Como previsto nos estudos preliminares, a execução dos ater- ros hidráulicos e terraplenagem foi bastante facilitada pelas próprias estruturas geomorfológicas das ilhas. Além de disporem de areia, pe-

Ilhas de histórias dra e saibro, quase todo o subsolo das ilhas foi avaliado pela equipe do Instituto Nacional de Tecnologia como adequado para as grandes fundações dos prédios a serem construídos. Uma exceção nesse as- pecto era a Ilha da Sapucaia, cujo subsolo era bastante variável. Ao passo que uma área dessa ilha encontrava-se em perfeitas condições para se erguer o prédio da Faculdade de Arquitetura, uma extensa área aterrada com lixo era considerada imprópria para grandes fun- dações, sendo nela prevista a instalação de um jardim botânico. Os aterros hidráulicos que interligavam as ilhas foram reali- zados pela dragagem e recalque de areias de bancos contíguos que, por haverem reduzido o calado, impediram o aproveitamento das ilhas pertencentes às Forças Armadas para depósitos de inflamáveis, explosivos e outros fins, mantendo-as praticamente desocupadas. Com exceção das seis colinas mantidas nas antigas ilhas do Fundão, Bom Jesus, Sapucaia, Pinheiro e Catalão (de 18 a 35m de altura), qua- se todo o terreno previsto para a Cidade Universitária seria plano. Apenas a colina da Ilha do Fundão foi desmontada, sendo um gran- de volume do material utilizado no levantamento do nível de vastas áreas que ficavam submersas por ocasião das marés cheias e desco- bertas nas marés baixas. Prevista para ser incluída na primeira fase, a Ilha do Pinheiro acabou sendo poupada das obras de construção da Cidade Universitária, não escapando, entretanto, dos aterros re- alizados no início dos anos 1980 pelo Projeto Rio.14 Segundo infor- mou o engenheiro Helmuth Gustavo Treitler em entrevista, a Ilha do Pinheiro teria sido “trocada” por um terreno no município de Barra de São João. Para maximizar os trabalhos, diversos canteiros de obras pas- saram a ser constituídos nos terrenos da futura Cidade Universitária. Para acompanhar os trabalhos mais de perto, alguns funcionários do ETUB passaram a residir no local, em uma espécie de vila funcio- nal de cerca de dez casas, criada em área contígua às instalações do escritório e à guarita de acesso na Avenida Brigadeiro Trompowsky. Próximo a essa vila, foram erguidos depois seis “barracões” para abrigar os operários que migravam, em grande quantidade, direta- mente para trabalhar nas obras da Cidade Universitária, oriundos so- bretudo dos estados da Paraíba, Rio Grande do Norte e Pernambuco. 2ª prova2ª –Jesus –26 fev 2014 cias aAvenida Brigadeiro Trompowsky, s/n uma sirene –instituiucomoendereço doETUBparacorrespondên- a tarefa de acordar osoperários todos os dias,às7hda manhã, com época conhecidocomo“prefeito Helmuth”porassumir, entre outras, Fonte: Arquivo HistóricodoETU,1953. Figura 5-AviladefuncionáriosdoETUB,naAvenida Brigadeiro Trompowsky. Universitária, gerando a inevitável desaceleração do processo. Universitária, gerandoainevitável desaceleraçãodoprocesso. sibilitar qualquerplanejamento, alongoprazo,dasobrasdaCidade tária eoatrasonorepasse dasverbasaoETUBpassaramaimpos- de recursos,oimprevisto domontanteemcadadotaçãoorçamen- ção dosinvestimentosgovernamentais.Dificuldades comoaescassez brados entreoETUBeasfirmasempreiteiras,contribuiu paraaredu- salário mínimo desde1944, suscitando a revisãodos contratos cele- danças políticasgeradaspelamortedeVargas,aenorme variaçãodo com JoãoFernandesCamposCaféFilho(1954-1955). Alémdasmu- Puericultura, eGetúlioVargassuicidou-se,deixando apresidência seguinte, MartagãoGesteirafaleceu,dandonome aoInstitutode foi premiado dois anos depois na Bienal de Arquitetura. No ano cujo projeto,concebidopelomédicoeprofessorMartagão Gesteira, primeira unidadedaCidadeUniversitária:oInstitutodePuericultura, este depoisadotadocomoendereço oficialdaUFRJ. Em 1952,oengenheiro residente HelmuthGustavoTreitler –à Em 1 o de outubro de 1953, foi inaugurada por Getúlio Vargas a deoutubro1953,foiinauguradaporGetúlioVargasa 2ª prova2ª –Jesus –26 fev 2014 o , IlhadoFundão,sendo 65 Leticia de Luna Freire 2ª prova – Jesus – 26 fev 2014

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No período de 1956 a 1966, as obras evoluíram em ritmo bas- tante lento. Com isso, o projeto da Cidade Universitária tornou-se novamente alvo de severas críticas, manifestadas publicamente, so-

Ilhas de histórias bretudo pelos estudantes e pelos grandes jornais da época. As prin- cipais críticas baseavam-se no gigantismo do projeto e na escassez de verbas destinadas à sua conclusão, tendo em vista a priorização, pelo governo do então presidente Juscelino Kubitschek (1956-1961), da construção da nova capital, Brasília. A década de 1960 marcou um período desolador para a Cidade Universitária, que passou a ser apelidada de “cidade fantasma”. Na aber- tura da primeira sessão de permuta de informações sobre a situação das obras, em 1963, o diretor da Divisão de Edifícios Públicos do DASP alertou para o fato de que a Cidade Universitária estava se tornando “um desses exemplos antológicos de como a descontinuidade adminis- trativa põe à calva o prestígio do empreendimento oficial, aguando seus investimentos pela eternização do emprego dos recursos públicos” (DASP, 1963). Além das dificuldades financeiras, o relatório apresentado na reunião pelo então chefe do ETUB, Jayme Bueno Brandão,15 aponta- va dois outros tipos de problemas enfrentados no período. No que diz respeito à organização interna do ETUB, as novas leis postas em vigor, transformando cerca de 400 de seus antigos operários em ser- vidores públicos e proibindo novas admissões, teriam engessado a sua estrutura administrativa e o seu quadro técnico. No que diz res- peito às suas atribuições, o ETUB acabou assumindo, ao longo dos anos, encargos de manutenção e operação da Cidade Universitária alheios às suas finalidades, responsabilizando-se por serviços tais como transporte diário (cinco ônibus) de cerca de 1.100 estudan- tes, vigilância permanente dos edifícios, almoxarifados e canteiros de obras, limpeza geral e manutenção dos prédios da Faculdade de Arquitetura, da Escola de Engenharia e do Instituto de Puericultura. Distantes das suas funções originais, estas atividades sobrecarre- gavam a estrutura do ETUB, consumindo quase a totalidade do seu pessoal. Para resolver este problema, o relatório sugeria o aprovei- tamento daqueles servidores nas atividades de manutenção e ope- ração das unidades escolares e serviços gerais em funcionamento, passando a constituir, assim, o cerne da futura prefeitura da Cidade Universitária, com administração desde já independente, de forma a desafogar o ETUB e permitir-lhe que se dedicasse integralmente aos 2ª prova2ª –Jesus –26 fev 2014 retomadas, mas comaediçãodo Ato Institucional n quisa eserviços.Afinal, o Brasilentravanaeradochamadomilagre de ObrasPrioritáriasdaUFRJ, selecionadasporáreasdeensino,pes- Universitária, instituindo um gruporesponsávelpordefiniroPlano do Congresso Nacional e decidiu dinamizar a construção da Cidade presidente generalEmílioGarrastazuMédiciordenou areabertura tura decontratosdauniversidade.Em1969,orecém-empossado vamente umareduçãodoritmodasobraseasupressão deassina- o paísingressandonafasemaisduradoregimemilitar, houveno- aeromodelismo. como futebol,corrida,ciclismo,banhode mar, churrasco,pescae edelazernosfinaissemana, a práticadeatividadesesportivas passaram averilhauniversitáriacomoumlocalprivilegiadopara cidade, muitosforamtambémosmoradores dasredondezas que 1965. Devidoàescassezdeamplasáreas da delazernaZonaNorte de automobilismoe motociclismo realizadas no local entre 1964e II CampeonatoCarioca de Automobilismo–uma das 20corridas cipou, em1965,pelaprimeiravez,deumacorridaprofissional, no aIlhaUniversitáriaqueopilotoEmerson Fittipaldiparti cortavam diente. Foi,ainda,nasgrandesavenidasrecém-pavimentadas que de campofutebolgramadoparaas“peladas”depoisdoexpe da CSPEparaconstruir, próximo àvilafuncionaldoETUB,umgran ClubedaCidadeUniversitária,que obteveaautorização Esporte no finaldosanos1950,haviasidocriadonailha,porexemplo, o dade, mas também pelas populações dos bairros vizinhos. Ainda área de lazer, não apenas pelos próprios funcionários da universi com que o local passasse a ser frequentado nesse período como e oabandonodesuasdependênciasnosfinssemanafizeram vam, aevidentediminuiçãodoritmodasobrasdaCidadeUniversitária prefeito. ando oprofessor earquiteto Mauro Ribeiro Viegas paraocargo de da universidadeecriou,em1965,aPrefeitura Universitária,nome- superior, transferiu,em1964,oETUBparaaestruturaadministrativa ral, que,numatentativadereordenamento dasinstituiçõesdeensino formaacolhidadepoispelogovernofede- tão acabousendodecerta encargos de“planejareconstruir”aCidadeUniversitária.Essasuges- Em 1967,asobrasdaCidadeUniversitáriacomeçaram aser Ao passoquealgumas mudançasadministrativasseprocessaAo - 2ª prova2ª –Jesus –26 fev 2014 o 5,em1968,e - - - - 67 Leticia de Luna Freire 2ª prova – Jesus – 26 fev 2014

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econômico e o desenvolvimento da universidade fazia parte do pro- jeto nacional. O dia 21 de janeiro de 1970 marcou o início de uma nova eta-

Ilhas de histórias pa para a concretização do projeto, na qual o presidente destinou vultosos 23 milhões de cruzeiros para o prosseguimento das obras. Aprovou ainda a Exposição de Motivos Interministerial que destinou os recursos globais de 234 milhões de cruzeiros para a execução da primeira etapa da Cidade Universitária. Segundo o documento, as obras prioritárias compreenderiam o Centro de Tecnologia, o Centro de Ciências Matemáticas e da Natureza, o Hospital Universitário, a Escola de Educação Física e Desportos, os restaurantes, quadras, al- moxarifado, alojamentos de estudantes, entre outros, elevando a ca- pacidade de matrículas de 6 mil para 20 mil (o triplo do existente em 1949). Além disso, fixou o prazo de até 7 de setembro de 1972 para a inauguração da Cidade Universitária, ressaltando que, à medida que as unidades fossem sendo transferidas para a Ilha do Fundão, a alie- nação dos imóveis disponíveis deveria proporcionar recursos para a segunda etapa, a partir de 1973, tendo em vista a época prevista de transferência das diferentes unidades para o campus. Ao térmi- no da segunda etapa, previa-se que se alcançaria a meta de 30 mil matrículas. No salão nobre da reitoria, transferida desde 1965 para a Ilha do Fundão, e na presença de diversas autoridades, entre ministros, gover- nador, reitor e sub-reitores, o presidente Médici discursou: “muitas pala- vras, tinta e papel já foram gastos sobre a Cidade Universitária. Chegou a hora da ação, o momento da execução, com a assinatura deste ato” (LUZ; BARROSO, 1972, p. 11). O compromisso assumido nesse momento pelo então gover- nador Negrão de Lima e cumprido por seu sucessor Chagas Freitas, com referência às obras de urbanização interna do campus e de vias de acesso, abastecimento de água, esgoto sanitário, arruamento, iluminação pública etc., foi fundamental para a concretização da Cidade Universitária. Embora ainda inacabada, ela foi oficialmente inaugurada pelo presidente Médici exatamente no dia 7 de setem- bro de 1972. A escolha por comemorar o 150o aniversário da inde- pendência do país com a conclusão dos centros médico e de tecno- logia (as duas áreas prioritárias para o país se desenvolver) teve, por sua vez, grande valor simbólico, ressaltado no depoimento do 2ª prova2ª –Jesus –26 fev 2014 técnico-administrativos. unidades deensino,três docentes emaisdeoitomil milservidores em 2006,cerca de33milestudantes degraduaçãodistribuídospor28 poníveis nositeoficialdauniversidadeapontam queelacongregava, quanto instituiçãopública deensinosuperior, dadosestatísticosdis- em 1962. modificações, sobretudo daReformaUniversitáriainiciada apartir te pelaequipedeJorge MachadoMoreira tambémsofreu diversas e político do país mudou, o Plano Conjunto formulado originalmen- mente, amesmaidealizadaem1949.Assimcomoocontextosocial meçaram aserconstruídos. O campusuniversitáriodaIlhadoFundão de por18anos: professor Pedro reitor CalmonMonizdeBittencourt, dauniversida- Universitário ClementinoFragaFilho(HUCFF), no projeto original,algunsnãoforamconcluídos, como oHospital se terumaideiadoqueissosignificou,dos54 prédios previstos Machado Moreira, foramdefinitivamentecolocadasporterra.Para engenheiro Barbosa eoarquiteto LuizHildebrandoHorta Jorge originais, espaciaiseformaisdeseusprincipaisidealizadores, o estado emqueestava,Oliveira(2005)sublinhaasintenções Tendofoi conservada. aCidadeUniversitáriasidoinauguradano -se aindanosanos1950,aorganização dozoneamentocampus dios, comooHospitaldeClínicaseaFaculdadeArquitetura, deu- Para seterumavisãogeraldoqueaUFRJrepresenta hojeen- - Mas aCidadeUniversitáriainauguradaem1972nãoera,certa 16 Porém, tendo em vista que a construção de alguns pré- Governo. A CidadeUniversitáriatornou-se,graçasaDeus,metado 1972, p.30). um dia,conjuntoescolar, paraumséculo(LUZ;BARROSO, o Sesquicentenário.Emlugardepaláciosdesmontáveis,para conclusão deobrasuniversitárias,paramarcar demodocívico Internacional, comoadoCentenário.Preferiu empregá-la nesta uma somaformidávelnaconstruçãoefêmeradeExposição àPátria.Podiaterautorizadoquesedespendesse vel serviço 2ª prova2ª –Jesus –26 fev 2014 FicamosadeveraoPresidente Médiciesseinestimá- 17 emuitossequerco-

69 Leticia de Luna Freire 2ª prova – Jesus – 26 fev 2014

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Em termos administrativos, o Conselho Universitário (Consuni) é o órgão máximo de função normativa, deliberativa e de planejamen- to da universidade nos planos acadêmico, administrativo, financei-

Ilhas de histórias ro, patrimonial e disciplinar. Tendo como membros natos o reitor, vice-reitor, pró-reitores e decanos dos centros universitários, o Con- suni é formado ainda por 12 professores titulares e 12 professo- res adjuntos de todos os centros, um representante do Fórum de Ciência e Cultura, cinco representantes dos técnico-administrativos e cinco representantes do corpo discente, entre outros. Logo abaixo, tem-se a Reitoria (órgão de direção), o Conselho de Curadores (ór- gão deliberativo para assuntos de patrimônio) e o Conselho Superior de Coordenação Executiva (órgão de coordenação). Para assesso- rar a Reitoria, existem cinco Pró-Reitorias, organizadas por setores de atuação (Graduação, Pós-Graduação e Pesquisa, Planejamento e Desenvolvimento, Pessoal e Extensão), sendo as duas primeiras amparadas por dois órgãos colegiados superiores: o Conselho de Ensino de Graduação e o Conselho de Ensino para Pós-Graduados. Já a Prefeitura Universitária, que possui o estatuto equivalente ao de uma Pró-Reitoria, é um órgão executivo que tem como finalida- de administrar os campi da UFRJ, responsabilizando-se por todas as tarefas que envolvem a sua manutenção e o funcionamento opera- cional de suas instalações (obras, reformas, paisagismo, instalações elétricas, hidráulicas e mecânicas etc.), assim como pelos serviços internos de vigilância. Em termos territoriais, a UFRJ possui uma área total de 7.155.185,63m², dos quais 5.238.337,90m² correspondem somente à área da Cidade Universitária, 100.976,90m² à área do campus da Praia Vermelha e 1.815.870,83m² à área ocupada pelas dez unidades isola- das. Embora sua área total seja menor do que a de outras instituições federais de ensino superior, como a Universidade Federal Fluminense (8.076.510m²), a Universidade Federal de Minas Gerais (8.794.767m²) e a Universidade Federal de Santa Catarina (18.081.543m²), a UFRJ é a que possui o maior campus do país em extensão territorial.18 Em relação à cidade do Rio de Janeiro, o território do campus da Ilha do Fundão – como passou a ser chamada a ilha artificialmente constitu- ída na extinta Enseada de Inhaúma – é maior, por exemplo, do que os bairros de e Leblon juntos. Apesar de grande parte das unidades acadêmicas encontrarem- -se nesse campus, há, entretanto, uma distribuição espacial bastante 2ª prova2ª –Jesus –26 fev 2014 uma vezqueéessecampus que aquinosinteressa. deagora,auma apresentaçãopartir geraldaCidade Universitária, Técnico da Universidade e aPrefeitura Universitária. Passamos, a 1946 –eocampusdaIlhadoFundão,ondese encontramoEscritório científica criadanopaís,em1818,eincorporada à universidadeem Boa Vista, onde se encontra o Museu Nacional – primeira instituição Ciência eCulturaoDiretório CentraldosEstudantes,aQuintada Vermelha, no qual se encontram, por exemplo, a sede do Fórum de põem aUFRJtambémestãodistribuídosentre ocampus Cidade Universitária. as FaculdadesdeMedicinaeoHospitalUniversitário –funcionamna unidades –entre asquaisaEscoladeEducaçãoFísicaeDesportos, de Psiquiatriae,emLaranjeiras,aMaternidadeEscola.Asdemais15 encontram-se oInstitutodeNeurologia DeolinoCoutoeoInstituto Francisco deAssiseoInstitutoGinecologia.NaPraiaVermelha contram-se aEscoladeEnfermagemAnnaNery, oHospitalEscolaSão que seencontrammaisdispersas.Naregião centraldacidade,en- Já asunidadesdoCentro deCiênciasdaSaúde(CCS)sãoaquelas Instituto de Pós-graduação e Pesquisa em Administração (COPPEAD). Instituto dePesquisaePlanejamentoUrbanoRegional(IPPUR)o a FaculdadedeDireito, enaCidadeUniversitária,ondefuncionamo Filho,nocentro dacidade,ondefunciona Contábeis, naruaMoncorvo o InstitutodeEconomiaeaFaculdadeAdministraçãoCiências unidades encontram-seespalhadasnaPraiaVermelha, naqualestão na Lapa. Do Centro de Ciências Jurídicas e Econômicas (CCJE), as de Músicapermanecefuncionandonumprédio naruadoPasseio, Universitária. DoCentro (CLA), apenasaEscola deLetraseArtes doValongoapenas oObservatório nãofoitransferidoparaaCidade da cidade.DoCentro deCiênciasMatemáticasedaNatureza (CCMN), na Lagoa, eoInstituto de Filosofia eCiências Sociais (IFCS), no centro Escola deComunicação,eemprédios isolados,oColégiodeAplicação, Socialea de Educação,oInstitutoPsicologia,aEscolaServiço Cidade Universitária,permanecendonaPraiaVermelha aFaculdade Filosofia eCiênciasHumanas(CFCH)chegouaserconstruídana Ilha doFundão,nenhumadasunidadesvinculadasaoCentro de das asunidadesdoCentro deTecnologia (CT)concentram-sena desigual no que se refere aos centros universitários. Enquanto to- Além doscentros universitários,osdemaissetores quecom- 2ª prova2ª –Jesus –26 fev 2014 da Praia 71 Leticia de Luna Freire 2ª prova – Jesus – 26 fev 2014

72 Ilhas de histórias

Figura 6 - A Cidade Universitária hoje, com a concentração de população na Vila Residencial, na extremidade leste do mapa. Fonte: Acervo do Núcleo de Pesquisa e Documentação – FAU/UFRJ, 2012 2ª prova2ª –Jesus –26 fev 2014 2ª prova2ª –Jesus –26 fev 2014 73 Leticia de Luna Freire 2ª prova – Jesus – 26 fev 2014

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Como se pode observar no mapa, a Cidade Universitária possui três entradas com guaritas de vigilância e acesso limitado. Apenas a entrada localizada próxima ao Hospital Universitário (guarita 1) per-

Ilhas de histórias manece aberta 24hs todos os dias da semana, sendo as demais fecha- das nos dias úteis durante a noite, nos feriados e finais de semana. Em relação ao transporte público externo, a Ilha do Fundão é servida por seis linhas de ônibus institucionais, que ligam a Cidade Universitária às demais unidades fora da ilha, cerca de 20 linhas de ônibus de empresas privadas, que ligam a Cidade Universitária a vá- rias regiões da cidade, aos municípios de Duque de Caxias e Niterói, além do transporte alternativo de vans que fazem geralmente quase os mesmos trajetos dos ônibus, reforçando o atendimento à deman- da. Em relação ao transporte coletivo interno, a Cidade Universitária é servida por duas linhas de ônibus circulares da UFRJ, que fazem gratuitamente os trajetos Linha Vermelha/COPPEAD e Alojamento/ Vila Residencial, interligando a Ilha do Fundão de um extremo a outro. Apesar da existência dessa rede de transporte público rodoviário, o acesso à Cidade Universitária sempre foi considerado problemático. Ainda nos anos 1970, a ausência de transporte público que suprisse a demanda dos usuários do campus acabou institucionalizando a caro- na, prática hoje pouco comum entre pessoas desconhecidas. Se de lá para cá o acesso tornou-se mais fácil, com a criação de novas linhas de ônibus, o incremento dos transportes alternativos e a construção da Linha Amarela e da Linha Vermelha, a Ilha do Fundão ainda carece de uma maior integração viária à cidade, principalmente no que se refere aos serviços de trem e metrô. Para descrever mais propriamente seu espaço, proponho ao leitor acompanhar-me num percurso pela Cidade Universitária (pelo menos tal como esta se apresentava no início de 2010), começan- do por sua extremidade nordeste, a ponta correspondente à antiga Ilha do Catalão. Embora a área tenha sido totalmente desapropriada e prevista para ser utilizada para a construção de alguns dos pré- dios da zona residencial do referido campus, que se estenderia até a Ilha do Baiacu, nenhuma unidade foi ali construída, mantendo-se preservada, ainda que precariamente, parte da Mata Atlântica ori- ginal. Com uma grade controlando o acesso por terra, o local foi transformado, em 1996, em área de preservação ambiental, a partir de um projeto de reflorestamento. Desde então, o Parque Frei Leão Vellozo, também conhecido como Parque Mata Atlântica UFRJ ou 2ª prova2ª –Jesus –26 fev 2014 homenagem aoprimeiro reitor eleitopela comunidadeuniversitária, dirigiu durantequaseduas décadas,aavenidaHorácioMacedo,em dade, como a avenida Pedro Calmon, em homenagem àquele que a fazem referência nahistóriadauniversi- apersonagensimportantes das cincoavenidas,17ruas ecincopraçasdaCidadeUniversitária trajeto desse ônibus. Ao longo dele, percebemos que todos os nomes final na Vila Residencial.Continuemos,então,nosso percurso pelo oônibusinternodaUFRJquecirculaparte pelocampus,componto radia. Comoreferido anteriormente,édafrente doalojamentoque talando como“agregados”, apesardascondiçõesprecárias demo- Assistência aoEstudantenãoimpedequemuitosacabem aliseins- licitam anualmente,osistemadeseleçãorealizado pelaDivisãode gas oferecidas émuitoinferioraonúmero decandidatosqueoso- dois blocos(masculinoefeminino).Umavezque o número deva- rem construídosnazonaresidencial, divididosem com504quartos, Estudantes, doisdosseisprédios anteriormenteprevistos parase- da parcialmente. Nesse local,hojeseencontraoAlojamentodos que teve sua finalidade original inalterada, ainda que concretiza- para arealização deeventoscientíficoseculturais. cinas elaboratóriosdoprojeto e,eventualmente,tambéméutilizado instalações locais,comoohangar, foramcedidosparasediarasofi- mergulho. Também comacessocontrolado, os3.000m²dasantigas àcomunidade,comoaulas devela,canoageme atividades abertas para empreendimentos relacionados aosetornáuticoedarapoioa Escola Politécnica,comoobjetivodeformarmãoobraqualificada Interdisciplinar UFRJ-Mar, programa deextensão criado em 2002 pela em vezdealojamentos,hojefuncionaoPoloNáuticodoNúcleo Universitária, forammodificadas.NacostadaantigaIlhadasCabras, área cujas finalidades, inicialmente previstas pelo plano da Cidade como olugarforaoutrora habitado. interessado sobreda vegetação,fornecendopistasaoobservador ilha, apenas alguns vestígios ainda podem ser encontrados no meio ídas da Baía da Guanabara. sobretudo apesca,apesardeserhojeumadasregiões maispolu- e évisitadopormoradores doentornoparaatividadesdelazer, deárea detreinamentocomo biologiaegeologia,serve doExército ainda Parque IlhadoCatalão,abrigaatividadesdecampocursos Já aárea correspondente àantigaIlhadoBaiacufoiaúnica Seguindo nossopercurso, temos,aoladodesseparque, outra 2ª prova2ª –Jesus –26 fev 2014 19 Das antigas construções existentes na 75 Leticia de Luna Freire 2ª prova – Jesus – 26 fev 2014

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e a praça Jorge Machado Moreira, em homenagem àquele que con- duziu o conjunto arquitetônico dos primeiros prédios da Cidade Universitária.

Ilhas de histórias Logo que partimos do alojamento, passamos por duas insta- lações não propriamente acadêmicas: a Fundação Bio Rio, polo que agrega empresas que desenvolvem pesquisas na área de biotecno- logia, e a Verde, projeto da iniciativa privada que, com apoio tecnológico da UFRJ, desenvolve, desde 2004, um sistema de incine- ração de lixo urbano sem causar danos ambientais. Seguindo pela avenida Carlos Chagas Filho em direção à antiga Ilha do Fundão, en- contramos pouco depois, à esquerda, a Escola de Educação Física e Desportos, visualizando algumas de suas áreas esportivas. O ônibus para no ponto para receber passageiros do CCS, localizado à nossa direita, onde funcionam algumas de suas faculdades, pequenas lojas, fotocopiadoras, lanchonetes, uma agência bancária etc. Na área ex- terna, ao lado do estacionamento, há vários trailers onde são vendi- dos lanches e pequenas refeições. Contornando o CCS, o ônibus entra na rua Prof. Rodolpho Paulo Rocco, onde faz outra parada. À direita, vemos a sua outra en- trada, novamente recuada por um corredor de trailers, e um estacio- namento pago. Mais à frente, o Instituto de Puericultura e Pediatria Martagão Gesteira (IPPMG). Do outro lado da rua, vemos a entrada principal do enorme prédio do Hospital Universitário, com estacio- namentos dos dois lados. Durante todo o dia nota-se uma grande mo- vimentação de pessoas nessa área, entre funcionários, professores, acadêmicos, usuários e visitantes. Virando à esquerda, contornando o hospital, o ônibus faz ou- tra parada para receber passageiros que chegam ao campus pela Linha Vermelha. Entrando na avenida Horácio Macedo, uma primei- ra parada próxima à Prefeitura Universitária. Caso saltemos nesse ponto e caminhemos em direção à praça Jorge Machado Moreira, descobriremos uma concentração de diversos outros setores, aca- dêmicos e não acadêmicos que ocupam essa pequena região do cam- pus. Além da sede da Prefeitura Universitária, estão situados ali o Núcleo de Estudos de Saúde Coletiva, uma instalação da Companhia Municipal de Tráfego, a Incubadora de Cooperativas Populares e, ainda, o Escritório Técnico da Universidade, que, se na década de 1960 ocupava todo o prédio, hoje se reduz a uma única sala dele. Ao fundo, em instalações próprias, tem-se ainda a sede do Sindicato dos 2ª prova2ª –Jesus –26 fev 2014 prédio da FaculdadedeLetras,tendonasuaentradaumaagência do no InstitutodeMacromoléculas (IMA).Dooutro ladodaavenida,o no grandecorredor térreo umaespéciedepraçaalimentação. namentos, umrestaurante universitárioediversostrailers,formando uma pequenalojadeinformática,bancajornal, doisestacio- do BancoBrasil,umalivrariaespecializadaem livros técnicos, conjunto deblocosdoCT. Naárea comumdosprédios, umaagência montadas. Do outro lado da avenida, o principal acesso ao grande onde sevendemlanchesepequenasrefeições, commesasecadeiras direito, umestacionamentopago.Emfrente àsuaentrada,trailers Centro deCiênciasdaMatemáticaeNatureza (CCMN).Doseulado mentado pontodeônibus,visualizamos,ànossadireita, oprédio do quando o ônibus entra na avenida Athos da Silveira Ramos. Do movi- na daPetrobras. des doCENPES.Entre asduaspistasdaavenida,um postodegasoli- passarela foiconstruídasobre aavenida,interligandoasduasunida- de altatecnologia.Devidoàgrandemovimentaçãopessoas,uma sendo construídaaextensãodoCENPES,cominstalaçõessuntuosas Do outro ladoda avenida,àesquerda, umaextensaárea ondeestá e doCentro dePesquisas eDesenvolvimentodaPetrobras (CENPES). des construçõesdoCentro dePesquisasEnergia Elétrica (CEPEL) mos maisnumcampusuniversitário.Àdireita, encontram-seasgran- ônibus circular, temosporummomentoaimpressão denãoestar Universitária. eventos efestividadespromovidos pelosindicatoepelaPrefeitura internos. Alémdisso,énessaárea queérealizada dos amaiorparte rios dauniversidade,noqualseorganizam timesecampeonatos espaçodesocialização dosfuncioná- tuindo-se emumimportante são realizadas as“peladas”apósoexpedientedetrabalho,consti- nhecida como“ocampodaprefeitura”, éonde,desdeosanos1950, separados porumgalpão,noqualfuncionabar. Essaárea, co- doisgrandescamposdefutebolgramados, ETU. Aoladodohorto, da CidadeUniversitária,existiuapequenaviladefuncionáriosdo tânico da UFRJ, exatamente no mesmo local onde, durante as obras Retornando em direção à praça, temos, à nossa direita, bo- o Trabalhadores emEducaçãodaUFRJeum restaurante. self-service Retornando à avenida Horácio Macedo, passamos pelo peque- Mais àfrente, voltamosaidentificarumambienteuniversitário, Seguindo pela Avenida Horácio Macedo, agora novamente no 2ª prova2ª –Jesus –26 fev 2014 - 77 Leticia de Luna Freire 2ª prova – Jesus – 26 fev 2014

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Banco do Brasil e novos trailers. Virando à direita, na avenida Pedro Calmon, o Laboratório de Geotecnia e o Laboratório de Química. Recuado, no final dessa avenida, o Polo de Xistoquímica. Retornando

Ilhas de histórias em direção à avenida Horácio Macedo, visualizamos à direita, na pequena colina preservada da antiga llha da Sapucaia, o Instituto de Energia Nuclear. Seguindo a avenida Horácio Macedo, vemos à esquerda, mais distante, o prédio da Reitoria. Atrás deste, uma ex- tensa área gramada sem construções. Ainda à nossa esquerda, en- contramos a instalação de um posto do Departamento de Trânsito (Detran), onde são realizadas provas práticas para obtenção da car- teira de habilitação. Nesse posto, encontra-se diariamente um grande número de veículos de autoescola posicionados em fila ao longo do meio-fio para a realização do exame, além de funcionários do Detran, instrutores e alunos de autoescolas da região e alguns comerciantes ambulantes, que aproveitam a ausência de instalações no local (há somente banheiros químicos) para vender bebidas e lanches ao pú- blico que por ali circula continuamente. Passando por trás da Reitoria, na rua Hélio de Almeida, o ôni- bus entra na pequena rua Maurício Joppert da Silva, onde faz uma parada. Ali estão situados as Oficinas do Polo Náutico, o Programa de Pós-graduação da Escola de Belas Artes, a Divisão de Saúde do Trabalhador e a Divisão de Transportes, em frente à qual o ônibus faz a manobra para retornar à rua Hélio de Almeida. Virando à direi- ta nessa rua, passa pela Incubadora de Empresas da UFRJ, com um estacionamento ao lado e uma guarita de segurança. Da colina onde se situa o Instituto de Energia Nuclear até aqui, ainda estamos, cabe lembrar, em terras da antiga Ilha da Sapucaia. Entrando à direita, na rua Paulo Emídio Barbosa, deparamo- -nos com uma área mista, que reúne diferentes instalações. À esquer- da, as grandes construções do Parque Tecnológico do Rio, projeto concebido pelo Instituto Alberto Luiz Coimbra de Pós-graduação e Pesquisa em Engenharia (COPPE) em 1997, que visava trazer para a Ilha do Fundão empresas, laboratórios e instituições que quises- sem estabelecer atividades ligadas às pesquisas desenvolvidas pela universidade na área de tecnologia.20 Ainda nessa rua, temos, à nos- sa direita, a Divisão Gráfica e o Almoxarifado Central da UFRJ. Entre estes dois, há um pequeno estabelecimento comercial – conhecido como “Bar do Reginaldo” – onde são servidas bebidas e refeições a operários das empresas instaladas no campus, funcionários da 2ª prova2ª –Jesus –26 fev 2014 avenida, ealgunsbares atrás,commesasdeplásticodispostas sob algumas casassimplesde alvenaria,comasentradasvoltadasparaa Tecnologia Mineral. Quasenamesmadireção, ànossa direita, vemos brincando. Do outro lado da avenida, as instalações do Centro de po gramado onde, dependendo do horário, podem-se ver crianças Antônio João,cujoprédio encontra-serecuado, atrásdeumcam- da Pedro Calmon,temos,àesquerda, aEscolaMunicipalTenente que noslevanovamenteàaveni- no parque doCatalão.Nacurva da Coluna,quepodesermelhoravistadaoutraponta docampus, à colina onde se encontra, no cume, a histórica Igreja do Bom Jesus mente asprimeirascasasdaruaàbeiramar, quesegueemdireção davilamilitar,entrada. Dela,podemosvisualizarparte maisexata- Cia. do Comando Militar do Leste, com dois soldados vigiando sua da, omodernoprédio daCOPPEAD.Àdireita, da oantigoquartel da. EstamosnasterrasdaantigaIlhadoBomJesus.Ànossaesquer tramos, àdireita, naruaPascoalLeme,ondeoônibusfazumapara- empresas: aEmpresa BrasileiradeTelecomunicações. Aseguir, en- a entradadoParque Tecnológico, pelasinstalaçõesdeumasuas Linha Vermelha/COPPEAD. do outra parte bus (agoranadireção doalojamentoestudantil)parapercorrer uma nos próximos capítulos.Continuemosnessemomentodentro doôni- chegou. sidências, oônibusparanoseupontofinal,jánamãoinversadaque rapidamente avistaroutrasruas,comseuspequenoscomércios ere- a umapraçaondeselocalizaIgreja Católicaedeondepodemos um galpãonaesquina.Contornandopequenocanteiro, emfrente lado, umapequenaruadeterrabatida,comumbardoisandares e Aoseu futebol, comogramadoempéssimoestadodeconservação. dointeriordealgumasdelas.Àdireita,parte umgrandecampode nas casas de alvenaria beiram a rua, e podemos ver, ainda no ônibus, não estarmosmaisnumcampus entramos naruadasPapoulas,ondetemosnovamenteasensaçãode área demanguedaIlhaSapucaia.Semdesviarmosnossadireção, indicadores dequeestamosingressando naVila Residencial,antiga uma antigaguaritaeapioranaqualidadedoasfaltosãoosúnicos universidade, alunosevisitantes.Nofinaldessarua,osvestígiosde Regressando pela ruaPaulo Emídio Barbosa, passamos,após Deixemos, noentanto,paraconhecermelhoraVila Residencial 2ª prova2ª –Jesus –26 fev 2014 campus, na qual também circula o ônibus do trajeto universitário. Àesquerda, 14peque- - 79 Leticia de Luna Freire 2ª prova – Jesus – 26 fev 2014

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varandas à beira mar. Da avenida, uma rampa improvisada dá aces- so a esse pequeno aglomerado. Dependendo do dia, do horário e do clima, pode-se avistar no local muitos automóveis estacionados,

Ilhas de histórias homens pescando com barco ou vara, fazendo churrasco com os amigos sob a sombra da amendoeira ou ainda estudantes reunidos animadamente em grupos bebendo cerveja no fim de tarde. Mais à frente, o ônibus faz outra parada. À esquerda, temos o suntuoso prédio de oito andares da Reitoria, onde também funcionam a Escola de Belas Artes e a Faculdade de Arquitetura e Urbanismo, ambas vinculadas ao Centro de Letras e Artes. Ao lado do estacionamen- to, este gratuito, diversas árvores da espécie couroupita guianensis, mais conhecida como abricó-de-macaco. Próximo à larga escadaria da entrada principal, mastros com as bandeiras do Brasil, do estado do Rio de Janeiro e com o brasão da universidade. Assim que vira- mos na avenida Horácio Macedo, vemos o prédio da Faculdade de Letras, com apenas um pavimento. Seguindo até o final dessa ave- nida, o ônibus passa novamente pelo CCMN e pelo CCS, efetuando nova parada na rua Professor Rodolpho Paulo Rocco. Passa pelo IPPMG, pelo HUCFF e pela Prefeitura Universitária, retornando ao final da avenida Horácio Macedo. Segue pela avenida Carlos Chagas Filho, passando pela Escola de Educação Física, onde faz nova pa- rada, até chegar ao seu ponto final, no Alojamento Estudantil, onde então concluímos nosso trajeto. Descendo do ônibus, avistamos muitas roupas penduradas nas janelas do prédio e uma pequena bar- raca, comum nos pontos mais movimentados do campus, que vende, além de biscoitos e cigarros, pequenos objetos de uso doméstico e higiene pessoal (fósforos, absorventes higiênicos etc.), o que sugere algumas deficiências na estrutura oferecida aos seus residentes. Conforme tentei mostrar ao guiá-los nesse breve percurso pela Ilha do Fundão, embora haja o predomínio das funções universitárias, este é um espaço bastante heterogêneo, que compreende uma gran- de diversidade de instituições, estabelecimentos e pessoas. Nesses mais de cinco milhões de metros quadrados, circulam diariamente cerca de 65 mil pessoas, entre as quais estudantes, professores e fun- cionários da UFRJ, trabalhadores dos pequenos comércios e serviços que funcionam, de forma regular e irregular, na ilha (trailers, bares, chaveiros, barracas de doces, lojas, agências bancárias, fotocopiado- ras etc.), empregados das diversas empresas e centros de pesquisa ali sediados, moradores da região (sobretudo os da Vila Residencial 2ª prova2ª –Jesus –26 fev 2014 nicações, segurança,comércio, cultura,lazereeventos. esporte, residência universitária,gestãoambiental,infraestrutura,telecomu - pensadas políticasespecíficas nasáreas alimentação, detransporte, pulação flutuanteemtorno de120milpessoas,sendo,paraisso, espera-se que,aoseconcluir aterceira etapa,elaalcanceumapo- Vermelha edas unidadesisoladas.Emrelação à CidadeUniversitária, mente, aspropostas incluemumplanodeocupação eusodaPraia Buscando construirumauniversidadeintegradainterna eexterna- um pensamentoquedominouauniversidadedesde suainstalação”. a serimplementadoem2009,representa “acompletaguinadade prédios naCidadeUniversitária,oPlanoDiretor 2020,quecomeçou 2016 e2020.Maisdo que o planejamentoparaaconstruçãodenovos Plano Diretor (CTPD)paraauniversidadenoshorizontesde2012, foram divulgadasaspropostas sugeridaspeloComitê Técnico do de DesenvolvimentodaCidadeUniversitária,emnovembro de2008, vação peloConselhoUniversitáriodaProposta Preliminar doPlano Universitária. 2020 daUFRJ,nosentidoderetomar aconcepçãooriginaldaCidade volvidos pela equipe responsável pela elaboração do Plano Diretor nado, comoevidenciamostrabalhosqueforamrecentemente desen- cida pela possibilidade de trocas. Esse ideal não foi, todavia, abando- dor de saberes múltiplos e viabilizador de uma convivência enrique- os anos1930nãosematerializounaideiadeumcampusconcentra- assim, emmuitosaspectos,o“espíritouniversitário”almejadodesde definitivas, constituindonolocalumoutro campus concluíam as obras da Cidade Universitária, acabaram se tornando unidades reunidas provisoriamente naPraiaVermelha, enquantose tradicional Largo deSãoFranciscoPaula.Alémdisso,muitasdas do IFCS,situadonasantigasinstalaçõesdaEscolaPolitécnica,no dios isoladosedispersospelacidade,comoéocaso,porexemplo, muitas unidadesacadêmicasdaUFRJcontinuamafuncionarempré- a CidadeUniversitáriaencontra-seatéhojeemconstrução,vistoque pus nosfinaisdesemana. edelazernosamplosespaçosdocam- praticar atividadesesportivas ilha pararealizar examedehabilitaçãonopostodoDetranoupara (HUCFF, IPPMGetc.)evisitantesemgeral,comoosquesedirigemà e da ), pacientes das unidades de saúde da universidade Após arealização deumaamplapesquisaopiniãoeaapro- Embora tenhasidooficialmenteinaugurada nadécada de1970, 2ª prova2ª –Jesus –26 fev 2014 da UFRJ.Sendo 81 Leticia de Luna Freire 2ª prova – Jesus – 26 fev 2014

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Se, como visto neste capítulo, o Escritório Técnico desempe- nhou um papel central na condução do planejamento e da constru- ção da Cidade Universitária, hoje ele possui tão pouca visibilidade

Ilhas de histórias na universidade que sequer integra o CTPD. Embora o antigo ETUB fosse um órgão subordinado ao governo federal, mas de atuação es- tritamente técnica, com o processo de democratização política, os setores de esquerda na universidade passaram a atribuir-lhe uma imagem negativa, vinculada ao regime militar. Mesmo sendo o órgão responsável pelo desenvolvimento de planos relativos a melhorias ambientais e ao espaço físico da universidade, o ETU não desempe- nha mais o papel de protagonista, mas de mero coadjuvante na nova cena política e administrativa da UFRJ. Cientes da proposta de concentração das unidades acadêmi- cas na Ilha do Fundão, as congregações das unidades fora da Cidade Universitária começaram, ao longo de 2010, a se reunir para debater e manifestar publicamente sua posição sobre o assunto. A resistência à transferência já manifestada por algumas dessas unidades – como o IFCS, cuja congregação optou, por 16 votos a 8, por permanecer no Centro da cidade – indica que o caminho em direção à construção da “universidade integrada” não será sem percalços (UMA CIDADE..., 2009). Mas até 2020, esse é um longo caminho ainda a se percorrer. Do que já foi percorrido até aqui, os diversos descompassos entre o que foi previsto num determinado momento e o que foi reali- zado em outro, quando as estruturas das conjunturas21 não eram mais as mesmas, gostaria de concluir este capítulo enunciando o ponto de partida do próximo: a transformação de um “evento” – a construção da Cidade Universitária – em um “acontecimento”, o que implica, se- gundo o antropólogo Marco Antonio da Silva Mello, um movimento de reflexividade e atribuição de sentido à experiência suscitada pelo evento.22 Pois, se as conclusões dos estudos executados entre 1935 e 1945 apontavam que a universidade deveria ser “urbana” e abrigar, na sua zona residencial, até 10.000 estudantes e 300 famílias de pro- fessores, este grande empreendimento, que incluía a possibilidade de o campus ser efetivamente habitado, não previa, contudo, que o fosse pela população que constituiu o que passou a se chamar Vila Residencial da UFRJ. Por fim, se, como afirma o referido antropólo- go, o acontecimento é a mediatização do evento pela linguagem, é justamente às variações das formas de interpretar e elaborar essa experiência que se dedicarão os próximos capítulos. 2ª prova2ª –Jesus –26 fev 2014 11 10 9 8 7 6 5 4 3 2 1 Notas 12

como exemplovivodaarquitetura sacracolonial,aIgreja doBomJesusdaColuna Tombada Nacional,em1964, peloInstitutodoPatrimônioHistóricoeArtístico profissionais diplomadosnopaís. de engenharia, arquitetura e agrimensura de níveis, só poderia contratar serviços cumprimento doDecreto nº23569/33,queestabeleciaogoverno,emtodosos nheiros eArquitetos, porexemplo,àcontratação dePiacentinibaseava-senonão De acordo (2003),areação comAlberto contráriadoConselhoRegionaldosEnge- gião, reivindicando investimentoseminfraestruturaeviasdeacesso. papelno desenvolvimentoinicialdareCruz), aindaem1899,teveumimportante - Cabe lembrarqueacriaçãodo InstitutoSoroterápico (atualFundaçãoOswaldo professores, emcasasalugadasou,ainda,praçaspúblicas. possuíam sequeredifício próprio, sendo asaulasministradasnasresidências dos Mesmo asmaisantigas universidades, como asdeParis,BolonhaeOxford, não pelo questionamentodopoderdeEstado”(VILARINHOS,2007,p. 138). terizada porsuamobilizaçãoemtornodeinteresses específicose,principalmente, controle dacomunidadeusuária–professores, estudantesefuncionários–carac- internadocampus to nadesarticulação de Vilarinhos, quemencionahaverumaintencionalidadetantonalocalização quan- Essa hipótese,muitopresente porexemplo,otrabalho nosensocomum,norteia, ral Fluminense(UFF)(FÁVERO, 2007). pectivamente, UniversidadeFederaldoRiodeJaneiro (UFRJ)eUniversidade Fede- situadas nascidadesdeRioJaneiro eNiterói, quepassaramasedesignar, res- nova leifoisancionadacomrelação àsdenominaçõesdasuniversidadesfederais sidade Federal da Guanabara. Porém, devido às diversas reações contrárias, uma Pela Leinº4.759,sancionadatrês mesesantes,aUBpassariasechamarUniver te, tecnológicaecientífica. voltada à formação das elites, valorizando sobretudo a formação profissionalizan - da nação”.Aperspectivavencedorafoiadomodeloautoritáriodeuniversidade perior destinadoàscamadasmaisprivilegiadasdapopulação,“futuros condutores manutenção ou aconsolidação da ordem capitalistano Brasil, sendo o ensinosu - lógica, em que tanto os grupos católicos quanto os grupos liberais objetivavam a Como ressalta Oliveira(2005,p.36),tratava-se,antesdetudo,umalutaideo- chegou aserlevadoaoSenado(LUZ;BARROSO,1972). sentou projeto decriaçãodaUniversidadePedro II,nacapitaldoImpério,oqual no ConventodoCarmonacidadedeSãoPaulo.Jáem1842,MirandaRibeiro apre- tituída pelas país, comoadefendidaporJoséBonifáciodeAndradaeSilva,aindaem1821,cons- Houve, entretanto, propostas anteriores decriaçãouniversidadesnacionaisno 1551, apenas16anosapósaconquistaespanhola. Como exemplo,temosaUniversidadedeSãoMarcos deLima,criadanoPeru em que praticassemalgumdelito(SILVA, 1950,p.8). que retirava daalçadadosjuízesleigososmestres, discípuloseseusservidores des eosuniversitáriosoforo eclesiástico,estabelecidoporNicolauIV emPortugal, Pode-se citar como uma regalia geradora de conflitos entre os moradores das cida- Instituto deMúsicadaUB,durantesuaestadianopaís. remuneração deCorbusierfoijustificadapelasseisconferências queproferiu no Para contornaraleideregulamentação daprofissão deengenheiro earquiteto, a tópico destecapítulo. Abordaremos oantigovazadouro delixoexistentenaIlhadaSapucaianopróximo faculdades deFilosofia,Jurisprudênciae Teologia, queselocalizaria 2ª prova2ª –Jesus –26 fev 2014 da UFRJ,“associadaaumanecessidadede - 83 Leticia de Luna Freire 2ª prova – Jesus – 26 fev 2014

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teve sua edificação e imaginária restaurada, sendo elevada a santuário militar e reaberta ao público em agosto de 2008. 13 Para se ter um ideia melhor do que isso significa, essa lotação colocaria a Univer- sidade do Brasil acima da lotação das universidades argentinas de Buenos Aires e de La Plata, por exemplo, cujas matrículas ascendiam, em 1948, a 22.076 e 18.203

Ilhas de histórias estudantes, respectivamente, e abaixo da lotação de universidades como Boston, Roma, Sorbonne, New York e Bombay, que contavam à época com uma capacidade de atender entre 31.638 e 49.666 estudantes (ETU, 1952). 14 Projeto Rio é como ficou conhecido o conjunto de ações realizadas inicialmente na região da Maré, no âmbito do PROMORAR, programa criado em 1979 pelo Mi- nistério do Interior, visando solucionar o problema das habitações em favelas e palafitas, urbanizando-as, quando possível, e erradicando-as, quando for “caso per- dido”, segundo palavras do ministro Mário Andreazza (VALLA, 1986, p.141). Além da recuperação e urbanização das favelas da Maré, o projeto previa a duplicação da Avenida Brasil, o aterro de 23km² de mangues e da Baía da Guanabara e a ligação das ilhas do Fundão e Pinheiro ao continente. Sendo duramente criticado, o Projeto Rio acabou limitando os aterros na Maré, preservando o canal do Fundão e parte da rica vegetação da ilha do Pinheiro, transformando sua parte mais elevada em um parque ecológico, em 1986 (AMADOR, 1997, p. 355). A parte plana da antiga ilha foi totalmente ocupada, compondo hoje as favelas da Vila do João, Vila do Pinheiro e Conjunto Pinheiros. 15 Em 1956, Horta Barbosa deixou a direção do ETUB para ocupar um cargo no Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico, criado quatro anos antes. Em seu lugar, assumiu o engenheiro Lucílio Briggs Brito e depois, em 1962, Jayme Bueno Brandão. 16 Em obediência à legislação reformista que se iniciou no âmbito federal em 1966, a UFRJ foi a primeira instituição a apresentar um plano de reestruturação, estabele- cendo, entre outros, a extinção das cátedras e o fortalecimento dos departamentos. 17 Maior e mais complexa obra de todo o conjunto universitário, com uma estrutu- ra de 220.000m², o HUCFF foi inaugurado somente em 1978, e mesmo assim com apenas metade de seu imenso prédio em funcionamento. A outra metade, por ter ficado muitos anos inutilizada, ganhou o apelido de “perna seca” e, diante do seu avançado estado de corrosão e da inadequação, nos dias atuais, da estrutura hos- pitalar vertical, acabou sendo implodida em dezembro de 2010. 18 Para contrastar, podemos exemplificar que, dos 18.081.543m² de área total da Uni- versidade Federal de Santa Catarina, 17.060.774m² correspondem a terrenos locali- zados fora do campus, sendo a área deste constituída por apenas 1.020.769m². 19 Apesar de os estudos do ETUB terem previsto mínimos efeitos na desestruturação das águas da baía, para Elmo Amador (1997, p. 329, 330) o aterro do antigo arqui- pélago contribuiu enormemente para a rápida depredação da Baía da Guanabara e seus ecossistemas periféricos. Segundo o geógrafo, se o Estuário de Manguinhos – um dos mais extensos encontrados pelos colonizadores, com 12km² de superfície - era até a década de 1920 um ambiente natural, orlado de manguezais, praias e ilhas paradisíacas, cujo ecossistema assegurava uma elevada produtividade biológica, essa região foi avassaladoramente depredada no século XX, sendo a maior parte dos aterros e outras ações danosas ao meio ambiente realizados no curto prazo de 30 anos. Além da construção da Cidade Universitária, teriam contribuído para a de- gradação ambiental da região os grandes aterros realizados em Manguinhos, com o objetivo de conquistar novas terras e expandir a indústria, os aterros feitos para a construção da Avenida Brasil, do aeroporto do Galeão e, posteriormente, aqueles feitos pelo Projeto Rio na Maré. 20 Assim como o CENPES, o modelo de contrato dessas empresas e de todas que ocu- pam áreas ociosas do campus é o aluguel do terreno pela UFRJ por um período de 20 anos, renovável. 2ª prova2ª –Jesus –26 fev 2014 22 21

Tomo de empréstimo a expressão utilizada por Sahlins (1990, p. 15) para designar Conformeháanosvemchamando a atenção o professor Melloemaulaseconferên- microssociologia desuainteração”. assim como se expressa nas ações motivadas dos agentes históricos, o que inclui a “a realização práticadascategoriasculturaisemumcontextohistóricoespecífico, estrutura porsuaexistênciaeseuefeito. ficância” (happeningofsignificance)que,enquantosignificância,édependentena de significados.Esteautordefineacontecimento(event)comoum“eventosigni- e não o contrário, tal como aparece na tradução brasileira, em que há uma inversão “event” paradistinguiroque,ameuver, equivaleria a“evento”e“acontecimento”, indivíduos. Na versão original de do pela linguagem, o evento tomado como objeto de reflexão e significação pelos indivíduos, destituídodequalidades,“acontecimento”designaoeventomediatiza- algoqueseabatesobrecias, enquanto“evento”designa,nalínguaportuguesa, os 2ª prova2ª –Jesus –26 fev 2014 ” e , Sahlins fala de “happening” e Islands ofHistory 85 Leticia de Luna Freire

Da Ilha da Sapucaia à Vila Residencial da UFRJ

A construção da Ponte Rio-Niterói

No mesmo ânimo desenvolvimentista que marcaria a inaugu- ração da Cidade Universitária pelo general Emílio Garrastazu Médici, o governo do então marechal Arthur da Costa e Silva publicou, em agosto de 1968, edital de concorrência para a execução do projeto, idealizado pelo ministro Mário Andreazza, de construção de uma ponte entre os municípios do Rio de Janeiro e Niterói, concretizando uma ideia já bastante antiga.1 Para implementar a obra que se torna- ria “um marco do progresso na arte de construir” (PFEIL, 1975), unin- do a BR101 desde o estado do Rio Grande do Sul até o Rio Grande do Norte, ao longo de 4.551,4 km, o Ministério dos Transportes re- alizou empréstimo com bancos britânicos, firmando o contrato, em dezembro daquele ano, entre o Departamento Nacional de Estradas de Rodagem (DNER) e o Consórcio Construtor Rio-Niterói (CCRN). Dada a grandiosidade da obra, foram instalados, em janeiro de 1969, seis canteiros em pontos considerados estratégicos da região, assim designados: canteiro do Mar, Ilha do Caju, Ilha da Conceição, acesso Niterói, acesso Rio de Janeiro e Ilha do Fundão. Enquanto a instalação do canteiro de obras no Caju resultou na extinção do Centro de Habitação Provisória (CHP) no 2, transferindo seus mora- dores, que para ali já tinham sido removidos de outras favelas, para outros CHP’s da cidade,2 o canteiro da Ilha do Fundão foi constituído por meio de uma cessão pela UFRJ do terreno de 300.000m² situado no extremo sul da Cidade Universitária, até então não ocupado pela universidade, dadas as condições geológicas inapropriadas por conta do antigo vazadouro de lixo da Ilha da Sapucaia. O interesse do con- sórcio pelo terreno devia-se, porém, à sua estratégica proximidade 2ª prova – Jesus – 26 fev 2014 2ª prova – Jesus – 26 fev 2014

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com a região do Caju, à facilidade de transporte marítimo de equipa- mentos e materiais e ao tamanho da área disponível. Uma vez cedido o terreno, foram ali construídos: escritórios da administração central, instalações de apoio, carpintaria, fábrica de aduelas, oficinas de manutenção geral, fábrica de estrutura metá- lica, almoxarifado, pátio de recebimento de materiais, entre outros. Tendo em vista o grande contingente de operários envolvidos na obra, que no momento de pique chegou a ter cerca de 13 mil homens empregados durante um ano, instalou-se também em uma parte do canteiro um complexo de unidades residenciais e serviços de apoio

Da Ilha da Sapucaia à Vila Residencial da UFRJ Vila Residencial à Da Ilha da Sapucaia capaz de assistir os trabalhadores e seus familiares. Criou-se, assim, uma “pequena cidade”, que englobava, além dos serviços técnicos, 180 residências familiares e individuais, um refeitório, um mercado, uma escola e uma praça de esportes (RODAGEM, BRASIL, [s.d.]). Embora todos os alojamentos fossem construídos de madei- ra, havia diferentes padrões construtivos distribuídos pela área re- sidencial do canteiro. Segundo relatam antigos operários, na área mais próxima à baía encontravam-se as moradias das famílias dos encarregados, sendo estas as maiores residências, com três ou qua- tro quartos, sala, cozinha, banheiro, varanda e garagem. Mais ao cen- tro do terreno, distribuídas em pequenas quadras regulares, encon- travam-se as residências para as famílias dos operários, com dois quartos, sala, cozinha, banheiro e uma pequena varanda, sendo as localizadas nas esquinas de tamanho um pouco maior. Mais à frente, encontravam-se as residências coletivas destinadas aos operários solteiros e, próximas à guarita de acesso ao canteiro, as residências individuais, menores e mais simples. Para os engenheiros e técnicos que necessitavam residir com suas famílias em local próximo à obra, foi instalada uma vila residencial, com dependências para lazer, em área da antiga Ilha do Bom Jesus, vinculada ao canteiro principal. Os tipos e locais de moradia variavam, portanto, conforme os cargos e a situação social dos seus ocupantes, o que não ocorria, contudo, em relação aos estabelecimentos existentes para uso comum, como a escola e o mercado. Uma guarita localizada na entrada do canteiro garantia o controle e a segurança dos equipamentos e dos moradores dessa “pequena cidade operária”, constituída dentro de outra cidade (a universitária), sem ter nenhuma relação formal com esta, senão o fato de ocuparem a mesma ilha e serem ambas resultado de ambicio- sos projetos nacionais. 2ª prova2ª –Jesus –26 fev 2014 do pelaUFRJfoi,todavia, frutodatentativadeseresolver, deforma estrutura necessária,oprocesso deocupaçãodessaárea comanda- deanálisedademandaeinfra- institucional, concebidoa partir dessa vez voltado aos seus funcionários. Mais do que um projeto dades funcionando,decidiu criaraliumnovocomplexoresidencial, sidade, queporsuavezjátinhanessemomento várias desuasuni- sendo cedidas,juntoàdevoluçãodoterreno, para aUFRJ.Auniver pados, asdemaisinstalaçõesconstruídaspelaECEX nolocalforam universidade pelousodaárea (ECEX...,1978). dos alojamentos,sobaameaçadetercomeçar a pagaraluguelà seus ex-operários,atémarço daqueleano,adesocupaçãodefinitiva mudado paraumprédio nobairro doRioComprido,demandariaaos padas pelos ex-operários daempresa. AECEX,cujasede já haviase de 1978,das180residências, 60aindaestavamnessemomentoocu- ter paraondeir. do Brasil defevereiro SegundomatériadoJornal ex-operários resistia emdesocuparosalojamentos,alegandonão dificuldade residia nofatodequeumaparcela significativadosseus pela UFRJparaadesocupaçãototaldoterreno na IlhadoFundão.A dos. AECEXteria,porém, descumpridodiversasvezesoprazodado CCR Ponte). administrada pelainiciativaprivada,oConsórcio PonteS.A.(atual e aregião metropolitana doRiodeJaneiro, passandoem1995aser viasde ligaçãoentretornou-se umadasmaisimportantes acapital daRodovia Translitorânea,maior pontedomundoe,comoparte Guanabara. Noanoemquefoiconcluída,eraconsideradaasegunda com aextensãototalde13,29km,dosquais8,83kmsobre aBaíada como ficouconhecida,foiinauguradanodia4demarço de1974, cutar tarefas especiais.Apósexatos39meses,aPonteRio-Niterói, além dasempresas brasileiraseestrangeirascontratadasparaexe- dinadas asfirmasencarregadas doprojeto econstruçãodaponte, da PontePresidente CostaeSilvaS.A(ECEX),àqualficariamsubor presa pública,designando-aEmpresa deConstruçãoeExploração Em abrilde1971,determinouatransformaçãodoconsórcio em- os equipamentosemateriaisempregados nostrabalhosdaponte. rou comosendodeutilidadepúblicaasaçõesdoCCRN,bem DNER, ogovernofederal,visandoagilizaraconclusãodaobra,decla- Enquanto algunsalojamentosaindaestavamsendo desocu- Com otérminodaobra,oscanteiros passaramaserdesativa- Pouco mais de dois anos depois do contrato firmado pelo 2ª prova2ª –Jesus –26 fev 2014 - - 89 Letícia de Luna Freire 2ª prova – Jesus – 26 fev 2014 2ª prova – Jesus – 26 fev 2014

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emergencial, um problema que não havia sido previsto na concepção do projeto da Cidade Universitária, utilizando os antigos alojamen- tos da ECEX para concentrar todos os seus funcionários que ainda residiam em casas dispersas pelo novo campus.3 Esse era o caso, por exemplo, dos funcionários do ETU que ainda residiam nos alojamen- tos funcionais construídos próximos a uma das guaritas de acesso ao campus, mas também dos habitantes das antigas ilhas que passa- ram a trabalhar como operários nas obras de construção da Cidade Universitária e foram posteriormente incorporados ao seu corpo téc- nico e administrativo. Da Ilha da Sapucaia à Vila Residencial da UFRJ Vila Residencial à Da Ilha da Sapucaia O surgimento da Vila Residencial da UFRJ

De modo geral, pode-se dizer que o novo processo de ocupa- ção dessa área ocorreu em três momentos, ainda que a distinção en- tre eles se dê mais em termos analíticos do que de um planejamento propriamente dito por parte da prefeitura da UFRJ. Nesse sentido, é importante ressaltar que a descrição que aqui efetuo sobre os que chegaram antes e os que chegaram depois no local não se refere tanto a uma sequência temporal, mas a uma representação coletiva acer- ca de categorias distintas de moradores que passaram a ocupar a localidade, justificando, com isso, muitas das características que ela possui atualmente.

Os primeiros moradores

Esse primeiro momento ocorreu por volta de 1975, quando a prefeitura da UFRJ propôs que cada família “da guarita”, como era chamada a pequena vila de funcionários do ETU, e das áreas contí- guas escolhesse uma das residências de madeira construídas pela ECEX na área do antigo vazadouro. A justificativa para a ação era a de que aquelas residências onde viviam seriam demolidas, já que o local seria destinado a outros fins, entre os quais a construção da via expressa RJ-071, conhecida atualmente como Linha Vermelha, ligan- do o Rio de Janeiro à Baixada Fluminense.4 Ainda que a contragosto, famílias como a do mestre de obras Oswaldo da Fonseca Almeida e a do chefe de portaria José Ramos da Silva foram assim transferidas para os antigos alojamentos da ECEX, enquanto outras preferiram, na ocasião, mudar-se para outras regiões da cidade. 2ª prova2ª –Jesus –26 fev 2014 criava nailha.Ressaltando asboaslembrançasdesseperíododesua com osdiversosanimais, entre galinhaseumcavalo,que suamãe terior emParaíbadoSul,destacando aconvivência,quandocriança, “uma fazendaurbana”,oestilo devidalocaloremetia àsua vidaan- Tristão edomotoristaÍrisFirmino daCosta.DescritoporZecacomo daRocha também paraessailhaasfamíliasdofiscaldeguarda Ary dafamíliadeOswaldo,foramtransferidas e suaesposaMíria. Além para acasaondeantesresidia ochefedegaragemRenatoCambiaso Cabras. Aceitando a proposta, Oswaldo transferiu-se com sua família Gustavo Treitler, para a Ilha das convidaram-no para mudar-se tor doETU,HélioFerreira Pereira, eoengenheiro residente, Helmuth sentimento doETU. ampliando oespaçocomaconstruçãode“puxadinhos”, comocon- po, conformeosfilhosdeOswaldoforamsecasando,afamíliafoi de alcoolismoeagressões físicaseramfrequentes. Aolongodotem- coletivos nosquaisviviamosoperáriosnordestinos, ondeoscasos carregados daobranãoeram,porém, osmesmosdos“barracões” que pareciam reinar naresidência dasuafamíliaedosdemaisen- tos, sala,varanda,cozinhaebanheiro. eatranquilidade Oconforto era, segundoaslembrançasdeZeca,“umamansão”,comtrês quar Julinha, eostrês filhos,aindacrianças,Norimar, RuieZeca. seguida para morar consigo no canteiro de obras sua esposa, dona JoséRamos daSilva,trazendoem José Paulinoeochefedeportaria para tambémtrabalharem nauniversidade,comoochefedaguarda era amigo,trouxe algunsdeseuscompanheiros deParaíbadoSul meu pai”.Comorespaldo do engenheiro doDASP, dequemOswaldo “era odoutorLineuquemmandavaedesmandava.Abaixodele,era Cidade Universitária.Comodestaca Zeca, narelação entre osdois, sivamente paratrabalharcomomestre deobrasnaconstruçãoda DASP, mudou-se,nofinaldosanos1940,paraoRiodeJaneiro exclu- Casa Popular. Aconvite do engenheiro Lineu Câmara Leal, do antigo tal, onde trabalhava numa fazenda como funcionário da Fundação da vivia com a família no município de Paraíba do Sul, a 148km da capi- chegar àCidadeUniversitária,seupai,queeradeorigemitaliana, das famíliastransferidasquehabitavamaIlhadoFundão.Antesde Almeida, o“Zeca”,havia,noentanto,uma“hierarquia” nasequência Quando seupaicompletou“15anosdeuniversidade”, odire- A residência construídapeloETUondemoravacomafamília Como relata ofilhodoprimeiro, OswaldoJosédaFonseca 2ª prova2ª –Jesus –26 fev 2014 5 - 91 Letícia de Luna Freire 2ª prova – Jesus – 26 fev 2014 2ª prova – Jesus – 26 fev 2014

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vida, Zeca relata: “Lá que eu fiz meu pé de meia, lá que eu plantei a minha árvore. Era um paraíso, você não imagina…”. Em 1975 sua família foi novamente transferida, dessa vez para a área do antigo canteiro da ECEX. Antes da transferência, os filhos de Oswaldo já se haviam mudado com suas respectivas esposas para outros bairros da cidade por motivos pessoais e profissionais. Segundo Zeca, os primeiros a serem transferidos para a área do anti- go canteiro foram os funcionários que ocupavam cargos de maior sta- tus na universidade, como seu pai, que tiveram assim o privilégio de escolher as casas que mais lhes agradassem. A mudança “do paraíso

Da Ilha da Sapucaia à Vila Residencial da UFRJ Vila Residencial à Da Ilha da Sapucaia para os barracões” foi acompanhada da promessa verbal do prefeito de que a UFRJ se responsabilizaria por toda a infraestrutura necessá- ria (água, esgoto, energia elétrica, pavimentação etc.) para garantir a qualidade de vida dos seus funcionários no local. Embora a nova re- sidência fosse descrita por Zeca como “muito bonita”, sua narrativa denuncia o desapontamento de sua família ao constatar que “o que eles ofereceram, não cumpriram”. E foi sem ver essa promessa cum- prida que seus pais faleceram nessa residência: Oswaldo em 1987, aos 60 anos, e dona Julinha em 2009, aos 92 anos. Assim como Oswaldo, seus filhos ingressaram no quadro fun- cional da UFRJ. Apaixonado por esporte, Zeca, que se aposentou como técnico administrativo, dirige-se semanalmente ao campus da Ilha do Fundão, onde não perde nenhuma das partidas de futebol rea- lizadas toda quarta-feira no campo da prefeitura – situado exatamente onde morou – sendo inclusive membro da comissão organizadora do campeonato interno dos funcionários da UFRJ, existente desde 1964. Sobre a importância do local em que, além de praticar esporte, encon- tra seus velhos amigos da universidade, Zeca enuncia: “eu estou aqui porque tenho amor a isso aqui. Aqui eu aprendi a ser homem”. Com a mesma expectativa da família de Oswaldo, a família de José Ramos da Silva também foi transferida pela prefeitura da UFRJ para a área do antigo canteiro. Conforme nos conta sua ex-esposa, Alvelina de Paula Rosa, o casal chegou na Cidade Universitária na década de 1960, trazendo de Paraíba do Sul também suas três filhas, com idades entre seis meses e oito anos, além de outra filha, de nove anos, do primeiro casamento de Alvelina. Além das filhas, “trouxe apenas uma trouxa de roupa e uma trouxa de panelas”, ela nos conta. Vivendo na vila do ETU, o casal teve, ao longo dos anos, mais nove filhos. Para ajudar nas despesas da família, dona Alvelina lavava 2ª prova2ª –Jesus –26 fev 2014 Pereira daSilva,maisconhecidocomo“Tuniquinho”. Nascidoem Universitária. tes dasilhasqueforamaterradas duranteaconstruçãodaCidade haviam fixadonolocalcom suas respectivas famíliase ex-habitan- essa área, comoalgunsoperáriosdos“barracões”doETUBquejáse além dasdeOswaldoeAlvelina,passaramasemudar tambémpara local, peloqualtemmuitoapreço porser“sossegadoetranquilo”. então, donaAlvelina,hojecom86anos,moraexatamente nomesmo muitos deseusfilhos.Em1988,JoséRamosfaleceu, aos 67anos.Desde xiliar delimpezanaUFRJ,ondedepoistambémfoiconseguindo inserir entre acasaeotrabalho“acoisamaisdifícildomundo”. eficientetornavaaviagem da cidade,ainexistênciadetransporte ele, que começou a trabalhar aos 13 anos como mentos aindavazios,tinhaoaspectodeuma“cidadefantasma”.Para Para ofilhoMarco Antônio,olocal,commuitosdosantigosaloja- sua frente, porelaatéhoje. umaexuberantemangueira,preservada contou naescolhadaresidência ofatodeseremesquinaeter, em depredado, mas grande, com quatro Além do tamanho, quartos”. para vivercom seus outros 11filhos: “umbarracode madeirameio escolheu umadasresidências nosfundosdoantigocanteiro daECEX lias na favela de Nova Holanda e na Ilha do Governador, dona Alvelina Rosa eSebastianajácasadasmorandocomsuasrespectivas famí- Vermelha iriapassaraliequeagentetinhasair”.Comsuasfilhas do antigovazadouro. SegundodonaAlvelina,“disseramqueaLinha transferida, por volta de 1975, pela prefeitura da UFRJ, para a área passou acriarsozinhaosfilhosnaCidadeUniversitária,atéser para NovaIguaçu,ondetinhauma“outrafamília”,edonaAlvelina rões vinhamparaabeiradapraiaegentepegavacomasmãos...”. gente pescavanoCanaldoCunha...Quandoaluamudava,oscama- seu filhoMarco Antônio a rememora: “ascasaserammaravilhosas, estudantes daUFRJ.Sobre ainfânciavividanaCidadeUniversitária, da IlhadoBomJesus,operáriosECEX,professores, funcionáriose existentes nofuturo militar campus–queatendiasoldadosdoquartel tinhas” napensãoimprovisada emsuacasa–amaiordaspensões roupas “quen- paraosengenheiros eoperáriosdauniversidadeservia Entre os operáriosdoETUB,podemoscitarocasodeAntônio Entre osanosde1975e1978,outrasfamíliasfuncionários, Na década de 1980, dona Alvelina começou a trabalhar como au- Quando o casalseseparou, em 1968, José Ramos mudou-se 2ª prova2ª –Jesus –26 fev 2014 no Centro office-boy 93 Letícia de Luna Freire 2ª prova – Jesus – 26 fev 2014 2ª prova – Jesus – 26 fev 2014

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Campina Grande, Tuniquinho começou a trabalhar, ainda criança, na agricultura até migrar, aos 14 anos, com mais dois amigos para o Rio de Janeiro, que naquele momento “precisava de muita mão de obra”. Ao chegar na capital em agosto de 1954, ficou hospedado no apartamento onde viviam sua tia e o marido dela, que era porteiro de um prédio no bairro da Lagoa. Como o espaço da residência era pequeno, um colega, também paraibano, lhe “arrumou um lugar” em um dos barracões dos operários das obras da Cidade Universitária. Compartilhando com os operários um dos quartos coletivos, Tuniquinho começou a fazer informalmente pequenos serviços para

Da Ilha da Sapucaia à Vila Residencial da UFRJ Vila Residencial à Da Ilha da Sapucaia o ETUB, transformando-se em um tipo de boy que “fazia tudo que precisasse”. Com o apoio dos operários e técnicos, o adolescente foi sendo assim incorporado ao cotidiano do canteiro de obras. José Ramos e dona Alvelina foram alguns dos que o acolheram e dos quais Tuniquinho guarda boas lembranças. A “inveja” que sentia ao ver os operários lendo jornais em suas horas de folga despertou seu interes- se pela escola, onde então se alfabetizou e concluiu o ensino médio. Aos 15 anos, passou a trabalhar para o ETUB como servente, cargo que passou a exercer por vários anos seguidos. Como o salário era baixo, passou a trabalhar paralelamente como servente em uma sala de cinema na Praça Mahatma Gandhi, onde aproveitava para assistir aos filmes e conhecer melhor o Centro da cidade. Quando foi alocado para trabalhar como auxiliar da equipe de topógrafos do ETUB, teve seu momento de “mordomia”, despertando ainda seu interesse em fazer o curso de topografia na Faculdade de Engenharia. Com as mudanças políticas e administrativas ocorridas nos anos 1960,6 os operários, preocupados com a sua situação trabalhis- ta, enviaram um representante à nova capital para descobrir “o que era exatamente o ETU”. Ao constatar que eram funcionários públicos federais, houve, segundo Tuniquinho, “uma transformação” entre os operários, visto que, na sua percepção, “ninguém mais podia ser de- mitido”. Com a situação funcional mais estável, Tuniquinho casou-se, em 1970, com Glória, uma jovem que conheceu em um jogo da Copa do Mundo no estádio do Maracanã. Para constituir sua família, ob- teve do “doutor Helmuth” uma residência na vila do ETU, onde teve então seu primeiro filho, Flávio. Após tantos anos de convivência, mesmo sendo transferido para outros setores da universidade, Tuniquinho nunca deixou de manter amizade com os engenheiros Helmuth Gustavo Treitler e Hélio 2ª prova2ª –Jesus –26 fev 2014 José, Alberto, Juca,Ventura,José, Alberto, ClotildeeAdelaide.Essa famíliaera,segun e MarianaPerpétuadeMedeiros Escobar, compostapelosfilhos:Flávio, vivia numcasarãodatadode 1887afamíliadeAntonioMarianoEscobar dermos sua autorreferência como “herdeiros do Catalão”. Nessa época, famílias. transferidos foimuitomaisexpressivo, relato aquioscasosdetrês vila, ocasaltevesuaprimeirafilha,Fernanda. ciam aospoucosdapaisagem.Cincoanosdepoisdesuachegadana Rio-Niterói, enquanto osdemaisequipamentosdaECEXdesapare- ro ano na localidade, seus filhos ainda puderam estudar na Escola mudança numa únicafrase:“Vim pracánopeito!”.Duranteoprimei- dência aquetinhamdireito noalojamento.Tuniquinho resume sua mudou-se espontaneamenteparaolocal,deixandotrásaresi- lá. Diferentemente dosdemaisfuncionários,entretanto, suafamília gos alojamentosdaECEXeresolveu irtambémcomsuafamíliapara por umprofessor paratrabalharnaDivisãodeDiplomasdaUFRJ. no localum“climadeguerra”,quesóterminouquandofoiconvidado bém adisputadecomandocomnovaadministradora,instaurando nas asdificuldadesjá recorrentes aolidarcomosestudantes,mastam- a administraçãodoalojamento,elepassouterdeenfrentar, nãoape- Lúcio Gonçalvesnomeousuasecretária paradividircomTuniquinho da Avon aestudantes,professores efuncionários.Quandooprefeito ficiente parasuprirasdespesasfamiliares, ocasalvendiacosméticos casal teveseusegundofilho,Leonardo. Comoosalárioaindaerainsu- difícil desuacarreira. Naresidência dafamília,anexaaoalojamento,o trador doalojamentoestudantil,sendoeste,paraele,operíodomais auxiliar detopografia, Tuniquinho trabalhou,naUFRJ,como adminis- e relacionadas àsuavidalaborativanauniversidade.Alémdeservente gos moradores dessaslembrançasestão dalocalidade,grandeparte se reúne para“lembrarosvelhostempos”.Comomuitosdessesanti- Ferreira Pereira (antigo diretor do ETU), com os quais eventualmente do orelato dosseusdescendentes,“adonadailha”.Comofalecimento Residencial, épreciso remontar aofinaldoséculoXIXparacompreen história dessafamíliaporseusdescendenteshoje presentes naVila mais habitadasdoextintoarquipélago. Daformacomoénarradaa Arnóbio LopesVianna, ambosoriundosdaIlhado Catalão, umadas O primeiro caso refere-se à família dos irmãos Rubem e Manuel Em relação aosantigosilhéus,cujonúmero defuncionários Em 1978,Tuniquinho soubequeestavam“invadindo”osanti- 2ª prova2ª –Jesus –26 fev 2014 - - 95 Letícia de Luna Freire 2ª prova – Jesus – 26 fev 2014 2ª prova – Jesus – 26 fev 2014

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do pai, apenas Flávio, Ventura, Clotilde e Adelaide permaneceram vi- vendo na ilha com a mãe. Alguns anos mais tarde, Clotilde e Adelaide casaram-se, mas apenas Adelaide chegou a ter filhos. Em 1922, faleceu também na ilha dona Mariana e, dez anos depois, seu filho Flávio. Clotilde era prima de Arminda Rita de Jesus, mãe de Lydia Pereira Vianna. Ao se casar com o barbeiro Manoel Lopes Vianna, Lydia teve, na década de 1930, quatro filhos: Lindomar, Rubem, Adalgiza e Manoel Arnóbio. Com exceção da filha mais velha, que foi, desde pequena, cria- da pela tia materna, todos os demais também passaram a viver gran- de parte de suas vidas na Ilha do Catalão, na companhia de Clotilde,

Da Ilha da Sapucaia à Vila Residencial da UFRJ Vila Residencial à Da Ilha da Sapucaia Ventura e Adelaide, cuja filha Nadir passou a ser afilhada de Lydia. Sem energia elétrica ou qualquer infraestrutura urbana, os mo- radores tinham um estilo de vida simples, sobrevivendo basicamente da pesca e de pequenas plantações. A condição de insularidade do local não constituía, porém, um isolamento das atividades sociais e econômicas da região, visto que frequentavam tanto as demais ilhas do arquipélago, como a Ilha do Bom Jesus, onde realizavam os batiza- dos e cerimônias de primeira comunhão dos filhos na centenária igre- ja católica, quanto os bairros próximos situados no continente, como Olaria e Engenho da Pedra, para onde os moradores se dirigiam de barco para buscar água potável, comprar pão fresco e mantimentos básicos como arroz e feijão. Para garantir a renda familiar, diversos tipos de peixes e frutas abundantes na ilha eram vendidos na Praia de Ramos. A catação de objetos valiosos no vazadouro de lixo da Ilha da Sapucaia também constituía uma fonte de renda complementar. Muitos anéis e cordões de ouro foram por eles encontrados, inclusive “moedas do tempo da Princesa Isabel”, entre os detritos trazidos do antigo bairro imperial de São Cristóvão, descreve seu Arnóbio, que costumava ainda guardar os objetos que despertavam sua curiosida- de, como um vidro translúcido de medicamento e um pote de cerâmi- ca para caneta tinteiro com o qual acabou depois me presenteando. Nos anos 1940, quando a ilha foi arrendada a Luiz Felipe de Souza Sampaio, conhecido como “doutor Sampaio”, que na parte sul construiu um balneário, Rubem, Adalgiza e Arnóbio mudaram- -se, ainda crianças, para uma casa em Olaria, onde passaram a viver com a mãe e os “tios” Clotilde e Ventura. Lydia, que já tinha ficado viúva, teve um rápido relacionamento com outro homem, com quem teve uma terceira filha, Marlene. Dadas as dificuldades financeiras da família, a menina foi adotada, ainda bebê, por uma amiga da mãe, 2ª prova2ª –Jesus –26 fev 2014 frutas nailha,ondeacabousendoacolhidoporVentura. família Escobar, migrou dePetrópolis paratrabalharnacolheitadas cultor Antônio Medeiros de Lima, que, por intermédio de colegas da de Adalgiza,quemeraprimoou,ainda,ocasodafamíliadoagri- deseuparentescoque foimorarnailhaapartir comAlfredo, marido Milton FranciscodeMendonça,conhecidopeloapelido“Carioca”, los parentes oupelospróprios herdeiros, comoéocasodafamíliade outras poucasfamíliasqueseforaminstalandonolocal,trazidaspe- de donaSinhá,AdelaideeVentura, osmembros dafamíliaVianna e construção daCidadeUniversitária,viviamnaIlhadoCatalão,além quem carinhosamentechamavamde“donaSinhá”. seusfilhosficaramvivendosoboscuidadosdeClotilde,a de Lydia, Arnóbio juntaram-se aos demais parentes na ilha. Com o falecimento e dosegundomarido,Lydia do CatalãocomClotilde.Aoseparar-se Segunda Guerra,em1945,RubemeAdalgizaretornaram paraaIlha rural emCabuçu,ondetevemaisumfilho,Baltazar. Comofimda Ferreira, mudando-seapenascomArnóbioparaumapropriedade casou-secomoagricultorManoelRodrigues Dois anosdepois,Lydia o queacabouporafastá-ladoconvíviocomosirmãosbiológicos. Fonte: Arquivo pessoaldafamília Vianna,1953. nailha do Catalão. BaltazareManuel Arnóbio, Adalgiza, abraçandoseufilhoSérgio), Adalgiza (comosobrinhoWagner no colo),Vera (netadeOlga),Alfredo(esposo deAlfredo), paraadireita:Sidney(netodeOlga),donaOlga(irmã Figura 7-Daesquerda Em 1950, quando as ilhas começavam a ser aterradas para a 2ª prova2ª –Jesus –26 fev 2014 97 Letícia de Luna Freire 2ª prova – Jesus – 26 fev 2014 2ª prova – Jesus – 26 fev 2014

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De acordo com o relato de Arnóbio, a mudança da geografia da região começou a ser por eles sentida com a ligação entre a Ilha do Catalão e a Ilha das Cabras, quando passaram a ter de desviar o percurso que faziam de barco até a Praia de Ramos, aumentando o tempo do trajeto em busca de água potável, até torná-lo finalmente dispensável, visto que, nessa época, todos os ilhéus foram beneficia- dos com a instalação de rede de água e energia elétrica pela então Universidade do Brasil. Ao mesmo tempo em que as outras ilhas iam sendo aterra- das, a União movia a ação de desapropriação dos terrenos alodiais

Da Ilha da Sapucaia à Vila Residencial da UFRJ Vila Residencial à Da Ilha da Sapucaia das ilhas do Baiacu, Cabras e Catalão, para complementação da área necessária à construção da Cidade Universitária.7 Conforme as obras de aterro avançavam, mais frequentada passava a ser a ilha, atraindo novos moradores e visitantes e mudando completamente o cotidiano dos antigos habitantes. Para alguns, que sofriam as con- sequências da grande circulação de estranhos, morar ali deixava de ser um privilégio para se tornar um tormento. O impacto das obras na região não se dava, assim, apenas em relação à urbanização e à reapropriação do seu espaço, mas à mudança no próprio estilo de vida dos antigos ilhéus, que de pescadores e pequenos agricultores se transformaram, ainda muito jovens, em operários da construção civil. Como muitos dos antigos ilhéus, os irmãos Rubem e Arnóbio, foram incorporados, aos 20 e 14 anos respectivamente, pelo ETUB para trabalhar nas obras de aterro e construção dos primeiros pré- dios da universidade. Algumas das famílias que migraram a partir de então para a ilha viram com positividade a grande circulação de pessoas promovi- da pelas obras da Cidade Universitária, como o técnico em enferma- gem José Galvão de Barros, que, em 1962, havia deixado Nova Iguaçu para morar na Ilha do Catalão, ocupando a casa que foi de Nadir, filha de Adelaide e Delclécio, de quem era amigo, para ficar mais próximo do posto de saúde do ETUB, onde trabalhava. Próximo à sua casa na ilha, atrás de um antigo muro de pedra – vestígios, segundo os mora- dores, de uma antiga senzala – José ergueu um animado bar, que pas- sou a ser frequentado por funcionários e estudantes da universidade e até mesmo por jogadores da seleção brasileira de futebol da Copa de 1970, conforme relembra sua filha Sandra quatro décadas depois. Nessa ilha em vias de desaparecer, Adalgiza, Rubem, Arnóbio e Baltazar cresceram e constituíram suas próprias famílias, em alguns 2ª prova2ª –Jesus –26 fev 2014 do Catalão,comoafamíliaGalvãodeBarros eafamíliaMendonça. membros dafamíliaVianna comoutros defamíliasresidentes naIlha mas dasfamíliasEscobareVianna, assimcomooscasamentosentre logia realizada duranteapesquisailustrou aindao vínculoentre pri- brinha deLurdes, tendo semudado em seguidaparaOlaria.Agenea- so- Madalena, a filha mais velhade Luíza e JoséGalvão e, portanto, eRosane).JáBaltazar secasoucomMaria filhos (Rogério,Roberto Ao casar, Lurdes foimorarnailhacomArnóbio,ondetiveram três via emSãoPauloeoconheceuduranteumavisitaàfamílianailha. a irmã de Luísa (esposa de José Galvão de Barros), Lurdes, que vi- na ilha e teve dois filhos (Wagner e Wânia), Arnóbio casou-se com da emOlariaporumaprimafamília,comquempassouaviver Enquanto Rubem se casou com Conceição Jacinta, uma jovem cria- tumam dizerque,“naIlhadoCatalãoeratudoumaúnicafamília”. -nos compreender porqueosdescendentesdafamíliaVianna cos- algumas famílias pode ser verificado pelos casamentos, permitindo- se estabelecendonolocal.Ointensoconvíviosocialexistenteentre casos com membros de outros núcleos familiares que também foram ocorreu comafamíliadosenhorGalvão. Entre osex-moradores da ram poucodepoisdesua transferência paraosalojamentos, como feriram migrarparaoutras regiões dacidade,eoutrasassim ofize- Sapucaia, sendo suasresidências anteriores demolidas. Outras pre- universidade, aceitouser transferidaparaaárea daantigaIlha A maioriadelas,porjátermuitosdeseusmembros trabalhandona pela ECEX.Aotodo,jámoravamnailhanessemomento 14famílias. comunicadas desuatransferência paraosalojamentosconstruídos pela Uniãonoiníciodosanos1950,apenasem1978 asfamíliasforam quenos muros oucercas demadeira. moradores viviaemcasasdealvenariaterrenos divididosporpe- dinhos” realizados noantigocasarãocolonial,amaioriadosoutros dedivisõesinternase“puxa- casas dealvenariaconstruídasapartir núcleos familiares vinculadosàfamíliadedonaSinhá,queviviamem sobrinhadedonaSinhá. Comexceçãodos de Adelaidee,portanto, também eraligadoàfamíliaEscobar, sendocunhadodeLíbia,filha Lúcio Gonçalves,emboranuncatenharesidido naIlhadoCatalão, da Sapucaia.Curiosamente,opróprio prefeito daUFRJàépoca,Cel. tas deAdelaidecomumdosfilhosdafamíliaSilva,oriundaIlha Numa outrageração,identifiqueiaindaocasamentodaumadasne- Apesar daaçãodedesapropriação dailhatersido movida 2ª prova2ª –Jesus –26 fev 2014 8

99 Letícia de Luna Freire 2ª prova – Jesus – 26 fev 2014 2ª prova – Jesus – 26 fev 2014

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Ilha do Catalão, que se estabeleceram na área do antigo canteiro da ECEX, Rubem e Conceição foram uns dos primeiros, em abril de 1978, a escolher a sua residência, na esquina das ruas 2 e 9. Dada a proximidade com a antiga Ilha do Bom Jesus, seus filhos, Wagner e Wânia, continuaram estudando na Escola Tenente Antônio João. Já Arnóbio e Lurdes, que escolheram uma casa na antiga Rua 10, trans- feriram seus filhos para a Escola Rio-Niterói, que ainda funcionava no local. Assim como o casal, dois de seus filhos permanecem até hoje na localidade, tendo ali constituído suas respectivas famílias. Apesar de terem fincado raízes na Vila Residencial, a trans-

Da Ilha da Sapucaia à Vila Residencial da UFRJ Vila Residencial à Da Ilha da Sapucaia ferência da Ilha do Catalão para os antigos alojamentos da ECEX é geralmente descrita pelos mais velhos com nostalgia, sobretudo ao constatarem que trocaram um “paraíso” por “nada”, pois, como diz Rubem, desde que chegaram nos alojamentos já havia o boato de que seriam novamente removidos dali. Uma exceção a esse res- peito é o discurso de Lurdes, para quem a saída da ilha foi sentida como um alívio. Para essa pernambucana criada em São Paulo, a vida na Ilha do Catalão era de “muito sacrifício”: “Eu gostava para criar as crianças. Lá elas foram felizes. Pra mim, eu não gostava. Hoje gosto daqui”. Já para Wânia, que nasceu na ilha e chegou na Vila Residencial aos 11 anos de idade, a mudança para os antigos alojamentos evocava um sentimento misto de familiaridade e novi- dade, de perdas e ganhos:

Eu já conhecia a vila, pois era e ainda é o trajeto do ônibus antes de passar na Escola Tenente Antônio João. Como vieram meus parentes e amiguinhos que moravam também na ilha, e ainda os conhecidos que moravam na ETUB, na portaria, en- tão virou festa, pois era bem reduzido o número de crianças da minha faixa etária no Catalão, e eu já conhecia alguns, pois eles também estudavam na Tenente, então não foi tão trauma- tizante a vinda para cá, e quase todos os finais de semana ía- mos para a praia do Catalão, então não deu para sentir tanta falta. Nessa época que estávamos entrando na adolescência, aqui foi bem melhor, pois passamos a ter ônibus na porta e no Catalão tinha que andar um bom pedaço, praticamente até o alojamento, onde continua sendo o ponto final do ônibus da universidade, e nessa época já tava tendo algumas ocorrências desagradáveis na ilha, pois já tava vindo algumas pessoas que 2ª prova2ª –Jesus –26 fev 2014 quase dezcômodos”–onde passouaresidir comsuafamília, sendo então anovamoradia–“um barracobonito,detábuacorrida,com alojamentos daECEX.Como amaioriadeles,donaReginaescolheu da UFRJ ordenou a transferência dos moradores para os antigos Antônio José,Pedro PauloeCarlosHenrique. diam outrasfamíliasdefuncionários,ocasalcriou seustrês filhos: chamadapormuitosde“prainha”.Nesselocal,ondejáresiquartel - deira, mastodoforradopordentro” –àbeira-marna área próxima ao da prefeitura sua primeira moradia no lhava comolanterneiro daUFRJ,obtiveram nosetordetransportes num dosbailesrealizados naantigasededoETUB.Comoeletraba- casou-se, aos17anos,comNatalício,umrapazque haviaconhecido tuíram suas respectivas famílias. Após o falecimento do pai, Regina Ilha do Bom Jesus para outras regiões da cidade, nas quais consti- e oCaju.Conformeosirmãosforamsecasando,migrandoda entreacidente comalanchaquefaziaotransporte aIlhadaSapucaia tinham seisfilhos,tendoacaçulafalecidoaindaaos15anos,emum ria Igreja doBomJesusdaColuna.Antesdeelanascer, seuspaisjá 1943, sendo,comoamaioriadosantigosilhéus,batizadanacentená- com umterceiro sargento, emdezembro Reginanasceunoquartel de Avelino, oriundadaIlhadoBomJesus.Filhacaçuladeumaparteira Depois decerca de15anos residindo nolocal,aprefeitura O segundocasoéodafamíliadeReginaMariaOliveira para transitar. (Informaçãoverbal) lama, emboraaquiaindanãosejaasfaltado,mastemcalçada tinha criança, andava um bom pedaço e se chovesse era pura trava naIlhadoCatalãoenãotínhamoscomércio. Paraquem vida demuitosnaépocaerabemmaisdifícil.Oônibusnãoen- festas juninas. Acho queparaamaioriafoibemmelhor, poisa vôlei eosmeninosfutebol,ensaiávamosquadrilhaparaas umaquadradeconcreto, ondejogávamos é apraçaatual, era dras britadas,tínhamosduasquadrasdelazer, umadelasonde problemas compe- deáguanemesgoto,asruaseramcobertas brincar, claro escondido dos nossos pais [risos], não tínhamos algumascasasvazias,queagenteentravanelaspara tinha cola, parquinho, uma linhadeônibusqueentravaaquinaVila, estava ficandoconhecido.Encontramos aquimercadinho, es- o Catalão já moravam em torno da Ilha do Fundão, ou seja, 2ª prova2ª –Jesus –26 fev 2014 campus – “um barraco de ma- 101 Letícia de Luna Freire 2ª prova – Jesus – 26 fev 2014 2ª prova – Jesus – 26 fev 2014

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“a primeira a chegar” na antiga rua 13 da Vila Residencial. Quase na mesma época, dona Regina começou a trabalhar na UFRJ, le- vada por um sobrinho que já era funcionário. Ao longo do tempo, dona Regina divorciou-se e seus filhos casaram-se. Enquanto Carlos Henrique e Pedro Paulo residem na Vila Residencial (um na mesma residência da mãe e o outro na casa ao lado, resultante da divisão do antigo alojamento da ECEX), Toninho, o filho mais velho, é o único que mora na Ilha do Governador, ainda que se dirija diaria- mente para a Ilha do Fundão para trabalhar na Divisão de Saúde do Trabalhador da UFRJ.

Da Ilha da Sapucaia à Vila Residencial da UFRJ Vila Residencial à Da Ilha da Sapucaia O terceiro caso é o da família de Ary da Rocha Tristão, oriun- da da Ilha da Sapucaia. Assim como seus irmãos Valter, Diva e Juraci, Ary nasceu na ilha em agosto de 1928, filho do funcionário do Departamento de Limpeza Urbana, Francisco da Rocha Tristão, e da dona de casa Aracy da Silva Rocha. Neto de português, Ary conta que pelo fato de a ilha ter sido ocupada por muitos portu- gueses e seus descendentes, ela era vulgarmente conhecida como “Portugal Pequeno”. Sobre a vida local, descreve que as residências eram construídas pelos próprios moradores com madeira e telha canal, exceto a de sua família, “única de pau a pique”, sendo abas- tecidas de água por meio de duas “torneiras comunitárias”. Além disso, os ilhéus usufruíam na ilha de dois campos de futebol, uma escola, uma vacaria e pequenos bares, sendo destacadas por ele as diversas técnicas de pesca, “de linha e de vara”, que praticava com os amigos, e as músicas regionais que gostava de ouvir e tocar no cavaquinho. Ainda na Ilha da Sapucaia, Ary começou a trabalhar como auxi- liar de marmorista numa loja no Caju, bairro próximo muito frequen- tado pelos antigos ilhéus para diversas atividades, como compras, atendimentos de saúde, enterros, lazer etc. Com o início das obras de aterro da Cidade Universitária, começou a trabalhar, aos 23 anos, como operador de máquina, função que exerceu por vários anos, até tornar-se vigilante da UFRJ. Em 1951, seu pai faleceu, aos 48 anos. Quando as obras de aterro avançaram, houve o processo de desapro- priação da ilha, levando sua família, assim como as demais, a “seguir o seu destino”. 2ª prova2ª –Jesus –26 fev 2014 infraestrutura local.Emuma únicafrase,porém, revela igualmenteo no fundo,positivas,umavez quehaviaapromessa desemelhorara tar atransferência, acreditavam queasintenções daprefeitura eram, retificação, parece dizer que,apesar denãoterem tido meiosdeevi- tando logoemseguida,“obrigados nobomsentido,né?”.Comesta ocorrido em1975,relata: “fomosobrigadosavirpracá”,acrescen- a área daantigaIlhaSapucaia.Sobre esseúltimodeslocamento, vocação, soubequeretornaria, comsuamãeeairmãJuraci,para tar doassunto “moradia”. Apenas quandoatendeuasegundacon- beu umaconvocaçãoparacomparecer àprefeitura daUFRJparatra- la naformacarinhosacomqueZecasereferia ao“tioAry”. bém se percebessem como sendo “uma única família”, o que se reve- que residiam naIlhadasCabrasfaziacomqueseusmembros tam- entre oshabitantes,aintensaconvivênciaentre aspoucasfamílias 14 anosnolocal.Aindaquenãoexistissemrelações consanguíneas famílias domestre deobrasOswaldoeadomotoristaWillis, ficando para suafamílianaantigaIlhadasCabras,ondejáseencontravamas te doengenheiro do ETU,“doutorHelmuth”,obteveumaresidência onde residia umcolega de trabalhoAry. Poucodepois,aconvi- deseusbens,suafamíliamudou-se paraVilaro transporte dosTeles, suas fotografias.Foto:LeticiadeLunaFreire,2009. osvelhostemposatravésde recordando Arquivo pessoaldafamília,s/d.Àdireita,Ary (deboné)naépocaemqueeravigilantedaUFRJ.Foto: Ary Figuras 8ae8b-Àesquerda, Com o término da construção da Ponte Rio-Niterói, Ary receCom otérminodaconstruçãoPonteRio-Niterói,- Ary Com oauxíliodauniversidadesuficiente apenaspara realizar 2ª prova2ª –Jesus –26 fev 2014

103 Letícia de Luna Freire 2ª prova – Jesus – 26 fev 2014 2ª prova – Jesus – 26 fev 2014

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seu desapontamento com o novo espaço de moradia: “isso aqui era tudo barraco velho!”. Ao justificar o fato de não ter casado nem tido filhos, Ary diz que “viveu só para a família”. Sua forte ligação afetiva com os pa- rentes se expressa no carinho com que falava dos sobrinhos e na saudade que sentia de seus irmãos, falecidos nos últimos anos. Ao rememorar tudo o que viveu, lamenta tanto a perda dos parentes quanto a de um estilo de vida comunitária que, para ele, existia nas antigas ilhas: “naquele tempo havia mais amor, mais respeito... hoje isso acabou”. Aos 81 anos, Ary vivia apenas com a sobrinha Sônia, e a

Da Ilha da Sapucaia à Vila Residencial da UFRJ Vila Residencial à Da Ilha da Sapucaia filha dela, Raquel, tendo outros sobrinhos na Vila Residencial. Após o abrupto falecimento da irmã com quem residia, confessa ter perdido o gosto pela pesca, pela música, enfim, pela vida.9

Os irredutíveis

Ainda que não tenha identificado na Vila Residencial outros moradores oriundos da Ilha da Sapucaia além da família do senhor Ary, uma vez que a maioria dos antigos trabalhadores do vazadouro havia sido indenizada durante a construção da Cidade Universitária e migrado para outras áreas da cidade, particularmente para um lo- teamento em Manguinhos,10 uma família merece ser citada por sua resistência a esse deslocamento, permanecendo até hoje como uma “aldeia dos irredutíveis”(MELLO; VOGEL, 2004). Trata-se da família do pescador João Silva e da dona de casa Camila Paula dos Santos Silva, cuja história é contada pelos filhos do casal. A “saga da família Silva”, como o filho caçula, Mário, costuma se referir, começa no mo- mento de desapropriação da Ilha da Sapucaia – “uma ilha de pesca- dores” – onde seus pais viviam com seus seis filhos. Com o início das obras de aterro, as famílias da Ilha da Sapucaia começaram a ser indenizadas para desapropriarem as suas mora- dias. Aquerenciada ao lugar, a família, no entanto, conseguiu nego- ciar junto ao DASP a “troca” da indenização pela autorização de se estabelecer em área próxima, na Ilha do Bom Jesus, à época ainda separada da Ilha da Sapucaia por um estreito canal. Nessa localidade, João construiu uma bela casa de madeira à beira-mar, permitindo a continuidade da subsistência da família com a pesca. Por se tornar um ponto de encontro dos pescadores da região, a localidade ficou, desde então, conhecida como “Praia do Oi”. No alto da fachada da 2ª prova2ª –Jesus –26 fev 2014 Manguinhos. Universitária edoentorno, comoaavenidaBrasileregião de dessematerialnoaterro-se àutilizaçãodegrande parte daCidade onde despejaraterrada construçãodometrô”, ironiza, referindo- projeto institucionaldeocupação.“Queriamapenas terumlugar tra finalidadeàárea, apesardenãolhesapresentarem nenhum Mário, ajustificativaeradequeuniversidade almejava darou- localidade, pormeiodeuma“ordem verbaldedespejo”.Segundo iniciou-se oprocesso dedesapropriação dasfamílias tambémdessa do Galeão.Quandoocoronel tornou-seprefeito daUFRJ,em1977, “sobrinha” doCel.LúcioGonçalves,àépocaprefeito daBaseMilitar necer nainstituiçãoatéseaposentarem. começaram atrabalharnaUFRJ,masapenasdoischegaramperma- Como muitosmoradores daIlhadoCatalão,quatro dosseusirmãos sando alocalidadeserconhecidatambémcomo“PraiadaJussara”. Universitária fizeramcomqueelasetornasseuma referência, pas- do bareocarismadairmãentre osmoradores eusuáriosdaCidade pus umaaprazívelárea delazernosfinaissemana.Apopularidade a populaçãouniversitáriaeosdiversosvisitantesqueviamnocam- bebidassobre omuroonde elaservia dasuacasa”–visandoatender sua irmãJussaraabriuoprimeiro barnaorla–“umpequenobalcão que cadavezmaissentiaosefeitosdadegradaçãoambientalbaía, de iràEscolaTenente AntônioJoão.Paraajudararenda dafamília, ça gostavadecatarcamarãocomasmãosnomarpelamanhã,antes Ressaltando oestilodevidalocalcomo“umparaíso”,quandocrian- ados dosanos1950cerca dedezfamílias,queofilhocaçulanasceu. tempo depois,opatriarca veioafalecer. cupim eelesergueram umanovamoradiaemalvenaria,onde,pouco Jesus. Nadécadade1970,acasadafamíliaSilvafoidestruídapor da Ilha do Bom Baiacu, e a de dona Regina, ex-moradora do quartel estabelecer nesse local, como a do senhor Herode, oriundo da Ilha do tigos ilhéustambémobtiveramautorizaçãodauniversidadeparase pescadores doqualeradevoto.Poucodepois,outrasfamíliasdean- cou ainscrição“Vila SãoPedro”, emhomenagemaopadroeiro dos e cheiodeflores nojardim”, descreve umadasfilhas–ocasalcolo- casa dafamília–“umbangalô,dequatro telhasquadradas quartos, Ainda jovem,Máriocasou-secomMárcia, netadeAdelaidee Foi nesse pequeno aglomerado de casas, onde viviam em me- 2ª prova2ª –Jesus –26 fev 2014 105 Letícia de Luna Freire 2ª prova – Jesus – 26 fev 2014 2ª prova – Jesus – 26 fev 2014

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Das famílias que acataram a ordem dada pelo prefeito, a maior parte aceitou deslocar-se para os antigos alojamentos da ECEX. Apenas a família Silva se recusou a abandonar o local, uma vez que haviam anteriormente obtido a autorização da universidade para ali residirem. Dona Regina, uma das moradoras transferidas, resume as- sim o ocorrido com a família de Mário: “eles ganharam casa, mas não quiseram vir. Eles ficaram lá porque entraram na justiça contra a universidade”. Antes de ver o desdobramento desse processo, dona Camila fincou definitivamente suas raízes no local, falecendo em 1993. A disputa entre a família Silva e a UFRJ pode muito bem ser re-

Da Ilha da Sapucaia à Vila Residencial da UFRJ Vila Residencial à Da Ilha da Sapucaia presentada aqui pela expressão identificada por Mello e Vogel (2004) em Maricá a respeito dos conflitos entre os pescadores artesanais e os especuladores imobiliários de “luta do tostão contra o milhão”. Marcada por uma situação de desigualdade entre os envolvidos, essa luta tem assumido, entretanto, diferentes contornos ao longo das úl- timas três décadas. No primeiro momento, a luta foi travada com base numa desi- gualdade de forças. De um lado, as armas utilizadas pela prefeitura da UFRJ eram notificações de desocupação da área, ameaças de de- molição das construções e até mesmo o corte do fornecimento de energia elétrica aos moradores, que era vinculado à rede da univer- sidade, durante três anos, no final da década de 1970. De outro lado, a única arma utilizada pelos moradores era a sua determinação em permanecer na área, por piores que fossem as condições, recusando- -se a serem identificados como “invasores”, desconsiderando a sua história e sua relação com o lugar. Diante da resistência da família Silva, no momento posterior a luta passou a ser travada no judiciário, desencadeada pela ação de reintegração de posse com pedido de liminar impetrado pela UFRJ contra os moradores em novembro de 1996. O processo instaurado fundamentava-se no argumento de que a UFRJ, “dado a grandeza de suas dimensões, sofre, assim como a Cidade do Rio de Janeiro, onde se localiza, todos os problemas gerados pela insegurança que se instalou nos grandes centros urbanos” e que o agravamento do pro- blema habitacional iniciou um “processo de desvirtuamento na uti- lização das áreas pertencentes a esta Instituição Federal de Ensino, o que vem prejudicando grandemente a satisfação do objetivo da Universidade, qual seja o de fomentar o desenvolvimento com ensi- no superior de alto nível”. No item “Da área esbulhada”, o processo 2ª prova2ª –Jesus –26 fev 2014 do RiodeJaneiro nadisputaporsediarosJogosOlímpicosde2004, ções paraaurgente desocupaçãodaárea acandidaturadacidade o “terreno detôdaaIlhadoFundão,inclusiveárea queconstitui sidade. Segundoodocumento daSPUanexadoaoprocesso, apenas de que o terreno juridicamente à univer em questão não pertencia da desocupaçãoárea quehabitavamnaIlhadaSapucaia e,ainda, o terreno foi doado, em 1953, pelo antigo DASP, à sua família em troca tra aUFRJ,noqualapresentava fotosedocumentosparaprovar que taurou umprocesso naSecretaria dePatrimôniodaUnião(SPU)con- processo destacava para adesocupaçãodaárea promovidas pelaprefeitura daUFRJ,o melhados”. Sobre o não atendimento dos moradores às notificações vendo emcondiçõesextremamente precárias, comparentes easse- eestranhosàUniversidade-autora,[...]vi- ex-servidores “servidores, gulo indiviso”.Segundootextodoprocesso, olocaleraocupadopor lhando-se abarracos,plantadosemplenapraia,formandoumretân- “um agrupamentodeconstruçõesalvenaria,muitasdelasasseme- apontava asituaçãosuigenerisdeparadapelaprefeitura daUFRJ: Além disso, mencionava claramente como uma das motiva- Em resposta àaçãojudicial,Mário,umdos11réus citados,ins- Aquático, Vila deAlojamentosparaasdelegações, etc. truída aCidadeOlímpica,abrigandodiversosEstádios,Parque te ano, a Cidade Universitária, em que se planeja será cons- Internacional – COI,quevirãovisitar, emnovembro docorren- em condiçõesparareceber osmembros doComitêOlímpico sendo empregados paracolocaroCampusdaIlhadoFundão [ ...]oquevemfazendocomosmáximosesforços estejam competentes. atividades comerciais irregulares semautorização dos órgãos tipo de taxa ou imposto ao erário público, e, ainda, explorando co deusocomum,semoônusdorecolhimento dequalquer mente, residindo deumimóvel que éumbempúbli- em parte Instituição Federal de Ensino queiram permanecer indefinida- os ocupantesirregulares deumaárea localizadadentro deuma [...] oabsurdo dasituação,vistoque nãosepodeconceberque 2ª prova2ª –Jesus –26 fev 2014 - 107 Letícia de Luna Freire 2ª prova – Jesus – 26 fev 2014 2ª prova – Jesus – 26 fev 2014

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a Avenida Brigadeiro Trompowsky e a porção non aedificandi, nes- ta cidade” foi, em 23 de janeiro de 1963, entregue à administração do DASP “para uso e construção da Cidade Universitária”, conforme processo protocolado no Ministério da Fazenda sob o no 202.784, de 1957. Diante desse forte contra argumento, que desqualificava o pe- dido de liminar de reintegração de posse referente ao terreno locali- zado ao norte da antiga Ilha do Bom Jesus, a universidade desistiu da ação judicial em dezembro de 1996. Em 2000, no entanto, os moradores foram alvo de outra ação ju- dicial, dessa vez movida pela Secretaria Municipal de Meio Ambiente. o

Da Ilha da Sapucaia à Vila Residencial da UFRJ Vila Residencial à Da Ilha da Sapucaia Um documento encaminhado pelo 3 Escritório Técnico Regional no dia 3 de agosto daquele ano fez saber “que foi constatado o dano ambiental decorrente de construções irregulares na orla marítima da Avenida 4 [...], sem a devida licença e autorização legalmente exigí- vel” e, em conformidade com a legislação, embargava as construções executadas “em área considerada de preservação permanente, orde- nando sua paralisação e posterior demolição e remoção de materiais remanescentes [...] no prazo máximo de 60 dias”. Sem atender as exi- gências, a família recorreu à ação na justiça, estando o processo em tramitação na 5a Vara de Fazenda Pública. Na visão de Mário, a Cidade Universitária é “uma cidade de fa- lhas” e foram justamente as diversas irregularidades cometidas pela universidade ao longo de décadas que enalteceram a luta da sua fa- mília para garantir sua permanência na “praia” – ou “mangue”, como preferem chamar os estudantes da UFRJ que frequentam o local. Para os descendentes de João Silva, no entanto, a luta da família tem o sen- tido de fazer justiça. Afinal, como uma das filhas questiona: “se houve essa troca entre os meus pais e a universidade, por que a gente tem que sair?”. Mais do que uma reivindicação com base em argumentos racionais referentes à propriedade material, é a relação afetiva que mantém com o lugar que parece ser o grande motor dessa luta. “Todo o nosso sentimento está aqui”, ela complementa. Apesar dos processos judiciais, a prefeitura da UFRJ autorizou, em 2005, a instalação de oito medidores de energia elétrica nas residên- cias, isentando a universidade das despesas decorrentes e legitiman- do, indiretamente, o direito dos moradores à permanência no local. À época da realização da pesquisa, existiam ali sete residências, onde viviam Mário, dois irmãos, uma prima, sua amiga de infância (cuja família também havia morado ali anteriormente) e dois sobrinhos. 2ª prova2ª –Jesus –26 fev 2014 Filho, quechegounalocalidade aindaporvoltade1976,motivopelo em residir maispróximo doseulocaldetrabalho. receber umgrandenúmero defamíliasfuncionáriosinteressados durante todaadécadade 1980,quandoaVila Residencialpassoua pação pode ser identificado sobretudo de 1978, perdurando a partir e distantesdaCidadeUniversitária.Essesegundo processo deocu- nários, que,emsuagrandemaioria,residiam emáreas favelizadas mais porumainiciativadauniversidade,masdos próprios funcio- também começouasedeslocarparalocalidade, dessaveznão los ex-operários da ECEX, um outro grupo de funcionários da UFRJ Os quechegaramdepois acho quelápra2014,2016,nãovaitermaisninguémaqui...”. nacidade, Máriodesabafa:“Eu ção dedoismegaeventosesportivos por acaso, citando justamente os anos em que está prevista a realiza- pertencer… Saber queaqualquermomentovocêpodeperder...”. Não Mário, “amaiordificuldadeévocêternascidoaquieolugarnãote tando aindaaprópria percepção dasuarelação comolugar. Segundo siste eosimpededeinvestirem namelhoriadassuasresidências, afe- poder veromartodasasmanhãs,sentimentodeinsegurançaper região desdequenasceu,lutandoparaficaralipelosimplesprazerde mas não dessa forma como tem sido feito”. Ainda que tenha vivido na sair de cabeça erguida: “A gente até concorda em sair daqui um dia, porém,permanecer alipormuitomaistempo.Oimportante, é urbanas naIlhadoFundão,nãotêmesperançadequevãoconseguir uma visãopessimistadofuturo. Aotervistotantastransformações necer naCidadeUniversitária,doisdosirmãosentrevistados possuem costumava frequentar alocalidadenosfinaisdesemana. apenas oBardoBil,alugadoparaumcasaldeDuqueCaxiasque automóveis aolocal.Semrelação direta comafamíliaSilva,tinha-se exceto o“ChoranaRampa”,queficaaoladodarampadeacesso todos, aocontráriodamaioriadasresidências, defrente paraomar, moradia ecomércio. Alémdeste,existiamoutros três bares nolocal, pessoas. Das construções,uma era utilizada simultaneamente como Contando comosrespectivos cônjugesefilhos, residiam nototal16 Um bom exemplo é o caso de Altino Rodrigues dos Santos Conforme osúltimosalojamentosiamsendodesocupados pe- Embora tenhamconseguido,atéopresente momento,perma- 2ª prova2ª –Jesus –26 fev 2014 - 109 Letícia de Luna Freire 2ª prova – Jesus – 26 fev 2014 2ª prova – Jesus – 26 fev 2014

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qual se identifica como sendo “um dos mais antigos”. Morador de uma favela em Honório Gurgel, obteve a autorização do prefeito da UFRJ para ocupar uma das casas de madeira do antigo canteiro da ECEX, juntamente com sua esposa, Dalva, e os filhos Ivan, Glória, Nilce e Eranir. Conforme relata Altino, que começou a trabalhar na universidade em 1966,

Lá onde eu morava era muito longe da universidade. A prefei- tura pegou as chaves das casas e perguntou quem queria vir pra cá, aqueles que moravam longe. Aí eu e a maioria quise-

Da Ilha da Sapucaia à Vila Residencial da UFRJ Vila Residencial à Da Ilha da Sapucaia mos. [...] A casa que estivesse sobrando, o prefeito chegava e dava a chave. (Informação verbal)

Sobre as condições da moradia, Altino contraria a visão posi- tiva de muitos dos que chegaram antes dele: “não era casa, era um barraco, tinha cada ratazana enorme, cheio de água embaixo... Às vezes eu dormia até em cima da mesa! Isso aqui era um chiqueiro, hoje isso aqui é um céu!”. Apesar da precariedade, morar na Cidade Universitária oferecia-lhe “muitas facilidades”, visto que estar próxi- mo ao trabalho implicava uma economia diária de tempo e dinheiro, por exemplo. Afinal, enfatiza Altino, “a UFRJ não pagava a passagem e o ordenado era muito baixo. Naquela época não tinha a moleza que tem agora não”. Uma distinção importante ressaltada por ele em relação aos funcionários que já residiam nas ilhas aterradas diz respeito às con- dições nas quais se deram os dois tipos de ocupação dos alojamen- tos, uns transferidos compulsoriamente, outros voluntariamente: “o pessoal das ilhas, esses aí vieram arrancados. Esses aí não pediram pra vir. Eles vieram porque a prefeitura tirou. Eu pedi, porque morava longe, eles não”. Assim, enquanto para os antigos ilhéus a transferên- cia é frequentemente narrada como tendo sido imposta pela vontade do outro – no caso, do prefeito da UFRJ – para os funcionários que residiam distante da Cidade Universitária, a transferência é narrada como uma oportunidade única que surgiu e que souberam, mediante vontade própria, agarrar. Muitos outros moradores, além de Altino, chegaram na Vila Residencial dessa maneira. Outro exemplo é o caso de Vera Lúcia Valente de Freitas, que chegou à localidade pouco depois de se tornar funcionária da UFRJ. Moradora de Belford Roxo, na Baixada Fluminense, “Verinha”, que 2ª prova2ª –Jesus –26 fev 2014 nete, cobertor, televisãoeroupas”. dança, relembra, trouxe dacasadopaiemBelford Roxo “sócolcho- modos eumcorredor extensoquepercorria todooimóvel.Namu- de largura e14metros decomprimento,umaúnicaentrada,três cô- alvenaria deumafuncionáriadaUFRJ,naantigarua 10,com6metros por 40milcruzeiros, Verinha comprou a“metade”daresidência de vantajoso seriamorarali,aindaqueinformalmente. Efoiassimque, localidade, acabou convencida pelo colega, que enfatizava o quão da UFRJnãoestavamaiscadastrandofuncionáriospararesidir na não possuíamtítulosdepropriedade dosimóveisequeaprefeitura te paraessefim.Apesardeseu receio porsaberqueosmoradores lizado numprédio queaUFRJconstruíranalocalidadeespecialmen- se dado durante o curso de capacitação dos vigilantes, que fora rea- vai estarsegura”.Seuprimeiro contatocomaVila Residencialtinha ção àsfavelasdaMaré, dizia:“Láenche,éruim,maspelomenosvocê Residencial. Paraconvencê-ladasvantagensdalocalidadeemrela- até queumcolegadetrabalholhesugeriucomprarumacasanaVila bairros doentorno,comoBonsucesso,RamoseIlhaGovernador, gum lugar, Verinha passouaprocurar casanasfavelasdaMaré enos radia maispróxima doseulocaldetrabalho.Sempreferência poral- Faculdade deLetras,naCidadeUniversitária. cotécnico efísico),começouatrabalhar, em1989,comovigilanteda (provas e matemática, teste psi- de conhecimentos gerais, português estável. Apóscumprirsatisfatoriamentetodasasetapasdaseleção que aliestavam,buscavaumasituaçãotrabalhistaefinanceiramais UFRJ, Verinha não hesitou em se inscrever, já que, como muitos dos to decorriadeumaseleçãopúblicapara200vagasvigilantesna Escola SãoFranciscodeAssis.Aoserinformadaqueomovimen- do avistou,em1988,umagrandefilanasdependênciasHospital Janeiro vendendoprogramas decomputaçãoparaempresas, quan- já era graduada em administração, trabalhava no Centro do Rio de havia quatro barracos de madeira na rua”, iniciou a primeira obra tigo morador, passou asesentiracolhidae,em1991,quando“ainda uma pessoa“fechada”e“nova” nolugar. Ao ser“adotada”poruman- a dificuldadedefazeramizade comosdemaismoradores, sendoela esgoto comasubidadamaré, problemas narede elétricaetc.)ecom sos problemas decorrentes dadeficitáriainfraestrutura(retorno do Nos primeiros anos na localidade, Verinha sofreu com diver Ao serefetivadanoanoseguinte,começouaprocurar umamo- 2ª prova2ª –Jesus –26 fev 2014 - 111 Letícia de Luna Freire 2ª prova – Jesus – 26 fev 2014 2ª prova – Jesus – 26 fev 2014

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na casa. Dos amigos que foi conquistando na universidade, ganhou fogão e alguns móveis. Em 1995, trouxe a sobrinha, então com cinco anos, para morar consigo, adotando-a como filha. No ano seguinte, ampliou a casa, construindo dois quartos e um banheiro sobre a laje. Em 1998, foi transferida para o departamento de pessoal do Centro de Letras e Artes. Dois anos depois, a convite de uma colega da universidade, Verinha, que por influência de um tio já tinha tido uma formação política no Partido Liberal (PL), filiou-se ao Partido dos Trabalhadores (PT). Em 2001, começou a participar de uma comis- são de apoio à Associação de Moradores, passando, no mesmo ano,

Da Ilha da Sapucaia à Vila Residencial da UFRJ Vila Residencial à Da Ilha da Sapucaia a integrar a nova diretoria, assim como nas quatro gestões seguintes. Mesmo tendo substituído depois sua filiação política pelo dissidente Partido Socialismo e Liberdade (PSOL), nas lutas da localidade con- tou sempre com o que chama de “suporte da militância”. Em 2002, assumiu a coordenação de políticas sociais do Sintufrj. A convivência e interesse em compreender o vocabulário utilizado pelos militantes das diferentes correntes políticas a levou ainda a ingressar no curso de Ciências Sociais da UFRJ. Antes de se tornar bacharel, teve um papel importante no engajamento de um departamento do IFCS em um projeto de extensão na Vila Residencial. As mudanças na trajetória de Verinha foram acompanhadas pelas transformações na sua moradia na Vila Residencial. A parte da frente da residência, por exemplo, “já foi garagem do meu fusca, de- pois canil, agora é minha biblioteca”, diz Verinha, que, além de mo- radora, líder comunitária, funcionária e ex-aluna da UFRJ, também se tornou, aos 43 anos, avó na localidade. Mais recentemente, comprou a segunda “metade” da casa original, onde vem realizando obras para que sua mãe possa residir a seu lado. Diferentemente de Verinha, o primeiro contato de Francisco de Assis dos Santos com a Vila Residencial se deu na qualidade de visi- tante, antes de se tornar funcionário da UFRJ. Foi por conta de uma passagem pela cidade para visitar parentes que residiam na localida- de que “Chiquinho”, como é mais conhecido, “acabou ficando”. No final dos anos 1980, Chiquinho saiu de Campina Grande, na Paraíba, onde morava desde que nasceu, para visitar o tio que tinha migrado há anos para o Rio de Janeiro e, como funcionário da UFRJ, residia na Vila Residencial. Devido ao surgimento de uma oportuni- dade de trabalho na universidade durante sua passagem pela cidade, acabou também se fixando na localidade. Segundo ele próprio conta, 2ª prova2ª –Jesus –26 fev 2014 obras, no qual passou a trabalhar como marceneiro e residir num dos operários vindosdointerior doestadodiretamente no canteiro de 19 dedezembro de1968, desembarcou de umcaminhãorepleto de grar deBarraMansa,onde eraalfaiate,paraoRiodeJaneiro. Em para a construção da Ponte Rio-Niterói, Milton não hesitou em mi- também ingressando nauniversidade. sar comumafuncionáriadaUFRJ,acabouretornando àlocalidadee antigo canteiro de obras da Ponte Rio-Niterói e, anos depois, ao ca- pessoais eafetivasaliconstruídascomfuncionários dauniversidade. que acabaramretornando àlocalidadeemdecorrência dasrelações radores quechegaramnaIlhadoFundãoaindano“tempodaECEX”e comunidades”. moradores. Nasuaopinião,“aVila nãoéumacomunidade,são300 hoje moracomsuaesposaefilhos, reconhece quefaltauniãodos ção geral do sindicato. Apoiando as causas da Vila Residencial, onde nários técnico-administrativos,tornou-se,em2008,membro dadire- no Sintufrj.Destacando-secomorepresentante políticodosfuncio- 1994. Paralelamente,atuavacomodelegadodoInstitutodeBiologia pria, elegendo-secomopresidente daAssociaçãodeMoradores em rão paraaconstruçãodaigreja umachapapró católica,articulou - mas acabouretornando demuti- devezàlocalidade.Participando na suagestão.Aosecasar, chegoua“morarfora”duranteoitomeses, dades da Associação de Moradores da Vila Residencial, colaborando sociais debairro noNordeste, rapidamenteseenvolveucomasativi- Chiquinho, aexemplodesuamãe,quesempre atuounosmovimentos soal doInstitutodeBiologia.Residindocomostiosnalocalidade, depes- passou peloalmoxarifado,atéserefetivadonodepartamento Ao ouvir uma chamada no rádio convocando trabalhadores Esse éocaso,porexemplo,deMiltonBrasil,que morou no Além dasfamíliasdeAltino, Vera eFrancisco,hácasosdemo- Como trabalhadordaUFRJ,começounacarpintariadoCCS, dade eestouatéhoje.(Informaçãoverbal) trabalhar nauniversidadeeacabeificandoprópria universi- UFRJ] estavafazendocontrataçãodepessoastemporáriapara Naépoca,oHorácioMacedo[Reitorda do pelaoportunidade. cer a família. Meu irmão também morava aqui e acabei fican- funcionário daDivisãodeTransportes. Vim darumrolé,conhe- Eu cheguei na Vila para fazer uma visita ao meu tio, que era 2ª prova2ª –Jesus –26 fev 2014 113 Letícia de Luna Freire 2ª prova – Jesus – 26 fev 2014 2ª prova – Jesus – 26 fev 2014

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alojamentos provisoriamente construídos na Ilha do Fundão. Ali co- nheceu Jurema, filha do catraieiro da lancha que fazia o trajeto entre a Ilha do Bom Jesus e o Caju, com quem veio a se casar. Com a conclusão das obras da ponte, Milton passou a traba- lhar com o tio de sua esposa numa loja de montagem de divisórias em Bonsucesso, onde estabeleceu moradia e teve dois filhos (Milton e Ana Paula). Com o término do serviço de transporte de lanchas, seu sogro – o mesmo senhor Djalma que “adotou” Verinha – passou a trabalhar como jardineiro na UFRJ, onde sua outra filha já traba- lhava como técnica administrativa. Graças ao vínculo do sogro com

Da Ilha da Sapucaia à Vila Residencial da UFRJ Vila Residencial à Da Ilha da Sapucaia a UFRJ, em 1978 a família obteve um terreno na antiga rua 7 da Vila Residencial, onde Milton construiu sua residência e teve seu terceiro filho, Diego. Insatisfeito com o trabalho no comércio, anos depois Milton começou a vislumbrar também uma vaga nos quadros da uni- versidade, até que, com a ajuda da cunhada, conseguiu se inserir, em 1988, como marceneiro no Museu Nacional, na Quinta da Boa Vista, onde desde então exerce o ofício. Outro exemplo é o caso de Vanda de Castro Vasconcellos, cujo pai trabalhou como apontador da ECEX. Nascida em 1959 no bairro de Padre Miguel, Vanda chegou pela primeira vez na Ilha do Fundão ainda adolescente, junto com quatro irmãos menores e o pai, Waldomiro, que, ao ser contratado pela ECEX, passou a residir com a família em um dos alojamentos do canteiro de obras. Para ajudar no sustento da casa, Vanda fazia biscates, lavan- do roupas para os operários e trabalhando em “casas de família” na Ilha do Governador e na Vila Militar do Bom Jesus. Nos anos em que viveu no canteiro, Vanda conheceu Francisco Albino de Oliveira, um jardineiro da UFRJ, com quem passou a namorar. Com o término da construção da ponte, seu pai foi trabalhar em outro canteiro de obras em São Paulo, levando os filhos consigo. Vanda, entretanto, acabou retornando ao Rio para “juntar os trapos” com Francisco, assim que ele recebeu da prefeitura da UFRJ uma residência na Vila Residencial. No alojamento de apenas um quarto, cozinha e banheiro, o casal teve seus dois filhos: Inaura, em 1984, e Pedro Rogério, em 1986, que de- pois passaram a estudar na Escola Tenente Antônio João. Segundo Vanda, o fato de morarem todos numa das moradias destinadas, “no tempo da ECEX”, a homens solteiros era mal visto pe- los outros: “o pessoal da universidade nos perseguia”. Durante esse período, trabalhou como empregada doméstica e como auxiliar de 2ª prova2ª –Jesus –26 fev 2014 evangélica deseupai,situada apoucosmetros desuaresidência. dando voltasdecarro pela localidadeparachegaratrasadanaigreja to religioso dafilhadopastorManoel,que,paraseguiro ritual, ficou construídas. Fatocurioso a esserespeito foi, porexemplo,ocasamen- casamentos eramrealizados naspróprias igrejas queforamsendoali do fielamigo.Alémdeunirmoradores daprópria localidade,muitos com banheiro” aoladodacasadeVanda, dequemacabousetornan- acabou retornando à Vila Residencial, onde comprou “um quartinho favela doComplexodaMaré, tersecasadoeseparadonovamente, e nemmesmoodivórcio oafastoudolugar. Depoisdemorarnuma sou comafilhadeumafuncionáriadaUFRJ,nofinal dosanos1970, Justino, quetambémsemudouparaalocalidadedepois queseca- terreno cedidopelauniversidade.Ou,ainda,ocasodojornaleiro José com os sogros, tendo anos depois construído sua própria casa num UFRJ, mudou-se,em1982,paraalocalidade,ondepassouresidir motorista Jonatas,que,aosecasarcomafilhadeumfuncionárioda moradores dalocalidadeepessoas“defora”dela,comoéocasodo outros casamentos,noentanto,foramtambémsendorealizados entre que compraramumacasaconstruídasobre alajedeoutra.Muitos (filho deArnóbio)comLillian(filhaoutro funcionáriodaUFRJ), ferentes famíliasresidentes naVila Residencial,comoodeRogério muitos casamentosforamsendorealizados entre membros dedi- cendo nalocalidadecomsuasrespectivas famílias. os filhosdeAlvelina,Altinoe Vanda, porexemplo,foramseestabele- que jáseinstaloucomprandoa“metade”deumacasa,foiassim ções dascasasoriginais–oschamados“puxadinhos”.AlémdeVera, dedivisõeseamplia- Residencial, muitasvezes construídas apartir o inevitávelaumentodapopulaçãoedonúmero demoradiasnaVila detrabalho etc.) propicioucasamentos, separações, oportunidades na organização familiar, na vida socialeprofissional (falecimentos, a mobilidaderesidencial decorrente, olongodosanos,demudanças seu filhomorava“dentro” da Vila Residencial comsuaesposa. do suafilhaInaura,seugenro etrês netoscomovizinhos,enquanto por R$1.500,00naárea hojeconhecidacomo“Vila dosSolteiros”, ten- Vanda passouaviversozinhanacasadedoiscômodosquecomprou 14 anos,Franciscoveioafalecer, aos58anos,emmarço de2000,e limpeza emfirmasterceirizadas pelaUFRJ.Apósviverem juntospor Tal comoemrelação aosantigosmoradores daIlhadoCatalão, Conforme sepodeanteveremalgunsdoscasosaquidescritos, 2ª prova2ª –Jesus –26 fev 2014 115 Letícia de Luna Freire 2ª prova – Jesus – 26 fev 2014 2ª prova – Jesus – 26 fev 2014

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Motivada ou não pelos casamentos, a Vila Residencial também acabou sofrendo mudanças em relação à sua característica origi- nal de ser destinada exclusivamente à moradia de famílias de fun- cionários da UFRJ, sendo a continuidade do processo de ocupação da área semelhante, a partir da década de 1990, àqueles ocorridos em localidades de ocupação dita espontânea, como favelas e outros assentamentos de baixa-renda. Gostaria, portanto, de ressaltar ain- da a chegada de um quarto grupo de moradores na localidade, sem ter previamente qualquer tipo de vínculo com a UFRJ, ou até mesmo com outros moradores da Vila Residencial.

Da Ilha da Sapucaia à Vila Residencial da UFRJ Vila Residencial à Da Ilha da Sapucaia Situação bastante diversa dos casos até aqui descritos é aque- la que levou, por exemplo, Maria Neuda a residir na localidade. Assim como Chiquinho, ela também chegou na Vila Residencial para visitar um parente e “acabou ficando”. Contudo, diferentemente dele, não foi a universidade que lhe representou uma oportunidade de traba- lho que motivasse seu interesse em fixar ali moradia, mas a própria localidade. Em outubro de 1997, Neuda foi visitar, pela primeira vez, a irmã que morava na Vila Residencial e tinha um aviário na antiga rua 7. Após retornar algumas vezes, percebeu a inexistência de banca de jornal na localidade e começou a vender jornais diariamente aos moradores. Com o sucesso do pequeno empreendimento, em 2001 mudou-se com seu esposo para a Vila Residencial, comprando uma residência na mesma rua e, posteriormente, o aviário da irmã, am- pliando-o como bar e mercearia, que, além de carnes, vende jornais, bebidas, carvão, gelo, bujão de gás, ração, enlatados, legumes etc. Sobre o modo como acabou chegando e se instalando na localidade, Neuda generaliza: “quem vem aqui uma vez volta sempre”. Mais significativo ainda desse terceiro tipo de morador que a Vila Residencial passou a receber é o caso de Manuel e Irenilda, que não tinham previamente relação alguma com outros moradores. Há pouco mais de um ano, ele, que morava no bairro de , foi fazer um serviço de reboque na Vila Residencial e observou, numa casa ao lado da de Vanda, uma placa anunciando sua venda. Como seu filho estava precisando de uma moradia e o local lhe pareceu tranquilo, resolveu comprar o imóvel. O filho, no entanto, preferiu ficar no mesmo bairro e foi Manuel quem acabou se mudando, então, para a Vila Residencial com sua esposa, que consi- dera o lugar “calmo demais”. Apesar das poucas amizades até aquele 2ª prova2ª –Jesus –26 fev 2014 na pequena cidade do interior da Inglaterra estudada por Norbert na pequenacidadedointerior daInglaterraestudadaporNorbert todos seconheçam,nem todos sefalam.Semelhanteaoencontrado em suaetnografiasobre aIlhadePaquetá,mesmoquepraticamente das relações cotidianas,pois,assimcomo Leitão(2003)identificou representação nãocorresponde aummodeloigualitárionoplano sentido, referirem-se àlocalidade tambémcomouma“comunidade”. auma“mesmafamília”,sendocomum,nesse nhecem epertencem dogamia localeexpressa nasideiasnativasdequetodosaliseco- homogênea eigualitária,reforçada tendênciaaumaen- pelaforte Residencial, prevalece entre osmoradores suarepresentação como Os estabelecidoseosoutsiders ealegitimidadedademanda. aimportância ciam, portanto, com o apoio das respectivas instituições contratantes, que reconhe- pela ECEX,queestabelecerammoradianopróprio canteiro deobras, prio espaço a ser construído, e, anos depois, daqueles contratados Universitária, que foram seestabelecendo nas redondezas do pró- contratados peloantigoDASPparatrabalharnasobrasdaCidade trabalho. Motivação semelhante, aliás, à dos operários e técnicos era, semdúvida,apossibilidadederesidirem próximo aolocalde a primeira grande motivação para se estabelecerem na localidade a Vila Residencial,essesfatores tambémpesavamnadecisão,mas drogas oumilíciasatuandonolocal. dido, àprimeiravista,pelainexistênciadequadrilhastráfico dade” aindararadeserencontradanasfavelas,oquepodeenten- em localpróximo àsáreas centraisdacidadeecomuma“tranquili- quirir oualugar, aindaqueinformalmente,umimóvelabaixocusto eram geralmenteatraídasàVila Residencialpelapossibilidadedead- com aUFRJoualgumadasempresas sediadasnaIlhadoFundão, com outros moradores ouvínculosprofissionais e/ouacadêmicos nhas àlocalidade,ouseja,semvínculosdeparentesco e/ouafetivos ca doseuantigobairro parafrequentar adaVila Residencial. Irenilda começava,aospoucos,adeixardefrequentar aigreja católi- dali, momento construídasedavontadejámanifestadademudar-se O trabalhodecampopermitiu,noentanto,verificar queesta Apesar de diferentes grupos terem constituído a Vila Entre osfuncionáriosdaUFRJquepassaramasemudarpara Dotadas deescassosrecursos financeiros, aspessoasestra- 2ª prova2ª –Jesus –26 fev 2014 11 117 Letícia de Luna Freire 2ª prova – Jesus – 26 fev 2014 2ª prova – Jesus – 26 fev 2014

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Elias e John Scotson (2000), que deu luz à antropóloga para refletir sobre a Ilha de Paquetá, existem na Vila Residencial tensões entre os habitantes estabelecidos e aqueles considerados outsiders, fundadas na distinção entre os que moravam na região muito antes do que os outros, encarnando os valores da tradição e da boa sociedade. Para melhor compreender estas tensões, é preciso primeiramente descrever quem são, nesse caso, os estabelecidos e os outsiders, ou seja, como os moradores da Vila Residencial se autorrepresentam e se pensam em relação ao outro e ao lugar onde vivem. Tal como na localidade fictícia de Winston Parva, os que che-

Da Ilha da Sapucaia à Vila Residencial da UFRJ Vila Residencial à Da Ilha da Sapucaia garam depois na Vila Residencial não percebiam os moradores ante- riores como diferentes deles sob nenhum aspecto, afinal, a princípio quase todos eram funcionários da UFRJ e o tempo cronológico que os separava dos antigos com relação à sua chegada na localidade era muitas vezes quase insignificante. É por isso que José Justino, por exemplo, embora não faça parte do grupo social formado pelos antigos ilhéus, também se autodefine como um dos “fundadores” da localidade. Porém, ao tentarem manter contato com alguns dos resi- dentes anteriores, os novatos notaram que eles se percebiam como um grupo fechado e viam os outros como intrusos, os quais preten- diam manter a distância. A diferença fundamental tanto para a consti- tuição interna de cada grupo quanto para a relação entre eles residia no fato de que, diferentemente dos novatos, as famílias dos antigos ilhéus tinham um passado comum, ligado à própria constituição da Ilha do Fundão, que as unia enquanto grupo. Contudo, diferentemen- te de Winston Parva, em que os estabelecidos e os outsiders dividiam- -se por três bairros distintos, na Vila Residencial os distintos grupos compartilhavam o mesmo espaço físico, o que torna os conflitos mais difíceis de serem percebidos por um observador externo. Entre os membros mais idosos das famílias oriundas das anti- gas ilhas ou que chegaram na região ainda durante as obras de aterro e construção da Cidade Universitária, é comum a autorreferência e o reconhecimento por parte dos demais moradores como sendo “os mais antigos”, portanto, os estabelecidos da Vila Residencial. Seria praticamente impossível fazer uma pesquisa sobre a história local e não receber a indicação de alguém para conversar com o senhor Ary, por exemplo, cuja precedência no lugar lhe conferia legitimida- de e prestígio. Não é raro, por sua vez, ao ser procurado para contar as histórias de antigamente, ele considerar às vezes enfadonho esse 2ª prova2ª –Jesus –26 fev 2014 Wânia e Daniel, neto de Arnóbio), 11 anos,todosoriundosdafamíliaVianna (Rubem,Arnóbio, Baltazar, dequatroparticipação adultosex-habitantesdailhaeumacriançade A primeiraatividade,realizada em21demarço de2009,contoucoma ambiental, com acesso por terra controladopreservação pela UFRJ. realizadas naantigaIlhadoCatalão,hojetransformadaemárea de guiadas queorganizei nalocalidade.Duasdasquatro visitasforam cidade, dificilmentedesenvolveriamaliumavidacomunitária. pessoas desenraizadasque,porterem vindodediferentes regiões da nascidos ecriadosnasantigasilhas,osoutsiders os mento que os distinguedos que chegaram depois. Afinal, enquanto representam eserelacionam umele- comesseespaçoécertamente ção damemóriacoletiva,aformapeculiarcomqueessesmoradores paço seconstituinumpontodereferência naestrutura- importante mente desorientadonotempoeespaço. “fui lánoCatalão”podem,assim,carecer desentido edeixá-lototal- visitante deprimeiraviagem,frasescomo“voualinoBomJesus”ou seja hojeinexistentenapaisagem.Paraummoradornovatoou espacial,muitoemboraoarquipélagoantigas ilhascomonorteador a permanência,nasnarrativasdessesmoradores, dageografiadas referencial paraopresente. Sobre esseaspecto,éinteressante notar moradores de paraseperceber oquantopassadocomumserve ta gente...”.Masésóembalaraconversacomalgumdessesantigos papel socialquelhefoiatribuído:“ah,maseujáconteiissopratan- moradora queháanosvem seinteressando porescrever, deforma e outraspessoasinteressadas, como Moacyr Gadelha,paideuma bolsistas de extensão da UFRJ, Ana Paula Morel e Carolina Cardoso, das infância. Alémdisso,asegunda visitacontoucomaparticipação há 25 anos não retornara ao local que tanto frequentava durante sua cência, eLuísGosselin,filhodeNadirnetoAdelaide Escobar, que que levou sua filha para conhecer o local em que viveu até a adoles- da ilha,comoSandra,netadeAugustaeAntônioMedeiros deLima, Daniel) eoutros antigosmoradores edescendentesdos“herdeiros” mos quatro membros da família Vianna (Rubem, Arnóbio, Wânia e atividade, realizada em19desetembro de2009,contoucomosmes- Felipe Berocan, quemeauxiliounoregistro audiovisual.Jáasegunda estabelecidos tinhamraízesprofundas nolugar, sendomuitosdeles Uma boafontedeilustraçãodesseaspectoforamasvisitas Além disso, se como chama a atenção Halbwachs (2004), o es- 2ª prova2ª –Jesus –26 fev 2014 12 além do meu colega antropólogo eram, a princípio, eram, aprincípio, 119 Letícia de Luna Freire 2ª prova – Jesus – 26 fev 2014 2ª prova – Jesus – 26 fev 2014

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literária, a história da Vila Residencial, e Maria da Glória, moradora que aproveitou a oportunidade para conhecer melhor a ilha, levando consigo seus dois filhos e mais três crianças. Ao nos deslocarmos da praça da Vila Residencial para a an- tiga Ilha do Catalão, no outro extremo do campus, a primeira visita já começava a ser espontaneamente guiada por Arnóbio, cujo fluxo de memórias seguia num ritmo cada vez mais intenso. Da janela do automóvel, mostrava-nos determinadas áreas do campus trazendo à tona histórias da vida pregressa daquele espaço artificialmente construído. Apontando à nossa direita, dizia: “a Ilha do França era

Da Ilha da Sapucaia à Vila Residencial da UFRJ Vila Residencial à Da Ilha da Sapucaia aqui. Era uma ilha pequenininha. Sumiu já...”. Pouco depois, nos perguntava: “você sabe onde era a Ilha do Baiacu? Sumiu do mapa... A máquina destruiu”. Apontando em direção aos prédios do alo- jamento estudantil, enunciava: “Era mais ou menos aqui, oh”. Em seguida, Arnóbio, que trabalhou nas obras de construção da Cidade Universitária, relatava: “quando foram aterrar aqui, eles vieram pro- curando o lugar mais raso, por isso tem essa curva toda, porque ali é mais fundo”. Ao pararmos na entrada do portão de acesso ao parque, apon- tou à nossa esquerda o local onde havia a antiga Ilha das Cabras e comentou, fazendo gestos com as mãos: “daqui pra lá a gente atra- vessava a nado”. Enquanto um dos vigilantes da UFRJ que nos acom- panhava abria o portão, o outro, de dentro do carro, enunciava-nos o estado da ilha: “aqui tá muito abandonado”. Assim que entramos na ilha pelo caminho de terra, seu Arnóbio apontou pela janela, à nossa esquerda, uma área levemente mais elevada onde não víamos nada além de algumas árvores e um matagal: “ali era uma igreja, um templo. Era antiga...”. Nesse momento, pedimos para descer do carro e seguir o percurso a pé, já que, como afirma Amphoux, após tes- tar pela primeira vez o método dos percursos comentados, “quando andamos de carro, as coisas vão muito rápidas para que possamos verbalizá-las. Quando estamos a pé, a gente pode parar, adaptar a deambulação à palavra” (AMPHOUX, 2002). Ao redor da igreja ressuscitada pelas lembranças de Arnóbio, diversas árvores Sapucaias se faziam exuberantemente presentes e justificavam a toponímia da Ilha da Sapucaia que também compu- nha o antigo arquipélago e sobre a qual se localiza hoje a vila onde vive. Junto com Baltazar e seu neto Daniel, Arnóbio catava no chão alguns dos frutos caídos em formato de cuias para nos presentear, 2ª prova2ª –Jesus –26 fev 2014 objeto a própria materialidade daquele espaço, restabelecendo isto é, uma forma peculiar de exercício da memória que tomava como rativas, umaverdadeira arqueologia urbana(MELLO;VOGEL,1984), antigos moradores realizavam, por meio da vivacidade de suas nar possível, antigamente,avistar todasasoutrasilhas.Dessemodo,os de ver, aproveitando dapraia deondeera aperspectivada curvatura sóosantigosmoradores hojesãocapazes a topografiainvisível que altos davisita,Arnóbioregistrou naareia comumavareta demadeira mais bonita,eraapreferida paralevarosvisitantes.Numdospontos de suas vidas, como a “praiadavaranda”, que, por sera boa parte também iamreconhecendo comfamiliaridadeolocalondepassaram agilidade deumacriançatravessa,nasegundavisita, SandraeLuís idade, embrenhavam-se pelomatoepulavamsobre aspedrascoma 2009. pintouretratandoestetrechodailha.Fotos:LeticiadeLunaFreire, o quadroqueArnóbio Rubens,juntocomumvigilantedaUFRJ,sobreoantigo“murodepedra”.Àdireita, irmão aoladodonetoDaniel;fundo,seu àfrente,Arnóbio Figuras 9ae9b-Àesquerda, dizia Baltazar, abrindoosbraços,“eratudoissoaqui”. as suascasaseopoçoquelhesabasteciadeágua.“Nossoquintal”, escondiam ascasasdeoutrasfamílias,odescampadoondeexistiam ristas àilha,asruínasdomuro daantiga“senzala”atrásdoqualse Galvão, aconstruçãodepedrasdoantigobalneárioqueatraíatu- os vestígios dos azulejos da cozinha da casa da família do senhor onde ficavaestacionadaaMariana,“alanchadocompadre Ventura”, modo devidalocal:amangueiraplantadaporseuArnóbio,praia das antigasconstruçõesfaziaemergir umalembrançadelessobre o cadapraia,vestígio manter vivo.Dalipordiante,cadaárvore, ser um símboloderesistência edaforça deumpassadoquedesejam nativaque,comoeles,pareciaindicando osusosdeumaárvore Embalados pelosmembros dafamíliaVianna que, apesarda 2ª prova2ª –Jesus –26 fev 2014 - 121 Letícia de Luna Freire 2ª prova – Jesus – 26 fev 2014 2ª prova – Jesus – 26 fev 2014

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continuidades e lugares nos quais, para os demais visitantes, não existia nada além do atual sistema (des)construído. Ao longo dos percursos comentados, predominava nas narra- tivas dos antigos moradores uma idealização do passado, ressaltada na referência comum à ilha como um “paraíso”. Mas o ato de evocá- -la não era uma capacidade exclusiva dos mais velhos, pois mesmo o neto de Arnóbio também atualizava, durante a visita, sua memó- ria sobre a ilha: “aqui era limpinho quando eu vim, com sete anos”. Nas duas visitas guiadas realizadas posteriormente com crianças na própria Vila Residencial, a precedência dos antepassados de Daniel

Da Ilha da Sapucaia à Vila Residencial da UFRJ Vila Residencial à Da Ilha da Sapucaia era reconhecida pelos demais como forma de autorizar seu discurso, afinal, como disse seu colega de escola Glauber: “o avô dele era um dos donos da Ilha do Catalão”. Quando Daniel explicava a história da localidade, a partir do aterro do antigo arquipélago, todos o ouviam atentamente exibindo admiração e respeito. Como mostraram as visitas guiadas, os estabelecidos da Vila Residencial possuem uma relação com o lugar e com os que perten- cem ao seu grupo qualitativamente distinta daquela que possuem os que chegaram depois na região. Isso se evidencia claramente, por exemplo, na narrativa de outra ex-moradora da ilha, cujas referências à ilha e à Vila Residencial se misturam:

Eu vim ainda bebê pro Catalão. Eu me criei aqui [na ilha]. Nós, que éramos do Catalão, somos uma família. Eles têm retrato nosso, a gente tem retrato deles. Aqui [na Vila] é bom que aqui onde nós moramos um ajuda o outro. Aqui dentro ainda tem isso, que lá fora a gente não vê. Isso é maravilhoso. No Catalão era maravilhoso. Era muito bom. Aquela vida a gente nunca mais vai ter. Ninguém hoje tem a infância que a gente teve lá. (Informação verbal)

Por outro lado, ao descrever a transferência de sua família para a Vila Residencial, evoca a dificuldade de adaptar-se ao novo espaço de moradia e, sobretudo, ao “pessoal de fora” com o qual teve de passar a conviver:

O prefeito mandou que a gente viesse escolher a casa, nessa época eu já não tinha mais meu pai, vim com a minha mãe e meus irmãos. Era a casa na rua oito, casa número dois. A casa 2ª prova2ª –Jesus –26 fev 2014 e àanomia. construída acerca dofavelado comoalguémhabituado à desordem porsuavez,àquelahistoricamente dade original,contrapor-se-ia, do emestadodeplenitude comanatureza edotadodeumaingenui- bom selvagemdescritopelofilósofoJean-JacquesRousseau,viven - eles apelidadosde“índios”.Essarepresentação, aludindoàfigurado os visitantesquepassaramafrequentar olocal,passaramaserpor quão “ingênuos”eramosantigosilhéusque,aose assustarem com tiveram nasantigasilhas.Outramoradora,porexemplo, enfatizao estilo devidaeumasocializaçãomuitodiferente daquelaqueeles das delocalidadesconsidera- ao fatodequeeleveio,emgrandeparte, ao sedepararcomesseoutro tipodemoradorrefere-se, noentanto, ders. Comodescreve amoradora: as açõesepercepções dosestabelecidosacerca dachegada dosoutsi- do lugarsobre oespaço,quepassouaorientar, naquelemomento, demais ilhéus transferidos para a localidade, evocando a precedência favelas, ondetinham,dopontodevistadosestabelecidos , um O estranhamentoquechegouafazeressamoradoraadoecer É justamente essa experiência anterior compartilhada pelos É justamenteessaexperiênciaanteriorcompartilhada 13 eu achoqueoambientefazapessoa,né?(Informaçãoverbal) veio deforaeramuitobarulhento,elesbrigavammuito.Porque não queriatersaídodoCatalão,depoisporque opessoalque sei, era muito esquisito. Eu fiquei até doente, primeiro porque eramuitodiferente,O comportamento osmodos,ojeito,não queria mais?(Informaçãoverbal) tomar banho...Minhacasaeraaquieapraiaali.Oqueeu gar ondevocêtemtodaaliberdade, temlugarpraandar, pra adaptava, achava tão diferente... Porque você mudar de um lu- foi chegandoopessoaldefora.Eunãomeacostumei, lugar. Quando nós viemos nãotinha muita gente, depois é que tade praescolheracasa.Eugosteidacasa,masestranheio ilha. Aqui ainda tinha muita casa vazia. Nos deixaram à von- jáestavaaqui.Aífoisaindoopessoalda morava lánohorto, que sas. Quandoagentechegouaqui,opessoaldaportaria, era enorme.Ocaminhãodauniversidadetrouxe nossascoi- 2ª prova2ª –Jesus –26 fev 2014 123 Letícia de Luna Freire 2ª prova – Jesus – 26 fev 2014 2ª prova – Jesus – 26 fev 2014

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Embora tanto os antigos ilhéus quanto os moradores vindos de favelas tivessem padrões de renda e escolaridade semelhantes, sendo todos inicialmente funcionários da UFRJ, o que os diferencia- va, no momento em que passaram a ter contato, era, antes de tudo, o “jeito de ser”. As diferentes maneiras de se comportar e se rela- cionar com os outros, e sobretudo com aquele espaço, não eram, entretanto, desvinculadas das características atribuídas aos meios dos quais se originavam, já que, como declarou uma das moradoras, “o ambiente faz a pessoa”. E eram justamente essas diferenças que faziam com que os estabelecidos – fossem os antigos ilhéus ou aque-

Da Ilha da Sapucaia à Vila Residencial da UFRJ Vila Residencial à Da Ilha da Sapucaia les que tivessem chegado na região ainda durante as obras de aterro, vivendo com aqueles intensas trocas sociais – rejeitassem inicial- mente o convívio com os outsiders. A chegada de “muita gente estra- nha” na Vila Residencial foi, inclusive, o principal motivo que levou a família de José Galvão a sair da localidade pouco mais de um ano após sua transferência da Ilha do Catalão para os antigos alojamen- tos da ECEX. A dinâmica de distinção social produzida sobre o terceiro e, mais ainda, o quarto tipo de morador da Vila Residencial, represen- tante de todos os estereótipos atribuídos à figura do favelado, se evi- denciava, sobremaneira, nas percepções acerca da subárea conheci- da como “Vila dos Solteiros” – um conjunto de 14 casas construídas precariamente na rua de acesso à localidade após a transferência das primeiras famílias para a Vila Residencial, tendo a maioria dos mora- dores chegado posteriormente ao local e sem ter inicialmente vínculo funcional com a UFRJ. A conjugação desses fatores era suficiente para que essa subárea fosse chamada por alguns de “a favela da Vila”. Outra forma na qual se evidenciava a estereotipagem dos fa- velados era nas percepções acerca da Escola Tenente Antônio João, na qual muitos dos antigos moradores estudaram quando crianças. Como Mário conta, o nível do ensino antigamente era tão bom que a escola era “disputada” por famílias de toda a região. No entanto, para muitos moradores da Vila Residencial, depois que ela passou a atender também “o pessoal da favela”, a qualidade do ensino piorou muito, referindo-se, nesse caso, tanto às crianças do Complexo da Maré, que passaram a ser matriculadas na escola, quanto às que resi- dem na própria vila, tendo migrado de outras favelas. Embora morasse na dita “favela” da Vila Residencial, Vanda, que não se percebia como outsider por ter chegado ali ainda “nos 2ª prova2ª –Jesus –26 fev 2014 5 4 3 2 1 Nota riorada queelaamatriculouemumaescolaprivadamaisdistante. lado, erajustamenteparadistinguirsuanetadessaidentidadedete- te Vanda dogrupoidentificadocomofavelado,poroutro faziaparte variáveis decadacontexto(DOUGLAS,1976,p.21).Seinternamen- ção seadequaaumaálgebra complexa quelevaem consideração as sujo emrelação aoutraevice-versa,umavezqueoidiomadepolui- ideia depoluição:queoélimpoemrelação aumacoisapodeser Douglas já dizia a respeito da necessidade de relativizarque Mary a naria aeducação de suaneta.Seu caso ilustracomperfeiçãoaquilo acreditava queoconvíviocommuitascriançasfaveladascontami- vela”, doquematriculá-lanaEscolaTenente AntônioJoão,vistoque em Parque União,situada,comofaziaquestãodedizer, “foradafa- tempos daECEX”,preferia pagarumaescolaprivadaparasuaneta 6

Particularmente,destaca-seaqui atransferênciadacapitaldopaísparaBrasília,em SegundoinformouoengenheiroHelmuthGustavoTreitlerementrevista, todosos Emboraarodoviasomentetenhasidoconstruídaefetivamente, pelo governodoes- CabereforçarqueoprojetodaCidadeUniversitáriacontemplou nazonaresiden- Segundo Trindade (2006, p. 78), com a extinção do CHP do Caju, grande parte de NofinaldoséculoXIX,jáhaviaapretensãodeseconstruirumaligaçãoentreas de Janeiro,em1965. 1960, eatransformaçãodaUniversidade doBrasilemUniversidadeFederalRio quanto aorecebimentodevisitas deparenteseamigosduranteoperíodoférias. todas asocorrênciasrelativas aos imóveisesolicitaçõesdasfamílias,inclusive moradores daviladoETUtinham,porém,uma“ficha”naqual eramregistradas 2007, arodoviaéadministradapelaPrefeituradoRiodeJaneiro. baseado napropostadoarquitetogregoConstantinoDoxiádis.Desde fevereirode tado, noiníciodosanos1990,oprojetofoiapresentado pela primeiravezem1965, cial docampusapenasalunoseprofessores. Gonçalves (2013). consultar tambémosestudosdePerlman(1977),Valladares(1978), Valla(1986)e midades, enquantoogovernourbanizasseasfavelas(oquedefato nuncaacorreu), provisoriamente apopulaçãofaveladaparaparquesproletáriossituados nasproxi- iniciada aindanosanos1940peloprefeitoHenriqueDodsworth,visandotransferir cidade, e para o CHP de Manguinhos, que passou a ser o de nº 2. Sobre a política seus moradoresforamtransferidosparaoCHPdePaciência,naZonaOesteda das avenidasFelicianoSodréedoContorno. do daPontaCaju,naavenidaFranciscoBicalho,atédesembocarconfluência tou porfazeraligaçãoentreRiodeJaneiroeNiteróimeioumaponte,partin- no parecertécnicoapresentadoporumGrupodeTrabalho,ogovernofederalop- contornava, viaMagé,atéDuquedeCaxias.Apenasem1965,entretanto,baseado cial eramaisrápida,masmenosseguradoqueaestradade100km nabara porbarcosouqualqueroutroveículodeflutuaçãocomotransportecomer- duas cidades,porponteoutúnelferroviário.Naépoca,atravessiadaBaíaGua- 2ª prova2ª –Jesus –26 fev 2014 125 Letícia de Luna Freire 2ª prova – Jesus – 26 fev 2014 2ª prova – Jesus – 26 fev 2014

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7 De acordo com o processo nº 00.024.7665-7, havia, em dezembro de 1953, na parte norte da Ilha do Catalão, numa área de 24.687m² “quatro habitações de construção rústica, tipo residencial”, com medidas que variavam entre 41m² e 88m², além de “muros e viveiros de peixe e poços para água pluviais”, de propriedade de Clotilde Escobar de Oliveira e Adelaide Escobar da Graça. Já na parte sul, numa área de 46.963m², havia uma única construção, de propriedade do doutor Luiz Felipe de Souza Sampaio e sua esposa Karla. De todas as famílias indenizadas pela desapro- priação das três ilhas, apenas Adelaide não concordou à época com a quantia ofe- recida, o que fez com que o processo fosse arquivado e, décadas depois, reaberto pelos seus descendentes, mesmo após seu falecimento. 8 A irmã de dona Ortista, esposa de Milton, também casou com outro morador da ilha, conhecido pelo apelido de “Filé”. 9 Deprimido, seu Ary suicidou-se em sua própria residência no dia 26 de julho de 2010.

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Da Ilha da Sapucaia à Vila Residencial da UFRJ Vila Residencial à Da Ilha da Sapucaia Segundo o estudo realizado por Fernandes e Costa (2009) sobre a história das fave- las do Complexo de Manguinhos, no início da década de 1950 cerca de 70 famílias oriundas da Ilha da Sapucaia foram reassentadas num loteamento da prefeitura nos terrenos que originaram as ruas Gregório de Sá e Santana do Livramento, onde os moradores construíram suas casas de madeira, substituindo-as, diante do de- clínio das iniciativas remocionistas, nos anos 1970, por alvenaria. De acordo com a pesquisa de Beltrão (1978 apud TRINDADE, 2006, p. 79), esse loteamento teria composto o Centro de Habitação Provisória nº 5, conhecido como São José, cujas habitações foram construídas pelo prefeito Sette Câmara para os antigos funcioná- rios de limpeza urbana e sua administração foi delegada à Fundação Leão XIII, que já administrava à época os outros CHP’s existentes na cidade. 11 Sem dúvida, ter os trabalhadores residindo próximo ao trabalho também se mostra vantajoso para muitas instituições e empresas, sobretudo as que atuam no setor de construção civil e industrial, empregando um grande número de operários em tempo integral, mas me contentarei aqui em apresentar apenas as motivações dos funcionários da UFRJ em quererem morar na Vila Residencial. Em relação às uni- versidades da região metropolitana do Rio de Janeiro, não encontrei nenhuma que oferecesse moradia para seus funcionários, exceto a Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro, que possui uma vila funcional construída nos moldes do desenvol- vimento sustentável. 12 Com exceção de Baltazar, que mora na Ilha do Governador e fora convidado para a atividade pelos parentes, todos os demais são moradores da Vila Residencial com os quais eu mantinha contato. Além destes, havia estendido o convite a outras pes- soas que também haviam residido na ilha e mantinham estreitas relações com essa família, mas que, por diversas razões, não puderam comparecer. 13 Segundo Valladares (2005, p. 36), na visão dos primeiros observadores da favela do Rio de Janeiro, cerceada pelas preocupações políticas relativas à consolidação da jovem República, à saúde da sociedade e à entrada na modernidade, a favela per- tencia ao mundo antigo, bárbaro, do qual era preciso distanciar-se para alcançar a civilização. Analisando a construção das representações sociais da favela carioca ao longo do século XX, a autora destaca que, tal como utilizada hoje, tanto nas produções eruditas quanto nas representações da mídia, a categoria de favela é o resultado mais ou menos cumulativo e contraditório de representações sociais sucessivas, originárias das construções dos atores sociais que se mobilizaram em relação a esse objeto social e urbano, tratando-se, de certo modo, de uma favela inventada. “Um pedacinho do céu”

Situando o lugar

Localizada a sudeste da Ilha do Fundão, a Vila Residencial per- tence, segundo a Prefeitura do Rio de Janeiro, ao bairro da Cidade Universitária, integrando a XX Região Administrativa. Os 15 bairros que compõem esta região administrativa (14 dos quais situados na Ilha do Governador) encontram-se inseridos, juntamente com outros 54 bairros da Zona Norte da cidade, na Área de Planejamento 3. Apesar do nome, a Ilha do Fundão, cujas instalações da Cidade Universitária ocupam cerca de 30% do território, não está propria- mente destacado do continente, como é o bairro de Paquetá, que tem o transporte marítimo como única forma de acesso. Cercada pela Baía de Guanabara, na altura do Canal do Cunha, pela Ilha do Governador (que também não é mais, nesse sentido, uma ilha) e pelos bairros do Caju (pertencente à I Região Administrativa – Portuária) e da Maré (XXX Região Administrativa, composta por 16 favelas), a Ilha do Fundão sequer tem a via marítima como meio de transporte público, sendo seu acesso efetuado prioritariamen- te por rodovias, através da Avenida Brasil, da Avenida Governador Carlos Lacerda e da Via Expressa Presidente João Goulart, estas úl- timas mais conhecidas como Linha Amarela e Linha Vermelha. Com a construção desta nos anos 1990, a Ilha do Fundão, como grande parte das favelas da Maré que tangenciam a via expressa, passou a constituir paisagem obrigatória na rota de grande parte dos viajan- tes que chegam ou partem da cidade pelo Aeroporto Internacional Antônio Carlos Jobim. No interior da Ilha do Fundão, a Vila Residencial ocupa uma área de 122.640m². Entretanto, ela é relativamente oculta aos olhos 2ª prova – Jesus – 26 fev 2014

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do grande número de pessoas que frequentam diariamente a Cidade Universitária. Circunscrita pelo Canal do Cunha ao sul, por uma área de mangue a oeste, pelo Parque Tecnológico a nordeste e por algu- mas instalações administrativas da UFRJ (Divisão de Transportes, Divisão de Saúde do Trabalhador, Incubadora de Empresas, Gráfica

“Um pedacinho do céu” e Pós-Graduação da Escola de Belas Artes) a noroeste, a localidade encontra-se, como assinala Souza (2006), numa situação de “fim de linha”, ou seja, um lugar frequentado apenas por quem mora ou de- cide ir lá. Cabe lembrar que, apesar de pouco visível aos usuários da Cidade Universitária, a Vila Residencial é o ponto final de uma das linhas dos ônibus da UFRJ que circulam pelo campus. Muitos são, aliás, os estudantes e funcionários que acabaram “descobrindo” a localidade acidentalmente, ao pegarem a antiga linha Alojamento- Reitoria, que parava na Vila Residencial antes de passar na aveni- da Pedro Calmon, em vez da linha Alojamento-Reitoria Especial, que passava apenas por esta avenida, nos dois sentidos. Em 2009, quando esta linha passou a se chamar Alojamento- Vila Residencial, identificando corretamente os dois pontos finais de conexão, muitos dos usuários da Cidade Universitária hesitavam em entrar no ônibus por desconhecer o destino indicado. Para os mora- dores da Vila Residencial, por sua vez, a pequena mudança no letrei- ro teve um efeito simbólico significativo de visibilidade e reconheci- mento por parte da universidade – questão que será desenvolvida mais apropriadamente no próximo capítulo.

Uma etnografia das ruas

Em 2008, quando iniciei o trabalho de campo, a Vila Residencial possuía 15 ruas, uma praça e um grande campo de futebol. Seu traça- do urbano segue o padrão do antigo canteiro de obras da ECEX, com o predomínio de ruas e quadras regulares. No início dos anos 1990, a prefeitura da UFRJ alterou a antiga designação das ruas, que eram numeradas – outra herança da ECEX –, dando-lhes nomes de flores: Papoulas, Acácias, Rosas, Cravos, Azaleias, Margaridas, Dálias, Camélias, Palmas, Tulipas, Orquídeas, Vitória Régia, Violetas, Flor de Lis e Açucenas. Até hoje, porém, a nu- meração anterior ainda é a forma predominantemente utilizada pelos antigos moradores para se referir às ruas. 2ª prova2ª –Jesus –26 fev 2014 dente (ruasn calmente. Aausência de três ruasnaordem sequencial correspon- Papoulas) traçadashorizontalmenteeasruaspares- traçadasverti da ECEX,sendoasruasdenúmeros ímpares (comexceçãodaruadas nal de organização do espaço concebida no antigo canteiro de obras nificação atualdalocalidade,percebe-se- claramenteaformaortogo entre as criançasquebrincamatéanoitenapraça. bém entre osclientesdosestabelecimentoscomerciais ali situados e entre aqueles queembarcam edesembarcam doônibus,mastam- espaços quemaispromovem encontros nalocalidade,nãosomente abrangendo todooentorno darótula, percebemos queesseéumdos igreja etambémapraça.Seconsiderarmososeuraiodeextensão, tro, umpequenocanteiro comaestatuetadasantaquenomeia a oito bancosde concreto (quatro enfileiradosdecadalado) e,nocen - Alémdaigreja,esportes. tem-se, emfrente aela,nadamais doque cimentada era ocupada pela Escola Rio-Niterói e por uma quadra de Senhora RainhadosApóstolos.NaépocadaECEX, todaessaárea mas aextensãodaquadranaqualsesituaigreja católicaNossa qual o ônibus contorna para fazer sua parada e seguir o percurso, signado propriamente comopraçanãoéapenasapequena rótula na os eventosfestivos. tas dasmanifestaçõescoletivas,comooscampeonatosdefutebole mais doquerotas depassagem,sãolugares nosquaisocorrem mui- se estendeaopontodeônibuseiníciodaruadasMargaridas, são de eladesembocarnapraça),quanto a praça,cujoraiode referência rador Tilson Coelho (última construçãonaruadasPapoulas,antes campo, cujoraiodereferência seestendeaobarerestaurante domo- dahistórialocalevidacotidianados moradores.suporte Tanto o enquanto o dia e anoite, mas também em função da sua importância entrada esaídadalocalidade,oquelhesconfere movimentodurante referenciais, nãosomenteemfunçãodeestarem situadosnazonade e asipróprios: ocampoeapraça.Estesdoisespaçospúblicossão de referência, atravésdosquaisosmoradores orientamosvisitantes algumas ruasetrechos deoutrassimplesmentedeixaram deexistir. trução denovasmoradiaseasobrasampliaçãodasexistentes, expansão dalocalidadenasúltimasdécadas,vistoque,comacons- Comparando-se as designaçõesanteriores dasruascomapla- Ao andarpelalocalidadevê-se,porém, queopodeserde- A Vila pontos Residencialpossuipelomenosdoisimportantes o 2ª prova2ª –Jesus –26 fev 2014 3,n o 15en o 17)explica-sepelopróprio processo de 129 Leticia de Luna Freire 2ª prova – Jesus – 26 fev 2014

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Os desenhos e redações nos quais as crianças descrevem o lugar em que moram ilustram a centralidade desses dois espaços na configuração socioespacial da localidade. Tomemos como exem- plo a descrição que Wanderson, de 10 anos, faz do seu bairro: “O Fundão é um lugar calmo e tranquilo e um lugar bom de morar como

“Um pedacinho do céu” o campo, a praça e outros lugares.” Embora intitule sua redação como “O Fundão”, aparecem nela apenas elementos referidos à Vila Residencial, que ele qualifica como um lugar “bom de morar”. Além da tranquilidade, destaca como seus aspectos positivos o campo e a praça, sem citar “outros lugares” que considere importantes. Não há na redação qualquer referência à Cidade Universitária, o que permite perceber que, diferentemente dos adultos, para muitas crianças da Vila Residencial a UFRJ é pouco presente em seu cotidiano. Ou seja, ainda que a Cidade Universitária ocupe grande extensão do bairro, a vida social das crianças encontra-se fortemente circunscrita no uni- verso da própria localidade. Para conhecê-la mais de perto, apresen- to a seguir uma breve descrição de suas ruas. Contígua à rua Paulo Emídio Barbosa, da Cidade Universitária, a rua das Papoulas é, desde os anos 1970, a única via de acesso formal à Vila Residencial.1 É através dela que o ônibus da UFRJ realiza dia- riamente seu percurso em direção à praça, onde faz a única parada na localidade, contornando a rótula para retornar ao alojamento estu- dantil. Justamente por ser a única via de acesso, é também a única rua asfaltada, ainda que de forma parcial (somente até a praça) e precária (contendo muitos buracos). Logo no seu início é possível avistar, à di- reita, vestígios da antiga cancela que controlava o acesso de veículos e pessoas à localidade. Pouco à frente, vê-se o grande e degradado cam- po de futebol e algumas árvores margeando o meio-fio, nas quais, de- pendendo do clima, são improvisados pequenos varais para secar as roupas dos moradores das residências situadas do outro lado da rua. O conjunto dessas 14 edificações enfileiradas à esquerda é co- nhecido pelos moradores como “Vila dos Solteiros”, como referência aos antigos alojamentos de operários solteiros da ECEX que origina- ram esse pequeno aglomerado. Essas casas foram construídas pre- cariamente em terreno próximo aos antigos alojamentos, após eles terem sido destruídos durante um incêndio. Apesar de manter o ape- lido dos antigos alojamentos, apenas quatro dessas residências são hoje ocupadas por solteiros, tanto homens quanto mulheres. Ainda que as residências não sejam homogêneas no que tange à qualidade 2ª prova2ª –Jesus –26 fev 2014 de muitosburacosnotrecho próximo aessasresidências eoseu gumas dessasfamílias.Ainda quearuasejaasfaltada,existência revelamjanelas, quandoabertas, inevitavelmenteaintimidadedeal- passam necessariamente pela frente e desuascasas,cujas portas da localidade tos que os demais. Afinal, todos que chegam ou partem Residencial, estesmoradores estãovisualmentemuitomaisexpos- Fotos deLeticiaLunaFreire,2009. acasadocasalWallaceà esquerda, eMaria;àdireita,acasa-garagemdosenhorVicente. a casa de Vanda; de cima: à esquerda, parte de baixo: à direita, a casa de Deise. Na parte Figuras 10a,10b,10ce10d-FachadadealgumasdasresidênciasdaViladosSolteiros.Na e construiunosfundosdelaasuaresidência. cinco comprou umagaragemporR$4.000,00paraguardar seufusca, lhimento denovosmoradores, comoseuVicente, de 62anos,quehá localidade. Estafoi,aliás,umadasúltimasáreas deexpansãoeaco- moradias daVila dosSolteiros emrelação àsdemaismoradiasda em seu conjunto, destaca-se, entretanto, a maior precariedade das casas bastantepobres emalgumasruasinternasdaVila Residencial, (chapas deaço,pedaçosmadeira,plásticosetc.).Emboraexistam ainda quealgumastenhamacabamentocommaterialimprovisado e aotamanhodasconstruções,todastêmsuaestruturaemalvenaria, Por suasresidências estarem situadas naentradadaVila 2ª prova2ª –Jesus –26 fev 2014

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desnível em relação ao aterro do Parque Tecnológico (quase três metros acima da localidade) faz com que esta seja também uma das áreas mais afetadas por alagamentos e enchentes.2 Essa característi- ca contribui para acentuar a visibilidade social dos moradores, tor- nando-os mais expostos ao julgamento e à avaliação dos outros.

“Um pedacinho do céu” Como procurei mostrar no capítulo anterior, alguns moradores de “dentro” da localidade referem-se a essa subárea como “a favela da vila” e esta designação não se restringe apenas à sua precariedade habitacional, mas abarca também a condição moral dos próprios moradores. Também não é raro ouvir comentários semelhantes ao de um morador da rua das Camélias, que, ao defender a remoção dessas residências, disse que “os barracos dali enfeiam, atrapalham a entrada da vila”. Mais do que a melhoria das condições de habi- tabilidade das famílias, é o argumento estético – tal qual utilizado, no início do século XX, por Alfred Agache em referência às favelas cariocas3 – de que a presença da Vila dos Solteiros contamina toda a Vila Residencial que se sobressai. Após esse pequeno conjunto de residências, delimitados, nos fundos, por um grande muro que separa a Vila Residencial do Parque Tecnológico, encontra-se o abrigo do ponto de ônibus e um trailer que serve lanches à noite, à esquerda, e a referida praça, à direita. Passando pela igreja católica que ocupa quase inteiramente esta quadra, avista-se apenas a continuação do muro à esquerda e, no fi- nal da rua, outro muro com um portão de ferro que privatiza esse tre- cho, restringindo o acesso aos fundos dos lotes das residências situ- adas na rua das Orquídeas, formando uma pequena vila dentro da Vila. Nos fundos desta, encontra-se, à beira da baía, parte do extenso terreno alugado por uma empresa especializada em transportes es- peciais e intermodais, a Superpesa. A rua dos Cravos é a primeira transversal à rua das Papoulas, tendo o campo à direita e o bar-restaurante do Tilson à esquerda, no qual muitos funcionários da Superpesa costumam almoçar. Ao lado deste, veem-se os fundos da sede da Associação de Moradores e, mais à frente, uma grande construção de dois pavimentos onde fun- ciona a Assembleia de Deus Ministério Monte Sinai. Ao lado da igreja, uma viela (sem nome) interliga essa rua com a rua das Margaridas. À direita, após o campo, vê-se a estrutura de um velho depósito, ori- undo de um antigo projeto de reciclagem de lixo desenvolvido pela UFRJ, e que hoje é utilizado pela Associação de Moradores como 2ª prova2ª –Jesus –26 fev 2014 Francisco deAssis,oChiquinho.Foinessaruatambém,nacasan idente daAssociaçãodeMoradoreseatualcoordenadordoSintufrj número deimóveis alugados. Énessarua,aliás,queresideoex-pres- que possuiamaiorquadraresidencialeumadaso gem ecalçadaregular.Emrelaçãoàsdemais,aruadosCravosé qualidade eaotamanhodaáreaconstruída.Poucaspossuemgara- construção, apenas residências de alvenaria, variadas em relação à uma pequenaigrejaevangélica,umbarelojadematerial almoxarifado. Seguindopelaruadeterrabatida,vê-se,alémmais a ruadosCravos,comqual seliganumacurvaemformatodaletra é cortadapelaruaAçucenas, e,aofinal,conecta-senovamentecom tre osquaisosenhorMilton Brasil.Maisadiante,aruadasMargaridas doméstico darua.Nessarua residemmuitosantigosmoradores,en- que possuemummurocontornandooterrenoeseparando oespaço possuem calçadascimentadasregulares.Poucassão, entretanto,as Diferentemente da ruadosCravos, a maioriadasresidências aqui am seenquadrarnopadrãodeconsumodachamada classemédia. visão porassinatura,indicandoapresençadefamílias quepoderi- seio relativamentenovosestacionados,antenasparabólicas detele- com dois pavimentos. Algumas exibem, além de automóveis de pas- tabelecimentos, vê-seumafileiraderesidências,grande partedelas pedestres quantopeladeautomóveis. largas emovimentadasdaVilaResidencial,tantopelacirculaçãode de Moradores,elaé,juntocomaruadasPapoulas,umamais Devido àsatividadescomerciaiseàpresençadasedeAssociação etc.) échamadapormuitosmoradorescomo“aruadocomércio”. principais estabelecimentoscomerciaislocais(mercadinho,padaria la àruadosCravos,seguindoemdireçãobaía.Porconcentraros torna e faz sua parada na localidade, a rua das Margaridas é parale- existente nosfundosdarua. seu proprietário,comomuitos,construiusobreaáreademangue banheiro evaranda,foraaáreadeserviçoograndequintalque edificada, divididaemdoisquartos(umasuíte),sala,cozinha,copa, um dosmaioresterrenosdarua,com352m²,sendo112m²deárea pude aprofundarminhasobservaçõesnocampo.Essacasaficaem que alugueiumquartopordoismesese,naqualidadedemoradora, Ao passar a primeira quadra em que se concentram tais es- Com iníciopróximoàrótulaporondeoônibusdaUFRJcon- 2ª prova2ª –Jesus –26 fev 2014 o 50, 133 Leticia de Luna Freire 2ª prova – Jesus – 26 fev 2014

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U, amparada por um muro que contorna parcialmente a localidade, bloqueando a visão da baía. Com início também próximo à rótula e paralela à rua das Papoulas, a rua das Acácias faz parte da zona de maior circulação da localidade, sendo, para muitos moradores, caminho pelo qual se di-

“Um pedacinho do céu” rigem aos principais estabelecimentos comerciais e ao ponto de ôni- bus. Sua pavimentação, no entanto, restringe-se ao trecho em torno da rótula no qual transita o ônibus da UFRJ, sendo o restante de sua extensão em terra batida, repleta de buracos que facilitam a retenção de água durante as chuvas. Uma vez que toda a quadra à esquerda é ocupada pela praça e pelas instalações da igreja católica, a rua não dispõe de muitas residên- cias, senão aquelas situadas do seu lado direito, a maioria com laje co- berta, mas sem calçamento uniforme. Nesse pequeno trecho, residem, desde quando vieram da Ilha do Catalão, no final dos anos 1970, o sen- hor Rubem e sua filha Wânia, numa casa de esquina com a rua das Camélias. Além de ter uma loja de jogos eletrônicos, onde também fun- ciona, nos fundos, uma pequena lanchonete, foi inaugurado, em 2009, na esquina com a rua das Camélias, um restaurante self-service, no qual também são vendidos lanches, sorvetes, doces e bebidas. Paralela à rua das Margaridas, a rua das Camélias também é uma importante via de circulação interna de moradores devido ao fato de se conectar, perpendicularmente, com outras cinco ruas. É por ela que os moradores dessas ruas costumam passar, a pé ou de automóvel, no trajeto diário entre o trabalho e a casa. Entre os estabelecimentos comerciais, essa rua possui apenas uma loja de material de constru- ção e uma academia de ginástica, que funciona à noite no espaço adaptado de uma residência, além de um pequeno armarinho impro- visado na fachada de outra residência, onde são vendidos sacolés, velas, pilhas, brinquedos, absorventes femininos e fraldas, entre outros produtos. As residências, por sua vez, variam em tamanho e padrão arquitetônico, continuando a prevalecer construções com lajes cobertas e a ausência de calçamento uniforme. Quase nenhu- ma, porém, possui garagem ou automóvel. A ausência de muro ou cerca delimitando os terrenos é compensada, em alguns casos, pela improvisação de varandas com a utilização de vasos de plantas e pedaços de madeira como forma de privatizar o espaço e preservar a privacidade das famílias. É numa edificação desse tipo que reside o pastor Manoel Teixeira, ex-morador da Ilha do Catalão, que ergueu 2ª prova2ª –Jesus –26 fev 2014 no capítuloanterior. Elacomprou, nofinal dos anos1980,a“metade” circulação deveículos.Nela moraVerinha, umadasmoradorascitados em lotescommenosde150m², raramentesevênointeriordessaruaa hecida poralgunscomo“a ruadafofoca”.Estreita ecomresidências no local.Porjátersidopalcodemuitasbrigasnalocalidade, eracon- a segurançadasfamílias,evitandocirculação depessoas estranhas do avendadedrogas realizada porumjovem,comoformadegarantir los próprios moradores dessa rua, em 2001, após incidentes envolven- ticularizado dentro dalocalidade.Suainstalaçãofoi providenciada pe- dáaimpressãoerto, dese tratar demaisumaárea públicade usopar a ruadasCamélias,presença emborafrequentemente doportão, ab- pela própria expansãodasresidências nessetrecho. Jánaligaçãocom ferro. Naantigaligaçãocomarua dasTulipas, oacessofoifechado sem saída,pavimentadaecomoacessorestringido de porumportão de ser a única cial da localidade, a rua das Dálias tem a particularidade das Camélias. na “BarracadaSão”,estrategicamentesituadaesquinacomarua randa dacasadeTeresinha, eavendadedoces,biscoitosbebidas nava- ais aliencontradassãoavendadesacolés,picolésesorvetes única quadraresidencial de cadalado.Asúnicasatividadescomerci- ligação comaruadasCaméliaseTulipas, constituindouma to, umarota depassagemdosmoradores dos“fundos” dalocalidade. outra seconectacomaruadasTulipas, sendo,tambémnesseaspec- suas extremidades essaruaencontra-secomadasCamélias,na visadamente na residência do senhor Gilcimar. Enquanto numa de comercial, masapenasumapequenabarbeariaquefuncionaimpro- diferença dequenãohánelaumúnicoestabelecimentoestritamente ovaievemdostranseuntes. desuascasasobservando portas o senhorAry, quepodiam serfacilmenteencontradosnasoleiradas uma mesmafamíliadaIlhadoCatalão,assimcomoosenhorAltinoe antigos moradores, como Odaleia eSandra, ambos provenientes de pedestres emrelação àsuacasa.Alémdele,residiam nessaruaoutros cie cultivando, aolongodosanos,umacerca vivacomaplantadaespé- em frente àfachadaumapequenavarandacomtábuasdemadeira, fícus aoredor desua janela, controlando, assim, adistância dos Em relação àsdemaisruastransversaissituadasnocentro espa- Paralela à rua das Rosas, a rua das Azaleias também possui A ruadasRosassegueopadrãodescritonaanterior, coma 2ª prova2ª –Jesus –26 fev 2014 - 135 Leticia de Luna Freire 2ª prova – Jesus – 26 fev 2014

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de uma residência e hoje também é proprietária da residência vizinha, na qual, após a reforma, pretende alojar sua mãe. Assim como a rua das Rosas e a rua das Azaleias, a rua das Palmas possui conexão tanto com a rua das Camélias quanto com a Rua das Tulipas. Entre as residências, é possível encontrar distin-

“Um pedacinho do céu” tos padrões construtivos. No entanto, destaca-se das demais uma pequena casa de tijolos sem qualquer revestimento, onde mora uma família com três crianças, identificada pelos vizinhos como sendo “muito pobre”. Ao seu lado, numa casa de um único pavimento, mas com melhor acabamento, cuja estrutura pode ser reconhecida como a de um dos antigos alojamentos, reside o casal de ex-moradores da Ilha do Catalão, o senhor Arnóbio e sua esposa Lurdes. A rua das Açucenas começa na rua Cravos, na altura do no 50, cortando a rua das Margaridas e a rua das Camélias em direção à baía. Suas residências não diferem muito daquelas descritas anterior- mente, senão pelo conjunto de nove quitinetes construídas à beira da baía, alugadas pelo morador Mauro. Ao lado dele, reside a família de dona Ortista, esposa do falecido Carioca, ex-moradores da Ilha do Catalão, e que construíram, nos fundos, um pequeno cais para suas embarcações. É nessa rua que se situa a única creche (privada) exis- tente na localidade. Paralela à rua das Camélias, a rua das Tulipas liga o final da rua das Palmas à rua das Acácias, possuindo, como se vê na planta, dois pontos de estrangulamento no cruzamento com as ruas das Azaleias e Palmas, onde a expansão da ocupação das residências afunilou a largura das vias, sem, contudo, comprometer a travessia de veículos em mão única. Entre os estabelecimentos comerciais, existem dois bares, um em cada extremidade da rua. Dentre as residências, destaca-se aquela que, no imaginário local, é conhecida por ter sido cenário de um crime que ganhou as páginas policiais dos jornais em 2000, chocando toda a população lo- cal: o assassinato, a facadas, de um comerciante, então com 34 anos, por sua própria esposa e a amante dela, também moradora, para garantir a continuação do relacionamento homossexual. Segundo matéria do jornal O Globo (NUNES, 2000), o corpo do comerciante, que estava desaparecido há mais de dois meses, foi encontrado en- volto num edredom em um automóvel submerso num cais da Cidade Universitária. Após cercarem a Vila Residencial, policiais da 37a DP (Ilha do Governador) capturaram as mulheres na casa do pai da 2ª prova2ª –Jesus –26 fev 2014 que funcionaemárea construídaàsmargens da baía,oferecendo sem finslucrativos,criada pormoradores, chamadaOlhar do Mangue, mentos comerciais nemreligiosos, possui,nofinal,uma organização é atravésdaruaVitória Régia.Emboratambém nãotenhaestabeleci- quintal dealgumasdelas. midade com as residências faz com que as águas pareçam banhar o fundos daruaqueescondaabaíadospedestres, suagrandeproxi- quase restrita àquelesquenelaresidem. Aindaquehajaummuro nos estabelecimentocomercial oureligioso,nenhum suacirculação é de todas. Por ter como único acesso a rua Vitória Régia e não ter antigos moradores, jáfuncionouumcentro espírita. de únicopavimentoecomumquintalarborizado.Nessa casa,dizem pequena igreja evangélica, tendo ao seu lado uma residência simples relatam ficarmuitotempo,àsvezesmeses,semcircular “lánafrente”. costumam serpoupados,pelosfamiliares, dosafazeres domésticos, idosos quenãotêmnecessidadedesairdiariamenteparatrabalhar, e dentes. Damesmaforma,algunsmoradores dessasruas,sobretudo os circular poressasruas,senãoparavisitarparentes ouamigosaliresi- Poucos sãoosmoradores da“frente” dalocalidadequecostumam com asdemaisdazonademenorcirculação internanalocalidade. frente enosfundosdaresidência. Aomesmotempo,essaruafazparte das Tulipas, que reside a família de Tuniquinho, com espaços livres na queliga estaruaà desse tipo,porexemplo,napequenacurva existência depequenosespaçoslivres emseuinterior. Énumlote a mensões, comedificaçõesmaisamplas,permitindo,porvezes, dá acesso, à região da localidade que apresenta lotes de maiores di- residências, aruaVitória juntocomastrês Régiapertence, àsquais dos lados,pelasruasOrquídeas, Violetas eFlordeLis.Concentrando Tulipas, seguindoatéaruadasAcáciasesendoentrecortada, emum ainda emmadeira,viveseuoutro filho,Pedro, comasfilhas. Henrique. Nacasaaolado,únicovestígiodosantigos alojamentos 1970, aex-moradoradaIlhadoBomJesus,donaRegina,comseufilho a sernovamenteocupada.Próxima aela,vive,desdeofinaldosanos horror pelos vizinhos, e a residência em que o crime ocorreu custou amante, navizinharuadasAzaleias.Ocasoéatéhojecontadocom Assim comoaanterior, aúnicaformadeacessoàruadasVioletas A rua Flor de Lis, talvez se possa dizer, é a mais “escondida” Além de residências, a rua Vitória Régia possui apenas uma A rua Vitória Régia é, em grande extensão, paralela à rua das 2ª prova2ª –Jesus –26 fev 2014 137 Leticia de Luna Freire 2ª prova – Jesus – 26 fev 2014

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gratuitamente oficinas de artes e fotografia, entre outras, para cri- anças, jovens e adultos da localidade. Com exceção dos que frequen- tam essa organização, a circulação de pedestres e veículos nessa rua é quase restrita às famílias ali residentes. Entre os antigos moradores, encontramos a família de dona Alvelina. A que a fez optar

“Um pedacinho do céu” por essa casa continua a sombrear e ornamentar seu pequeno jardim. Localizada atrás da quadra em que se encontra a igreja católi- ca, a rua das Orquídeas, ao contrário das descritas anteriormente, possui três estabelecimentos comerciais existentes há mais de dez anos: um armarinho e dois bares. Ao lado de um desses bares, re- side, num pequeno sobrado, a família de Rogério, filho de Arnóbio e Lurdes, ex-moradores da Ilha do Catalão. Sem saída, essa rua tem seu acesso fechado, nos fundos, pelo muro que faz fronteira com a área ocupada pela Superpesa. As ruas dos Girassóis, dos Lírios e das Begônias foram criadas, no final de 2009, a partir da transferência dos moradores da Vila dos Solteiros para as residências construídas em uma área vizinha ao cam- po e próxima à rua dos Cravos. A figura a seguir indica, com setas, a localização das novas residências, contornadas pelas três novas ruas.

Figura 11 - Planta baixa da Vila Residencial, indicando a localização das novas residências dos moradores da Vila dos Solteiros. Fonte: Memorial Justificado da Regularização Fundiária da Vila Residencial da UFRJ, 2010. 2ª prova2ª –Jesus –26 fev 2014 radores amenosdoquenocensoanterior. a existênciade1.318habitantes(MEMORIAL...,2010),ouseja,44mo- o novocenso,coordenado pelaAssociaçãodeMoradores, apontou lidade, divididosem316domicílios(BITTENCOURT, 1999). Em2009, prefeitura daUFRJapontouaexistênciade1.362habitantesnaloca- bilizado nestaúltimadécada.Em1999,oúltimocensorealizado pela populacional, o número de moradores parece ter, entretanto, se esta- expansão nasprimeirasduasdécadas,provocada peloadensamento mente, apontodeter, em2010,413domicílios.Apesardesuarápida tos era180,comanovaocupaçãodaárea alocalidadecresceu rapida- ao seuespaçofísicoquantoàsuapopulação. Vila Residencialsofreu muitastransformações,tantonoqueserefere tigos alojamentosdaECEXpelasfamíliasdefuncionáriosUFRJ,a precárias condiçõesdehabitabilidadealiexistentes. jeto antigodefendidopelaAssociaçãodeMoradores, motivadopelas Papoulas, concedendo novas moradiasparaasfamílias,eraumpro- fundiária, oprojeto pôdeserconcretizado. somente em2009,comoandamentodoprocesso deregularização riar apoioerecursos paraaconstruçãodasnovasresidências, mas nos últimosanos,astentativasdaAssociaçãodeMoradores deanga- Universitária, habitantes e 457 domicílios permanentes em todo o bairro da Cidade conta queosdadosdoCensode2010,apontamaexistência de1.556 estabilização donúmero dehabitantesnalocalidade. Selevarmosem versas, apequenadiferença dosresultados indicaatendênciauma mentos tenhamsidorealizados pororganizações emetodologiasdi- Os moradoresesuascasas to escolaridade,opadrão médiodapopulação(367moradores, isto localidade pode ser considerada economicamente ativa. No quesi - e 141têmmaisde60anos. até 13anos,111têmde até18anos,824têmde60anos no quesito faixa etária, 52 moradores têm até6 anos, 149têm de 6 maior concentraçãopopulacionaldaIlhadoFundão. Se, duranteatransferência dasfamílias,onúmero dealojamen- Nas maisdetrês décadaspassadasdesdeaocupaçãodosan- A proposta dedemolirasconstruçõesdoiníciodaruadas Quanto aoperfildapopulação, 6 2ª prova2ª –Jesus –26 fev 2014 conclui-sequeaVila Residencialé,defato,aárea com 8 Ouseja,maisde80%da populaçãoda 7 oúltimocensoapontouque, 5 Aindaqueesteslevanta- 4 Diversasforam, 139 Leticia de Luna Freire 2ª prova – Jesus – 26 fev 2014

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é, 36%) situa-se no ensino fundamental incompleto, número não tão discrepante do total dos que concluíram o ensino fundamental (119), estão cursando (121) ou concluíram o ensino médio (180). Embora o número de moradores que estão cursando (41) ou concluíram o ensino superior (29) represente 6,87% da população, é consideravel-

“Um pedacinho do céu” mente menor do que o daqueles que alegam não ter tido nenhuma escolaridade (97), ou seja, 9,6%. No que tange à ocupação dos moradores, a maioria dos en- trevistados declarou possuir vínculo empregatício ou trabalhar com carteira assinada (319), seguidos pelos que alegaram não estar tra- balhando (123), os trabalhadores autônomos (69) e os biscateiros (46). Dos que estão empregados, 169 trabalham no setor privado e 195 trabalham no setor público, sendo 183 na esfera federal, cinco na esfera estadual e sete na esfera municipal. Dos 183 trabalhadores da esfera federal, 128 (ou seja, 70%) são funcionários da UFRJ. Se no início a localidade foi ocupada exclusivamente por fa- mílias de funcionários da UFRJ, o primeiro censo já apontava, en- tretanto, a presença de uma parcela significativa de moradores sem vínculos com a instituição. Segundo os dados de 1999, 83% possuíam algum vínculo com a UFRJ, sendo 51% funcionários ativos da univer- sidade, 24% funcionários inativos e 8% pensionistas, enquanto 17% dos moradores não tinham qualquer vínculo com a universidade. Já o censo de 2009 apontou que, dos 361 titulares que entregaram comprovante de rendimento durante o cadastro para a regulariza- ção fundiária, 49% (176 moradores) possuíam algum vínculo com a UFRJ, sendo 25% (91) funcionários ativos, 13% (49) aposentados, 9% (34) pensionistas e 0,8% (3) bolsistas. Comparando os resultados dos dois censos, pode-se inferir, assim, a tendência à diminuição do nú- mero de moradores que possuem vínculo com a UFRJ e a um respec- tivo aumento do número dos que não o possuem, representando hoje quase a metade da população da localidade. Em relação à renda mensal, o último censo aponta que 177 titulares (49% da amostra ou 33% da população total economica- mente ativa) recebem até R$1.500,00, 160 recebem entre R$1.500,00 e R$5.000,00 (44%), 21 recebem entre R$5.000,00 e R$7.000,00 (5%) e apenas 3 recebem mais de R$7.000,00 (0,8%). O cruzamento des- tes dados com os do item anterior permite constatar que os mo- radores que possuem vínculo com a UFRJ geralmente possuem maiores rendimentos do que aqueles que não o possuem, estando 2ª prova2ª –Jesus –26 fev 2014 dar lugar a cinco moradias independentes. Enquanto a casa original Alvelina, cujoloteantesocupado porumaúnicaresidência passoua solo émaisgeneroso, comoaruadasVioletas earuaVitória Régia. população foramjustamente aquelasnasquaisoparcelamento do indica queasruasemfoiverificadoumpequeno aumentoda dentro doslotes.Nãoporacaso,ocadastro realizado pelaAmavila foram sendodivididosinternamente, desmembrados e ampliados foram posteriormentemigrandoparaalocalidade, muitosimóveis cimento dasfamíliaseacolheraquelesque,pormotivos diversos, de transformaçãodasunidadesexistentes.Paraacompanhar ocres- vas unidadesnosúltimosanos,conclui-sequehouve umprocesso mento do número de moradias, sem considerar a edificação de no- vassem asconstruçõesemrelação aoníveldarua. barreiras decimentonasentradasdasresidências eatémesmoele- moradores aterrassemcadavezmaisasruas,erguessem pequenas riscos decorrentes dosalagamentosfizeramaindacomquemuitos parasuafamília.Os garantir umamoradiamaisseguraeconfortável zes, reconstruir, comseuspróprios recursos, osimóveisdemodoa operários daECEXlevouosnovosocupantesareformar e,muitasve- truções feitasdemadeiraparaabrigarprovisoriamente osantigos que mudouaolongodessesanos.Adegradaçãonaturaldascons- superior àdeseusfamiliares. trajetória profissional quelhespermitiuatingircondiçãofinanceira funcionários daUFRJque,nageraçãoseguinte,construíramuma grupo deexceção,sobre esseaspecto,écompostoporfilhosde funcionais com a UFRJ experienciado nas gerações passadas. Um deles financeiramente, rompendo ociclode reprodução devínculos dependamcadavezmais muitos filhosenetosdeantigosservidores profissional e inserção no mercado de trabalho têm feito com que quadros dasinstituiçõespúblicas,asdificuldadesdequalificação mentos legaiseburocráticos paraacontrataçãodepessoalnos um antigo servidor daUFRJ. um antigoservidor tendo comoúnicarenda osalário,aaposentadoriaoupensãode um número razoáveldefamíliasquesobrevivem financeiramente respectivamente. Poroutro lado,otrabalhodecampoevidenciou representados, emsuamaioria,nasegundaeprimeirafaixaderenda, Um bomexemploaesserespeito éocasodafamíliadedona Confrontando os dados de redução da população e de cresci- Mas nãofoiapenasoperfildosmoradores da Vila Residencial 2ª prova2ª –Jesus –26 fev 2014 9 Somadasàsmudançasnosprocedi- 141 Leticia de Luna Freire 2ª prova – Jesus – 26 fev 2014

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possuía quatro quartos, uma sala de estar, uma sala de jantar, uma cozinha, um banheiro e uma garagem, conforme os filhos foram cres- cendo e constituindo suas próprias famílias, a estrutura residencial foi-se modificando, de modo a abrigar os diversos núcleos familiares constituídos, garantindo ao mesmo tempo um mínimo de privacida-

“Um pedacinho do céu” de. Assim, além da criação de um quarto no lugar da sala de jantar e a ampliação da cozinha, antes reduzida a um pequeno cômodo da casa original, sobre um dos antigos quartos, as áreas livres no entorno e sobre a casa original também passaram a ser ocupadas por novas construções, abrigando no mesmo terreno quatro famílias, algumas inclusive em moradias com acessos independentes. Como em muitos assentamentos de baixa renda, evidencia-se na Vila Residencial a tendência à verticalização dos imóveis, com até três pavimentos, incluindo-se aqui a plasticidade das lajes, espaço que representa um capital extremamente flexível na economia local, seja para ampliar a própria residência, seja para a construção de outra residência independente ou mesmo de um quarto para alugar. Em alguns casos, menos frequentes na Vila Residencial do que na maioria das favelas da cidade, é o “direito” de se construir sobre sua laje que passa a ser comercializado pelo morador, configurando uma forma particular de especulação imobiliária.10 O caso de Mauro ilustra a perspicácia de alguns moradores que souberam tirar proveito da demanda por moradia na localidade. Nos fundos de sua casa à margem da baía, onde antes mantinha o Maré Bar, Mauro construiu nove quitinetes, que aluga, entre outros, para estudantes da UFRJ que não obtiveram vaga no alojamento es- tudantil e trabalhadores das diversas empresas sediadas no campus, constituindo com esse comércio informal a principal fonte de renda da família. Como ele, muitos moradores passaram a alugar quartos para estudantes, cobrando entre R$200,00 e R$350,00 por mês, de acordo com as instalações oferecidas. A disponibilidade de quartos para alugar na localidade segue o fluxo do calendário escolar, sendo praticamente impossível encon- trar um disponível no meio do período letivo. E quando a oferta exis- te, a grande demanda faz com que muitos moradores optem por alu- gar para aqueles que pretendem permanecer por mais tempo. Ainda que não haja qualquer tipo de formalização, sendo o contrato estabe- lecido com base apenas na confiança, alguns desses moradores, por exemplo, tinham a exigência de alugar os quartos por um período 2ª prova2ª –Jesus –26 fev 2014 suem águacanalizada,mas oabastecimentoprovém deumaúnica um sistemadetratamento doesgoto.Todas as413residências pos- entre os quaissedestacavamaurbanizaçãoprecária eaausênciade Residencial sofria, entretanto, diversos problemas de infraestrutura, mento docampus. públicos nobairro pautadopelarotinamuitos serviços defunciona- demandas dacomunidadeuniversitária,sendoofuncionamento de –visavaaatenderquasequeexclusivamenteas nação aotransporte daestruturaurbanaexistentenaIlhadoFundão–ilumi- parte Rede deserviçosecomércio uma antigamoradora. na UFRJelogoquepassouamorarlocalidadefoi“adotado” por angolano quehaviamigradoparaopaíscursarapós-graduação comoocasodeumjovem ríodo deférias.Háexceções,certamente, mais doqueonecessário,comonosfinaisdesemanaedurantepe- xima dauniversidade),evitandocultivaramizadesepermanecerali de seusestudos(agarantiaumamoradiabarata,seguraepró- função exclusivamentederazõespráticasquefacilitemacontinuida- dosestudantesquenelaresidemgrande parte pormaistempoem de 2008),creio queconvivinalocalidademaisintensamentedo morado nessacasaporsomentedoismeses(outubro adezembro que pretendia venderoimóvelnofinaldaqueleano.Aindaquetenha ca tivessefeitoissoantes,aproposta pareceu-lhe umavez oportuna, queeradesuafilhaparamim.Emboranun- alugaroquarto quartos, estava temporariamente residindo sozinho numa ampla casa de dois uma moradorameindicouapossibilidadedeosenhorJonatas,que segundo semestre de2008e,somenteapósdoismesesprocura, disponível paraalugarno de dificuldadeencontrarumquarto novo moradordacasa–oquefoi,aliás,meucaso. num “puxadinho”nalajeouaoladodaresidência, ou,ainda,asero relevante naseleçãodaquelequepassaráaserseuvizinho,morando cultivada pelo estudante que se candidata à vaga também é um fator tes dosexofeminino.Aindicaçãodealguémouasimpatiaprévia mínimo detrês mesese/outinham preferência porabrigarestudan- Ocupando uma área de pouco mais de 120.000m², a Vila Quando inicieiapesquisadecampo,logopercebi que grande Mesmo contandocomaajudadeváriosmoradores, tivegran- 2ª prova2ª –Jesus –26 fev 2014 143 Leticia de Luna Freire 2ª prova – Jesus – 26 fev 2014

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ramificação feita a partir da rede que atendia a UFRJ, o que impos- sibilita a cobrança do serviço por domicílio. Além de inconstante, o abastecimento oferecido pela Companhia Estadual de Águas e Esgotos (CEDAE) não é acompanhado de tratamento do esgoto, sen- do os detritos das residências despejados in natura na baía, desde o

“Um pedacinho do céu” final dos anos 1970. No que se refere ao fornecimento de energia elétrica, no início dos anos 1980 a concessionária Light instalou medidores em todos os domicílios, enquanto a iluminação pública das ruas foi incorpo- rada à rede de iluminação que abastece toda a Cidade Universitária. Alguns velhos postes de madeira, no entanto, ainda persistem na lo- calidade como herança do antigo canteiro da ECEX, e, visivelmente inclinados em função da instabilidade do terreno, colocam em risco a vida dos transeuntes. Com relação ao transporte público, o único meio existente na localidade são os ônibus fretados pela UFRJ, o que limita bastante a circulação dos moradores, sobretudo à noite e nos finais de semana, tendo em vista que a sua frequência é estabelecida em função do funcionamento do campus universitário. Somente em 2007, após a realização da primeira audiência pública sobre o transporte interno da UFRJ, que contou com a participação de representantes dos mora- dores, é que a linha que faz o trajeto Alojamento-Vila Residencial pas- sou a circular após as 24h, ainda que com intervalos de uma hora. Embora os moradores possam ter acesso a outras regiões da cidade por meio das demais linhas de ônibus que trafegam pela Cidade Universitária, a sua circulação também é muito atrelada ao movi- mento do campus, sendo os intervalos entre os horários dos veícu- los bastante longos nos finais de semana. Uma pequena parcela dos moradores possui, porém, automóveis próprios, o que lhes confere maior independência em relação ao transporte oferecido pela UFRJ. Sendo o ponto de ônibus localizado na única via de acesso da locali- dade, é comum ver alguns moradores oferecendo “carona” aos seus conhecidos que estão aguardando o ônibus chegar ou, ainda, um am- bicioso comerciante da localidade realizando “lotação” até a saída do campus durante as greves e/ou interrupções temporárias do serviço de transporte da UFRJ.11 No que tange à educação formal, além da própria UFRJ, o bairro da Cidade Universitária possui apenas a antiga Escola Municipal Tenente Antônio João. Em 2009, essa escola tinha 774 alunos matriculados na 2ª prova2ª –Jesus –26 fev 2014 Sendo essetipodecomércio proibido nointeriordasinstalações rios docampus,refere-se àinexistênciadefarmácianaIlha doFundão. a queixamaiscomum,tanto dosmoradores quantodosdemais usuá- medida, asdemandasbásicasemrelaçãosupram, emcerta àsaúde, à sededaAssociaçãode Moradores. Aindaqueessesatendimentos ginecológicos nasinstalaçõesrecém-construídas paraessefim,junto diabetes etc.)àrealização decampanhasvacinaçãoeexames de rotina dosmoradores comenfermidadescrônicas (hipertensão, extensão da UFRJ. Tais atendimentos vão desde o acompanhamento dantes de enfermagem, nutrição e medicina, por meio de projetos de são realizadas regularmente naprópria Vila Residencialporestu- venção eassistênciaaoscasosdemenorcomplexidade, noentanto, de Bonsucesso,situadoàmargem daAvenida Brasil.Açõesdepre- Hospital PaulinoWerneck, naIlhadoGovernador, eoHospitalGeral cia, osmaisprocurados nessassituaçõespelosmoradores sãoo éoHUCFF,xima mascomoestenãopossuiatendimentodeemergên- dando recursos paraedificação. jeto de uma creche formulado por estudantes da FAU-UFRJ, aguar há estabelecimentosdeeducaçãoformalnalocalidade,senãoopro- de forma autônoma, como “explicadoras”, não que prestam serviço, ou emhoráriointegral.Alémdessacreche edealgumasmoradoras moradora, ondeospaispodemdeixarseusfilhospormeioperíodo dade, existehojeapenasaCreche Smilinguido,administradaporuma ra em 2005. Para as 52 crianças entre 0 e 6 anos que residem na locali- administrativos efinanceiros, acabousendodesativadapelaprefeitu- anexo àsededaAssociaçãodeMoradores, masdevido aproblemas do Parque Tecnológico, acreche passouafuncionaremumespaço Emídio Barbosa,próxima àentradadalocalidade.Comaconstrução de Janeiro eatendiaascriançasdaVila ResidencialnaruaPaulo Comunitária Peteleco,querecebia subsídiosdaPrefeitura doRio vez, muitomaistímidoemrelação àpopulaçãodejovensdalocalidade. abrangente aosestudantespobres deescolaspúblicas,era,porsua graduação daUFRJ,cujoacessosómuitorecentemente setornoumais número demoradores daVila Residencialmatriculadosnoscursosde demais 80%oriundosdasfavelasPinheiros eVila doJoão,naMaré. O nas 20% são oriundos da Vila Residencial e da Vila Militar, sendo os pré-escola eensinofundamental,mas,deacordo comadiretora, ape- No queserefere desaúde,ainstituiçãomaispró- aosserviços Em relação àeducaçãoinfantil,foicriada,em1992,aCreche 2ª prova2ª –Jesus –26 fev 2014 12 - 145 Leticia de Luna Freire 2ª prova – Jesus – 26 fev 2014

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universitárias, a única farmácia comercial que já existiu funcionava na Vila Residencial, mas fechou as portas pouco tempo depois, tendo o proprietário alegado que o número de clientes atendidos não era suficiente para manter o estabelecimento na localidade. A despeito do que isso parece supor, porém, a Vila Residencial

“Um pedacinho do céu” possui uma rede comercial razoavelmente ativa e diversificada para atender a demanda local, sobretudo no que se refere à alimentação e ao lazer. O levantamento feito por mim, juntamente com a bolsista de extensão da UFRJ, Carolina Cardoso, entre agosto e setembro de 2008, constatou a presença de pelo menos 20 estabelecimentos comerciais na localidade, entre os quais um restaurante self-service, sete bares, um mercadinho, uma padaria, um aviário, duas lojas de material de construção, um lava-jato, uma academia de ginástica, uma barbearia, um armarinho, uma videolocadora, uma loja de jogos eletrônicos e uma lanhouse. No ano seguinte, enquanto alguns serviços comerciais deixaram de funcionar, como a lanhouse e o lava-jato, dois novos es- tabelecimentos voltados à alimentação foram inaugurados na praça, uma lanchonete e restaurante, que também vende refeições a peso e “quentinhas”, e um trailer especializado em caldos. Em alguns estabelecimentos locais é comum a presença de mais de uma atividade comercial, tais como o Aviário da Neuda, que vende, além de carne (não possui mais, de fato, um aviário, embora ainda seja assim identificado), bebidas, enlatados, legumes, biscoitos, materiais de limpeza, botijões de gás, carvão, rações e jornais, e o Bar do Paulo Galinha, onde o morador, além de vender bebidas e servir refeições, também presta serviço de serralheria. O nome dos estabelecimentos comerciais, ou a forma como são identificados pelos moradores, refere-se quase sempre ao nome ou apelido de seu proprietário, sendo geralmente um morador que também atende os clientes: Bar do Formiga, Bar do Valdir, Armarinho da Geórgia, Bazar da Consuelo etc. Muitas vezes, a referência utilizada é o próprio nome do responsável pelo comércio, sendo comum, por exemplo, os moradores marcarem encontros “no Tilson”, comprarem um refrigerante “no Baixinho” ou um jornal “na Neuda”. Outros nomes ou referências aludem ainda à própria história do sistema construído local, como a Lanhouse R7, cuja sigla indicava a antiga numeração da rua das Margaridas, e o bar conhecido por todos como “Cobal”, cujo apelido indica a existência anterior, no mesmo espaço, do mercado de hortifrutigranjeiros do antigo canteiro da ECEX. 2ª prova2ª –Jesus –26 fev 2014 servindo salgadinhos e sanduíches aos moradores que chegam do servindo localizado aoladodoponto deônibusesóabrenoite, da noinício uma clientelaespecífica, como otrailerdaÂngela,estrategicamente dias dasemana,outros funcionam emhoráriosvariáveis,atendendo horário comercial, como o mercadinho e a padaria, abrindo todos os de outraslocalidadesemseusestabelecimentos. poucos moradores daVila Residencialqueempregavam moradores já trabalhavanalojaqueEnéaspossuilá.Eleera,entretanto, umdos cionário, duranteolevantamento, era ummoradordessafavela,que Residencial eoutranafaveladePinheiros, naMaré. Seuúnicofun- dor Enéas,quepossuiumalojadematerialconstrução naVila próximo deondeestivertrabalhando”.Outro caso éodomora- na favelaBaixadoSapateiro, dizquecostuma“dormirnolocalmais outras lojasnaMaré. quepossuitambémoutraresidência Roberto, gos eletrônicos nasuaresidência, alugamáquinasdefliperamapara quealémdegerenciaroutras localidades,comoRoberto, alojadejo- dores daVila Residencialquepossuematividadescomerciais em comercial nalocalidade,há,poroutro lado,tambémcasosdemora- a umsaláriomínimomensal. da AssociaçãodeMoradores, esãoporelaalugadaspeloequivalente daslojas acopladasaoprédiocadinho eavideolocadorafazemparte possuem suas residências em outras áreas da localidade – o mer prietários. Juntamentecomoaviárioeapadaria–cujosresponsáveis que não agregam, no mesmo terreno,seja, a residência de seus pro- alguns dospoucosestabelecimentosestritamentecomerciais, ou um morador da Vila Residencial. Não por acaso, estes são também um moradordeInhaúma,umamoradoraParque Uniãoeapenas mercadinho, porexemplo,trabalha,alémdocomerciante Sebastião, bém aquelesquemenosempregam moradores daVila Residencial.No ali residem. Sendopessoas“defora”,seusestabelecimentossãotam- interesse pelo negócio sido motivado por amigos ou conhecidos que União, trabalhamnaVila Residencialquasequediariamente,tendoo residam, respectivamente, emJacarepaguá, BonsucessoeParque meramente profissional comolugar. Emboraessestrês comerciantes dora nãosãomoradores daVila Residencial,possuindoumarelação nas osresponsáveis pelomercadinho, pela“Cobal”evideoloca- Enquanto algunsestabelecimentosfuncionamregularmente em Além daspessoasdeforaqueestabelecemumaatividade Dos estabelecimentosqueidentificamos nofinalde2008,ape- 2ª prova2ª –Jesus –26 fev 2014 - 147 Leticia de Luna Freire 2ª prova – Jesus – 26 fev 2014

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trabalho ou da escola e, como ela diz, “estão cansados, não querem ter trabalho de preparar algo para comer em casa”. Fora de seu uso comercial, é comum os amplos espaços de alguns estabelecimentos, como o restaurante do Tilson, serem cedidos para outras atividades, como a realização de festas infantis de aniversário, confraternizações

“Um pedacinho do céu” de fim de ano e reuniões comunitárias. A maior parte dessas construções locais é de uso misto, em que coexistem as funções de moradia e comércio. Como exemplos, podemos citar os casos do Tilson, que mora no segundo pavimento de seu restaurante na rua das Papoulas, e dona Elza, que complementa sua aposentadoria vendendo bebidas de açaí e morango com leite na varanda de sua casa, na rua das Margaridas. À diferença do primeiro, cuja estrutura abrange a necessidade de contratar funcionários e man- ter horários determinados de funcionamento, as pequenas atividades comerciais desenvolvidas sobretudo por mulheres na própria residên- cia, como forma de complementar a renda familiar, passam a ser reg- uladas de acordo com a disponibilidade e a vontade das moradoras. Assim, da mesma forma que as vendas de doces, bebidas e sacolés podem acontecer durante todo o dia, enquanto a moradora estiver em casa, a atividade comercial pode ser momentaneamente paralisada, caso ela precise sair para algum compromisso pessoal ou deseje, num determinado dia, manter-se recolhida, sem contatos com sua clientela. Para Neide, no entanto, que começou a vender empadas e em- padões para outros moradores da própria localidade em 2006, a ativi- dade comercial tornou-se praticamente uma profissão, da qual extrai boa parte de sua renda atual. O sucesso de seus produtos foi tanto que, meses depois, passou a receber encomendas diárias da padaria local e de dois trailers da Cidade Universitária, para os quais passou a ser fornecedora. Contente com o retorno financeiro rápido que a atividade lhe proporciona, Neide, aos 65 anos, passou a acordar às 3h para dar conta dos pedidos e para mim foi difícil comprar um pequeno empadão em sua casa sem encomendá-lo com antecedência. Assim como Neide, Edvaldo foi outro morador que teve grande senso de oportunidade, sobrevivendo hoje da venda de sal- gados, que ele e sua esposa preparam em sua residência, na rua das Violetas. Diferentemente de muitos moradores, porém, Edvaldo es- colheu o posto do Detran existente nas proximidades da reitoria para vender seus produtos, uma vez que, apesar do grande número de pessoas que ali circulam diariamente para realizar exame prático de 2ª prova2ª –Jesus –26 fev 2014 Residencial é,juntocomoalojamentoestudantil,umdospoucoslugares o com osamigos.Pois,se,comodescrevem muitosdessesestudantes, e barato para tomar cerveja domésticas, além de ser um local perto fornecimento de mantimentos, botijões de gás e pequenas utilidades que residem noalojamentoedependemdessecomércio localparao presas sediadasnocampuseestudantesdaUFRJ,sobretudo aqueles não residem necessariamente nalocalidade,funcionáriosdasem- Vila Residencialéformadapormoradores, funcionáriosdaUFRJque imediações doParque Tecnológico. morador daVila Residencialparavenderseusprodutos tambémnas pada comcaixasdeisopore,maisrecentemente, contratououtro anos Edvaldovendealisalgadoserefrescos emumabicicletaequi- tação, anãoseraquelaproporcionada pelocomércio ambulante.Há habilitação, o local não possui qualquer infraestrutura para alimen- Embora nosgrandesestabelecimentos comerciais dessesbairros gredientes paraseusempadõesnumsupermercado deBonsucesso. na ruaTeixeira Ribeiro, naMaré, donaNeideprefere compraros in- de Janeiro, na Avenida comércio existente Brasil, e no efervescente tos paraseusestabelecimentos naCentraldeAbastecimentodoRio dosproduSebastião eBaixinho,porexemplo,compramboa parte - dem docomércio maiordasredondezas parasesustentar. Enquanto Alémdisso,ospróprios comerciantesbens eserviços. locaisdepen- os moradores da Vila Residencial no que se refere ao consumo de aos bairros vizinhososfazserem asverdadeiras centralidades para tro dacidade,amaiorfacilidadedeacessoelocomoção emdireção Bonsucesso. EmboraaIlhadoFundãoestejamenos de20kmdocen- rem àrede comercial existente nos bairros daIlhadoGovernadore as chamadas“comprasdomês”–osmoradores geralmenterecor de medicamentos,roupas ou ummaiorabastecimento doméstico – não atendedeterminadasnecessidadesdapopulação.Paraacompra são proibidos deserem vendidosnasinstalaçõesuniversitárias. para comprarcigarros econsumirbebidaalcóolica,produtos que UFRJ quefrequentam algunsdosestabelecimentosdalocalidade da Monotonia”. Assimcomoosestudantes,hátambémprofessores seja contaminadapeloqueJaneJacobs(2000)chamoude“Pragada de vidaurbanaquepersistenaCidadeUniversitáriaeimpedeela campus viraumverdadeiro nosfinaisdesemana,a “deserto” Vila De modogeral,aclienteladosestabelecimentoscomerciais da Apesar derelativamente diversificada,a rede comercial local 2ª prova2ª –Jesus –26 fev 2014 -

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não exista a possibilidade do pagamento “fiado”, comum em vários estabelecimentos da Vila Residencial, a maior variedade de produtos e preços compensaria o deslocamento.

Lazer e religião “Um pedacinho do céu” Assim como grande parte do consumo de bens e serviços não se esgota na rede comercial existente na localidade, o mesmo se pode dizer com relação às atividades de lazer. Com exceção das lojas de jogos eletrônicos, lanhouse e videolocadora, que atendem ao público infanto-juvenil, e dos diversos bares frequentados pelos adultos, homens em sua maioria, não há na Vila Residencial outros estabelecimentos ou instituições voltados exclusivamente ao lazer. Destaca-se, porém, o grande campo localizado na entrada da localidade. Este campo é mantido pelos próprios moradores e, ain- da que se encontre atualmente com o gramado bastante degradado, possui, como na maioria dos bairros de trabalhadores urbanos, uma enorme importância na vida cotidiana dos moradores, particular- mente nas redes de sociabilidade masculina.13 Vascaíno, Tilson Coelho é um dos que ajudou a construí-lo, cuidando, durante muitos anos, da sua manutenção, motivo pelo qual o espaço é com frequência referido como “o campo do Tilson”. Reconhecido por muitos como aquele com maior legitimidade para falar sobre esse espaço comunitário, Tilson conta que o projeto de construção do campo, com medidas oficiais, surgiu no início dos anos 1980 por iniciativa do morador e vigilante da UFRJ, Caetano, contando com a adesão de outros moradores, o apoio do então pre- feito da UFRJ, que cedeu o maquinário, e de um deputado estadual, que “arrumou” a areia junto aos responsáveis pelo projeto de sanea- mento da Maré. Com a inauguração do campo, logo foram criados três times de futebol na localidade: Veterano (que o próprio Tilson ajudou a fundar, em 1987), Vila Nova e Primeiro Quadro, cada um reunindo cerca de 20 moradores. Com a organização dos times a partir das relações de vizinhança, o futebol legitimou-se como a mais importante ativi- dade de socialização masculina na localidade. Além de participarem de campeonatos externos e da própria UFRJ, diversos campeonatos passaram a ser organizados pelos moradores no campo da Vila Residencial no início dos anos 1990, chegando a reunir 15 times, 2ª prova2ª –Jesus –26 fev 2014 serto erestauração,sendo semprenovamentecolocadanapraça. trabalho decampo,diversas vezesviaestátuaserretiradaparacon- a essaapropriaçãodoespaço porpartedaigrejacatólica.Duranteo ras, “porevangélicos”–podem serinterpretadoscomoumareação depredação da pequena estátua – cometidos, segundo uma das frei- da aestatuetasanta,masapenasosseusarredores. Oscasosde evangélicas locaisnuncaocupamaáreacimentada naqualfoiergui- – nocaso,daigrejacatólica–,oseventosorganizados pelasigrejas Monte Sinai. as festasdelouvorpromovidas pelaAssembleiade DeusMinistério promovida por jovens da Comunidade Evangélica Universitária, e mas tambémeventosreligiosos, comoafestadoDiadasCrianças, Cultural daVila Residencial,promovida pelaDecaniadoCLA-UFRJ, exemplo, eventospromovidos peloprograma deextensão,aIMostra pela universidadeepelasigrejas. Em2008e2009,presenciei, por acontecem, nosfinaisdesemana,muitosdoseventosorganizados dapopulação.Étambém nesselocalque com aamplaparticipação que aconteciam, até o final dos anos 1990, asgrandes festas juninas, nessequesito.Eranapraçaeseusarredores,portante porexemplo, e asruasinternasdalocalidadeassumemumpapeligualmenteim- lizado parafinsdelazer pelosmoradores da Vila Residencial.Apraça “peladas” dosmoradoresnosfinaisdesemana. amente depredadoeopoucoquepassouaseveraliforamalgumas socialização. Pelafaltadeusoemanutenção,ogramadoficourapid- o campofoientrandonumafasedesuspensãoenquantoespaço vas casasparaosmoradoresdaViladosSolteirospróximasaolocal, de vitórias. expostos norestaurante deTilson comotestemunhas doseutempo F.C., jáacumulou53troféus, muitosdosquaisficampermanentemente primeiro eúnicotimedaVila Residencialaindaexistente,oVeterano acabou sendo interrompido pelos moradores poucosanos depois. O o campeonatocomeçouasofrer ainterferência dessarivalidadee na Maré, queera representada por cinco times de diferentes favelas, a intensificaçãodosconflitosentre asfacçõesdotráficode drogas provenientes dacidade.Com tantodaZonaSulquantoNorte Por sersimbolicamenterepresentada como “apraçadaigreja” O campodefutebolnãoé,todavia,oúnicoespaçopúblicouti- Em 2008, em funçãodo início das obras de construção de no- 14 2ª prova2ª –Jesus –26 fev 2014 151 Leticia de Luna Freire 2ª prova – Jesus – 26 fev 2014

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Assim como grupos ligados à universidade e às igrejas, a Associação de Moradores também costuma promover eventos na lo- calidade, como festa junina, comemoração do Dia das Crianças e do Natal. Em 2010, poucos dias depois de a igreja católica realizar sua tradicional festa julina na praça, a Associação de Moradores realizou

“Um pedacinho do céu” a sua festa julina no campo de futebol. Mais do que evitar a sobre- posição dos eventos, a escolha do local, desvinculada de qualquer alusão a crenças e valores religiosos, visou contemplar tanto a par- ticipação dos moradores quanto evitar conflitos entre os membros da nova gestão, composta por católicos e evangélicos. Eventos menores promovidos pela Associação de Moradores também costumam ser realizados no galpão administrado por ela, anexo ao restaurante do Tilson, onde antigamente funcionava o vestiário do time de futebol Veterano F.C. Além desse galpão, uma parte do estabelecimento do Tilson, pouco utilizada pelos clientes e conhecida como “Espaço dos Veteranos”, costuma ser cedida para os moradores realizarem pequenos eventos, como festas de aniversário de crianças e festas promovidas por grupos de jovens, batizadas com nomes bastante curiosos: “De 1 em 1”, “Chupo a sua língua”, “Neon parte” e “Cala a boca, me beija”. Além dessas festas, as maiores atividades de lazer dos jovens costumam ser jogar futebol, sair para dançar e assistir shows de música na Maré e na Ilha do Governador. Mas os jovens da locali- dade são, sem dúvida, os que mais reclamam da ausência de opções de lazer na Ilha do Fundão. As atividades eventualmente promovidas pela UFRJ na Cidade Universitária (shows, concertos, exposições) tampouco costumam ser usufruídas por eles. Raros são, aliás, os jo- vens que possuem alguma relação (escolar ou profissional) com a universidade. Apesar de estarem na mesma faixa etária da maioria dos universitários, a interação cotidiana entre eles é, na prática, bas- tante restrita. Além do campo, da praça e do galpão, as ruas internas da lo- calidade, sobretudo aquelas de circulação quase que exclusiva de pedestres, também representam espaços coletivos importantes para as atividades de lazer dos moradores, sobretudo para as crianças. Alguns trechos, dadas suas características, destacam-se como ver- dadeiros pontos de encontro, como o pequeno largo formado no entroncamento das ruas Azaleias e Tulipas, onde é possível se ver, quase sempre, crianças reunidas brincando. 2ª prova2ª –Jesus –26 fev 2014 constantemente empauta. espaços nosquaisaafirmaçãoecelebraçãodamasculinidadeestão do repertório das rodasque costumam fazer parte de conversa nesses oufalarsobrejogar cartas mulheres efutebol,entre outros assuntos socialização. Énelesquesereúnem comosamigosparabebercerveja, futebol, sãopredominantemente oslocaisutilizadosparaoseulazere para asquaisforampreviamente destinados. planejamento urbano de cunho racionalista, limitam-se às funções temente daqueledaCidadeUniversitária,cujosusos,ditadospelo infantil. Nessesentido,oespaçodaVila Residencialdistingue-sefor e mesasdispostassobre aárea públicanumafestadeaniversário ora comoextensãodoambientefamiliar, porexemplo,compula-pula soalidade, comonocasodasbarreiras improvisadas sobre acalçada, que permiteoraapercepção daruacomolimiteàintimidadeepes- paço urbano,conjugandoumamultiplicidadedeusosesignificados , aVila Residencialcaracteriza-sepeladiversidadedeseues- seu estudosobre ousodosespaços coletivos parafinsdelazerno Sinai eNossaSenhoraRainha dosApóstolos. -me nadescriçãodasigrejas AssembleiadeDeusMinistério Monte mais significativasemtermos de representatividade local,concentro- Deus Terra daPromessa eUniversaldoReinodeDeus.Porserem as gélicas Assembleia de Deus Ministério Monte Sinai, Assembleia de igreja católicaNossaSenhoraRainhadosApóstoloseasigrejas evan- dos eventosreligiosos dasquatro igrejas existentesnalocalidade:a estar emmaiornúmero entre osfiéis,estandoàfrente naorganização missas ecultossejamcomandadosporhomens,é elaquecostuma res, énasigrejas quesedestacaapresença feminina. Aindaqueas Ambiente familiar”. numa pequenaplacafixadanaparede comosdizeres: “Respeiteolocal. tário esuaesposadesejamimporaoseuestabelecimento éexplicitada tudantes. NoBardoRaimundo,porexemplo,aatmosferaqueoproprie- também frequentados, aindaqueemmenornúmero, pormulheres ees- deixá-lo. Outros, vistos comoambientesmaisfamiliares, costumamser estado alcoólicocomquealgunsdeseusfrequentadores costumam deles ganhouinclusiveojocosoapelidode“CTI”dadoacentuado costumam sermaisfrequentados peloshomensdoqueoutros. Um Entre oshomensdemeia-idade,bares, juntocom ocampode Assim comodescreveram Mello,Vogel eSantos(1981),em Enquanto apresença masculinapredomina nocampoenosba- 2ª prova2ª –Jesus –26 fev 2014 15 Algunsbares da localidade,noentanto, - 153 Leticia de Luna Freire 2ª prova – Jesus – 26 fev 2014

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A Assembleia de Deus Ministério Monte Sinai foi criada pelo morador Manoel Teixeira, em 1978, pouco depois de sua transferên- cia da Ilha do Catalão para a localidade. Manoel, que tinha se casado com uma das filhas de Antônio e Maria Augusta Medeiros, foi quem “le- vou o evangelho” para a ilha, em 1966. Chegando na Vila Residencial,

“Um pedacinho do céu” abriu logo uma pequena congregação, filiada à Assembleia de Deus do Galeão, em frente à sua residência na rua das Camélias, para reali- zar os cultos. Ao longo dos anos, a igreja foi crescendo e ampliando- -se o número de fiéis, até se tornar independente, em 2000. Com mais de 100 fiéis e três cultos semanais, a igreja hoje está situada num grande templo na rua dos Cravos, em frente ao campo, podendo ser avistada por todos que chegam à localidade. Aos 78 anos e com a saúde frágil, Manoel deixou a direção dos cultos a cargo de um pas- tor mais jovem, morador da Ilha do Governador, atuando hoje como pastor auxiliar. Entre as atividades sociais desenvolvidas pela igreja, está a organização regular de eventos com show de música gospel e cultos de louvor nos arredores da praça. Para arrecadar fundos para a igreja, as mulheres costumam fazer mutirões para preparar grande quantidade de determinado prato (mocotó, dobradinha etc.) e ven- der em “quentinhas” numa barraca, durante o horário de almoço do final de semana. Já a igreja católica começou a ser construída no início dos anos 1990, por iniciativa dos próprios moradores da Vila Residencial, que se organizaram em mutirão. O local escolhido foi o da antiga Escola Rio-Niterói, cujo terreno havia sido cedido à Associação de Moradores, e esta, por sua vez, o cedeu para a construção da nova igreja, que somente foi inaugurada em 2003. Nos fundos dela, foi construído o discipulado, também conhecido como “a casa das ir- mãs”, onde residem o padre e quatro freiras. Além das missas diárias, a igreja realiza catequese, crisma, batismos e casamentos, manten- do ainda um coral formado por moradores, com ensaios semanais. Apesar de sua presença marcante na geografia do lugar, a igreja tem hoje suas missas frequentadas regularmente por menos de 30 fiéis. Segundo o relato de antigos moradores, a Vila Residencial tam- bém já teve dois centros espíritas funcionando anexos a residências, mas que, com o crescente predomínio das igrejas evangélicas, deixa- ram de existir. Um deles funcionava na casa ao lado de onde hoje se encontra uma das pequenas igrejas evangélicas. 2ª prova2ª –Jesus –26 fev 2014 na ilhaantesdeserem transferidosparaaVila Residencial,poucos são tremidade da ilha). Com exceção dos antigos moradores que viveram (vizinho aoparque) eosmoradores daVila Residencial(naoutraex- rios definaissemana,como osmoradores doalojamento estudantil geram aindaumsentimento deinsegurançaqueafastapossíveisusuá- lamento dessaárea emrelação àsatividadescotidianasdocampus que circundam aCidadeUniversitária.Aslimitações doacessoeoiso- se dirigemaolocalparapescaremsuaspraiaspoluídas, comotodas co explorado,limitando-seapresença humanaàquelesque,pelabaía, da cidade,ousufrutopaisagempelapopulaçãoainda émuitopou- Jesus. Apesardaescassezdeáreas verdes paraolazer nestaregião de treinamento existente na antiga Ilha do Bom de soldados do quartel dades depesquisarelacionadas aoscursosdebiologiaegeologia, além apenasparaodesenvolvimentodeativi- controlado pelaUFRJ,serve de instalaçõesuniversitárias,aárea de17hectares, cujoacessoéhoje vegetação originalrelativamente Poupadadaconstrução preservada. tiga IlhadoCatalão,aúnica,aliás,dasoitoilhasaterradasquetevesua Parque daMataAtlânticaUFRJ,implantadoem1996naárea daan- UFRJ, épossívelencontraraindaalgunscavalospastandolivremente. dências. Próximo dali,nasimediaçõesdaDivisãodeTransportes da so) quesãocriadosporalgunsmoradores nosquintaisdesuasresi- gatos, alémdeoutros (papagaio,pato,gan- animaisdepequenoporte sas espéciesdeaves.Emseulugar, destaca-seapresença decãese Universitária. atraídas pelavegetaçãoqueaindaresta nosarredores daCidade pécies deaves(colhereiros, carcarás, bem-te-vis,sabiás, tiziusetc.), margeiam aIlhadoFundão,aindaépossívelencontrardiversases- grande quantidadedelixoemetaispesadosdespejadanaságuasque ros eindústriasdaregião. Masapesardadegradaçãoambientale Janeiro, paraaqualconvergem diariamentedetritosdevários bair da Guanabara”, sendo hoje uma das áreas mais poluídas do Rio de que ogeógrafoElmoAmador(1987)denominade“acloacadaBaía tropical” a entãochamada Enseada de Inhaúma transformou-se no trialização daregião, dosanos1940,de“paraíso ocorridosapartir Meio ambiente Em relaçãoo àfloraexistente,destaca-se,naIlhadoFundão, Na Vila Residencial,dadaadensidadedaárea, poucosevêdes- Com oprocesso decrescimento urbanoeaintensaindus- 16 2ª prova2ª –Jesus –26 fev 2014 -

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os que já visitaram ou frequentam o parque. As visitas guiadas que realizei durante o trabalho de campo foram, nesse sentido, oportuni- dade privilegiada para alguns moradores conhecerem com segurança o local e para os antigos moradores da ilha o apresentarem aos seus descendentes, restituindo parte da história de suas famílias.

“Um pedacinho do céu” Diferentemente dessa área, onde existem mais de 100 espécies de árvores e plantas, a Vila Residencial caracteriza-se por ser pouco arborizada, o que contribui para que a sensação térmica durante o verão seja bastante elevada. As áreas mais arborizadas da localidade são a rua das Papoulas e aquelas situadas nos fundos, próximas à baía, nas quais a temperatura, em geral, é mais amena. Mesmo a pra- ça, que constitui uma das principais áreas de lazer das crianças, não possui uma única árvore, mas apenas o pequeno canteiro em que se encontra a estatueta da santa. Destaca-se, contudo, a presença de uma área de manguezal de pouco mais de 20.000m² (17% da área total da localidade), situada nos fundos da rua dos Cravos, próxima ao campo de futebol. Ainda que uma parte do manguezal já tenha sido aterrada, há anos, pelos moradores dessa rua, por meio de obras de expansão dos lotes, a ação de projetos de educação ambiental realizados por estudantes de extensão da Faculdade de Biologia da UFRJ e, mais recentemen- te, por um grupo de moradores vinculados à organização Olhar do Mangue, tem conseguido sensibilizar a população local quanto à necessidade de sua preservação para garantir a maior qualidade do ambiente do entorno. Devido ao fato de estar situada em área plana – grande parte proveniente do aterro de um mangue pelo lixo do antigo vazadou- ro da Ilha da Sapucaia – sobre as mais reduzidas cotas de toda a Ilha do Fundão, a Vila Residencial sofre com inundações periódicas decorrentes de fortes chuvas e variações do nível do mar, agrava- das pela ausência de pavimentação adequada na localidade. Além de gerar inúmeros transtornos, tais como, dificuldade de locomoção, perda de móveis e eletrodomésticos, incidência de doenças etc., as enchentes afetam diretamente a relação dos moradores com o lugar. Isso porque, se para muitas das antigas famílias de pescadores, num primeiro momento, a proximidade da baía foi decisiva na escolha da residência na localidade, permitindo-lhes construir, nos fundos, pe- quenos atracadouros para seus barcos, num momento posterior esta proximidade tornou-se um problema, implicando diversos riscos 2ª prova2ª –Jesus –26 fev 2014 do, autonomiaadministrativa,financeiraepolítica”. privado, comfinsnãoeconômicosetempodeduração indetermina- mais recente estatuto,de2007,comouma“pessoajurídicadireito Amigos daVila ResidencialdaUFRJ(AMAVILA), édefinidaemseu famílias paraalocalidade,em1980,Associação deMoradores e Associação deMoradoreseAmigosdaVilaResidencialUFRJ tulo, dentro docontexto políticonoqualseinsere. tópico, noentanto,seráabordado capí- commaisdetalhesnoquarto do aurbanizaçãoerecuperação dosmanguezaisdalocalidade.Este ção do Canal do Fundão, que desemboca no Canal do Cunha, incluin- Residencial: aimplementaçãodoprojeto derevitalização erecupera- ca temafetadorecentemente importante osmoradores daVila Ponte RioNiterói, cerca de30kgpescadocomseubarco amotor. ainda criança com o pai, pesca diariamente, na altura dos alicerces da mente seubarco apenasparalazer, Pelicano,queaprendeu oofício Enquanto Carlinhos se tornoufuncionáriodaUFRJeutiliza eventual- nhecido peloapelidode“Pelicano”,aindavive,aos43anos,dapesca. seusbarcosainda preservam nolocal,masapenasesteúltimo,co- tenha abandonadooofício,osfilhosdeCarioca,CarlinhoseAnilson, dosantigospescadoresestá ativado.Emboragrandeparte daregião Carioca, erguido nosfundosdesuaresidência naruaAçucenas,ainda margens dabaía,hojecercados de lixo,apenas o dafamília do falecido apenas seusesqueletossobre aságuas. sua funçãoeforamtendoseuacessobloqueadopormuros, restando para suasfamílias.Comisso,muitosdessesantigoscaisperderam gamento doalugueldasquatro lojasacopladasaoseuprédio edas uma contribuiçãomensal dossócios(R$10,00pordomicílio)eopa- em áreas públicas.Paramanter seufuncionamento,aAmavilarecebe são decontratossobre oestabelecimentodeatividadescomerciais cia, aemissãodedeclarações decompraevendaimóveisaemis- para apopulaçãolocal,comoemissãodedeclarações deresidên- entidades públicas e privadas, a Amavila presta diversos serviços gãos eautoridadesgovernamentais,organizações dasociedadecivil, Além derepresentar osinteresses comunitários peranteosór Criada poucosanosdepoisdatransferência das primeiras No quetangeàscondiçõesambientais,umainiciativapúbli- Dos diversospequenoscaisconstruídospelosmoradores às 2ª prova2ª –Jesus –26 fev 2014 - 157 Leticia de Luna Freire 2ª prova – Jesus – 26 fev 2014

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taxas de utilização dos trailers localizados na praça. Como será visto no próximo capítulo, ela atua ainda como principal interlocutor com a UFRJ, seja nas situações mais conflituosas que envolvem algum tipo de risco aos moradores, como no caso da ameaça de remoção, seja no estabelecimento de parcerias, como no apoio à organização das

“Um pedacinho do céu” diversas atividades (campanhas, cursos, festas etc.) desenvolvidas pelos projetos de extensão na localidade. O prédio hoje ocupado pela Amavila, situado no início da rua das Margaridas, foi originalmente construído pela UFRJ, no final dos anos 1980, para abrigar as atividades de treinamento e capacita- ção dos vigilantes concursados, muitos dos quais passaram, como Verinha, a fixar moradia na Vila Residencial. Com o término dos cur- sos, o prédio foi doado para a Associação de Moradores, que passou a alugar parte de sua estrutura para pessoas interessadas em esta- belecer atividades comerciais que atendessem algumas das deman- das dos moradores, como o mercadinho e a padaria. Durante a cons- trução do Parque Tecnológico nas imediações da rua Paulo Emídio Barbosa, a Amavila também passou a abrigar em suas instalações a Creche Comunitária Peteleco, até sua desativação em 2005. Em 2008, a sede da Amavila, que estava com sua estrutura fí- sica e elétrica já bastante comprometida, foi inteiramente reformada com recursos da Secretaria Estadual de Assistência Social e Direitos Humanos (SEASDH), melhorando as condições das salas utilizadas para reuniões e atividades de extensão, como cursos e laboratório de informática, além de permitir a construção de uma secretaria e salas específicas destinadas a atendimentos de saúde, incluindo exames ginecológicos, realizados pelos estudantes vinculados ao projeto da Escola de Enfermagem Anna Nery. No que tange à direção da Amavila, desde o final dos anos 1980 tem prevalecido a permanência de certos grupos durante duas ou mais gestões, seja em função da ausência de chapas concorrentes em muitas das eleições, seja pelo apoio da população à continuida- de do trabalho realizado. Em todo caso, o relato de antigos e atuais diretores, de que o número de eleitores nessas ocasiões seria pouco expressivo em relação ao total de moradores, parece apontar ainda certo desinteresse da população pelas atividades associativas até recentemente, quando a Amavila passou a protagonizar lutas impor- tantes, como a regularização fundiária da localidade e a sua inclusão no projeto de despoluição do Canal do Fundão. 2ª prova2ª –Jesus –26 fev 2014 qualquer suspeitasobre areal concretização da“antigapromessa”. bleias foi-seampliandoconformeasetapasavançavam, dandofima substantivamente todososmoradores, nasassem- aparticipação Com o início do processo de regularização fundiária, que afetaria uma queixadosdiretores expressa frequentemente nas assembleias. ou degeraçãorenda . exemplo, porsuainclusãoemumprojeto decapacitaçãoprofissional da às expectativas de se verem objetivamente recompensados, por nasatividadesassociativas estariacondiciona- que aparticipação público”,em Vidal (1998)chamoude“lógicausuárioserviço nização, geralmentesuaprocura estavapautadapeloqueDominique presença dosmoradores nasassembleias.Quandosedirigiamàorga- reduzido número desócioscomamensalidadeemdiaenatímida volvimento comasatividadesassociativas,oquepudeconstatarno ações. Detodomodo,amaioriademonstravapoucointeresse een- seus diretores, mostrava-sesempre outraparte desconfiadadesuas delesdepositavatotalmentesuaconfiança nasaçõesdos uma parte bastante heterogênea dos moradores em relação à Amavila.Enquanto deliberativas. tração das despesas e recursos da organização, e das assembleias de moradores, alémdoconselhofiscal, responsável pelaadminis- conselho diretor, porumgrupo cujasdecisões sãocompartilhadas soureiro, desdeoestatutode2001aAmavilatemsidogeridaporum de uma diretoria formada por um presidente, um secretário e um te- que margeiam diretamente seuespaçofísico,como aUFRJeoParque tanto às interações dos moradores com membros dasinstituições tratarei das relações de vizinhança da Vila Residencial, referindo-se ração construídosnoespaço coabitado.Édessepontodevistaque com osdesejosdecada residente eosdiversoscontextos deinte- das qualidadeseasexpectativasemrelação aelemudamdeacordo Aliás, nãohásequer bom vizinho emsi,vistoqueosjulgamentos té desvoisins,nãoénadafácildefiniroqueseja“umbomvizinho”. Vizinhos A falta de participação euniãodosmoradoresA faltadeparticipação era,porsuavez, No início do trabalho de campo, notei haver uma percepção Diferentemente dasprimeirasgestões,marcadas pelaeleição Segundo AlainMorel (2005),naintrodução dolivro Lasocie- 2ª prova2ª –Jesus –26 fev 2014 159 Leticia de Luna Freire 2ª prova – Jesus – 26 fev 2014

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Tecnológico, quanto às interações com os moradores das favelas da Maré e entre os próprios moradores da localidade. No que tange à UFRJ, incluo aqui tanto as interações estabeleci- das nas instalações da Cidade Universitária (ambiente de trabalho de muitos moradores que também são servidores) quanto as interações

“Um pedacinho do céu” com os universitários que moram ou frequentam regularmente a loca- lidade (para os moradores em geral). Enquanto no primeiro caso as interações têm como um dos efeitos dar visibilidade à Vila Residencial dentro da própria universidade, visto que muitos servidores passam a conhecer e frequentar a localidade por intermédio de um colega de trabalho que nela reside ou um morador que lhe presta ali algum tipo de serviço (encomenda de bolos, lavagem de carro etc.), no segundo caso as interações revelam a própria relação de complementaridade entre a Vila Residencial e a UFRJ, no sentido de que a localidade ga- rante, por exemplo, pelas atividades comerciais de seus moradores, uma parte do funcionamento da Cidade Universitária. Em outras pa- lavras, pode-se dizer que a Vila Residencial é justamente o que faz a Cidade Universitária ter aquilo que Jane Jacobs (2000) define como sendo a natureza vital da própria ideia de cidade: a diversidade. Entre os estudantes e professores que frequentam a localidade, devem ser destacados aqueles que integram os projetos de extensão do Programa Inclusão Social – Vila Residencial da UFRJ, muitos dos quais têm como base de suas atividades a própria interação com os moradores. É o caso, por exemplo, dos projetos desenvolvidos pelas equipes da área de saúde, cuja atuação depende da participação dos moradores atendidos e do contato direto (às vezes, íntimo) com eles. Acompanhando, desde 1994, o estado de saúde da população, os estudantes de enfermagem traçam o perfil dos moradores, previ- nem doenças e identificam aqueles que demandam atendimento mé- dico, encaminhando-os, quando necessário, a serviços públicos espe- cializados. Em visitas domiciliares regulares, os estudantes, geralmen- te mulheres, acabam por conhecer de perto os hábitos, os comporta- mentos e as fragilidades das famílias. Com a intimidade do ambiente doméstico, alguns moradores acabam atribuindo às estudantes o pa- pel de confidentes e mediadoras de conflitos familiares que não são compartilhados com nenhum outro morador da localidade. Outros estudantes, como eu, que buscavam deixar olhos e ou- vidos sempre disponíveis, acabavam por representar outro tipo de papel na interação com os moradores. Demonstrando interesse em 2ª prova2ª –Jesus –26 fev 2014 de incorporarquasetoda a mãodeobraociosadalocalidade. de 15anos,reunindo cerca de200empresas, serácapaz,segundoele, adotada pelo Parque Tecnológico. A sua implantação total num prazo Solteiros comoexpressão dapolíticade“responsabilidade social” destacando, ainda,aconstrução dasnovasresidências da Vila dos moradores como trabalhadores nas empresas e obras ali realizadas, promover ainteraçãocomVila Residencialafim de incorporarseus vista amimconcedida,dissequehátambém“grande interesse” em afirmou seudiretor, éanecessária“interaçãocomUFRJ”.Ementre- critério paraaimplantaçãodasempresas noParque Tecnológico, dos nolocal,concentrandocerca de700trabalhadores. Oprincipal com ainovação”(UFRJ,2000,p.11). organizações especialmenteselecionadaspeloseu compromisso e a permanente convivência com pesquisadores, estudantes e outras “o localidealparaempresasquebuscamumambientediferenciado descrito, numapublicaçãocomemorativados80anosdaUFRJ,como do canteirodeobrasdaPonteRio-Niterói,oParqueTecnológicoé Ocupando, desde1994,oterrenode350.000m²ondefuncionouparte ser destacadocomooutrovizinhoimportantedaVilaResidencial. Incubadora de Empresas de Base Tecnológica da COPPE-UFRJ, deve UFRJ sãofrequentemente vistospelosmoradores. como umpotencialconsumidorouinquilinoqueessesestudantesda dia noalojamentoestudantildaUFRJ.Damesmamaneira,éapenas representa senãoumasoluçãofuncionalparasuprirafaltademora- proximidade doqueosprimeiros, paraosquaissuapresença alinão justamente porque estesúltimosemgeralbuscammuitomaisessa desenvolvem atividadesdeextensãoepesquisanalocalidade,talvez rios costuma,entretanto, sermenosintensadoquecomaqueles Residencial. A relação dos moradores com esses residentes provisó- contar coisasqueacreditavam serdomeuinteresse. muitos moradores passaramameprocurar espontaneamentepara dutor dashistóriasefatosdalocalidade.Umexemplodissoéquando presença, maisdoquetolerada,passaalheconferiropapeldetra- (1990) ironicamente definiu como“um malnecessário”,alguém cuja vida local,frequentemente metransformavanaquiloqueMalinowski ouvir suasopiniõesevalorizandoosseuspontosdevistasobre a Em janeiro de 2009, havia 25empresas e laboratórios sedia- O ParqueTecnológicodoRiodeJaneiro,administradopela Há, ainda,claro, naVila osestudantesquealugamquartos 2ª prova2ª –Jesus –26 fev 2014 161 Leticia de Luna Freire 2ª prova – Jesus – 26 fev 2014

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Enquanto o diretor vê muitas vantagens na presença do Parque Tecnológico para os moradores da Vila Residencial, estes, em geral, veem seu vizinho com muita reserva e, às vezes, desconfiança. A pró- pria construção do Parque Tecnológico, realizada sobre aterro de mais de dois metros acima do nível da localidade, é apontada pelos

“Um pedacinho do céu” membros da Amavila como a principal causa das enchentes na rua das Papoulas. Segundo Vera, antes do aterro a rua alagava com a água da chuva e logo escoava, “agora a água não tem como escoar”. A dificuldade de interagir com a administração do parque a fim de solucionar o problema levou a Amavila até mesmo a contestar a re- gularidade do aterro, solicitando cópia do Estudo e do Relatório de Impacto Ambiental (EIA/RIMA) exigidos pela legislação, o que, segun- do os diretores da Amavila, nunca lhes foi apresentado. Outro elemento gerador de conflito foi a construção do eleva- do muro de concreto entre a Vila Residencial e o Parque Tecnológico. Mais do que delimitar as funções de cada área (residencial e empre- sarial), esse muro passou a simbolizar, para grande parte dos mora- dores, o desejo de seu vizinho de excluir a localidade de seu espaço de excelência, reforçando sua representação como “favela”, isto é, como algo a ser banido da paisagem urbana. No que se refere às ofertas de emprego nas empresas sediadas no Parque Tecnológico, o trabalho de campo apontou uma presença ainda bastante tímida de moradores da Vila Residencial no local. De todos os moradores com os quais interagi, apenas um trabalha no Parque Tecnológico, porém, como vendedor ambulante de salgados e refrescos. A Superpesa, empresa que já funcionava em parte do ter- reno hoje pertencente ao Parque Tecnológico, parece ser, nesse sen- tido, mais integrada à Vila Residencial do que o Parque Tecnológico. Além de empregar alguns moradores, a presença diária de um grande número de seus operários nos restaurantes da localidade durante o horário de almoço reforça uma relação de cumplicidade inexistente com os funcionários das empresas do Parque Tecnológico. Essas situações evidenciam aquilo que Evans-Pritchard (1978) analisou a respeito da relatividade da distância entre tribos do Sudão às margens do rio Nilo, e Chamboredon e Lemaire (1992) analisaram a respeito da convivência entre habitantes de um conjunto habitacio- nal francês, ou seja, que proximidade física não implica necessaria- mente proximidade social. 2ª prova2ª –Jesus –26 fev 2014 um problema deidentidade, sesomosdaRegiãoAdministrativa Rio sobre a situação administrativa da Vila Residencial: “Nós temos nião, outra moradora ressaltou a própria imprecisão da Prefeitura do Maré, mas aVila nãopode estarnessacondição...”.Nessamesmareu - eu passar na Linha Vermelha e ver a Vila Olímpica. Nada contra a enunciou umadasdiretoras daAmavilaemumareunião: “nãoéjusto públicosnalocalidade.Como envolvem areivindicação deserviços comunitários daVila Residencialcomocontraponto em situaçõesque disso, asfavelasdaMaré sãofrequentemente referidas peloslíderes rais de candidatos a vereador provenientes dessa vizinhança. Além quanto atividadespolíticas,comoarealização decampanhaseleito- promovida peloProjeto Cinepop,do“shoppinhoda NovaHolanda”, Residencial tantoatividadesculturais,comoaexibição defilmes pecto comercial. Duranteotrabalhodecampo,presenciei naVila sim comoparamuitosoutros comerciantes daVila Residencial. Ribeiro aindaolocalpreferido paraoabastecimentodeprodutos, as- relação comaMaré, porém, continuouexistindo,sendoaruaTeixeira localidade háquatro anos,abrindoalitambémumbaremercearia. A comsuafamíliaparaa rua dosCravos,Baixinhodecidiumudar-se Sobrinho do senhor Raimundo, morador e proprietário de um bar na que jáfaziaentregas debebidasnostrailersdaCidadeUniversitária. plo, moravanaVila doJoão,naqualtambémeradonodeumbar favelas vizinhas.Ocomerciante conhecidocomoBaixinho,porexem- vieram daMaré, possuemrelações familiares oucomerciais comas ainda lembrarquemuitosdosatuaismoradores daVila Residencial do Fundão,hojeparcialmente obstruídapelaLinhaVermelha. Cabe pedra noaltodomorro dafavelaapreciando abela paisagemdaIlha brincar e colher frutas, e que ele próprio gostava de namorar numa muitas criançasdaMaré iamparaláempequenasembarcações para Nascido naBaixadoSapateiro, Iranilsonconta,porexemplo,que dores dasfavelasdaMaré jáfrequentavam asantigasilhasaterradas. treitamente ligadaaoprocesso históricodeocupaçãodaregião. do queoParque Tecnológico. Nessecaso,estaproximidade estáes- te maisdistante,estásocialmentepróximo daVila Residencial situado naoutramargem doCanalFundão, que,emborafisicamen- sociológica, éoconjuntodefavelasquecompõembairro daMaré, A relação comaMaré nãoserestringe, entretanto, aoas- Antes mesmodeaCidadeUniversitária ser inaugurada,mora- Outro dessaconsideração vizinhoaserdestacado,partindo 2ª prova2ª –Jesus –26 fev 2014 163 Leticia de Luna Freire 2ª prova – Jesus – 26 fev 2014

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Maré ou da Região Administrativa da Ilha do Governador. Ano passa- do éramos pertencentes à Maré, hoje somos da Ilha”. Do ponto de vista subjetivo, os moradores da Vila Residencial preferem, sem dúvida, estar vinculados à Ilha do Governador, re- gião que, no imaginário social urbano, é considerada mais nobre do

“Um pedacinho do céu” que a Maré. Por serem historicamente estigmatizadas como áreas pobres e violentas, as favelas da Maré são frequentemente referi- das como tendo uma realidade muito diferente daquela encontra- da na Vila Residencial, que se caracterizaria, entre outros aspectos, pela ausência de quadrilhas de traficantes de drogas controlando o território. Ainda que no cotidiano os moradores de ambas as localida- des efetuem diversas trocas sociais, há um desejo de se evitar tudo o que possa parecer negativo atribuído à própria ideia de favela. O muro erguido nos fundos da Vila Residencial pela prefeitura da UFRJ, no início dos anos 1990, legitima o desejado distanciamento. Diferentemente do muro construído pelo Parque Tecnológico, visto como objeto de segregação, esse muro é percebido pelos moradores como “proteção” das enchentes provocadas pelas variações do nível da maré. Porém, quando indagados sobre sua possível derrubada, caso as inundações fossem controladas por obras, os moradores são unânimes em dizer que não desejariam a interação visual com as fa- velas do outro lado.17 Ambos os muros reforçam a distância social, desejada ou não, da Vila Residencial em relação aos dois vizinhos e contribuem para seu relativo ocultamento. No âmbito local, as relações de vizinhança caracterizam-se, antes de tudo, pela heterogeneidade. Enquanto no plano discursivo prevalece, entre os moradores, a referência à localidade como “co- munidade”, no plano das interações cotidianas a relação entre os mo- radores nada tem de igualitária. Como procurei mostrar no segundo capítulo, há uma hierarqui- zação social entre os moradores mais antigos (os estabelecidos) e os que chegaram posteriormente (os outsiders) na localidade, cuja con- vivência resulta em diversos conflitos de vizinhança. A fofoca, sob esse aspecto, é um instrumento fundamental para a definição dos li- mites dos grupos. É aos mais recentes moradores, geralmente oriun- dos de favelas e sem vínculo com a UFRJ, que é atribuída, por exem- plo, a responsabilidade sobre os problemas relacionados à violência e à criminalidade ocorridos na localidade, tais como brigas, venda 2ª prova2ª –Jesus –26 fev 2014 rias, muitas vezes baseados em antigas rixas. Pela propagação de um para publicizaroudeflagrar conflitosentre asliderançascomunitá- arma política utilizada outras situações, a fofoca era uma importante localidade, antesmesmoque euostivesseinformadoarespeito. Em alguns moradores demonstravamtersobre minhahospedagemna tiva dafofoca,oquepôdeserconstatadopeloconhecimento que também fui enredada, pelos moradores, na eficiente rede comunica- membros aos grupos. No papel do estranho que chega à localidade, integração, reforçando os vínculos existentes e agregando novos de seutempero. cas” (ELIAS;SCOTSON,2000),semoqualavidalocal perderia muito categorias de indivíduos, fazendo girar as “rodas do moinho das fofo- quantoàhierarquiapara mealertar internacalcadanasdiferentes Mas tanto as enunciações elogiosas quanto as depreciativas serviam socialde outro. para denegrir o comportamento dos filhos” serviam morador, frases como“fulanovivebêbado”ou“fulananãocuidabem paraexaltarorespeito coletivoàdignidadedeum santa” serviam Enquanto frasesdotipo“fulanoéosímbolodaVila” ou“fulanaéuma veria manifestarrespeito eaquelesqueeudeveriadesconsiderar. buscavam mesituarnocampo,apontando-meaquelesaosquaisde- no indivíduo,aimagemqueelefazdesi. interior dogrupo,resideematentarcontraoquehádemaisíntimo tante possamseratribuídasàfofocadiversasfunções,suaforça,no guém, consolidandoouprejudicandosuaimagempública.Nãoobs- tamento alheio,comointuitodeinformarsobreareputaçãoal- ela envolveorelatodefatosreaisouimaginadossobrecompor- povoado inglêsestudadoporEliaseScotson(2000).Demodogeral, nismo decontrolesocialmaisdifuso,semelhanteaoencontradono força física,naviladaIlhadoFundãoafofocaatuacomoummeca- nas àsmulheresenquantoodomíniomasculinoresidirianousoda tanto, diferentemente da viladoSul,ondeafofoca é permitida ape- fofoca constantementenavizinhança”(FONSECA,2000,p.41).Noen- considera fofoqueiro,mastodomundoconcordaemdizerquehá Fonseca, emPortoAlegre,naVilaResidencialdaUFRJ“ninguémse pessoas diretamente envolvidasprovenham deantigasfamílias. de drogas casos,as eatémesmoassassinatos,aindaque,emcertos Em algumas situações, a fofoca funcionava como um fator de Era pormeiodafofocaqueosmoradores frequentemente Assim como na Vila do Cachorro Sentado, estudada por Cláudia Assim comonaViladoCachorroSentado,estudadaporCláudia 2ª prova2ª –Jesus –26 fev 2014 18 165 Leticia de Luna Freire 2ª prova – Jesus – 26 fev 2014

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fato (real ou imaginário) envolvendo membros da Amavila, por exem- plo, o enunciador da fofoca buscava destituí-los de poder e prestígio, revertendo-os ao mesmo tempo em seu benefício. Ainda que a fofoca não passasse muitas vezes de mera difamação, seu potencial nefasto exigia quase sempre uma resposta pública por parte daqueles que

“Um pedacinho do céu” eram por ela atingidos. Quando se esgotavam os mecanismos de administração de um conflito, alguns moradores recorriam a agressões físicas ou até a ar- tifícios materiais para demarcar sua posição e romper definitivamen- te a convivência com o vizinho indesejável. A criação de barreiras físicas, como a construção de anteparos ou muros que facilitassem a evitação, era uma das estratégias utilizadas nos casos mais extre- mos. Uma situação que chamou minha atenção foi a de uma morado- ra da rua Vitória Régia que recorreu a um cartaz para manifestar sua indignação com a atitude de um possível vizinho e tentar solucionar o furto de um fogão, deixado por alguns minutos em frente à sua casa. No cartaz, fixado em seu portão e redigido a próprio punho, ela declarava:

Isso é um absurdo! Eu deixei um fogão de duas bocas na minha porta e fui na esquina comprar frutas. Quando voltei o fogão não estava mais. Espero que a pessoa que levou tenha dignida- de de devolver porque é meu e quero de volta. O fogão não é sucata, é novo.

Assim como essa forma de administrar conflitos é menos usu- al na localidade do que o mecanismo da fofoca, o mesmo acontece com este tipo de ocorrência. Se na maioria dos bairros da cidade é quase impensável que um morador deixe um aparelho doméstico novo na rua, sem o risco de que seja, em poucos minutos, furtado, a indignação da moradora demonstra que, na Vila Residencial, é o com- portamento daquele que usurpou seu bem, descrito como “absurdo” e “indigno”, que parece se desviar completamente das regras locais. Afinal, como será visto a seguir, tranquilidade e segurança são, de longe, as maiores qualidades da vida na localidade apontadas pelos moradores. Apenas em raras situações de violência, como ameaças e agressões físicas, vi a força policial ser chamada a intervir nos con- flitos entre vizinhos. 2ª prova2ª –Jesus –26 fev 2014 Mesmo quandoestãoreivindicandoaçõesepolíticas públicasvolta “vila”, como tambéméchamadapelosseususuaisfrequentadores. sobretudo por categorias como “comunidade” ou, simplesmente, ventou” aprópria favela(VALLADARES, 2005). processo cumulativoderepresentações sociaissucessivasque“in- toda a carga simbólica negativa incutida na palavra por meio de um seu espaçodemoradia.Aofazerem com isso,evitamcontaminar-se jeição predominante dosmoradores emdesignarporessacategoria Conforme indiqueibrevemente aolongodessecapítulo,háumare- rar comacontradiçãoemelaserounãoclassificadacomo“favela”. que descrever aVila Residencialimplica,porváriosmotivos,depa- para designarequalificaralocalidade. representações ecategoriasutilizadaspelospróprios moradores dade e, exercitando o olhar e o fazer antropológicos, a indagar sobre as tretanto, aconstataroquantoessacategorianãodácontadesuareali- maisrefinada domododevidalocallevou-me,en- tas. Aobservação Residencial daUFRJpossuiapenasalgumasdascaracterísticasdescri- p. 2061).Levandoemcontaessasdefinições,pode-sedizerquea Vila tenha característicasanálogasàsdescritasacima(FERREIRA,2004, avenida”, podendo,noBrasil,designarqualquerconjuntodecasasque ou praçainterior, porviaderegra semcaráter de logradouro público, pendentes, emgeralidênticas,edispostasdemodoqueformemrua e inferioràdecidade”um“conjuntopequenashabitaçõesinde- outros, uma “povoação de categoria superior à de aldeia ou arraial cujos interessesestariam representando. papel deporta-vozumgruposocialpretensamente homogêneo, de negociação,evocandoatentativalegitimação doseupróprio ciar emassembleias,reuniõeseaudiênciasqueenvolvam algumtipo da “comunidade”queosmembrosAmavilacostumam sepronun das parafavelaseoutrosassentamentosdebaixarenda, éemnome As representaçõessobreolugar no séculoXIX(GUSFIELD, 1975), aoperacionalizaçãodessacategoria bros, sugeridapeloconceito sociológicodecomunidadeemergido timentos, valoreseentendimento compartilhadoentreseusmem amente umaassociação humana desenvolvidacombasenossen Em seu cotidiano, os moradores referem-se à Vila Residencial Em seucotidiano,osmoradoresreferem-seàVilaResidencial Em primeiro lugar, o trabalho de campo me fez compreender Originário dolatim,osubstantivo feminino vilasignifica,entre 2ª prova2ª –Jesus –26 fev 2014 19 Semdesignarpropri - - - - - 167 Leticia de Luna Freire 2ª prova – Jesus – 26 fev 2014

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pelos moradores visa, antes de tudo, transmitir uma imagem pública positiva da localidade, que, ao mesmo tempo que a aproxima, em certos atributos, da caracterização de favela, busca desvincular seus habitantes dos estereótipos a ela associados, capazes de inabilitá-los à aceitação social plena (GOFFMAN, 1982).

“Um pedacinho do céu” Como apresentação da localidade, especialmente diante de es- tranhos, a Vila Residencial costuma ainda ser qualificada por alguns moradores como “uma cidade do interior” – quando buscam acen- tuar um estilo de vida comunitário no qual “todos se conhecem”, por contraposição à impessoalidade da metrópole – ou ainda como “um pedacinho do céu” – quando buscam acentuar sua ambiência suposta- mente bucólica e familiar. Apesar da precariedade de infraestrutura, o convívio social e o sentimento de segurança são descritos como as maiores qualidades do lugar, sobretudo pelos moradores mais anti- gos. Basta constatar a grande quantidade de membros de uma mesma família residindo e se reproduzindo, há várias gerações, na localidade, como descrito no segundo capítulo. A fala de um morador numa as- sembleia da Amavila também ratifica essa representação: “A minha verdade é que eu conheço o Brasil todo, mas eu não saio daqui porque eu gosto daqui. Aqui não tem violência, não tem tráfico. Mas aqui eu tenho amigos”. Outros moradores dizem gostar de viver na localidade pelo ambiente de “roça”, permite que as crianças brinquem nas ruas até à noite além de poder “dormir de porta aberta”. Embora também prevaleça, entre os mais jovens, uma representação positiva do lugar, eles são mais críticos em relação a esse sentimento de segurança, cujo custo seria o isolamento dos atrativos culturais da metrópole. Expressões usuais como “pedacinho do céu”, contudo, ideali- zam a vila como uma área privilegiada da cidade, na qual famílias com poucos recursos econômicos podem residir sem ter de se submeter àquilo que ainda constitui hoje a marca mais negativa das favelas, ou seja, a violência ocasionada pelo controle do território por quadrilhas de traficantes de drogas ou milícias. Como me relatou uma antiga moradora, “aqui tem aspecto de favela, mas o procedimento é com- pletamente diferente. Em favela tem cobrança, aqui tem sossego e não tem tiroteios...”. Ainda que sua primeira impressão ao chegar na localidade, há 30 anos, não tenha sido positiva – “Que fim de mundo é esse?”, perguntava-se – no final das contas, “o bom-senso venceu” e hoje, diz ela, “não saio daqui por nada”. Em outra ocasião, em uma das assembleias da Amavila, uma das diretoras lamentava a falta de 2ª prova2ª –Jesus –26 fev 2014 “mancha” napaisagemda cidade,que,comotal,deveserextinta. o tratamentojornalístico dadoaessesespaços,imagemdeuma suscita, naspercepções simbólicas quepermeiamhistoricamente escolha pelapalavra“favela” nãoeraemvão,vistoqueelaprópria a Cidade Universitária. Mais do que atrair a atenção dos leitores, a naquilo paraaqualfoioriginalmenteconcebida,ou seja, paraabrigar é algoquecolide,fere, ofendeosfrequentadores daIlhadoFundão nal sugeria,deimediato,ainterpretação dequeaVila Residencial ofender (MICHAELIS,2002,p.166).Nessesentido,a chamadadojor significaabalroar,na línguaportuguesa, colidir, mastambémferir, reside naassociaçãoentre apalavra“favela”eoverbo“chocar”,que, professores”. ta naprimeirapáginadojornal:“FavelanoFundão chocaalunose qual a localidade foi abordada na chamada para a matéria,dispos- revolta,causou inquietação e certa entretanto, foi a maneira pela de reconhecer osproblemas deinfraestruturaexistentes.Oquelhes eles, que,apesardeidealizarem avidasociallocal,nãodeixavam moradia. Em relação ao conteúdo, nada de novo despontava para para darvisibilidadeàluta,dedécadas,pormelhores condiçõesde matéria foi,àprimeiravista,percebida comopositiva,contribuindo dade universitária”(LINHARES,2008,p.A15).Entre osmoradores, a principal: adenúnciada“contradiçãoexistenteentre avilaereali - UFRJ sofrem comafaltadesaneamento”–revelavam oseuconteúdo so” –eosubtítulo“Há30anosmoradores daVila Residencialda repercussão entre osmoradores durantearealização dapesquisa. cada no lentes dosjornaisdegrandecirculação. Emparticular, amatériapubli- ocasiões, acategoriapelaqualvilaéqualificadaexternamentepelas na entradadalocalidade.Poroutro lado,essatambémé,emcertas justificar, demodogeral,a remoção dopequenoaglomeradoexistente cíficas, a reputação deoutros moradores oriundosdefavelas,oupara ria deacusaçãofaveladojustamenteparadenegrir, emsituaçõesespe- Internamente, algunsmoradores daVila Residencialutilizamacatego- moradores para se referirem, de forma hegemônica, à vizinha Maré. céu easpessoasnãovalorizamisso”. união dos moradores, ressaltando: “Nós moramos num pedacinho do A frase, ainda que curta, éplenadesentido.Omaisevidente A frase,aindaquecurta, A manchete principal – “Próximo ao saber, longe do progres- “Favela”, por sua vez, é a categoria mais comum utilizada pelos Jornal doBrasil,em8deoutubro Jornal de2008,foia que tevemaior 2ª prova2ª –Jesus –26 fev 2014 20 - 169 Leticia de Luna Freire 2ª prova – Jesus – 26 fev 2014

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O fato de reconhecerem que a Vila Residencial apresenta vários dos problemas urbanos enfrentados hoje por grande parte dos habi- tantes das favelas da cidade, como a ausência de saneamento básico e urbanização, não é suficiente, como busquei mostrar, para que os mora- dores se identifiquem com essa designação, por menos precisa que ela

“Um pedacinho do céu” seja. Assim como para os moradores da Cruzada São Sebastião – con- junto habitacional construído no bairro do Leblon para abrigar ex-habi- tantes da Praia do Pinto e da Ilha das Dragas – a “favela” os persegue.21 Todavia, diferentemente desse conjunto habitacional, cujo objeto de comparação continua sendo a favela de origem dos seus moradores, no caso da Vila Residencial a sua classificação como “favela” busca evocar, não o passado, mas o seu presente. O próprio ex-prefeito da UFRJ, coronel Lúcio Gonçalves, responsável no final dos anos 1970 pela alocação de grande parte das famílias na localidade, reforça essa ideia, quando me declarou decepcionado pelo fato de a Vila Residencial de Funcionários da UFRJ ter-se transformado em “uma favela”.

Nota

1 Outras vias informais de acesso à localidade seriam através da baía, de barco, e atra- vés do gramado atrás da garagem da UFRJ, com passagem apenas para pedestres. 2 Observar, nas fotos das casas nº117 e nº121, a altura das soleiras aumentadas para evitar a entrada da água da chuva durante os alagamentos. 3 No Plano de Extensão, Remodelação e Embelezamento da Cidade elaborado pelo urbanista francês, a favela é citada como “lepra estética” que “suja a vizinhança das praias e os bairros mais graciosamente dotados pela natureza, despe os morros do seu enfeite verdejante e corrói até as margens da mata na encosta das serras” (VALLADARES, 2005, p.47). 4 Durante a realização da pesquisa, uma das residências estava desocupada por cau- sa de rachaduras que comprometiam sua estrutura física, estando a moradora vi- vendo num imóvel alugado em Bonsucesso pela UFRJ, contra a qual ela moveu ação judicial. Em outra residência com a estrutura também comprometida, os morado- res, sem terem outro local para se abrigar, improvisaram de sustentação de madeira e ferro, permanecendo no imóvel mesmo após sua interdição pela Defesa Civil. 5 Número correspondente aos 1.298 moradores cadastrados somados a cerca de 20, segundo estimativa dos moradores dos cinco domicílios em que houve recusa por fornecer informações. 6 Informações disponíveis no site do Instituto Pereira Passos : . 7 Os dados do censo de 2009 representam 98,78% do total de moradores, tendo em vista a recusa dos responsáveis por cinco domicílios em ceder informações. No censo de 1999, não há informações relativas ao perfil da população, exceto percen- tuais sobre a situação funcional dos moradores, a relação entre titulares e depen- dentes e a relação entre dependentes maiores e menores de idade. 2ª prova2ª –Jesus –26 fev 2014 19 18 17 16 15 14 13 12 11 10 9 8

Paraseterumaidéia,osaláriodeumtécnico-administrativonívelmédioque Nessequesito,osresultados representam ouniversoformadopelosqueapresenta- Ainda que, na outra margem, existam também favelas do bairro do Caju, a principal Oprojeto quevenceuoconcursorealizado pelaFAU-UFRJ prevê aconstruçãoda urbanos,apenasacoletadelixoérealizada regularmente Dosserviços pelaPrefei- Comoanaliseinumartigo, o contexto brasileiro difere,nessesentido,docontexto Semaprofundaraanálise,Fonseca(op.cit.:42)citafunçãoeducativa dafofoca SegundoolevantamentodeAlfredoHelenoOliveira,pesquisador contratado Emsuaetnografia sobreumchurrascodeesquinanosubúrbiocarioca,Souza Paraalémdosjogosamistososentreosprópriosmoradores,em2004ocampo ComoressaltaSimoniLahudGuedes(1998,p.85-86),“nestasredesdesociabilida- Sobre adinâmicadocomércio existenteemtornodo“direito delaje”,tomando médio, eR$1.747,83paracargos denívelsuperior. técnico-administrativo da UFRJ não ultrapassava R$1.143,36, para cargos de nível 40hs/semanais, recebendo emtornodeR$3.000,00/mês.Em2010,osalárioum de umprofessor auxiliar(nívelsuperior),comdedicaçãoexclusivaeregime de aosalárioatual tenha seinseridonauniversidadenosanos1980podeequiparar-se ram informaçõescompletas,istoé,1.277moradores. da Maré. referência (positivaounegativa)dosmoradoresdaVilaResidencial sãoasfavelas a construçãodearquibancadas epistadecorridaaoseuredor. FAU-UFRJ, prevê odeslocamentode180ºdaposiçãodocampofutebol,incluindo hoje ocampodefutebol. Um outro projeto, também formulado porestudantes da creche naárea aoladodasnovasresidências daVila dosSolteiros, ondesesitua tura doRioduasvezesporsemana. pesa sobreosmovimentosreivindicativos (CEFAÏ,2001). -se dequalqueralusãoà“comunidade” paravenceraacusaçãodeegoísmoque os dirigentesdasassociaçõesde bairrofrancesasdevemsemprebuscardistanciar- princípio republicanofrancêsde interessegeral(FREIRE,2011).Nessaperspectiva, tégia delegitimaçãopúblicapor aludiraointeresseparticular,opondo-seassim francês, emqueareferênciaà“comunidade” étotalmenterejeitadaenquantoestra- de umparenteeoparadeirovelhosamigos. que permitiriasobretudoaanalfabetosdescobrir,porexemplo, onovoendereço dos princípiosmoraisdogrupo,eafunçãocomunicativaexaminada porHannerz, examinada porHandman,pelaqualascriançasaprenderiam nuançaspráticas tem naregião146espéciesdeaves(CANDIDA,2010). pela Secretaria Estadual doAmbienteparafazeromonitoramentodaavifauna,exis- desempenho garantirprasivisibilidadeestatussocial”. quem sistematicamenteinserçãoempráticascoletivas,atravésdasquais,irãopelo publicamente se é ou não é um homem. Esta lógica faz com que os homens bus- vida por intermédio de ritos, testes e provas concebidas para o sujeito responder (2003, p.90)ressaltaque“amasculinidadeéumaexperiênciacoletivadesenvol- depois. projeto, que atendia mais de cem crianças da localidade, se encerrou quatro anos ção nãogovernamentalresponsávelporgerenciaronúcleodaVilaResidencial, pelo MinistériodoEsporte,masdevidoaproblemasadministrativosnaorganiza- voltou a ter vida ativa com a implantação do Programa Segundo Tempo, financiado mercado detrabalhoesobrelocaismoradia”. de, joga-se e negocia-se, para além do futebol, valores, idéias, informações sobre o a pesquisadeCorrêa (2012). como casodeestudoafavelaRiodasPedras,naZonaOestedacidade,consultar 2ª prova2ª –Jesus –26 fev 2014 171 Leticia de Luna Freire 2ª prova – Jesus – 26 fev 2014

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20 A análise realizada por Mauro Amoroso (2011) sobre a cobertura fotográfica das favelas pelo Correio da Manhã entre as décadas de 1950 e 1960 evidencia, por exemplo, o quanto a representação do habitante das favelas predominantemente selecionada pelo jornal, ligada à noção de fragilidade e decadência moral, visava fortalecer a associação desses espaços à ideia de atraso, por oposição à concepção de progresso em voga no período. 21 A desagradável surpresa dos moradores da Vila Residencial com a maneira pela qual a localidade foi divulgada na matéria do Jornal do Brasil foi vivenciada, três “Um pedacinho do céu” anos antes, pelos moradores da Cruzada São Sebastião. O subtítulo da matéria, pu- blicada no jornal O Globo em comemoração aos 50 anos do conjunto habitacional concebido por Dom Helder Câmara, resumia a intenção perversa da reportagem analisada por Soraya Simões (2008, p. 197) em sua tese de doutorado: “Uma ilha que destoa na Zona Sul”. Ser ou não ser “da UFRJ”, eis a questão

O começo de uma relação

Retomemos o ponto do segundo capítulo, com a descrição do processo de alocação das primeiras famílias nos antigos alojamentos dos operários do canteiro de obras da ECEX, dando origem à loca- lidade que passou a se chamar Vila Residencial da UFRJ. Conforme descrevi, o processo de ocupação da localidade foi inicialmente con- duzido pela prefeitura da UFRJ, que foi responsável tanto por trans- ferir famílias que residiam em moradias dispersas pelo campus uni- versitário recém-inaugurado, quanto por autorizar a ocupação dos alojamentos ainda disponíveis por outras famílias de funcionários que assim solicitaram. Com grande parte da população já instalada, em 1978 a Prefeitura da UFRJ cadastrou os moradores e entregou-lhes um ter- mo de responsabilidade como forma de controlar o uso e a ocupação do espaço sob sua administração. Assinando esse documento, os moradores comprometer-se-iam a “cumprir fielmente as normas nele contidas”, abaixo transcritas:

• Manter em perfeitas condições, o imóvel que passo a ocupar; • Cumprir as ordens e as determinações emanadas das auto- ridades da Universidade Federal do Rio de Janeiro; • Pagar rigorosamente em dia, até o dia 5 de cada mês, as taxas fixadas pela UFRJ; • Restituir o imóvel, objeto do presente termo, no prazo de 3 meses (90 dias), desde que assim o determine a UFRJ, em perfeito estado de conservação, como foi recebido, bem como as benfeitorias realizadas; 2ª prova – Jesus – 26 fev 2014

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• Manter as áreas internas e externas do referido imóvel, em perfeito estado de conservação e limpeza; • O não cumprimento dessas normas concede à UFRJ o di- reito de retomar o imóvel objeto deste termo.

Como se pode observar, além de prezar pela conservação dos imóveis e das áreas do seu entorno – isto é, os alojamentos de madeira e demais construções deixados no local pela ECEX – esse documento preza pela obediência dos moradores às “ordens e determinações Ser ou não ser “da UFRJ”, eis a questão “da UFRJ”, ou não ser Ser emanadas das autoridades” da UFRJ, sem, contudo, especificá-las. Estabelece ainda que os moradores deveriam, a qualquer momento, restituir os imóveis, inclusive com as benfeitorias por eles realizadas, à UFRJ, desde que a instituição assim o determinasse, colocando-os numa situação de provisoriedade e insegurança jurídica, inclusive aqueles que, ao serem transferidos para o local, tiveram suas resi- dências anteriores – construídas com seus próprios recursos nas an- tigas ilhas – demolidas pela UFRJ. Não por acaso, somente consegui ter acesso a esse documento por intermédio de um morador da Vila Residencial, depois de muitos meses de trabalho de campo, quando já havia conquistado a sua confiança, e o processo de regularização fundiária estava sendo consolidado, garantindo juridicamente seu di- reito de moradia na localidade. Ainda que esse documento estabelecesse normas gerais de uso e ocupação dos imóveis, na prática não havia um controle contínuo que garantisse, nos anos subsequentes, sua aplicabilidade. Segundo antigos moradores, ao mesmo tempo que a prefeitura da UFRJ não cumpria sua parte no que se refere à melhoria das condições de mo- radia no local, os residentes não pagavam as taxas exigidas. Diante da omissão recíproca, a localidade foi, aos poucos, vivenciando um processo de crescimento do número de residências e de moradores, independentemente de vínculo com a UFRJ, agravando ainda mais a precariedade da infraestrutura disponível. Como forma de buscar soluções para as demandas da locali- dade, foi criada, em 2 de agosto de 1980, a Associação de Moradores da Vila Residencial da UFRJ. De acordo com o estatuto registrado em um cartório do Centro da cidade, a entidade era definida como “uma sociedade civil, apolítica, de finalidades filantrópicas e administrati- vas”, à qual caberiam as seguintes atribuições: 2ª prova2ª –Jesus –26 fev 2014 parte docotidiano não apenasdosfuncionáriosquenelaresidiam,parte ma, no interior da universidade a Vila Residencial começava a fazer meio daAssociaçãodeMoradores, alocalidadecriadapor elames- sumia-se àstentativasfrustradas daPrefeitura daUFRJde gerir, por Habitações Higiênicas(SERFHA). EspecialdeRecuperaçãoFavelase iniciativa doantigoServiço associações demoradores defavelascriadasnosanos1960,por espécie deautonomiatuteladasemelhanteàquelavividapormuitas camente pelosmoradores, alocalidadepassariaexperimentaruma ainda que representada poruma diretoria própria, eleita democrati- daquela àqualcontinuariapoliticamentesubordinada. Dessemodo, presentados pelaentidadedeveriamestaremconsonânciacomos de umainiciativadaprópria UFRJ,sugerindoque os interesses re- cionalização daAssociaçãodeMoradores daVila Residencial partiu junto aopoderpúblico(DINIZ,1982).Naprática,porém, ainstitu- canal de comunicação e canalização das demandas dos moradores em tornodeinteresses comuns,semfinslucrativoseatuandocomo ções demoradores, formadascombasesemrelações devizinhança cumento equivalentequeprove sermoradorefuncionário daUFRJ”. documentos pessoais, dentre profissional os quais “carteira ou do- ser feita mediante requerimento, acompanhado de cópia de alguns uma vilafuncional,aoestabelecerqueaadmissãodesóciosdeveria necia noestatutooesforço daUFRJdetransformaralocalidadeem deusopúblicocomum”.Ainda assim,perma- elétrica” e“serviços deseupatrimônio“redesa tercomoparte deágua,esgotoeenergia e melhoriadoespaçoparaaAssociaçãodeMoradores, quepassou tifica-se claramenteatransferência da responsabilidade pelagestão Enquanto apresença dauniversidadenaVila Residencial re- Formalmente, essa entidade não diferia das demais associa- Tendo oestatutosidoredigido eaprovado peloConsuni,iden- do esporte edemaisatividadescívico-culturais. do esporte idade e do espírito de civismo, através do estímulo da cultura, tre osmembros daComunidade;f)Estimularapráticalegal- interesses daComunidade;e)Promover ocongraçamentoen- rar comasautoridadesconstituídas;d)Defender os legítimos os melhoramentos de quenecessita a Comunidade;c)Colabo- estaduais e municipais; b) Reivindicar daquelas autoridades a. 2ª prova2ª –Jesus –26 fev 2014 Representar aComunidadejuntoàsautoridadesfederais, 1 175 Leticia de Luna Freire 2ª prova – Jesus – 26 fev 2014

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mas também daqueles que, por intermédio de seus colegas de traba- lho, passaram a conhecê-la e frequentá-la. Como um lugar peculiar do campus, aos poucos a localidade foi-se tornando conhecida nos corredores e tabloides universitários pelo apelido de “Divinéia”, em referência à pacata cidade fictícia na qual se passava a maior parte das cenas de Fogo sobre Terra, novela de Janete Clair, exibida com grande sucesso pela Rede Globo entre maio de 1974 e janeiro de 1975, pouco antes de as primeiras famílias serem transferidas para a Vila Residencial.2 Ser ou não ser “da UFRJ”, eis a questão “da UFRJ”, ou não ser Ser

O mundo social invade a universidade

A década de 1980 representou um período importante na histó- ria do país, marcado pelo fim da ditadura e a transição para o regime democrático. Mudanças que se refletiram na estrutura da UFRJ e na sua relação com a Vila Residencial. Subordinada política e administrativamente ao governo fede- ral, a universidade contou, durante muitos anos, com a nomeação de reitores pelo presidente e a presença de militares à frente da prefei- tura universitária.3 Acompanhando o processo de abertura política e redemocratização do país, a UFRJ conquistou sua autonomia ad- ministrativa, e a comunidade acadêmica passou a indicar um novo reitor a cada quatro anos. Internamente, tais mudanças também re- percutiram na então Associação de Servidores da UFRJ (ASUFRJ), cujas atividades deixaram de limitar-se à promoção de convênios e atividades sociais, tornando-se uma entidade de representação polí- tica dos servidores, conectada com as lutas dos movimentos nacio- nais organizados, como a Federação de Sindicatos de Trabalhadores das Universidades Brasileiras (FASUBRA) e o Sindicato Nacional das Instituições de Ensino Superior (ANDES-SN). Um dos efeitos des- se novo perfil da entidade foram as diversas greves realizadas no período, em particular a greve de 84 dias organizada junto com os professores, em 1984, que garantiu 40% de aumento salarial a ambas as categorias e o compromisso de isonomia com as universidades fundacionais. Em 1985, a eleição, entre 17 candidatos, do professor Horácio Cintra de Magalhães Macedo, membro do Partido Comunista Brasileiro (PCB), como reitor da UFRJ, tornou-se um marco na his- tória da universidade, abandonando definitivamente heranças do 2ª prova2ª –Jesus –26 fev 2014 e criarum“dinamismoexplosivo”naUFRJ, regime militar. alutapelaautonomiauniversitária Alémdefortalecer lítico dentro dauniversidade. conhecidos como“horacistas”, tiveramdeamargar oostracismopo - extintos, eseusantigosaliados, quepassaramaserpejorativamente tos dosprojetos concebidospeloex-reitor comunistaforamsendo então presidente FernandoCollordeMello.Namesmadireção, mui- res em situação “irregular”, conforme a orientação do governo do Horácio Macedo,demitindoimediatamentecentenas detrabalhado- que tratoulogodereverter apolíticadecontratações implantada por sumiu emseulugaroentãodiretor daCOPPE,NelsonMaculanFilho, rou inconstitucionalsuareeleição. Comoelenãotinhaumvice,as- não pôdeexercer ocargo, devidoaumparecer judiciárioquedecla- absoluta dosvotosdacomunidadeuniversitária, Horácio Macedo votos aoPCB. formar aspopulaçõesvizinhasem“massademanobra”querendesse Muitos viamemsuasaçõesatentativa de aparelhar areitoria etrans - de suabasepolíticadentronadas aofortalecimento eforada UFRJ. em relação àsfavelasdoentornonãooisentavadecríticasrelacio- as reações deseusadversários.Mesmooolhargeneroso doreitor cos anos, pois a posição política de Horácio Macedo logo provocou Residencial. cido pelaUFRJjáincluía,entre seususuários,osmoradores daVila internodocampusofere detransporte - banal dissoéqueoserviço ali e com o qual não poderia deixar de interagir. O exemplo mais não constituíaumproblema aserresolvido, masalgoquejáestava zar atríadeensino-pesquisa-extensão,poroutro ladosuaexistência - a localidadecomoumterritórionoqualtambémsepoderiafertili o maissimétricopossível.Seporumladoareitoria aindanãovia na relação dainstituiçãocomaVila Residencial,tornando odiálogo entorno, Horácio Macedo também possibilitouumamaior abertura diferentes unidadesacadêmicas. da Maré, medianteacriaçãodeprojetos deextensãoqueenvolviam do asfronteiras docampusdaIlhaFundãoemdireção àsfavelas por umanovaperspectivasobre opapeldauniversidade,expandin- Em 1989,emborativessesidonovamenteeleitopela maioria A convivênciaevidenciadanoperíododurou, noentanto,pou- Ao favorecer odiálogo da UFRJ com o mundo social em seu 2ª prova2ª –Jesus –26 fev 2014 4 suagestãodestacou-se 177 Leticia de Luna Freire 2ª prova – Jesus – 26 fev 2014

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O contexto de disputas políticas também se fez presente, nes- se momento, na eleição da ASUFRJ entre diferentes correntes de es- querda. No primeiro exemplar do jornal O Polegar, de agosto de 1989, ao lado da divulgação da nova diretoria da associação, encabeçada pelo funcionário Ronaldo Lobão, destacava-se uma matéria sobre a “Vila Residencial dos Funcionários da ASUFRJ”, permitindo vislum- brar a defesa dos moradores como uma das bandeiras defendidas pela entidade. O subtítulo da matéria – “Um mar de problemas” – expressava Ser ou não ser “da UFRJ”, eis a questão “da UFRJ”, ou não ser Ser o esforço do jornal em denunciar as já precárias condições de infra- estrutura e o crescimento populacional desordenado da localidade, “esquecida por todas as administrações anteriores da Reitoria e da Prefeitura da UFRJ” (VILA RESIDENCIAL..., 1989). Como declarou o então diretor da Associação de Moradores, Antonio Belchior, ao jor- nal, lamentando o fracasso das negociações com a prefeitura para a proposta de transformar a localidade em um “condomínio fechado”, mediante o uso da mão de obra local e da doação de material pela UFRJ: “o maior problema é a indiferença com que somos tratados pelos administradores”. A matéria citava ainda um abaixo-assinado com 800 assinaturas solicitando a volta da Polícia Militar ao posto de vigia existente na entrada da localidade, ressaltando que “a vida dos residentes caminha sozinha em seu mar de problemas”. Pelos elementos apresentados nessa pequena matéria jornalís- tica, pode-se notar o quanto a gestão do espaço da Vila Residencial ainda estava submetida à Prefeitura da UFRJ, reconhecida pelo pró- prio diretor da Associação de Moradores como a “administradora” da localidade à qual deviam ser reportadas (e negociadas) suas de- mandas. Ao mesmo tempo, as dificuldades em vê-las serem atendi- das sugeriam que a autonomização da Vila Residencial em relação à UFRJ – ilustrada pela proposta de transformá-la em um “condomínio fechado” – seria, aos olhos dos moradores, a melhor maneira de se resolver, por ela mesma, os diversos problemas existentes. Desejada ou não, a relação de sujeição da Associação de Moradores à Prefeitura da UFRJ expressava-se ainda na conduta dos seus dirigentes em delegar a esta a decisão final sobre diversas ques- tões referentes à gestão do espaço da localidade. Em um ofício encaminhado a todos os habitantes da Vila Residencial, no dia 30 de outubro de 1990, por exemplo, a Associação de Moradores comunicava a proibição de se fazer qualquer tipo de 2ª prova2ª –Jesus –26 fev 2014 cipalmente pelapreocupação emgarantirasegurançado campus dos osassuntosrelativos àVila Residencial,teriasidomotivada prin- pecífico dentro daPrefeitura daUFRJ, responsável porcuidardeto- Souza da Fonseca. Conforme ela descreve, a criação de um setor es - Residencial, quepassoua sercoordenada pela funcionáriaAldenise com ainstitucionalização, em 1995, deumaSubprefeitura daVila A conflagraçãodacrise segurança social,seguindoalógicado“ruimcomela, piorsemela”. como umavilafuncionaldaUFRJerajustamenteoque lheconferiria coletivas doshabitantes,paraGenísio,aidentidade dalocalidade um obstáculodoquecomoumaviadeconcretização dasdemandas nação daAssociaçãodeMoradores àPrefeitura daUFRJmaiscomo de revela que,diferentemente deAntonioBelchior, queviaasubordi- (STRAUSS,1999,p.35),aalteraçãodonomedaentida- quem oporta um nomepoderevelar muitacoisa,tanto de quemodeuquanto de de Moradores daVila ResidencialdosFuncionáriosdaUFRJ.Como e mestre deofíciodaUFRJGenísioViana deMeneses: adotada duranteassucessivasgestões,nosanos1990,domorador sido, entretanto, amudançadonomedalocalidade,quepassouser à gestãodoespaçodaVila Residencial. tância superiorresponsável pelaresolução deconflitos relacionados lecidas pelaAssociaçãodeMoradores, aPrefeitura daUFRJeraains- reincidência. Ouseja,aindaquemuitasregras locaisfossemestabe- o morador encaminhado por esta à Prefeitura da UFRJ, em caso de outras normasseriamprimeiro pelaassociação,sendo advertidas que todaequalquerpessoatransgredisse essas ouquaisquer entidade para “apresentar queixa”, esclarecia, no parágrafo seguinte, to dasnormasestabelecidaspeladireção deveriasedirigiràsededa qualquer pessoaquesesentisseprejudicada comonãocumprimen- mento, opresidente daAssociaçãodeMoradores orientarquetodae “conforme aConstituiçãoBrasileira”.Apesarde,nofinaldodocu- e aindasolicitandorespeito das22h), aohoráriodesilêncio(apartir ção dejogarouqueimarqualquertipolixonasruasdalocalidade para queosmoradores desobstruíssemasruas,informandoaproibi- aterro semsuaprévia autorização,estabelecendooprazode30dias Do ladodaUFRJ,essavinculaçãovoltouaser reforçada A maior expressão simbólica dessa relação de tutela parece ter 2ª prova2ª –Jesus –26 fev 2014 Associação 179 Leticia de Luna Freire 2ª prova – Jesus – 26 fev 2014

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diante do visível crescimento da localidade, recuperando a sua “es- sência” como uma “Vila de Funcionários”:

Na prefeitura não existia um setor ou uma seção voltada espe- cificamente para a Vila Residencial. Quando eu recebi o convi- te do professor Benjamin Ernani Diaz e assumi a coordenação, eu estava me formando em administração, então eu construí minha seção, montei uma equipe, com técnicos de edificação, assistente social, técnico em informática... Aí fui fazer o levan- Ser ou não ser “da UFRJ”, eis a questão “da UFRJ”, ou não ser Ser tamento dessa vila, conhecer as pessoas, cadastrar os morado- res. Não tinha nada disso. [...] Com o levantamento que eu fiz, nós vimos que eram pessoas que ficaram ali depois da cons- trução da ponte Rio-Niterói [...], quando ficaram os barracões e as pessoas foram pedindo para ocupar aqueles barracões, aí foram ficando, foram construindo de uma forma totalmente aleatória, irregular. Aí aconteceu um inchamento do local, sem a menor estrutura [...]. Então havia uma preocupação muito grande até em termos de segurança porque ali onde era a prin- cípio para alojar os funcionários da universidade já começava a haver um total descontrole, uma especulação. Os barracões que foram cedidos passaram a ser comercializados, vendidos. Então o objetivo de criar a subprefeitura foi justamente para haver um controle, fazer um levantamento para saber quem efetivamente estava ocupando aquele espaço e não permitir que aquilo crescesse mais. (Informação Verbal)

Ao mesmo tempo que expunha a própria inoperância da insti- tuição em relação à Vila Residencial, propiciando que ela se expan- disse desordenadamente, a subprefeitura visava reparar essa situa- ção, concentrando novamente a responsabilidade pela gestão do espaço nas mãos da UFRJ. Como resume Aldenise: “A gente pegou uma casa desarrumada e arrumou essa casa, colocou as coisas nos devidos lugares.” O trabalho desenvolvido pela subprefeitura estava pautado, por sua vez, no entendimento que a própria equipe tinha a respeito do processo de constituição da localidade, pois, segundo a ex-coordenadora,

A vila foi algo que simplesmente aconteceu, nada foi planeja- do, foi uma coisa que foram deixando. Quando perceberam, a 2ª prova2ª –Jesus –26 fev 2014 vila funcional, preservando auniformidadedocampusuniversitário, vila funcional,preservando voltava-se paraoresgate da“origem”localidadeenquanto uma apresentados no capítulo anterior. Como a atenção da administração de umcadastro detodososmoradores, cujosdadosgeraisforam uma dasprimeirasmedidas tomadaspelasubprefeita foia realização anteriormente realizadas. nas operações “irregulares”tuição, optando, assim, por não intervir já residiam nalocalidadeenãomantinhamvinculaçãocomainsti- nários da UFRJ, Aldenise considerava injusto desalojar aqueles que para queosimóveisfossemocupadosapenasporfamílias defuncio- “carrasca da vila”. Apesar do controle rigoroso que passou a exercer prefeita, oque lhe fezganharapelidoscomo “carne depescoço” e de autoritarismo, que relacionavam à personalidade severa da sub- tos moradores, algunspercebiam nessasaçõesuma doseexcessiva construção denovasmoradiasnolocal. repasse deimóveisapenasparafuncionáriosdaUFRJeproibindo a bargando obrasnasbenfeitoriasexistentes,permitindoavendaouo balho realizado diretamente pela subprefeitura, autorizando ou em- calizar ousoeaocupaçãodoespaçoconcentrou dotra- boaparte pires namão”,eladescreve –oestabelecimentodenormasparafis- outros órgãos, comoasadministraçõesregionais –“erasaircomo da subprefeita paraangariarrecursos enegociarparcerias juntoa realização de obras de saneamento e urbanização exigia habilidade objetivo dasubprefeitura decontrolar asuaocupação. Enquanto a de infraestruturadoqueempromover açõesqueatendessemao implicou, porém, menosemsolucionarosmaisgravesproblemas Se paramelhorcontrolar erapreciso conhecerapopulação, Ainda que a necessidade de controle fosse defendida por mui- Dar condiçõesdignasparaosmoradores viverem nalocalidade dignas paraaspessoas.(Informaçãoverbal) fazer isso?[...]Euachavaqueoidealaliseriadarcondições você tem que dar condições àquelas pessoas. E como você vai dizer “tchau,atélogo”.Pravocêtiraraquelaspessoasdali, toda umacomplicaçãojurídica.Você nãopodesimplesmente estavam ali,queexistiamdefato,masnãodireito. Eaívem bairro. Avilanãotinhaamenorestrutura,erampessoasque já eraumavilacomtodososproblemas enecessidadesdeum vila játinhacrescido, nãoeramaismeiadúziadebarracões, 2ª prova2ª –Jesus –26 fev 2014

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era objetivo do documento produzido “conhecer a realidade ocupa- cional da Vila Residencial e com isto criar metas e objetivos realis- tas, que visem solucionar os problemas dos moradores e estabelecer uma política correta de ocupação do espaço universitário, sem agre- dir seus objetivos maiores” (BITTENCOURT, 1999). Apresentando, em planilhas, os nomes de todos os residentes da Vila Residencial, o cadastro os classificava, portanto, em função de sua vinculação ou não com a UFRJ.5 Além dos dados referentes a cada família, o docu- mento citava, entre as principais ações da subprefeitura realizadas Ser ou não ser “da UFRJ”, eis a questão “da UFRJ”, ou não ser Ser durante o seu período de vigência (1995-1999), a construção da praça Rainha dos Apóstolos; o fechamento dos fundos da Vila Residencial, concluindo a etapa final do projeto de controle de acesso, reduzindo o local a apenas uma entrada e uma saída; a construção do ponto de ônibus; a fiscalização de irregularidades quanto ao horário do comércio; o conserto elétrico da iluminação pública; conservação e limpeza (capina); rondas periódicas; a transferência da antiga Creche Peteleco para o prédio construído pela prefeitura universitária na localidade.6 Em relação à segurança do campus, a subprefeita apontava a existência nessa época do que chamou de “tráfico ambulante” na Vila Residencial, ou seja, de um comércio varejista de drogas ilícitas, que não funcionava de modo organizado e fortemente armado como em muitas favelas da região, nos quais predominam as chamadas bocas de fumo, mas da atuação isolada de pequenos traficantes que aten- diam sobretudo a clientela universitária. Entre 1995 e 1996, entre- tanto, uma quadrilha de traficantes da Maré passou a utilizar a Vila Residencial como trilha de acesso à baía para escoamento de drogas e mercadorias roubadas, aumentando a preocupação da Prefeitura da UFRJ com a segurança e levando a subprefeita a ordenar a construção, com autorização da Polícia Federal, do muro de concreto nos fundos da localidade, bloqueando o acesso pela baía e contribuindo para demarcar seus limites territoriais. Destaca-se, ainda, durante a gestão de Aldenise, a parceria es- tabelecida com o Grupo Comunitário Equipe Jorge Pereira (GCE)– insti- tuição não governamental fundada em 1983, na Ilha do Governador, pela deputada estadual Graça Pereira, em homenagem ao seu marido – que montou no galpão anexo ao bar do Tilson um centro comu- nitário. Além de oferecer atendimento médico e odontológico gra- tuito para a população da Vila Residencial, este centro comunitário 2ª prova2ª –Jesus –26 fev 2014 localidade napolíticahabitacional domunicípiodeintegraçãodas idealizadores. ciado comrecursos doPrograma Favela-Bairro, doqualfoi umdos ração deumplanourbanização daVila Residencial,aserfinan- Ferraz Magalhães,sugeriu aumgrupodecolegasdaUFRJelabo- professor daFAU eentãoSecretário MunicipaldeHabitação,Sérgio e a UFRJ, dessa vez representada pela própria reitoria. Nesse ano, o contribuiu paraquestionararelação detutelaentre aVila Residencial Residencial. car emxequeaquestãodaresponsabilidade sobre agestãodaVila por ocasiãodainstalaçãodocentro comunitário, começou acolo- tado entre a subprefeitura e a direção da Associação de Moradores, apenas ocontrasteentredistintospontosdevista, oconflitosusci- a explorarpoliticamentelocalidade. de diálogodireto entre aassociaçãoePrefeitura daUFRJ,passando Moradores asubprefeita seupapeldeserum“elo” teriasubvertido desenvolvido porsuaequipe,paraopresidente daAssociaçãode política” queoimpediadeenxergar osreais benefíciosdotrabalho mente atuavanosindicato,teriasidomarcada poruma“bitolação a subprefeita, agestãodeChiquinho(1994-1996),quesimultanea- camoteando umaespéciede“curraleleitoral”nalocalidade.Se,para Associação deMoradores, dequeocentro comunitário estariaes- de membrosiniciativa, defendendo-se da acusação, por parte da empresa”, Aldeniseevitavaatribuirqualquerconteúdopolíticoà com umaempresa”. atendimento médicoedentáriogratuito,inauguradoemparceria dastradas ejádesfrutamdealgunsbenefícios,comoumposto que estamosdesenvolvendoasfamíliasvivemláestãotodasca- os benefíciosdesuasaçõesparamoradores: “Graças aotrabalho (1997). MoradoradeCocotá,asubprefeita ressaltou, naentrevista, ro “Ilha”,aintituloucomo“An logo chamaramaatençãodojornalOGlobo,quenocadernodebair UFRJ, quecomeçaraaatuar, nessemomento,nalocalidade. tensão desenvolvidas pela equipe de estudantes de enfermagem da passou asediar, dasatividadesdeex- demodoindependente, parte Ainda em1995,quandofoicriadaasubprefeitura, outro conflito Seja umembateentreinteressespolíticosconcorrentesou Ao referir-se àparceria comoGCE comosendoeste“uma Essa eoutrasaçõesrealizadas sobacoordenação deAldenise 7 2ª prova2ª –Jesus –26 fev 2014 Osinalverde dadopelosecretário paraainclusãoda o 1naVila dosFuncionáriosdaUFRJ” - 183 Leticia de Luna Freire 2ª prova – Jesus – 26 fev 2014

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favelas à cidade8 estimulou três professores da FAU, entre os quais Pablo Benetti, a coordenarem o “projeto piloto de extensão univer- sitária da Vila dos Funcionários”, trazendo “dignidade e melhorias fundamentais à qualidade de vida de seus moradores” (SOUZA; DUARTE; BENETTI, 1995, p. 2). Ao mesmo tempo que o projeto re- forçava, em sua apresentação, a vinculação histórica da localidade à própria UFRJ, enfatizava o “impacto positivo” da implantação do Parque Tecnológico, ora em andamento, capaz de absorver mão de obra local e agilizar as benfeitorias voltadas para a Vila Residencial, Ser ou não ser “da UFRJ”, eis a questão “da UFRJ”, ou não ser Ser entre elas a construção de uma rede de esgotamento sanitário, pre- vista para o início de 1999 como parte das obras de instalação do parque.9 Ressaltando o trabalho desenvolvido pela subprefeitura, no sentido de controlar e fiscalizar a ocupação da localidade, o plano de intervenção propunha: relocação da Vila dos Solteiros, valorização do acesso, construção de equipamentos esportivos e de lazer, tratamento da praça da igreja, novo sistema de água/esgoto, drenagem e telefonia, construção de píer para pescadores, aumento da arborização pública, construção de ciclovia e píer de observação para consolidação dos limites, recuperação do manguezal, construção de escola e creche. Tais intervenções estavam sintetizadas em três objetivos básicos: consolidar os limites, por meio da construção de passeio-ciclovia em volta da comunidade; criar “portal de entrada” por meio do tratamento dos espaços de lazer e esportivos na entrada da localidade; e “transformar o interior da Vila num oásis de beleza e tranquilidade” (SOUZA; DUARTE; BENETTI, 1995, p. 21). Ainda que o esforço conjunto entre a UFRJ e a Prefeitura do Rio de Janeiro para a urbanização da localidade representasse “a concretização das aspirações de uma comunidade que sempre es- teve ligada à vida da maior Universidade Federal do país” (SOUZA; DUARTE; BENETTI, 1995, p. 3), o convênio para o repasse dos recur- sos nunca foi assinado. Mesmo após a inclusão da Vila Residencial no programa ter sido publicada no Diário Oficial do município em 31 de dezembro de 1996, restou ao primeiro plano de urbanização manter-se apenas no papel. Em 1998, Aldenise foi convidada para exercer um cargo comis- sionado no mandato do vereador Jorge Pereira (PT do B), fato que a levou a afastar-se da UFRJ e, consequentemente, da subprefeitura. Em seu lugar, assumiu a coordenação a assistente social Genicleidy 2ª prova2ª –Jesus –26 fev 2014 a Vila Residencial, passaram a cogitar a possibilidade de um novo por nãoseteradaptadoà “vida nafavela”,mudou-sehá25anospara como Maria,quejátinhamorado emVila Valqueire eNovaHolandae, convívio comunitário,inclusive àaçãodecriminosos. vez maisvulnerávelàpresença depessoasestranhasaovalorizado UFRJ nagestãoemanutençãodoespaço,tornando a localidadecada urbanização esaneamentodorecuo dapresença daPrefeitura da dificuldades cotidianasdecorrentes donãoavançoprojeto de Vera Valente, RejaneGadelhaeMarcello Cantizanoenfrentavam as Como moradores,do que passaram a chamar de “reitor-interventor”. gajava-se naCampanhaForaVilhena!, marcando oposiçãoàgestão moradores daVila Residencial,queàépocaatuavanoSintufrj,en- manecer nocargo atéofinaldesuagestão. peloentendimento”, o quefezper movimento cadavezmaisforte cil” suscitadapelaresistência àssuaspropostas, vislumbrava“um de ummês. tário, fechamentodaLinhaVermelha eocupaçãodareitoria pormais diferentes setores daUFRJ,comoparalisaçãodohospitaluniversi- decisão dentro dauniversidade,desencadeouprotestos envolvendo cipação deestudantesefuncionáriosnoConsunidasinstâncias que, devidoaalgumasdesuaspropostas, comoaredução daparti- Em seulugar, opresidente nomeouoterceiro colocadonaeleição,o crítica àpolíticaeducacionaladotadapeloMinistériodaEducação. pelo governodeFernandoHenriqueCardoso, devidoàsuapostura nomeação, aeleiçãodoprofessor AloísioTeixeira nãofoireferendada ca ereferendados pelopresidente daRepública,aquemcabefazer versidades federaisviessemsendoeleitospelacomunidadeacadêmi- cussões sobre aVila Residencial. UFRJ quemerece aquisersublinhado,sobretudo porsuasreper novo reitor, emjulhode1998,inaugurou umcapítulo da história do recém-empossado reitor, JoséHenriqueVilhena dePaiva. tivada, segundoAldenise,“porfaltadeinteresse” donovoprefeito e eceu nocargo porapenasumano,quando asubprefeitura foidesa- Dias Vaz daequipe,maselaperman- quejáfaziaparte Bittencourt, Menos envolvidoscomas questõesuniversitárias,moradores Nesse contextopolíticoturbulentodaUFRJ,um grupode O novoreitor, porsuavez,aindaquereconhecesse a“crisedifí- Embora, desde a redemocratização do país, os reitores das uni- Após maisumagreve nasuniversidadesfederais,apossedo 10 2ª prova2ª –Jesus –26 fev 2014 11 - - 185 Leticia de Luna Freire 2ª prova – Jesus – 26 fev 2014

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deslocamento residencial. Foi também nesse período que Mauro e Selma resolveram fechar o bar que mantinham nos fundos de sua re- sidência, na rua Açucenas, após “confusões” com clientes que consu- miam drogas no seu estabelecimento, substituindo depois a ativida- de comercial pelo aluguel de quitinetes. Outros moradores, diante do clima de anomia social que começava a se configurar na localidade, não pensaram duas vezes em se mudar com suas famílias. Se por um lado a situação instável da Vila Residencial como “terra de ninguém” propiciou que ela começasse a despertar o inte- Ser ou não ser “da UFRJ”, eis a questão “da UFRJ”, ou não ser Ser resse de traficantes de drogas da região, foram, no entanto, os des- dobramentos do que Verinha chamou de “um problema de cunho social” que desencadearam uma série de conflitos entre certos seto- res representativos da UFRJ e a Vila Residencial, que poderiam mui- to bem ser designados, na acepção de Victor Turner (1996), como dramas sociais: o sequestro-relâmpago12 de um professor visitante da COPPE, cometido em 2000 por dois jovens, filhos de funcionários da UFRJ e residentes na localidade. Segundo relatos de moradores, o referido professor, após se- questrado, teria sido deixado no porta-malas de seu carro na praça da Vila Residencial. Ao ouvir seus gritos, moradores teriam resgata- do o professor, que em seguida registrou a ocorrência na delegacia, levando os policiais a deduzir que os criminosos eram oriundos ou mantinham alguma relação com a localidade em que ele fora encon- trado. Como era de se esperar, o caso rapidamente ecoou por toda a Vila Residencial, e os efeitos que sua repercussão poderia trazer naquele momento para os moradores fez com que a própria mãe de um dos rapazes os denunciasse à polícia. Outros negavam que os sequestradores fossem moradores da localidade ou minimizavam a gravidade do crime diante de sua ingenuidade em levar o sequestra- do para onde viviam – “eram uns garotos bobos, amadores... Ladrão mesmo não faz isso não”. Qualquer que fosse a imediata reação, o posterior silêncio de muitos moradores sobre o caso, comum até hoje, expressava sobretudo a tentativa de expurgar tudo aquilo que pudesse associar seu local de moradia às ações de criminosos. O rápido desfecho do caso, encerrado com a prisão dos se- questradores, não foi, todavia, suficiente para evitar que ele ecoasse também entre os corredores da universidade, reforçando a represen- tação negativa da localidade como “a favela do Fundão”. No interior da COPPE, um dos centros de maior excelência da UFRJ, o sentimento 2ª prova2ª –Jesus –26 fev 2014 moradores nalocalidade.Comtomdedenúncia,prosseguia: de drenagem na Vila Residencial, que garantiria a permanência dos do mar, paramostraraviabilidadetécnicade seresolver oproblema ironia, ao caso da Holanda, onde a população vive abaixo do nível econômicos portrásdaproposta deremoção, remetia, comcerta “ser águaoumesmodinheiro”. Sugerindoaexistênciadeinteresses tância entrarefacilidadesparaestasair”,podendoessasubstância mem comafunçãodepôr“dificuldadesparaumadeterminadasubs- por elecomeçavadescrevendo umdispositivoinventadopeloho- de usuáriosdaCOPPE.Intitulada“Aválvula”,amensagemredigida o funcionárioenviouumaresposta àmensagemquecirculava nalista gida solitariamenteporAlexandre Baldessarini.Solidário aosamigos, ram umacomissãodeapoioàAssociaçãoMoradores, àépocadiri- atuavam politicamentedentro dauniversidadeedosindicatoforma- Apreensivos diante do que estaria por vir, aqueles moradores que e imediatamenteadivulgouentre seusamigosdaVila Residencial. a uma mensagem da lista eletrônica interna que tocava no assunto dores paraumterreno daUFRJnomunicípiodeItaguaí. ocasião adefender, aindaqueàbocapequena,aremoção dosmora- e dofatode ela estarsituadaabaixodonível do mar, começaram na alegavam ainviabilidadedoprojeto diantedainstabilidadedosolo sibilidade deurbanizaçãodalocalidade,professores daCOPPE,que se viessediscutindo há algunsanos,entre professores daFAU, apos- perigo, colocandoemriscotodaacomunidadeuniversitária.Embora acusação coletivadaVila Residencialcomoolocusdoqualemanava professores passou a ser revertido, quase que simultaneamente, na de insegurançasuscitado pelo crimecometidocontraumdeseus Um funcionáriotécnico-administrativodaCOPPEteveacesso trabalho, nosso acervo cultural. trabalho, nossoacervo tomar a UFRJ. Em todos os sentidos: nosso patrimônio, nosso fessores, técnico-administrativosealunos.Hojequerem nos UFRJ foiopovobrasileiro. EaUFRJfoiconstruídapornós,pro - terra deumlugarparacolocar emoutro eedificouocampusda estrangeiro naIlhadoFundão,masquem carregou pedra,tirou do Fundãoforamosbrasileiros. Pode-se atéouvirumidioma landeses!” DeusfezaBaíadeGuanabara,masquem a Ilha frase: “Deusfezomundo,masquemaHolandaforamos ho- Qualquer umquesentarcomholandêsnumbarvaiouvir a 2ª prova2ª –Jesus –26 fev 2014 187 Leticia de Luna Freire 2ª prova – Jesus – 26 fev 2014

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Ressaltando a estreita relação entre a Vila Residencial e a his- tória de constituição da Cidade Universitária, erguida em grande par- te com a mão de obra dos moradores, o texto chamava a atenção ainda para o fato de que removê-los para um local distante de onde se estabeleceram e vinham, há décadas, se reproduzindo, poderia ge- rar sua própria morte social. Após denunciar o processo de usurpa- ção da função pública da universidade, o texto prosseguia, evocando esse aspecto: Ser ou não ser “da UFRJ”, eis a questão “da UFRJ”, ou não ser Ser Os trabalhadores que formaram a comunidade da Vila Residencial há mais de 50 anos, estão sendo expulsos siste- maticamente da nossa terra. Existe uma válvula financei- ra que impede que sejam feitos investimentos na Vila, mas existem recursos suficientes para prover as facilidades que promoveriam o êxodo da comunidade para LONGE do seu local de trabalho, a UFRJ! E tirar moradores idosos da ter- ra aonde cresceram e criaram os seus filhos é equivalente a condená-los à morte. Nesse caso, pode-se substituir a palavra “êxodo” por “genocídio”. Práticas nazistas insistem ainda a rodear o mundo, e se encontram dificuldades em vingar por aqui, é porque o Brasil é mesmo um lugar muito especial. Temos na UFRJ o melhor Programa de Engenharia Oceânica do Brasil, quiçá do mundo! Temos um marégrafo capaz de traçar um gráfico das marés melhor que a marinha brasilei- ra. Mas não podemos impedir o avanço do mar porque nos faltam recursos. Temos recursos para o Parque Tecnológico, mas não temos para a Vila Residencial. Querem nos colocar o rótulo “Produto Descartável”, mas somos seres humanos! O ser humano deve estar à frente do avanço tecnológico. E o ser humano é notável: pode até barrar o avanço do mar. Mesmo que um tecnocrata nos diga que o problema não está no “seu” aterro, sabemos que existe um problema na NOSSA ilha, no NOSSO estado, no NOSSO país.

O apelo à humanidade dos moradores e a prerrogativa de que os interesses gerais devem estar acima de qualquer interesse par- ticular não foi, entretanto, capaz de impedir o alargamento da ruptura no quadro mais amplo de relações sociais relevantes ao qual as par- tes conflitantes pertenciam. Pouco depois, três militantes sindicais e 2ª prova2ª –Jesus –26 fev 2014 filmadora egravadorem mãos,invadiua reunião para ficar apar Para surpresa dasautoridades, umgrupodemoradores, com câmera Fundiários eex-superintendente daCaixaEconômicaFederal(CEF). da COPPEedoentãosecretário estadualdeHabitaçãoe Assuntos Residencial, com a presença do reitor, do prefeito da UFRJ, do diretor Empresas da COPPE parasediscutir a proposta de remoção daVila reunião fechadas” queseriarealizada “aportas naIncubadora de go pessoaldeVerinha, tomaramconhecimento, dias depois,deuma se aventavasobre eles. dores dalocalidadeeapensaremestratégiasdereação aoriscoque Verinha eRejane começaramadivulgaroocorridoentre osmora- do universosocialesimbólicodessarelação setornariammanifestos. processo emqueosconflitoslatentesdeinteresses eossubstratos Residencial e a UFRJ em posições antagônicas, desencadeando um dos por Victor Turner (1996), a proposta de remoção colocaria a Vila de podre” (TURNER,2008,p.34).Comonosdramassociaisestuda- é, “quandoseémenosfácil vestir máscaras ou fingirquenão hánada de perigoesuspense que nãopodiaserignorado ou desprezado, isto que ainstituiçãoparecia adotar. Tal situaçãorevelava ummomento calidade, obrigavaosmoradores asemobilizardiantedocaminho reitoria, baseadanumaacusaçãocoletivaqueincriminavatodaalo- diretamente radicalda afetados,areivindicação deumaintervenção da Vila Residencial. assistiam à sessão, especialmente os moradores os que porventura cia dedecisãonauniversidadegerou umburburinhoimediatoentre mento daproposta entre aquelesquecompunhamamáximainstân- Itaguaí. Aapresentação dodocumentoeamanifestaçãodeacolhi- Residencial esugerindoaremoção dalocalidadeparaoterreno em tação, osequestro-relâmpago cometidopordois“elementos” daVila àquilo queestava“virandoumafavela”,citando,emsuaargumen - mento extra-pauta no qualsolicitava providências do reitor quanto mente arelação entre aUFRJeVila Residencial. remoção, desencadeandoaescaladadacrisequeabalariaprofunda- ciaram, emumareunião doConsuni,apublicizaçãodaproposta de membros dacomissãodeapoioàAssociaçãoMoradores presen- Por intermédiodeumdossegurançasdoreitor queeraami- Apreensivas diantedoquepresenciaram na sessãodoConsuni, Sem tersidopreviamente discutidacomaquelesqueseriam De acordo comVerinha, umprofessor daCOPPEleuumdocu- 2ª prova2ª –Jesus –26 fev 2014 189 Leticia de Luna Freire 2ª prova – Jesus – 26 fev 2014

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do destino que ali estava sendo traçado para eles. Sem alternativa, as autoridades divulgaram-lhes o plano que viabilizaria a remoção e seria apresentado posteriormente aos moradores: aos que eram servidores da UFRJ, cartas de crédito para financiar casas próprias a serem construídas em Itaguaí; aos que não tinham vínculo com a UFRJ, apartamentos em conjuntos habitacionais populares espalha- dos pela cidade. Agendada a assembleia com o prefeito da UFRJ, a Associação de Moradores logo tratou de difundir, por meio de folhetos, o assunto Ser ou não ser “da UFRJ”, eis a questão “da UFRJ”, ou não ser Ser de pauta na localidade, provocando a atenção de todos para o plano que estava sendo arquitetado pela reitoria: “E aí, você quer morar em Itaguaí?”. Pouco antes da assembleia, membros da comissão de apoio descobriram, por intermédio de um morador vinculado à Marinha, que o terreno para o qual a UFRJ almejava transferi-los dispunha de um oleoduto subterrâneo que impossibilitava o uso residencial da área, fortalecendo, assim, seus argumentos para fazer face ao plano de remoção. Na assembleia ineditamente lotada, de um lado o prefeito da UFRJ apresentou a proposta em voga, na qual os moradores recebe- riam gratuitamente R$10 mil de antemão na carta de crédito da CEF. De outro lado, os líderes locais questionaram as “boas intenções” da universidade, expondo a leviandade de se transferir a população para um terreno distante e impróprio para a moradia, informação que, apesar de negada pelo prefeito, não deixou de provocar a indig- nação dos moradores presentes. Paralelamente, os representantes da localidade continuavam a tecer suas redes de apoio, dentro e fora da universidade, a fim de se fortalecerem politicamente e ganharem tempo para estruturar uma ação coletiva. Com o apoio do movimen- to sindical, além de professores e técnicos da UFRJ que legitimavam sua luta, a Vila Residencial tornou-se, aos poucos, um importante foco de resistência à gestão de Vilhena. Mas mais do que uma briga política, tratava-se, como me relatou Verinha, de “uma questão de sobrevivência”. No âmbito local, a Associação de Moradores vivia um momen- to de transição. Com um perfil bastante distinto da gestão anterior, Alexandre assumiu a entidade, em 1999, num clima de desagregação, em que a ocorrência de eventos relacionados à violência e criminali- dade na localidade inibia a participação dos moradores, sobretudo os servidores da UFRJ, nas atividades associativas. Ao mesmo tempo 2ª prova2ª –Jesus –26 fev 2014 antiga FundaçãoEstadual deEngenhariadoMeioAmbienteoaterro nunciou aparlamentares, aoConselhoRegionaldeEngenhariaeà res, oCorpo deBombeiros eaDefesaCivilparasocorrê-los ede- de. Nessaocasião,contatou, comoapoiodacomissãodemorado- gente ameaçaderemoção, umadasmaiores enchentes da localida- pelos órgãos públicoscomoqualqueroutro bairro dacidade: formal comaCidadeUniversitária,devendosergeridaeatendida radia. Doseupontodevista,alocalidadenuncapossuiuvinculação como formadeprotegerem suaestabilidadeprofissional esuamo- lação à UFRJ foi uma ficção criada e admitida por muitos moradores res comunitários,paraeleadependênciadaVila Residencialemre- siderava justo,semqualquertipodesujeição. opiniões comorepresentante dosmoradores ereivindicar oquecon- instituição deixavaAlexandre bastanteàvontadeparaexporsuas tantes da UFRJ,ofato de nãopossuirqualquer vinculação com a que consistiaemumfatordedescrédito represen perantecertos - Sem hesitar, Alexandre enfrentou, nesseperíodo,alémdavi- Diferentemente daposiçãopolíticadeoutros dirigenteselíde- Cidade Universitária.(Informaçãoverbal) dentro daIlhadoFundãoenãoa doFundãoficadentro da Não, elaestánaIlhadoFundão.[...]ACidadeUniversitária fica vila militar, aquidolado.AvilamilitaréCidadeUniversitária? universidade, éamesmacoisaqueoReitorquerer semeterna à universidade,foradelaelenãoapitanada.Issoaquié da essa fantasiadafaculdade...AautoridadedoReitorseresume param osbarracosdaobraponte,esecriouessahistorinha, pé: “daquinãosaio,daquininguémmetira”.[...]Osoutros ocu- pelo cá emcaminhãodoexército, porque elesmoravamespalhados Além do que a grande maioria das pessoas foram trazidas pra não tinhaestabilidade[...]ElesmorriamdemedodaReitoria. que oReitorerachefe maior. Opessoal não eraconcursado, acontece? Aspessoasdaquitinhamumreceio daReitoriapor vida tivetrês empregos, sempre porconcurso.[...]Eoque nunca fizeramconcurso,sãotudo“janeleiros”. Eunaminha acontecia? Amaioriadaspessoasdaquisãofuncionários,mas A universidadenuncatevenadaavercomissoaqui.Oque 2ª prova2ª –Jesus –26 fev 2014 campus, com exceçãodopessoaldaprainha,quefincouo 191 Leticia de Luna Freire 2ª prova – Jesus – 26 fev 2014

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“irregular” do Parque Tecnológico, que passou a acentuar o proble- ma, além de convocar a imprensa para dar visibilidade à situação dos moradores: “tudo que pudesse nos mostrar para além do campus uni- versitário e dizer que existíamos e queríamos que os órgãos públicos olhassem por nossa comunidade”.13 Nesse momento de crise, porém, Alexandre teve de se mudar para São Paulo, por motivos profissionais e, diante da ausência de candidatos na eleição de 2001 para a Associação de Moradores, mem- bros da comissão de apoio compuseram a chapa Transformar para Ser ou não ser “da UFRJ”, eis a questão “da UFRJ”, ou não ser Ser Mudar, assumindo a entidade para dar continuidade às lutas que vi- nham sendo travadas. A despeito de seu enfraquecimento anterior, dessa vez a diretoria era composta por nove moradores, entre os quais, Verinha, Marcello e Rejane. Ao criarem um novo estatuto, inse- riram o colegiado como modelo de gestão e modificaram novamente o nome da entidade, que desde então passou a se chamar Associação de Moradores e Amigos da Vila Residencial da UFRJ (AMAVILA), in- cluindo a palavra “amigos” e extinguindo o termo “dos funcionários”. Mais do que isso, o texto do novo estatuto explicitava o posi- cionamento político adotado pelos moradores no período. De acordo com o quinto artigo, seriam algumas das finalidades da Amavila:

• Assegurar o direito de todos os moradores de permanecerem na área da Vila Residencial da UFRJ; • Manter a dignidade, segurança e bem estar social de todos os moradores; • Defender os interesses coletivos em face de quaisquer órgãos públicos ou privados; • Conscientizar os moradores sobre a necessidade da união de todos para a conquista de melhorias comuns; • Executar as propostas aprovadas pela comunidade, dirigin- do-as, de maneira digna, às autoridades competentes; • Cultuar o regime democrático, respeitando os poderes consti- tuídos e as autoridades federais, estaduais e municipais.

Como em algumas gestões passadas, o novo grupo à frente da Amavila também reconhecia as relações históricas entre a construção da Cidade Universitária e a constituição da localidade, que passou a ser referida com frequência como “patrimônio histórico vivo da re- gião” (VALENTE, 2007). Sua visão política, no entanto, aproximava-se 2ª prova2ª –Jesus –26 fev 2014 que àsuarepresentação pejorativacomo locusdacriminalidadee condições devidadapopulação eàformadeocupaçãodoespaço estava maisrelacionada, navisãodeCarlosLessa,àprecariedade das cas de “qualquer comunidade favelada do Brasil”, esta identificação aliviadamente. do a UFRJ,noqualosmoradores estiveramàbeiradeserremovidos A açãoreparadora Machado Ribeiro Lessa. pela comunidadeacadêmica,oprofessor CarlosFrancisco Theodoro mica gestãodeVilhena, em2002,eapossedonovoreitor, indicado lógica, que, na verdade, só se tornaria possível com o fim da polê - do umarelação comaUFRJpautadanumaespéciedeautonomiadia- garantir seudireito demoradiaelimitaradifusãodacrise,construin- brar naregularização fundiáriadaárea umcaminhomaisseguro para Amavila, osrepresentantes daVila Residencialpassaramavislum- uma localidadedaIlhadoGovernadorepaideumdosmembros da te asmedidasnecessárias”. des públicas ou privadas, “promovendo judicial ou extra judicialmen- possibilidade de a Amavila representar os moradores perante entida- o novoestatuto,adespeitodosanteriores, passouaindaaprever a relação desimetria,enãosubmissãoumaooutro. Dessaforma, de uma suas demandas, mas entendiam que o diálogo teria de partir nheciam anecessidadededialogarcomreitoria paraconcretizar a localidadeestarsituadaemárea federal,osnovosdirigentesreco- entidade significou“apiorcoisaquepodiamterfeito”.Pelofatode Genísio, quediscordava delespoliticamente, a mudança nonomeda não vínculocomauniversidade.Mesmoassim,paraoex-presidente sócio daentidade“todososmoradores”, independentedeterem ou relação, motivopeloqualtambémanovadiretoria admitiacomo mento, alocalidadenadatinhadevilafuncionalquejustificassetal sob atuteladaUFRJ.Afinal,talcomoseapresentava naquelemo- o consequente rompimento com o passado paternalista construído da deAlexandre, defendendoaautonomia administrativa davilae campus, aeleiçãodeCarlosLessapossibilitou-lhes respirar mais Embora também identificasse a localidade com as característi- Após operíodomaistempestuosodarelação entre avilae Nessa perspectiva, por sugestãodeumlídercomunitário 2ª prova2ª –Jesus –26 fev 2014 193 Leticia de Luna Freire 2ª prova – Jesus – 26 fev 2014

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violência. Nesse sentido, colocava-se explicitamente contra a remo- ção e a favor da realização de trabalhos sociais na localidade, con- siderando, entretanto, que “quem deve prestar serviço à sociedade que a cerca é o serviço público e não a universidade”. Para ele, que se intitulou em entrevista a mim concedida como um “neopopulista”, a Vila Residencial podia ser definida como

[...] uma vila que se chamava Vila dos Funcionários, onde al- guns funcionários da universidade estiveram e depois entra- Ser ou não ser “da UFRJ”, eis a questão “da UFRJ”, ou não ser Ser ram outros. Porque eu sei que a pobreza vai abrindo puxadi- nhos... Todas as comunidades têm a mesma lógica. Elas po- dem ter iniciação diferente, mas todas elas são microcosmos. (Informação verbal)

Do mesmo modo, para Carlos Lessa, os moradores eram pesso- as que viviam em condições semelhantes à de grande parte da popu- lação brasileira, mas que tinham uma “natural aproximação” com a UFRJ, tanto pelo fato de a localidade estar situada em suas cercanias quanto pela grande quantidade de servidores públicos que nela re- sidiam. Esta característica propiciava “uma interlocução muito fácil” entre a Associação de Moradores e a reitoria, o que teria favorecido, por sua vez, um duplo movimento na relação entre a localidade e a universidade. Por parte da Vila Residencial, o restabelecimento da pos- sibilidade de diálogo permitiu que os dirigentes da Associação de Moradores – alguns dos quais ingressavam também nesse período na direção do Sintufrj – encaminhassem ao reitor um documento no qual denunciavam a existência de diversos problemas de infraestru- tura decorrentes da ausência do poder público na localidade e solici- tavam que a demanda pela sua regularização fundiária fosse incluída na pauta da reunião do Consuni. Ao acolher o documento, o reitor alegou que a regularização fundiária não era assunto de sua alçada, devendo ser diretamente tratado com a Secretaria de Patrimônio da União (SPU). Por outro lado, a situação descrita no documento o levou a cogitar, juntamente com os representantes da Amavila, a possibilidade de se criar um programa institucional que pudesse envolver diversas unidades aca- dêmicas da UFRJ na elaboração de projetos que coadunassem com o atendimento a algumas das demandas da localidade (urbanização, 2ª prova2ª –Jesus –26 fev 2014 Pablo Benetti,quejámantinha relações comavila,conquistando em nal contou,desdeoinício, comacolaboraçãodoprofessor daFAU, seguido adiante,aproposta deseconstruirumprograma institucio- reitoria parceiros tornar-se-iam deumprojeto comum. demandas dosmoradores. Deadversáriospolíticos,aAmavilae vidades que, ao mesmo tempo, atendessem algumas das principais entrearticulação o ensino, a pesquisa e a extensão, por meio de ati- como terreno sobre fértil o qual se poderia alcançar a tão almejada Residencial, que, em vez de problema social, passaria a ser vista nesse momento,umtipodevínculoinéditoentre aUFRJeVila que parcialmente, suadívidacomalocalidade. vez que sinalizava a possibilidade de a universidade reparar, ainda reitoria, daVila Residencialcomo“laboratório”foibemaceita,uma políticas públicas: saúde, educaçãoetc.)epudessemcontribuirparaaformulaçãode Embora asolicitaçãopela regularização fundiárianãotenha Do pontodevistainstitucional,começavaaseestabelecer, Do pontodevistadosmoradores, apercepção, da por parte a extensão.(Informaçãoverbal) gir: oensino,queéaprincipal,eassubordinadas, apesquisae fazer comqueastrês funçõesdauniversidadepossamconver públicas. [...] Ou seja, eu tenho um laboratório onde eu posso eajudaraformulaçãodepolíticas xar receitas paraintervir edei- sociais econstruirumateoriasobre essasintervenções, com elesdesenvolverumavariedadeenormedeintervenções equenóspodemosjunto sidade, quenospresta umserviço vivendo numterreno quefoidauniversidadeouéuniver assinada –masqueestãomuitopróximas aopovão,queestão ção umpouquinhomelhordoqueopovãoporque têmcarteira dições maisoumenosusuaisnopovãobrasileiro –emsitua- estão lutandoparasobreviver, emcondiçõesprecárias, ascon- Porquedá essaoportunidade? éumconjuntodepessoasque a Vila Porqueme dosFuncionáriosmedáessaoportunidade. ensino. Astrês funçõespodemestarjuntas.Eeudiziaassim: um campodedesenvolvimentodapesquisa,extensãoedo mim aextensãodeveterumgrandeprojeto universitárioqueé Quando euassumiauniversidade,disseoseguinte:pra 2ª prova2ª –Jesus –26 fev 2014 - - 195 Leticia de Luna Freire 2ª prova – Jesus – 26 fev 2014

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seguida o apoio da professora do Instituto de Matemática e então assessora de projetos especiais da Pró-Reitoria de Extensão, Selene Alves Maia. Juntamente com os representantes da Amavila, os pro- fessores assumiram a função de sensibilizar diferentes unidades da UFRJ para a elaboração de projetos de extensão na localidade. Ainda que algumas unidades, como a Escola de Enfermagem e o Instituto de Biologia, já desenvolvessem atividades na Vila Residencial, articular um conjunto de projetos de diferentes áreas do conhecimento em um programa interdisciplinar que rompesse com a lógica da fragmenta- Ser ou não ser “da UFRJ”, eis a questão “da UFRJ”, ou não ser Ser ção dos saberes não era uma tarefa simples. No início de 2003, ao ser convidado para presidir o Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES), Carlos Lessa deixou a reitoria da UFRJ, mas não abandonou a ideia de “ajudar os moradores”, propondo que os colegas da universidade encaminhassem um projeto para concorrer a recursos do banco. Apesar de todos os esforços, o projeto não foi aprovado até o térmi- no da curta gestão de Carlos Lessa à frente do BNDES, levando os moradores a aguardarem quase um ano para ver se concretizar o referido programa na UFRJ. Ainda que a mudança de posicionamento político da reitoria em relação à Vila Residencial, mais favorável ao diálogo e à parce- ria, tenha se estendido ao longo da primeira gestão do reitor Aloísio Teixeira (2003-2007), os professores Pablo e Selene, juntamente com os membros da Amavila, tiveram muito trabalho para conquis- tar a participação de diferentes unidades acadêmicas no Programa Inclusão Social – Vila Residencial da UFRJ, até a sua efetiva institucio- nalização, em 2004, integrando oito projetos de extensão. Conforme Selene relata, o processo de consolidação do pro- grama, a convite do novo reitor foi realizada uma reunião com deca- nos e diretores de diversos centros para a apresentação das ideias básicas de cada projeto em andamento na localidade, resultando, aos poucos, na incorporação de novas unidades, inclusive para além do campus da Ilha do Fundão. Em 2006, quando a PR-5 passou a desti- nar recursos ao programa, destacou-se, entre outros, a inserção da Escola de Serviço Social (ESS), que, sob a coordenação da professora Ilma Rezende, desenvolveu um Perfil-Diagnóstico da Vila Residencial, reunindo uma diversidade de dados quantitativos e qualitativos so- bre a realidade social da localidade que orientassem a intervenção objetiva das diversas áreas temáticas do programa. De acordo com 2ª prova2ª –Jesus –26 fev 2014 carta-proposta aoentão candidatoareitor, AloísioTeixeira, naqual nio daUniãoFederal. Janeiro alegavanãopoder realizá-las emfunçãodaárea serdedomí- obras deresponsabilidade dopoderpúblico,aPrefeitura doRiode ria alegavanãoterrecursos nemcondiçõeslegaispararealizar tais necessárias obras de infraestrutura na localidade. Pois se a reito- que permitisseresolver oimbróglio emtornodarealização das damente paralevaradianteaproposta deregularização fundiária tos sociais,políticosesindicais,nosentidodeseinstruírem adequa- membros comosmovimen- daAmavilacontinuavamasearticular legal quegarantiriaodireito doshabitantesàmoradia. vila deixariadeserumademandalocalparasetornar umaexigência mento posteriorqueestavaporvir, emqueoregistro dahistória intenção original,oprojeto preparava, assim,oterreno paraomo- despejados nolixoduranteagestãodeVilhena. agrandequantidade dearquivoscal, suprindo,emparte, doETU o projeto pôdeconstituirumsignificativoespectro dahistórialo- Vilhena. Reunindo narrativas, documentos e fotografias das famílias, dos comaameaçaderemoção feitapelareitoria duranteagestãode a resistência dos moradores, que ainda se mostravam traumatiza- própria UFRJ.Noâmbitolocal,oprojeto conseguiuaospoucosvencer negativa da extensão universitária existente entre alguns setores da acadêmicos de pesquisa e desconstruindo, assim, a representação dasatividadesdesenvolvidasnalocalidade aosinteresses articulação Antropologia deunovofôlegoaoprograma deextensão,reforçando a sobre ahistóriadaVila Residencial, a iniciativa de entrevistar antigos moradores para reunir material gressara nocursodeCiênciasSociaisdaUFRJetiveraanteriormente de Verinha, que,motivadaporsuamilitânciapolíticaesindical,in- fessor Marco AntoniodaSilvaMello.Contandocomaparticipação fia e históriada Vila Residencial da UFRJ”,coordenado pelo pro- do projeto “HistóriadeMorador, HistóriasdeOcupação:etnogra- hos” (REZENDE,2006). peração dofalarqualitativodapopulação,seuimaginárioeson- nalocalidade,“numaperspectivaderecupropostas- deintervenção a apresentação do documento, o diagnóstico visava subsidiar as Ainda emmaiode2003,a Amavilajáhaviaapresentado uma Aproveitando aclimafavorávelaodiálogocomreitoria, os Além doCFCH,oIFCStambémaderiuaoprograma, pormeio 2ª prova2ª –Jesus –26 fev 2014 14 oprojeto de doDepartamento 15 Semquefossesua 197 Leticia de Luna Freire 2ª prova – Jesus – 26 fev 2014

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expunha, entre suas principais reivindicações, a regularização fun- diária da localidade e a busca de parcerias da UFRJ com o poder público para viabilizar as obras de urbanização. Um ano depois, a Amavila solicitou a concessão de uso especial da terra para fins de moradia. No documento encaminhado ao Ministério Público (MP), alegava que a UFRJ teria vetado a implantação do Programa Favela- Bairro na localidade, prevista pela Prefeitura do Rio desde 1996.16 Em agosto de 2005, o MP solicitou à UFRJ que se pronunciasse sobre o caso. A prefeitura universitária contestou as alegações apresentadas Ser ou não ser “da UFRJ”, eis a questão “da UFRJ”, ou não ser Ser pela Amavila e anexou um documento da Subprefeitura da Ilha do Governador no qual argumentava que a localidade não havia sido incluída no programa da Secretaria Municipal de Habitação por falta de recursos orçamentários. Diante disso, o processo foi arquivado pela Procuradoria da República em janeiro de 2006. Embora os procedimentos burocráticos fossem essenciais para o processo de regularização fundiária ser efetivado, foi uma situação peculiar ocorrida meses depois com uma moradora que deu novo rumo à história da Vila Residencial. Como de hábito, numa tarde de outubro de 2006, a moradora e membro da Amavila, Joana Angélica, ouvia a sua estação de rádio preferida, a emissora oficial da Arquidiocese do Rio, Catedral FM. O programa desse dia abordava como tema de debate a regularização fundiária de favelas, tendo como convidado o Ministro das Cidades, Márcio Fortes. Preocupada com a situação ainda indefinida da lo- calidade, a moradora telefonou para a rádio e conversou ao vivo sobre o caso com o ministro, que demonstrou grande interesse em ajudar. Pouco depois, quando Joana se dirigia ao campus da Praia Vermelha, na Urca, soube que o ministro estava com sua equipe nos arredores e não hesitou em encontrá-lo pessoalmente, reforçando o compromisso assumido durante o programa da rádio. A artima- nha deu tão certo que, em menos de um mês, o ministro destinou uma visita oficial à Ilha do Fundão do Gerente de Projetos respon- sável pelo setor de regularização fundiária de terras da União, Sr. Raymundo Sérgio Borges de Almeida Andréa, que, por uma feliz coincidência, também era colega do professor Pablo Benetti da épo- ca em que ambos atuavam em associações de moradores da Zona Sul do Rio de Janeiro.17 Conforme Joana relatou ao Jornal do SINTUFRJ, durante a visita do representante do Ministério das Cidades (MC): 2ª prova2ª –Jesus –26 fev 2014 da UFRJeAmavilapara formularpropostas paraaregularização seguida formadoumgrupo detrabalhocomrepresentantes doMC, para arealização deumestudotopográficodalocalidade, sendo em (SOLUÇÃO..., 2006), professor Aloísio em uma entrevista concedida ao às demaisáreas regularizadas pelalegislaçãovigente: especificidadeem noentanto,certa relação Residencial comportaria, compromisso acordado com a UFRJ,destacando que o caso da Vila comunidade”. Elogiando a apresentação, Sérgio Andréa reafirmou o MC Associação de Moradores foram apresentados ao representante do recebido pelosmembros daAssociaçãodeMoradores. gularização fundiária, dirigindo-se em seguida à localidade, onde foi Cidades, aUFRJeAmavilafimdedarinícioaoprocesso de re- Teixeira paraestabelecerumaaçãoconjuntaentre oMinistériodas slides Da parte dareitoria,Da parte ocompromisso foireafirmado pelo De acordo doSINTUFRJ, nasededa comamatériadoJornal Na ocasião,Sérgio Andréa reuniu-se comoreitor Aloísio e vídeosquemostravam“ahistóriadelutaresistência da comunidade. famílias. Eissoserádiscutidocommuitatransparência coma no deestudos,temosquedefinirummarco paraonúmero de permanência dosmoradores, masporsetratardeumterre- na Universidade. Temos a sensibilidade de que é possível a tratando deumproblema diferente, jáqueaárea ocupadafica fundiária e,consequentemente,aurbanização.[...]Estamos Eoprimeirodade émuitoimportante. passoéaregularização propriedade. Nonossoprograma, dacomuni- aparticipação A nossaobrigaçãoéfazercomqueseexerça afunçãosocialda bre aVila (GOVERNO...,2006) Residencial. Edeucerto. anexei a série de matérias publicadas no Jornal do Sintufrj so- comahistóriadaVila,me pediuparaenviarumacarta eainda disse quetínhamosumproblema delegalizaçãofundiária.Ele liguei para a rádio e falei ao vivo com o Márcio e lhe Fortes ouvintes. DepoisdeconsultaralgunsintegrantesdaAmavila, tro estavanaprogramação pararesponder àsperguntas dos Eu estavaouvindoorádioquandolocutordissequeminis- 2ª prova2ª –Jesus –26 fev 2014 na qualinformouqueoMC liberariarecursos Jornal daUFRJ Jornal 199 Leticia de Luna Freire 2ª prova – Jesus – 26 fev 2014

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fundiária da localidade. Reconhecendo as dificuldades anteriores enfrentadas pela UFRJ e pelos moradores para melhorar as condi- ções de vida na Vila Residencial, o reitor mostrou-se otimista, mas ao mesmo tempo cauteloso, diante da possibilidade de resolução de um antigo problema.

É a primeira vez que temos uma real possibilidade de resolução para a Vila, que é uma história antiga. [...] O nosso interesse é que tudo seja resolvido no prazo mais curto possível, mas ain- Ser ou não ser “da UFRJ”, eis a questão “da UFRJ”, ou não ser Ser da não sabemos como se dará a solução legal, porque há varia- das possibilidades. Queremos uma solução que contemple os interesses da Vila e da UFRJ. E é claro que isso vai envolver os colegiados da universidade. O Conselho Universitário vai ter que aprovar as resoluções porque não se pode passar por cima dos colegiados da UFRJ.

No Acordo de Cooperação Técnica (ACT) firmado entre a UFRJ e a União, por intermédio do Ministério das Cidades e do Ministério de Planejamento, Orçamento e Gestão, a Vila Residencial seria incluída no Programa Papel Passado, criado pelo governo Lula com base no reconhecimento do direito à moradia e da função social da proprieda- de estabelecidos pela Constituição Federal de 1988 e viabilizados pelo Estatuto das Cidades, em 2001. Coordenado pela Secretaria Nacional de Assuntos de Programas Urbanos, o programa visa apoiar estados, municípios, entidades da administração pública indireta e associações sem fins lucrativos e defensorias públicas na promoção da regulariza- ção fundiária sustentável18 de assentamentos informais em áreas ur- banas, por meio da aplicação de recursos financeiros do Orçamento Geral da União e pela transferência, a municípios ou estados, de imó- veis pertencentes a órgãos do governo federal, com o objetivo de se proceder à regularização da posse em favor dos moradores. Além do apoio financeiro, o programa busca remover obstáculos jurídicos e le- gais a fim de agilizar o processo de regularização e promover a autono- mia e capacitação dos agentes locais envolvidos, por meio da elabora- ção de cursos, do fomento à troca de experiências e da sistematização e divulgação de material de apoio (CARVALHO, 2007). Além de incluir a Vila Residencial no programa, o acordo propu- nha a constituição de um Grupo de Trabalho para o acompanhamento das ações a serem implementadas, composto por dois representantes 2ª prova2ª –Jesus –26 fev 2014 fins de Moradia (CUEM), por meio da Medida Provisória n aos moradores seenquadrarianaConcessãodeUsoEspecial para da União. ção socioambiental das terras que constituem patrimônio público do MinistériodasCidadescomaSPU,vistas agarantirfun- daatuaçãoconjuntafundiária daVila apartir Residencialdar-se-ia Marinha eemoutrasterrassobdomíniodaUnião, aregularização ção envolvida,demodoqueaUFRJficaria responsável por: gãos ouentidades.Estabelecia,ainda,asatribuiçõesdecadainstitui- (SPU) –sendofacultadaaindicaçãoderepresentantes deoutros ór Planejamento, representado pelaSecretaria dePatrimôniodaUnião –UFRJ,MinistériodasCidadesedo de cadapartícipe assegurado, deformagratuita, àqueleque 4 desetembro de2001,segundoaqualo direito àmoradiaestaria Do pontodevistajurídico, anatureza dotítuloaserconferido Como emoutros assentamentosimplantadosemterrenos de e. d. c. b. a. Trabalho. dereuniõesConvocar eparticipar técnicasdoGrupode eobras; projetos, serviços nicipais, responsáveis porlicençaseautorizaçõesde necessários juntoaosórgãos federais,estaduaisemu- União noEstadodoRiodeJaneiro, nosprocedimentos União, pormeiodaGerência RegionaldoPatrimônioda Colaborar comaatuaçãodaSecretaria doPatrimônioda deste ACT, respeitando alegislaçãoincidentenaárea; do Considerar epropor revisão necessáriaaoPlanoDiretor favor dasfamílias; fundiária, instruçãodosprocessos administrativosem emissão deinstrumentosjurídicosaptosàregularização de cadastro social,coletadedocumentação,seleçãoe comunitária, elaboraçãodecadastro físico,elaboração mobilização quais sejam:levantamentocartográfico, Executar asatividadesprevistas noPlanodeTrabalho, do Vila Residencial; de regularização fundiáriadoassentamentodenomina- Elaborar plano de trabalho para desenvolver o processo 2ª prova2ª –Jesus –26 fev 2014 campus universitário deformaaadequá-loaoobjeto o 2.220 de - 201 Leticia de Luna Freire 2ª prova – Jesus – 26 fev 2014

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até 30 de junho de 2001, possuiu como seu, por cinco anos, ininterruptamente e sem oposição, até duzentos e cinquenta metros quadrados de imóvel público situado em área urbana, utilizando-o para sua moradia ou de sua família [...], desde que não seja proprietário ou concessionário, a qualquer título, de outro imóvel urbano ou rural.

Inspirada no artigo 183 da Constituição Federal, que estabele- ceu o Usucapião Especial Urbano para a regularização de ocupações Ser ou não ser “da UFRJ”, eis a questão “da UFRJ”, ou não ser Ser em terrenos privados, a CUEM assemelha-se a uma propriedade, também registrada no Cartório de Registro de Imóveis, podendo ser individual ou coletiva. Por se tratar de um direito subjetivo voltado especificamente para a moradia, o uso do imóvel pode ser transmiti- do por herança, vendido e/ou alugado, mas o concessionário perde o direito se der ao imóvel destinação diversa da moradia para si ou para sua família, ou adquirir a propriedade ou a concessão de uso de outro imóvel urbano ou rural (BRASIL, 2007). Analisando o panorama atual da regularização fundiária no Brasil, Rafael Soares Gonçalves (2009) descreve que enquanto a nossa legislação urbanística tem feito consideráveis progressos nas últimas décadas, os procedimentos de legalização do solo ainda permanecem bastante complexos, dificultando os êxitos de muitas iniciativas.19 A despeito de todas as dificuldades de se aplicarem ple- namente certos princípios da legislação, a Medida Provisória no 2.220 representou um de seus maiores avanços, criando instrumentos para consolidar a regularização fundiária e urbanística de favelas como política urbana no país. Como a precariedade jurídica do acesso ao solo sempre serviu como justificativa tanto para as remoções arbitrá- rias quanto para a ausência de serviços públicos adequados nesses espaços, a regularização fundiária pode se constituir, segundo o au- tor, em um elemento imprescindível para se materializar o direito à moradia, integrando-o ao leque mais amplo de direitos que constitui o direito à cidade. Nesse sentido, a regularização fundiária deve ser compreendida, ressalta, não somente como um meio de suprimir o status fundiário ilegal dos espaços favelizados, mas sobretudo como um meio de garantir a integração socioespacial das camadas mais desfavorecidas no tecido urbano. Se foi justamente no intuito de garantir seu direito à moradia e possibilitar a urbanização da localidade que os moradores da Vila 2ª prova2ª –Jesus –26 fev 2014 sessão dodia21dedezembro de2006. da universidade,oConsuni,queveioaacontecerpoucodepois,na fato eranecessáriaasuaaprovação pelainstânciamáximadecisória acordo da UFRJ com o MC, para a regularização fundiária ocorrer de O desfechododrama os primeiros efeitosquetemproduzido nasuarelação comaUFRJ. minar, deagora,queformaoprocesso apartir sedesenvolveu e Residencial reivindicaram aregularização fundiária,proponho exa- dores daVila ResidencialdaUFRJ,combasenaMedida Provisória n cessão de uso especial para fins de moradia em nome dos mora- lo quepassariaaser, desdeentão,asuaprincipalfinalidade: trataram demodificar, maisumavez,seuestatuto, legitimandoaqui- maneceriam na nova gestão. Reeleitos, os membros da entidade logo gestão anterioràfrente daAmavila,jáquemuitosdosdiretores per 442 dos471votos,achapaOusarparaConquistar, consagrando a públicos,osmoradores elegeramnomesmoano,com aos serviços suapermanência nalocalidade egarantiroacesso a fimdepreservar cada vezmaisseguro. dos moradores daVila Residencial,quesentiamtrilharumcaminho reitor, consagrandosuagestãodiantedacomunidadeacadêmicae a sedissipar. sa vezelefoioespaçoemqueacrisepôdeconcretamente começar começou asedesencadeartodoodramasocialdosmoradores, des- entre avilaeUFRJ,poisseantesoConsunifoi opalcoemque fundiária anunciouocomeçodeumnovohorizontenasrelações um longo processo estivesse por vir, a aprovação da regularização o parecer favoráveldaComissãodeDesenvolvimento.Aindaque 2.220, aresolução publicadapeloConsuniaprovou, porunanimidade, Em resposta aoprocesso n Como haviaalegadooreitor, naocasiãodoestabelecimento Otimistas diantedaspossibilidades que ocontexto atual abria No iníciode2007,oprofessor AloísioTeixeira sereelegeu como atividades de caráter social, cultural, desportivo, assimcomo atividades decarátersocial, cultural,desportivo, dos paraadefesainteresses comunitários,epromover dores daVila Residencial–UFRJ,congregando seusassocia- […] adefesaintransigente do direito demoradiadosmora - 2ª prova2ª –Jesus –26 fev 2014 o 23079.047831/06-23sobre acon- o -

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defender o meio ambiente ou qualquer interesse coletivo lato sensu (difuso, coletivo e individual homogêneo), realizando o direito essencial a uma qualidade de vida saudável.

Enquanto aguardavam a liberação dos recursos para a regula- rização fundiária, os membros da Amavila começavam a estudar a le- gislação e estabelecer contatos com organizações não governamen- tais, pesquisadores da universidade e técnicos da SPU que pudessem ajudá-los a se qualificar para a inédita experiência. Em 19 de dezem- Ser ou não ser “da UFRJ”, eis a questão “da UFRJ”, ou não ser Ser bro de 2007, foi publicada a Portaria no 682, aprovando a dotação de recursos do Ministério das Cidades em favor da UFRJ, no valor de R$50.000,00, para “viabilizar atividades específicas de regularização fundiária da comunidade Vila Residencial” (SPU, 2007). Paralelamente, no contexto universitário, o debate iniciado na gestão anterior sobre as transformações de que a instituição neces- sitava começava a ganhar força e concretude com o processo de for- mulação do novo Plano Diretor da UFRJ. Diante do diagnóstico produzido pelo Plano de Desenvolvimento Institucional encaminhado, em 2005, pelo reitor à comunidade univer- sitária, apontando a fragmentação como um dos principais obstácu- los a serem enfrentados, o Programa de Reestruturação e Expansão, aprovado em 2007, buscou justamente delinear caminhos que con- templassem a integração universitária como prioridade tanto na es- truturação institucional quanto nas concepções pedagógicas. Uma das propostas aprovadas pelo Consuni era a atualização do Plano Diretor de ocupação da Cidade Universitária e o reordenamento es- pacial das unidades acadêmicas e administrativas. A relevância que o Plano Diretor assumiria nesse período – expresso na grande difusão dada pela imprensa universitária e pelo jornal sindical – residia, por sua vez, no desejo de se consolidar uma universidade pública, de qualidade e democrática, mas também en- gajada na construção de um país que contemplasse a autonomia científico-técnica, a justiça social e a responsabilidade ambiental. A exemplo das antigas comissões instauradas, ao longo dos anos 1950, para elaborar o projeto de construção da Cidade Universitária, o reitor instituiu, em janeiro de 2008, o Comitê Técnico do Plano Diretor (CTPD), composto por professores de diferentes unidades da UFRJ e presidido por Pablo Benetti. O primeiro passo nos trabalhos do CTPD foi a definição e a aprovação, pelo Consuni, das diretrizes gerais: 2ª prova2ª –Jesus –26 fev 2014 Juventude (CRJ’s). de vulnerabilidadesocial: oschamadosCentros deReferência da lificação profissional e atividadesculturais para jovensem situação flitos, balcãodeempregos, núcleosdeinformática,cursosqua- como emissão de documentos, mediação de con- recidos serviços da cidadaniamedianteacriaçãodeespaçosnosquais fossemofe- to daSEASDHdeempreender umapolíticaintegradadepromoção no iníciodoprimeiro governodeSérgio Cabral (2007-2010). Social eDireitos Humanos(SEASDH),chefiadaporBeneditadaSilva nomeado secretário executivo da Secretaria de Estado de Assistência Residencial, Sérgio Andréa, deixouoMinistériodasCidadesparaser va, desdeoinício,processo deregularização fundiáriadaVila dade civil. sistemático comórgãos governamentaiserepresentações dasocie- criado para promoverinclusive do Conselho Participativo o diálogo torno daProposta Preliminar doPlanoDiretor formuladapeloCTPD, detodoociclo discussões iniciadoem Residencial participariam turação espacial daCidade Universitária, os representantes da Vila Diretor comoumtodo.Porserem diretamente afetadospelareestru- comoeixo estruturantedoPlano pela suadimensãoeimportância concentrado inicialmentesuaatençãonocampus e oPlanodeOcupaçãoUsodasUnidadesIsoladas,aindaquetenha da CidadeUniversitária,oPlanodeOcupaçãoeUsoPraiaVermelha oPlano deDesenvolvimento constituir umconjuntoquearticulasse esses centros fossemocupadosdeforma fragmentada pordiversas do eapreocupação emfazê-locompessoalqualificado,evitando que Ao tomarposse,Sérgio Andréa logosedeparou comoproje- Nesse ínterim,oentãogerente deprojetos queacompanha- Conforme estabelecido pelas diretrizes, o Plano Diretor deveria • • • 2012 e 2016. (UFRJ,2008,p.10) 2016. e 2012 horizonte 2020,commetasintermediáriasparaosanosde Horizonte delongoprazo:estratégiasedefiniçõesparao vando suaintegridadeeinalienabilidade; integrada dopatrimôniofundiárioeedificadodaUFRJ,preser Visão deconjuntodosespaçoseedificaçõesdisponíveis:visão e aopaís); a integraçãodaUFRJcomcidade(e,porextensão,aoEstado A dupladimensãodaintegração:integraçãointernaUFRJe 2ª prova2ª –Jesus –26 fev 2014 20 Comessenovoprojeto em viasdeserimplanta- da IlhadoFundão -

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organizações não governamentais, Sérgio Andréa convidou a equipe do Programa Inclusão Social – Vila Residencial da UFRJ a adaptar os projetos de extensão ali desenvolvidos às 21 áreas a serem atendidas pelos CRJ’s na Região Metropolitana do Rio de Janeiro. A proposta, que foi sendo delineada após muitas reuniões com os integrantes do programa e membros da Amavila, era de que a equipe da UFRJ emprestasse seu conhecimento e sua experiên- cia para a constituição desses centros em outras localidades do Rio de Janeiro, em troca de recursos financeiros que pudessem contri- Ser ou não ser “da UFRJ”, eis a questão “da UFRJ”, ou não ser Ser buir para o fortalecimento das ações do programa na própria Vila Residencial, tanto por meio da concessão de bolsas aos estudantes e auxiliares que trabalhassem nas outras localidades quanto propi- ciando a compra de material de consumo e equipamentos, além de subsidiar a almejada reforma da sede da Amavila, onde muitos dos projetos de extensão, sobretudo aqueles da área de saúde, desenvol- viam suas atividades. Com o objetivo de “criar um modelo de cooperação com moradores de espaços populares vinculados à SEASDH e a comu- nidade da Vila Residencial da UFRJ”, foi assim firmado o Convênio de Cooperação Acadêmica e Intercâmbios Técnicos, Científicos e Culturais com a UFRJ, contemplando projetos nas áreas de arquitetu- ra, informática, serviço social, enfermagem, nutrição e antropologia. Embora o convênio tenha sido assinado no final de 2007, ape- nas em abril de 2008 parte dos recursos da SEASDH foi liberada para as equipes darem início às atividades. A parceria entre a UFRJ e a SEASDH, tendo a Vila Residencial como ponto de conexão, foi lan- çada oficialmente em evento realizado no Salão Nobre do CCMN, no qual estiveram presentes a secretária estadual de Assistência Social e Direitos Humanos, Benedita da Silva, o reitor Aloísio Teixeira e a superintendente geral da PR-5, Isabel Cristina Alencar de Azevedo. Nascia, assim, o Projeto Inclusão Social – Vila Residencial da UFRJ/ Centros Comunitários de Defesa da Cidadania/Casas da Paz, que en- volveria, ao longo de um ano, dezenas de professores, estudantes e técnicos da UFRJ, estudantes e colaboradores externos, além de moradores da localidade. Enquanto isso, na Vila Residencial, a liberação dos recursos do Ministério das Cidades dividia a atenção dos integrantes da Amavila para a implantação do plano de trabalho com fins à regularização fundiária da localidade, que previa, no prazo de um ano, as seguintes 2ª prova2ª –Jesus –26 fev 2014 tarefas acordadas entre osintegrantesdoprograma deextensãoe lizados paraarealização doscadastros, deacordo comadivisãode e a compra de equipamentos aseremlevantamento cartográfico uti- diária compreendeu acontratação deumtopógrafoparaefetuaro MC edaSEASDH,aprimeira etapadoprocesso deregularização fun- aos órgãos públicos. porém, dacapacidadedeorganização paralevantarrecursos junto regularização dependeriam, urbanística.Ambasasações,alertava, paço urbanodavila,pormeioimplantaçãodeinfraestrutura e da dos títulosdepropriedade, masqueincluíaainda a melhoriadoes- tacava quearegularização fundiárianãoterminariacomaentrega na localidade.Napágina10,definia-sea regularização fundiáriacomo linguagem acessível, todas as etapasque compreenderia oprocesso da regularização fundiária,apresentando, deformadidáticaenuma de suascasas”;jáasegundacontextualizavaoinstrumentojurídico cimento da“legitimidadedosmoradores tornarem-se proprietários cente ameaçaderemoção, paraentãodestacaroposteriorreconhe- trilhado até ali, resgatando a história da localidade e citando a re- ra apresentava aomorador, deformabastantesintética,opercurso aprimei- eradivididoemduaspartes: do das20páginasdacartilha outros projetos deextensãoequatro diretores daAmavila,oconteú- por seisestudantesdaFAU, comacolaboraçãodedois membros de seriam asetapasdoprocesso. Elaboradoporumaequipeformada Vila Residencial”, com o objetivo de informar aos moradores quais “O que se deve saber sobrea cartilha a regularização fundiária da ma deextensãoproduziu, pormeiodoprojeto deInclusãoUrbana, sobre osinstrumentosderegularização einstruçãodosprocessos. dastro social,cadastro físico,coletadedocumentação,discussão ca- atividades: mobilização comunitária, levantamento cartográfico, Além da elaboração e divulgação da cartilha, comapoiodo Além daelaboraçãoedivulgaçãocartilha, Após convocar o engajamento dos moradores, des- a cartilha Com aliberaçãodosrecursos, emmeadosde2008oprogra- rapidamente. Mastodosprecisamcolaborareparticipar. instruções para que o título de propriedade seja entregue mais e valeráparasempre. AAMAVILA ajudaráatodosseguiras Não é um processo muito simples, mas será muito importante […] o processo que permite se obter um título de propriedade. 2ª prova2ª –Jesus –26 fev 2014 21 207 Leticia de Luna Freire 2ª prova – Jesus – 26 fev 2014

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os membros da Amavila. Assim, enquanto o cadastro físico das re- sidências, incluindo a planta e a medição dos imóveis, ficou a car- go da equipe de estudantes da FAU, coordenada pelos professores Pablo Benetti e Maria Julieta Nunes, a realização do cadastro social, incluindo o recolhimento de cópia dos documentos de identidade e comprovantes de residência dos moradores, ficou sob a responsabi- lidade da Amavila. Para a realização do cadastro social, foi ainda elaborado um questionário com 36 questões a ser aplicado em todas as residências Ser ou não ser “da UFRJ”, eis a questão “da UFRJ”, ou não ser Ser da localidade. Tais questões foram formuladas de modo a abranger não apenas informações gerais como idade, escolaridade e ocupação dos moradores, mas também sua situação econômica e social (apa- relho domésticos existentes na residência, casos de deficiência entre os familiares, hábitos de lazer, interesses culturais, acesso a serviços de saúde etc.), a fim de se construir um banco de dados com o perfil da população, que pudesse ser utilizado não só para melhor enca- minhar o processo de regularização fundiária, como também para subsidiar a futura elaboração de projetos e busca de parcerias com outras instituições. Em junho de 2008, a Amavila selecionou 15 moradores da lo- calidade para aplicarem os questionários, após um treinamento. No contexto local, contudo, tanto os estudantes da FAU quanto os mora- dores contratados enfrentaram diversas dificuldades para realizarem os cadastros, pois, mesmo com a regularização fundiária oficialmen- te reconhecida, muitos moradores, após o trauma da ameaça de re- moção, ainda se mostravam resistentes em ceder informações sobre sua família ou sua residência, demonstrando pouco interesse em co- laborar com o trabalho dos cadastradores. Em relação ao cadastro físico, a dificuldade residia ainda em localizar a pessoa responsável pelos imóveis vazios, alugados ou desocupados durante o dia, tendo em vista que os estudantes so- mente realizavam o trabalho durante o período de suas atividades habituais na universidade.22 Em relação ao cadastro social, se, por um lado, esse problema parecia não existir, uma vez que, sendo mo- radores, os cadastradores poderiam facilmente encontrar os respon- sáveis pelos domicílios à noite ou nos finais de semana, por outro, foi justamente essa condição que criou outras dificuldades. Tendo em vista que o trabalho era dividido por ruas e quadras, era comum, por exemplo, casos em que o cadastrador “não se dava” com um 2ª prova2ª –Jesus –26 fev 2014 entrevistas do SINTUFRJ, secomprometeram concedidasaoJornal a saneamento eurbanização daVila Residencial,GabeiraeJandira,em Questionados sobre como tratariam,seeleitos,oproblema dafaltade Rio deJaneiro FernandoGabeira(PV)e Jandira Feghali(PCdoB). nhas eleitorais,visitaram alocalidadeoscandidatosprefeito do da Maré, jáacostumadosaestenderpelasadjacênciassuascampa- as eleiçõesmunicipais.Alémdoscandidatosavereador oriundos de diversoscandidatosquepassarampelaIlhado Fundãodurante uso coletivo. monstração demaiorrespeito comoespaçoconstruídoparaseu dosmoradoreslugar àmaiorparticipação nasassembleiaseàde- conforme oprocesso avançasse,asfofocassedissipariam, dando suas residências dosrecursos comparte públicos.Nãoporacaso, Amavila chegaramaseracusadosdeestarem financiandoobrasem fofocas quepermeavamavidasocialnalocalidade,membros da bre osmeandros queenvolviamareforma doprédio. Enredados nas relação aindamantidacomaassociaçãoeodesconhecimentoso- calidade, taissituaçõesexpressavam, medida,asuafrágil emcerta representar comumentre umcomportamento osmoradores dalo- demateriaisconstruçãoali estocados.Longede casos defurto nha, praticaratossexuaisedespejarlixo,alémdeterhavidoalguns diversas daquelasaquesedestinavaolocal,comofumarmaco- que passaramarealizar, sobretudo ànoite,atividadestotalmente num primeiro momento,sujeitoaomauusoporalgunsmoradores, fizeram comqueoespaço,emestadoquasedeabandono,ficasse, cursos, edalentidãoburocrática desuaadministraçãopelaFUJB ralisações daobra,emdecorrência deatrasosnorepasse dosre- dos pelarealidade local,perdurando maistempodoqueoprevisto. correu numvaziopolítico.Ambososprocessos foramefeitoseafeta- SEASDH, processo que,talcomoaregularização fundiária,nãotrans- também areforma dasedeAmavilasubsidiadacomrecursos da exigindo umconstanterearranjo daequipe. porparte visitar a residência daquele pelo qual não nutria bons sentimentos, a colaborarcomotrabalho,orapróprio cadastradorrecusava-se a vizinho desafetorecusava-se, porquestões absolutamente pessoais, morador daárea aserporelecadastrada,demaneiraqueoraseu Ainda em2008,aVila aatenção Residencialtambémdespertou No casodareforma doprédio daAmavila,asconstantespa- Foi duranteessaetapadecadastramentoqueteveinício 2ª prova2ª –Jesus –26 fev 2014 209 Leticia de Luna Freire 2ª prova – Jesus – 26 fev 2014

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buscar soluções. Com maior conhecimento sobre o caso, Jandira as- sumiu o compromisso de propor mudanças no projeto de dragagem do Canal do Cunha, incluindo o saneamento de todas as comunida- des que o circundam, e acelerar, em parceria com a União, a regu- larização fundiária da localidade, motivo pelo qual os diretores da Amavila passaram a apoiar publicamente sua candidatura. Mesmo sem ser eleita, as propostas de Jandira se concretiza- riam no ano seguinte, menos pelo comprometimento do novo prefei- to, Eduardo Paes (PMDB), do que pelo engajamento político do grupo Ser ou não ser “da UFRJ”, eis a questão “da UFRJ”, ou não ser Ser de moradores da Vila Residencial, que, paralelamente às atividades relacionadas à regularização fundiária e ao convênio com a SEASDH, participaram de variados fóruns de debates sobre o projeto de recu- peração do Canal do Cunha, por meio dos quais conquistaram novos aliados, dando cada vez mais visibilidade pública à Vila Residencial e às suas demandas. Como efeito desse processo, pouco depois das eleições foi pu- blicada a matéria do Jornal do Brasil referida no capítulo anterior. Ao lado de fotos que mostravam ruas alagadas como expressão de “abandono” e a praça da localidade como “única opção de lazer”, a declaração do diretor da Amavila, Marcello Cantizano, enfatizava a abordagem da matéria:

Vivemos a oposição do luxo e do lixo. Vivemos sem nenhuma estrutura, no meio do lixo, enquanto aqui do lado se formam os maiores profissionais do país. A nós resta ficarmos sujeitos às doenças. Ninguém se responsabiliza pela vila. A prefeitu- ra diz que não é responsável porque o terreno é federal e a universidade diz que não compete a ela as melhorias no local. (LINHARES, 2008)

Ao lançar mão das expressões “lixo” e “luxo” para ressaltar o contraste existente entre a precariedade de infraestrutura da Vila Residencial e a excelência acadêmica da UFRJ, o morador parecia aludir ao tempo em que funcionava na localidade o antigo vazadouro de lixo do Distrito Federal, como se o “progresso” que intitula a ma- téria ainda não tivesse ali chegado, mas teria sido reservado apenas para a universidade. Já a declaração do prefeito da UFRJ, professor Hélio de Mattos Alves, ia na direção contrária ao remeter ao processo de regularização 2ª prova2ª –Jesus –26 fev 2014 transporte coletivo durante eventos esportivos ouculturais. coletivoduranteeventos esportivos transporte nadas situações,comofazer acapinadapraçae sua atuaçãorestringia-se a“darapoio”aosmoradores emdetermi- Prefeitura daUFRJchegouaadministrarárea, naquelemomentoa trânsito, tráficodedrogas etc.Segundooprofessor, senopassadoa entretanto, poderdepolíciaparaagiremcasoscomoacidente espaço físicoedasegurançadetodososcampiUFRJ,nãotendo, da prefeitura, que,segundoele,seriaadecuidardamanutençãodo versidade, agestãosobre aárea escapariadafunçãoinstitucional três mesesdepois, que 80% dos moradores da uni- são servidores Prefeitura daUFRJdiantesituaçãocalamitosaporelesenfrentada: Sintufrj, ruas eresidências. do NamatériapublicadaemseguidanoJornal da localidadeexplodiram,inundandocomdejetossanitáriosvárias doBrasil,algumasvelhastubulaçõesdeesgoto matéria noJornal causar indignaçãoentre osmoradores. Logoapósapublicaçãoda Vila Residencial.Odiscursodoprefeito, noentanto,nãodeixoude do secriouumsetorexclusivoparatratardosassuntosrelativos à mento diferiatotalmente daquela apresentada anteriormente,quan- sabilidade sobre aárea: fundiária emcursonalocalidadeeisentarauniversidadederespon- Embora o prefeito tenha dito, em entrevista a mim concedida Como se pode ver, a posição da Prefeitura da UFRJ nesse mo- uma moradoradeclarou-se inconformadacomaomissãoda (ESGOTO…, 2008) dizer issosefoiaUniversidadequemtrouxe agentepracá? Jornal doBrasilqueaVila àUFRJ.Comoelepode nãopertence com agente.Omaisabsurdo foioprefeito Héliodeclararao bóiam entre os móveis. É desumano o que está acontecendo O esgotoestáestourando e invadindo nossas casas.Fezes universidade porestaremseuterreno. (LINHARES,2008) àinstituição e sótemonomeda vila, poiselanãopertence de estudantesdauniversidade,aUFRJnãopodeinterferirna públicos básicos. [...] Diferentemente do alojamento serviços pagar IPTU,mastambém poderão cobrar das autoridadesos Com aconclusãodoprocesso, osmoradores navilaterãoque 2ª prova2ª –Jesus –26 fev 2014 prestar serviço de prestar serviço 11 2 Leticia de Luna Freire 2ª prova – Jesus – 26 fev 2014

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A prefeitura não é responsável pela vila, mas ela a apoia como pode, porque ela é muito carente. Nós cuidamos dos espaços acadêmicos da UFRJ. A vila não é um espaço acadêmico, não é uma unidade acadêmica. [...] Eu vejo a vila como um local, um bairro, que necessita com urgência efetivar sua regularização para que os poderes públicos na área federal, municipal e es- tadual possam entrar com políticas públicas de saneamento básico, educação, urbanismo... A regularização fundiária é fundamental para que os próprios moradores possam cobrar Ser ou não ser “da UFRJ”, eis a questão “da UFRJ”, ou não ser Ser dos poderes essas políticas, é um processo muito importante de cobrança. Eu gostaria que a nossa reitoria, antes do fim do nosso mandato, fizesse. (Informação verbal)

Se para a Prefeitura da UFRJ o avanço do processo de regu- larização fundiária da Vila Residencial significava a isenção definiti- va de qualquer responsabilidade sua sobre a área, para os diretores da Amavila ela devia responder pela gestão do espaço até a CUEM ser concluída e a área passar à administração da Prefeitura do Rio. Reconhecendo suas limitações, os diretores da Amavila, com o apoio dos coordenadores do programa de extensão, cobravam, por exem- plo, providências da instituição para controlar as alterações nas estruturas dos imóveis e as construções irregulares na localidade, dificultando a posterior titulação. O trecho reproduzido abaixo do documento encaminhado ao reitor e ao prefeito da UFRJ, no dia 15 de abril de 2008, ilustra claramente esse aspecto:

Tendo em vista a regularização de suas casas e com a pers- pectiva da melhora das mesmas, surgiu um movimento mui- to sadio de reformas e ou construção de mais cômodos das residências existentes. Nada seria de todo preocupante se estas obras fossem acréscimos dentro dos lotes já existentes e obedecendo ao perímetro permitido pela lei. No entanto, o que vem ocorrendo são obras irregulares que comprometem o processo em curso, além de acabar com uma uniformidade do arruamento existente. São escadas que pegam as calçadas, muros que dividem as calçadas de uma casa para outra, são terceiros andares sendo construídos, o que o terreno não su- porta. Cabe resgatarmos que enquanto não for dada a regu- larização de fato da área a responsabilidade da mesma é da 2ª prova2ª –Jesus –26 fev 2014 de regularização fundiáriaemáreas como anossadevepassarpela moradores noprocesso: “gostandoounãodaassociação,o processo cobranças sobre a Amavila em relação ao pouco envolvimento dos Em uma delas, a diretora Vera Valente queixava-se do excesso de tônica dequasetodasasassembleias daAmavilarealizadas em2008. cimento dotrabalhoincessantedosdiretores compunham,aliás,a diretores daassociaçãonofinaldaqueleano: pressava, emtomquaseameaçador, odesgaste jávivenciadopelos a assembleianaqualsediscutiriafinalizaçãodaprimeiraetapaex- rais. Emumdeseusinformativos,aconvocaçãodosmoradores para regularização fundiária, a Amavila também realizava assembleias ge- da urbanizaçãoárea”. tiverem emárea pública,deverãoserremovidas quandodoadvento Rio deJaneiro (GRPURJ),informandoque“asobrasirregulares, sees- reuniões realizadas naGerência RegionaldePatrimôniodaUniãono nos pontoscentraisdecirculação dalocalidade,atadeumadas nhecida, insistiamemrealizar obrasnosimóveis,foiadivulgação, dores que,animadoscomapossibilidadedeterem suapossereco- A reduzida dos moradores participação eafaltadereconhe- Diante dasdiversasdificuldadesencontradasnoprocesso de Outro recurso utilizadopelaAmavilaparaintimidarosmora- dados porlei. Os casosquetransgredirem esseprocesso nãoestarãorespal- transação de passagem de casas em um período de cinco anos. entregarmos os documentos à SPU nãopoderámaisocorrer pessoalmente osqueaindanãofizeramocadastro. Assimque cadastro físico e social. Estamos nessa semana comunicando cionamos e capacitamospessoasdacomunidadepara fazer o futuro quepossa vir ater. Anunciamos bem o processo, sele- so enósnãonosresponsabilizaremos porqualquerproblema Quem por ventura não fizer seu cadastro estará fora do proces- terreno emquestão. podendo auniversidadefazerreintegração depossedeste que asmesmasnãoterãodireito aregularização desuascasas para que a Prefeitura da UFRJ notifique estas obras registrando administração da UFRJ.Nessesentido, fazemos aqui umapelo 2ª prova2ª –Jesus –26 fev 2014 23 24 213 Leticia de Luna Freire 2ª prova – Jesus – 26 fev 2014

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associação”. A diretora Joana Angélica, por sua vez, complementava, em tom de desabafo, a fala de Vera: “as pessoas querem que a gente esteja disponível 24 horas, mas uma associação para funcionar preci- sa dos associados, precisa ter a retaguarda dos moradores. Às vezes a gente até pensa em desistir, mas o barco está em alto mar, não tem como voltar”.25 Apesar do intenso desgaste, que também passou a se refletir nas reuniões do programa de extensão, os diretores da Amavila ti- nham muitas razões para se mostrarem otimistas em relação ao ano Ser ou não ser “da UFRJ”, eis a questão “da UFRJ”, ou não ser Ser que estava por vir. Paralelamente ao andamento do processo de regularização fundiária, 2009 começou com a concretização da parceria com a FAU, o Parque Tecnológico e a Petrobras para a construção das novas resi- dências da Vila dos Solteiros e a inclusão da Vila Residencial no pro- jeto de revitalização e recuperação do Canal do Fundão, no qual se previa a drenagem pluvial e a instalação de 250m de rede de esgoto e 3.850m de rede de distribuição de água na localidade. Em relação às novas moradias dos quase 50 moradores da Vila dos Solteiros, após a anulação, por preços abusivos, de uma licitação realizada ainda em julho de 2008, foi feita uma revisão do projeto elaborado pela equipe da FAU a fim de diminuir os custos da obra, até uma nova empresa construtora ser licitada, iniciando três meses depois o serviço. Em relação ao projeto de revitalização e recuperação do canal, as obras foram iniciadas em fevereiro de 2009. A solenidade realizada no canteiro da Ilha do Fundão contou com a participação dos ministros Carlos Minc (Meio Ambiente) e Márcio Fortes (Cidades), do prefeito Eduardo Paes, do presidente do Instituto Estadual do Ambiente (INEA) Luiz Firmino Martins, do presidente da CEDAE Wagner Victer e de de- zenas de outras autoridades, além de representantes da Petrobras e da UFRJ. O discurso do governador Sérgio Cabral na ocasião evocou tanto os ganhos sociais e ambientais quanto políticos da iniciativa, destacando sua preocupação em atender às exigências internacionais para que a cidade pudesse sediar os Jogos Olímpicos em 2016:26

Queremos transformar este anticartão postal do Rio, de inun- dação e mau cheiro que é o Canal do Fundão, atualmente com apenas 40 cm de profundidade. A recuperação do Canal do Fundão não representará ganhos apenas para o meio ambiente. 2ª prova2ª –Jesus –26 fev 2014 acumulado por muitos e dolorosos anos”. Vila saudávelesustentávelfazendojustiçacorrigindoopassivo jeto, de modo a promover “as transformações necessárias para uma assim que conseguiram ter suasreivindicações incorporadas ao pro- nas temáticasrealizadas naUFRJacerca doPlano Diretor 2020.Foi Movimento Pró-Vila. moradores interessados, constituindooqueficouconhecidocomo de com integrantes da organização local Olhar do Mangue e outros começavam acoletivizarediscutirasaçõesemcursonalocalida- Solteiros ededespoluiçãodocanal,algunsdiretores daAmavila avançar asobrasdeconstruçãodasnovasresidências daVila dos Vila Residencial. texto políticoseriafavorávelparaapermanênciadosmoradores na das motivaçõesparaatentativadedesocuparárea, essenovocon- candidatura dacidadecomosededosJogosOlímpicosde2004uma grante daCidadeUniversitária: fundiária dalocalidadeeoseureconhecimento comoumbairro inte- do PlanoDiretor anunciavaexplicitamenteoapoioàregularização tulo referente àpolíticaderesidência universitáriadaproposta final Paralelamente, continuavam a participar dos debates e ofici- Paralelamente, continuavam a participar No segundosemestre de2009,aomesmotempo queviam A despeitodoqueaconteceucomafamíliaSilva,tinhana e serviços emgeral.(UFRJ,2009,p.35) e serviços assimcomoacomércioequipamentos culturaiseesportivos, daCidUni,aVilaComo parte Residencial deveráteracessoa – atendamdemaneiraintegral eintegradaàVila Residencial. blico, ciclovia,saneamentobásico, transmissãodedadosetc. pú- –transporte que todas as redes de infraestrutura eserviços deveserconsagradaparaassegurar Uma atençãoparticular núcleo umbairro, eletambém,de nossaCidadeUniversitária. promoverdever-se-á aregularização fundiáriae fazer deste Vila Residencialaoespaçoeconvívio daCidUni.Nestadireção, É necessário, e mesmourgente, levaradianteaincorporação da de 2016. que a cidade possa disputar a chance de sediar as Olimpíadas pulação. Alémdisso,suarecuperação éumpré-requisito para Também propiciará melhoriadaqualidadedevidaparaapo- 2ª prova2ª –Jesus –26 fev 2014 27 28 Um dos artigos do capí- Um dos artigos 215 Leticia de Luna Freire 2ª prova – Jesus – 26 fev 2014

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Apesar das diversas dificuldades enfrentadas, sobretudo ge- renciais e financeiras, o final de 2009 seria marcado também pela confirmação do interesse da SEASDH em renovar o convênio com a UFRJ, possibilitando novos investimentos nas atividades de extensão desenvolvidas na Vila Residencial. As diversas conquistas obtidas pelos moradores, desde a aprovação da regularização fundiária, foram celebradas num grande evento realizado nos dias 28 e 29 de novembro de 2009, a I Mostra Cultural da Vila Residencial. Ser ou não ser “da UFRJ”, eis a questão “da UFRJ”, ou não ser Ser Realizado pela coordenadoria de extensão do CLA, em parce- ria com a Amavila, a organização Olhar do Mangue e o Laboratório de Informática para a Educação (LIpE), o evento tinha como objetivo articular “as iniciativas que já acontecem na Vila com os saberes e fazeres artísticos da Universidade e das comunidades da Maré e São João de Meriti”, promovendo atividades de música, dança, teatro, po- esia, artes visuais, entre outras.29 Como a maior parte dos eventos sociais e culturais realizados na localidade, as atividades da mostra concentraram-se numa grande tenda montada na praça, em frente à igreja católica. Buscando construir um movimento cultural amplo e autôno- mo dos moradores da vila, os idealizadores apostavam na arte como uma forma de ver o mundo e expressar sonhos de uma vida diferente. Nesse sentido, pode-se dizer que, da parte dos integrantes da Amavila e do programa de extensão participantes, o evento também tinha um cunho político, pois visava sensibilizar os moradores a respeito das mudanças em curso na localidade, conquistando e fortalecendo seu apoio. Não por acaso, além de representantes da UFRJ, foram convi- dados para o evento tanto o secretário executivo da SEASDH quanto o ministro das Cidades. Enquanto Sérgio Andréa esteve presente no primeiro dia do evento, juntamente com duas de suas assessoras, para prestigiar a inauguração do Centro Comunitário da Amavila subsidiado com re- cursos provenientes do convênio entre a SEASDH e a UFRJ, Márcio Fortes esteve no segundo dia para verificar o andamento do proces- so de saneamento da localidade.30 Em ambas as ocasiões, os dire- tores da Amavila agradeceram publicamente o apoio, aproveitando para apresentar novas solicitações. 2ª prova2ª –Jesus –26 fev 2014 a localidade. dores celebrariamjustamenteachegadadeumanopromissor para nas primeirashorasdodia31dedezembro, data em queosmora- do queacreditavam estarsendoapagadodesuahistória. mente avidadosmoradores, trazendoàtonaasmarcas deumpassa- Vila Residencialfoiabatidaporumaenchentequetranstornoutotal- cultural seria,noentanto,interrompido nomêsseguinte,quandoa Residencial”. Tudo tãoperfeitoqueparecia tersidoensaiado. passo emdireção àemancipação,nosentidolato,daqueridaVila superado as expectativas mais otimistas, representando “mais um de satisfaçãoplena.Paraumdosdiretoreshavia daAmavila,oevento da localidadeeexaltandoseumomentoatual: samba recém-composto porMoacirGadelha,resgatando ahistória pedir ajudaaosdiretores daAmavila.Constatandoaemergência da recém-comprados paraequiparanovamoradia–quandoresolveram a contabilizarperda demóveiseaparelhos domésticos–muitos lizando emdireção àssuasresidências, osmoradores começavam chuva cairsemtrégua doaterro eparte doParque Tecnológico des- obras. Acordados com oníveldeáguanaalturadosjoelhos,vendoa par asnovasresidências, concluídasnovemesesdepoisdoiníciodas moradias naruadasPapoulas,aguardando aautorizaçãoparaocu- moradores daVila dosSolteiros, queaindapermaneciamemsuas O prolongado temporalquecastigoutodaacidade começou O sentimentodeplenitudequepredominou duranteamostra doeventoera No diaseguinte,oestadogeraldosparticipantes Nos intervalos dasatividades,ascaixasdesomtocavamo Nos intervalos que jávemdemuitolonge esconde/ Paratodosmoradores ésumsonho/Umlindo / RegularizaçãofundiáriaNãobrinquecomnósdepique cada dia/Hojeemharmoniatodosqueremos ficar/Regulari! moradia num mesmo lugar / E defendendo o nosso pão de quecer /Surpreendidos um dia fomosobrigados / Concentrar confunde de verdade / Emtempoalgumnãosetemcomoes- dade /Construindoosalicerces dosaber/Nossahistóriase pornós/Crescemos! /Crescemosintervindo comauniversi- Para nósalutacontinua/Sódevemoscalarsealguémescutar, Vila Residencial/Investenoclamordasuavozô 31 2ª prova2ª –Jesus –26 fev 2014 Comodasoutrasvezes,osmaisafetadosforam os 217 Leticia de Luna Freire 2ª prova – Jesus – 26 fev 2014

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situação, estes pediram abrigo para os moradores nas igrejas locais e bloquearam o acesso da rua das Papoulas com galhos de árvores e um sofá velho, impedindo o trânsito de veículos, inclusive do ônibus da UFRJ. Da Defesa Civil, ouviram que, tendo em vista a situação de calamidade instalada em toda a cidade, teriam de entrar numa “fila de prioridades” para serem atendidos. Ao contatarem o prefeito da UFRJ, ele, mesmo estando fora da cidade, autorizou a “ocupação pa- cífica” das novas residências pelos moradores, que nesse momento de urgência receberam as respectivas chaves. Ser ou não ser “da UFRJ”, eis a questão “da UFRJ”, ou não ser Ser Aflitos, os moradores atravessaram o campo carregando seus pertences sobre os ombros, rumo às novas residências. Para sua maior indignação, diversos problemas (infiltrações, goteiras, jane- las emperradas etc.) também foram identificados nas residências recém-construídas e pretensamente mais seguras. Conforme os imóveis iam sendo ocupados, membros da Amavila registravam, por meio de um caderno e uma máquina fotográfica, os problemas encontrados. Após o triste réveillon, encaminharam o relatório aos técnicos do Parque Tecnológico responsáveis pela fiscalização das obras, cobrando a imediata correção das falhas cometidas pela construtora. A indignação dos moradores com a qualidade da obra foi expressa pouco depois em faixas erguidas sobre o painel de di- vulgação da mostra cultural, exposto na entrada da localidade, e sobre a fachada das novas residências como forma de denunciar o tratamento desrespeitoso não apenas em relação aos moradores da Vila dos Solteiros, mas a toda a localidade: “A vila merece respeito. Exigimos moradia digna já”. Somente após a realização dos reparos exigidos, os morado- res puderam, meses depois, mudar-se definitivamente para as no- vas residências, as únicas da localidade que seguiam um mesmo padrão arquitetônico. Pouco tempo depois, as antigas residências começariam a ser demolidas por operários da firma contratada pelo governo do estado para realizar as obras de saneamento e ur- banização da localidade. No lugar das casas de Vanda, José Justino e todos os outros moradores da Vila dos Solteiros, seria construída a adutora para a qual seria direcionado todo o esgoto produzido na localidade.

O começo do futuro 2ª prova2ª –Jesus –26 fev 2014 administrados pelaFundaçãoCOPPETEC, dos recursos inicialmente previstos, que desta vez passariam a ser cessivas adaptaçõesàsnovasexigênciasburocráticas ecommetade com vistasarenovar oconvêniodesmerecido. Apósmesesdesu- tes doprograma deextensãodaUFRJnãoviramtodooseuempenho olhos a saída de Sérgio Andréa, os diretores da Amavila e os integran- Ricardo Henriques,assumiu a pasta. Apesar deverem commaus gerando adestituiçãodeSérgio Andréa quandoonovosecretário, da SEASDHparatentar disputar uma vaganoSenado, o que acabou aliados. Foi o caso de Benedita da Silva, que deixou seu cargo à frente sofreu muitasmudançasporcontadacandidaturadealgunsseus Sérgio Cabralfossenovamentecandidato, a estrutura de seugoverno para adiretoria daAssociaçãodeMoradores. lítico, decorrentes tanto das eleições estaduais quanto das eleições Vila Residencialseriaafetadotambémpormudançasnocontextopo- extensão emcursonaVila Residencial. em fevereiro desetedos11projetos de2010,comaparticipação de jogo de cintura por parte dosmembrosjogo decinturaporparte daAmavila.Aomesmotempo turbulentos naVila Residencial, exigindocadavezmaisdedicaçãoe diária, os anos de 2008 e 2009 foram, como procurei mostrar, bastante tou aalmejadareforma doprédio noqualsesituaasededaAmavila. diária eoestabelecimentodoconvêniocomaSEASDH, quepossibili- titulares comvistasaoandamentodoprocesso deregularização fun- da Vila dosSolteiros, aconclusãodocadastro dasresidências edos 2008 a2010,construçãodasnovasresidências paraosmoradores gentes, destacavam-se,entre asmaiores conquistasnoperíodode balanço da gestãoTransformar paraMudar, apresentado pelosdiri- vidores das quatro da UFRJ e jáparticipavam gestões anteriores. No Pereira eRafaelCoelho.Todos, comexceçãodesteúltimo, eramser diretores: Vera Valente Freitas, Marcello Cantizano, Joana Angélica da Amavila. um processo eleitoralqueculminounamudançadagestãoàfrente realização depresenciar dotrabalhodecampo,tiveaoportunidade reria, entretanto, demodoaindamaiscomplicado.Nosdoisanos No queserefere àseleiçõesestaduais,emboraogovernador Passado o conturbado episódio da enchente, o ano de 2010 na No queserefere àseleiçõesparaaAmavila,oprocesso ocor Com osdesdobramentos doprocessoderegularizaçãfun- No iníciode2008,aassociaçãoeracomandadaporquatro 2ª prova2ª –Jesus –26 fev 2014 32 oconvêniofoirenovado - - 219 Leticia de Luna Freire 2ª prova – Jesus – 26 fev 2014

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que a localidade ganhou cada vez mais projeção política, o proces- so acabou por gerar e acentuar conflitos internos, levando à divisão dos diretores em chapas opostas na eleição de março de 2010. Nessa eleição, concorreram, num clima de tensão e acirrada disputa, duas chapas. A chapa 1, intitulada Re-Nova-Vila era composta pela então diretora Joana Angélica Pereira, pelo ex-presidente Francisco de Assis Freitas, mais conhecido como Assis, pelo motorista do ônibus da UFRJ, José Rufino de Farias Neto, e pelos jovens Edney Peixoto Gonçalves e Rodrigo de Azevedo, sendo estes três últimos candida- Ser ou não ser “da UFRJ”, eis a questão “da UFRJ”, ou não ser Ser tos pela primeira vez. Contando com o apoio do também ex-presi- dente da associação e então diretor do Sintufrj Francisco de Assis, essa chapa defendia como principais propostas dar continuidade aos programas e projetos existentes, buscar novas parcerias com insti- tuições públicas e privadas, lutar pelo retorno da guarita na entrada da localidade, oferecer acesso gratuito à internet e dar maior visibi- lidade à Amavila. Já a chapa 2, intitulada Responsabilidade Vila, era composta pelo então diretor Marcello Cantizano, por Tilson Coelho, por José “Mestre”, por “Cida”, por Beto “Aranha”, por Djalma Júnior, pela jovem Thaís Christiane e por Carla Francisco de Oliveira, única representante da Vila dos Solteiros na eleição. Contando com o apoio da também diretora Vera Valente, que, após longos e fatigantes anos, optou por afastar-se da direção da entidade, a chapa tinha como principais propostas dar continuidade ao processo de regularização fundiária e às obras de saneamento e urbanização da localidade, ga- rantir que os problemas identificados nas novas residências da Vila dos Solteiros fossem solucionados, garantir que os programas e pro- jetos de atuação na localidade tivessem uma maior participação e resultados para os moradores, e promover atividades ambientais de revitalização do mangue, com a participação dos moradores e a geração de oportunidades de emprego.33 Devido ao inusitado contato com o ministro no programa de rádio, que gerou um salto no processo de regularização fundiária que andava adormecido, Joana Angélica, com seu jeito tímido e fala man- sa, desenvolveu um grande carisma entre os moradores. Ainda que não tivesse agido sozinha, seu protagonismo foi reforçado pela chapa 1, na qual era apresentada, num de seus panfletos, como “atual dire- tora da Amavila responsável pelo contato direto com o Ministro das Cidades, possibilitando assim maior peso no apoio para execução das obras na comunidade”. O destaque adquirido por Joana também 2ª prova2ª –Jesus –26 fev 2014 destacar algumas das maisrecentes conquistas da Vila Residencial, vidada, estandorepresentada nopalanque porJoanaAngélica.Após banização da Vila Residencial. Dessa vez, a Amavila também foi con - da etapadasobrasnocanal, incluindoasobrasdesaneamentoeur “os moradores precisam verissocomoumacoisadeles”. local”. Masparaessamudançaacontecer, enfatizava oreitor daUFRJ, -se anecessidadedeprovocar umaverdadeira “mudançanacultura so esuaresponsabilidade namanutençãodasobras,identificando - dosmoradoressentes destacavaanecessáriaparticipação noproces- das obrasdedespoluiçãodocanal,odiscurso autoridadespre- do discursogovernador, proferido nasolenidade deinauguração Ambiente, daConstrutoraQueiroz GalvãoedaUFRJ. Diferentemente localidade, comrepresentantes daAmavila,Secretaria Estadualdo audiência públicasobre oandamentodasobras,realizada emmaio,na Vila Residencial. exibindo umotimismonuncaantesvistocomrelação aofuturo da cadavezmaisinteressadosa mostrar-se pelasaçõesdesenvolvidas, nagem nasruascausavamemseucotidiano,osmoradores passaram urbanização. Apesardosdiversostranstornosqueasobrasdedre- dade, vinculadaprincipalmenteaoiníciodasobrasdesaneamentoe exercício democrático do voto e o contexto de mudança da locali- los e2brancos. votos, contra241votosparaachapa2,restando apenas4votosnu- moradores quecompareceram àsurnaselegeramachapa1com439 cio dastãoesperadasobrasdeurbanizaçãonalocalidade,os686 uma dasmaisexpressivas votaçõesjárealizadas. Motivadospeloiní- de fofocaexistentesnalocalidade. integrantes, quepassaramaseralimentadaspelosinevitáveiscanais ria, talestratégiaacabou,contudo,porreforçar fissurasentre seus otrabalhocoletivodesempenhadopeladiretoLonge defortalecer - em funçãodesuaexperiênciacomomilitantespolíticosesindicais. de nasoutrasarenas públicasemquejáestavammaisambientados enquanto elessedividiampararepresentar osinteresses dalocalida- do osmoradores eauxiliandoasatividadesdasequipesdeextensão, permanecer, demodomaissistemático,nasededaAmavila,atenden- resultou do fato de ela ter sido escolhida pelos demais diretores para No mêsseguinte,outrasolenidade marcaria oiníciodasegun- A mobilizaçãocoletivapassouaser, aliás,aênfasedaprimeira A eleiçãoocorreu numsábado,dia27demarço, e contou com 2ª prova2ª –Jesus –26 fev 2014 34 Nacerimôniadeposse,oacentosedeusobre o - 221 Leticia de Luna Freire 2ª prova – Jesus – 26 fev 2014

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como o processo de regularização fundiária e a inclusão da localida- de na proposta do Plano Diretor da UFRJ, em seu discurso – o mais longo e emocionado de todos – Joana agradeceu ao governador as tão sonhadas benfeitorias, sem deixar de cobrar outros investimen- tos na localidade:

O que presenciamos aqui é a concretização de um sonho que está por se realizar com a presença efetiva do poder públi- co planejando e executando ações sociais de grande porte. Ser ou não ser “da UFRJ”, eis a questão “da UFRJ”, ou não ser Ser Esperamos por este momento há muito tempo. As obras de sa- neamento já iniciadas contemplam o desejo dos moradores de ver resolvido problemas de esgoto, drenagem, urbanização e pavimentação da vila. Essa obra já proporcionou a contratação de muitos pais de família e de jovens que se encontravam de- sempregados. Precisamos urgentemente de uma creche, da construção de áreas de esporte e de lazer, de praças, de área de convivência para os idosos e fundamentalmente de um pos- to de saúde. Há ainda a necessidade de políticas públicas na área da educação e qualificação profissional e programas de geração de trabalho e renda. [...] Mais uma vez muito obrigada!

Ao mesmo tempo que a Vila Residencial transformava-se no- vamente em um canteiro de obras, dessa vez em benefício exclusivo dos próprios moradores, os diretores da Amavila tentavam prosse- guir com o processo de regularização fundiária. Sob a coordenação da professora Julieta Nunes, finalizavam o documento a ser encaminhado para a SPU, compreendendo tanto os cadastros físico e social quanto o registro da história da localidade que confirmasse o tempo e a pacificidade da ocupação da área a ser regu- larizada. Para tanto, tiveram de “congelar” no tempo a vida dinâmica da localidade, optando por desconsiderar qualquer alteração realiza- da a partir de então, uma vez que cada obra realizada nos imóveis, cada mudança de endereço de um morador, cada transação de com- pra e venda de residências, ocorridas ao longo desse período, criava uma nova situação a ser incorporada no cadastro, levando a um pro- cesso de atualizações ilimitado. Afinal, como constatou a professora, “o tempo da regularização é longo e a realidade não para”. Em agosto de 2010, o Memorial Justificativo da Regularização Sustentável da Vila Residencial foi finalmente entregue na SPU. Apenas 2ª prova2ª –Jesus –26 fev 2014 entre os moradores quantoentre representantes daUFRJ,eram,no teresse social. existentes econsolidáveis efacilitaraprodução demoradiasin- de viabilizar a regularização fundiáriados assentamentos precários regras específicasdeparcelamento, usoeocupaçãodosolo,afim de novasmoradiaspopulares. Legalmente,asZEISsãosujeitasa vazios urbanosedeimóveissubutilizados,destinados àprodução de áreas previamente ocupadasquantopormeiodadelimitaçãode da deequipamentoseinfraestrutura,tantopormeio dadelimitação população demenorrenda- nodireito àcidadeeterraurbanaservi especial dezoneamentotemcomoobjetivopromover ainclusãoda fundadas noprincípiodafunçãosocialpropriedade, essetipo implantação” (BRASIL,2009,p.17). urbanosougarantiraviabilidade dasua infraestrutura eserviços seja, integramoperímetro urbanodomunicípioedevempossuir para designar “zonas urbanas destinadas ao uso habitacional, ou Interesse Social(ZEIS),categoriautilizadapormuitosmunicípios cida pelaPrefeitura doRiodeJaneiro comouma ZonaEspecialde a conclusãodessaetapa,Vila Residencialpassariaaserreconhe- não pode ser transferidodiretamente para outro aforeamento. Com cedesse odireito deusoaosmoradores, jáqueumaforeamento a área novamenteaodomíniodaUnião,paraqueestaentãocon- moradores! sobre aárea ocupadapelalocalidade,sequerodireito deremover os da UFRJ.Antesdisso,auniversidadenãotinhanenhumdireito legal da vilatevecomoefeitoaprópria regularização dasituaçãojurídica do terreno daCidadeUniversitária.Ouseja,aregularização fundiária fundiária, aUFRJpassouserlegalmente reconhecida como usuária significa que,apenasquandoseiniciouoprocesso de regularização aquele momento,aconcessãodeusodaárea concedida pela União.Isto para surpresa destesedopróprio Reitor–queaUFRJnãotinha,até deram entrada no pedido de regularização fundiária, constatou-se – fosse legalmenterevertida paraaUnião,pois,quandoosmoradores moradores. Esteprocedimento dependia,entretanto, dequeaárea jurídicos comvistasapossibilitarconcessãodeusodaárea paraos após aanálisedodocumento,seriamefetivadososprocedimentos Diante dofuturo daVila Residencial, asexpectativas,tanto Símbolo desucessodaspolíticashabitacionais brasileiras Para concluiroprocesso, reverter aUFRJdevia,portanto, 2ª prova2ª –Jesus –26 fev 2014 223 Leticia de Luna Freire 2ª prova – Jesus – 26 fev 2014

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final de 2010, geralmente positivas, prevalecendo a crença de que a regularização fundiária e urbanística propiciaria a melhoria efetiva das condições de vida da população.35

O primeiro progresso foi ter o ônibus, o segundo foi ter o ôni- bus rodando dia e noite e o terceiro progresso é a revitalização da Vila (Lílian, moradora da rua Orquídeas).

Espero que o poder público entre lá dentro e faça as obras Ser ou não ser “da UFRJ”, eis a questão “da UFRJ”, ou não ser Ser públicas que eles precisam (Hélio Mattos, prefeito da UFRJ).

Vai ser melhor em caso de limpeza. A diferença é que meu filho não vai mais botar os pés na lama. [...] Porco não sente o cheiro do seu chiqueiro, eu já estou acostumada com esse mundinho (Maria Emília, moradora da rua Flor-de-Lis).

Estamos indo para um patamar muito melhor do que antes. A regularização fundiária é o reconhecimento legal da existência dessa localidade que está há 40 anos no limbo jurídico (Pablo Benetti, coordenador do Programa Inclusão Social – Vila Residencial).

Isso aqui vai virar a menina dos olhos da cidade, todo mundo vai querer vir morar aqui (Joana Angélica, diretora da Amavila).

Alguns, no entanto, viam com ressalvas a possível valorização da localidade no mercado imobiliário carioca, o que poderia gerar o efeito contrário ao esperado. Para Chiquinho, por exemplo, a titula- ção poderia provocar uma especulação que resultasse na expulsão dos moradores mais pobres da localidade, processo que costuma ser chamado de “remoção branca”. Da mesma forma, o então prefeito da UFRJ, embora considerasse que a vila fosse “um bairro tranquilo pra morar”, que se beneficiava da segurança do campus universitário, te- mia que houvesse uma mudança do perfil dos moradores, fazendo com que a localidade apresentasse problemas de violência e crimina- lidade semelhantes aos de muitas favelas da cidade. Ainda que não fosse possível prever o futuro, de fato a Vila Residencial não deixou de vivenciar este processo de maneira tão dís- par à das demais localidades a sofrerem investimentos públicos desse 2ª prova2ª –Jesus –26 fev 2014 efetiva reintegração, sótêmaganhar: naqualambasaspartes dade nãoimplicaráorompimento desuarelação comaUFRJ,masuma diretora daAmavilaJoanaAngélica,aregularização fundiáriadalocali- interação mesmo com a UFRJ”. Da mesma forma, para a moradora e por exemplo,disseesperar“quearelação agorasejadeconvívio, a Vila ResidencialeaCidadeUniversitária.Aex-subprefeita Aldenise, possibilitaria, porsuavez,umainteraçãomaisjusta esolidáriaentre de. Paraosrepresentantes daUFRJentrevistados, estaautonomização tutelar que,duranteanos,caracterizouasuarelação comauniversida- tâncias daadministraçãopública,rompendo comovínculopaternale nomia, inclusiveparaserelacionar diretamente comasdiversasins- doprocesso,Amavila duranteamaiorparte a conquistadesuaauto- da localidadesignificaria,paraosmoradores queestiveramàfrente da individuaisrecém-construídospavimento equartos nalaje. numa residência coletivosnoprimeiro estudantil,alugandoquartos o vizinho,porsuavez,haviatransformadoimóvelemquemorei ao vizinho,mudando-seemseguidaparaBonsucesso.Mesesdepois, caso dosenhorJonatas,quevendeuporR$40.000,00suaresidência tro imóvelemoutro bairro dacidade.Umexemplodessasituaçãoéo deixar alocalidadetambémemmelhores condiçõesparaadquirirou- imóveis na localidade, para outros representava de a oportunidade condições, aumentandoseucapitalcomavendaeoalugueldeoutros ção fundiáriapropiciava aalgunsmoradores commelhores manter-se sofreu um aumento de 20 a 50%. Ao mesmo tempo que a regulariza- guéis deresidências nalocalidadeque,empoucosmeses, equartos R$ 20.000,00a30.000,00.Omesmoocorreu comosvalores dosalu- cia girava em torno de R$ 15.000,00, um ano depois seu valor já era de moradores. Parailustrar, se, noiníciode2008,avendaumaresidên- lorização dosimóveis,mesmoantesdeserconcedidaatitulaçãoaos nesses doisanosemqueestivenaVila Residencialumagradualva- 2005), duranteaimplantaçãodoPrograma Favela-Bairro, constatei tipo. Tal comonapesquisaquerealizei anteriormenteemAcari(FREIRE, No queserefere àrelação comaUFRJ,regularização fundiária a UFRJestandoaquicomseus alunos,fazendotrabalhode entrar esair, agentetemquepassarpor dentro daUFRJ.E tem que estar aqui conosco porque, querendo ou não, para nós nãosomosratosdelaboratório. Euvejoassim:queaUFRJ Não temsentidofalarquea gentenãoqueraUFRJaqui,que 2ª prova2ª –Jesus –26 fev 2014

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extensão, é um trabalho que tá ajudando a sua formação, por- que, quando formados, eles vão estar na sociedade e vão ter outra visão para exercer a sua profissão. Vai ser um profissio- nal que já viveu numa comunidade e sabe o que é lidar com as pessoas. Essa comunidade aqui é um pedacinho do céu – eu continuo afirmando – porque não temos violência, não temos tráfico de drogas, então tem como fazer um trabalho de exten- são da universidade. Hoje temos 11 unidades da UFRJ atuando aqui. Muitos alunos estão vindo morar aqui porque sabem o Ser ou não ser “da UFRJ”, eis a questão “da UFRJ”, ou não ser Ser que é morar numa comunidade tranquila. Um dos melhores lugares para se morar no Rio de Janeiro tá sendo aqui na Vila Residencial. E eu convido a todos para vir conhecer, almoçar no restaurante que aqui tem, porque é como se fosse uma cida- de do interior. Sejam bem-vindos.

Alguns meses depois, após a aprovação de minha tese de dou- torado e o cumprimento de uma licença maternidade, retornei à Vila Residencial para levar exemplares do trabalho para alguns morado- res como forma de retribuir o apoio e a colaboração que me dispuse- ram ao longo da pesquisa. Embora esses reencontros simbolizassem o fechamento de um ciclo, esta não foi, entretanto, a última vez em que estive na localidade. Além dos laços de amizade que permane- ceram com alguns moradores, continuei acompanhando, menos pre- sencialmente que antes, as transformações e acontecimentos que ainda marcariam a vida local. Em abril de 2011, um convite que me foi encaminhado por Joana por meio de correio eletrônico levou-me novamente ao campo para re- gistrar um desses acontecimentos importantes. O documento anexa- do na mensagem vinha em nome do Secretário de Estado do Ambiente Carlos Minc e do Subsecretário de Estado de Projetos e Intervenções Especiais, Antonio Da Hora, e tratava-se de um convite para a soleni- dade de inauguração das obras de urbanização e saneamento da Vila Residencial da UFRJ, no dia 18 daquele mês, na “praça da vila”. Chegando no referido dia marcado – uma segunda-feira enso- larada – logo constatei uma grande movimentação de pessoas ao re- dor da praça, entre técnicos envolvidos nas obras, assessores acom- panhando o reitor da UFRJ, professores e alunos dos projetos de ex- tensão, jornalistas e moradores curiosos. Não por acaso, a praça, que havia sido totalmente urbanizada, ganhando novos canteiros e um 2ª prova2ª –Jesus –26 fev 2014 grandes fotos, nas quais apareciam Joana Angélica, Toniquinho e uma matéria no da UFRJàfrente,logoapósainauguração dasobras.Foto:LeticiadeLunaFreire,2011. crianças, easededaAssociaçãodeMoradores,comveículo divisãodesegurança Figuras 12ae12b-Apraçadavila,comnovapavimentaçãoparquinho paraas acontecimento. parquinho paraascrianças,foiolocalescolhidosediarmaiseste momento : “Atodosvocês,muitoobrigado!”. sentimento degratidãoeeuforiadosdiretores daAmavilanaquele Bio Rio,Queiroz Galvão eUFRJ.Afraseescritaabaixoevidenciavao banização: Petrobrás, GovernodoEstado,Secretaria doAmbiente, das principaisinstituiçõeseempresas envolvidasnasobrasdeur mais de um metro e meio de comprimento decorado com os Na saída,osconvidadosaindaforamrecepcionados porumbolode um caprichadocafédamanhã,combebidasquentes,pãesefrios. radores, seguiuparaasededaAmavila,ondefoirecepcionado com público presente, e,juntocomasdemaisautoridadesealgunsmo- afitavermelhaesticadana praça,sobaplausosdo nal atodecortar mais dedoismetros dedistância.Emseguida,Mincfezotradicio- jornalistas, fotógrafosecameramans,poucoseconseguiaouvira tes daAmavila,doqual,semmicrofone ecercado pormoradores, discurso deCarlosMinc ao ladodoreitor daUFRJederepresentan- chegou aretardarouinterromperatividadeoficialmenteprevista. pescadores exigemoprometido”eraatônicadamanifestação,quenão erguida pordoishomensaconstruçãodeumpíernalocalidade.“Os tava aocasiãoparaprotestar,cobrandopeloautofalanteeumafaixa res, oiníciodasolenidade,umpequenogrupodemoradoresaprovei- Três mesesdepois, aVila Residencialfoinovamentetemade A solenidade foi rápida e sem muita pompa. Resumiu-se a um Jornal daUFRJ(VILA RESIDENCIAL..., 2011). Com trêsJornal 2ª prova2ª –Jesus –26 fev 2014 36 Enquantoelesaguardavam,sobasombradasárvo-

logos - 227 Leticia de Luna Freire 2ª prova – Jesus – 26 fev 2014

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estudante de Maricá que reside na localidade, a matéria iniciava mos- trando que “nem só de vida acadêmica vive a Cidade Universitária da UFRJ”, para focalizar a situação recente da Vila Residencial de “con- quista de seu espaço”. Entre os entrevistados, Joana Angélica resu- mia, do seu ponto de vista, como se deu essa história:

Antes a gente não tinha ação do poder público. Vivemos mui- tos anos com o retorno de esgoto alagando as nossas casas. E quando solicitávamos uma atuação, recebíamos como respos- Ser ou não ser “da UFRJ”, eis a questão “da UFRJ”, ou não ser Ser ta que a Vila Residencial estava localizada no campus da UFRJ e que era área da União. Apesar de morarmos dentro de uma das maiores universidades do país, a gente vivia em completo abandono. De 2007 para cá é que a gente percebe as mudanças. E hoje temos a obra de saneamento, uma praça com brinque- dos e a regularização fundiária. E será através dessa regulariza- ção que poderemos cobrar mais do poder público.

Apesar do tom otimista de “reconquista” do espaço pelos mo- radores, a matéria tocava ao final em algumas das principais questões e problemas que permeiam o processo de regularização fundiária em curso, como o inevitável crescimento da localidade e a responsabili- dade sobre a gestão da área. Segundo o professor Pablo Benetti, um dos entrevistados, ain- da que alunos e funcionários da universidade sejam os maiores inte- ressados na localidade, esta nunca foi propriamente uma vila funcio- nal: “a tendência da Vila é que, nem sempre, os moradores tenham vínculo com a UFRJ” [...] “que vire uma área como todas as que exis- tem na cidade”. Já para a representante da Amavila, o crescimento da localidade e o maior investimento dos moradores nas construções expressariam um efeito subjetivo promovido pelas obras de urbani- zação. “Nossa autoestima cresceu e os moradores estão melhorando suas casas para receberem os estudantes que moram longe ou que não conseguiram vaga no Alojamento Estudantil. Temos uma carac- terística de cidade do interior, e isso tem atraído as pessoas para cá. Os estudantes agora ajudam a reforçar as nossas reivindicações”, relatou Joana. Questionado sobre “de quem é a responsabilidade de cuidar da Vila Residencial”, Pablo afirmou que o terreno da universidade de- veria ser usado essencialmente para a função institucional. No caso, 2ª prova2ª –Jesus –26 fev 2014 alterações nasestruturas dos imóveisetc.),optou-seporrealizar um danças na configuração espacial dalocalidade (novas construções, realizado em2008,funçãodasdificuldadesdesecontrolar asmu- veis, tabilidade eocasionandoumajáconsiderávelvalorização dosimó- da localidade foram concluídas, melhorando as condições de habi- para ofimminhanarrativacomoetnógrafa. e espaçoquecompreendeu dosquaiscaminho apesquisa,epartir UFRJ queprocurei analisarnestelivro, dentro doslimitesdetempo com uma importante ressalva:com umaimportante tante tambémdaUFRJ,oprofessor Pablofinalizavaamatéria,porém, o processo deregularização aindaestavaemcurso,comorepresen- em caracterizarqueessanãoeraumatarefa daUFRJ”.Cientedeque de “convivência”e“apoio”.SegundoIvan,“infelizmentedemorou-se trimônio, ainda que a universidade mantivesse com ela uma relação teve responsabilidade direta pelalocalidade,porestanãoserseupa- para oentãosubprefeito daUFRJ,IvanCarmo,auniversidadenunca Embora Pabloadmitissequelegalmenteoterreno aindaeradaUFRJ, institucional direta, mesmoquealimorem eestudantes”. servidores “a Vila poderiasercaracterizada como umbairro, semvinculação Residencial voltouatramitar comfôlegonoanoseguinte. populações de baixa renda, o processo de regularização da Vila moções defavelaseafavordasocupaçõesáreas centraispor Janeiro, quejáeraconhecidaporseuposicionamento contraasre- da SuperintendênciadoPatrimônioUniãoEstado doRiode da Coordenação de HabitaçãoeRegularizaçãoFundiária(COHARF) teve grandesdesdobramentos.ComaadvogadaCélia Raveraàfrente 37 o processo jurídico que resolveria a sua situação fundiária não Ao serconstatadaajágrande defasagemdocadastramento Em 2011, ao passo que as obras de urbanização e saneamento É essepontonevrálgicodoconflitoentre a Vila Residencial ea “humor” daadministraçãocentral. é institucionale,casonãoseresolva, vaisempre dependerdo uma subprefeitura apenasdaárea. Oproblema équeissonão com avilasempre foioscilante.Desdeaépocaemquesecriou União, que não poderia ter uso habitacional. A política da UFRJ te legaldacidadedoRiodeJaneiro. Nomomentoéumbemda Deixaremos deserresponsáveis quandoavilapassarserpar 2ª prova2ª –Jesus –26 fev 2014 38 - 229 Leticia de Luna Freire 2ª prova – Jesus – 26 fev 2014

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novo cadastro dos lotes e domicílios. Seguindo, dessa vez, as orien- tações da própria SPU, em fevereiro de 2012 vários estudantes de ar- quitetura supervisionados novamente pela professora Julieta Nunes aplicaram um formulário ininterruptamente ao longo de 15 dias, divi- dindo-se entre os turnos da manhã, tarde e noite, a fim de contemplar todas as famílias naquele momento residentes na localidade. Se por um lado esse novo cadastro permitiu incorporar 12 no- vos domicílios, por outro a recusa de uma minoria em fornecer infor- mações já evidenciava, contudo, um impasse que vinha gerando atrito Ser ou não ser “da UFRJ”, eis a questão “da UFRJ”, ou não ser Ser entre um grupo de moradores que estiveram envolvidos nas primeiras etapas do processo, sobretudo na diretoria da Amavila, e a equipe da SPU e os professores da FAU envolvidos a respeito do instrumento jurídico a ser aplicado na regularização fundiária da Vila Residencial. O impasse gerado nas primeiras assembleias realizadas na lo- calidade se assentava com relação à natureza jurídica do título a ser outorgado às famílias. Enquanto o pequeno grupo de moradores rei- vindicava a aplicação da CUEM a praticamente todos os domicílios, conforme vinha sendo debatido desde 2007, por não haver restrição na lei quanto à renda familiar e considerarem ter esse instrumento jurídico mais força na preservação do direito à moradia, os repre- sentantes da SPU defendiam que o que mais se aplicava ao caso era a Concessão de Direito Real de Uso (CDRU),39 tendo em vista que a CUEM, que é gratuita, só se destina, em seu entendimento, a famí- lias consideradas de baixa renda, o que não representava a situação da maioria dos moradores da Vila Residencial. Em consulta a um de- fensor público, o grupo de moradores ouviu a mesma interpretação da equipe da SPU, restando-lhe um amargo sentimento de que todo o empenho ao longo de anos teria sido em vão. Mais do que isso, alguns desses moradores passaram a ver com grande pessimismo o futuro da localidade, cogitando inclusive mudar-se para outra região da cidade. Isto porque, no entendimento que adquiriram com essa experiência, a Vila Residencial ficaria tão vulnerável quanto a locali- dade da Vila Autódromo, que, mesmo após grande parte dos morado- res receberem a CDRU pelo Governo do Estado, continua enfrentando sucessivas ameaças de remoção por parte da Prefeitura do Rio.40 Sem entrar, a esta altura, no debate acerca dos meandros jurídicos que envolvem cada um desses instrumentos, tratava-se, portanto, de dois pontos de vista sobre o caso em tela e duas formas distintas de inter- pretar a lei. 2ª prova2ª –Jesus –26 fev 2014 local; com relaçãoaotamanhomáximodoloteetempodemoradiano fosse deatécincosaláriosmínimos,alématenderasexigências também asuarenda:1)CUEM,paracasosemquerendafamiliar de acordocomasituaçãocadafamília,levandoemconsideração dores, prevaleceu a aplicação de ambos os instrumentos jurídicos, 2 1 Notas um morador,“quemviver,verá...”. relação comauniversidadeeprópriacidade. Comomedizia tidiano dosmoradoresecomoseconfigurará,dali parafrente,asua que aincorporaçãolegaldessavilaàcidadepoderáacarretarnoco- se ateveatéaquiàsualeitura,restaimaginaraspossíveismudanças processo. Paramim,quetiveconcluirsuaescrita,evocê, este livroseencerracomaconclusãodostrâmitesjurídicosdesse “donos” deseulocalmoradiaesuaprópriahistória.Porpouco trando-os emseguidacartório,parasetornaremdefinitivamente junto àSPU,osrespectivostermosdecessãousodaárea,regis- ção daPrefeituradoRio. ZEIS, desvinculandoaáreadaUFRJeincorporando-aàadministra- Câmara deVereadores,visadeclararaVilaResidencialcomouma mente aoencaminhamentodoprojetodeleique,apósvotadopela adotada pelaSPUemoutraslocalidadesevemtramitandoparalela- segue emconsonânciacomaorientaçãoinstitucionalquevemsendo mínimos. Adespeitodascontrovérsiasquesuscitou,essaproposta lhantes aoanterior,mascujarendafossesuperioracincosalários de atécincosaláriosmínimos;e3)CDRUonerosa,paracasosseme- alguma dasexigênciasdaCUEM,mascujasfamíliaspossuamrenda

Ao lado das associações criadas espontaneamente por lideranças locais ou por um Aoladodasassociaçõescriadasespontaneamenteporlideranças locaisouporum Atramadanovelaenvolviadois irmãos separadosnainfânciaquesereencontravam, os programas decooperaçãoenvolvendooórgão eas localidadesatendidas. ciações de moradores, sendo este inclusive um dos requisitos para que se iniciassem o SERFHArealizou, em1961,paraqueasfavelasseorganizassem emtornodeasso- número deassociações foramcriadasnesseperíodoestimuladaspelacampanhaque grupo demoradores dasfavelasparafazerfrente àsameaçasderemoção, umgrande tornou atraçãoturísticaepassou aadotar, navidareal, onomedeDivineia. em BarradeMaricá,nointeriordo RiodeJaneiro, que,comosucessodanovela,se va, porém, acidadecenográficafoiconstruídaemumapequena viladepescadores deMato Grosso.e dacidadedeDivineia,ambientada nosertão Naprodução televisi - no finaldosanos1950,nacondição derivaisaodecidirodestinodamesmamulher 41 Ao final, por pressão do pequeno e articulado grupo de mora- Transposta essaetapa,restaráaosmoradoresassinarem, 2)CDRUgratuita,paracasosquenãoseenquadrassem em 2ª prova2ª –Jesus –26 fev 2014 231 Leticia de Luna Freire 2ª prova – Jesus – 26 fev 2014

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3 Somente entre 1970 e 1980, três militares foram nomeados como prefeito da UFRJ: general Fernando Menescal Villar, coronel Henyaldo Silveira de Vasconcellos e co- ronel Lúcio Gonçalves. 4 Expressão utilizada no site da UFRJ para caracterizar seu mandato, que, entre ou- tras ações institucionais, abriu concursos para docentes em várias áreas, regulari- zou a situação trabalhista de centenas de funcionários, corrigiu o enquadramento de professores anistiados, aprimorou a graduação e a pós-graduação, reformou e construiu diversos prédios. 5 As categorias, representadas por legendas, utilizadas no cadastro eram, respecti- vamente: funcionário ativo (FA), funcionário inativo (FI), não é funcionário (NF), menor (ME), maior (MA) e pensionista (PE). 6 Como o prédio construído pela UFRJ no final dos anos 1980 na Vila Residencial Ser ou não ser “da UFRJ”, eis a questão “da UFRJ”, ou não ser Ser havia sido cedido para a Associação de Moradores, a equipe da subprefeitura não chegou a ser alocada na própria localidade, mas se dirigia para lá quase que dia- riamente para realizar seu trabalho, o que exigia, segundo Aldenise, “uma relação muito direta com os moradores”. 7 Sérgio Magalhães foi secretário de Habitação entre 1993 e 2000, durante as gestões dos prefeitos César Maia e Luiz Paulo Conde. 8 Dadas as características da ocupação, a Vila Residencial seria incluída no Programa Bairrinho, destinado a favelas de pequeno porte, entre 100 e 500 unidades habita- cionais. Embora o Programa Favela-Bairro fosse originalmente apenas um dos vá- rios programas criados na primeira gestão do prefeito César Maia, destinado para favelas de médio porte, seu nome passou a abranger o conjunto das ações voltadas à regularização de favelas (FREIRE, 2005). 9 Projeto elaborado pela empresa Multiservice, sob responsabilidade da CEDAE, que nunca foi efetivamente implantado. 10 No âmbito nacional, movimentos estudantis e sindicais contrários à política do governo federal lançariam a Campanha “Fora FHC e o FMI”, que teria como um dos episódios marcantes a Marcha dos 500 Mil pela defesa da educação pública, em setembro de 2001. 11 Entrevista concedida pelo reitor à revista Época em 14 de dezembro de 1998. Dispo- nível em: . 12 Tipo de crime em que a vítima, geralmente sequestrada em seu próprio veículo, é mantida sob controle dos bandidos por um curto espaço de tempo (geralmente poucas horas), necessário para efetuar saques bancários ou fazer compras com seus cheques ou cartões de crédito. 13 Trecho extraído do texto de balanço da gestão da Associação de Moradores. 14 Segundo Verinha, sua iniciativa partiu da constatação de que nenhum dos diretores da Amavila sabia contar apropriadamente a história da localidade para os demais integrantes do programa. Sem recursos institucionais, sua proposta encontrou apoio dos professores Olívia Maria Gomes da Cunha e Emerson Giumbelli, além de contar, em 2004, com a participação voluntária das colegas e também estudantes do curso de Ciências Sociais, Viviane de Oliveira e Cláudia Aguiar. 15 Segundo o funcionário Augusto Gonçalves de Lima, após uma forte chuva que, em 1999, inundou parte da sala onde os arquivos estavam armazenados, o então di- retor do ETU mandou despejar no lixo o equivalente a seis caminhões de docu- mentos, boa parte deles sobre a Vila Residencial, em um único final de semana, impedindo, desse modo, qualquer reação dos funcionários. 16 Embora o Favela-Bairro também se constituísse como um programa de regulariza- ção fundiária, na prática o que se evidenciava nas áreas beneficiadas era quase que somente ações de urbanização, sendo pouquíssimos os casos de favelas que foram regularizadas por meio dessa política pública. 2ª prova2ª –Jesus –26 fev 2014 30 29 28 27 26 25 24 23 22 21 20 19 18 17 31

Paradiluirestadificuldade,agilizandootrabalhodedescriçãoemediçãoto- OitomesesdepoisdessasolenidadenaIlhadoFundão,ocomitêolímpicointer Assembleiarealizada no dia29denovembro de2008. Informativodistribuídonalocalidadeconvocandoparaaassembleiadodia15de Trecho finaldaata reunião realizada nodia24deoutubro de2008,comapresen- Aregularização fundiáriasustentávelcompreende aregularização urbanística,am- Deacordo com divulgação nosjornais,oRiodeJaneiro registrou, nesseúnicodia, AssimcomoSérgio Andréa, estanãoeraaprimeiravezqueoministro visitavaa Proposta da Amavila paraoPlanoDiretor UFRJ2020,24/9/2009. Texto dofolderdedivulgação daIMostraCulturalVila Residencial. Notíciadivulgadanodia9defevereiro de2009 nositedaSecretaria doAmbiente. Grifosdooriginal. Emmuitas localidades, os CRJ’s substituiriam os antigosCentros Comunitários de Para o autor, a complexidade da gestão fundiária no Brasil se explica,em grande PabloBenettieSérgio Andréa conheceram-senosanos 1980,quandoeram,res- previstos. médio ousuperior)paraauxiliarem osestudantesdaFAU duranteosdoismeses bolsa deR$200,00aR$300,00acordo comoseugraudeinstrução(ensino dos os imóveis, foram selecionados dez jovens moradores, que receberiam uma novembro de2008. Urbana daUFRJ. de três representantes daAmavilaeduasrepresentantes doProjeto deInclusão ça dochefesetorderegularização fundiária, deduasrepresentantes daGRPURJ, gularizacao-fundiaria-e-governo-federal/programa_papel_passado.pdf>. mas-urbanos/biblioteca/regularizacao-fundiaria/textos-diversos/regularizacao-re o programa, consultar: biental, administrativaejurídicadalocalidadebeneficiada.Maisdetalhessobre grande eventoorganizado pelaprefeitura napraiadeCopacabana. nacional confirmariaavitóriadacandidaturacidade,transmitida aovivonum nas Oeste e Norte dacapitaleacidadedeNiterói.nas OesteeNorte emvárioslocaisdaregião metropolitana, atingindosobretudo aszo- tos e mortes anos, causandoestragos,deslizamen- chuvaempelomenos 44 o maiorvolume de sua relação direta como ministro. dos moradores, também acabou se tornando um aliado importante fortalecendo como motoristadopresidente daECEX.AoconhecerJoanaAngélica,omotorista rique das Chagas, havia vivido no local no início dos anos 1970, quando trabalhava queseumotorista,Haroldoaeroporto, poucodepois, aliás,deterdescoberto Hen- vila. Moradordacidade,játinhavisitadoalocalidadequandoestava acaminhodo asp?ident=588>. Disponível em

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32 A COPPETEC (Coordenação de Projetos, Pesquisas e Estudos Tecnológicos) é uma instituição de direito privado, sem fins lucrativos, destinada a apoiar a realização de projetos de desenvolvimento tecnológico, de pesquisa, de ensino e de extensão, da COPPE e demais unidades da UFRJ. 33 Propostas divulgadas em panfletos distribuídos aos moradores durante a campa- nha eleitoral. 34 A título de comparação, no momento delicado em que Alexandre foi eleito presiden- te da associação, compareceram às urnas apenas 218 moradores. 35 A grande adesão dos moradores na etapa final do processo pode ser vista como ilustração desta expectativa. Da população total, apenas as famílias de duas resi- dências recusaram-se a entregar cópias dos documentos exigidos. A recusa destes moradores não se pautava, entretanto, em qualquer argumento contrário à regula- Ser ou não ser “da UFRJ”, eis a questão “da UFRJ”, ou não ser Ser rização fundiária da localidade, mas expressava mero desinteresse pelo assunto. 36 Após as obras de urbanização, a praça deslocou-se, contudo, da igreja católica, sendo separadas por uma via de acesso aos automóveis que entram e saem da localidade. 37 Ao final daquele ano, já identificava um aumento entre 20 e 50% dos valores de com- pra, venda e aluguel de residências na localidade, inclusive no aluguel de quartos para estudantes. Em particular, destaco o rentável aluguel de imóveis para as novas empresas do Parque Tecnológico. Por exemplo, uma residência na localidade capaz de abrigar cerca de dez funcionários poderia custar até R$4.000,00/mês. 38 Célia Ravera presidiu anteriormente o Instituto de Terras do Estado do Rio de Janeiro (ITERJ). 39 Criada pelo Decreto-Lei nº 271, de 28 de fevereiro de 1967, a CDRU é um instrumento de outorga do Estado sobre imóveis públicos disponíveis para alienação ou uso, como direito real resolúvel, que transfere o uso, a título gratuito ou oneroso, do bem público ao particular, por tempo determinado, para fins de interesse social. Dispõe sobre loteamento urbano, responsabilidade do Ioteador concessão de uso e espaço aéreo e dá outras providências. 40 Localizada em área nobre da Barra da , entre o Autódromo e a Lagoa de Jacarepaguá, a Vila Autódromo já foi ameaçada de remoção, desde os anos 1990, por sete argumentos diferentes, que vão desde a genérica definição como “área de risco” ao suposto interesse público de desapropriar o terreno para a construção de equipamentos esportivos para a realização dos Jogos Olímpicos na cidade em 2016. Para mais informações sobre a história da localidade e a luta dos moradores contra a remoção consultar: . 41 Algumas exigências são comuns a ambos intrumentos jurídicos, por exemplo a de o titular não possuir outro imóvel em seu nome e de o imóvel a ser regularizado ser utilizado como moradia. Últimas palavras

Segundo Mello e Vogel (2000), os estudos antropológicos sem- pre foram tributários, em maior ou menor grau, das narrativas. Elas perpassam todo o empreendimento etnográfico, até mesmo quando este se materializa no texto descritivo, ficando também o antropólogo enredado no campo gravitacional da narração. Como toda etnografia, este livro também esteve atravessado, do início ao fim, pelas narra- tivas – essa forma artesanal de comunicação que mergulha na vida do narrador para em seguida retirá-la dele, “como a mão do oleiro na argila do vaso”, já dizia Walter Benjamin (1991). Nessa forma de comunicação, o que está em jogo não é a transmissão pura e simples de uma informação, mas a produção e a reprodução das histórias. No empreendimento etnográfico, as narrativas são, em última instância, tudo que o pesquisador pode verdadeiramente alcançar, antes, du- rante e depois de sua empreitada (MELLO, VOGEL, op.cit). Se tive êxito nessa empreitada, espero ter mostrado de que forma a história da Vila Residencial está intimamente ligada à histó- ria da Cidade Universitária na região hoje designada Ilha do Fundão e o quanto as memórias dessa história dão suporte ao sentimento de pertencimento local de grande parte dos moradores, especialmen- te os que habitavam as antigas ilhas que, aterradas, deram lugar ao campus universitário. A memória, enquanto reconstrução psíquica e intelectual que acarreta uma representação seletiva do passado,1 é o que dá suporte, no presente, à reivindicação dos moradores para sua permanência na área, e sustenta sua rejeição a serem vistos como “invasores”, bem como da sua localidade ser representada como “fa- vela”. Afinal, como muitos moradores da Vila Residencial costumam anunciar: “nós estávamos aqui muito antes da universidade chegar!”. Se levarmos em consideração, entretanto, que nenhuma narrativa é 2ª prova – Jesus – 26 fev 2014

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atemporal e desinteressada, mas que ela sempre visa cumprir algum intento numa determinada situação, pode-se dizer que, tal como no filme de Eliane Caffé, em que os “narradores de Javé” se empenham

Últimas palavras Últimas em construir uma história do lugar que possa valorá-lo a ponto de impedir o desaparecimento do vilarejo por conta da construção de uma barragem, os narradores da Vila Residencial buscam o reconhe- cimento da localidade como peça fundamental na história da região e da própria universidade a fim de impedir sua extinção. Nas relações intersubjetivas, suas narrativas buscam no outro que os ouve o reconhecimento de sua legitimidade como narrador. Mas essa legitimidade somente pode ser conquistada se outros nar- radores forem desqualificados enquanto tal. É nesse sentido que se pode compreender, por exemplo, a organização simbólica da vida social da localidade a partir da diferenciação interna entre “os que chegaram antes” e “os que chegaram depois”. Nas diferentes arenas públicas que se configuraram em torno da relação entre a Vila Residencial e a UFRJ, a identidade da localidade tem sido, ao longo de quase quatro décadas, objeto de constante negociação.2 No caso que busquei analisar, o contexto em que essa relação tornou-se mais crítica foi justamente aquele no qual os moradores se viram ameaçados de serem expulsos da área pela UFRJ, transformando a localidade naquilo que Victor Turner chamou de comunidade de aflição. Para fazer face a essa ameaça, os moradores mobilizaram diversas redes, dentro e fora da universidade, por meio das quais atualizaram uma refinada inteligência sociológica para conquistar aliados e fortalecer sua luta, tirando ainda partido de relações pessoais estratégicas e das virtualidades positivas das situações e oportunidades oferecidas. Na lide travada com a Reitoria da UFRJ para garantir a per- manência dos moradores no campus, um gesto ético-político perpassa quase todas as histórias aqui narradas, sobretudo a mobilização que desencadeou o processo de regularização fundiária e urbanística da localidade: a demanda por reconhecimento – não de uma identidade diferenciada, como no caso dos indígenas ou dos quilombolas, mas da própria existência da Vila Residencial e da dignidade moral dos seus moradores. De acordo com o filósofo canadense Charles Taylor (2000, p. 242), o reconhecimento “não é mera cortesia que devemos conceder às pessoas, mas uma necessidade humana vital”. Ele está estreitamente relacionado à percepção de si, ou seja, à constituição de um self, e, Notas terra quemuitosajudaramaconstruir. talecer seuvalorsocial,garantindo o direito depermanecerem na quevemsendotecidaporseusmoradoresaberto comvistasafor que busqueiabordar ahistóriadaVila Residencial.Umahistóriaem tinuidade dessashistórias,énessesentidopragmático danarrativa contar e ouvir histórias tem como objetivo explícito a própria con- fundiária, agentevaiganharodireitodeexigirmais nossos direitos”. me dissecertavezumamoradoradalocalidade:“com aregularização reconhecimento jurídicodessasnarrativasvindicatórias.Afinal,como área paraosmoradoresnadamaisseriam,nesseaspecto,doqueo instauradores elegitimadoresdedireitos.Ostermoscessãoda critura, podemserentendidascomoregistrooraldegestosverbais isto significaqueasnarrativas,tomadasemsuaoposiçãocomaes- servir paraconsubstanciarumdireito.NocasodaVilaResidencial, mais fazemdoquesublinharesseaspecto. como “oluxo”)àprecariedade urbanadalocalidade(o“lixo”)nada para contraporaexcelênciaacadêmicadauniversidade(representada situações de conflito. As metáforas evocadas por eles publicamente dasargumentaçõespeito –quepautagrandeparte dosmoradores nas demanda porrespeito –ouoseucorolário, adenúnciadafaltaderes- versos eventos descritos neste livro evidenciam, é, antes de tudo, a considera orespeito comoelementocentraldasdemandas.Comodi- ao mesmotempo,ojogodalutamodernapelotratamentodignoque moradores têmdesimesmos. pesquisa eextensão–interferediretamentenapercepçãoqueos estranho aocampusoucomopotenciallaboratóriodeatividades ela épercebidapelaUFRJ–comoobjetodesuatutela,corpo luta contraessascoisas,nocasodaVilaResidencial,amaneiracomo que têmimportânciaparanósdesejamvereme,porvezes, identidade sempreemdiálogocomascoisasqueoutraspessoas damentalmente relacional da vida humana. Assim, se definimos nossa para compreenderessarelação,deve-selevaremcontaocaráterfun- 2 1

rido numcontextofamiliar, Rousso(1996). social,nacional”,comodefine Henry “Um passadoquenuncaéaquele doindivíduosomente,masdeuminse- articulados aexperiênciasespecíficas devivênciasemmundossociais particulares. articulados tando porpensá-lacomoalgodinâmico, associadoaodesempenhodediferentes papéis Assim comoAnselmStrauss(1999), rejeito aquiumavisãoestática deidentidade,op Finalmente, se,comodefendeWilhelm Schapp(2007),oatode Assim como a identidade, a memória também é negociada e pode entreA articulação oreconhecimento eaidentidadeconstitui, 2ª prova2ª –Jesus –26 fev 2014 - - 237 Letícia de Luna Freire 2ª prova – Jesus – 26 fev 2014

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247 Letícia de Luna Freire PRIMEIRA EDITORA NEUTRA EM CARBONO DO BRASIL

Título conferido pela OSCIP PRIMA (www.prima.org.br) após a implementação de um Programa Socioambiental com vistas à ecoeficiência e ao plantio de árvores referentes à neutralização das emissões dos GEEs – Gases do Efeito Estufa.

Este livro foi composto na fonte ITC Cheltenham corpo 10 Impresso na Stampa Gráfica e Editora Ltda., em papel Pólen 80g (miolo) e Cartão Supremo 250g (capa) produzido em harmonia com o meio ambiente. Esta edição foi impressa no verão de 2014. Cada vez mais temos clareza sobre a importância Freire Luna de Leticia Leticia de Luna Freire trabalho de Leticia de Luna Freire consti- das etnogra as como legado da antropologia. O tui-se em uma contribuição excepcional livro de Leticia de Luna Freire enriquece sobrema- para a antropologia urbana. Utilizando o neira este legado. Coleção Biblioteca busca a renovação do mercado do livro acadêmico O contemplando, no âmbito da Universidade Federal Fluminense, obras de instrumental teórico da antropologia, constrói uma Simoni Lahud Guedes Atodas as áreas do conhecimento. etnogra a primorosa. Neste trabalho de campo Professora do Departamento de Antropologia e exemplar, utiliza com maestria técnicas variadas, A responsabilidade da seleção de textos, inscritos por edital público, está a PRÓXIMO DO SABER, do Programa de Pós-Graduação em Antropologia com criatividade, para nos oferecer uma visão cargo da Comissão Editorial da Editora da UFF e de pareceristas convidados. da Universidade Federal Fluminense diferenciada da Vila Residencial do campus da As edições deste selo são totalmente nanciadas com recursos da UFF. LONGE DO PROGRESSO UFRJ, re etir sobre a vida na cidade e sobre as Visando ao crescimento equilibrado, sem perder as oportunidades, a Editora da formas de implantação de equipamentos urbanos UFF procura cumprir a missão da UFF: ser um espaço plural, socialmente refe- histórias de uma vila residencial no campus públicos. Não é preciso dizer que vivenciamos, no renciado, para a formação de cidadãos e pro ssionais críticos e competentes; momento, em todo o Brasil, mais particularmente para a produção e disseminação de conhecimento pluri, inter e transdisciplinar, universitário da Ilha do Fundão - RJ no Rio de Janeiro, reinvenções urbanas que deslo- contribuindo para a diminuição das desigualdades e o desenvolvimento do país. cam e atuam sobre inúmeras populações há muito instaladas. Não nos enganemos, pois: não é de PRÓXIMO DO SABER, LONGE PROGRESSO uma vila fechada e delimitada que trata este livro. Trata de políticas sociais, da implantação de gran- des projetos públicos e dos agentes sociais que são chamados ao diálogo e aqueles que são con- tinuamente silenciados. Trata de dramas sociais. Trata da forma pela qual a ameaça de remoção e o con ito com a universidade transforma, a nal, um grupo disperso de residentes da Vila Residen- cial, heterogêneo, hierarquizado, diferenciado, em “moradores” da Vila, criando uma dimensão nova nas suas identidades que se conjuga com as Leticia de Luna Freire é formada em Psicologia pela dimensões preexistentes e possibilita a luta pelo Universidade Federal Fluminense (UFF), possui mes- trado em Psicologia Social pela Universidade do Es- reconhecimento. Circulando entre densas redes tado do Rio de Janeiro (UERJ) e doutorado em Antro- de vizinhança e parentesco, reconstrói as di- pologia pela UFF, tendo realizado, em 2007, estágio mensões da vida dos moradores. Ser “morador”, doutoral na Université Paris Ouest-Nanterre (UPX) e como demonstrava Carlos Nelson Ferreira dos na École des Hautes Études em Sciences Sociales Santos, tem signi cados especí cos. (EHESS), como bolsista Capes-Cofecub. Como pesquisadora associada ao Laboratório de Explorando tais signi cados num caso especí co, Etnogra a Metropolitana (LeMetro), do Instituto de privilegia a perspectiva dos moradores, perspec- Filoso a e Ciências Sociais da Universidade Federal tiva construída com um “olhar que se demora no do Rio de Janeiro (IFCS-UFRJ), ao Instituto Nacional que vê”, para repetir a bela fórmula de Laplanti- de Ciência e Tecnologia de Estudos Comparados em ne que ela nos traz (e eu acrescentaria, respeita Administração Institucional de Con itos (INCT-InE- profundamente o que vê). Esta opção teórica e AC), vinculado à Pró-Reitoria de Pesquisa, Pós-Gra- duação e Inovação (Proppi) da UFF, e ao Grupo de existencial possibilita compreender os signi - Pesquisa Interinstitucional Entre_Redes (UFF-UERJ), cados e sentidos deste espaço para eles bem vem dedicando-se, sobretudo, a estudos de caráter como a forma como se relacionam entre si e com etnográ co sobre processos de renovação urbana e as instituições, em especial com a universidade. as mobilizações coletivas por eles desencadeadas na Um trabalho rigoroso e sensível que proporciona a Região Metropolitana do Rio de Janeiro. Atualmente, realiza pós-doutorado no Programa de Pós-Gradua- compreensão do viver na cidade, habitar a cidade, ção em Antropologia da UFF, como bolsista da Capes. ser habitado por ela e lutar por reconhecimento.