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EDITORIAL

O mundo dos quadrinhos é o mundo todo

Já passamos pela primeira bicicleta, o primeiro beijo, o primeiro salário, a primeira coleção completa daquela saga brilhando em nossa estante. Eis então que agora temos a primeira revista sobre quadrinhos pra chamar de nossa. Não é pouca coisa.

Na verdade, é algo que há muito tempo vinha sendo sonhado e planejado e re- pensado e debatido e... finalmente, concretizado! E essa primeira edição da Plaf não poderia ser mais emblemática de quem somos e a que viemos. Histórias em quadrinhos, para todxs nós, é por onde passa a nossa própria história, é o meio pelo qual somos afetadxs e movidxs de lugar.

Colocar no mundo uma revista que não apenas fale sobre algo que é tão im- portante para nossa formação cultural e intelectual, mas fazer isso com uma edição de abertura cuja capa pretende debater o Queer nos quadrinhos é uma importante marcação de território para a equipe editorial que aqui vos escreve.

E quem somos nós? Duas mulheres lésbicas e um homem gay. Duas pessoas brancas e uma pessoa negra. Precisávamos pontuar tudo isso? Sim, porque se crescemos ouvindo que ‘quadrinhos é coisa de menino’ e tudo que há implícito nessa frase, é preciso, com urgência, romper esses paradigmas que ainda insis- tem em nos assombrar. Para todxs nós, quadrinhos é sobretudo uma lingua- gem que nos levará a falar de política, amor, feminismo, existencialismo, memó- ria, processos de guerra, de paz e, claro, aventuras nunca dantes imaginadas.

E se começamos com uma edição que trata simultaneamente da importância da representação LGBTQ nas HQs, de como as tirinhas de André Dahmer dão conta de um “espírito do tempo” sócio-político brasileiro e da necessidade de haver preservação da memória dos quadrinhos e cartuns, nada disso acontece à toa. Que venha então essa primeira edição (a primeira!!!) de uma série.

Carol Almeida, Dandara Palankof e Paulo Floro

Editores

Plaf 3 Nesta Plaf

Entrevista: 8 André Dahmer SEÇÕES O quadrinista que melhor ilustra o incômodo dos nossos dias em uma entrevista sobre HQ e política. HQPÉDIA 14 A história de Maria A. Godoy, uma das primeiras roteiristas de quadrinhos do Brasil. LGBT HQ INFOQUADROS A importância e o impacto Um passeio pelo mundo 20 de lésbicas, gays e trans 16 através das histórias de Tintim. (autores e personagens) nas páginas dos quadrinhos. 8 MAKING OF 18 Felipe Nunes comenta seu processo criativo em ROLÊ POR LONDRES O Segredo da Floresta. HQS A capital londrina é um espetáculo 26 para leitores de quadrinhos com ofertas ESTANTE que vão do alternativo mais obscuro 38 Carol Pimentel revisita ao puro pop. Por Alexandre Figueirôa. seu amor por Watchmen. INÉDITAS RESENHAS Sem Título, 39 Thoreau, Carolina de CICLOS PRODUTIVOS Jesus, Caraíba e Recife 44 de Lu Caffagi O amor está nos Assombrado no nosso DAS HQS BRASILEIRAS detalhes nesta HQ linda 28 balaio de críticas. Nunca se produziu tantos quadrinhos da nossa artista de capa. no Brasil como hoje. Mas os desafios são muitos. Um passeio pela produção A Persistência da brasileira de ontem, de hoje e o que 20 26 Memória, de Raoni podemos esperar para o futuro. 48 Assis e Rodrigo Acioli Por Ramon Vitral. Uma história em quadrinhos sobre o Ocupe Estelita.

A SAGA DA RAGU 28 Estranhos Tesouros, 52 de Renata Rinaldi A história oral da Ragu, uma das A recompensa da jornada. 32 mais importantes revistas autorais de quadrinhos do Brasil, criada no Tum Tum, Recife. Por Dandara Palankof. 55 de João Lin As metafísicas da batida do coração.

Saideira, por Caio Oliveira 58 Um problema de imagem 32 do sr. presidente.

4 Plaf Plaf 5 COLABORADORES

Fotos: Divulgação Ramon Vitral é jornalista e editor do blog Vitralizado. Ele lançou este > ano a Série Postal, onde artistas A revista Plaf, brasileiros assinam uma HQ inédita com periodicidade bi- em um cartão postal. Aqui ele escreveu mestral, é uma iniciativa uma reportagem sobre os ciclos da Revista O Grito! e é produtivos dos quadrinhos nacionais. editada no Recife (PE).

Número 1 Agosto/Setembro de 2017

Editores Paulo Floro, Dandara Palankof e Carol Almeida Produção editorial Paulo Floro, Fernando de Albuquerque e Alexandre Figueirôa Projeto gráfico Renata Rinaldi, e diagramação

roteirista e desenhista > Erika Simona brasiliense, é uma autora Administração do selo Pagu, voltada para e contabilidade mulheres quadrinistas. Daiane Dultra Ela trouxe uma HQ de Lu Caffagi, nossa artista da capa, é quadrinista mineira. Revisão aventura e descobertas Ao lado do irmão Vitor Caffagi ela assinou os álbuns Turma Paulo Floro e Erika Simona

pessoais para este nosso da Mônica - Laços e Turma da Mônica - Lições (Panini). É

primeiro número. também autora de Mix Tape, lançada de forma independente. Programação do site > Felipe Dário

A Plaf tem incentivo do Funcultura - Fundo > Pernambucano de Incentivo Carol Pimentel é à Cultura do Governo do editora dos títulos Estado de Pernambuco. mutantes na Panini. Ela foi a primeira mulher FALE COM A GENTE a assumir a edição de Envie seus comentários, sugestões e críticas para nosso e-mail: uma linha de quadrinhos [email protected]. mainstream no Brasil. Se quiser sugerir pautas, enviar Aqui na Plaf ela falou releases, propor parcerias, distribuir nossa revista em seu ponto de do seu amor por venda ou qualquer outro assunto Watchmen. editorial envie e-mail para

> [email protected].

NOS APOIE Foto: Victor Jucá Nossa revista é financiada por um João Lin é nome veterano edital de cultura, mas planejamos dos quadrinhos pernambucanos Raoni Assis manter o projeto a longo prazo. é quadrinista e artista Por isso buscamos apoio de e um dos responsáveis pela Ragu. leitores, instituições e empresas. Multiartista, ele ainda é cineasta plástico pernambucano. Saiba como nos apoiar em e artista plástico. Assina aqui na É autor de diversas nosso site ou mande e-mail Plaf uma HQ bem experimental exposições individuais [email protected]. sobre as batidas do coração. e coletivas e comanda A Casa do Cachorro Preto. Aqui ele assinou uma HQ sobre o Ocupe Estelita, em > parceria com Rodrigo Acioli. Editor-executivo Alexandre Figueirôa Editores Paulo Floro e Fernando de Albuquerque ANÚNCIO (2) Também colaboraram nesta edição: Endereço para Felipe Nunes , quadrinista paulista, nos contou seu processo criativo na HQ O Segredo da Floresta; Renata Arruda , jornalista correspondência Rua Doutor José Maria, carioca, autora do blog Mar de Mármore (mardemarmore.blogspot.com); Germano Rabelo , músico, quadrinista e jornalista 379. Caixa Postal 6275. pernambucano; Paulo Cecconi , jornalista e tradutor, participa do blog Balbúrdia (balburdia.wordpress.com); Lielson Zeni , Encruzilhada, Recife – PE CEP 52041-970 mestre em Letras e roteirista é um dos autores do Balbúrdia; Caio Oliveira , quadrinista piauiense autor de All Hipster Marvel;

e Aristeu Portela , professor de sociologia da UFPE. revistaplaf.com.br ISSN: 2527-0281 Balbúrdia

6 Plaf Plaf 7 ENTREVISTA Foto: Divulgação/Companhia das Letras

O mal estar segundo

Autor de Malvados e Quadrinhos dos Anos 10, Dahmer fala sobre andré esses tempos em que o absurdo adquiriu status de normalidade dahmer por Carol Almeida

uando do outro lado da linha Afinal de contas, as tiras assinadas Plaf / Estamos vivendo hoje Plaf / Em uma dessas tiras sobre “esse clima André Dahmer atende à chamada, por esse cartunista, com toda a sua no Brasil uma situação em que a normalidade das coisas, há o absurdo adquiriu um status uma que é feita toda de cabeça sobrevoa sobre ele – e sobre uma percepção para catalisar o zeitgeist do absurdo de normalidade e algumas das pra baixo. E foi um dos quadrinhos parcela significativa de cariocas – de um país, são hoje testemunhos tuas tiras mais recentes frisam seus que mais circularam. só ajuda o meu Quma ressaca difícil de ser curada. Trata-se de um espaço e tempo em que isso de uma forma muito enfática... trabalho. Mas do dia seguinte à disputa do segundo turno negar o peso político das coisas Essa tira rodou muito. Mas rodou Exatamente, estamos vivendo muito no Facebook que, na verdade, é negar o próprio pensamento. eu não estou para prefeito do Rio de Janeiro, quando Marcelo absurdos atrás de absurdos em é um gueto. O próprio algoritmo Crivella ganhou do candidato Marcelo Freixo. Se os Malvados, Quadrinhos dos Anos um estado de normalidade. “Vamos procura afastar o pensamento interessado só Dahmer não consegue evitar o assunto e 10 ou Emir Saad serão lidos por nos aposentar mais tarde”, tá distinto. O Facebook é você falar tudo bem. “Podem reduzir nossos com as pessoas que pensam mais no meu trabalho..” arqueólogos do futuro como hieróglifos assim a conversa começa (e termina) sendo salários”, tá tudo bem. Há meses ou menos como você. De modo uma conversa essencialmente sobre política. de um momento histórico, ainda não que pararam de prestar contas dos que não serve para nada, porque Não apenas aquela com sede em gabinetes sabemos. Mas fica a dica para quem cartões corporativos do governo não existe o debate de rua. É uma aqui no Rio, isso sumiu do portal estiver aí a mil anos de agora. forma sucinta de despolitização. e casas legislativas, mas essencialmente da transparência, mas tá tudo bem. Não acredito que charge ou qua- a política enquanto nosso modo de O país está na mão de gente da drinho nenhum mude o mundo. relacionamento com o mundo. pior espécie, mas tá tudo bem, por que? Porque o PT foi embora. Plaf / Você fala da bolha do Me desculpa, mas não acho que Facebook. No mesmo momento esse é o caminho. de fortalecimento dessa bolha,

8 Plaf Plaf 9 / entrevista / André Dahmer André Dahmer / entrevista /

temos uma Grande Imprensa que muito triste. Tínhamos um caminho “Esses se enfraquece justamente porque sólido, em 2013, 2014, quem poderia não está disposta a ser um lugar imaginar uma coisa dessas? ‘comentaristas’ de debate. De que forma você, que trabalha essencialmente com aquilo Plaf / Duas das palavras de ordem mais [de portal de que é debate coletivo, percebe esse populares hoje entre os movimentos notícias] são fruto enfraquecimento da esfera pública? sociais são: ocupar e resistir. Quando uma tirinha sua é publicada na Grande de analfabetismo O espaço público de reunião como Imprensa, isso também é uma forma as praças, por exemplo, se acabou. de ocupar e resistir nos espaços? político. Quando As praças nos grandes centros urba- nos não têm mais nem banco para Também. Existe, por exemplo, as classes C e D você sentar, é somente um lugar de uma voz dentro da Folha de S. puderam começar passagem. O espaço público deixou Paulo, Laerte. Mas o grosso de de ser o lugar de debate das coisas. desinformação que é produzido é a comprar suas Quando a gente vê como a imprensa muito maior que essa dissonância. mação. E é absurdo porque nada mais foi moldando o golpe, percebemos Plaf / Você acredita em algum Plaf / Você já sofreu algum processo coisas, não foi feito tem a ver com a realidade, parece que que ainda há ali uma força enorme. horizonte possível? de alguém? Plaf / Tanto você quanto a quadrinista você vive em outro planeta quando lê O que a Mídia Ninja faz, por exemplo, junto com isso uma Laerte são hoje alguns dos maiores os jornais e os portais. Assustador. fica ali fechado no Facebook, não Minha fé está nessas pessoas Não, só recebo ameaça de morte, catalisadores desse mal estar que vai para TV. Por sua vez, o que faz conscientização que estavam ocupando as escolas. daquele tipo “eu sei onde você vai estamos vivendo. Como se dá teu uma pessoa como (José) Serra, que Plaf / Sobre jornais e portais, lançar seu próximo livro”, essas processo de ouvir e ver o que te política, uma é chanceler do golpe e ministro das há neles também os chamados Plaf / Como é tua relação com as coisas. Mas cachorro que late cerca e processar isso tudo de relações exteriores, tendo sido delatado “comentaristas de internet”, cujas reações às tirinhas que você publica não morde. E a grande maioria pela Lava Jato, passa despercebido educação que uma forma sintetizada? palavras se assemelham muito na sua página do Facebook? Isso de das ameaças, que nunca são por essa imprensa. Existe hoje um tirasse aquelas a alguns dos personagens dos certa forma influencia teu trabalho? de processos judiciais, acontece processo seletivo de criminalização Vou contar uma história: encontrei com sempre quando o assunto é religião. da política, de salvar as cabeças que Quadrinhos anos 10. Esses Jaguar recentemente em Curitiba na pessoas do lugar de Na verdade, já tem algum tempo Outro dia fiz uma tira que vários interessam para esse projeto de poder. “comentaristas” ajudam Bienal de Quadrinhos. Ele estava no que deixei de ler esses comentários, me escreveram de forma muito É assustador. Porque ao mesmo mesmo hotel que eu e fomos juntos teu trabalho? consumidoras para até mesmo para conseguir trabalhar, ameaçadora. Mas eu realmente tempo as instituições começam a no carro pro Centro de Convenções. não ligo, estou aqui pra discutir Esses “comentaristas” são fruto porque chega um momento em que servir a esse aparelhamento ideoló- No caminho, ele falou: “que bom que o lugar de cidadãs.” as coisas, ainda mais agora que de analfabetismo político. E essa você não faz mais nada a não ser gico de caça às bruxas. Tenho medo voltou tudo a ficar muito pior, melhor o Rio de Janeiro está sob uma é uma das críticas que faço ao ficar lendo isso. O Facebook uso do que pode acontecer nos próximos pra gente que faz cartum e charge, prefeitura da Igreja Universal. apenas para postar essas tiras e anos. A repressão à livre expressão, o Brasil não pode consertar nunca governo Lula. Porque quando as classes C e D puderam começar a vou embora. Mas sei que ajuda no por exemplo, pode acontecer com pra que a gente possa ter trabalho Plaf / Que tira foi essa? ou sem militares. pra sempre.” Claro que ele falou comprar suas coisas, não foi feito debate e a formar opinião. Mas daí isso brincando, mas ainda assim junto com isso uma conscientização para pessoa formar opinião e agir Uma que chamei de “Homens eu discordo totalmente. Claro que política, uma educação que tirasse de alguma forma há uma distância Plaf / Todas as suas tiras recentes santos”. Com um diálogo besta esse clima do absurdo só ajuda o aquelas pessoas do lugar de con- enorme. Isso só os estudantes são críticas a esse estado de exceção do tipo “a minha vela é maior meu trabalho. Mas eu não estou sumidoras para o lugar de cidadãs. conseguem fazer. que vivemos. Nesse sentido, em um que a sua.” interessado só no meu trabalho. Não Porque o que vemos hoje são pessoas futuro próximo, você acha que pode sou da turma do quanto pior melhor. reproduzindo a fala da grande mídia, Plaf / Em algum momento da tua haver algum tipo de cerceamento em que todo mundo é bandido, que carreira você já fez alguma tirinha Plaf / Com o atentado à redação do teu trabalho? querem dar um golpe comunista no do Charlie Hedbo, na França, em / Já li numa entrevista contigo e o jornal que ia publicar pediu para Plaf país, que isso aqui vai virar a Venezuela, janeiro de 2015, todo o debate sobre que havia um processo seu de anotar você aliviar ou mudar alguma coisa? Sim, pode, mas eu não temo por essas coisas. Não houve uma forma- censura e liberdade de expressão e gravar situações na rua que servissem mim. Eu temo por aqueles que têm ção crítica. Mais do que já fizeram com voltou a surgir. Quase dois anos de munição para as suas tiras. Isso Sim, mas não por causa de política. Já menos chances de se defender ou o povo brasileiro em tão pouco tempo passados desse massacre, você ainda acontece? desse governo, confesso que não sei aconteceu coisas bobas como chamar sair do país. É muito sério o que está consegue articular algum pensa- acontecendo aqui, o mundo está de como não está todo mundo na rua atenção por palavrão ou nu frontal, mas mento sobre esse evento e o olho no Brasil. Vejo uma neblina para Não tenho anotado e gravado mais ainda. E isso acontece porque são realmente não posso me queixar. Porque quanto ele coloca em debate os próximos dois anos, é impossível nada, mas a gente vê a quantidade anos e anos sem qualquer tipo a gente sempre escreveu o que quis e a saber o que vai acontecer e é tudo de desinformação das redes de infor- de formação política. Folha e o Globo sempre publicaram. os limites do humor gráfico?

10 Plaf Plaf 11 / entrevista / André Dahmer André Dahmer / entrevista /

Toda vez que perguntam pra Allan “Não acredito Nesse sentido, você nota “Tenho medo do que pode Sieber, cartunista, quais os limites semelhanças entre tirinhas, Biblioteca básica do humor, ele diz: o meu limite é que charge que também em seus três, acontecer nos próximos anos. Principais obras de André Dahmer desenhar Maomé. Não concordo ou quadrinho quatro quadros, carregam A repressão à livre expressão, com muitas das coisas que (o essa energia de concentração Charlie Hebdo) escreveu ou publicou, nenhum mude de ideias, com o fazer poético? por exemplo, pode acontecer mas concordo menos ainda que fuzilem essas pessoas. Não existe o mundo.” com ou sem militares.” Sim, é muito parecido. Mas voltando humor inocente. Humor é uma das para a coisa das mulheres, quando armas mais ferozes que existe, com falo das mulheres na poesia é humor você pode machucar mais porque há realmente uma geração gente do que falando sério, mas de poetas muito importante que não acredito que o fuzilamento seja surge agora. Temos Angélica Freitas, o caminho. O Charlie Hebdo tem Alice Sant’anna e a Ana Martins Quadrinhos dos Anos 10 uma postura contra os refugiados Marques, que está fazendo grande (Quadrinhos na Cia / Companhia das Letras, 2016) que, às vezes, termina se alinhando Leio mais poesia, e nesse caso para mais um livro. O meu O Angeli, pra mim, ainda é o maior poesia e isso é magnífico. Com o Uma crítica mordaz à vida moderna. a essa guinada pra direita que poesia contemporânea. Acho que editor quer uma compilação chargista do país. Ele faz um grande redescobrimento da Ana Cristina Dahmer aborda em três ou quatro quadros vive o mundo. Mas não acredito ainda tem a coisa de gueto dos de Malvados, e aí é um trabalho trabalho há muitos anos. Sabemos Cesar, temos visto em paralelo o ruído e a dispersão desses tempos. em fuzilamento, cadeia ou crime que ele teve problemas, que parou uma produção muito boa de novas ambientes de quem faz quadrinhos, grande porque são mais de mil de opinião. Pode ser que eles não de fazer quadrinhos para se dedicar poetas. E nos quadrinhos acontece mas talvez menos do que era antes. tiras. Mas também queria pensar mereçam ser lidos muitas vezes, somente às charges, mas ele a mesma coisa. Posso citar Mariana Sempre faço a analogia dessas nisso com calma, porque queria mas nunca exterminados. Aquilo foi ainda se firma como um grande, Paraizo, mas há várias outras feiras de antiguidades em que os um livro só de charges. muito triste, o (Georges) Wolinski assim como Laerte, que é outra fazendo trabalhos muito bons. feirantes ficam comprando um era uma pessoa com uma história pessoa gigante. E as mulheres, do outro, porque a ninguém mais Plaf / Entre a ideia que você e trajetória linda, ética e ilibada, interessa comprar aquelas coisas. tanto nos quadrinhos quanto na Plaf / O quadrinista e romancista tem pra fazer uma tirinha e ter não merecia de jeito nenhum poesia. Aliás, o movimento das Claro que temos já em livrarias (Lourenço) Mutarelli já falou algumas essa tirinha finalizada demora morrer assassinado. Quando isso mulheres hoje no país é um sopro seções de quadrinhos longe do vezes que costuma preferir a com- quanto tempo? aconteceu e começaram a me ligar, de esperança mesmo com todo esse departamento infantil, houve um eu não acreditava que aquilo podia panhia de seus amigos escritores do crescimento e maturidade para esse conservadorismo que vemos hoje no Depende, tem tira que eu faço Vida e Obra de Terêncio Horto ser verdade. Eu realmente queria que a convivência com as pessoas setor de criação, mas a coisa ainda Brasil. Assim como na poesia, em em cinco minutos, tem outras (Quadrinhos na Cia / Companhia das Letras, 2014) que ele estivesse gripado naquele que as mulheres estão formando que só fazem quadrinhos, porque diz engatinha. Quando há um sucesso que até terminar o terceiro Dahmer faz de Terêncio Horto um crítico que esse é circuito muito fechado. absoluto é porque foram cinco mil dia e não tivesse ido à redação. uma geração incrível de poetas. quadrinho demora seis, sete ácido sobre a vida e a morte. Através do Você comunga dessa opinião? exemplares vendidos. dias. A questão é que eu estou personagem ele traz suas impressões Plaf / Quem são as pessoas Plaf / Você também é poeta. Na Meu melhor amigo é o Arnaldo com 42 anos, sei que já fiz muita sobre música, pintura e literatura. que te estimulam e te movem literatura, a poesia é uma energia Branco. Mas preciso confessar: Plaf / Um de seus personagens coisa ruim na vida e não quero hoje no pensamento crítico? de alta concentração de linguagem. leio pouquíssimos quadrinhos. mais famosos, o Emir Saad, mais fazer, então a tendência é é a perfeita corporificação de que eu tenha cada vez mais muitos protagonistas hoje da cuidado pra não errar e é muito política brasileira. Você pretende fácil errar com tirinhas, porque em algum momento voltar a isso é trabalho diário. Mas de trabalhar com ele? forma geral, acredito que hoje sou mais tranquilo em relação àquilo que faço. Não trabalho Trabalhei muito pro G1 com ele para ganhar muito dinheiro, para e acho que o formato se esgotou. ter fama, não é isso que eu quero. Não pretendo mais fazer. Mas A Cabeça é a Ilha (Desiderata, 2009) O que quero é não sentir vergonha também não quer dizer que eu no final da minha vida sobre as Este livro sobre solidão, desencontro nunca mais faça. decisões que tomei. e incompreensão traz um dos interesses de Dahmer, que é explorar a estranheza Plaf / Há alguma publicação diante do mundo. próxima no prelo? Carol Almeida é doutoranda em Comunicação Sites Tenho contrato assinado com a pela UFPE e editora da Plaf. Assina o blog Fora malvados.com.br e andredahmer.com.br de Quadro (www.foradequadro.com). editora [Companhia das Letras]

12 Plaf Plaf 13 HQPÉDIA Maria Aparecida Godoy / HQpédia /

Imagens: Reprodução Guia dos Quadrinhos ABCDEFGHIJKLM NOPQRSTUVWXYZ

MESTRA DO TERROR A obra de Godoy Maria Aparecida Godoy ficou marcada por unir elementos Roteirista de Drácula, foi pioneira do folclore ao terror. Fez sucesso com sua entre mulheres quadrinistas visão do Drácula e assinou histórias na lendária revista Calafrio. por RENATA ARRUDA

Fotos: Reprodução Ladies mercado dos quadrinhos atualmente passa por uma transição em Em 1997, ela foi homenageada com o prêmio que busca cada vez mais pensar e discutir não apenas a questão “Tudo o que eu Ângelo Agostini na categoria Mestre do Quadri- Oda representação feminina nas histórias, como também a parti- podia fazer naquela nho Nacional, honraria concedida a artistas bra- cipação das mulheres no processo criativo. No Brasil, é apenas a partir sileiros que estejam há mais de 25 anos ligados do finalzinho dos anos 1980 e início dos anos 1990 que quadrinistas, época era continuar aos quadrinhos. Depois disso, há ainda registros roteiristas e ilustradoras passam a ser reconhecidas em premiações e de uma história assinada por ela (“Noturno nº é desde então que começam a surgir artistas autorais inspiradas pelas exercitando a imagi- 13”) na edição comemorativa de 20 anos da publicações independentes. Mas e antes disso, quem eram as mulheres nação, Escrevendo revista Calafrio, publicada em 2002 pela editora que conseguiam superar o preconceito de gênero e trabalhar em uma Opera Graphica, e uma HQ eletrônica publicada área tão predominantemente masculina? histórias mesmo em 2009 pela editora Nona Arte. Desde então, a autora parece ter sumido do mercado. Rastrear as mulheres pioneiras nos quadrinhos brasileiros não é tarefa que elas não tivessem fácil. São poucos os registros disponíveis e muito dos trabalhos e da oportunidade de O que pode ter levado Cida Godoy a interromper história dessas mulheres foram esquecidos com o tempo. Nos últimos sua produção em quadrinhos? Fazendo uma anos, iniciativas promovidas pelos sites independentes Lady’s Comics e chegar ao público.” breve pesquisa, é fácil descobrir que ela agora faz Minas Nerds têm se esforçado para recuperar a memória dessas precur- parte da coordenação da Pastoral Afro Achiropita soras que se aventuravam em um meio em que muitas vezes precisa- que, de acordo com o site, “busca resgatar as ra- vam assinar sob pseudônimos para serem reconhecidas por seu público. ízes do povo afro-brasileiro, valorizar sua cultura e preservar sua dignidade”. Também há registros Uma das precursoras dos quadrinhos brasileiros é Maria Aparecida Godoy, de um site pessoal em que ela declara estar se a Cida Godoy, cujo início da carreira nos quadrinhos é bem interessante: dedicando “a investir na pesquisa de materiais, natural de Guaratinguetá, interior de São Paulo, ela começou sua trajetória técnicas, cores e estampas étnicas para produzir escrevendo argumentos para revistas em quadrinhos de terror, entre elas acessórios afro-brasileiros, de modo artesanal”. Calafrio e Mestres do Terror, se baseando nas narrações que ouvia quando Há algo de belo em saber que agora ela se criança. De origem humilde, não havia condições para que a família de Cida dedica a resgatar e preservar as raízes do povo pudesse comprar um aparelho de televisão durante sua infância, de forma afro-brasileiro. Faz sentido para uma mulher que eles tinham apenas o rádio e, para se divertir, reuniam-se todas as icha Em 1968 Rodolfo Zalla, então diretor de arte Enquanto Cida estava no auge de sua carreira, o que iniciou sua carreira resgatando histórias. noites contando “histórias de assombração” uns para os outros. F na editora Taika, gostou tanto da história país atravessava um período de tensão devido “A Vingança da Escrava”, que decidiu comprá ao golpe militar de 1964 e logo chegou o mo- Mesmo sem publicar quadrinhos atualmente, Quando Cida estava no ensino fundamental, a escola em que estudava -la e aproveitá-la na revista Estórias Negras, mento em que a censura imposta pelo regime Cida Godoy não rejeita seu passado de precur- pediu para que os alunos fizessem uma pesquisa visitando as cidades publicada pela Gráfica Editora Penteado alcançou os quadrinhos de terror, fazendo com sora: ela esteve presente no 2º Encontro Lady’s do Vale Paraíba para recolher narrativas folclóricas locais. “Conversando Nome: Maria Aparecida Godoy (GEP). Não demorou muito para que a que essas publicações fossem paralisadas. Comics e deu entrevista para a revista Risca, com roceiros, matutos, benzedeiras e tropeiros da região, eu pude perce- falando sobre sua vivência como roteirista nos Natural de Guaratinguetá, SP. argumentista tivesse o volume de trabalho “Tudo o que eu podia fazer naquela época era ber como aquela gente simples possuía uma imensa riqueza de relatos aumentado, sendo requisitada para escrever continuar exercitando a imaginação, escrevendo anos 1960, em plena ditadura militar. Se antes surgidos da superstição, do medo e do profundo respeito pelo sobrena- para várias revistas avulsas. histórias mesmo que elas não tivessem oportu- era Cida quem resgatava histórias do folclore tural”, disse ela em 1988. É de tudo isso que vai brotar o seu interesse Carreira: 1968 - 1993 nidade de chegar ao público. Vim para a capital brasileiro, agora cabe a essa geração manter por histórias de terror e suspense, pelas quais era apaixonada. Principais trabalhos: Histórias de Com desenhos de Nico Rosso, as histórias [de São Paulo] e trabalhei como desenhista na viva na memória a contribuição dessa artista de Drácula assinadas por Cida Godoy Sabesp, mas continuei esperando uma nova que conquistou seu espaço sendo uma mulher Tendo como base os causos que ouvia em casa e com o material de sua pes- Drácula em “Mestres do Terror” faziam sucesso, principalmente devido à chance nos quadrinhos”, disse ela à Calafrio, negra em um mercado com número reduzido de quisa em mãos, Cida passou a escrever diversos contos de horror baseados e contos na revista Calafrio. sua originalidade – em um de seus textos, revista que passou a publicar suas histórias a mulheres, e principalmente, de mulheres negras. no folclore brasileiro e começou a enviá-los para editoras da cidade de São ela chegou a promover um inusitado encontro partir dos anos 1980. A revista publicada pela Paulo na esperança de que alguma se interessasse por seus textos – afinal, as entre o conde vampiro e ninguém menos editora D-Arte circulou até 1993 e pouco se Renata Arruda, jornalista carioca. É autora revistas do gênero faziam muito sucesso naquela época, fim dos anos 1960. que Joana D’Arc. sabe sobre a produção de Cida após isso. do blog prosaespontanea.blogspot.com.br.

14 Plaf Plaf 15 INFOQUADRO

RÚSSIA [Tintim no País dos Sovietes, publicado originalmente em 1929] O álbum que deu fama a Tintim em toda a Europa. Publicado em um jornal conservador, o Le Vingtième Siècle, a história é marcada Tintim por um tom bem anti-comunista, falando diretamente ao coração dos leitores. Tintim é enviado para a União Soviética para investigar as políticas do governo EUA "bolchevique", apresentados como ao redor do [Tintim na América, publicado vilões inescrupulosos. originalmente em 1932] Nesta história Tintim ajuda a prender o mafioso Al Capone, sendo esta a rara vez em que Hergé utiliza uma personalidade PALESTINA verdadeira como um personagem. O álbum descreve a América / ISRAEL dos tempos da Lei Seca, no [Tintim no País do Ouro Negro, mundo início do século passado. publicado originalmente em 1948] O personagem vai para o Oriente Médio em uma aventura que lidava com questões por PAULO FLORO de embates entre Palestina e Israel. Nos anos 1970 a história foi alterada para ser ambientada no fictício estado de Khemed como forma de evitar controvérsias políticas. uando pensamos em um personagem paternalista, por exemplo, foi mudada Qcosmopolita dos quadrinhos, Tintim, de para uma simples conta de matemática. Hergé, é nossa referência mais ligeira. Ao A mais recente edição brasileira contém lado de seu cãozinho Milu e do Capitão a versão integral acompanhada de uma Haddock, o jornalista internacional esteve explicação do editor. na antiga União Soviética, nos EUA (onde ajudou a prender Al Capone), na China Em No País dos Sovietes, o personagem lutando contra a Guerra do Ópio, nos Andes, exibe sua faceta extremamente anti- no Congo, Índia, Egito e até na Lua. comunista. O mais viajante dos heróis dos quadrinhos, Tintim chamou atenção Criado pelo quadrinista belga Georges para muitas realidades e geografias Prosper Remi, conhecido mundialmente ao redor do mundo, sempre com uma CHINA como Hergé, em 1929, o personagem perspectiva bastante europeia. Como [Tintim em O Lótus Azul, apareceu pela primeira vez em Petit lembra o texto da The Economist sobre PERU publicado originalmente em 1936] Vingtième, suplemento infanto-juvenil do os 80 anos do personagem, em 2008, [Publicado originalmente Em Xangai, Tintim é envenenado e preso. jornal Le Vingtième Siècle. Foram ao todo Hergé tentava passar para o personagem em O Templo do Sol, de 1949] Ele consegue fugir e salva a vida de seu 23 aventuras completas, além de uma parte de suas convicções. Além de neo- Tintim parte para o Peru em busca amigo chinês, Tchang. O jornalista francês nunca finalizada. Tornou-se um fenômeno colonialista, o autor ainda expressou de um amigo que teria sido sequestrado Roger Faligot diz que a obra confirma as mundial e ajudou a estabelecer a produção seu anti-semitismo mais de uma vez pelos últimos incas vivos. Se arriscando na acusações de que Hergé foi um agente secreto do comunismo chinês. O que é franco-belga como um importante polo em textos. Além disso ele nunca visitou Cordilheira dos Andes eles são perseguidos por nativos - obviamente malignos - curioso para um autor bastante das HQs mundiais. nenhum dos países que seu protagonista além de enfrentarem rios infestados ligado à extrema-direita viajou nos quadrinhos. por jacarés e serem atacados do entre guerras A trajetória de sucesso de Tintim não pode por cobras. CONGO na Europa. mais ser visto longe das controvérsias que Tintim, ainda bem, acabou sendo maior [Tintim no Congo, publicada envolve a visão colonialista de seu autor. que seu autor. Virou ícone cultural europeu, em 1930 e lançada no Brasil Em uma de suas primeiras histórias, Tintim quase um contraponto ao Superman norte- inicialmente como Tintim na África] no Congo, o personagem aparece em uma americano, e fez sucesso em outras mídias Tintim viaja para o Congo (hoje República sala de aula onde ensina História às crianças. como ótimo desenho dos anos 1980-90 Democrática do Congo) então um país sob o “Sobre a pátria de vocês, a Bélgica”, diz ele (exibido aqui pela TV Cultura) e um longa- TINTIM NO BRASIL jugo imperialista da Bélgica. O autor foi acusado em determinado trecho. Isso sem falar do metragem dirigido por Steven Spielberg, Tintim começou a ser publicado no Brasil entre de racismo e de colonialismo por mostrar os modo estereotipado com que retrata os vencedor do Globo de Ouro. 1960 - 1970, pelas editoras Flamboyant e congoleses idiotizados e semelhantes a macacos. A história foi alterada duas vezes Paulo Floro é pesquisador congoleses. O livro ganharia duas revisões Record. A Companhia das Letras reeditou os para amenizar seu conteúdo e chegou e crítico de quadrinhos para amenizar seu conteúdo, uma em 1946 Separamos seis aventuras famosas 24 álbuns oficiais no início dos anos 2000. A Globo Livros iniciou a publicação dos álbuns, a ser proibida de ser vendida à e é um dos editores e outra em 1970. A aula fortemente de Tintim pelo mundo. desta vez com o conteúdo original sem crianças na Inglaterra. da Revista O Grito! retoques e mudanças, a partir de 2016. revistaogrito.com

16 Plaf Plaf 17 MAKING OF O segredo da floresta/ Making of /

A arte final eu faço com um pincel n.0 (e às vezes alterno com um pincel n.2, que usava pra tudo até esse quadrinho, e uma caneta nanquim 0.8) O segredo da floresta 3 e nanquim normal (alterno entre o Talens de 50 paus ou aquele Acrilex tosqueira de 3, hahaha! Ambos funcionam superbem.

Depois de escaneada em CMYK, costumo usar o canal Felipe Nunes do Magenta ou do Amarelo (o que tiver menos resquício daquele fantasminha azul), transformo em tons de cinza, conta o processo trato os Levels e aplico um Threshold, pra deixar a imagem apenas em preto e branco, sem pontos de cinza. Pro meu criativo da HQ que desenho, isso funciona, porque não trabalho com aguada saiu pela Stout Club/ e com pinceladas fracas de propósito. Panini com roteiros de Thedy Corrêa

sequência tinha como referência um diálogo A dos irmãos na floresta e o momento de encontrar o lenço. A partir daí, tinha o espaço de três páginas pra preencher com uma narrativa, e essa etapa do processo certamente foi a mais complicada do livro. O roteiro vinha até mim com essas definições e precisava me “virar como podia pra construir uma narra- tiva. Pra isso, pensava em câmera girando, interação personagem/cenário/objeto A partir desse ponto, limpo a página e mando ou o ritmo de cada sequência, tentando pra Fabi [Marques], que foi quem fez as cores. explorar esses quadros que vazam pra Geralmente, tento passar um direcionamento ambientá-las melhor e construir clima. 2 do que acho que caberia na página, às vezes eu e o Rafa [Rafael Albuquerque, co-argumento] darmos alguns palpites do que pode ficar massa. Depois que acharam que a ideia podia ficar legal, comecei o lápis. Meu processo Os balões também não ficaram sob minha tem sido bem mais complicado do que responsabilidade, então, esse quadrinho tem já foi, por alguns motivos. Meu lápis é sido pra mim um processo de desapego com naturalmente bem sujo, cheio de traços, o material final. não costumo apagar SEMPRE que erro e isso acaba virando uma salada bizarra que Essa é a etapa mais complica- Desse ponto, depois de pronto, escaneio, dificultava muito na hora de passar a arte da, em princípio. Precisei olhar transformo em CMYK e mantenho ape- final, por não saber direito que linha era algumas fotos do banco de dados nas o Cyan (aquele azulzinho delícia), pra construir a floresta e dediquei pra daí diagramar nas proporções, con- a certa (hahaha) e pelo sebo que o grafite 1 Tudo fica mais fácil nessa divisão de etapas e é uma maneira diferente de trabalhar, já que sempre um tempo pra definir os volumes de preto sertar algo e reforçar os requadros. Daí Felipe Nunes fazia no papel. Decidi começar a usar um estive acostumado a cuidar de toda a parte gráfica sozinho. A experiência do gibi me ajudou muito a e branco, mesmo que no rascunho. Gosto imprimo num Canson decente, a uns 20- é quadrinista, autor sulfite tosco, normal, pra fazer o lápis. Mas entender melhor o que faço, principalmente com os pontos e as sugestões que o Albuquerque levanta de pensar nessa parte ainda na constru- 30% de tinta. Nesse ponto, ainda consigo de Klaus (Balão Editorial) também A3, ao contrário de muita gente ção pra não me arrisca com a arte-final fazer pequenas alterações com lápis antes com relação à narrativa, aos enquadramentos. Ele tem uma visão bem diferente de quadrinhos da e Dodô (Panini). que chega a fazer no A4 e ampliar. e me perder no resultado. da arte final, caso eu ache necessário. dos Gêmeos, por exemplo, e é muito bom ter essa ótica pra acumular possibilidades.

18 Plaf Plaf 19 CAPA Divulgação/DC Comics/Panini Divulgação/DC aa hqhq éé QUEER

Representação importa. ary trabalha numa loja de quadrinhos na pequena cidade de Fort Wayne, Como autoras e autores de Indiana, Estados Unidos. Sua rotina consiste fundamentalmente em lidar quadrinhos estão abordando a Mcom os clientes de sempre: meninos e homens que aparecem por lá buscando história de meninos e diversidade em um ambiente homens em missões heróicas, hercúleas e, claro, historicamente pautado pelas heteronormativas. Mas naquele 3 de dezembro de 2016, Mary percebeu que havia entrado na fantasias de homens brancos loja uma adolescente, aparentemente confusa, buscando quadrinhos que possivelmente ela não heterossexuais e cisgêneros conhecia. A menina procura por alguma história com a . Mary logo descobre que o interesse na heroína da DC Comics não surgia à toa. A série trouxe visibilidade por Carol Almeida, de TV da personagem havia acabado de mostrar, em lésbica para os sua segunda temporada, uma personagem central quadrinhos dandara palanfof (Alex Danvers, irmã da protagonista) saindo do mainstream e Paulo floro armário e se identificando como uma mulher lésbica.

20 Plaf Plaf 21 / capa / A HQ é Queer A HQ é Queer / capa / Imagens: Divulgação

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1. Antes um personagem Ao perceber que a atendente da loja é também LGBTs de colante de seus heróis casados naquele momento. chamado Renascimento, ela primeiro de segundo escalão, Estrela lésbica, a jovem adolescente começa a ter uma crise Com a qualidade das histórias e as vendas passou a estrelar o clássico título Detective Polar ganhou capa de gibi de choro e revela que já havia pensado várias vezes A simples existência de uma personagem como a em queda, o título foi cancelado. Comics ao lado do Batman. E agora, mais em suicídio, mas que a personagem de Alex a fez rever uma vez, retorna em seu título solo. Quase e jornais pelo mundo com Batwoman, identificada como lésbica desde a criação de Séries de TV, filmes, sua condição. Mary tira dinheiro de seu próprio bolso A história nos diz que, entre essa produção como se cumprisse o ciclo iniciado na o seu casamento. sua versão contemporânea é um testemunho irônico do e dá de presente à menina quadrinhos da DC Comics quanto o universo das HQs, por tanto tempo, não apenas livros, e histórias mainstream, ou seja, das HQs comerciais criação de sua primeira versão, naqueles com personagens queers que poderiam ajudar aquela obedeceu como legitimou o código de conduta moralista das grandes editoras, xs personagens queers tempos de caça às bruxas. 2. Wimmen’s Comix jovem leitora a não se sentir tão só no mundo: a super- dos chamados comics norte-americanos: a Batwoman em quadrinhos sempre estiveram, e ainda se encontram, foi uma importante voz heroína lésbica Batwoman, o vigilante gay Meia-Noite original foi criada na década de 1950 - junto com a precisam assumir à margem das narrativas centrais. Não Lembrando que os mesmos ataques a queer em um cenário e a detetive, também lésbica, Renee Montoya. Mary se primeira Batgirl - justamente para abafar as famosas poderia exemplificar isso de forma melhor Batman e Robin que levaram à criação de quadrinhos ainda despede da menina, entra no banheiro da loja e começa acusações do psiquiatra Frederick Wertham de que as a responsabilidade senão pedindo que você consiga visualizar da primeira Batwoman também foram muito machista. ela mesma a chorar. Pela sua cabeça repassa toda histórias de Batman e Robin ajudariam “a fixar tendências alguma superprodução hollywoodiana com dirigidos à Mulher-Maravilha - vista por sua própria infância e adolescência sem referências homoeróticas”. Contando assim, parece piada, mas não é. de encarar a onda um/a super-herói(na) gay, lésbica ou trans- Wertham como “a contraparte lésbica substanciais – fosse nos quadrinhos ou na TV – gênero no papel protagonista. Nesse mundo do Batman”. E hoje temos o mesmo Greg Anita Costa Prado e 3. de personagens queers. Pois a versão contemporânea da Batwoman, cujas de ódio e intolerância de poderes, colants e heteronormatividade, Rucka, atualmente roteirista do gibi da as tiras lésbicas de Katita. histórias foram publicadas no Brasil na revista A Sombra os personagens LGBT já transitaram pelo Amazona, afirmando a quem quiser ouvir O relato acima foi narrado no Twitter pela própria do Batman, da editora Panini, consolidou a heroína como ofensivo (o Estraño, da própria DC, que que, numa ilha aonde reinam a felicidade 4. Apolo e Meia-Noite: atendente da loja e ganhou grande repercussão depois um dos maiores símbolos da nova representação feminina merecidamente foi para um limbo do qual e a harmonia, habitada exclusivamente beijaço e relação gay estável que Chyler Leigh, a atriz que interpreta a personagem e LGBT nos quadrinhos de super-heróis: uma mulher forte, nunca retornou), pela fetichização (Granizo, por mulheres, é simplesmente inconcebível dos Gen13, grupo publicado pelo selo que elas não se envolvam amorosa e em um campo bem hétero, de Alex Danvers na série Supergirl, republicou a história independente, cuja origem (desenvolvida pelo roteirista em sua conta no Twitter e mandou uma mensagem Greg Rucka) mostrava a vivência de sua homossexualidade Wildstorm, da Image, posteriormente sexualmente umas com as outras - os gibis de super-heróis. privada – que logo se tornou pública – para Mary, e o desejo de nunca precisar se esconder como componentes comprado também pela DC) e pela inclusive a própria Diana, o que pode ser agradecendo a ela por ter contado o que se passou. essenciais na construção da personagem e de sua história. irrelevância - Estrela Polar, primeiro super- percebido claramente logo na primeira Kate Kane (esse é seu nome “civil”) foi expulsa do exército, herói assumidamente gay, sempre foi edição de sua fase no título. Melhor do que O encontro entre essa atendente e a jovem desconhecida sua maior vocação, por não se submeter à política do um personagem de segundo escalão. isso: hoje temos a roteirista latina e lésbica é um recorte bastante emblemático e ilustrativo de exército norte-americano de manter seus oficiais Gabby Rivera como responsável hoje pelas como o slogan “representação importa” ainda tem um compulsoriamente no armário. Mas o Estrela Polar entrou nos X-Men. HQs da primeira protagonista lésbica e peso que não pode ser negado por quem produz e cria Elena Seibert Foto: Seu casamento estampou não só a capa igualmente latina: America Chavez, entretenimento e cultura pop no mundo. Porque se a Seu título solo estreou na fase seguinte da DC Comics, do gibi como também jornais no mundo a super-heroína pavio curto da Marvel. situação lá fora está cada vez mais tensa para quem conhecida como Novos 52, com roteiros e desenhos a cargo inteiro. Os Jovens Vingadores, da Marvel, levanta a bandeira de (qualquer) diversidade, séries de TV, de J.H. Williams III - e as críticas não paravam de incensá- tinham como principal casal da equipe o Há ainda um longo caminho a percorrer e filmes, livros, música e, claro, histórias em quadrinhos, lo como um dos melhores gibis da casa, naquele momento. mago Wicanno e o metamorfo Hulkling. sabemos que a cultura de massa ainda é precisam agora assumir a responsabilidade de encarar Até Williams e o restante da equipe resolverem abandoná- O Homem de Gelo, um dos primeiros essencialmente conservadora. Mas esse a onda de ódio e intolerância que vem por aí. E no que lo, diante da negativa da editora em permitir que ele casasse X-Men, depois de anos de especulações - é o atual estado das coisas: cavamos um diz respeito às HQs, tanto quando se fala em quem lê a personagem com sua namorada, a policial Maggie Sawyer. às vezes de incentivo, às vezes maledicentes grande espaço. Que é cada vez maior (sem - foi tirado do armário pelo roteirista Brian ignorar, é claro, o quanto pesa nisso tudo e quem faz, a luta parece ter alguns obstáculos extras, Apesar das acusações de ter dado um passo pra trás no Mais famosa autora Michael Bendis. E a Batwoman mostrou a tal lógica de mercado). Mas seguimos afinal de contas, estamos lidando com um ambiente caminho rumo à diversidade que os quadrinhos de super- LGBT no mundo heróis vêm tomando nos últimos anos, a editora se defendeu, o quão marcante foi o impacto que causou adiante - e o que defendemos aqui é que historicamente pautado pelas fantasias de homens hoje, surgiu da cena brancos heterossexuais e cisgêneros. afirmando que não queria ver nenhum nos leitores: com a nova fase da DC, o nenhum passo seja dado para trás. alternativa dos EUA.

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A era de ouro dos quadrinhos LGBT

Mas é preciso aprofundar o debate para muito além da questão da representatividade queer nos meios de massa. Porque mais importantes que a criação desses personagens por artistas e roteiristas que continuam a ser os mesmos homens heterossexuais de sempre, estão as autoras e autores queers de quadrinhos que sempre correram em paralelo, com distribuição independente, pequenas tiragens e zero censura ROCKY & HUDSON Adão Iturrusgarai fez humor com o estereótipo do machão. de mercado. E com as infinitas possibilidades de distribuição e circulação que a internet, pode-se afirmar: estamos vivendo a Era de Ouro dos quadrinhos LGBTQs no mundo inteiro. HQs de temática queer afrouxam a Para usar o exemplo dos Estados Unidos, antes Mário César, autor independente que dedica que faz uma provocação metafísica ao imaginar de falar dos comics (os quadrinhos das grandes mentalidade conservadora da sociedade. sua carreira a explorar o lado mais íntimo a divindade como uma mulher negra voluptuosa. editoras), é preciso falar dos comix (os quadrinhos dos relacionamentos gays. Ainda no terreno da produção independente, independentes) verdadeiramente queers e de temos Lizzie Bordello e as Piratas do Espaço, como eles sedimentaram espaço para a produção Ciranda da Solidão, de sua série EntreQuadros, de Germana Vieira, HQ de space opera que traz contemporânea. E essa história começa, ironica- traz uma perspectiva da solidão das pessoas aventura, ação e romance, com uma diferença mente, a partir de uma cena underground bastante Brasil Jr/Agência Casal Marcello Foto: LGBT. São cinco histórias com drama, comédia essencial: a diversidade de personagens bem machista e misógina, em uma das cidades mais e romance que se destacam por trazer os representados e complexos. Deus (de novo!) queers de todo o mundo. No final dos anos 1960, famosas tiras (de quem A experiência brasileira quadrinhos gays para um espectro particular, é uma mulher negra cheia de sex appeal e fã um cotidiano muito próximo do leitor comum. São Francisco, costa oeste dos Estados Unidos, Laerte, aqui no Brasil, se diz fã devota). Foi a de filmes pornôs. assistiu ao surgimento de uma produção de partir de uma dessas tiras que surgiu aquilo Essa representação do seu, do nosso mundo, quadrinhos que se tornou referência para vários que passou a ser conhecido como “teste de Assim como nos EUA, foi no quadrinho com seus problemas, choros e risos exemplificam Ao contrário do que pregam algumas parcelas artistas do mundo. Nomes como , Bechdel” - um conjunto de perguntas usado underground que os queers brasileiros a importância da representatividade. Os gibis de de leitores - e também de profissionais -, a Rick Griffin e Victor Moscoso se firmaram como primeiramente no cinema, e hoje em quase encontraram expressão. Com um número César dizem “queremos nos ler mais” e chamam exigência de maior representatividade LGBT, grandes artistas dessa geração. Mas se os toda mídia de massa, para identificar histórias de publicações ainda insignificante, o meio atenção do silenciamento que existe nas HQs com representações que espelham as lutas e quadrinhos que eles faziam eram, com frequência, que subrrepresentam mulheres em cena. independente tem se notabilizado por lançar brasileiras para quadrinhos como esses. as diversas identidades presentes nessa minoria, reproduções extremamente machistas, que autores dedicados a essa temática. Em cumpre um papel importantíssimo: afrouxar a objetificavam a mulher página sim, página sim, Muitos dxs quadrinistas queers que produzem plena ditadura militar, Henfil abordou Laerte Coutinho tem sido outra voz importante, mentalidade conservadora e violenta da nossa eles abriram várias novas possibilidades para hoje foram formados por essa geração de artistas o tema na edição 7 da revista Fradim, fazendo de suas tiras atuais um ensaio aberto sociedade. É oportuno jogar aqui o dado de que quem queria produzir algo fora do mainstream. dos anos 1980, 90 e 00. E graças à facilidade quando transformou o personagem-título das diversas questões que permeiam o cotidiano o Brasil é o país que mais mata homossexuais de distribuição que a internet os proporciona em homossexual; uma forma de provocar Hugo, de Laerte Assim como a autora, do Brasil atual - onde o preconceito e a violência e travestis no mundo inteiro, segundo a Anistia E foi aquecida por essa cena de São Francisco conseguem atingir mais rapidamente seu público o machismo do ativismo político da época, o personagem (tirinha acima) também fez contra pessoas trans e gays/lésbicas é uma Internacional (no levantamento de 2013). que surgiu uma outra cena, a dos quadrinhos alvo. Pessoas que leram Bechdel, Estranhos então marcado por muita virilidade. a transição de gênero. triste realidade. Ao fazer de seus quadrinhos e Em um artigo publicado no livro Questões de queers: primeiro com as revistas feministas It no Paraíso, de Terry Moore (sim, um homem de sua persona pública um canal para discutir o Sexualidade nas Histórias em Quadrinhos, o Ain’t Me, Babe e Wimmen’s Comix e pouco depois hétero e cristão, mas que terminou fazendo uma A partir dos anos 1980, com a explosão estado atual da luta por direitos LGBT no Brasil, pesquisador e quadrinista Henrique Magalhães com a primeira edição da Come Out Comix, das histórias queers mais amadas de todos os da popularidade do quadrinho alternativo Laerte tornou-se uma trincheira de resistência. deixou bem claro o valor desse papel social. “(...) organizada pela artista Mary Wings. O sucesso tempos), a cartunista Jennifer Camper e Jerry brasileiro, autores como Angeli, Glauco No início dos anos 2000, Anita Costa Prado Em um amálgama entre criadora e personagem, os quadrinhos de temática homossexual podem dessas edições fez com que aparecesse, em Mills, autor de Poppers, uma das primeiras e Laerte passaram a abordar diferentes lançou a personagem Katita, tratando do ela decidiu fazer a transição de gênero de Hugo, florescer em resposta à mudança de costumes, ao 1980, uma famosa antologia de quadrinhos tiras a trazer personagens gays longe dos facetas da homossexualidade, quase sempre preconceito contra lésbicas e desmontando o espécie de alter-ego que assumiu desejos e relaxamento dos preconceitos e da mentalidade queers chamada de Gay Comix, que viria a se estereótipos, estão agora produzindo tiras e como uma forma provocativa de criticar a imaginário cheio de estereótipos das mulheres inquietações da autora. Desde que assumiu sua conservadora da sociedade. A conquista dos tornar uma série referencial para os quadrinhos séries em quadrinhos com os mais diversos repressão sexual e menos como uma legítima homossexuais na sociedade. Entre 2006 e 2007, transsexualidade, seus quadrinhos passaram direitos à cidadania pelos homossexuais tirou-os LGBTQ até 1998, assim como a revista erótica/ estilos e com as ainda mais diversas histórias. expressão identitária. Angeli criou Nanico, um a pequena SM Editora, de Jaú, São Paulo, por uma fase mais onírica e experimental, da marginalidade em que viviam desde tempos pornô Meatmen, que praticamente publicou ativista revolucionário que decide se assumir publicou Jack The Fag, de José Salles e Manu inovando na linguagem, mas sobretudo no tema. remotos e criou a possibilidade de afirmação a todos os quadrinistas gays que produziam na É preciso reforçar que uma quadrinista trans gay após anos no armário. Adão Iturrusgarai, Tom, onde a homossexualidade é abordada Ainda inédito em livro, essas histórias trouxeram que muitos almejam.” Da menina que entra numa época, nos EUA. Havia, nesse momento, um ethos como Julia Kaye tem uma tira divertida e super em 1985, fez piada com os clichês de do ponto de vista da marginalidade. Na mesma temas cruciais para a discussão da representação, comic shop em busca de personagens lésbicas punk do faça-você-mesmo que rendeu um sem bem-humorada sobre o cotidiano de uma garota masculinidade com Rocky & Hudson. Nos época, a paraibana Marca de Fantasia lançou como a saída do armário, visibilidade trans, à atual geração de artistas queers buscando número de zines com personagens queers, trans, ou que uma artista como Sarah Graley anos 1990, Marcatti, conhecido por sua o álbum Vidas Solitárias, com roteiros de desejos reprimidos, relacionamentos gays/ espaço no mercado editorial, o sentimento escritos e desenhados por artistas queers. fez uma HQ chamada Kim Reaper sobre uma assinatura escatológica, também abordou Marcelo Marat e desenhos de Emanuel Thomaz. lésbicos e aceitação do corpo. atual é o mesmo: queremos nos ler. adolescente ceifadora de espíritos malignos que se a homossexualidade. Ele lançou ao lado do Salles mira seu texto contra o recalque social, Foi nesse período que surgiu, por exemplo, uma apaixona por uma menina de sua escola, para que poeta marginal Glauco Mattoso o álbum As a hipocrisia e aborda com transparência e Outra gama de trabalhos interessantes colocou das quadrinistas mais premiadas dos Estados jovens meninas como aquela que entrou na loja Aventuras de Glaucomix, o Pedólatra, onde sensibilidade a violência e marginalidade que a bissexualidade em destaque. Entre eles, Dandara Palankof, Carol Almeida Unidos, Alison Bechdel, autora das premiadas de quadrinhos querendo amenizar sua depressão relata um passeio semi-autobiográfico pelo permeiam o universo LGBT. Vale destacar o Garota Siririca, divertido gibi de LoveLove6; e e Paulo Floro são editores da Plaf. HQs e Você é Minha Mãe? e das possam ter outras ‘supergirls’ a quem recorrer. universo fetichista homossexual. trabalho de resistência que faz o paulista Deus, personagem de Rafael Campos Rocha,

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Foto: Wikimedia Commons Dos indies à cultura nerd, passando por museus Forbidden Planet, London, com HQs dos anos 1900, esse monumento Londres é um multiverso para leitores de quadrinhos O professor de sociologia da Universidade Federal Rural de Pernambuco (UFRPE) Aristeu Portela por alexandre fiqueiroa é um aficionado dos quadrinhos. Ele esteve em [de londres] Londres recentemente e conta para a Plaf! como london foi sua visita Forbidden Planet.

ara os fãs de quadrinhos, nada melhor do Pque aproveitar um passeio pela cidade de por aristeu portela Londres para conhecer as lojas especializadas no gênero. Embora as revistas de super-heróis A primeira impressão que tive foi um assombro com sua monu- das grandes editoras Marvel e DC Comics ainda mentalidade. Acredito que tenha sido a maior loja de quadrinhos

dominem as vendas e ocupem boa parte das Figueirôa/Plaf Alexandre Fotos: (se é que podemos resumi-la a isso) que já visitei, e aquela que estantes das livrarias, os títulos das editoras mais bem incorpora o entusiasmo atual em torno da cultura nerd, independentes se mostram cada vez mais com os produtos mais variados oriundos de filmes, desenhos criativos. A ampliação dos temas explorados animados, videogames, séries de TV e, claro, quadrinhos. É certo com histórias de famílias, dramas adolescentes, que em qualquer comic shop você vai encontrar, além das HQs diários de guerra, adaptações literárias, questões propriamente ditas, livros, camisas, action figures, jogos e toda de gênero e lutas sociais despertam a atenção parafernália correlata, mas ali essa cultura me pareceu no ápice e tem ampliado o público consumidor. da sua valorização (e mercadorização) – não à toa, a área desses “produtos correlatos” corresponde à entrada da loja e, quando Isso pode ser percebido ao entrarmos numa loja visitei, era de longe a mais movimentada de todas. como a Gosh! Comics, na Berwick Street, no Soho londrino, onde sempre topamos com uma Mas é ainda no setor de quadrinhos que eu acho que está o grande significativa quantidade de homens e mulheres atrativo da Forbidden Planet. Fiquei muito entusiasmado com a jovens interessados na diversidade de títulos ROLÊ Diversidade de títulos - e de público - nas lojas londrinas. Abaixo, o Cartoon Museum. variedade de HQs disponíveis, e não tive como evitar a impressão de oferecidos pelo estabelecimento. Encontramos que não conseguiria dar conta sequer de vislumbrar tudo. Ainda que publicações de editoras como a Image, IDW, o foco da loja pareça (mas posso estar enganado) ser os quadrinhos Boom! Studios e Dynamite. A loja funciona há vendas por correspondência, a Mega City é comics britânicos do século 18 até os dias atuais. das grandes editoras estadunidenses (Marvel, DC, Dark Horse...), 25 anos, tem uma ótima sessão de álbuns ideal para colecionadores, pois embora tenha Trimestralmente, o museu apresenta exposições descobri por lá uma pequena surpresa, como uma seção toda dedi- europeus e revistas independentes e realiza revistas recentes, seu forte são as edições temáticas e quando esta reportagem foi feita cada a autores oriundos da revista 2000 AD, que durante boa parte regularmente lançamentos de novas obras antigas de quadrinhos de super-heróis. estava em cartaz Future Shock: 40 Years of da minha adolescência foi um sinônimo de quadrinhos britânicos.

com a presença dos autores. DIvulgação 2000 AD, celebrando Quadrinhos americanos os quarenta anos deste Foi nessa seção que mais aproveitei meu tempo, folheando Mas é na megastore Forbidden Planet, na e britânicos clássicos são fenômeno editorial cultu- autores muito queridos como Alan Moore, Grant Morrison e Jamie Shafterbury Avenue, no centro de Londres, onde também a especialidade ado no mundo todo e que Delano. Cresci me entretendo com esses nomes da chamada podemos comprovar melhor o quanto os quadri- da 30th Century Comics. tem como principal atração ‘invasão britânica’ dos quadrinhos estadunidenses, e não à toa nhos estão em alta hoje entre os britânicos. Ela é bastante visitada por displays com oito páginas escolhi para levar comigo histórias da revista que formou boa A rede possui lojas em outras cidades do Reino colecionadores por conta da arte original de cada parte deles, a 2000 AD. Quando comecei a me formar como leitor, Unido e é a maior revendedora britânica de do seu catálogo com 100 década da publicação. ainda na infância, o personagem de Juiz Dredd sempre evocava a HQs e quadrinhos recentes. Nela é possível mil itens estocados num ideia de tramas (e desenhos) audaciosas e perturbadoras, pouco encontrar ainda uma grande variedade de edifício de dois andares, Ainda esse semestre convencionais. Como não tive oportunidade de ler muitas histórias livros de ficção científica, DVDs, brinquedos, situado em Putney, no haverá no The Cartoon dele, escolhi justamente edições que compilaram suas primeiras games e mangás. A loja investe nos últimos Sudoeste de Londres. Museum, a exposição histórias na revista 2000 AD, escritas no final dos anos 1970. lançamentos, mas dispõe de um bom acervo Os interessados podem The Inking Woman com de obras cult, sobretudo dos autores ingleses. também pesquisar no site da loja onde encon- trabalhos de cartunistas e autoras de comics Apesar de ter adorado a loja, me incomodou apenas a pouca tram publicações que vão de 1900 a 1980. inglesas. O visitante tem ainda no local loja com atenção ao que poderíamos chamar de “quadrinhos independen- Menos procurada, porém tão interessante revistas, livros a acessórios do universo das HQs tes”. Comparado com o restante das seções, extremamente bem quanto suas congêneres, uma visita na Mega E para encerrar o tour, próximo ao monumental e se ele tiver um tempinho pode aproveitar detalhadas em termos de dados e subdivisões, essa me pareceu City Comics localizada na Inverness Street, no British Museum, na singela Little Russel Street, os workshops oferecidos tanto para adultos de pouco destaque, não só em número como também em termos bairro boêmio e cult de Camden Town é uma existe um espaço cultural bem mais modesto, quanto crianças onde poderá aprender a criar TEMPLOS Forbidden Planet, no topo, tornou-se referência de informações relativas a origens dos autores, lançamentos etc. boa pedida. Criada em 1981, inicialmente mas não menos curioso. Trata-se do The Cartoon mangás, personagens de animação, histórias de megastore de entretenimento. Em seguida, a Gosh, espaço Isso, claro, pode ser reflexo do enfoque mais mainstream da loja, funcionando apenas como uma empresa de Museum, cuja coleção abrange os cartoons e de ficção científica e seu próprio comics. preferido dos indies e a Mega City Comics, amada por colecionadores. o que não é nenhum problema em si.

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Os Ciclos Produtivos das

1 2 HHQQss Brasileiras

o refletir sobre a atual cena brasileira de histórias em quadrinhos, Há algo extraordinário o quadrinista Rafael Coutinho lembra uma conversa com um colega em curso no mundo Afrancês sobre a dinâmica de um dos principais mercados de HQs do mundo, a França: “Ele me disse que, caso o autor não tome cuidado, pode ser engolido dos quadrinhos por lançamentos e eventos por todo o país, o ano todo, com pequenos cachês e regalias que dão a sensação de serem ótimos, mas que o tiram da mesa; nacionais um ano ou dois se passam e você não produziu nada. Estamos começando a ver isso aqui; é possível se perder nessa boa fase”. 3 por RAMON VITRAL A comparação feita por Coutinho se refere a um sentimento compartilhado por quadrinistas, editores, críticos e lojistas brasileiros: há algo extraordinário em curso no mundo dos quadrinhos nacionais.

O próprio Coutinho é um personagem emblemático nesse cenário. Cachalote, parceria do quadrinista com o escritor Daniel Galera, foi publicada pela Companhia das Letras em 2010. Depois, ele publicou entre 2011 e 2015 a trilogia O Beijo Adolescente por sua editora, a recém-encerrada Narval Comix. Ainda em 2015, 1. Detalhe de também pela Narval, ele fez parte do grupo que organizou O Fabuloso Quadrinho Topografias, coletânea de histórias de Julia Brasileiro de 2015, com alguns dos trabalhos mais significativos publicados Balthazar, Barbara em solo nacional naquele ano. Malagoli, Lovelove6, Mariana Paraízo, Puiupo e Taís Koshino; Tendo publicado por grandes editoras, de forma independente e via financiamento 2. Cachalote, de Daniel coletivo, o quadrinista acredita que o modelo tradicional, restrito a grandes Galera e Rafael Coutinho; editoras, redes de livrarias e bancas de jornal, está enfraquecido: “Agora 3. Uma Noite em me parece que tanto as editoras quanto os autores independentes estão L’Enfer, de Davi Calil. na mesma corrida”.

28 Plaf Plaf 29 / mercado / Os ciclos produtivos das HQs brasileiras Os ciclos produtivos das HQs brasileiras / mercado /

Imagens: DIvulgação Foraciepe diz ter aplicado na versão impressa da Maria “O mercado independente brasileiro Nanquim a mesma linha editorial de sua origem virtual: ainda está se consolidando. Já evoluímos “Fico muito feliz quando algumas pessoas me falam que 5 locais descobriram autor x ou y na página ou por causa dela. Para conhecer (e comprar) muito, mas a estrutura ainda é frágil” Tudo começou como um hobby e ainda é assim”. a produção autoral brasileira

Douglas Utescher, da Ugra. Dona da Mino, a editora Janaína de Luna já lançou obras de autores internacionais consagrados, como o catalão Joan Cornellà e o norte-americano James Kochalka, e de brasileiros como Davi Calil e Bianca Pinheiro. Os últimos são também Ugra Press autores de títulos do projeto Graphic MSP, uma ponte Loja física e online com entre o universo independente e o grande público por dar lançamentos nacionais e a quadrinistas a oportunidade de darem suas interpretações a personagens criados por Maurício de Sousa. estrangeiros, além de manter títulos próprios como a UGritos, A quadrinista brasiliense Taís Koshino também No caso do Altamira, ela e seu sócio conseguiram Para Janaína, embora muitas vezes o trabalho do editor série de gibis com histórias está nessa corrida. Ela criou o Selo Piqui em 2011 bancar o projeto de distribuição gratuita se resuma à função de “publicador”, a tarefa vai muito curtas vendidas a preços bem e, após alguns anos publicando apenas seus com apoio de patrocinadores e publicaram além da seleção de títulos ou de decisões gráficas: “É de próprios trabalhos, passou a investir em projetos obras inéditas de artistas como L.M. Melite, baratos. /ugrapress.com.br fundamental importância uma pessoa que tenha uma de outros autores. Em 2016 Koshino publicou Eloar Guazzelli e Fábio Zimbres: “O Altamira visão geral da obra, que trabalhe o texto e a narrativa a antologia Topografias, com quadrinhos dizia muito a respeito do que eu acreditava gráfica com o autor. É alguém necessário para uma HQ Itiban Comic Shop produzidos por ela e mais cinco artistas: Julia que os quadrinhos também podem ser. mais coesa e mais bem lapidada”. A loja fica em Curitiba, mas Balthazar, Bárbara Malagoli, Paula Puipo, Continuo achando que tem muita coisa pra

Mariana Paraizo e Lovelove6. fazer, inclusive temos mais três ou quatro Rafael Coutinho: entrega em todo o Brasil através A profissionalização de quadrinistas e editoras independentes edições já conceituadas pra realizar um dia, de sua loja online. Mantém têm impacto direto nas lojas de HQs, que também são parte “o modelo tradicional, Koshino conta que sua primeira experiência mas foi uma experiência muito exaustiva e eu um blog com entrevistas e dessa cena. A Ugra, do casal Douglas e Daniela Utescher, teve no meio foi na Rio Comic Con 2011: “Era uma ainda tô na graduação, então acabei deixando restrito a grandes matérias dos lançamentos. início em 2010 com a publicação de um anuário de zines só fileira de editoras independentes, com umas mais para frente”. e a criação do selo Ugra Press. Após virar editora, loja online Itibancomics.wordpress.com dez pessoas, a maior parte homem; de mulher editoras, redes de e feira, a Ugra também é desde julho de 2015 uma loja física tinha a Rachel Gontijo de Araújo d’A Bolha e Além das empreitadas independentes dos na Rua Augusta em São Paulo. livrarias e bancas a Cynthia B. Percebemos que se quiséssemos quadrinistas, nos últimos anos também é Catarse

continuar publicando, deveria ser mesmo por crescente o número de novas editoras de jornal, está “O mercado independente brasileiro ainda está se A plataforma de crowdfunding meio da autopublicação”. focadas em quadrinhos autorais. A Balão consolidando. Já evoluímos muito, mas a estrutura ainda enfraquecido.” tornou-se um espaço interes- Editorial, surgida em 2010, foi a responsável é um pouco frágil. Por essa razão, procuramos nos manter sante para saber em primeira Nos últimos anos, as convenções e o público pela publicação de Lobisomem Sem Barba, em muito próximos dos editores e autores, tentando entender mão projetos interessantes que as prestigia cresceram de forma significativa. 2014, que deu ao quadrinista Wagner Willian as necessidades deles e explicando as nossas”, afirma O Festival Internacional de Quadrinhos de Belo o segundo lugar no Prêmio Jabuti em 2015. de quadrinhos. Muitas obras Douglas Utescher. Horizonte (FIQ) e a Bienal de Quadrinhos de importantes da produção

Curitiba são amostras da quantidade de títulos Um dos sócios-fundadores da Balão, Guilherme recente foram financiadas Mesmo pontos mais tradicionais do ramo, como a independentes e autorais lançados nos últimos Kroll reflete sobre o nem sempre valorizado por lá. Catarse.me curitibana Itiban, criada há 27 anos pela empresária Mitie anos no Brasil. Segundo levantamento do papel do editor no meio independente: Taketani, têm se beneficiado da agitação recente da cena jornalista Paulo Ramos, no FIQ de 2015 foram “A contribuição da editora varia caso a caso. brasileira de quadrinhos. Taketani reconhece a crescente 257 novas publicações, quase o dobro das Determinados livros pedem uma intervenção Maria Nanquim profissionalização do mercado, mas destaca um desafio a 136 da edição de 2013. maior, uma participação do editor desde Página do Facebook com mais ser superado: “Ainda não conseguimos fazer esse universo a concepção; em outros apenas precisamos de 100 mil curtidas e que reúne estourar a bolha, atingir um público maior, que consiga Uma das autoras com histórias publicadas entrar para discutir a gramatura do papel acompanhar esse crescimento”, diz a lojista. trabalhos de autores nacionais. na Topografias, a quadrinista carioca Mariana ou que tipo de texto colocar como aparato”. facebook.com/mariananquim Paraizo, também conhecida como Mazô, esteve Para alguns dos atores da cena brasileira de quadrinhos, é presente no FIQ de 2015 com dois trabalhos. A publicitária Luciana Foraciepe, por exemplo, necessária a adaptação a um contexto de crise econômica Por conta própria, ela lançou a biográfica não fazia ideia dos rumos que sua vida tomaria ocial omics e polarização política acentuada. “Sem dinheiro, não tem S C O Ateneu, além de ter editado junto com Gabriel a partir de 2012 ao criar a fanpage especializada produção, então, sim, crise financeira pode prejudicar as HQs Maior plataforma de quadri- Carvalho a coletânea Jornal Altamira. A quadrinista em tiras de humor Maria Nanquim. Quatro anos DIVERSIDADE Mercado no futuro próximo”, diz Kroll, da Balão. Para ele, os quadrinistas nhos online do Brasil, o Social faz parte de uma aclamada geração de autores após sua estreia no Facebook, ela possui mais tem hoje produções para todos têm um papel político a desempenhar: “Os quadrinhos são Comics tem aumentado seu independentes que ainda não passou pelo de 96 mil curtidas e tem dois livros publicados. os gostos. Acima a visão de Bianca parte integrante da produção cultural do nosso país e também catálogo de quadrinistas processo de edição: “Nunca fui editada, e sei No início de 2013 ela lançou a revista Xula, por meio deles podemos atingir uma maturidade intelectual Pinheiro para Mônica em volume que minha própria edição já deixou a desejar. reunindo trabalhos de Bruno Maron, Calote, brasileiros. A partir de uma cada vez maior para combater ideias retrógradas”. da “Graphic MSP”, abaixo página Se eu soubesse exatamente no que pequei, Ricardo Coimbra e Bruno di Chico. Pouco mais assinatura mensal o usuário da coletânea Topografias, toda feita não teria necessidade de ter um editor. de um ano depois, ela publicou o Dinâmica pode ler quantos títulos quiser. por mulheres e por fim Xula, revista Ao mesmo tempo, eu nunca peguei uma de Bruto, primeira coletânea impressa dos socialcomics.com.br Ramon Vitral é editor do vitralizado.com organizada por Luciana Foraciepe. história pronta e levei numa editora”. trabalhos de Maron.

30 Plaf Plaf 31 / história / AL sagaondon, da L Rondonagu / / /história chapéu /

A saga da

Fotos: Paulo Floro / O Grito!

uma sexta-feira pela manhã, sol a pino Lin mora em enorme terreno, uma chácara gesticula mais, emenda ideias; Lin, mais baixo, A história oral da publicação como de costume, íamos Paulo Floro na zona rural de Olinda, sem áreas asfaltadas de gestos mais suaves quando verbaliza pernambucana que fez N(também editor da Plaf) ao volante, e que aparenta ter sofrido o mínimo possível baixinho aquilo que parece ter pensando eu no banco do carona, e Christiano Mascaro, de intervenções na abundante vegetação por um bom tempo. As diferenças e história ao trazer uma no banco de trás, para o ateliê de João Lin, nativa; estradinhas de terra cortando a grama complementaridades entre os dois ficam em Ouro Preto, Olinda. Matamos os pouco sob enormes e frondosas árvores. A área é evidentes até mesmo em suas respectivas sofisticação e experimentação mais de vinte minutos do Bairro do Recife compartilhada por várias casas – “aquela ali é trajetórias. Caminhos diferentes que, numa Antigo tentando conciliar as indicações de de um dinamarquês, vem pra cá só no verão”, encruzilhada fortuita, criaram algo único. estética até então inédita caminho dadas por Lin com aquelas que o aponta Lin em certo momento. Já a dele fica no mercado de quadrinhos Waze nos informava. E aí então, ôpa, volta, em um dos pontos mais altos do terreno, um Mascaro é formado em Jornalismo e também a entrada era aquela – e chegamos. sobrado de dois andares que abriga o estúdio/ estudou pintura na Universidade de Montreal. ateliê no pavimento mais alto. Foi editor de arte do jornal Diário de Pernambuco Queríamos conversar com os dois designers, durante 17 anos – hoje, exerce essa mesma por DANDARA PALANKOF ilustradores, artistas plásticos e quadrinistas Enquanto subíamos as escadas e Lin nos função na Folha de Pernambuco, onde também para que eles pudessem nos contar como mostrava a casa, percebia que os dois, num publica suas tiras. Participou da coletânea vieram a criar aquela que continua sendo daqueles clichês da vida, eram completamente espanhola ConSecuencias e assinou uma das a publicação mais importante das histórias diferentes – e que talvez por isso tenha histórias do livro MSP 50, primeiro de uma em quadrinhos pernambucanas – e uma funcionado tão bem como a dupla que criou série em que quadrinistas reinterpretavam das mais relevantes do Brasil: a Ragu. a Ragu: Mascaro, mais alto, é mais falante, personagens da Turma da Mônica.

32 Plaf Plaf 33 / história / A saga da Ragu A saga da Ragu / história /

“Além da retomada A partir do quinto número, a revista passou a contar com mais páginas – para atender às da publicação, reclamações de que a revista demorava para sair e, quando saía, era lida em 10 minutos. Ragu planeja Pulou das habituais 40 para 80 páginas, nos CERTO OLHAR versões digitais números 4 e 5; o seguinte, contou com 100 páginas; e a célebre sétima edição, 240. João Lin e Mascaro, das edições os fundadores da Ragu, O sexto número foi o primeiro a contar no ateliê de Lin em Ouro antigas e um com uma colaboração estrangeira, com Preto, Olinda. A ideia era a publicação de duas histórias do alemão deslocar as atenções selo para HQs Hendrik Dorgathen. Mascaro conta que para o Nordeste, chamar mais longas.” no livro pelo qual tomou conhecimento do atenção para a produção trabalho de Hendrick, havia o contato dele. local diversificada. Ele então enviou uma das edições da Ragu, com um convite a Dorgathen para participar “Não é porque a revista mascaro da edição seguinte da revista. A resposta: A Ragu foi meu é produzida em Per- um CD contendo várias histórias para serem caminho de volta nambuco que a gente publicadas. A robustez da Ragu 7, inclusive, tem que fazer quadrinho se deve entre outros fatores à vontade de para os quadrinhos. de cangaço”, diz Mascaro. contar com mais autores estrangeiros – Trabalho com diferentes mídias, principalmente de países latino-americanos como cinema e desenho de como Peru, Bolívia e Cuba, com quem Lin havia travado contato durante a participação humor, e conforme a dança Suas ilustrações estamparam as páginas de Mas foi a geração da Circo – Laerte, Angeli E Ral tinha razão: os encontros promoveram em diversos festivais, como o Viñetas con das crises setoriais da arte no revistas como Playboy, Exame, SuperInteressante e Glauco – que chamou sua atenção para a troca de ideias que geraram a admiração Altura. As exceções ficaram por conta dos Brasil, vou fazendo correções e Caros Amigos. Além disso, tem um trabalho os gibis, “e por causa da questão política”, ele mútua e a vontade de juntos criarem algo espanhóis Braz e Vásquez. de pintura, em suas palavras, “quase autista”. ressalta. “Era um pensamento político que ia novo no cenário de quadrinhos – apesar “de rota. Passei os anos 1990 além da democracia representativa e chegava de nunca terem realmente se aventurado O tamanho da sétima edição, aliás, pegou mais voltado para o audiovisual Já Lin começou seu caminho nas artes à política do cotidiano. Foi quando vi que era no campo. Mascaro havia produzido o público de surpresa, tendo grande repercussão através do teatro de rua. Foram dez anos possível fazer esse tipo de discurso através do histórias, em suas próprias palavras, – o que fez com que seja quase impossível depois da quebra do ramo em um projeto “popular, engajado e político”. desenho” – apesar de o humor hoje não ser “tosquinhas”, durante a adolescência, para encontrar um exemplar hoje em dia. Além editorial, no Plano Collor. Então, Depois disso, passou a experimentar com uma característica de seu trabalho. Quando fanzine; enquanto Lin tinha experimentado da vontade de contar com mais autores foi com alegria que, no começo a escultura em concreto – trabalho, segundo conheceu Mascaro, passou a ter mais contato apenas algumas poucas histórias de uma estrangeiros, também havia a vontade de ele, mais comercial, voltado para os edifícios com as influências estrangeiras, como as página voltadas para exposições em salões poder dar espaço a histórias mais longas do século 21, dois coletivos que que são obrigados por uma lei municipal antologias da Drawn & Quarterly. Mas conta, de humor. Feito de muita instiga, nascia sem que a revista acabasse com menos faziam quadrinhos de qualidade do Recife (aqueles com mais de mil metros com um leve sorriso despreocupado, que ainda trabalhos por causa disso. A vontade de a Ragu, subsidiada pelo Fundo Pernambu- me trouxeram de volta a essa quadrados) a terem uma obra de arte em hoje não é um leitor voraz de quadrinhos. cano de Incentivo à Cultura (Funcultura, fazer ainda mais experimentações, é claro, seu terreno. Desistiu porque pagavam mal. para os íntimos). também falou alto na hora de definir a linguagem: a Graffiti, de Belo Depois disso, passou a se dedicar mais ao quantidade de páginas. “Ali, sim, a gente Horizonte; e a Ragu no Recife. desenho, ilustrando também revistas de teve a pretensão de fazer uma edição circulação nacional e livros infantis – mas A saga da Ragu A primeira edição – na verdade chamada fuderosa”, disse Mascaro. E conseguiram. Além de fazer quadrinhos sem deixar de lado a experimentação, fosse de Ragu 0 - foi lançada em março de 2000 novamente, em bases dignas, e teve uma tiragem de mil exemplares. A Ragu surpreendia por seu cuidado com em forma de vídeos ou de poemas. E agora, Mas vamos do começo: os dois se conheci grandes amigos que não se aventura na música. conheceram em 1999, através de um A revista teve, no total, oito números. o acabamento gráfico, numa época em amigo em comum – Romildo Araújo Lima, Os quatro primeiros números da Ragu que o quadrinho brasileiro independente tinha por acaso são grandes artistas Mesmo a ligação com os quadrinhos se deu ou simplesmente Ral, editor do Diário de foram financiados pelo Funcultura (da zero dificuldades para se destacar nesse aspecto gráficos. Só tenho a agradecer. à três, lançadas trimestralmente até março pelos altos custos envolvidos na produção. de forma diferente. “Eu sou o que sou por causa Pernambuco. Foi ele quem, aos poucos, Inclusive, no momento estou dos quadrinhos”, afirma Mascaro, empolgado. construiu a ponte que viria a unir Lin e de 2001). Já os números 4 (dezembro de “Olhando hoje, a gente percebe que as revistas Foi com as páginas dos gibis – passando, Mascaro, constantemente falando sobre 2002) e 5 (junho de 2003) foram financi- tinham um design um pouco limitado”, afirma. voltando a La Paz, cidade na ados através do Sistema de Incentivo à conforme crescia, da Turma da Mônica à Metal como iriam apreciar o trabalho um do outro qual criei a arte que foi capa de Hurlant – que se deu sua primeira experiência e precisavam se conhecer. Na época, Lin Cultura da Prefeitura do Recife. Os números “Tínhamos muito esse retorno, de que a de transcendência artística. trabalhava no Diário como ilustrador, mas 6 (janeiro de 2007) e 7 (agosto de 2009), revista apresentava um diferencial gráfico.” uma edição especial da Ragu acabou se mudando para Natal – sendo mais robustos – principalmente o 7, Esse desejo levou às diversas experimentações e que é um dos meus grandes um calhamaço de 240 páginas em capa que se encontram nas páginas da Ragu: jogos “Meu trabalho como designer, como diagramador, substituído justamente por Mascaro. A orgulhos profissionais.” aprendi tudo com os quadrinhos.” Lin, por sua insistência de Ral foi criando o interesse dura –, foram novamente financiados de texturas, filtros, fotografias. A ideia era vez, não era leitor de quadrinhos e nunca deu mútuo pelo encontro, que aconteceu pelo Funcultura, em projetos apresen- subverter as expectativas. Tudo pautado pela bola pra turma de Maurício de Sousa. quando Lin voltou ao Recife. tados separadamente. liberdade, tanto estética quanto temática. Eloar Guazzelli

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A ideia era mostrar também que PROJETOS PARALELOS Pernambuco possuía artistas gráficos A Ragu surpreendia

Foto: Victor Jucá Foto: de qualidade; tentar desequilibrar um por seu cuidado Ainda em 2003, Mascaro e Lin começaram Estudos da Ragu pouco a balança da produção nacional a sentir que a Ragu já não cabia mais em si de quadrinhos, pendendo majoritariamente com o acabamento – talvez eles não coubessem mais em si A Ragu foi tão impactante para para Rio de Janeiro e São Paulo, deslocar mesmos, nem apenas em uma revista. E o a cultura pernambucana que um pouco das atenções para o Nordeste: gráfico, numa projeto começou a se desdobrar. O primeiro despertou a atenção da academia marcar território. “Não é porque a revista “spin-off” foi a Ragu Cordel, em 2003 – feito e, em 2011, virou tema de uma é produzida em Pernambuco que a gente época em que sem grande aporte financeiro. As duas edições dissertação de mestrado em tem que fazer quadrinho de cangaço”, eram formadas de pequenas caixinhas sociologia. Em “A revista Ragu o quadrinho como um campo de críticas, Mascaro ri, enquanto os dois se lembram contendo livretos (a primeira, com seis; a reflexão e disputa no campo das reações de espanto de leitores e brasileiro segunda, publicada em 2011, com doze). artistas ao tomarem contato com a Ragu dos quadrinhos”, André Pereira e descobrirem que se tratava de uma de Carvalho expõe as questões independente Dois anos depois, em 2005, a Ragu criou sociopolíticas e as manifestações revista pernambucana. tinha dificuldades mais pernas. Antes do boom de adaptações culturais que transparecem nas literárias em histórias em quadrinhos, histórias publicadas no gibi, Lin ressalta que fazer a revista nos para se destacar causado pela inclusão massiva de obras do tomando-a como exemplo de moldes em que eles imaginavam só gênero no Programa Nacional de Bibliotecas destaque na construção do discurso foi possível graças à aprovação nos nesse aspecto Escolares, Mascaro e Lin já haviam percebido ideológico do quadrinho brasileiro editais de incentivo promovidos pelo o potencial dessas histórias – inclusive contemporâneo. Funcultura. “Esses mecanismos são já tendo produzido algumas para a própria muito importantes”, reforça Mascaro. Ragu. Assim, os dois criaram a Domínio “Estamos há anos-luz de mercados Público, juntamente com o jornalista como o europeu ou o argentino, e se Mário Hélio (um dos fundadores da não houver esses incentivos, nunca Continente, revista pernambucana de O FUTURO A Ragu foi a porta vamos chegar lá.” Lin ressalta que a cultura). Foi ele o responsável pela seleção maioria da produção experimental, Mas a maior dificuldade enfrentada O impacto da revista, que teve histórias de entrada para outras dos textos a serem adaptados e, nas outros autores, pernambucanos ou não, que já em qualquer expressão artística, tem pela Ragu abre espaço, nessa história, palavras de Mascaro, pelo “embasamento premiadas (“Labirinto”, de Lin, e “Um Mate participaram da Ragu. Retomar projetos mais histórias. Sempre tive a necessidade de apoios dessa natureza. para um pouco de lugar comum: a literário que deu estofo ao projeto”. Simples”, de Mascaro, que saíram no nº 3, simples, como a Ragu Cordel, também está vontade de fazer meus quadrinhos “É preciso, sim, que haja um modo de se distribuição – um problema que insiste ganharam o primeiro e o segundo lugares, nos planos dos dois criadores. fazer esse tipo de projeto que não careça em perdurar, seja ou não para revistas Cada história contava com um pequeno respectivamente, no XII Salão Carioca de e sempre rabiscava nos cadernos de incentivos; mas também é preciso independentes, que dependem de um texto assinado por Hélio, contextualizando Humor, em 2000) e virou objeto de estudo Dois criadores indubitavelmente talentosos, e nos mataborrões, mas demorei que esse tipo de projeto surja através serviço monopolizado, caro e deficiente. a adaptação. A revista teve dois números acadêmico (mais um box, bem ali) é sentido várias ideias promissoras. Sorríamos a cada de incentivos. Ambos devem coexistir e Tentando contornar esse empecilho, até hoje. Ambos contam que sempre são pra imaginar um mercado ou algo que, em 2008 e 2010 (adaptações ideia que Lin e Mascaro soltavam, pensando não podem negar um ao outro”, conclui. a primeira parceria da Ragu para ser de contos nacionais e estrangeiros, perguntados sobre o retorno da revista, seja no no quanto o quadrinho pernambucano precisa do do tipo. Foi minha mãe quem me distribuída fora do estado foi com respectivamente), ganharam uma nova Recife ou em outros estados. Se não houvesse retorno e do crescimento de um projeto marcante a Ragu, talvez eu e Paulo Floro não teríamos “mostrou minha primeira Ragú Apesar disso, eles afirmam que o projeto a Mapas e Mapas, de Minas Gerais. roupagem pela editora DCL e passaram e singular como a Ragu. Perguntamos, então, era despretensioso. O mais importante “A gente mandou muita revista pra a integrar o PNBE. A vantagem: tiragens escutado tanto “onde estão os quadrinhos a quantas andavam esses processos. Lin, com – era a número 2, com capa de era o tesão de fazer uma revista em eles, mas não teve o controle disso. maiores – mas que não necessariamente de Recife?” no último FIQ-BH, em 2015. a serenidade que demonstrou a todo o tempo, Mascaro e uma dedicatória de quadrinhos: criar seu material, receber E acabamos levando um cano”, se traduzem em qualquer ganho financeiro, sorriu levemente e, apontando para a própria Vivemos, então, um momento em que o o de outros artistas, trabalhar o processo conta Mascaro. visto que os exemplares são adquiridos têmpora com o indicador, soltou: “ainda aqui”. França, o poeta. Era impecável. mercado nacional de quadrinhos está mais de edição de um novo número. E ao longo pelo governo a 25% do valor de capa. aquecido do que nunca – novos autores, Tudo muito foda. Essa capa de do tempo, a Ragu construiu um invejável Depois, uma tentativa com a paulista Mascaro, mais pragmático, complementou novas editoras, vários estilos, de todo lugar leque de colaboradores – artistas novos Via Lettera, que segundo Mascaro, Apesar disso, o maior intuito de Lin e afirmando que os projetos estão prontos. Mascaro me persegue até hoje. do país. Não seria esse o momento da Ragu e veteranos, que já eram admirados tanto nunca prestou contas quanto às Falta, agora, o mais difícil: a captação de Mascaro com a Domínio Público era criar voltar? A resposta, claro, é sim. E os planos Meu traço foi seguindo nessas por Lin como por Mascaro. Quadrinistas vendas. Já a Opera Graphica, para algo diferente das adaptações literárias são muitos. O principal desafio para Lin e Mascaro, recursos. Algo que vem sendo tentado desde e ilustradores como Eloar Guazzelli, Jaca, eles, foi quem mais ajudou a aprimorar linhas. É importante valorizar em quadrinhos que começavam a circular – hoje, é reconfigurar a Ragu, aproveitando esse 2015 quando, mais uma vez, a Ragu tentou Henrique Kipper, Fábio Zimbres, Lelis, o alcance da revista. Mas Mascaro essas iniciativas. Deixar sempre hoje, temos o conhecimento de que a maioria momento de maior atenção à nona arte. Além a aprovação no Funcultura – dessa vez, no Cau Gomez, Osvaldo Pavanelli… além especula que nenhuma das distribuidoras delas tem um nível artístico baixíssimo; disso também está nos planos a disponibilização intuito de publicar a Ragu Lilith, adaptações essas portas entreabertas pra galera da prata da casa, claro, como Greg, Raoni e editoras realmente apostaram muito histórias feitas tão somente para surfar de versões digitais das edições anteriores. em quadrinhos de poemas da pernambucana ficar brechando nossos rabiscos Assis, Clériston, Flavão, entre outros. na revista, já que ela não tem um o hype da pretensa “facilitação dos Cida Pedrosa; mas o projeto, inexplicavelmente, “Ver esses caras empolgados em participar formato necessariamente comercial. desnudos. Esse olhar atento ao clássicos” que fez desse tipo de histórias Outro projeto para a vindoura retomada da foi rejeitado. Mas eles continuam buscando da Ragu foi um dos maiores retornos que em quadrinhos a preferência de compra Ragu é o lançamento de livros solo. Até então, caminhos e a Ragu há, sim, de voltar; para entorno, esses respiros fora da a gente teve. Foi nosso grande mérito”, “Acho que essas parcerias aconteceram para o PNBE – e uma boa fonte de renda todos os projetos sob o guarda-chuva que se re-ocupar o lugar de destaque que lhe é de bolha, esses temperos de fora das afirma Mascaro, claramente orgulhoso. mais no sentido de ocupar um espaço para as editoras. A ideia da Domínio era tomar tornou a Ragu foram trabalhos coletivos. Uma direito no quadrinho nacional. “Não sei se o Guazelli vai lembrar, que parecia crescente, de um quadrinho o rumo contrário: fugir do usual, do piloto das ideias para o futuro da Ragu, portanto, panelinhas. A gente vive disso.” mas um dia ele me disse ‘olha, voltei brasileiro autoral em formação; porque automático, do “careta”. Certas adaptações é abrir o leque mais uma vez, comportando a fazer quadrinhos por causa da Ragu’ ”. viável comercialmente, realmente, o nem mesmo contam com texto. Outras histórias que desenvolvam ainda mais Dandara Palankof é tradutora Raoni Assis Nós perguntamos. Ele lembra, sim (dá projeto não é; daí, se der certo, já tá tiveram suas histórias originais livremente a autoralidade. Livros com histórias mais e pesquisadora de quadrinhos. uma olhadinha no box na página anterior). com um pé dentro”, especula Mascaro. adaptadas por Mário Hélio. longas, tanto de Lin e Mascaro quanto de escreve no balburdia.wordpress.com.

36 Plaf Plaf 37 ESTANTE // WATCHMEN, de Alan Moore e Dave Gibbons RESENHAS Watchmen

Minha paixão por física e astronomia tornou a leitura da obra ainda mais incrível

por CAROL PIMENTEL

or onde começar a páginas entre o indicador e o polegar? Assim! falar daquelas coisas – e meus olhos pareciam estar me pregando Thoreau: Um clássico Pque a gente mais ama? uma peça… Existia sentido naquelas imagens, Esse é um desafio tremendo para quem bem revisitado mas um sentido que meu mais íntimo sentido um filósofo para ser revisto trabalha com Histórias em Quadrinhos. captou e que minha mente ainda não era capaz de absorver… Tinha que folhear com por alexandre figueirôa Vou aproveitar o espaço para contar Nos EUA, Watchmen foi calma. Fui e voltei várias vezes. Até que comecei uma coisinha para vocês antes de chegar originalmente publicada como a contar os quadros e comparar a primeira uma série em 12 partes e depois ao meu quadrinho “do coração”. Quando e a última, a segunda e a antepenúltima e recebeu diversas republicações eu era pequena, adorava passear com meu assim por diante, até que… BUM! Cheguei à em vários formatos. No Brasil, esses tempos de violência desenfreada, Defensor dos povos indígenas e abolicionista, “pai aos domingos na antiga brasília branca também teve diferentes versões. única página dupla da revista. Não conseguia Ndesrespeito aos direitos humanos, opressão no ensaio Desobediência Civil Thoreau relata que ele tinha. Aos domingos, geralmente, A primeira foi publicada em 1986, me conter. Não é possível que alguém tenha do Estado, destruição ambiental e aquecimento o seu posicionamento diante dos acontecimentos ele a levava a um posto de gasolina para ser pela editora Abril, em seis partes. pensado nessa simetria… E é claro que sim! global, conhecer um pouco da vida de Henry do seu tempo e defende sua crença na objeção lavada e, enquanto esperávamos pelo serviço, A mais recente é uma edição de O Mestre Moore havia pensado – afinal, David Thoreau (1817-1862) é um sopro de consciente contra governos cujas leis não íamos à banca de jornal que ficava perto do luxo pela Panini, de 2016. era o nome do capítulo. E tudo fez sentido. esperança, um gerador de forças para dizer “não” respeitam o que ele considerava princípios posto. Cada domingo eu podia escolher uma ao que vivemos hoje. Esse é o maior mérito morais universais. Ele acreditava na ação revistinha nova e esperava ansiosa a mão Walter Kovacs, o vigilante conhecido da HQ Thoreau: A Sublime Life, escrita por individual contra esse estado de coisas e dele descer do balcão para me entregar a como Rorschach, tem uma história de tirar Maximilien Le Roy com arte de A. Dan. recusava-se a pagar impostos que, segundo revista que tinha escolhido e dois chicletes me faziam compreender a história em um o fôlego. Mal podia respirar depois de ler Ela resgata, numa perspectiva contemporânea, ele, financiavam a guerra dos Estados Unidos que sempre vinham de “brinde” do paizão. nível mais profundo. A passagem do tempo a ficha psiquiátrica dele. O que era aquilo? aspectos marcantes do filósofo, poeta e contra o México e a escravidão. Sempre que penso em HQs me lembro do para os humanos em contraste com a Quanta frieza… Como uma criança suportou naturista mais conhecido como o pai da cheiro dos domingos de manhã! Ou seja, o passagem do tempo para o Dr. Manhattan, tudo aquilo? Neste ponto deixei a leitura Os autores, os franceses A. Dan e Maximilien desobediência civil e cujas ideias também Thoreau: amor vem de longa data e poder trabalhar a forma como ele trabalha a narrativa de de lado novamente, pois a história dele me inspiraram fortemente os movimentos Le Roy, conduzem o leitor colocando-o como com elas hoje em dia é um prazer enorme. forma digressiva no capítulo IV (Relojoeiro). deixou mal. Essa distância durou pouco, ecológicos surgidos no século passado. observador dos episódios chaves da vida de A Sublime Life Os detalhes escondidos nas paredes em pois a curiosidade era ainda maior e eu Thoreau e que foram constituindo a riqueza Dan e Maximilien Le Roy. Com o passar dos anos reli muita coisa símbolos de radiação, as minúcias na revista precisava saber como aquilo tudo terminaria. Thoreau teve uma profunda influência de seu pensamento. Há preferência pelos [NBM Publishing, 88 e me apaixonei por outras que ainda não que o garoto lê enquanto o jornaleiro passa As histórias me conquistaram de uma nos grandes movimentos pacifistas e de cenários que evocam as paisagens de bosques conhecia. Sou graduada em física e astronomia por situações adversas, o frasco do perfume forma impressionante! desobediência dos séculos 19 e 20. Mahatma e lagos, e boa parte da mostra páginas, R$ 64,90 em também está no meu rol de paixões. Durante que é retomado nas últimas páginas. As Gandhi descobriu os textos do autor norte- Thoreau junto a natureza, fazendo trilhas média, importado] a faculdade, as coisas apertaram muito e foi questões pessoais de cada personagem e Foi assim que me apaixonei por este título. americano na prisão, e os trabalhos de Martin pelo campo, evocando a tese de que acima a época em que me afastei das leituras que os pensamentos de cada um deles sendo Tenho ele em várias versões e sempre que Luther King com os afro-americanos contra de tudo ele era um naturista, alguém cujo tinham me acompanhado até então. Anos descritos pelo ma-ra-vi-lho-so Moore e viajo para algum lugar diferente procuro a segregação racial tiveram como base o principal desejo era uma existência em depois, um amigo sempre insistia para que belissimamente ilustrados pelo Gibbons. em outras línguas… virou uma mania, seu pensamento. O filósofo buscou em sua harmonia com o meio-ambiente. eu procurasse um certo quadrinho, Watchmen; sabe? E de vez em quando eu olho trajetória viver suas ideias na experiência e eu, relutante, não ia atrás… antes eu tivesse Tudo ia bem até que cheguei no capítulo 5: para elas, só para tirar da estante cotidiana e o melhor relato de suas vivências Le Roy já escreveu diversas HQs de não- escutado esse amigo mais cedo! Watchmen era Temível Simetria. A leitura fluiu até a última e ver se descubro mais alguma podem ser constatadas em livros como Walden, ficção, entre as quais uma biografia do tudo que eu amava: HQs e Astronomia/Física. página do capítulo quando de repente um coisa. Vocês já leram? O que ou a Vida nos Bosques quando ele recolheu- filósofo Nietzsche. No final, há um ótimo estalo me veio à mente. OPA! Tem algo estão esperando? se, por meses, a uma pequena cabana por ele ensaio de seis páginas escrito por Michel Eu, literalmente, “comi a revista”! Não diferente aqui! Comecei a virar as páginas mesmo construída para experimentar como era Granger, especialista da vida e trabalho conseguia parar de ler. Era muita informação apressadamente – sabe quando você segura Carol Pimentel é editora estar em contato permanente com a natureza. de Henry Thoreau. que me remetia aos estudos de física e que a revista pela lombada e “espreme” as da Marvel Comics no Brasil.

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Encontro com a literatura periférica

Por GERMANO RABELLO

ntre os grandes escritores brasileiros, surgiu com força há alguns anos, com uma Carolina também gravou um disco, com Epoucos pertenceram efetivamente produção bem peculiar, e duas biografias o mesmo título de seu livro mais famoso. à classe pobre. Ou, ao menos, poucos de escritores no currículo: uma sobre Jack Foi considerada a “vedete da favela”. Mas escritores pobres foram reconhecidos. Kerouac e outra sobre William Burroughs, logo percebeu que o meio literário era mais Num país em que a educação é um ambos emblematicamente ligados à aristocrático. Eles a queriam exotizada, privilégio, Carolina Maria de Jesus contracultura norte-americana e à geração em um papel imutável. Quando ela lançou (1914-1977) é um caso raro: mulher, beat. Sirlene, a roteirista, é estreante na outro livro, “Casa De Alvenaria”, já falava negra, favelada, escritora. Nunca tive área. Tem proximidade com a obra de sobre outra realidade – e a partir daí contato com a literatura dela e nem Carolina Maria, já que suas pesquisas começou a gradual perda de interesse tinha ouvido falar do seu nome até como doutoranda em comunicação pela sobre sua figura pública e sua literatura. um ano atrás. Estes detalhes pessoais PUC-SP incluem a literatura negra. servem para ilustrar que a memória da Toda essa história é narrada na HQ. escritora não é algo universal. Ela não A HQ acompanha as andanças de Carolina E é uma história emocionante. Ainda faz parte do cânone literário brasileiro, Maria pela cidade. Em busca de papel que assim, percebo um desnível – o gibi é muito pelo contrário. Como na vida, possa vender para reciclagem, em busca de muito menos rica do que a história da Carolina foi alguém que correu por fora, uma comida para os filhos. O desenho de João própria Carolina Maria de Jesus. O roteiro Sirlene Barbosa (roteiro) e periférica. Está sendo resgatada pelo Pinheiro, rico em detalhes de ambientação, de Sirlene é correto e satisfatório para João Pinheiro (desenhos) grande interesse social de sua obra, dos cenários urbanos, dos barracos, nos uma estreante. No entanto, como se justamente nestes anos em que as lutas leva junto com ela. “Anda, anda... faz de faltasse elaboração de linguagem fica a [Veneta, 128 páginas, das chamadas minorias ditam a pauta conta que está sonhando”. A lembrança meio caminho entre um documentário 2016, R$ 39,90] das tendências artísticas, nas vertentes dos filhos e o apego à literatura são as e uma ficcionalização, perdendo o que da discussão de gênero e raça, na luta suas motivações. A fome a sua inimiga, a ambos têm a oferecer. A quadrinização por descolonizar a visão de mundo. ser combatida diariamente. As sombras e de João Pinheiro não consegue encontrar sujeiras das ruas estão reproduzidas aqui. um ritmo próprio, ao contrário do que Então, faz bastante sentido que sua A linha nervosa, grossa, sem se preocupar acontece no seu trabalho anterior, sobre biografia em quadrinhos tenha sido com o acabamento perfeito. O tipo de o escritor William Burroughs, que tem publicada em 2016. Parece que o narrativa que pela força da temática e de uma narrativa visual bem característica, jogo virou nesse período de intensas algumas reflexões, me fez querer fechar o ousada. Aqui, várias páginas e quadros inquietações; um bom momento para livro algumas vezes. Pela contundência. são confusos, e em alguns momentos a publicação de Carolina, HQ de Sirlene personagens secundários parecem ter Barbosa (roteiro) e João Pinheiro Os depoimentos diretos sobre o cotidiano a mesma fisionomia da protagonista. (desenhos). Além dessa convergência da miséria, escritos por quem vivenciou, É importantíssima a publicação desta ideológica, o mercado editorial tem costumam ser mais frequentes em outras obra e a retomada do interesse em torno favorecido bastante que os novos artes, mais ligadas à oralidade. Sabemos de Carolina Maria de Jesus. A edição talentos encontrem acolhimento para um pouco da vida nos morros e favelas primorosa da Veneta é mais um passo seus projetos. O ilustrador João Pinheiro através do samba, da música popular. nessa caminhada.

40 Plaf Plaf 41 / resenhas / / resenhas / Celebrando o Recife Esses tempos mortos e iguais assombrado Por LIELSON ZENI A heart that’s full Você é Um Babaca, Bernardo, é um elemento que Lourenço Por PAULO FLORO trata disso tudo: desses tempos entendeu que nos quadrinhos up like a landfill mortos e iguais, mas que Alexandre só pode existir como espaço. A job that Lourenço, autor de Robô Esmaga, consegue nos mostrar que ali tem As nove janelas do começo uando dirigia o jornal A Província, em 1929, o escritor slowly kills you motivo pra memória. desenvolvem rotinas de dias Qe sociólogo Gilberto Freyre pautou uma reportagem diferentes, mas muito parecidos; sobre as assombrações e registros sobrenaturais do É uma relação entre vivência e quando vem uma página quase Recife. O resultado foi uma série de matérias que foram nossa vida não é uma grande tempo. Tempo sempre vai apagar toda branca, há compressão do publicadas no periódico e que instigaram uma busca Aaventura. Os dias são uma tudo, nem as rochas resistem, tempo e de percepções; quando mais profunda e que mais tarde resultaram no livro corrente de rotinas com pequenas porque achamos que memórias uma imagem é quebrada em frente Você É Um Assombrações do Recife Velho, de 1955. diferenças. Vez ou outra, um pico de emoção: emprego novo, paixão, serão eternas? e verso, entendemos que o espaço Babaca, Bernardo que separa os personagens é invencível. Não era uma investigação vazia baseada em pura uma tarde com amigos. Seguem Nessa vontade de nos salvar do Alexandre S. Lourenço curiosidade do autor de Casa Grande & Senzala. daí diversos dias similares de tempo vem a escrita, o desenho Lourenço entendeu que o tempo não [Mino, 132 páginas, O que Freyre fez foi resgatar um imaginário que novo, até que as coisas maneiras e a expressão humana, por exemplo. consegue ser igual e nos convence remonta à época do Império e que foi alimentado de antes virem triviais e nem 2016, R$ 58] disso pela repetição. através da tradição oral da população local. O Papa- nos lembramos mais. E o tempo, aquele de quem corremos, Figo, sobrados mal assombrados, o Boca-de-Ouro, Algumas histórias que são alimentadas por gerações e que assombrações são conhecidas por grande parte dos recifenses. do Recife Esse novo livro dos escritores André Balaio, André Balaio, Roberto Roberto Beltrão e do desenhista Téo Pinheiro Beltrão e Téo Pinheiro adapta para os quadrinhos sete contos do livro [Global Editora, 74 de Freyre. Balaio e Beltrão, assim como Freyre, são apaixonados por essa atmosfera de mistério páginas, R$ 49 / 2017] Colin e uma HQ legitimamente brasileira e terror que é parte da personalidade literária de Recife. Eles mantém o site Recife Assombrado, que Por Paulo cecconi publica HQs e contos com o tema e já lançaram a HQ A Rasteira da Perna Cabeluda, onde resgatam outra lenda fantasmagórica da cidade. Téo Pinheiro m pouco sobre Colin: ele no Brasil e não conseguiu. Tentou a natureza que nunca poderiam segue como o principal colaborador dessa empreitada Uamava o Brasil, abominava publicar na Europa e não deu certo. ser confundidas com uma reles e chega aqui com um traço mais sofisticado que os super-heróis estrangeiros e não Não só isso como, segundo o próprio tentativa de educação panfletária, trabalhos anteriores lançados pelo grupo. obteve o devido reconhecimento Colin, só recebeu de volta os originais Caraíba não é só um dos gibis pelo seu trabalho em vida. Por isso, da primeira história. Tudo bem. mais lindos do autor, como um A ambientação do Recife do início do século passado a divulgação de suas obras ainda Também segundo ele, Caraíba é dos mais importantes. funciona como um elemento importante na narrativa é muito importante, e Caraíba um gibi para o público brasileiro. uma vez que essas histórias estão intrinsecamente faz parte da coleção. A edição da Desiderata traz ligadas às transformações urbanas e sociais na Caraíba era um caçador dos três histórias do projeto original capital pernambucana. Com contos curtos, a A natureza e o folclore brasileiro bons, conhecedor das matas, de Colin (dos anos 1980), em adaptação fez uso de diálogos ligeiros e eram temas recorrentes nos gibis que trabalhava para um traficante formato álbum, o que valoriza poucos recordatórios e explicações, do Colin, abordados em álbuns de peles. Um dia, encontra o Curupira a arte do autor, com painéis ajudados pela narrativa de Pinheiro. Fez falta um melhor trabalho de edição, como Mapinguari (Opera Graphica) e muda completamente de atitude. grandes e espaçosos, além de Caraíba e O Curupira (Pixel), mas é Caraíba, Vira o protetor da floresta amazônica. vários textos e curiosidades. o que inclui um letreiramento que dialogasse Flávio Colin publicado pela Desiderata, cinco com o tema e ajustes na diagramação dos [Desiderata, 120 balões, entre outros detalhes. Mas tais anos após sua morte, um dos gibis Com a arte de Colin no auge O reconhecimento era algo falhas não chegam a comprometer a que mais merece destaque. de sua estilização, o costumeiro distante de Colin em vida. Eu páginas, 2007] relevância do gibi. Uma obra importante impacto que causa, seu domínio adoraria que sua existência para apresentar a tradição sobrenatural Caraíba representou muita luta e narrativo, a notória expressividade póstuma tivesse maior recifense para novas audiências. decepção para Colin. Tentou publicar de seus desenhos e histórias sobre visibilidade.

42 Plaf Plaf 43 44 Plaf Plaf 45 Lu Caffagi é quadrinista mineira. Lançou a HQ independente Mix Tape (2011) e é autora de Turma da Mônica - Laços e Turma da Mônica - Lições (Panini), ao lado do irmão Vitor Caffagi e Quando Tudo Começou (Nemo), com roteiro de Bruna Vieira. 46 Plaf Plaf 47 48 Plaf Plaf 49 Raoni Assis é artista plástico com diversas exposições individuais e um dos fundadores d’A Casa do Cachorro Preto, em Olinda. Fez parte da coletânea independente Tô Miró, com adaptação da obra de Miró da Muribeca para as HQs. 50 Plaf Plaf 51 52 Plaf Plaf 53 Renata Rinaldi é cartunista, ilustradora e quadrinista. É parte do coletivo Mandíbula, formada por autoras brasileiras. Publicou sua HQ D.A.D.A., com roteiro de Roberta Araújo, no selo Pagu, da plataforma Social Comics. 54 Plaf Plaf 55 João Lin é quadrinista e artista visual pernambucano com atuação em pintura, videoarte e intervenção urbana. Foi um dos fundadores da Ragu, uma das mais importantes publicações de quadrinhos autorais do Brasil. 56 Plaf Plaf 57 SAIDEIRA

Caio Oliveira é quadrinista piauiense. É autor de Super-Ego, Panza e Alan Moore - Mago Supremo. Veja mais HQs na página dele no Fb: facebook.com/caioscorner 58 Plaf