PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO (PUC-SP) PROGRAMA DE ESTUDOS PÓS-GRADUADOS EM COMUNICAÇÃO E SEMIÓTICA (PEPG-COS)

VICTOR SANCASSANI

Os rumos do conceito de mito e a fenomenologia peirciana

Mestrado em Comunicação e Semiótica

São Paulo 2018

VICTOR SANCASSANI

Os rumos do conceito de mito e a fenomenologia peirciana

Dissertação apresentada à Banca Examinadora da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC-SP), como exigência parcial à obtenção do título de Mestre no Curso de Estudos Pós-Graduados (Stricto Sensu) em Comunicação e Semiótica (PEPG-COS).

Linhas de pesquisa: Regimes de sentido nos processos comunicacionais

Orientador: Profa. Dra. Maria Lucia Santaella Braga

São Paulo 2018 Autorizo a reprodução e divulgação total ou parcial deste trabalho, por qualquer meio convencional ou eletrônico, para fins de estudo e pesquisa, desde que citada a fonte.

SANCASSANI, Victor. Os rumos do conceito de mito e a fenomenologia peirciana / Victor Sancassani. – São Paulo, 2018. 496 p. : il. Orientadora: Profa. Dra. Maria Lucia Santaella Braga Dissertação (Mestrado) – Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC-SP), 2018. Inclui referências.

Mito. Mitologia. Semiótica peirciana. Charles Sanders Peirce. Fenomenologia.

Banca Examinadora

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Artigo científico intitulado Os rumos do conceito de mito e a fenomenologia peirciana, de autoria de Victor Sancassani, defendido e aprovado pelo título de Mestre no Curso de Estudos Pós-Graduados (Stricto Sensu) em Comunicação e Semiótica da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, em ____ de ______de ______, pela banca examinadora:

Profa. Dra. Maria Lucia Santaella Braga Universidade Católica de São Paulo (PUC-SP) (presidente da banca)

Prof. Dr. Fernando Torres Andacht Universidad de la República (Udelar) (membro titular externo)

Prof. Dr. Winfried Maximilian Nöth Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC-SP) (membro titular interno)

Profo. Dr. Silvio Luiz Anaz FIAM-FAAM – Centro Universitário (membro suplente externo)

Profa. Dra. Mariza Martins Furquim Werneck Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC-SP) (membro suplente interno)

Bolsista CAPES nº de processo: 88887.148458/2017-00 AGRADECIMENTOS

À minha orientadora, Profa. Dra. Maria Lucia Santaella Braga, não somente pelas palavras de orientação, mas, principalmente, pela confiança depositada tanto na proposta quanto em mim, que tornaram possível a execução do projeto, bem como a seriedade e devoção ou doação à pesquisa científica, que a tornam uma inspiração pessoal.

À Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC-SP) e ao Programa de Estudos Pós-graduados em Comunicação e Semiótica (PEPG-COS), especialmente à Cida Bueno, sempre em prontidão a todo o suporte administrativo necessário e ao coordenador Prof. Dr. Rogério da Costa, por todo o auxílio e as recomendações em relação às vicissitudes encontradas em meio às trilhas de um curso de mestrado.

Aos professores do curso, com quem tive a oportunidade de trocar experiências e aperfeiçoar os meus estudos de uma curiosidade científica e aprendizagem inesgotáveis de ambas as partes, Prof. Dr. Norval Baitello Junior, Profa. Dra. Cecília de Almeida Salles, Profa. Dra. Jerusa Pires Ferreira e especialmente à Profa. Dra. Lucia Isaltina Clemente Leão, pelas orientações do projeto e a adesão ao grupo de pesquisa Comunicação e Criação nas Mídias (CCM) no início do processo, que me forneceram tanto subsídios ao trabalho quanto boas amizades; e às professoras externas, Profa. Malena Segura Contrera e Profa. Jeanne Marie Gagnebin, pelo acolhimento em suas disciplinas e as recomendações da última, que foram simultaneamente inspiradoras e valorosas para o trabalho.

À Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (CAPES), intermediada pela PUC-SP, bem como a Fundação São Paulo (FUNDASP) pela concessão da bolsa de mestrado e todo apoio financeiro que possibilitaram esse estudo.

À minha família, em especial, Maria Helena Stevanato, Gilberto e Andrei Sancassani, por todo o apoio, confiança e tolerância durante mais um processo de estudo em busca de uma realização pessoal e profissional e o desenvolvimento do projeto que sempre excede os limites do meio acadêmico.

Aos inúmeros colegas, tanto de curso, quanto externos, que acompanharam essa jornada direta ou indiretamente. Especialmente Mirian Meliani, por todo o suporte emocional e fraterno, além de inúmeros conselhos e compartilhamentos das próprias

experiências; Silvio Antonio Luiz Anaz, pela amizade e corroboração numa área em comum pouco explorada devidamente no meio científico; Aline Antunes, pela amizade sincera e confiança que ultrapassaram espontaneamente a esfera acadêmica de alguém em quem posso contar; Amanda Marques Pinto e Pedro Luiz Magalhães Taam, por terem me auxiliado enormemente durante a jornada nas reflexões, dificuldades e por todo o carinho compartilhado que poucas palavras não fazem jus a eles; Stéphanie Manfio e Thaís Deloroso, pela amizade de anos, que mesmo à distância e contatos esporádicos, preservam e me inspiram constantemente; Marco Aurélio Pacheco, Lara Duarte Bosso, Paula Murad Abrão Ventura e Amanda Mayumi Moraes, pela amizade, ótimas risadas e momentos de alegria inesquecíveis.

Aos professores Prof. Dr. Fábio Fernandes da Silva e Profa. Dra. Ivelise Fortim de Campos, pelas oportunidades de estágio docência ao longo do processo, rumo ao caminho do professorado e, a última em especial, não somente pela parceria em artigos e livros escritos em conjunto, mas pela amizade e conselhos acadêmicos que corroboram não só para a formação de um profissional comedido, mas de uma pessoa melhor.

Aos professores Profa. Dra. Mariza Martins Furquim Werneck e Prof. Dr. Winfried Maximilian Nöth, pela contribuição substancial e enriquecedora no exame de qualificação e a dedicação constante às dúvidas e questionamentos frequentes; e ao Prof. Dr. Fernando Torres Andacht, por toda a disponibilidade e interesse demonstrado no fechamento de uma etapa fundamental na vida de quem se interessa pelos estudos de pós-graduação.

Aos grupos Centro Internacional de Estudos Peircianos, pela seriedade e acuidade ao tratar de temas que exigem constante revisão e maturação, e Jogos Digitais e Imaginário (JOI), pelo companheirismo e deleite que evidenciam os estudos como um lugar de dedicação e prazer concomitante.

A você, que teve a curiosidade e a disposição de ler este trabalho em busca de conhecimento, numa empreitada que espero poder contribuir de alguma forma aos questionamentos que o trouxeram até aqui.

“Não bloqueie o caminho da investigação” Do not block the way of inquiry (Peirce, CP 1.135, 1899)

RESUMO

SANCASSANI, V. Os rumos do conceito de mito e a fenomenologia peirciana. 2018. 496 p. Dissertação (Mestrado) – Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC-SP), São Paulo, 2018.

Inúmeras são as concepções de mito ao longo da história do conhecimento humano. No entanto, é possível dividir os estudos teóricos do mito em dois extremos de um mesmo eixo, que os mantêm intrinsecamente conectados: uma corrente que teve início aparente na Grécia Antiga e outra que se encontra na atualidade, derivada do desenvolvimento das Ciências Modernas no século XIX. Porém, não existe um ramo científico específico de estudo dos mitos, sendo dissolvido em inúmeros campos do conhecimento – antropologia, sociologia, psicologia, literatura, filologia, história, filosofia, estudos religiosos etc., fragmentação que também é vista nas tentativas de classificação do fenômeno, mas que advém de sua própria natureza. O mito não somente surge como uma forma de comunicação – narrativa, oral, escrita, ritualística, sagrada, ideológica etc. –, mas também se conecta com as formas de comunicação humana. As preocupações do mito se estendem desde o nível metafísico, cosmológico, social, até o individual e psicológico, devido a sua abrangência e ancestralidade, que se torna possível considerá-lo como um precursor das formas de conhecimento que temos hoje, como do próprio pensamento, senão como atuante ainda no presente. É nesse sentido que nosso trabalho apresenta um objetivo de caráter duplo. Primeiramente, em virtude de uma carência de estudos e trabalhos que abrangem as teorias do mito em português e, principalmente, no Brasil pretendemos explorar e fornecer algumas das principais contribuições que deram destaque ao estudo dos mitos, que remetem aos extremos das teorias míticas, suprindo parte dessa lacuna epistêmica que impede estudantes de tomarem conhecimento das teorias mitológicas ou de utilizá-las de modo apropriado e não somente peremptoriamente. Como a outra faceta de nosso objetivo, pretendemos também corroborar com uma contribuição inicial às ciências do mito – que parecem ter se restringido ao campo das classificações e das especificidades nas manifestações socioculturais –, ao introduzir a Fenomenologia de Charles Sanders Peirce como o alicerce arquitetônico para investigar e evidenciar a onipresença e a inter-relação das categorias universais da experiência presentes no mito, em seus aspectos de espontaneidade positiva e criativa (Primeiridade), de reação e existência (Secundidade) e de regularidade e continuidade infinita (Terceiridade).

Palavras-chave: Mito. Mitologia. Semiótica. Charles Sanders Peirce. Fenomenologia.

ABSTRACT

SANCASSANI, V. The routes of the concept of myth and the Peircean phenomenology. 2018. 496 p. Dissertation (Master Degree) – Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC-SP), São Paulo, 2018.

There are innumerable conceptions of myth throughout the history of human knowledge. However, it is possible to divide the theoretical studies of myth into two poles of the same axis, which keep them intrinsically connected: a current that began apparently in Ancient and another that is nowadays, derived from the development of Modern Sciences in the nineteenth century. Yet, there is no specific scientific branch of study of myths, being dissolved in many fields of knowledge – anthropology, sociology, psychology, literature, philology, history, philosophy, religious studies etc., fragmentation that is also seen in the attempts to classify the phenomenon, but which comes from its very nature. Myth not only appears as a form of communication – narrative, oral, written, ritualistic, sacred, ideological etc. – but also is connected with human forms of communication. The preoccupations of myth extend from the metaphysical, cosmological, social, even to the individual and psychological level, due to its scope and ancestry, which makes possible to consider it as a forerunner of the forms of knowledge that we have today, as of thought itself, or else as acting in the present. It is in this sense that our work has a double objective. Firstly, due to a lack of studies and works that cover theories of myth in Portuguese and, mainly, in Brazil, we intend to explore and provide some of the main contributions that have highlighted the study of myths, which refer to the extremes of mythic theories, filling this epistemic gap that prevents students from taking knowledge of mythological theories or using them appropriately and not only peremptorily. On the other facet of our objective, we also want to corroborate with an initial contribution to the sciences of myth – which seem to have been restricted to the field of classifications and specificities in sociocultural manifestations – by introducing the Phenomenology of Charles Sanders Peirce as the architectural foundation to investigate and to evidence the omnipresence and interrelation of the universal categories of experience present in the myth, in its aspects of positive and creative spontaneity (Firstness), of reaction and existence (Secundity) and of regularity and infinite continuity (Thirdness).

Keywords: Myth Mythology. Semiotics. Charles Sanders Peirce. Phenomenology.

LISTA DE ILUSTRAÇÕES

Figura 01 – A conceituação da teoria da cultura expressiva segundo Burns ...... ii

Figura 02 – A relação entre mythos e logos em Hesíodo segundo Lincoln ...... 2

Figura 03 – Lewis Henry Morgan (1818–1881) ...... 32

Figura 04 – Edward Burnett Tylor (1832–1917) ...... 38

Figura 05 – William Robertson Smith (1846–1894) ...... 52

Figura 06 – James George Frazer (1854–1941) ...... 60

Figura 07 – Os ramos da magia de acordo com as leis do pensamento subjacentes segundo Frazer ...... 63

Figura 08 – O sistema da magia segundo Frazer ...... 64

Figura 09 – O ramo de ouro [The Golden Bough] de Joseph Mallord William Turner. Óleo sobre tela, 104 x 163,5 cm (The Tate Gallery, Londres, N00371), 1834 ...... 68

Figura 10 – Jane Ellen Harrison (1850–1928) ...... 82

Figura 11 – Samuel Henry Hooke (1874–1968) ...... 86

Figura 12 – Uma tentativa aproximada de representar as áreas mais diretamente afetadas pelo complexo-cultural "heliolítico", com setas para indicar as rotas hipotéticas tomadas nas migrações dos portadores de cultura, responsáveis pela sua difusão, segundo Smith ...... 91

Figura 13 – Mapa da difusão do complexo malaio-negrito segundo Frobenius ...... 93

Figura 14 – Fitzroy Richard Somerset, Barão Raglan IV (1885–1964) ...... 98

Figura 15 – Franz Uri Boas (1858–1942) ...... 111

Figura 16 – Bronisław Kasper Malinowski (1884–1942) ...... 121

Figura 17 – Diagrama da correlação entre os conceitos da teoria de Malinowski .. 123

Figura 18 – Claude Lévi-Strauss (1908–2009) ...... 132

Figura 19 – A constelação da antropologia segundo Lévi-Strauss ...... 133 Figura 20 – O operador totêmico (Laboratório de Cartografia do Ecole Pratique des Hautes Etudes) segundo Lévi-Strauss ...... 140

Figura 21 – Exemplo de movimento de varredura do corpo mítico segundo Lévi- Strauss ...... 149

Figura 22 – Empilhamento das fichas ou quadros dos mitemas segundo Lévi-Strauss ...... 153

Figura 23 – O mito manipulado como se fosse uma partitura musical segundo Lévi- Strauss ...... 154

Figura 24 – Análise estrutural do mito de Édipo segundo Lévi-Strauss ...... 154

Figura 25 – A representação gráfica da fórmula de Lévi-Strauss segundo Maranda ...... 156

Figura 26 – Friedrich Max Müller (1823–1900) ...... 166

Figura 27 – Georges Edmond Raoul Dumézil (1898–1986) ...... 175

Figura 28 – Philipp Wilhelm Adolf Bastian (1826–1905) ...... 178

Figura 29 – Carl Gustav Jung (1875–1961) ...... 186

Figura 30 – A estrutura da psique para Jung ...... 187

Figura 31 – Marie-Louise von Franz (1915–1998) ...... 195

Figura 32 – Joseph John Campbell (1904–1987) ...... 196

Figura 33 – A jornada da heroína começa com a “Separação do feminino” e termina com a “Integração do masculino no feminino” segundo Murdock ...... 200

Figura 34 – A estrutura do monomito segundo Campbell ...... 204

Figura 35 – Mircea Eliade (1907–1986)...... 212

Figura 36 – Gaston Bachelard (1884–1962) ...... 224

Figura 37 – Gilbert Durand (1921–2012) ...... 235

Figura 38 – Reformulação dos regimes de imagem proposta por Strongoli ...... 241

Figura 39 – Tópico diagramático do Social segundo Durand ...... 243

Figura 40 – René Noël Théophile Girard (1923–2015) ...... 252

Figura 41 – A triangulação do desejo mimético para Girard, segundo Golsan ...... 255

Figura 42 – Esquema semiológico do mito segundo Barthes ...... 271

Figura 43 – A classificação das ciências segundo Peirce ...... 286

Figura 44 – Os sete sistemas possíveis a partir das três categorias...... 289

Figura 45 – As categorias e suas formas genuínas e degeneradas (As letras e números foram acrescentados para uma melhor compreensão do diagrama) ...... 312

LISTA DE TABELAS

Tabela 01 – O uso de μῦθος (mýthos) em Hesíodo segundo Lincoln (1999, p. 16) ... 3

Tabela 02 – O campo da antropologia no Iluminismo segundo Hoorn (2006, p. 131) ...... 19

Tabela 03 – Os períodos étnicos segundo Morgan (1877, p. 18; CASTRO, 2005, p. 60; Id. 2016, pp. 21-2) ...... 36

Tabela 04 – Necessidades humanas básicas e suas respostas segundo Malinowski e ilustrado por Langness (1987, p. 80) ...... 122

Tabela 05 – Resumo de Müller do progresso linguístico (da contribuição de Max Müller a C.C.J. Bunsen (1854), Outlines of the Philosophy of University History Applied to Language and Religion, 2 vols, London, Longman), in: KUPER, 2008, p. 67 ...... 170

Tabela 06 – Os Modos de Conhecimento Indireto segundo Durand (1988, p. 21) ...... 238

Tabela 07 – Classificação Isotópica das Imagens segundo Durand (2012, p. 443) ...... 240

SUMÁRIO

INTRODUÇÃO ...... i PARTE I 1 O CONCEITO DE MITO NA GRÉCIA ANTIGA ...... 1 2 ESTUDOS ANTROPOLÓGICOS ...... 17 2.1 EVOLUCIONISMO ...... 25 2.1.1 LEWIS HENRY MORGAN ...... 33 2.1.2 EDWARD BURNETT TYLOR ...... 39 2.1.3 WILLIAM ROBERTSON SMITH...... 53 2.1.4 JAMES GEORGE FRAZER ...... 59 2.2 RITUALISMO ...... 75 2.2.1 JANE ELLEN HARRISON...... 83 2.2.2 SAMUEL HENRY HOOKE ...... 85 2.3 DIFUSIONISMO ...... 89 2.3.1 LORD RAGLAN ...... 97 2.4 FRANZ BOAS E A ESCOLA AMERICANA ...... 109 2.5 O FUNCIONALISMO DE BRONISŁAW MALINOWSKI ...... 119 2.6 O ESTRUTURALISMO DE CLAUDE LÉVI-STRAUSS ...... 133 3 ESTUDOS DE MITOLOGIA E RELIGIÃO COMPARADA ...... 163 3.1 FRIEDRICH MAX MÜLLER ...... 167 3.2 GEORGES DUMÉZIL ...... 173 3.3 ADOLF BASTIAN ...... 179 3.4 CONFERÊNCIAS DE ERANOS ...... 183 3.4.1 CARL GUSTAV JUNG ...... 185 3.4.2 MARIE-LOUISE VON FRANZ ...... 193 3.4.3 JOSEPH CAMPBELL ...... 197 3.4.4 MIRCEA ELIADE ...... 211 3.5 IMAGINÁRIO ...... 221 3.5.1 GASTON BACHELARD ...... 225 3.5.2 GILBERT DURAND ...... 233 3.6 RENÉ GIRARD E A VIOLÊNCIA MÍTICA ...... 253

PARTE II 1 UMA INTRODUÇÃO AOS ESTUDOS DO MITO NA SEMIÓTICA ...... 267 1.1 A SEMIÓTICA FRANCESA ...... 269 1.2 A SEMIÓTICA SOVIÉTICA ...... 273 1.3 A SEMIÓTICA AMERICANA ...... 277 2 A FENOMENOLOGIA DE CHARLES SANDERS PEIRCE ...... 283 2.1 AS CATEGORIAS UNIVERSAIS ...... 291 2.1.1 PRIMEIRIDADE ...... 301 2.1.2 SECUNDIDADE ...... 305 2.1.3 TERCEIRIDADE ...... 309 3 POR UMA INTRODUÇÃO À FENOMENOLOGIA PEIRCIANA DO MITO ...... 315 3.1 AS CATEGORIAS UNIVERSAIS NA IMAGINAÇÃO MÍTICA ...... 319 3.2 AS CATEGORIAS UNIVERSAIS NA METÁFORA MÍTICA ...... 329 3.3 CATEGORIAS UNIVERSAIS NOS PRINCÍPIOS E NA MATERIALIDADE MÍTICOS ...... 335 CONSIDERAÇÕES FINAIS ...... 347 NOTAS ...... 349

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INTRODUÇÃO

Assim como apontou Lincoln1 em sua introdução de Theorizing Myth: Narrative, Ideology, and Scholarship (1999), iniciar com uma definição de mito distorce o sujeito ao longo do percurso de uma teoria sobre o fenômeno, ou, segundo Csapo, é iniciar pelo fim.2

No entanto, prefiro começar pela via oposta, apresentando várias definições de mito. Ele é "uma forma de ciência primitiva”; “história criada sobre um rito estabelecido primordialmente”; “explicações equivocadas de fenômenos”; “uma narrativa sagrada”; “reflexões das ocorrências da vida que agitam nossas emoções”; “o ingrediente vital da civilização humana”; “um esquema lógico criado para resolver uma contradição”; “uma doença da linguagem”; “projeção do inconsciente”; “metáforas das experiências humanas”; “um sistema dinâmico entre sujeito e meio”; “transfigurações coletivas de um evento traumático”.

Essas definições apresentadas acima são apenas algumas das inúmeras concepções ou conceitualizações de mito que se encontrarão durante o percurso deste trabalho. Porém, apesar de concordar com Lincoln e Csapo que uma definição preliminar de mito acaba determinando todo o trajeto a ser percorrido, acredito que essa torrente de definições é a melhor forma ou o suficiente para revelar ao leitor o problema que nos envolve e envolve qualquer estudioso da mitologia.

O mito possui ambiguamente uma universalidade e inúmeras particularidades que o permitem ser estudado sob qualquer perspectiva, bem como a tomar formas específicas dentro de um campo do conhecimento. As teorias do mito podem ser apresentadas por dois extremos profundamente conectados: por um lado, uma corrente de teorias que aparentemente tiveram o seu início na Grécia Antiga “pré- socrática” e, por outro, a situação na qual elas se encontram atualmente, desde as suas formulações como teorias científicas, desenvolvidas a partir do século XIX – por mais que os séculos anteriores também formularam teorias do mito, mas não propriamente vinculadas a uma disciplina científica.

Ao mesmo tempo, não existe um campo específico de estudo científico do mito; fragmentando-se em inúmeras abordagens que se estendem por todos os tipos de

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conhecimento – antropologia, sociologia, psicologia, literatura, filologia, história, filosofia, estudos religiosos etc. Ademais, essa fragmentação é observada em inúmeras propostas de classificação das teorias mitológicas que não entram em um consenso, que vai desde uma multiplicidade explorada por Honko3 em quatro subgrupos, divididos entre dez perspectivas filosóficas antigas e doze concepções modernas, além de três processos de desmitologização – e uma definição própria de mito; passando pelo modelo multidisciplinar e multifuncional de Bronner,4 dividido em somente quatro perspectivas; até Burns,5 que organiza as teorias segundo um critério de inerência teórica – apesar de suas redundâncias e exclusão de algumas perspectivas –, visto que as disciplinas acadêmicas, para o autor, não são suficientes como uma forma de organização adequada, que se apresenta conforme o modelo reproduzido abaixo:

I. PERSPECTIVAS DIACRÔNICAS A. TEORIA EVOLUCIONISTA 1. Evolucionistas culturais 2. Mito-ritualistas 3. Filólogos e mitólogos comparativos B. TEORIA DEVOLUTISTA 1. Elitistas C. TEORIA DIFUSIONISTA 1. Teorias da difusão de um único ponto a) Os indianistas b) Os egiptólogos c) A escola histórico-geográfica finlandesa 2. Teorias da difusão moderada D. USO HISTÓRICO II. PERSPECTIVAS SINCRÔNICAS A. TEORIA FUNCIONAL 1. Funcionalismo behaviorista (estímulo-resposta) 2. Funcionalismo psicanalítico 3. Cohesion 4. Funcionalismo da Psicologia Analítica (psicologia junguiana) 5. Estudo diacrônico da função B. TEORIA ESTRUTURAL 1. Estruturalismo 2. Estrutura da performance 3. Desenvolvimento da competência expressiva

Figura 01 – A conceituação da teoria da cultura expressiva segundo Burns (1977, pp. 112-3).

É notória, a partir desses exemplos, a discordância ou a desorientação presente na classificação das teorias do mito, devido à multiplicidade de campos aos quais

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ele se insere e nos quais foi abordado - assim como a parábola hindu dos cegos e o elefante que tocam cada qual uma parte do animal, resultando no paradigma do pars pro toto – já citada por Thompson.6 Porém, essa dificuldade advém da própria natureza do fenômeno mítico. O mito não somente surge como uma forma de comunicação – narrativa, oral, escrita, ritualística, sagrada, ideológica etc. –, mas também se conecta com as formas de comunicação humana. As preocupações do mito se estendem desde o nível cosmológico, das questões universais, ao nível social, até o individual e psicológico, que, devido a sua abrangência e ancestralidade, se torna possível considerá-lo como um precursor das formas de conhecimento que temos hoje - bem demarcadas em seus territórios disciplinares e científicos –, como do próprio pensamento, senão como atuante ainda no presente. Assim, essa dificuldade só poderá ser, de certo modo e até certo nível, superada com o estudo e uma compreensão das mais diversas perspectivas assumidas pelo mito, nas suas mais variadas dimensões, que é defendido pelo mitólogo Dumézil:

E necessário estudar, para se determinar constantes e variáveis, o mecanismo do pensamento mítico, as relações de mito e das outras partes da religião; as comunicações do mito, do conto, da história, da filosofia, da arte, do sonho. É necessário colocarmo-nos em todos os “observatórios de síntese” que se apresentam - e são em número infinito – e, do alto de cada um deles, constituir um repertório que, muitas vezes, não irá incidir num problema preciso e ainda menos numa solução, em geral provisória, e será incompleto como todos os dicionários, mas que facilitará, esclarecerá, inspirará os pesquisadores comprometidos nos estudos históricos, analíticos ou comparativos já definidos. Tais empreendimentos proporcionam já o conteúdo de uma importante literatura, pois se continuam de há muito em segundo plano, enquanto teorias mais ruidosas ocupam sucessivamente as atenções.7 É nesse sentido que nosso trabalho apresenta um objetivo duplo, que consequentemente, desencadeia na sua divisão em duas partes. Em virtude de uma carência de estudos e trabalhos que abrangem as teorias do mito em português e, principalmente, no Brasil – exceto em algumas monografias –, tendo em vista o extenso trabalho realizado no exterior, que aparece, na exploração histórica da evolução das perspectivas folclóricas, em The British Folklorists: A History (1999), de Richard Dorson, ou também em relação ao mito na obra Mythography: The study of myths and rituals (2000), de William Doty e na série Theorists of Myth, dividida em quinze volumes, bem como, de forma abreviada, nas obras de Robert A. Segal, Theorizing about Myth (1999) e Myth: a very short introduction (2015), para citar somente alguns, bem como a fragmentação das teorias do mito em inúmeras

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perspectivas e autores, que necessitam um estudo primoroso pelas suas obras, que nem sempre se encontram traduzidas, pretendemos explorar e fornecer algumas das principais contribuições que deram destaque ao estudo dos mitos, suprindo parte dessa lacuna epistêmica que impede estudantes de tomarem conhecimento das teorias mitológicas ou de utilizá-las de modo apropriado e não somente peremptoriamente.

Ademais, segundo Segal, a união entre as diversas disciplinas que exploram o mito se encontra nas indagações a respeito do fenômeno, que questionam ora a origem, função ou assunto, variando tanto no modo ou estrutura das perguntas, bem como nas respostas dadas a elas.8 Portanto, o mito é tanto possível de ser analisado por meio de uma teoria quanto de ser teorizado, ainda mais por se tratar de um conceito – criado pelos europeus ocidentais, como veremos. Assim, como nosso segundo objetivo, pretendemos também corroborar com uma contribuição inicial às ciências do mito, que parecem ter se restringido ao campo das classificações e das especificidades nas manifestações socioculturais, ao introduzir questionamentos fenomenológicos basilares do mito, sob uma perspectiva pragmaticista da semiótica americana, tendo como base as teorias exploradas durante o decurso do trabalho.

Desse modo, como consequência de nosso objetivo duplo, o presente trabalho se divide em duas partes principais, cada qual relativa e focada em atender cada um desses objetivos, mas que se encontram ao final do trabalho como um único e mesmo intuito: expandir o território da mitologia.

Assim, a Parte I, como relativa à primeira faceta de nosso objetivo, fornece uma súmula introdutória de algumas das principais teorias do mito, que se divide conforme a seguir:

A primeira seção, intitulada O conceito de mito na Grécia Antiga, tem por objetivo mostrar como o conceito de mito parece ter emergido na civilização Ocidental, especificamente na Grécia homérica-hesiódica, a partir das narrativas míticas como uma palavra polissêmica que se desdobrará e adquirirá definições mais específicas conforme o avançar da própria civilização grega, principalmente no que concerne ao pensamento filosófico. Em meio a essa problemática, encontra-se também a tão discutida questão da suposta dicotomia entre μῦθος (mýthos) e o λόγος (lógos).

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Porém, uma investigação profunda, revelar-nos-á que tal dicotomia – apesar de persistir em determinados momentos – não se reduz a uma mera polarização. Antes, trata-se de um processo etimológico-histórico-cultural que avança concomitante ao processo de desenvolvimento do pensamento e da própria civilização grega, em que devem ser levados em consideração demais termos que por similitude, contraste ou complementaridade, relacionavam-se ao emprego do μῦθος (mýthos). Tal processo percorre uma trajetória que iniciamos com o uso poético-literário das narrativas de Homero e Hesíodo até as primeiras indagações filosóficas dos fragmentos pré-socráticos.

Antes de prosseguir, sobre a questão do mito no Ocidente, uma observação prévia se faz necessária. Apesar da palavra mito não ser restrita ao Ocidente, parece-nos que todo um desenvolvimento e transformação da palavra em um conceito, que se desdobrou e ainda permanece na sociedade, possui uma ênfase característica do processo de desenvolvimento da civilização ocidental – como a própria criação de dicotomias. No Oriente, por outro lado, o mito sempre pareceu conscientemente integrado na cultura, experienciado pelo homem e vivido pela sociedade. Podem e devem existir desdobramentos orientais semelhantes ou mesmo contrastantes do mesmo termo, mas todo um outro estudo deve ser realizado em relação a essa perspectiva que não nos parece apropriado de execução sob a nossa própria perspectiva ocidental. Existe uma história de colonização e prevalência da cultura do Ocidente (europeu) – inclusive essa dicotomia geográfica-cultural - que ainda nos afasta da integração global sem recorrer aos tempos pré-históricos como elo comum da humanidade. Reivindicamos, portanto, a necessidade de um estudo no “Oriente” dos desdobramentos etimológicos-históricos-culturais do mito, mas que, neste trabalho, teremos de restringir tal processo à nossa própria perspectiva ocidental.

Na segunda seção, Estudos antropológicos do mito, pretendemos dar ao leitor um panorama parcial, mas que atinja uma larga amplitude histórica, a partir das diversas interpretações antropológicas que acompanham o próprio desenvolvimento da área em algumas de suas correntes, tendo em vista que a antropologia foi um dos campos que deram maior destaque aos estudos dos mitos, principalmente com as diversas pesquisas etnológicas e etnográficas. Iniciamos a explicação a partir das teorias evolucionistas e difusionistas que deram destaque ao caráter

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correlacional entre mito, imaginação, pensamento e ritual, principalmente no que concerne às teorias de Lewis Morgan, Robertson Smith, James Frazer e Edward Tylor, por um lado, e do Grupo de Cambridge e Lord Raglan, por outro. Em sequência a esses estudos, seguimos com a teoria culturalista da Escola Americana de Franz Boas, que possui grande destaque como crítico das teorias antropológicas antecessoras, que prendem conceitos em camisas-de-força, ao propor um estudo do processo cultural. Sua abordagem do mito é reflexo de tal pensamento, como característico tanto da natureza humana quanto dos aspectos socioculturais do local onde se desenvolve. Seguimos com a abordagem funcionalista de Bronislaw Malinowski e a relação estabelecida entre a codificação das crenças pelos mito e as normas que sancionam e ordenam a sociedade, suas regras e seus costumes. E finalizamos tal seção com a antropologia estrutural de Claude Lévi-Strauss, enfatizando a importância que o autor conferiu aos estudos do mito – partindo dos estudos das estruturas linguísticas – com o cunho do termo mitema e a criação de uma análise estrutural das narrativas que permitem traçar uma correspondência entre a sincronia e a diacronia dos textos míticos.

Em sequência, na terceira seção, Estudos de mitologia e religião comparadas, iniciamos com a importância de Max Müller para o desenvolvimento e formulação de uma ciência dos mitos, principalmente no que se refere à construção de um método comparativo, que ganha uma renovação com a abordagem antropológica e sociológica de Georges Dumézil. Seguimos, assim, para o ambiente de maior proliferação dos estudos sobre mito e religião, que encontra uma das maiores influências em Adolf Bastian e se desenvolverá em conferências anuais que reúnem grandes nomes do ramo, chamadas Conferências de Eranos. Nesse sentido, demos destaque a quatro autores que contribuíram vastamente na divulgação e inserção dos mitos no pensamento moderno, ou seja, Carl Gustav Jung, Marie-Louise von Franz, Joseph Campbell e Mircea Eliade, cujas contribuições, a partir de uma convergência de diversos campos do conhecimento, permitiram uma revalorização da mitologia enquanto ciência. Também, como parte desses estudos, inserimos a recente discussão sobre o Imaginário, como um dos campos de estudo das imagens míticas mais recentes historicamente, que tem início aparentemente com as propostas fenomenológicas da imaginação desenvolvidas por Bachelard, em contraposição a uma desvalorização advinda do período antecessor por um excesso

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de racionalismo positivo e cartesiano, e que ganha destaque como uma teoria geral no nome de Gilbert Durand. Finalizamos a seção com uma das mais contraditórias teorias em relação a sua recepção no campo, ou seja, a teoria mimética de René Girard, que, devido ao caráter crítico-comparativo-interpretativo de suas análises dos textos míticos, se mostra como um importante desdobramento das teorias antropológicas precedentes.

Nessas três primeiras seções, em contrapartida, tentamos manter-nos fiéis às interpretações e aos estudos das teorias desenvolvidas, utilizando diversas obras de cada autor, incluindo alguns comentadores e críticos, para guiar o pensamento e evitar uma idolatria que limitaria o futuro diálogo proposto. Ao mesmo tempo, essa harmonia entre pensamentos não busca integrá-los epistemo-ontologicamente – o que seria claramente errôneo – mas sim investigar o eixo pelo qual o mito percola, fluindo entre pensamentos e deixando seus rastros – evitando também cair numa composição por cherry picking ou apresentar uma amostra enviesada. Evitamos também explanar a integralidade das teorias e conceitos explorados por cada autor, visto que o trabalho tem o seu foco no mito e somente o conteúdo necessário para o entendimento do conceito se torna necessário. Porém, não deixamos de enfatizar a necessidade de contextualização científico-histórico-geográfica do desenvolvimento teórico de cada autor.

Vale ressaltar também que todos os diagramas e tabelas que se encontram durante o texto, a fim de sintetizar ou elucidar as teorias desenvolvidas, foram retirados das obras de seus respectivos autores ou comentadores, enquanto os termos e conceitos que são de uso específico dos mesmos se encontram destacados em itálico em sua primeira aparição durante o texto, salvas as citações diretas e indiretas que seguem às normas de padronização textual.

Por uma questão de escopo, será apenas abordada a história arqueológica do conceito de mito e não de outros conceitos correlativos como conto de fadas, fábula, lenda, religião, folclore etc. Apesar de todos esses conceitos estarem imbricados, o foco deste projeto é o mito. Seriam necessários provavelmente outros trabalhos particulares para abordar o desenvolvimento histórico-etimológico-cultural de cada um desses conceitos e, consequentemente, ainda outro capaz de conectá-los, se possível. No entanto, o leitor poderá se deparar com esses outros termos no

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decurso da pesquisa, principalmente no que concerne à distinção realizada pelos próprios autores. Assim, eles serão utilizados apenas por uma necessidade de compreensão dos desdobramentos dos conceitos desenvolvidos pelos autores em questão, ou do próprio caráter etimológico-evolutivo do termo mito.

Retornando ao plano de trabalho, na Parte II, que foca na segunda faceta de nosso objetivo, tendo como fundamento a história do conceito de mito na Grécia Antiga e nas Ciências Modernas, desenvolvida primeiramente, buscou-se contribuir com uma visão introdutória fenomenológica peirciana do mito, evidenciando a onipresença e a inter-relação das categorias universais da experiência no fenômeno em questão, ou seja, os seus aspectos de espontaneidade positiva e criativa (Primeiridade), de reação e existência (Secundidade) e de regularidade e continuidade infinita (Terceiridade).

Charles Sanders Peirce, em si, não possuía um interesse concreto ou evidente pela mitologia, que aparece somente em seu trabalho ora sob um argumento crítico contra as interpretações evolucionistas, como as teorias de E. B. Tylor e H. Spencer; ora como resultado de inferências dos chamados “homens primitivos”; ora como um conhecimento antecessor da filosofia; ora como ilustração de exemplo. Todavia, este fato não nos impede de beneficiarmos da importância de tal pensador para dar continuidade ao seu pensamento dentro do campo do mito, também expandindo-o nas ciências mitológicas.

Porém, devido à abrangência do pensamento peirciano, acreditamos que ele possui um alto potencial para desemoldurar o fenômeno mítico e simultaneamente abrir um espaço para o diálogo entre as diferentes perspectivas a respeito do mito – guardadas as suas devidas bases epistemo-ontológicas –, além de elucidar o fenômeno em diferentes níveis, de suas manifestações a seus efeitos, sem desconsiderar a realidade que conforma e determina-os. À semelhança do argumento de Dumézil que apresentamos anteriormente, Peirce também enfatiza a necessita de um rico estudo preliminar ante de qualquer avanço teórico:

O que eu recomendaria é que toda pessoa que deseja formar uma opinião sobre problemas fundamentais, antes de tudo, faça um levantamento completo do conhecimento humano, deva tomar nota de todas as ideias valiosas em cada ramo da ciência, deve observar em que respeito cada uma foi bem-sucedida e onde falhou, a fim de que, à luz do profundo conhecimento assim obtido dos materiais disponíveis para uma teoria

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filosófica e da natureza e força de cada uma, ela possa proceder ao estudo de qual problema consiste a filosofia e da maneira correta de resolvê-lo. Não devo ser entendido como esforçando-me para afirmar completamente tudo o que esses estudos preparatórios deveriam abranger; pelo contrário, proponho propositalmente muitos pontos, a fim de dar ênfase a uma recomendação especial, a saber, fazer um estudo sistemático das concepções a partir das quais uma teoria filosófica pode ser construída, a fim de determinar que lugar cada concepção pode ocupar apropriadamente em tal teoria e para que usos ela é adaptada. A Fenomenologia de Peirce, como fundamento do pensamento teórico, tem como objetivo revelar os traços universais do fenômeno ao retirá-lo da ubiquidade dos elementos que o constitui, por meio de uma primeira contemplação do fenômeno, vendo o que está diante dos olhos, tal como se apresenta, sem nenhum julgamento; 2) decompondo-o as suas aparências, de modo a retirar dele as categorias que o constituem, detectando todos os seus inúmeros “disfarces”; e 3) recompô-las, a fim de novamente integrar uma unidade que pode ser generalizada e compreendida por outros.

Isto posto, se torna explícito o uso de tal teoria para uma abordagem inicial do mito. Assim, tal como o fundamento de sua filosofia, utilizaremos a teoria fenomenológica peirciana como o alicerce arquitetônico para nortear os argumentos de nosso trabalho, a fim de permitir o mito fluir entre o conhecimento, tal como demanda sua natureza. Desta forma, pretendemos libertar, de certo modo, o mito das suas amarras teóricas, haja vista que, em sua maioria, por um lado, tentam contê-lo e restringi-lo a um determinado sistema ímpar e, por outro, colocam-no em sistemas irrestritos de definições amplas ou indefinidas que equivale a não ter definição alguma.

Por último, cabe a conclusão desta introdução uma ressalva. Não se trata ainda do “tempo da colheita”, usando uma metáfora peirciana, pois nosso estudo se encontra em fase inicial, na aração. Estendendo a metáfora, apenas fazemos o trabalho da formiga que está colhendo as sementes para sobreviver a mais um inverno. Sementes essas que instigam o nosso conhecimento. A terra está sendo preparada para o plantio das sementes teóricas do mito, a fim de colher futuramente os frutos propiciados pela evolução do próprio conhecimento. Concomitantemente, o mito continua a florescer em nossa sociedade – explícito ou implicitamente –, fluido, nômade, invadindo dimensões até então desconhecidas. Cabe a nós, interessados e investigadores de tal fenômeno, continuar o cultivo do mito, a fim de mantê-lo vivo,

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utilizando os resultados de seu estudo para não somente o avançar da cultura e do homem, mas do próprio conhecimento.

PARTE I

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1 O CONCEITO DE MITO NA GRÉCIA ANTIGA

Segundo Calame, quando utilizamos a palavra mito, corremos um risco duplo:1 ora o de conferir um valor histórico ou universal a uma categoria recente por meio da sanção da palavra grega, ora a de projetar uma noção moderna no passado para o seu correlato antigo, que, em realidade, acaba por ser antes um reflexo do pensamento antropológico ocidental moderno do que propriamente um termo grego e, consequentemente, estabelece-se a noções de mito como uma forma ou modo de pensamento. O autor defende que somente a arqueologia dos usos de tal palavra – i.e., μῦθος (mýthos) – na Grécia Arcaica e Clássica pode nos revelar seu o significado de fato.

Assim, concordando com Detienne, “é na história grega, do homem grego, que devem ser buscados os traços fundamentais que explicam o abandono voluntário do mito”,2 que não se encontram nem em um “milagre grego” ou na decadência do “pensamento mítico”, que geram dicotomizações inválidas tal como Nestle (1865 – 1959) imaginava:

Mythos e Logos – nestes termos, denotam dois pólos entre os quais oscila a vida mental do homem. A imaginação mítica e pensamento lógico são opostos. O primeiro é imagético/pictórico e involuntário – cria e se forma na base do inconsciente –, enquanto o outro é conceitual e intencional – analisa e sintetiza pelos modos da consciência.3

Apesar de nenhuma etimologia ter o privilégio da infalibilidade,4 o μῦθος (mýthos) surge como um discurso sustentado pela lógica da ambiguidade, em que “nenhum homem sabe perfeitamente [...] se está do lado da verdade ou do lado da mentira”5 – essencial na lógica da contrariedade do mito – mas que, simultaneamente, geram- se “Mestres da Verdade”, ou seja, mestres do engodo que, detentores de um poder político ou mnemotécnico, se tornam capazes de utilizar os seus discursos como fonte de enganação e dominação sobre outrem. Porém, por um processo “emancipatório” da sociedade grega que tende a desligá-la da tradição vinculada à mera submissão ao plano do invisível divinizado e representado nas figuras de poder, o conceito de μῦθος (mýthos) também passa por um processo de transformação que pode ser observado, principalmente – mas não unicamente –, à luz de três perspectivas complementares: 1) etimológica, baseada nas mudanças semânticas do emprego do termo na épica às primeiras críticas da filosofia e historiografia face ao discurso autoritário ligado ao maravilhoso; 2) histórica, relativa

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ao contexto grego político-social-religioso emergente no século VI a.C. – mas que tem rastros desde o séc. VIII a.C. – que faz abandonar as formas predecessoras de organização e função social oligárquicas; e 3) epistemológica, conforme a inserção de uma lógica não mais baseada na ambiguidade de um discurso ordálico, mas na comprovação e uso de evidências empíricas do discurso positivo, com os primeiros físico-cientistas pré-socráticos e o borbulhar do pensamento filosófico decorrente.

Lincoln6 aponta que μῦθος (mýthos), tanto em Hesíodo de Ascra quanto em Homero, se relaciona com “um ato de sinceridade contundente e agressivo, proferido por homens poderosos no calor da batalha ou em assembleia agonística”, ou ainda nas declarações de juízes e testemunhas honestas, forçando a concordância do submisso em relação àquele que profere o discurso autoritário sob o pressuposto de que o proferido é algo que deve ser acreditado ou/e obedecido e cuja única exceção se encontra no discurso das Musas no início da Teogonia7 – como aponta Detienne, tais formas de poder político e práticas judiciárias, inicialmente, estavam atreladas a uma natureza mântica,8 em que os reis justiceiros não se utilizam de provas positivas para os julgamentos, mas repousam seu conhecimento na mesma característica dos poetas de caráter ordálico.

Figura 02 – A relação entre mýthos e lógos em Hesíodo segundo Lincoln (1999, p. 13).

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Tabela 01 – O uso de μῦθος (mýthos) em Hesíodo segundo Lincoln (1999, p. 16).

Lincoln sustenta sua tese no estudo feito por Martin,9 que tabela os usos – substantivos e verbais – do radical μυθ- (mýth-) na Ilíada, em que 155 das 167 ocorrências do termo - correspondente a aproximadamente 93% – referem-se a propostas marcantes e comandos ou situações de ameaça ou orgulho. Em outras palavras, o μῦθος (mýthos) se relaciona ao discurso de “um guerreiro vanglorioso que reivindica poder sobre seus oponentes”,10 implicando assim autoridade e poder.

A existência dessas outras doze ocorrências torna contestável, porém, afirmar que a palavra μῦθος (mýthos) se associa essencialmente a uma posição de autoridade – ocupada geralmente por homens – ou que sua utilização se restringe às ocasiões agonísticas, uma vez que tanto o uso da palavra μῦθος (mýthos) não é de uso exclusivo das autoridades ou dos homens, como também a restrição dos contextos impede sua avaliação precisa; visto que tanto a Ilíada e a Odisséia de Homero quanto a Teogonia e Os trabalhos e os dias de Hesíodo tratam ora de contextos bélicos e de batalhas, ora são recheadas de inúmeros episódios agonísticos ou de assembleias que limitam a compreensão do emprego das palavras aos seus próprios contextos, mas que, por sua vez, não devem ser levados em consideração como restrições únicas de uso, apesar de Martin reivindicar uma análise dos “contextos exatos, associações e disjunções em que essas palavras desempenham um papel”.11 O mesmo poderia se dizer a respeito do uso do μῦθος

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(mýthos) nessas obras ao compará-lo com o caráter polissêmico dos significados dos ideogramas orientais ou ainda dos hieróglifos sem levar em consideração o contexto em que foram utilizados e se desenvolveram, ou seja, no âmbito literário- poético-religioso. Esse ponto se torna mais claro quando o μῦθος (mýthos) passa a ser utilizado em contextos com significados mais restritos no desenvolvimento da filosofia grega e se afasta da polissemia, ou seja, “na libertação dos signos fora da sua sacralização semântica”.12

A palavra μῦθος (mýthos), em realidade, parece apenas carregar o que propriamente significa, ou seja, mesmo que envolta primeiramente nas narrativas épicas, ela nos sugere apenas a acepção de “palavra(s), um discurso, uma proclamação, uma fala, dar a conhecer uma notícia”. Gadamer concorda com este ponto ao dizer que “no uso linguístico, nada indica que esse discurso chamado mýthos fosse acaso particularmente pouco fiável ou que fosse mentira ou pura invenção, e muito menos que tivesse algo a ver com o divino",13 como posteriormente será atribuído em contraposição ao conceito de λόγος (lógos). Por vezes, o μῦθος (mýthos) também aparece no mesmo sentido que πρόσφημῐ (falar), se referindo a “algo que é dito”, sem carregar um sentido inerente qualificativo positivo ou negativo. Para tal, μῦθος (mýthos) – como também λόγος (lógos) – deve estar conectado a algum termo que qualifique o seu discurso, como os termos ἔτελλε14 (ételle, severo) e ἠπείλησεν15 (ḗpeilēsen, ameaçador), por exemplo. Da mesma forma, a correlação de μῦθος (mýthos) com falsidade e λόγος (lógos) com verdade não se torna plausível durante o período das épicas, uma vez que μῦθος (mýthos) pode estar conectado a termos tanto que expressam uma verdade – ἀληθέα μυθήσασθαι16 (alēthéa mýthḗsasthai, discurso verdadeiro/verdade), ἐτήτυμα μυθησαίμην17 (étḗtuma mýthesaimen, discurso verdadeiro), que, da mesma forma, aparece posteriormente também associada à palavra λόγος (lógos), em Eurípides (λέγεις ἐτήτυμα, légeis étḗtuma)18 – quanto à mentira, dúvida – μύθοισιν σκολιοῖς19 (mýthoisin skoliois, palavras torcidas, duvidosas). Inclusive, estes termos – μῦθος (mýthos) e λόγος (lógos) – aparecem como equivalentes em alguns casos, junto com ῥῆμα (rhêma) e ἔπος (wépos), ambas também relacionadas à sentença, palavra, discurso, mas especialmente a segunda – ἔπος (wépos) – também se relaciona aos chamados poemas épicos e à música, justamente porque em parte as narrativas nesse período eram cantadas, transmitidas oralmente pelos ἀοιδᾰ́ (aoidá,

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aedos). Nas palavras de Veyne20, “o mito era um tertium quid, nem verdadeiro, nem falso”. Apesar de não representar uma polaridade, mas sim um sentido de complementaridade, Martin diferencia μῦθος (mýthos) de ἔπος (wépos) em que enquanto a primeira equivale a “um discurso-ato de fala que indica autoridade, executado extensamente, geralmente em público, com foco em toda a atenção a cada detalhe”, o segundo é utilizado “como um enunciado, idealmente curto, acompanhando um ato físico e focando na mensagem, como percebido pelo destinatário, e não no desempenho como apresentado pelo orador”.21

Ademais, etimologicamente, μῦθος (mýthos) possui uma conexão com os termos μύω (múō), μυέω (muéō) e μύζω (múzō)22, mesma raiz de μύστης (mústēs), ou seja, “aquele que é iniciado, geralmente em um ritual”, que também dá origem a μυστήριον (mustḗrion), isto é, “mistério, segredo, ritual secreto”. Sob essa abordagem etimológica, o mito estaria conectado a um ritual no qual “as coisas são vistas/ditas de outro modo” ou que “nada poderia ser dito/visto” (μυέω/μύω/μύζω) exceto pelos próprios iniciados; e também correlata a uma mesma raiz no sânscrito que dá origem a palavra मूक (muka) e no latim com mutus, ou seja, silêncio, mudo. Para Pokorny,23 μῦθος (mýthos) deriva das raízes protoindo-europeias *mēudh-, *mǝudh-, *mūdh- e significa “se importar, preocupar-se ou reclamar de algo”. A raiz *mūdh-, por exemplo, dá origem à palavras como “falar, pensar”, possuindo uma semelhança equivalente aos primeiros significados da palavra μῦθος (mýthos) para os gregos. Outros autores24 também comparam a palavra mito com a raiz *myslь (ideia, mente, pensamento) do protoeslavo. Hjalmar Frisk25 vai ainda mais longe e aponta relações onomatopeicas com a sílaba interjetiva μῡ (mý) e μυμῡ (mymý). Neste sentido, μῦθος (mýthos) parece se contrastar, em realidade, com o termo ἔργον (érgon)26, ou seja, “um trabalho, uma tarefa ou ação, ou mais especificamente, um discurso que envolve uma ação”. Porém, apesar da argumentação pragmática de tais estudos, torna-se difícil definirmos tais rastros etimológicos como definidores dos significados do termo, uma vez que não possuímos registros escritos de tais períodos e nos atemos ao cruzamentos de dados das línguas atuais, o que também pode estar conjuntamente carregado de concepções culturais prévias sobre significados especulativos.

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Para Calame,27 por exemplo, os gregos careciam de um termo para o qual nos referimos ao mito como uma narrativa de deuses, destacando os termos τἀ παλαιά ou τἀ αρχαία como os mais próximos para se referir a estes “eventos ou coisas passadas” precedentes ao καινᾰ́ (kainá). Calame mostra num breve estudo sobre o uso dos termos μῦθος (mýthos) e λόγος (lógos) nas obras de Isócrates (436 a.C. – 338 a.C.) que enquanto o termo μυθολογείν (mytholein) refere-se à utilização de um narrativa passada para explicação e consequente legitimação de um argumento por “lógica”,28 o mito se constitui a partir de uma lógica natural – em contraste com a lógica formal –, dada pela persuasão de um discurso que visa não só transmitir conhecimento, mas que leva à ação, marcada pela presença de seu orador. É uma forma de discurso mais informal e figurativo “não é menos lógico, nem menos ‘racional’ do que o discurso racional ou teórico”;29 é dependente dos diferentes regimes de inteligibilidade ou práticas de inteligibilidade vinculadas às referências culturais de seu ouvinte baseadas nos παλαιᾰ́ (palaiá), dos quais deve-se entender o emprego das formas simbólicas e o uso de metáforas como um ambiguidade que subjaz em sua forma discursiva de λόγος (lógos). Assim, para Calame, esses dois discursos não devem ser entendidos como diferentes modos de pensamento, mas como modos de discurso e, portanto, μῦθος (mýthos) e λόγος (lógos) são indistinguíveis, em que “o μῦθος [mýthos], no caráter de argumento, se encaixa simplesmente no pensamento dedutivo articulado pelo λόγος [lógos]”,30 tal como afirma Vernant:

Mythos é da ordem do legêin, como o indicam os compostos mythologêin, mythología, e não contrasta inicialmente com os logoí, termo cujos valores semânticos são vizinhos e que se relacionam às diversas formas do que é dito.31

Para um início da suposta dicotomia a ser instaurada posteriormente entre μῦθος (mýthos) e λόγος (lógos), Xenófanes de Cólofon (c. 570 a.C. – c. 475 a.C.) parece ser o primeiro filósofo a se contrapor principalmente à imagem mítica tradicional antropomorfizada32 e teriomórfica dos deuses homérico-hesiódicos, argumentando que animais também produziriam deuses semelhantes às suas formas – se o pudessem fazer – e defendendo a unicidade divina,33 mas que, simultaneamente, também reconhece uma certa importância em Homero.34 Ademais, o jônico acusa os poetas gregos de associarem as ações transgressoras humanas, como o adultério, roubo e o engano mútuo aos deuses,35 provavelmente em concordância

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com a mesma “animalidade” referenciada no excerto citado anteriormente e que não corresponderia à uma imagem do divino, que, segundo sua concepção “estaria acima de todos os deuses e homens” e em nada se assemelha com os mortais36 – Eliade aponta que tal crítica também é retomada pelos apologistas cristãos.37 Em Xenófanes, a palavra μῦθος (mýthos) aparece em um único fragmento dos coletados como εὐφήμοις μύθοις (eýphēmois mýthois, palavras piedosas/de bom augúrio) ao lado de καθαροῖσι λόγοις (katharoisi lógois, palavras puras),38 em que tal “oposição entre o ‘mítico’ e o ‘racional’ pôde resultar apenas em uma radicalização dos limites humanos do conhecimento”.39 Ou seja, nada se pode conhecer ou discorrer a respeito do divino, mas deve-se respeitá-lo e utilizar as palavras para reverenciá-los, ao contrário das narrativas sobre os Titãs e os Gigantes da mitologia homérica-hesiódica como não dignas de louvor, em que o jônico se utiliza da expressão πλάσματα τῶν προτέρων (plásmata tṓn protéron, ficções dos tempos antigos)40 para referi-las. Mesmo que o termo λόγος (lógos) esteja associado à ideia de purificação, μῦθος (mýthos) tem um sentido praticamente neutro no contexto.

Já Píndaro (c. 522 a.C. – c. 443 a.C.) deixa algumas dúvidas em relação à abordagem das narrativas gregas,41 apesar de tratar com respeito os deuses.42 Em relação ao uso do termo μῦθος (mýthos) em suas obras, este somente aparece em três trechos de suas odes com uma conotação negativa, incluindo uma crítica às narrativas homéricas, como uma fala enganadora “αἱμύλων μύθων ὁμόφοιτος, δολοφραδής, κακοποιὸν ὄνειδος” (aimýlon mýthon homophoiros, dolophradēs, kakopoihon hóneidos – companheira de aduladoras histórias, mente astuta, nociva desgraça), criticando de modo semelhante ao que Xenófanes condena e Heráclito, posteriormente, nos cultos e na tradição grega. Ainda, nas Odes Olímpicas,43 Píndaro contrapõe os termos μῦθοι (mýthoi) e λόγον (lógon), dizendo que as mentiras advindas das fábulas ludibriam com ψεύδεσι ποικίλοις (pheýdesi poikilois, mentiras multicoloridas) a mente para além da verdade, em oposição ao enaltecimento dos louvores aos vencedores dos Jogos pelo ἀλαθῆ λόγον (álathê lógon).44 Da mesma forma, ilustrando tal argumento, nas Neméias,45 Píndaro critica o enaltecimento indevido do πολυμήχαν (polymḗchan) Ulisses sobre Ajax, de quem a reputação foi roubada e abandonada na Λήθη (Aēthe) – complementar da Μνημοσύνη, ambos característicos do discurso mágico-religioso –, levando-o ao suicídio.

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De modo semelhante, em Heródoto de Turioi (c. 484 a.C. – c. 425 a.C) o termo μῦθος (mýthos) ocorre duas vezes nas Histórias,46 relativos às narrativas e aos cultos egípcios, também em contraposição ao uso positivo do λόγος (lógos), que atribui aos seus próprios discursos. Porém, ele reconhece nessas mesmas narrativas um aspecto sagrado (ἱρὸς λόγος, iphós lógos)47 que é contada pelos gregos de forma irrefletida (ἀνεπισκέπτως, ánepisképtos),48 que as tornam εὐήθης (eýḗthēs, insensata/inocente/absurdo), necessitando a sua rejeição, assim como também diz a respeito da teoria grega do processo de inundação do Nilo49 como ἀφανὲς (áphanés, invisível), não podendo ser comprovada nem refutada, pois o rio Ὠκεανός (Okeanós), de Homero e Hesíodo, responsável pelas cheias, não existe. Como aponta Detienne50 também em Píndaro,

o ‘mito’ também não é um objeto; é apenas um simples resto, às vezes rumor excitado, palavra de ilusão, sedução enganadora, às vezes narrativa incrível, discurso absurdo, opinião sem fundamento. O ‘mito’ permanece apenas uma palavra, como um gesto apontando o que ele denuncia como incrível, o que ele repele ou descarta. Representação do outro que produz um movimento de escândalo.

Ou seja, aqui já parece se encontrar um indício do início da mudança em que a palavra μῦθος (mýthos) é associada ao discurso do outro, de narrativa alheia advinda de uma ilusão relativa ao desconhecido – diferente de παλαιά (palaiá), que diz respeito a eventos e não narrativas –, que, por outro lado, em Hecateu de Mileto (550 a.C. – c. 476 a.C.) – atribuído como mestre de Heródoto –, ao se referir à sua própria obra Γενεαλογίαι (Genealogiai, Genealogias), a denomina um μῦθος (mýthos) que busca a verdade (δοκεῖ ἀληθέα εἶναι, dokei álethéa einai) em contraposição às muitas histórias helênicas (Ἑλλήνων λόγοι πολλοί, Ellḗnon lógoi polloi)51 compostas de inúmeros elementos risíveis.

Porém, como aponta Detienne, “o mito ainda não passa de um lugar-narrado [lugar-chamado] (lieu-dit), um sítio longínquo, apenas indicado”,52 que somente passa a designar um saber ou discurso autônomo no final do século V, com as atividades prosaicas dos chamados λογογράφος (logográphos) ou λογοποιοί (logopoioi), como é atribuído à Esopo (620 a.C. – 564 a.C.), cuja obra Αἰσώπου Μῦθοι (Aisópou Mýthoi) é traduzida como As fábulas de Esopo, e que terá seu teórico mais intransigente53 ao uso do μῦθος (mýthos), Tucídides.

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Tucídides (c. 460 a.C. – c. 400 a.C), em Guerra do Peloponeso, se utiliza de uma nova palavra para definir aquilo que considera maravilhoso, fabuloso ou “mitoso”: μυθῶδες. O “historiador” “inventa um modelo de ação política”,54 que não deve fazer nenhuma referência às narrativas antigas exceto para ilustrar o modelo apresentado, de modo a colocar o seu papel como ideal de chefe político. Ao contrário de seus contemporâneos, como Antíoco de Siracusa (c. 420 a.C.),55 Tucídides condena o discurso mítico tanto por se vincular à memória, que é falível ipso facto, quanto a credulidade do discurso sem questionamento de suas comprovações (ἑτοῖμα, étoima), ambas advindas da reprodução da eficácia de um discurso prazeroso (ἡδονή, ḗdonḗ) dos poetas e λογογράφος (logográphos), que buscam obter a aceitação do ouvinte ao invés da verdade por meio da oratória – ponto refutado por Detienne56 – e, consequentemente, com o passar dos anos, comprometem a verdade dos fatos.57

Para além dessa eficácia do discurso mágico-religioso, Detienne58 também aponta na potência qualitativa religiosa a inerência de uma ação associada à sua realização, a sua atemporalidade – em que parece não haver uma clara distinção entre um tempo histórico-concreto e um illo tempore do divino – e o privilégio de uma função sociorreligiosa que se justificam fora da esfera humana e restringe seu acesso a poucos – reis justiceiros, oráculos e poetas. Assim, a “essência de um mito não é a de ser conhecido por todos, mas de ser considerado como se o fosse, e digno de sê-lo”59 –– o que também é confirmado posteriormente por Lévi-Strauss60 – , ou seja, fazer parte de uma memória coletiva e, assim, possuir uma autoridade desconhecida ao nível da Πίστις (Pistis) e Πειθώ (Peitó),61 como já advertido pelas Musas62 e sabido pelos poetas, que também apenas repetem o que já é conhecido, podendo este ser verdadeiro ou não – o que Veyne atribui anacronicamente à uma função pragmática do discurso entre o poeta e o ouvinte63 –, tornando-o responsável por preservar e transmitir o conhecimento tradicional por meio do discurso – apesar da utilização paralela de exaltação da nobreza que perde forças com o desenvolvimento das cidades-Estado.

Assim, o mito, apesar de possuir um núcleo autêntico, como possibilidade de verdade ou falsidade, começa a entrar em conflito na relação de forças entre o candor do público e a crítica dos doutos, entre as superstições populares e a

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utilização “ideológica” ou retórica da mitologia por parte dos eruditos. Posteriormente, durante o período helenístico, a mitologia, aos poucos, tornou-se uma forma literária cujo domínio cognoscível se restringia a poucos, necessitando, assim, um esforço cultural que afastava-a do povo, tornando-a apenas algo ensinado nas escolas e aos letrados – o que correspondia a uma pequena parcela da população –, bem como a secularização da poesia como ofício, por Simonedes de Ceos (556 a.C. – 468 a.C.).

Ademais, para Veyne,64 antes de uma crítica às crenças religiosas ou um florescimento das cosmologias físicas-filosóficas pré-socrática, a crítica dos mitos advém dos métodos de pesquisa que estavam em emergência com os primeiros “historiadores” e “mitógrafos” que ganhavam notoriedade – paralelo ao desenvolvimento da escrita – ao mostrar inconsistências de mitos nacionais em relação aos mesmos de civilizações próximas, tal como fez Heródoto. Além disso, as formas decadentes do sistema oligárquico vigente dos reinos micênicos e a ascensão das assembleias democráticas na πόλις (pólis) resultaram em certa insubmissão e na incredulidade dos discursos que originalmente dependiam de outro detentor do conhecimento e da verdade, como se pode confirmar no sentido da palavra μῦθος (mýthos) nas teses de Lincoln e Martin, discutidas inicialmente, bem como no desenvolvimento das cidades e na propagação da filosofia na ἀγορά, como resultado de uma reflexão moral e política emergente.

Por conseguinte, o interesse pelo estudo dos mitos, na Grécia, começou a ter destaque por volta do século VI e V a.C. com os historiadores, mitógrafos e filósofos. Além de Hecateu, Heródoto, destacam-se também Acusilau de Argos (c. séc VI a.C.), Ferécides de Leros ou Atenas (c. 450 – 400 a.C.) e Helânico de Mitilene ou Lesbos (c. 490 a.C. – c. 400 a.C.) como alguns dos coletores de mitos que começaram suas investigações buscando narrativas míticas regionais e conciliando-as, na tentativa de traçar uma cronologia dos eventos históricos e lendários que permeavam a cultura grega. No entanto, diferente do pensamento que cinde história e mitologia, tais autores estavam mais preocupados em registrar e encontrar concomitâncias temporais entre as personagens e os eventos de diferentes narrativas ao invés de analisar e interpretar os mitos em seu caráter estrutural ou simbólico. Foi somente por volta do século III e II a.C., que começaram

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a surgir coletâneas e manuais de mitos, alguns já categorizados de acordo com sua temática, como o Καταστερισμοί (Katasterismoi, Transformações em astros) de Erastótenes de Cirena (c. 276 a.C. – c. 195/194 a.C.), além de autores como Partênios de Nicéia (c. séc. I a.C.), Nicandro de Cólofon (c. séc. II a.C.) e Apolodoro de Atenas (c. 180 a.C. – c. 120 a.C.). Este último autor, em particular, é tido como o responsável por agrupar inúmeros mitos gregos que vão desde as narrativas gregas cosmogônicas até a Guerra de Tróia numa obra intitulada Βιβλιοθήκη (Bibliotḗkē, Biblioteca). Outras obras importantes compostas por aglomerados de mitos e informações regionais que vale ressaltar são a Ἑλλάδος Περιήγησις (Elládos Perinḗlēsis, Descrição da Grécia) de Pausânias (c. 110 d.C. – c. 180 d.C.) e, posteriormente na era bizantina, o Chiliades de Ioannis (1110 – 1180) e Isaac Tzétzes (c. séc. XII – 1138). O ápice desses registros culminou nas interpretações racionalistas do mito com Evêmero (c. 330 a.C. – c. 260 a.C.) e Diodoro Sìculo (c. 90 a.C. – c. 30 a.C.), por exemplo. Como resultado dessas investigações sobre os mitos, o μῦθος (mýthos) “converteu-se numa palavra ligeiramente pejorativa que qualifica uma tradição suspeita”,65 como “o mito diz que...”, “conta-se no mito que...” ou “segundo o mito…”, tal qual aparece em Demócrito de Abdera (460 a.C. – 370 a.C.) como μυθοπλαστέοντες (mythoplastéontes, fabricações de mitos)66.

Outro ponto relevante e relativo às mudanças sociais é apontado por Detienne como processo de laicização.67 O autor vê na partilha do butim – cujos espólios, as desditas pessoais de guerra pertencentes aos heróis,68 se tornam objetos comuns, “públicos”, de partilha na assembleia – nos jogos fúnebres – onde as regras são respeitadas igualmente por todos – e nas assembleias deliberativas dos guerreiros – em que, ordenadamente, um guerreiro se coloca como autoridade discursiva momentânea no centro da assembleia, mas ainda em posição de igualdade e reciprocidade em relação aos demais – a formação de um plano pré-político em que o poder da palavra perde o privilégio centrado dos poderes religiosos que transcendem sua natureza e a publicidade e a comunhão se desenvolvem como aspectos complementares da centralidade,69 iniciado na época micênica até o que ele denomina reforma hoplita, como “produto e agente de estruturas mentais novas”,70 com a formação da πόλις, sob o ideal da Isonomía. Assim, opõem-se absolutamente dois tipos de discurso, o discurso mágico-religioso e o discurso- diálogo, em que

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o primeiro é eficaz, intemporal; é inseparável de condutas e valores simbólicos; é privilégio de um tipo de homem excepcional. Ao contrário, o discurso-diálogo é laicizado, complementar à ação, inserido no tempo, provido de autonomia própria e ampliado para as dimensões de um grupo social.71

Ademais, um último indício da mudança do mito advém de uma inteligibilidade científico-filosófica dos fenômenos que desencadeou o desenvolvimento do pensamento ocidental, como rejeição da explicação pelo sobrenatural – vista na substantivação e objetivação pelo emprego do artigo τό (tó)72 – em prol de um pensamento positivo e abstrato, e como a ruptura da lógica ambivalente na busca por uma coerência interna do discurso, por meio da “definição rigorosa de conceitos, uma nítida delimitação dos planos do real e uma estrita observância do princípio de identidade”.73 Seu início, segundo Aristóteles,74 remete ao século VI a.C. com a Escola de Mileto, principalmente no que concerne a Tales (c. 624 a.C – c. 546 a.C.), estabelecendo a água como φύσις (phýsis), ou seja, um princípio ativo de todas as coisas do universo, a doutrina do hilozoísmo. Curioso, no entanto, que o milesiano ainda utiliza os deuses para expressar seu pensamento, principalmente visto na frase que lhe atribuem “tudo está cheio/pleno de deuses”.75 Eliade, por exemplo, propõe76 uma insurgência de Tales contra a concepção homérica de localização cósmica do divino, mas que, apesar dos poucos fragmentos de Tales se localizarem nas obras de terceiros – e segundo suas interpretações – e porque a noção de divino para os gregos do período homérico-hesiódico se encontra além de uma sistematização cosmológica, parece-nos uma questão de mudança da filiação genealógica a um paradigma ontológico, constitutivo do ser, do que espacial, tal como defendido por Vernant77 – da γένεσις (génesis) do mito à φύσις (phýsis) monista. Apesar da proposta de Tales se instaurar como o que posteriormente foi denominado um pensamento científico-filosófico ou uma ontologia não-teológica – mas que segundo Veyne configura uma tese alegórica e química78 –, ao propor “uma nova visão de mundo cuja base racional fica evidenciada na medida mesma em que ela é capaz de progredir, ser repensada e substituída”79, também considerada um esboço de diferenciação com o pensamento mítico, é notável ainda a utilização dos mitos, mesmo que tomada de forma poética-pedagógica, como a expressão de um pensar filosófico do período.

Com os eleatas, Parmênides de Eleia (c. 530 a.C. – 460 a.C.), Zenão de Eleia (c. 490 a.C. – c. 430 a.C.) e Melisso de Samos (470 a.C. – 430 a.C.), por exemplo, em

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contraste com o pensamento anterior dos monistas, que se delimitavam à um conhecimento sensível instável devido à multiplicidade de opiniões, o paradigma modificou-se para o das formulações ontológicas com o objetivo de chegar à verdade (ἀλήθεια, álḗtheia) por meio de um conhecimento lógico racional. Em Parmênides, por exemplo, “seu idealismo vigoroso exige que as narrativas da antiga mitologia sejam relegadas ao deserto do não-ser”,80 cuja doutrina do Ser deveria abstrair-se, pois os mitos ainda se encontravam vinculados à uma verdade invisível e divinizada,81 tal como na inspiração musal, e que, no entanto, deveriam também ser demonstradas a fim de chegar à verdade82 – por mais paradoxal que tal relação seja, visto que a “direção” à verdade era dada pelo divino, mas o esforço reflexivo, por meio do λόγος (lógos), que leva à conclusão e distinção das opiniões, dependia daquele que recebia a palavra (μῦθος, mýthos).

Ademais, em Heráclito de Éfeso (c. 535 a.C. – c. 475 a.C.), apesar de sua obra se constituir de fragmentos – o que dificulta as afirmações e expande as suposições –, a palavra μῦθος (mýthos) não aparece em nenhum dos seus aforismos coletados – tendo em vista o extenso uso do termo λόγος (lógos) –, além de uma desvalorização tanto à produção poética grega – exceto Bias de Priene83 (c. 600 a.C. – c. 530 a.C.) – quanto à algumas práticas religiosas,84 principalmente as relacionadas aos cultos a Apolo85 e Dionísio,86 critica ora Homero87 ora Hesíodo,88 e também questiona pensadores como Hecateus, Pitágoras e Xenófanes.89

Em outras palavras, com o desenvolvimento do pensamento filosófico entre os gregos pré-socráticos, parece que se tornou necessária uma diferenciação do termo para a construção dos argumentos que estavam em desenvolvimento no período, fazendo com que, inclusive, alguns escritores, poetas e filósofos evitassem o emprego do termo μῦθος (mýthos) até a ausência de seu uso. A visão diante do mito passou a ter uma abordagem crítica da linguagem – a respeito do seu conteúdo e uso semântico – considerando o pensamento a partir de fundamentações e comprovações empíricas-históricas, e, consequentemente, mudando o paradigma do mitopoético para o teorizante, da narração para as investigações e especulações filosófico-científicas, mas que, simultaneamente, preservam ainda o elemento potencial do divino com forças atuantes.

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Consequentemente, há quem considere que o pensamento mítico passou a ser visto como uma forma de conhecimento predecessor à própria filosofia,90 em que o λόγος (lógos) se diferenciou do μῦθος (mýthos) “como a fantasia à razão, como a palavra que narra à palavra que demonstra”.91 Ou seja, a forma como o λόγος (lógos) passou a se apresentar, ora como a formulação de um juízo que possui uma relação lógica, ora como sofisma, pressupõe uma linearidade que contrapõe os pólos daquilo tido como verdadeiro ou falso numa lógica apofântica. Por outro lado, o μῦθος (mýthos) se relacionou àquilo que “atrai em torno de si toda a parcela do irracional existente no pensamento humano”,92 atribuindo-lhe uma natureza disforme, multilinear, em que a crença ou descrença em seu conteúdo é simplesmente critério dado pelo interlocutor a partir da verossimilhança presente na narrativa, mas não propriamente requisito essencial para sua constituição e formulação.

Assim, é visto que λόγος [lógos] e μῦθος [mýthos], que iniciam sua jornada juntos, ou em todos os casos separados por espaços muito pequenos, gradualmente se unem; o antagonismo entre eles se torna cada vez mais forte, até que, no final, eles se mantêm opostos um ao outro, como palavras não menos do que os homens devem fazer, quando eles pertencem, um para o reino da luz e da verdade, o outro para o da escuridão e da mentira.93

Porém, conforme se segue a “tradição filosófica”, tal separação entre μῦθος (mýthos) e λόγος (lógos) ainda permanece tênue demais, tomando rumos distintos – e determinantes para o conceito – principalmente com Platão e Aristóteles – o segundo em especial. Embora tal mudança não fosse essencialmente epistemológica, tendo em vista o aperfeiçoamento da escrita grega, ela ocasionou alterações nos próprios rumos do conhecimento, permitindo “o movimento do simbólico para o discurso racional, do antropomorfismo para a abstração, e da religião para a filosofia”,94 o que consiste no “milagre grego” – ideia vista no inglês (1863–1928) e refutada por Vernant95 e Detienne,96 por exemplo – da “transmutação racionalista da ontologia em lógica e da religião em moral”.97

Em síntese, ao passo que o discurso mágico-religioso da poética parece proteger a memória (μνήμη, mnḗmē) da sua própria cultura, simultaneamente, ele também parece pertencer e vincular-se ao privilégio de determinadas autoridades que detinham um poder ordálico. Portanto, as palavras e, mais especificamente, o μῦθος (mýthos) não são arbitrários, mas contextuais. Eles resistem às tentativas de

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imposição de significados arbitrários que retiram-os do seu uso semântico- discursivo. Desta forma, apesar de encontrar evidências nos seus primeiros empregos – e retomando a contra-argumentação da exceção – definir μῦθος (mýthos) somente como um discurso-ação autoritário é também restringir a palavra ao contexto e não deixá-la fluir conforme a qualidade de fluidez do próprio desenvolvimento dos discursos e do pensamento; “a ausência de um termo para ‘mito’ pode ser devido à natureza elusiva do fenômeno em questão”.98 É possível observar que as transformações da palavra-termo-conceito μῦθος (mýthos) são reflexos das mudanças em diversos níveis da própria sociedade grega e que, como Eliade sustenta, “se em todas as línguas europeias o vocábulo ‘mito’ denota uma ‘ficção’, é porque os gregos o proclamaram há vinte e cinco séculos”.99 Assim, restringi-la às suas primeiras determinações também é negar seu potencial transformador em favor dos contextos peculiares que as criam e, consequentemente, recair no mesmo paradigma evolutivo que delineiam uma trajetória do μῦθος (mýthos) ao λόγος (lógos), do mito à razão ou vice-versa. É um processo. Processo que trouxe relevância tanto para a filosofia – do poder do discurso sobre o real – quanto essencial para o pensamento persuasivo retórico e sofístico – do poder do discurso sobre outrem –,100 mas que também torna a própria linguagem um instrumento público de reflexão filosófica, de desenvolvimento das ciências históricas e literárias, e de uso na arte e na política.

Ao invés de tomar o uso de um Heráclito ou de um Platão para ser normativo, ex post facto, é preferível entender esse uso em seu momento apropriado, como nada mais (mas também nada menos) do que uma tentativa estratégica – e, em última instância, bem-sucedida – de redefinir e revalorizar os termos em questão. Assim, nossa visão dos lexemas "mýthos" e "lógos" deve se tornar mais dinâmica. Estas não são palavras com significados fixos (de fato, não existem tais palavras), nem seus significados mudaram glacialmente ao longo do tempo como resultado de processos impessoais. Ao invés disso, essas palavras, juntamente com muitas outras, eram os locais de pontuais e altamente conseqüentes disputas semânticas entre os regimes rivais da verdade.101

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2 ESTUDOS ANTROPOLÓGICOS

Segundo Boas,1 uma ciência antropológica se desenvolveu com os relatos e descrições dos povos estrangeiros e da vida de seus habitantes, partindo desde a época da antiguidade clássica com Heródoto de Turioi (c. 484 a.C. – c. 425 a.C), Caio Júlio César (100 a.C. – 44 a.C.), Tácito (54 d.C. – 120 d.C.); a Idade Média com Marco Polo (c. 1254 – 1324) e Ibn Battuta (Xemece Adim Abu Abdalá Maomé ibne Maomé ibne Ibraim Aluati Atani, 1304 – 1377); o século XVIII com Jean- Jacques Rousseau (1712–1778), Johann Christoph Friedrich von Schiller (1759– 1805) e Johann Gottfried von Herder (1744–1803); até em meados do século XIX com os escritos de Gustav Friedrich Klemm (1802–1867) e Franz Theodor Waitz (1821–1864). Nesse mesmo período, as pesquisas biológicas no sentido evolucionário de Charles Robert Darwin (1809–1882), Thomas Henry Huxley (1825– 1895) e Ernst Heinrich Philipp August Haeckel (1834–1919), principalmente voltadas ao problema da origem do homem, bem como os estudos psicológicos de Wilhelm Maximilian Wundt (1832–1920), começam a ganhar destaque e atingir outros campos do conhecimento.

Já, Lévi-Strauss considera Franz Uri Boas (1858–1942) e David Émile Durkheim (1858–1917) como os fundadores de uma teoria antropológica nos Estados Unidos e na França, respectivamente,2 enquanto Frazer considera Sir John Lubbock, Barão I de Avebury e Baronete IV (1834–1913), Sir Francis Galton (1822–1911) e Edward Burnett Tylor (1832–1917) como os fundadores da ciência antropológica.3 No entanto, Vermeulen enfatiza que “a história da antropologia foi escrita a partir de uma variedade de pontos de vista, dependendo do gênero, nacionalidade e perspectivas teóricas ou políticas”,4 que remontam suas origens ao evolucionismo inglês, ao Romantismo, ao Iluminismo, ao Renascimento, etc.

Segundo Vermeulen,5 aparecendo primeiramente entre os humanistas do Renascimento – apesar de já existir correlatos desde o período grego –, o termo antropologia surge na Alemanha em 1501, na França em 1516, na Itália em 1533 e na Inglaterra em 1593, como um termo polivalente. A antropologia era associada às áreas da medicina, história natural e teologia – como nos trabalhos de Magnus Hundt ou Magnus canis (1449–1519), Robert Céneau (1483–1560), Galeazzo Flavio Capella (1487–1537), Jean Boucher (1548–1646), Richard Harvey (1560–1630) e

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Otto Casmann (1562–1607) – ora como uma ciência filosófica da história natural do homem, de seus costumes e valores, ora uma doutrina da estrutura anatômica do corpo humano ou de sua natureza, até uma ciência geral do homem; em que na Alemanha, ao menos, a antropologia se dividia entre física, sagrada e moral, somente ganhando o seu significado moderno com os trabalhos de Johann Friedrich Blumenbach (1752–1840) e Immanuel Kant (1724–1804), e o desenvolvimento dos conceitos de etnologia (Völkerkunde) – provavelmente introduzido por August Ludwig von Schlözer (1735–1809) – e raça, ao final do século XVIII.

Concordando com Hoorn,6 Vermeulen mostra o desenvolvimento da antropologia a partir dos primeiros estudos realizados durante o Iluminismo (figura XX), dividindo entre 1) os estudos voltados para uma concepção antropológica vinculada à natureza humana, que culmina nos estudos de antropologia física; e 2) os estudos históricos-culturais, que desencadeará na antropologia social e os consequentes estudos do mito – apesar de Vermeulen discordar a origem da etnologia, como uma disciplina entendida nos moldes atuais, no Iluminismo.

Essa segunda linha de estudos – antropologia social –, em especial, teve como primórdios os estudos de Blumenbach, Herder, Klemm e Joseph-François Lafitau (1681–1746) como uma tentativa de relacionar os trabalhos precedentes de aspecto físico-anatômico com os costumes, moral e a história da humanidade – incluindo também Alexandre César Chavannes (1731–1800), Johannes le Francq van Berkhey (1729–1812) e Johann Georg Adam Forster (1754–1794).

Ainda influenciado pelos estudos antropológicos ligados a natureza anatômica e fisiológica humanas, Blumenbach estava mais interessado nas variedades de etnias, dividindo e classificando-as de acordo com a cor da pele, geografia e dados etnográficos advindos das viagens do capitão James Cook (1728–1779) – que aparece também na teoria kantiana das raças e culmina nas teorias do monogenismo e poligenismo –, permitindo a união dos estudos passados de uma antropologia física nascente com os elementos da cultura, entre o estudo natural do homem (Menschenkunde) e o estudo dos povos e seus costumes (Völkerkunde). Da mesma forma Christoph Meiners (1747–1810) – apesar deste listar e selecionar inúmeros critérios, tal como uma pesquisa etnográfica, em detrimento de outros que considerava insuficientes ou insatisfatoriamente explicáveis – e Klemm, influenciado

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por Voltaire (François-Marie Arouet, 1694–1778), defendiam o progresso humano partido de um estágio de selvageria (Wildheit), com práticas agropecuárias nomádicas, para a domesticação ou submissão (Zahmheit), onde ocorria o surgimento da escrita e a formação de tribos regidas por um superior, até a liberdade (Freiheit) e iluminação, que influenciará o evolucionismo posterior.

Tabela 02 – O campo da antropologia no Iluminismo segundo Hoorn (2006, p. 131).

Já na Grã-Bretanha, por influência dos trabalhos de Blumenbach e de Sir William Jones (1746–1794), um dos nomes de maior destaque nesse período, associado a essas mesmas perspectivas, foi o físico James Cowles Prichard (1786–1848). Com os inúmeros estudos anatômicos comparados nascentes, Prichard tentou fazer uma ponte de união biológica, histórica e psíquica em comum – física, religiosa, linguística, cultural e política –, entre as etnias das sociedades colonizadas e as de sua colonizadora europeia – ao invés da tendência separatista do poligenismo –,

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tentando defender “o princípio de que toda a humanidade fora uma vez e estava legitimamente sujeito a uma única dispensação ética”,7 advinda da criação divina – abandonando a tradição cronológica bíblica em concordância com Christian Charles von Bunsen (Karl Josias von Bunsen, 1791–1860), de uma história da humanidade com mais de 20 mil anos. Apesar de parecer uma tendência progressista, Prichard estava mais próxima de um difusionismo de uma única fonte do que propriamente do evolucionismo. Como aponta Stocking,

Em um nível, a abordagem da raça mais estritamente antropológica que surgiu na Grã-Bretanha na década de 1850 pode ser vista como uma variante mais naturalista da abordagem etnológica tradicional [germânica]. Os antropólogos físicos estavam interessados em classificar os "tipos de humanidade" em vez de em reconstruir sua "história física". A etnologia, no entanto, também continha um impulso classificatório, embora concebido em termos mais nominalistas.8

Seguindo essa mesma análise comparativa entre povos, baseado nos trabalhos do jesuíta José de Acosta (1540–1600) e após uma viagem à Nova França – área americana colonizada pela França –, Lafitau publica Mœurs des sauvages américains comparées aux mœurs des premiers temps (1724), que segundo Detienne, é, ao lado da publicação De l'origine des fables (1684) de Bernard Le Bovier de Fontenelle (1657–1757), “uma espécie de primeira mitologia comparada”,9 em que ambos estabelecem relações entre as narrativas dos índios iroqueses e as narrativas homéricas gregas. Para além de estabelecer uma conformidade entre costumes e hábitos de ambos os povos, Lafitau observa os mitos como relatos absurdos e insensatos, “uma mitologia [que] prolifera com a ignorância, excita-se com as paixões e surge quando o culto se desagrega e quando a religião se obscurece”,10 gangrenando-a, mas que, simultaneamente, funcionam como os estigmas da religião cristã da primeira gentilidade, que fora degradada em fábulas ridículas e ideias carnais entre os índios e os gregos.

Outra linha de pensamento resultante do atrelamento dos estudos psicológicos da Universidade de Leipzig, principalmente de Ernst Platner (1744–1818) e Friedrich August Carus (1770–1807), com a história do homem, culminou nos estudos da mentalidade primitiva de Theodor Waitz (1821–1864), que a colocavam como um estágio necessário e natural da humanidade como um todo e cujas distinções entre culturas eram advindas da inibição por fatores externos como o clima, a geografia,

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as vicissitudes da história, as migrações e as guerras - o que o vinculará como um antecessor dos estudos alemães difusionistas.

Já o filósofo e historiador Herder, advindo do romantismo alemão (Frühromantik) e discípulo de Kant, critica e rejeita tal noção de raças e foca tanto da história da humanidade quanto na diversidade de seus costumes, onde, segundo Stocking, pode ser encontrada uma certa “concepção do progresso humano universal e uma hierarquia implícita da realização cultural – assim como o ‘método comparativo”.11 No entanto, Herder enfatizava um modelo teleológico que explorava o caráter orgânico, relativista e plural das sociedades, cujos membros são produto da relação mantida com a sua identidade nacional (Nationalcharakter) e espiritual (Volksgeist) – a mitologia nacional interna –, que se encontram em uma única espiritualidade humana geral e transcendental (Humanität). Em ataque aos métodos etnográficos e tendências iluministas-mecanicistas de August Ludwig von Schlözer (1735–1809) e Adam František Kollár de Keresztén (1718–1783), Herder buscava a pintura das nações (Gemälde der Nationen) ou a pintura da diversidade da nossa espécie (ein Gemälde der Verschiedenheit unsres Geschlechts)12

A defrontação dos autores desse período com os dados etnográficos dos denominados “povos primitivos”, advindos das viagens de exploradores e das descobertas dos costumes dos povos do “Novo Mundo”, é o resultado de suas respectivas perspectivas, bem como de seus sucessores, tendendo ora para uma perspectiva delimitada por classificações raciais, ou da rejeição de tal suposição por uma ênfase da união da história da humanidade como una, mas que mantinha em comum a ideia de um “progresso” do homem.

Assim, as primeiras pesquisas antropológicas que tinham por intuito tratar os fenômenos humanos segundo uma abordagem racionalista, progressista e científica segundo um método comparativo - mas que não mencionam a seleção natural da teoria darwiniana, preferindo optar por tratar de um desenvolvimento ou progresso da cultura que alimentava suas posições políticas e ideológicas – se restringiram primordialmente às questões de parentesco, casamento e família e as noções de propriedade, frutos da própria formação acadêmica dos autores, que eram, em sua maioria, advogados que se fundamentavam nas leis romanas do Corpus Juris Civilis, aparecendo nos trabalhos de Sir Henry James Sumner Maine (1822–1888),

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John Ferguson McLennan (1827–1881), Johann Wilhelm Emanuel Mannhardt (1831–1880), Johann Jakob Bachofen (1815–1887) e Sir John Lubbock.

Enquanto Lubbock se concentrava em explorar a pré-história da humanidade – cunhando os termos paleolítico e neolítico –, McLennan, por exemplo, apontava o totemismo, como um culto de animais e plantas, era um estágio necessário e universal de todas as civilizações em sua etapa de selvageria, que se desenvolveu para as demais formas de cultos religiosos, enquanto Maine negava o desenvolvimento social uniforme da humanidade, apesar de defender a universalidade a partir de um estágio patriarcal, além de comparar o direito romano e o sistema ocidental moderno com os da Índia e da Europa Oriental.13

Diferentemente de Maine – e também de McLennan, Morgan e Tylor –, o jurista suíço Bachofen, em especial, foi o primeiro “antropólogo” a destacar uma descendência matrilinear da cultura – também apontada no caso das religiões semíticas por William Robertson Smith (1846–1894). Em seu trabalho Das Mutterrecht: eine Untersuchung über die Gynaikokratie der alten Welt nach ihrer religiösen und rechtlichen Natur (1861), o autor deduz um sistema de leis de parentesco que apontam o desenvolvimento da cultura a partir do matriarcado – apesar de, segundo Lowie, Bachofen confundi-lo com a descendência matrilinear14 –, contra um princípio patrilinear que assume vitorioso com o declínio do anterior, em cinco estágios, dois femininos (África e Ásia) e três masculinos (Europa): 1) hetairismo-Afrodítico, pré-matrimonial, como uma condição primitiva nomádica telúrica, governada pela lei natural (ius naturale), com ausência de regras de casamento e uma promiscuidade universal, advinda de uma violência masculina tirânica contra as mulheres que serviam como propriedade dos homens e cujos os filhos não conheciam os seus pais; 2) o matriarcado-Demétrico ou Cérico, como a revolta e ascensão de uma autoridade feminina amazônica (ginocracia), a criação de estabilidade social e a instauração da monogamia – vinculada ao reconhecimento tanto das atividades domésticas masculinas quanto de uma descendência patrilinear específica –, o desenvolvimento de atividades como a agricultura e o surgimento de uma mitologia lunar e da deusa mãe-Terra; 3/4) iniciado com uma fase de ascensão da mitologia solar, de origem paterna divina até o Dionisíaco, como o período transitório de liberdade e ascensão de um patriarcado

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racional contra um matriarcado emotivo, a partir da violação das leis religiosas; e 5) o patriarcado-Apolíneo, como a erradicação das características que vinculavam as estruturas sociais ao matriarcado e a ausência de novos símbolos e mitos, que se tornaram a sombra do desenvolvimento de novas ideias e instituições com base em uma espiritualidade masculina.

Como aponta Campbell, no entanto, o aspecto mais importante das contribuições de Bachofen é “a profundidade e lucidez de sua leitura de símbolos mitológicos”,15 por meio de um método livre de especulações filosóficas ou de qualquer ideologia racional moderna. Bachofen via o mito como a exegese do símbolo, semelhante a um tratado filosófico discursivo, que “desdobra em uma série de ações [díspares] conectadas externamente o que o símbolo incorpora em uma unidade”, cuja inferência final é apenas dada pelo leitor.16 Somente o símbolo e o mito, como fala e escrita do espírito humano, respectivamente, são capazes de atender as necessidades maiores do homem em sua infinitude, que não é possibilitada pela linguagem, devido a sua sequencialidade, cuja a função passa ser exercida pela arte, nas altas sociedades.17

O tesouro dos mitos, em que os antigos tinham estabelecido as primeiras lembranças de sua história, a soma total de seu conhecimento físico, a lembrança de períodos anteriores da criação e de grandes transformações telúricas, é aqui empregada para expor verdades religiosas, para incorporar leis da natureza, para expressar verdades éticas e morais, e para despertar insinuações confortantes que se estendem além dos limites melancólicos do fatum material.18

Por fim, Bachofen foi um dos primeiros autores a conectar a estrutura social com as práticas religiosas, vendo os mitos como uma atividade coletiva e inconsciente (Volksgeist), que partiam de concepções fundamentais (Grundanschauungen) ou pensamentos fundamentais (Grundgedanken), cujas leis devem ser descobertas por meio de uma investigação histórica, de um progresso específico do estágios inferiores do desenvolvimento até ideias gerais dos altos níveis de cultura, que levam a uma ideia suprema de intervenção milagrosa – que se assemelha às abordagens evolucionistas nascentes, principalmente de Morgan –, também apontando conexões entre mitos como resultado de migrações – que se torna um dos axiomas da corrente difusionista.

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2.1 EVOLUCIONISMO

O início de uma antropologia institucionalizada e profissionalizante que remonta e tem sua origem comumente atribuída aos meados do século XIX, no entanto, foi inspirada principalmente por duas linhas de pensamento que tiveram início no século anterior1 e passaram a ser representadas principalmente pelos nomes de Herbert Spencer (1820–1903), John Stuart Mill (1806–1873) e Charles Robert Darwin, este último que, segundo Burrow,2 pode ser considerado apenas o “tio rico” e não o “pai da antropologia”.

A primeira e mais antiga dessas abordagens, ao qual é atribuída às influências de Spencer e Mill, diz respeito ao historicismo romântico, de base histórica- arqueológica-filosófica que encontra o seu início, no entanto, em um desejo de reconstrução histórica do passado do homem – ao invés de uma história de registros, como Spencer aponta em carta ao amigo de infância Edward Lott3 –, por meio ora do estudo do paganismo, que se dividiam em duas principais vertentes: o alegorismo e o evemerismo (cf. seq., pp. 163-5), ora do seu paralelismo com os relatos bíblicos. Esses estudos primeiramente estão atrelados aos trabalhos de historiadores, teólogos, poetas e filósofos românticos alemães que viam nos mitos “uma faculdade ou qualidade inerente a todas as mentes humanas”,4 quanto a busca por uma identidade nacional, de modo a conectar o passado desconhecido com o presente vivido – vistos nos trabalhos de Johann Gottfried von Herder, Wilhelm Joseph von Schelling (1775–1854), Johann Christoph Friedrich von Schiller e Johann Christian Friedrich Hölderlin (1770–1843), por exemplo, mas também já estava presente nos trabalhos do francês Bernard Le Bovier de Fontenelle (1657– 1757) e do italiano Giambattista Vico (1688–1744) –, que acabaram por serem encobertas pelos eventos da Revolução Francesa e o Iluminismo, negligenciando qualquer ideia que estivesse atribuída à irracionalidade ou incognoscibilidade. No entanto, Spencer, na tentativa de afastar-se de tal paradigma filosófico-teológico, elaborou um princípio evolutivo do homem que, assim como naturalmente parte da infância à maturidade, também avançaria socioculturalmente das sociedades primitivas – menos desenvolvidas intelectualmente e mais emotivas –, que tendem à degeneração, às civilizadas – inteligentes e autocontroladas – e de uma homogeneidade incoerente à uma heterogeneidade coerente, que tendem ao

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progresso – também cunhando a expressão sobrevivência do mais apto (struggle of the fittest), também utilizada posteriormente por Darwin.

No entanto, como uma forma de decifrar o enigma de tal passado do homem, a filologia parecia ser a abordagem mais esperançosa5 do período como um método científico linguístico-histórico de abordagem comparativa, iniciado por Sir William Jones (1746–1794), levando-o a especular a respeito de uma difusão linguística a partir do protoindo-europeu dos arianos – mesma base que levou aos posteriores estudos comparativos dos mitos. Ademais, Christian Gottlob Heyne (1729–1812), Georg Friedrich Creuzer (1771–1858), Johann Gottfried Jakob Hermann (1772– 1848), Christian August Lobeck (1781–1860) e Karl Otfried Müller (1797–1840) também desempenharam um importante papel na reconstrução histórico-científica da humanidade – principalmente greco-latina – e dos estudos das instituições, religiões e mitologias. No entanto, tais métodos estavam ainda focados em comparações por semelhança entre vocábulos de sociedades geograficamente distantes que levavam a resultados previsíveis aleatórios,6 mas que encontraram seu auge, com o estabelecimento de leis fonológicas nos trabalhos de Rasmus Kristian Rask (Rasmus Christian Nielsen Rasch, 1787–1832), Franz Bopp (1791– 1867), August Friedrich Pott (1802–1887), Jacob Ludwig (1785–1863) e Wilhelm Karl Grimm (1786–1859), Friedrich Max Müller (1823–1900) e William Robertson Smith (1846–1894).

A segunda influência – frequentemente atribuída – foi o desenvolvimento da teoria biológica evolutiva, principalmente observada no desenvolvimento da antropologia na Inglaterra do séc. XIX, entre as publicações de On the Origin of Species by Means of Natural Selection, or the Preservation of Favoured Races in the Struggle for Life (1859) e The Descent of Man, and Selection in Relation to Sex (1871) de Darwin, como o resultado também do embate entre duas ideias relativas ao uso e o valor do passado e da crise religiosa na Europa Vitoriana: 1) uma abordagem denominada romântica, religiosa, orgânica e reacionária, das teorias degeneracionistas, cuja origem do homem derivaria de uma queda de sua condição divina na Idade de Ouro bíblica de 6000 anos; e 2) uma abordagem progressista, racionalista, secularista e evolucionista, que prevaleceu no discurso científico do período7 – tal como Tylor aponta,8 “o mundo está mal preparado para aceitar o

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estudo da vida humana como um ramo da ciência natural” e parte da própria história da natureza, contra considerações metafísicas e teológicas, que levam em consideração interferências extranaturais e espontaneidade não causal –, que também afastou a teoria poligenista – James Hunt (1833–1869), Robert Knox (1793–1862), John Crawfurd (1783–1868), Pierre Paul Broca (1824–1880), George Robbins Gliddon (1809–1857), Jean Louis Rodolphe Agassiz (1807–1873), Josiah Clark Nott (1804–1873) e Richard Whately (1787–1863). Como aponta Stocking,

se a incorporação da humanidade à tradição da anatomia comparada marcou um passo importante no desenvolvimento de uma antropologia naturalista, a culminação desse processo veio apenas com o darwinismo, que não apenas permitiu que a humanidade presente e passada fosse estudada como uma espécie animal, mas a própria origem da humanidade a ser tratada sem referência a causação sobrenatural. Essa culminação, no entanto, ocorreu em um contexto de mudanças no quadro circundante da crença religiosa, bem como no estudo da arqueologia – uma área de investigação antropológica que em 1858 experimentou sua própria revolução intelectual independente: uma revolução no tempo humano.9

Somado a essa divergência ideológica (utilitarismo e racionalismo) e religiosa (catolicismo e puritanismo) do período que corroboravam para o "colapso do utilitarismo sistemático e o enfraquecimento da crença religiosa tradicional",10 as descobertas arqueológicas de Christian Jürgensen Thomsen (1788–1865) sobre as Idades da Pedra, do Bronze e do Ferro, sustentadas por Jens Jacob Asmussen Worsaae (1821–1885), em Danmarks Oldtid oplyst ved Oldsager og Gravhøie (1843) e de Jacques Boucher de Crèvecœur de Perthes (1788–1868), inicialmente publicadas em Antiquites Celtiques Et Antediluviennes: Memoire Sur L'industrie Primitive Et Les Arts a Leur Origine (1847), atacaram e estenderam a cronologia bíblica de 6000 anos para uma cultura que remonta o período do Pleistoceno, causando um impacto decisivo contra os argumentos predecessores, trazendo à tona os esquemas evolucionistas que pretendiam conectar a história do homem pré- histórico com a do homem moderno, de modo a constituir-se em um processo de desenvolvimento temporal. Conforme aponta Stocking, a revolução arqueológica ajudou a

Ajudou a encurtar a descontinuidade temporal que se desenvolveu na paleontologia entre o homem e as criações supostamente separadas em formas animais anteriores. E, ao fazê-lo, forneceu a estrutura temporal expandida que fez a evolução gradual de um animal portador de cultura a partir de uma criatura simiesca parecer, se não for provável, pelo menos não prima facie implausível..11

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A partir disso, com esse desenvolvimento arqueológico e os estudos filológicos, inúmeros manuscritos míticos começaram a ser traduzidos e publicados, dividindo o campo de estudo dos mitos em duas frentes:12 1) a baixa-crítica mitológica, como a incrementação de novos dados aos textos já existentes; e 2) a alta-crítica mitológica, surgida com o Iluminismo como uma investida disfarçada contra o cristianismo, por prudência, de modo a conectar as crenças monoteístas com os dados etnográficos emergentes das viagens ao Novo Mundo. Apesar disso, a mitologia ainda estava afastada da Grã-Bretanha, descartada pelos eruditos conservadores que a consideravam superstições e resistiam aos estudos comparativos históricos e filológicos alemães, bem como às críticas a Bíblia, somente ganhando visibilidade após a metade do século XIX.13 É somente, principalmente, com os estudos comparativos e filológicos de Max Müller (cf. seq., pp. 167-72) e Robertson Smith que a mitologia passa de um assunto quente e sensível do período para fazer parte de um estudo antropológico nascente em território britânico.

Assim, como resume Ackerman,14 as tendências e movimentos do período podem ser divididas em: 1) o interesse pelas culturas primitivas e exóticas advindo da quantidade de novas informações de viajantes, missionários e exploradores do Novo Mundo, África e Oriente, no séc. XVIII; 2) o expansão colonial do séx. XIX somado às informações sobre os “selvagens” e suas localizações; 3) a escola escocesa do séc. XVIII composta por historiadores conjecturais e filósofos morais que sustentavam uma homogeneidade da mente primitiva; 4) o triunfo do historicismo romântico e da filologia comparada, com um novo foco na mitologia; 5) a força dos movimentos antiquários e folclóricos ingleses nativos; e 6) a ideia de pré-história e história antiga advinda das descobertas arqueológicas.

Como a célula única era o hipotético ponto de partida da evolução, um selvagem que paira na fronteira da bestialidade deve servir como ponto de origem da cultura. Como, no entanto, aquele homem primitivo não podia mais ser observado, os selvagens modernos eram levemente substituídos, na medida em que diferiam da Europa vitoriana.15

No entanto, ainda existia uma carência metodológica de investigação de tais materiais. O crescimento quantitativo e qualitativo de tais “evidências” funcionavam como a comprovação e sustentação de um curso evolutivo-histórico da humanidade, mas que, muitas vezes, o material etnográfico fornecido pelas pesquisas

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arqueológicas, corroboravam também para a criação de distorções da realidade das culturas do passado. Essa carência de uma lei que conectasse fenômenos culturais geograficamente distantes originou o conceito de sobrevivência (survival), primeiramente desenvolvido por Tylor, como

[...] processos, costumes, opiniões, e assim por diante, que foram levados à força do hábito para um novo estado da sociedade, diferente daquele em que eles tinham o seu lar original e assim permanecem como provas e exemplos de uma condição mais antiga da cultura, a partir da qual uma nova foi desenvolvida.16

Ou seja, esses “fósseis culturais” são quaisquer elementos da cultura, sejam eles objetos, atos rituais, práticas, ideias, crenças, mitos, símbolos etc., que permaneceram em existência nas sociedades contemporâneas, mas cuja função, significado ou mero entendimento original, pertencente a uma sociedade do passado, foi alterado ou perdido durante o processo de progresso civilizatório. Diferente da abordagem filológica e etimológica da linguística comparativa, a partir de uma mesma matriz, o método comparativo antropológico surge como uma tentativa de organizar as produções humanas – não cronológico ou historicamente – de acordo com um suposto progresso tecnológico, material e funcional, de modo a relacionar culturas distantes e reconstruir o passado do homem.

Essas perspectivas iniciais da antropologia nascente estavam focadas em um modelo indutivo que tinha por objetivo formular hipóteses sobre as matrizes que regiam as semelhanças entre diferentes culturas e seus sistemas, posteriormente, submetendo-as à experimentação, de modo a traçar uma correlação evolutiva, histórica ou genética entre elas, chegando à leis gerais que não dizem respeito às sociedades em suas diferenças e transformações particulares, mas à generalização humana. Mas, como aponta Lowie,

a ideia do desenvolvimento progressivo da selvageria para a civilização era muito mais antiga que Darwin ou mesmo Lamarck. No entanto, quando a evolução tornou-se não apenas um princípio biológico aprovado, mas uma palavra-chave mágica para a solução de todos os problemas, naturalmente assimilou as especulações anteriores sobre mudança cultural como obviamente congruentes com a sua própria filosofia. Da mesma forma, as descobertas da pré-história se encaixaram perfeitamente no quadro evolucionário. Tanto a teoria biológica quanto a pesquisa arqueológica estimularam poderosamente o estudo da cultura, mas não sem criar graves mal-entendidos.17

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Ademais, tais “antropólogos neonatos” são acusados, por vezes, de serem armchair anthropologists (antropólogos de gabinete) – advindo, acredito, de um certo anacronismo dos métodos que ainda se encontravam em desenvolvimento e não estavam formalmente formulados –, que se aplica quase que exclusivamente a Frazer, pois tanto Tylor realizou algumas viagens de pesquisa – apesar de quase exclusivamente pela Europa – e “observação participante” em clarevidentes, a fim de estudar o espiritualismo, assim como Morgan fez visitas constantes aos iroqueses. Para Edmund Leach,18 esse é um fator que divide os antropólogos sociais em dois tipos: 1) aqueles que não tinham contato algum com os povos que estudavam, restringindo-se a métodos comparativos às informações obtidas por outros estudos, com o intuito de formular uma natureza de cunho psicológica humana e fundados na ideia de semelhança; e 2) aqueles que realizaram as suas próprias pesquisas etnográficas, a fim de extrair categorias gerais a partir das funções e atividades desempenhadas na sociedade, mas que voltavam o interesse para as diferenças entre culturas.

Assim, a teoria antropológica evolucionista foi alvo de muitas críticas no anos posteriores que permaneceram até meados do século XX e o falecimento de Frazer – o último dos classicistas evolucionistas –, tida praticamente como um termo ofensivo,19 até ressurgir após a Segunda Guerra Mundial, como um neoevolucionismo antropológico nos trabalhos de Leslie Alvin White (1900–1975), Vere Gordon Childe (1892–1957), Julian Haynes Steward (1902–1972), Marshall David Sahlins (1930–) e Darcy Ribeiro (1922–1997), por exemplo.

Por fim, vale ressaltar, porém, como Kissane explora em artigo, que a perspectiva evolucionista do mito, como parte do estágio intelectual do homem, apesar de ser a abordagem mais evidente na europa vitoriana, devido tanto à sua recente emergência frente aos questionamentos religiosos e ideológicos, além dos registros das viagens ao redor do mundo, quanto das descobertas antropológicas e psicológicas do período, não era a única. Como o autor aponta, uma abordagem humanista do mito – especialmente estética, mas também ética –, como uma filosofia ou poesia natural do homem, aparece em escritores, críticos, poetas e ensaístas como John Ruskin (1819–1900), Walter Horatio Pater (1839–1894) e John Addington Symonds (1840–1893) – mas também faz apontamentos sobre Hartley

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Coleridge (1796–1849), Andrew Cecil Bradley (1851–1935) e Alfred Tennyson, Barão Tennyson I (1809–1892) –, que “eram tudo menos estudiosos científicos do mito, e são importantes precisamente por esse motivo”.20

Symonds, por exemplo, enfatiza uma abordagem psicológica e estética, em contraposição a uma visão histórica e positiva, buscando evidenciar o pensamento e sentimentos presente nos mitos que como “essas flores esplêndidas, brotando do rico solo da linguagem podre, expressam em forma e cor ao olho natural o pensamento e as aspirações de raças inteiras”.21 O autor aponta os criadores de mitos como artistas, cujo “o trabalho desses primeiros artífices é mais espantoso em sua inconsciência, mais eficaz em sua espontaneidade, do que as artes deliberadas e calculadas do escultor, pintor, poeta, filósofo e legislador dos períodos históricos”,22 até ser adaptados e desenvolvidos pelos dramas e a consciência filosófica, permanecendo muito além do período selvagem, pois sua pregnância simbólica e espontaneidade de origem tornam-o eternamente elásticos. Da mesma forma, em Ruskin, por uma abordagem tripartida da estrutura do mito: a sua raiz – i.e., existência física – e os seus dois ramos, a encarnação pessoal e o significado moral, o autor tenta evidenciar o significado psíquico e espiritual presente no mito, expressos por uma verdade que reverbera nas mentes, independente de época, de uma natureza humana comum, assim como Pater vê o mito passando por três etapas necessárias da condição humanas de apreensão, primeiramente como projeções tais como encontradas nos sonhos (semiconscientes, instintivos ou místicos), seguido de uma fase consciente, poética ou literária, até uma fase ética, abordam condições morais e espirituais humanas por meio de símbolos abstratos.

No entanto, como uma abordagem humanista semelhante será trabalhada mais adiante na Subseção 2, dedicaremos, a seguir, a apresentação de quatro teorias de autores considerados, por vezes, como os pais fundadores da antropologia, Henry Lewis Morgan, William Robertson Smith, James George Frazer e Edward Burnett Tylor, cujas visões similares – apesar de suas respectivas perspectivas – são reflexos das primeiras teorias de caráter progressista, bem como os primeiros estudos focados em explorar mitos e religiões por meio de um método antropológico nascente.

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Figura 03 – Lewis Henry Morgan (1818–1881)

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2.1.1 LEWIS HENRY MORGAN

Lewis Henry Morgan (1818–1881), norte-americano, formado em direito pela Union College (1840), em Schenectady, trabalhou durante um período como advogado de mineradoras e ferroviárias, até se envolvendo com a política, chegando a ser representante da cidade de Rochester na assembleia (1861), eleito senador estadual de New York (1867). Desenvolveu um interesse pelos nativos americanos, especialmente os iroqueses – que o adotaram como o guerreiro Seneca do clã do Falcão, chamado de Tayadaowuhkuh (a ponte entre os homens brancos e os índios) (1846) – ajudando-os também a reivindicar os seus direitos por suas terras contra a Holland (Ogden) Land Company.

O interesse por uma questão antropológica se inicia com a sua entrada em uma fraternidade ou “sociedade secreta” chamada Gordian Knot – inclusive alguns trabalhos de Morgan foram assinados com pseudônimos –, que posteriormente foi rebatizada para New Confederacy of the Iroquois ou Grand Order of the Iroquois, estruturando-se nos mesmos moldes que as tribos iroquesas vizinhas, fazendo inclusive rituais de iniciação e festas em volta de fogueiras.1 Com a ajuda, principalmente de Ely Samuel Parker (também chamado de Hasanoanda ou Donehogawa, 1828–1895), Morgan pôde estudar a cultura iroquesa, fazendo visitas e coletas periódicas de informações e objetos – doados ao New York State Cabinet of Natural History, posteriormente convertido no New York State Museum – e culminaram na publicação de League of the Ho-dé-no-sau-nee or Iroquois (1851), o primeiro trabalho etnográfico no mundo2 – influenciado pela obra, em 12 volumes, History of Greece (1846–1856) de George Grote (1794–1871).3

Após seu encontro com tribos ojibwa, junto com a influência dos modelos linguísticos apresentados por Abraham Alfonse Albert Gallatin (1761–1849) Samuel Forster Haven (1806–1881), Friedrich Wilhelm Heinrich Alexander von Humboldt (1769–1859) e Friedrich Max Müller, Morgan começou a relacionar os sistema de classificação de parentesco de modo que eles convergiam para uma teoria monogenista da humanidade.

Como precursor dos sistemas de relações de parentesco dos índios, Morgan distribuiu questionários mundialmente – um estudo de aproximadamente 80 tribos

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norte-americanas, junto com algumas tribos e nações do “Velho Mundo” (África, Ásia e Europa) e insulares, que resultaram em 139 tabelas de parentesco do mundo todo –, além de realizar algumas viagens de campo, publicando suas pesquisas inicialmente no The Indian Journals (1859–62) e posteriormente apresentando os resultados na American Academy of Art and Sciences em uma palestra intitulada A conjectural solution to the origin of the classificatory system of relationship (1868), que resultaram em seu livro Systems of Consanguinity and Affinity of the Human Family (1871) – cujos estudos influenciaram a obra Les structures élémentaires de la parenté (1949) de Lévi-Strauss, dedicado a Morgan –, a fim de comprovar a hipótese de uma unilinearidade ascendente da humanidade.

Assim, seus trabalhos começaram a ganhar um aspecto etnológico – levando-o, inclusive, à assumir a presidência na American Association for the Advancement of Science (AAAS, 1879) –, tentado mostrar uma correlação histórica unitária entre os sistemas ameríndios que partia da Ásia, em contraposição às hipóteses de que partiram via Europa ou Oriente Médio, ou dos poligenistas – de base filológica, genealógica ou bíblica –, como defendiam o egiptólogo George Robbins Gliddon (1809–1857), o biólogo e geólogo Jean Louis Rodolphe Agassiz (1807–1873) ou o físico Josiah Clark Nott (1804–1873).4 Tal conclusão e tratamento filosófico5 de suas ideias etnológicas desenvolvidas a partir de seus estudos comparativos – apesar do método comparativo antropológico ainda não existir enquanto tal – acarretaram a publicação de Ancient Society: or, researches in the lines of human progress from savagery, through barbarism to civilization (1877), conduzido diante de dois tipos de sistemas: 1) classificatórios ou artificiais, referentes aos asiáticos e os derivados indígenas; e 2) descritivos ou naturais, dos europeus e Oriente Médio; interpretados em um sentido evolucionário, cujo os primeiros tenderiam a se desenvolver necessariamente tal como os segundos (protoindo-europeus ou arianos) se encontram – “porque produziu o tipo mais elevado da humanidade, e porque provou sua superioridade intrínseca ao assumir gradualmente o controle da Terra”6 –, convergindo toda a história da raça humana numa única fonte, experiência e progresso.7

Para Morgan, as sociedades progridem por um lento processo de acumulação de conhecimento experimental, desenvolvendo-se ou por contiguidade (invenções,

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descobertas) ou, lógica e consanguineamente, a partir de poucos germes primários de pensamento movidos pelo desejo humano (instituições sociais e civis), explorando em quatro partes: 1) o desenvolvimento da inteligência através das invenções e descobertas; 2) o desenvolvimento da ideia de governo; 3) desenvolvimento da ideia de família; e 4) o desenvolvimento da ideia de propriedade; em que mostra o desenvolvimento das ideias de 1) Subsistência; 2) Governo; 3) Linguagem; 4) Família; 5) Religião; 6) Vida doméstica e arquitetura; e 7) Propriedade; sendo esta última a essência da constituição da civilização, mas que não é o último estágio dessa progressão, mas um mero fragmento do que já foi e do que ainda está por vir8 – ideias que influenciaram – apesar de reinterpretadas – os trabalhos de Karl Heinrich Marx (1818–1883) e Friedrich Engels (1820–1895).

Ademais, Morgan também via nesse progresso pré-determinado, desenvolvido e mantido pela lógica natural da mente humana e suas limitações necessárias, uma quase uniformidade do desenvolvimento contínuo da mente, que poderia partir desde os animais, iniciado por um interesse pelo comportamento construtor dos castores – Mind or instinct, an inquiry concerning the manifestation of mind by the lower order of animals (1843) e o livro The American beaver and his works (1868) –, distinguindo-se dos estudos que separavam animais e humanos por instintos.

Desta forma, Morgan divide e organiza as sociedades em sete estágios étnicos (quadro XX) de acordo com o grau de progresso que possuem em relação ao desenvolvimento da humanidade, mas também analisando-as de acordo com o seu progresso relativo, tornando possível tanto distingui-las entre si quanto encontrá-las cada qual em estágios étnicos diferentes mesmo compartilhando um mesmo tempo na cronologia – pois enquanto a condição é o fato material, o tempo é imaterial9 –, apresentando casos nas sociedades australiana, iroquesa, asteca, grega e romana, em ordem ascendente do estágio evolutivo, relacionando tanto elementos das instituições e inventos existentes quanto elementos similares preservados nas instituições e inventos bárbaros e selvagens,10 defendendo

como os selvagens, avançando através de passos lentos, quase imperceptíveis, alcançaram a condição mais elevada de bárbaros; como os bárbaros, por um avanço progressivo semelhante, finalmente alcançaram a civilização; e por que outras tribos e nações foram deixadas para trás na corrida para o progresso – algumas na civilização, algumas na barbárie e outras na selvageria.11

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Tabela 03 – Os períodos étnicos segundo Morgan (1877, p. 18; CASTRO, 2005, p. 60; Id. 2016, pp. 21-2).

No entanto, também é visível a influência advinda de seu amigo e colaborador, o filólogo e orientalista Reverendo Joshua Hall McIlvaine (1815–1897), que encorajou o desenvolvimento das ideias etnológicas de Morgan e garantiu a publicação delas pelo Smithsonian Institution – do qual participava –, tentando persuadi-lo a afirmar sua crença na fé cristã, também monitorando as implicações de sua teoria –12 apesar de alterar com o passar dos anos – e que aparece de forma clara nas conclusões a respeito do progresso da humanidade como

o resultado, no tempo de sua realização, de uma série de circunstâncias fortuitas. Pode muito bem servir para nos lembrar que devemos nossa condição atual, com seus multiplicados meios de segurança e felicidade, às lutas, aos sofrimentos, aos esforços heróicos e ao paciente trabalho de nossos bárbaros e, mais remotamente, de nossos ancestrais selvagens. Seus esforços, suas provações e seus sucessos eram parte do plano da

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Inteligência Suprema para desenvolver um bárbaro a partir de um selvagem e um homem civilizado a partir desse bárbaro.13

Por fim, apesar de pouco se referir à mitologia, Morgan faz alguns apontamentos ao longo de seu trabalho a respeito do desenvolvimento das ideias religiosas, colocando-as apenas como casos incidentais para sustentar e demonstrar o progresso das demais ideias desenvolvidas nas sociedades.

O crescimento de ideias religiosas está cercado de tantas dificuldades intrínsecas que talvez nunca receba uma explicação perfeitamente satisfatória. A religião trata, em tão grande medida, da natureza imaginativa e emocional e, consequentemente, de tão incertos elementos do conhecimento, que todas as religiões primitivas são grotescas e, numa certa medida, ininteligíveis.14

Morgan coloca a imaginação como uma faculdade amplamente responsável pela elevação do status do homem e que, num estágio mais avançado, produz a literatura não-escrita dos mitos, lendas e tradições como estímulos para o progresso das raças.15 As genealogias e narrativas lendárias, mitos, fragmentos de poesia e os poemas homéricos e hesiódicos, compõem os restos literários de um período em que a religião grega inspirou períodos históricos e o entusiasmo para construção de templos e da arquitetura ornamental, cujo o sistema mitológico, juntamente com as instituições, artes, invenções, formaram o legado para a nova sociedade civilizada que estava por vir.16

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Figura 04 – Edward Burnett Tylor (1832–1917).

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2.1.2 EDWARD BURNETT TYLOR

Influenciado e influenciador de Morgan, o inglês Edward Burnett Tylor (1832– 1917) é considerado o fundador da antropologia como ciência e o primeiro antropólogo a definir formalmente cultura – “desenvolvida ligeiramente além do seu antigo sentido verbal inglês de ‘cultivo’; primeiramente relacionado com mudança e progresso, não continuidade ou estase”,1 ao contrário do cake of customs (amontoado de costumes) de Walter Bagehot (1826–1877) – que também denomina por civilização, tomada em seu mais amplo sentido etnográfico, como

aquele todo complexo que inclui conhecimento, crença, arte, moral, lei, costume e quaisquer outras capacidades e hábitos adquiridos pelo homem na condição de membro da sociedade.2

Esses itens da vida geral de um povo, sob uma definição normativa e humanista, têm como objetivo reduzir a pesquisa histórica, em sua vasta amplitude, ao ramo da Cultura – nela reconhecendo, porém, ainda uma dificuldade de amplitude, porém mais razoável.

Como encarnação do espírito positivista emergente do séc. XIX, contra a corrente poligenista, as influências de Tylor estavam mais conectadas com uma espécie de “humanismo”, do que aquilo que se desenvolveria como uma primeira ciência antropológica a partir da biologia darwinista, como Sir Charles Lyell, Baronet I (1797–1875), Friedrich Wilhelm Heinrich Alexander von Humboldt (1769–1859), Jacob Ludwig (1785–1863) e Wilhelm Karl Grimm (1786–1859), Gustav Klemm (1802–1867), Isidore Auguste Marie François Xavier Comte (1798–1857), Henry Christy (1840–1865) e Henry Thomas Buckle (1821–1862).

Nunca tendo cursado uma universidade, Tylor trabalhou numa casa de fundição de bronze da família a partir dos 16 anos e após apresentar sintomas de tuberculose, viajou aos Estados Unidos e, posteriormente, a Cuba, onde encontra acidentalmente Henry Christy (1810–1865), companheiro Quaker – grupo religioso britânico também conhecido como Religious Society of Friends ou Friends Church do qual era membro –, convidando-o para uma expedição no México – sua primeira experiência antropológica e arqueológica –, a fim de explorar a cultura tolteca, que resultou no seu primeiro livro Anahuac: or, Mexico, Ancient and Modern (1861).

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Mais tarde, integrando o meio acadêmico, Tylor inicia sua carreira como Keeper do Oxford University Museum of Natural History (1883, 1902) e, posteriormente, como Reader (1884–1895) e professor associado, chegando a ocupar a cadeira de antropologia na (1896–1909) até se tornar professor emérito, além de ganhar o título Honoris causa de Doctor of Civil Laws (1875) pela mesma universidade, sendo também eleito Fellow of the Royal Society (1871), presidente da British Association for American Studies (1884), duas vezes presidente do Royal Anthropological Institute (1879–1880, 1891–1892), um dos vice-presidentes da Folklore Society (1890–1892), ganhar a Huxley medal do Royal Anthropological Institute (1907) e ser sagrado cavaleiro (1912). Tylor também apresentou e publicou inúmeros trabalhos em diversos lugares: Aberdeen University, Leeds Philosophical and Literary Society on the Primitive Social Condition of Man, Bath Literary and Philosophical Society on The beginnings of Exact Knowledge, Royal Institution on the History of Games, British Association for the Advancement of Science, London Institute on Problems in the History of Civilisation, Anniversary Address to the Anthropological Institute e Somerset Archaeology and Natural History Society, para citar somente alguns.

Em 1862–3, Tylor entra para a Somerset Archaeological and Natural History Society, mesma década em que faz visitas ao Deaf-and-Dumb Institute, onde estudou os gestos desenvolvidos pelos próprios internos, com o intuito de chegar às origens da linguagem e cultura humanas. É neste mesmo período que se inicia a jornada de Tylor por uma antropologia das origens, tentando reconstruir ou organizar a pré-história da humanidade em relação a sua situação atual, que, apesar das descontinuidades e diferenças, em graus ou estágios do desenvolvimento ou evolução, o processo é imperado pela uniformidade das causas e continuidade – conceito retirado de Friedrich Wilhelm Christian Carl Ferdinand von Humboldt (1767–1835) –, carregando consigo os germes do pensamento democrático europeu advindo da Revolução Francesa e do empiricismo inglês.3 podendo ser investigada, deste modo, segundo princípios gerais que regem leis de manutenção e difusão do pensamento e da ação humana como homogêneos em sua natureza, vendo tanto as árvores quanto a floresta que elas compõem.4

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Apesar de reconhecê-lo, o interesse de Tylor não residia na diversidade cultural e histórica tal como se apresenta a realidade, mas na essência do homem que residia na pré-história, coletando os diversos discursos referentes a um mesmo objeto, independente da validade dos argumentos, submetendo-os ao teste de recorrência, a fim de ver o seu desenvolvimento ao longo da evolução cultural, cujos conceitos de “progresso, degradação, sobrevivência, renascimento e modificação são, todo eles, aspectos da conexão que liga a complexa rede da civilização”,5 propondo três maneiras de como o conhecimento pode ter chegado a outros lugares: 1) invenções independentes; 2) hereditariedade de uma região distante; ou 3) a transmissão de uma raça para outra.6 Suas primeiras explorações aparecem em Researches into the Early History of Mankind and the Development of Civilization (1865), que desencadeou uma série de outros trabalhos consequentes, como The Religion of Savages (1866), The Condition of Prehistoric Races, as inferred from observations of modern tribes (1869) e On the Survival of Savage Thought in Modern Civilization (1869), por exemplo, pois ao estudar a pré-história e seu desenvolvimento, é possível formular “um importante guia prático para a compreensão do presente e a modelagem do futuro”.7

Esses trabalhos culminaram no reconhecimento de Tylor como um antropólogo de destaque com a publicação de sua obra-prima, intitulada Primitive Culture: researches into the development of mythology, philosophy, religion, art, and custom (1871) em dois volumes: 1) focado na evolução social, da linguagem e do mito; e 2) focado no animismo – termo cunhado pelo autor; que juntamente com Philipp Wilhelm Adolf Bastian (1826–1905), deu-lhe um status em relação à pré-história do homem semelhante ao de Darwin sobre a evolução animal.8

Em Primitive Culture, assim como em seus trabalhos subsequentes, como em Anthropology, for the Use of Travellers and Residents in Uncivilized Lands (1874) e Anthropology: An Introduction to the Study of Man and Civilization (1881), Tylor defende que a sociedade avançou da selvageria em direção à civilização – no sentido de aumento da complexidade cultural, tendo em vista que cultura e civilização são sinônimos para o autor –, em que se deve estudar as tribos selvagens modernas, que carregam um maior número de elementos residuais das sociedades passadas – de estágios que podem ser até desconhecidos –, bem como

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as camadas mais baixas da sociedade, como os camponeses, de modo a comparar com a cultura da sociedade moderna e os resíduos que permaneceram nela através dos hábitos e da tradição, desta forma, possibilitando traçar a história das leis da mente humana, conectando os fios entre os velhos e os novos pensamentos.

No entanto, as evidências – relíquias de antiquários, provas casuais e colaterais, documentos fragmentários que coletava em trabalho conjunto com missionários e comerciantes – para tal comprovação, nos trabalhos de Tylor, ainda eram insuficientes, tendo em vista que as pesquisas arqueológicas ainda se encontravam em fase inicial, sendo levado a construir um método comparativo, a partir das similaridades e consistências dos fenômenos, e da doutrina das sobrevivências, ou seja, “processos, costumes, opiniões e assim por diante, que, por força do hábito, continuaram a existir num novo estado de sociedade diferente daquele no qual tiveram sua origem”,9 por meio do conservadorismo e da tradição, transformados em formas análogas mais evoluídas nas raças superiores, praticamente intocadas, mas sem preservar as suas funções originais, desprovidas de sentido – objeto dos estudos folclóricos, segundo Frazer (cf. seq., pp. 59-73) –, que forneciam-lhe uma prova incidental da autenticidade evolutiva através do desenvolvimento histórico – baseado no pensamento de Isidore Marie Auguste François Xavier Comte (1798– 1857). Ademais, tendo como base os métodos estatísticos, Tylor também desenvolve um método de aderência, em que, criando tabulações e classificações, se compara dois ou mais traços culturais associados de acordo com o número de recorrências probabilísticas se esses fossem independentes, em que, havendo um maior número de comprovações empíricas, leva ao estabelecimento de uma conexão causal entre eles, apesar do desconhecimento da natureza ou razão de tal associação.10

O trabalho do etnógrafo é então dissecar os detalhes em elementos discretos e classificá-los em grupos etnográficos apropriados,11 rearranjando e reconstruindo- os, a fim de estabelecer relações de acordo com as suas distribuições históricas e geográficas, até chegarem-se a espécies, i.e., conceitos abstratos, que se dispersam em variedades, tal como um naturalista estuda zoologia ou botânica12 – termo que é posteriormente trabalhado por Lévi-Strauss (cf. seq., pp. 132-62), cujos principais critérios de classificação são

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a ausência ou presença, alto ou baixo desenvolvimento das artes industriais, especialmente metalurgia, fabricação de implementos e vasos, agricultura, arquitetura etc., a extensão do conhecimento científico, a definição dos princípios morais, a condição de crença religiosa e cerimônia, o grau de organização social e política, e assim por diante.13

Ao contrário dos autores que traçaram uma relação entre a evolução biológica e a evolução cultural, afirmando a homogeneidade da mente humana, independentemente do estágio evolutivo na qual se encontra, Tylor reconhecia em seu trabalho uma opinião, ainda que grosseira, sobre o homem. Apesar da cadeia evolutiva proposta por Tylor, que parte homem antigo incivilizado ou aculturado ao homem moderno civilizado ou cultural, Kroeber defende Tylor como o “mais sábio e mais equilibrado” entre os teóricos deste período,14 cujo evolucionismo não pode ser tomado literalmente como uma forma unilinear, assim como também é defendido por Rosa,15 em que “cada qual pode encontrar em Primitive Culture a sequência de evolução que quiser, atribuindo aos capítulos enciclopédicos um aspecto de etapas que só existem na imaginação ou no preconceito do leitor, e não no texto original”. Lowie, inclusive, afirma que a tradicional concepção americana de vê-lo como um mero evolucionista da escola clássica é falsa, reconhecendo traços do difusionismo em seus estudos,16 assim como Stocking,17 e que surgiria como uma teoria antropológica somente anos mais tarde, nos trabalhos de Friedrich Ratzel (1844– 1904), Leo Viktor Frobenius (1873–1938), Robert Fritz Graebner (1877–1934), Sir Grafton Elliot Smith (1871–1937) etc.

Ao invés de ter por base um poder criador ilimitado da imaginação, a função do pensamento humano é desenvolver, combinar e derivar os fenômenos, por meio de leis consistentes as quais opera a mente – e não por hábitos impulsivos –, também reconhecendo nela uma sequência inteligível de causa para efeito – como em todo universo –, possível de ser calculada e alcançada com precisão.18 Assim, a principal diferença entre os estágios iniciais e rudes da mente primitiva e o pensamento do homem moderno é de natureza meramente qualitativa, que permitem a criação de ficções espontâneas sem aparentes razões ou padrões em seus estágios iniciais, mas que é "possível segui-los como pistas que remontam à experiência real da natureza e da vida, que é a fonte última da fantasia humana",19 até à religião monoteísta20 – o que gerou embates.

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Assim como o selvagem é o representante da infância da mente humana, é nessa mente selvagem, como o estágio infantil do intelecto – tanto em crianças, como em adultos –, que se originaram e primeiramente se desenvolveram os mitos, permanecendo comparativamente inalterado entre as rudes tribos modernas, que se afastaram menos dessas condições primitivas, por um lado, porque mantiveram os seus princípios e, por outro, porque carregaram os resultados na forma de uma tradição ancestral;21 ou persistindo, inclusive, em estágios posteriores, das civilizações modernas, como composições mais avançadas artisticamente, nas crônicas e na poesia22 e observável nos fragmentos de folclore primitivo, superstições vulgares, lendas antigas em decadência, pensamentos e alusões que permaneceram remanescentes do fluxo perene da poesia e romance, ou opiniões antigas herdadas. Desta forma, buscando desvendar a linguagem mítica, Tylor propõe o estudo de uma Filosofia da Religião, do entendimento da essência humana residente na alma, que permanece a mesma desde a filosofia do pensador selvagem, adorador de fetiches, unindo-o ao cristão civilizado.23

Até o período, os mitos se encontravam divididos em diversos grupos – do nascer e pôr do sol, do eclipse, do terremoto, de heróis nacionais, eponímicos, etiológicos etc. –, em que poucos dos sistemas de interpretação possuíam princípios eficazes, mas, por outro lado, é justamente o seu agrupamento em grandes grupos que torna possível traçar os processos imaginativos recorrentes com a evidente regularidade da lei mental.24 Assim, Tylor observa na mitologia “tanto um desenvolvimento de estágio a estágio quanto uma produção de uniformidade de resultado derivando da uniformidade de causa”,25 como divididos em: 1) mitos da natureza; 2) mitos heroicos; 3) mitos filosóficos ou explicativos; 4) mitos baseados em descrições reais incompreendidas, exageradas ou pervertidas; 5) mitos atribuídos a personagens históricas ou lendárias; 6) mitos pragmáticos, baseados na realização de metáforas fantasiosas; e 7) alegorias ou mitos criados ou adaptados para transmissão de instruções morais, sociais ou políticas; em um processo que pode ser resumido em

os processos de natureza animadora e personificadora, a formação de lendas por exagero e perversão dos fatos, o enrijecimento da metáfora pela realização equivocada de palavras, a conversão de teorias especulativas e ficções ainda menos substanciais em eventos tradicionais pretendidos, a passagem do mito para lendas milagrosas, a definição pelo nome e lugar dado a qualquer imaginação flutuante, a adaptação do incidente mítico como exemplo moral e a incessante cristalização da narrativa em história.26

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Os primitivos não viam a linha de conexão entre eventos, assim, tornando-se propensos a criação de noções arbitrárias, anomalias sem causa, sorte, absurdo e inexplicabilidade indefinida, ocultando-se nos escuros recintos da ignorância27 – onde a imaginação do homem rude pode ser considerada estreita, grosseira e repulsiva –, em que, ao longo do processo, aumentou-se a luz sobre o mundo, fazendo com que o homem moderno enxergasse nitidamente. Em outras palavras, o primitivo não teria pensamento crítico em relação ao conteúdo apreendido pelos sentidos, para distinguir o objetivo do subjetivo, imaginação e realidade,28 simplesmente aceitando-o – respostas infantis às questões mundanas, denotando uma falta de poder de abstração –, enquanto o moderno possui uma educação científica, cujas leis da ciência são dadas em linguagem técnica, que o tornam mais sábio, melhor e mais feliz que o selvagem e que o bárbaro, seu estágio intermediário.29 Assim, Tylor conclui que houve uma transição do reino da mitologia ao reino da ciência, visando “traçar a relação entre os mitos de tribos selvagens e seus análogos nas nações mais civilizadas”,30 a fim de determinar a relação geral entre ambos e “fundamentar o tratamento do mito como um problema etnológico geral do desenvolvimento da civilização”.31

Ao mesmo tempo, Tylor via os mitos como “um produto perfeitamente racional e inteligível da ciência primitiva”.32 Suas crenças e práticas, longe de serem um amontoado de tolices, têm tamanha consistência e lógica que, ainda quando apenas grosseiramente classificadas, já começam a mostrar os princípios de sua formação e desenvolvimento; e esses princípios provam-se de natureza essencialmente racional, embora operada por uma mente não-treinada, numa condição mental de intensa e inveterada ignorância33 – ao contrário dos homens instruídos. Para além de associar as crenças religiosas à emoções intensas, “com uma reverência terrível, com um terror agonizante, com êxtase extasiado quando o sentido e o pensamento transcendem completamente o nível comum da vida cotidiana”,34 Tylor reconhece nelas o desejo de explicar os fenômenos, conhecer suas causas, de modo que satisfaçam a mente; um apetite intelectual que já se encontra desde os rudes selvagens, mas que persiste na ciência desenvolvida pela civilização, pois “a especulação científica tem seu germe na experiência real”,35 na reconstrução ideal dos fatos a partir de inferências a partir de observações sobre a realidade, que levam à generalização. No entanto, apesar de ambas explicarem os eventos do

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mundo externo, para Tylor, enquanto a ciência se baseia em forças mecânicas impessoais, a religião é inerentemente antropomórfica.

Assim, o homem primitivo inicia sua jornada com um desejo de controle sobre a natureza, se utilizando de práticas mágicas para a execução de tal, posteriormente reverenciando entendidades sobrenaturais, saindo do plano da magia e entrando no domínio da religião.

Já no nível da religião, como produto natural e regular da mente humana, os mitos transfiguram experiências cotidianas, animando a natureza até personifica-la, em que o homem atribui ao meio externo suas vontades e as operações da vida pessoal, antropormofizando os fenômenos, supondo que o mundo – sol e as estrelas, animais, árvores e rios, nuvens e ventos, objetos inanimados (paus e pedras, armas, barcos, comida, roupas, ornamentos e outros objetos)36 etc. –; ou até mesmo ideias, estavam analogicamente cheios de vida, consciência e alma como ele, parecendo ser “da mesma matéria que os sonhos são” – onde viam o espírito dos mortos –, convertendo-se em deuses, fantasmas animais, humanos ou de objetos, espíritos, demônios etc.; bem como a crença da doutrina dos lobisomens, em que o homem, mágica ou naturalmente, se transforma em uma fera voraz selvagem, tal qual uma metempsicose ou metamorfose;37 e o totemismo.38

No entanto, não se deve reduzir tal formulação de ideias à fantasia poética e à metáfora transformada, mas elas “repousam sobre uma ampla filosofia da natureza, primitiva e grosseira, mas pensativa, consistente e bastante real e séria”.39 Tal processo mental é derivado da doutrina da analogia, que, enquanto para a ciência, ela está munida de resultados ilusórios, Tylor a considera um dos principais meios de descoberta e ilustração do mundo apreendido pelos sentidos do homem primitivo – trabalhado de infinitos modos –, tornando-se a própria realidade.40 Ademais, Tylor defende que tal processo não necessita passar pela linguagem intervencionada por meio de palavras, ou de frases metafóricas, pois “a comparação direta de objeto com objeto e ação com ação, ainda é mais profunda”,41 mas tem uma base na analogia real e sensível, aparecendo também nos surdos-mudos – sustentado pelos seus estudos no Berlin Deaf-and-Dumb Institute –, que, quando ignorada, perde-se uma grande transição no desenvolvimento do intelecto humano. No entanto, Tylor também reconhece a importância da linguagem no processo de formação dos mitos,

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em um conjunto harmônico bidirecional com a imaginação – concordando com o que Müller define como a doença da linguagem –, 1) defendendo que qualquer fenômeno a que se possa corresponder um substantivo e atribuir-lhe um verbo – geralmente associado a uma ação humana –, é capacitado de se tornar mítico,42 mas que tal processo de expansão verbal metafórica, do mito verbal, fundado na palavra, é posterior ao mito material, fundado no fato; 2) como também a distinção de gênero gramatical, seja por a) gêneros sexuais, ou seja, masculino, feminino e neutro ou sem gênero; seja por b) gêneros hierárquicos – apesar de Tylor não utilizar termo algum –, referente às classes baixa e alta; e 3) a atribuição de nomes a objetos inanimados, tendo como base algo de natureza pessoal. Assim, apesar de terem inúmeras causas, os dois maiores agentes responsáveis pela formação dos mitos são “os ensinamentos de uma filosofia primeva infantil, atribuindo vida pessoal à natureza em geral, e a tirania inicial da fala sobre a mente humana”.43

Dividindo tal fenômeno em dois grandes dogmas:44 1) almas dos indivíduos; e 2) espíritos reverenciados e propiciados, Tylor define-a como a Doutrina do Animismo, que, em uma definição mínima, trata-se da doutrina dos Seres Espirituais em geral – mas que também constitui uma teoria da transmigração das almas, tanto na vida quanto após a morte e uma sensação de multidões de seres espirituais que perpassam ou habitam o mundo, emprestando sua própria personalidade aos fenômenos45 – que derivam nos mais diversos ramos ou doutrinas das ideias e crenças religiosas, desde a pré-história, mas conservam as suas raízes, de natureza análoga, em uma continuidade ininterrupta até os mais elevados estágios da civilização – mas que “desistiu de sua substância etérea e se tornou uma entidade imaterial, ‘a sombra de uma sombra’,46 dando lugar a uma espécie de psicologia baseada na pura experiência, uma metafísica religiosa – sob a mesma noção de alma, como uma entidade animadora separável do corpo,

uma imagem humana insubstancial fina, em sua natureza, uma espécie de vapor, uma nuvem ou sombra; a causa da vida e do pensamento no indivíduo que ela anima; possui independentemente a consciência pessoal e a volição do seu possuidor corporal, presente ou passado; capaz de deixar o corpo longe de si e de viajar num piscar de lugar para lugar; geralmente impalpável e invisível, mas também suscetível de manifestar poder físico e aparece, especialmente, aos homens acordados ou durante o sono, como um fantasma separado do corpo do qual se assemelha; continua a existir e a aparecer após a morte daquele corpo; é capaz de entrar, possuir e agir no corpo de outros homens, animais e até de coisas.47

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Porém, como critica Malinowski, a teoria tyloriana assenta-se nesse pressuposto do animismo como sendo a essência da religião primitiva, construídas a partir de inferências arqueológicas e observações que levaram à deduções errôneas, compreensíveis para uma mente em estágio inferior,48 mas que coloca o primitivo como um ser racionalista e consciente em um estágio contemplativo em relação aos fenômenos mentais – como sonhos, visões, alucinações, estados catalépticos etc. – , ou derivado de um êxtase mórbido, causado pelo jejum, meditação, euforia, narcóticos, doenças, etc., ao invés de focado nas atividades sociais habituais, separando corpo e alma.

Ademais, Segal explica que, apesar de não explicitada, a não-cientificidade do antropomorfismo deve advir:49 1) ou da personalização dos fenômenos, partidos da mente, em contraste com a causa material ser impessoal – em que Tylor inclusive contrasta o Animismo e o Materialismo50; 2) ou dos fenômenos analisados segundo os primitivos como meros produtos da imaginação, enquanto na ciência, eles podem ser comprovados – apesar de improvável, uma vez que o método de apreensão é o mesmo; 3) ou da imprevisibilidade e testabilidade dos fenômenos personalizados – apesar de fenômenos científicos não serem puramente previsíveis e a preferência dos primitivos geralmente tender para a análise de fenômenos previsíveis; ou 4) enquanto as causas pessoais são de natureza teleológica ou final, as materiais são de natureza eficiente – tendo em vista que a religião explica todo fenômeno teleologicamente e a ciência não integralmente.

Tylor também reconhece nas poesias um importante material de análise para os estudantes da cultura, pois, mesmo não sendo registros factuais – possuindo um significado prosaico distinto dos fatos51 –, elas são os registros de estágios anteriores do pensamento religioso mantidos vivos na mente, de memórias distorcidas sobre eventos históricos, que desaparecem, misturando o natural e o sobrenatural conforme convinha dramaticamente, mas que não deixa de ser apto a história, uma vez que reflete o mundo em que os poetas ou menestréis viviam, e cujo trabalho histórico é distinguir desse conteúdo misto aquilo que é verdadeiro52 – tal como Heródoto, o pai da História, o fez (cf. supra., p. 8) – ao se transportar para essa atmosfera imaginativa, transferindo a sua mente para o passado, tal como um ator que se torna o que finge ser, um sentimento poético.53 Em outras palavras, “a

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poesia continuou o que a mitologia estava deixando cair”;54 e os mitos, impregnados nelas, também funcionam como a chave para o seu entendimento.55 O poeta, ao contemplar o mundo natural, tenta torná-lo mais inteligível ao relacioná-lo com uma vida pessoal, bem como de seus ouvintes – analogias entre o homem e a natureza –, pois, como dizia Protágoras de Abdera (c. 490 a.C. – c. 420 a.C.): "o homem é a medida de todas as coisas, das coisas que são, enquanto são, das coisas que não são, enquanto não são" (πάντων χρημάτων μέτρον’ ἄνθρωπον εἶναι, ‘τῶν μὲν ὄντων ὡς ἔστι, τῶν δὲ μὴ ὄντων ὡς οὐκ ἔστιν).56

Desta forma, “o mito não deve ser encarado como mero erro e tolice, mas como um produto interessante da mente humana. É a história falsa, a narrativa fictícia de eventos que nunca aconteceram”,57 mas com um significado etnológico real, principalmente para os tempos a que pertence58 – por vezes mal compreendido. Ele conecta a nossa sociedade com outras que não possuem registro ou evidência material, corroborando na sua investigação, a fim de reconstruir as origens humanas, em “que quanto mais meios temos de entender seus pensamentos, mais sentido e razão neles encontramos”.59

Ademais, as narrativas também mudam e perdem seu significado ao passar do tempo, sendo moldadas por novos contadores de histórias, de modo a atender os ouvintes até que a sua origem se perca ou seja elaborada pelo próprio intérprete,60 de maneira a se convencer como pertencente aos seus antepassados. Portanto, o “mito é a história de seus autores, não de seus sujeitos; registra as vidas, não de heróis sobre-humanos, mas de nações poéticas”.61

Apesar de apontar uma mudança gradual da mente dos homens, do temperamento mitológico para o temperamento histórico,62 quando se invertem as inferências a respeito dos fenômenos, tomando-as como fatos históricos, os mitos acabaram recobertos por analogias moralizantes e evemerismos – crítica a qual Tylor fez a alguns mitólogos anteriores, fadados a desvalorização, por estupidificarem a mitologia ao mesmo tempo em que arruinavam a história,63 ao reduzirem a origem dos mitos a fatos encobertos por metáforas, ao invés de serem interpretados literalmente –, mas que, por sua vez, também, “na ausência de evidências corroborativas, toda tradição é suspeita de mitologia”64 e, consequentemente, o mito acaba por ser mais uniforme do que a própria história.65

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Assim, os mitos surgiram e floresceram com os povos primitivos, até se fossilizarem em superstições, serem tomados equivocadamente como história, assumissem a forma de poesia ou descartados como disparates,66 aparecendo também nas parábolas.

Porém, o retardamento do progresso da história da religião no mundo advém, assim como entre religiões e seitas, em que a narrativa alheia parece ao demais uma lenda mítica – i.e., falsa, imaginária, fictícia –, do fato de que o homem moderno, até então, tem se utilizado de abordagem similar para destruir as estruturas adversárias, mas nunca para aprimorar as suas próprias, como na doutrina dos milagres, em que episódios míticos são readaptados às culturas superiores de acordo com os seus cânones – como na Idade Média –, a fim de justificar evidências e experiências de leis da natureza ainda desconhecidas.

Em suma, a investigação da ciência mitológica pode ser estudada por meio de dois princípios:67 1) a regularidade e uniformidade das narrativas, que fazem do mito um produto orgânico da humanidade, cujas distinções individuais, nacionais e até raciais estão subordinadas às qualidades universais da mente; e 2) a relação entre mito e história, em que os conteúdos se misturam, mas possuem e preservam evidências históricas; e, portanto, nesse sentido, a etnologia e a mitologia comparada devem andar de mãos dadas, pois “o mito constitui uma parte consistente do desenvolvimento da Cultura”.68 Ademais, conforme sintetiza Segal,

Tylor subsume o mito à religião e, por sua vez, inclui a religião e a ciência sob a filosofia. Ele divide a filosofia em "primitiva" e "moderna". A filosofia primitiva é idêntica à religião primitiva. Não há ciência primitiva. A filosofia moderna, pelo contrário, tem duas subdivisões: religião e ciência. Dos dois, a ciência é de longe a mais importante e é a contrapartida moderna da religião primitiva. A religião moderna é composta de dois elementos – metafísica e ética –, nenhum dos quais está presente na religião primitiva.69

No entanto, os mitos estão morrendo e, uma vez que o homem moderno não os sente do mesmo modo, pode-se, ao menos, tentar compará-los e analisá-los de maneira a compreender as crenças passadas.70 O erro do homem está em ignorar o seu próprio passado, pois, ao estudar o passado, o investigador ganha uma visão mais verdadeira entre a teoria e o fato, ao investigar o crescimento das hipóteses, apreciando sua raison d’être (razão de ser) e seu significado completo, podendo

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capacitá-lo a encontrar novos caminhos,71 cumprindo o papel da ciência da cultura como uma ciência da reforma.

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Figura 05 – William Robertson Smith (1846–1894).

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2.1.3 WILLIAM ROBERTSON SMITH

William Robertson Smith (1846–1894) é considerado um dos fundadores de uma antropologia ou sociologia religiosa, especializado nas religiões do Oriente Médio – mas também matemática, linguística (alemão, árabe, latim, holandês, francês, grego e hebraico) e física em Göttingen, Aberdeen e Edinburgh, onde conheceu o amigo John Ferguson McLennan (1827–1881) em 1869 –, especialmente nos estudos bíblicos do Antigo Testamento, foi ordenado ministro da Igreja Livre da Escócia, além de editor-chefe de alguns volumes da Encyclopædia Britannica – após a morte de Thomas Spencer Baynes (1823–1887). No entanto, alguns dos verbetes (anjo e Bíblia) escritos para a nona edição da enciclopédia causaram alvoroço entre a comunidade ortodoxa – advindas de uma criação questionadora e pragmática, mas também de conflitos histórico-religiosos entre liberais e fundamentalistas –, principalmente após a resposta em um artigo publicado, provavelmente, por Archibald Hamilton Charteris (1835–1908). A Universidade de Aberdeen, na qual Smith era professor e foi aluno desde 1861, exigiu uma retratação que o mesmo se recusou a escrever, tendo as suas aulas suspensas até o julgamento público na Assembleia Geral da Igreja Livre (1878), acusado de heresia – três anos mais tarde à acusação foi retirada com ressalvas. No entanto, Smith manteve a sua posição e fora novamente julgado, sendo removido de sua cadeira de Hebrew and Old Testament Exegesis (1881), assumida desde a morte de Marcus Sachs (1912– 1869).1

Posteriormente, Smith, por intermédio de William Aldis Wright (1831–1914), vinculou-se ao Trinity College, na Universidade de Cambridge, como Lord Almoner’s Reader in Arabic (1883), tornando-se também Fellow of Christ’s College (1885), Head da biblioteca (1886) e, após a morte de Wright, assumiu a cadeira de Sir Thomas Adams of Arabic (1889); local onde, em 1883, Smith conheceu James George Frazer – um de seus maiores amigos e influenciados, juntamente com Sigismund Schlomo Freud (1856–1939) e David Émile Durkheim (1858–1917).

Após uma série de viagens ao Oriente Próximo (Egito, Síria, Líbia, Argélia, Tunísia e Palestina) e de palestras que foram publicadas em dois livros, The Old Testament in the Jewish Church (1881) e The Prophets of Israel and their Place in History to the Close of the Eighth Century (1882) – formato também de suas

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principais publicações Lectures on the Religion of the Semites: the Fundamental Institutions (1889) e Lectures on the Comparative Grammar of the Semitic Languages (1890), advindas de uma série de palestras intitulada Burnett Trustees Lectures (1888–1889) –, o interesse de Smith começa a se direcionar à antropologia social e aos estudos comparativos das religiões, cujo método se assemelhava ao de John Ferguson McLennan (1827–1881), mas também influenciado pela Alta Crítica do Velho Testamento, o comparativismo linguístico e pelos trabalhos de Numa Denis Fustel de Coulanges (1830–1889), sua abordagem era mais cautelosa e historicista do que a de seus contemporâneos,2 mas que é, ao mesmo tempo, criticado por Hubert e Mauss – principalmente em relação ao totemismo e aos rituais sacrifício –, juntamente com os demais antropólogos ingleses do período:

O erro de Smith foi sobretudo um erro de método. Em vez de analisar o sistema ritual semítico em sua complexidade originária, ele se dedicou a agrupar genealogicamente os fatos conforme as relações de analogia que acredita perceber entre eles. Aliás, esse é um traço comum aos antropólogos ingleses, preocupados sobretudo em acumular e classificar documentos.3

Como aponta Jones, “o argumento de Smith a respeito do mito e do ritual baseava-se em duas distinções: a primeira, entre crenças religiosas e rituais religiosos; a segunda, entre crenças mitológicas e crenças dogmáticas”.4 Smith observa a religião sob um aspecto unitário de práticas, rituais, regras de conduta e instituições sociais – “um corpo de práticas tradicionais fixas, às quais todos os membros da sociedade se conformavam naturalmente”,5 que preservavam o bem- estar social – e não como um sistema individual de dogmas e crenças com aplicações, a fim de resolver problemas intelectuais, metafísicos e filosóficos – como defendido até então pelos estudos teológicos; e na mitologia um substituto do dogma ao se conectar com os rituais,6 que, nos estudos científicos da religião do período, tomava um lugar de destaque excessivo no estudo das crenças antigas, que, em realidade, deveria ser ocupado pelo estudo das práticas tradicionais e dos ritos.

Nas religiões e mitos antigos, a atitude pré-científica do homem selvagem era dada por uma incapacidade, em pensamento, de distinção entre a existência fenomenal e numênica, entre imaginação e razão, ignorando as diferenças entre natureza orgânica e inorgânica ou entre animais e plantas.7 O homem compunha

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inferências por analogias, advindas da unidade entre homem e natureza, ao invés de serem produtos das extravagâncias isoladas da fantasia, uma vez que a vida do homem é condicionada não só pela vida de outros homens, mas com seu contato com o ambiente natural. Os selvagens atribuíam à vida material características da própria autoconsciência humana, que coloca a alma em ação independente e invisível em relação ao corpo – semelhante ao animismo tyloriano (cf. seq., p. 47 et seq.) –, tornando-a digna de admiração e adoração conforme o grau de incompreensibilidade da natureza dos objetos, em que se mantém uma relação entre o divino e o ambiente natural, denominada de sagrado (holiness). Essa ideia religiosa primitiva alcança uma concepção divina antropomórfica – que é atraída pela “imaginação artística, seja na poesia, seja na escultura e na pintura”8 – e, posteriormente, uma explicação metafísica por meio da filosofia monista moderna. Desta forma, estudar tais religiões, não se deve considerar “a natureza das coisas, mas apenas as relações entre as coisas e as formas declaradas de relação entre os deuses e os homens a que essas relações deram origem”,9 pois é a natureza é secundária em relação às instituições que lhe deram origem.

Ao mesmo tempo, essa unidade entre homem e natureza torna a compreensão de divindade muito extensa, visto que a religião é composta por um corpo prático de crenças, deuses e rituais de forma a constituir uma unidade regular e amistosa, que suscitam o mesmo tipo de esperanças e medos em seus membros. Enquanto a religião tende a criar esperanças, por meio de uma relação de respeito a um poder superior e beneficiente – deuses e homens como bons amigos –, que leva ao progresso social e à ordem moral, um outro tipo de abordagem, carente da regularidade e da ação coletiva, sustentada pelo medo do desconhecido, surge como magia e feitiçaria, a mais árida de todas as aberrações da imaginação selvagem – que, segundo Beidelman, tais conclusões advêm da fraqueza da sua teoria da religião e do sacrifício.10 Essas cerimônias tinham um caráter individual contaminador (pollution), advindas das inseguranças de indivíduos inapropriadamente integrados na comunidade, sendo endereçadas a poderes demoníacos que habitavam fora da comunidade e agiam arbitrariamente, e, por isso, atuavam como “um obstáculo ao progresso e um impedimento ao livre uso da natureza pela energia e pela atividade humanas”.11

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Já ao tratar das religiões cristãs ou morais, a perspectiva de Smith vê “um sistema ritual deve sempre permanecer materialista, mesmo que o seu materialismo esteja disfarçado sob o manto do misticismo”,12 mas que, juntamente com as religiões antigas, compartilham formas de adoração da fé diante do divino, que conectavam o indivíduo às suas instituições. Smith traça uma linha progressiva – que é explicada por Beidelman como “uma curiosa combinação de noções antropológicas vitorianas de progresso e noções cristãs sobre a iluminação gradual e perfectibilidade moral do homem”,13 mas que se aproxima mais baseada na teologia alemã da Vermittlungstheologie de Friedrich Daniel Ernst Schleiermacher (1768–1834) e a influência de Albrecht Ritschl (1822–1889), e não nas ciências naturais, como os demais evolucionistas – comum às sociedades arianas e semíticas, do politeísmo ao henoteísmo e ao monoteísmo, ou do particularismo religioso ao universalismo, como resultado de uma aliança entre o poder político e a religião; em que os deuses de fora da comunidade foram associados e generalizados como demônios, enquanto, paralelo ao desenvolvimento das sociedades e das instituições reais e hereditárias, os status sociais de reis e juízes foram assemelhados ao nível do divino, cujos deuses agora eram, não-onipotentes, mas regidos por um “defensor do direito contra o poder, o protetor dos pobres, a viúva e o órfão, do homem que não tem nenhum ajudante na terra”,14 até esse alcançar um status monárquico – além do surgimento da propriedade privada, do patrimônio e da desigualdade econômica – temente ao crescimento aristocrático, instaurado como um único deus, da religião profética do Antigo Testamento e do Cristianismo.

As causas de uma uniformidade tão notável estão escondidas nas brumas da época pré-histórica, mas devem ser claramente de um tipo geral, operando em todas as partes da humanidade sem distinção de raça e ambiente local; pois em todas as regiões do mundo, tão logo encontramos uma nação ou tribo emergindo das trevas pré-históricas à luz da história autêntica, descobrimos também que a sua religião está de acordo com o tipo geral que acaba de ser indicado. Conforme o tempo passa e o desenvolvimento da sociedade avança, ocorrem modificações. Na religião, como em outros assuntos, a transição do antigo para o moderno não é repentina e despreparada, mas é gradualmente levada a uma contínua desintegração da velha estrutura da sociedade, acompanhada pelo crescimento de novas idéias e instituições.15

Para Smith, como parte não essencial nem obrigatória da religião antiga, mas que substitui o seu dogma, o mito possui valor secundário e variável, um caráter explanatório advindo dos inúmeros significados – evidências escorregadias e

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duvidosas –, que podem ser atribuídos às práticas tradicionais rigorosamente fixadas nos rituais, conformadas pelos membros das sociedades e preservada somente por meio da literatura. Os mitos “teriam sido apenas histórias diferentes sobre as circunstâncias em que o rito foi estabelecido pela primeira vez, pelo comando ou pelo exemplo direto do deus”,16 que não provocaram nenhum tipo de forte sentimento, mas somente suscitaram fantasias e sustentaram interesses à critério de seus adoradores, como que surgidos do desuso ou esquecimento do sentido original das ações rituais. Os rituais, por sua vez, “não foram formas inventadas, de uma vez por todas, de expressar um sistema definido de ideias, mas crescimentos naturais, que foram desenvolvidos lentamente por muitos séculos”,17 abertos às múltiplas interpretações de seus membros, que devem ser traçados de acordo com as fases do pensamento e outros movimentos da estrutura social – como o progresso econômico –, ou, inversamente, a partir de suas características que davam suporte às práticas. Assim, porque o ritual é mais consistente e significativo do que a variabilidade dos mitos, para Smith “pode-se afirmar com confiança que em quase todos os casos o mito foi derivado do ritual, e não o ritual do mito”,18 em que o último é apenas a sistematização por pensamento abstrato ou especulativo. Ademais o autor também identifica outras características no mito que sustentam sua ulterioridade e subsumível à religião, como

produtos da filosofia primitiva, refletindo sobre a natureza do universo; ou eles são de alcance político, sendo projetados para fornecer um fio de união entre os vários cultos de grupos, originalmente distintos, que foram unidos em um organismo social ou político; ou, finalmente, eles advêm do livre jogo da imaginação épica. Mas filosofia, política e poesia são algo mais, ou algo menos, que a pura e simples religião.19

Apesar de ver na religião uma evolução histórica em relação aos seus estágios precedentes – transmitida inicialmente hereditariamente e semelhantes entre nações com troncos comuns, inclusive linguísticos –, em que o mito adquire uma importância crescente no processo, permitindo comparações para o entendimento de sua origem e princípios abstratos – ao contrário dos métodos a priori –, Smith via na religião também uma espécie de “dádiva” com o intuito de integrar os indivíduos com o(s) seu(s) deus(es) e que não era nem uma explicação do mundo, nem um sistema alegórico de interpretação, nem poderia ser substituída pela ciência ou colocada como parte da evolução da mente humana. Apesar do desenvolvimento intelectual e moral do homem ser reflexo de hábitos constantes – em contraste com

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o pensamento evolucionista, apesar de concordar com a ausência de rituais e mitos na ciência –, a religião deveria ser estudada a partir das instituições sociais e como essas moldam os membros de uma determinada sociedade, afinal, “elas [religiões antigas] consistem inteiramente de instituições e práticas”20 rigorosamente fixados e tradicionais, cujos respectivos significados somente serão posteriormente atribuídos que, por sua vez, são vagos e variam conforme os membros do grupo, pois “todo homem era livre para colocar seu próprio significado no que era feito”.21

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2.1.4 JAMES GEORGE FRAZER

Nascido em uma família religiosa escocesa, herdeiro e influenciado pelos trabalhos de seus predecessores, Smith e Tylor – apesar de criticá-los –, James George Frazer (1854–1941), foi o primeiro estudioso a receber, na Universidade de Liverpool, uma cadeira intitulada antropologia social no mundo (1907) – posto ocupado por menos de um ano.

Formado na Glasgow University em Master of Arts (1874), aprendeu grego e latim, mostrando também um interesse pelos estudos clássicos, que aparecem pela primeira vez em The Growth of Plato’s Ideal Theory, para concorrer a uma bolsa de estudos e somente publicado em 1930, e na publicação de sua obra Pausanias’ Description of Greece (1898) e a tradução comentada de Fasti, by Ovid (1929), por exemplo. Após uma sugestão de um amigo e preocupado com as tendências anglicanas, seu pai, Daniel, o enviou para o Trinity College, em Cambridge – ao invés de Balliol College, em Oxford –,1 onde conheceu William Robertson Smith (1846–1894), seu melhor amigo e uma das suas maiores influências, apesar das divergências teóricas, como aponta Jones:

Em suma, os pontos de vista de Smith e Frazer sobre praticamente todas as facetas da religião primitiva eram diferentes, se não francamente opostos. Apesar de toda a sua simplicidade enganosa, categorias dicotômicas como racional versus inconsciente, medo versus afeto, cognição versus conação, crença versus instituição, indivíduo versus coletividade, progresso intelectual versus progresso espiritual imediatamente se sugerem. Mas essas diferenças simplesmente refletem um desacordo mais fundamental, ou melhor, uma incompreensão mútua, sobre a natureza da própria religião; e a base para essa incompreensão fora estabelecida muito antes de Smith e Frazer se encontrarem na Sala Comum (Combination Room) do Trinity College.2

Em Trinity, Frazer ganhou uma bolsa (Fellowship of Trinity College) que se tornou vitalícia, sem exigência de aulas ou produção acadêmica.3 Assim como Tylor, foi sagrado cavaleiro (1914), eleito Fellow of the Royal Society (1920), bem como a condecoração de Order of Merit (1925), sete títulos Honoris causa e inúmeras outras honrarias, recusando aquelas que atrapalhassem o seu trabalho.4

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Figura 06 – James George Frazer (1854–1941)

Smith, vendo o interesse do amigo pela “antropologia” – mas também por influência de James Ward (1843–1925) –, pediu a Frazer para escrever sobre os termos totemismo e tabu na Encyclopædia Britannica, vol. XXIII (1888), que estava sob sua editoração, também publicando um panfleto intitulado Questions on the Manners, Customs, etc., of Uncivilized or Semi-civilized Peoples (1887).5 Porém,

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Frazer ficou amplamente conhecido pela publicação de The Golden Bough (O ramo de ouro, 1890), um códice, compêndio ou uma viagem de descoberta – nos termos do próprio autor – de costumes e rituais de diversas civilizações ao longo da história, demorou vinte e cinco anos para estar completo, sendo dividido em duas partes, na primeira edição (1890), três, na segunda (1900), e em doze partes, na terceira (1911–1915) – mais um adendo, adicionado posteriormente, chamado Aftermath: a supplement to The Golden Bough (1936) –, tem a seguinte divisão temática: 1) A arte da magia e a evolução dos reis; 2) O tabu e os perigos da alma; 3) O deus que morre; 4) Adônis, Átis e Osíris; 5) Os espíritos do milho e da selva; 6) O bode expiatório; 7) Balder, o belo; e inspirado pelos trabalhos de coleta de Johann Wilhelm Emanuel Mannhardt (1831–1880), do qual também se baseou na lei da similaridade para formular o seu método comparativo de análise da religião, assentando-o na similaridade do funcionamento da mente humana, também mostrando que o animismo tyloriano não era a única forma ou a forma dominante do pensamento primitivo - apesar de concordar com a uniformidade da mentalidade humana defendida por Tylor. Csapo descreve o método comparativo frazeriano em quatro etapas:

O primeiro passo é encontrar um problema específico: um rito, mito ou instituição que pareça estranho ou autocontraditório, ou simplesmente um que evite a compreensão racional: as chances são de que a estranheza seja uma sobrevivência de um estágio anterior de desenvolvimento cultural. O segundo passo consiste em reunir tantos exemplos desse rito, mito ou instituição em particular, a partir de tantas culturas quantas se puder encontrar. O terceiro passo é encontrar uma explicação generalizada para o fenômeno. Isso freqüentemente emergirá de alguns dos exemplos específicos coletados, já que alguns provavelmente estarão mais próximos da "origem" do fenômeno do que outros. A explicação correta será aquela que tem o poder de explicar todos os exemplos coletados com o menor grau de complexidade e argumentação especial. O quarto passo é simplesmente resumir, reaplicando a explicação geral ao problema original.6

Segundo Malinowski, admirador de Frazer, a problemática da religião primitiva frazeriana pode ser esboçada em três aspectos:7 1) a tripartição cultural entre os estágios da magia, religião e ciência; 2) o totemismo e o aspecto sociológico da fé primitiva; e 3) os cultos de fertilidade e vegetação.

A tripartição cultural frazeriana advém da própria noção antropológica do autor, vendo o antropólogo como um estudante do passado e não como um vidente – por vezes apontada como uma antropologização das tripartições viconiana ou

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comtiana8. Para Frazer, o objetivo da antropologia é comparar as raças humanas e traçar suas afinidades, a fim de descobrir/deduzir as leis gerais ou princípios que regulam a história humana às quais se pode presumir os fatos particulares, tanto em relação à evolução do pensamento, instituições, costumes, ciência, arte, política, moralidade e da religião, quanto a sobrevivência destas práticas e ideias supersticiosas nas culturas mais elevadas – divididas em públicas ou privadas –, sustentadas pela desigualdade humana, que se encontram em harmonia com o pensamento e sentimentos da sociedade – em discordância às conclusões apressadas e exageradas de Müller e seus companheiros solaristas, cujo o estudo da mitologia se restringia aos povos arianos, junto com alguns outros estudos do totemismo, magia e tabu, auxiliaram na descrença do estudo do mito e da religião; o que o autor dividiu nos departamentos do estudo da selvageria e do estudo do folclore, respectivamente.

Comparando o selvagem e o civilizado como um embrião em relação ao corpo humano, ou uma criança para um adulto, Frazer buscava traçar um crescimento gradual da inteligência da espécie – crendo ser o conhecimento a fonte de domínio sobre o outro, animal ou humano –, partindo da selvageria à barbárie, até a civilização, como onipresente e unidirecionalmente ascendente, de modo a formar uma escala de progressão social. Apesar de não serem diferentes tipos de ser, o selvagem representa um estágio estacionado ou retardado do desenvolvimento social, cuja ignorância ou a baixa capacidade de discernimento é reconhecida também nas camadas “mais baixas” da sociedade – correspondente a sua maioria - como uma multidão ignorante e insensata de intelecto subdesenvolvido em relação aos civilizados.

No entanto, esta é uma questão para um psicólogo – claro que não para um das escolas antigas, com suas faculdades e capacidades mentais marcadas e encaixadas. Mas tenho certeza de que qualquer um que tenha estudado psicologia do ponto de vista fisiológico concordaria comigo que quanto mais voltamos, mais diferente da nossa era a atitude do homem para com o mundo; e, além disso, quanto mais pudéssemos nos projetar para o futuro, mais deveríamos achar que a visão do mundo tomada pelos homens no futuro diferiria daquela tomada por nós no presente.9

Em meio a essa fantasmagoria mutante do pensamento, na busca do homem por organizar os fenômenos naturais em vantagem própria, Frazer considerava o primitivo como documentos ou arquivos humanos, tendo de estudá-los antes que os

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extermínios, modificações ou influências tomassem conta de seus hábitos e tradições – para mais, evitando imposições anacrônicas, Ackerman aponta que, apesar de tais comentários, Frazer era apenas mais um entre os autores etnocêntricos do contexto vitoriano, em que europeus se julgavam superiores aos não-brancos e não-europeus.10

Assim, partindo do erro e da estupidez humanos, o homem encontrou “uma chave de ouro que abre muitas fechaduras no tesouro da natureza”11 – mas não todas – num movimento evolutivo ascendente do pensamento através, respectivamente, da: 1) magia; 2) religião; e 3) ciência.

A magia, irmã bastarda da ciência, é deduzida imediatamente, mas aplicada equivocadamente às leis fundamentais/elementares do pensamento/mente, ou seja: 1) a lei ou associação por similaridade, em que semelhante produz semelhante ou que o efeito se assemelha a causa; e 2) a lei do contágio ou contato, ou associação por contiguidade, em que as coisas agem umas sobre as outras devido a um contato precedente; que produzem a magia homeopática ou imitativa/mimética e a magia contagiante, respectivamente. Ambas podem ser compreendidas como uma magia simpática, tendo em vista que, assim como a ciência, a magia busca explicar como as coisas, mesmo distantes, se afetam umas às outras através de um éter invisível ou espaço aparentemente vazio (figura XX).

Figura 07 – Os ramos da magia de acordo com as leis do pensamento subjacentes segundo Frazer (1920, p. 54).

Ademais, a magia para aquele que a produz, advinda de uma lógica implícita, é sempre prática e ausente de reflexão sobre os princípios abstratos que envolvem suas ações – ao contrário da lógica explícita da ciência, cuja ideia inclusive lhe carece.12 Como um sistema de leis naturais, das regras que determinam a

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sequência de eventos no mundo todo, a magia é teórica, mas se considerada como um conjunto de preceitos – positivos (encantos ou bruxaria) ou negativos (proibições ou tabus) – observados pelos seres humanos, a fim de banalizar seus fins, a magia é prática (figura XX). Essas leis essenciais, se legitimamente aplicadas, produzem a ciência, como algo verdadeiro e frutífero, ao contrário da magia como falsa e estéril;13 “em suma, a magia é um sistema espúrio de lei natural, bem como um guia de conduta falacioso; é uma falsa ciência e também uma arte abortada”.14 Tentando curvar a natureza por forças mágicas ou encantamento, a magia surge nos estágios mais primitivos, satisfazendo os desejos transcendentes ao desejo animal imediato – que também são capazes de tais associações, mas não de formular crenças e entidades sobrenaturais, pois essas são concepções reservadas para a razão humana.

Figura 08 – O sistema da magia segundo Frazer (1920, p. 113).

Conforme o avançar da humanidade, no entanto, as inteligências mais sagazes reconheceram a falsidade inerente, a ineficácia e a esterilidade da magia, como produtos da imaginação, não conseguindo mais apreciar a sua ilusão agradável, confessando a sua ignorância e fraquezas humanas, pois não haviam provas e o homem não possuía real poder de controlar e/ou afetar as forças da natureza por meio das cerimônias e encantamentos mágicos; “ele puxara cordas às quais nada se ligava; ele estava marchando, como ele pensava, direto para o propósito, enquanto, na realidade, ele só estava trilhando um círculo restrito”.15 Assim como todos os lugares passaram por uma Idade da Pedra, toda a humanidade também teria passado por uma Idade da Magia, compartilhando substancial e uniformemente as mesmas práticas e princípios, até que, por um progresso gradual, passo a passo, alcançam a Idade da Religião e, posteriormente, a ciência. Desse modo, os filósofos

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selvagens, procurando refúgio após uma viagem tempestuosa, necessitavam de um novo sistema de crença e práticas que solucionasse e substituísse suas dúvidas, confessando e entregando cada vez mais o seu poder invisível às outras entidades superiores, semelhantes a ele em aparência, mas não em poder, que o rodeava, até a sua total dependência.

A religião seria, portanto, “uma propiciação ou conciliação de poderes superiores ao homem, que se acredita dirigir e controlar o curso da natureza e da vida humana”16 – por trás da sua tela ou véu invisível –, constituída por dois elementos inseparáveis: 1) um teórico, precedente, baseado na crença em poderes superiores, divindades que governam o mundo e aos quais o homem é submisso às suas vontades; e 2) outro prático, a adoração das divindades, por amor ou temor, imitando-os na forma de rituais, a fim de ganhar favores. Ademais, em caso de ausência do primeiro, o homem é apenas moral ou imoral de acordo com o grupo, enquanto a ausência do segundo transforma a religião em mera teologia.

Assim, a religião é diretamente oposta tanto aos princípios da magia quanto da ciência, uma vez que a adoração de seres conscientes ou pessoais implica numa conduta, de certo modo, incerta, que pode ser convencida e desviada do seu propósito de beneficiar o homem, não possuindo nem a sujeição às forças impessoais da magia – sendo uma concepção mais complexa, abstrusa e recôndita que essa última, exigindo um grau mais elevado de inteligência e reflexão17 –, nem a imutabilidade das leis mecânicas da ciência.

No entanto, Frazer também reconhece um estágio intermediário entre a magia e a religião, em que a função dos feiticeiros e sacerdotes não se diferenciavam, realizando ritos mágicos e religiosos simultaneamente, como aponta em nota:

Do meu ponto de vista, a evolução do pensamento, a respeito desse assunto, passou por três etapas: primeiro, um estágio no qual a magia existia sem religião; segundo, um estágio em que a religião, tendo surgido, cooperado e, até certo ponto, confundido com magia; e terceiro, um estágio em que a diferença radical de princípio entre os dois sendo reconhecida, sua relação era de hostilidade aberta.18

Segundo Frazer, essa confusão permanece até os mais altos estágios da cultura, nas classes ignorantes, insípidas, fracas e supersticiosas – que, segundo o autor, compõem a maior parcela da humanidade –, como resultado de mentes pequenas

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que não foram capazes de se desvincular das antigas superstições mágicas e, apesar de poderem ser proibidas e desprezadas, mantêm raízes profundas na estrutura e constituição mental da maioria.

No entanto, o conhecimento religioso também acaba por ser insatisfatório em relação à imutabilidade das leis naturais, cuja desordem aparente se revela como uma ordem; “mesmo em regiões onde o acaso e a confusão pareçam ainda reinar, um conhecimento mais completo em todos os lugares reduziria o aparente caos em cosmos”.19 De modo a resolver os mistérios do universo, o homem reverte o que a magia, de modo implícito, já postulava: “uma regularidade inflexível na ordem dos acontecimentos naturais, que, se cuidadosamente observados, nos permite prever com certeza o seu curso e agir em conformidade”,20 cujo o progresso intelectual, moral e material se encontra no desenvolvimento da ciência. No entanto, essa não é o último estágio da mente humana, mas somente mais uma teoria do pensamento, que está fadada a ser substituída no futuro por uma outra forma de se encarar os fenômenos por alguns grandes Ulisses dos reinos do pensamento, assim como as formas antecessoras. Todo esse progresso do pensamento humano com um futuro incerto é ilustrado por Frazer na parábola abaixo sob a mesma metáfora do tecido a que se refere à mente:

Sem mergulhar tanto no futuro, podemos ilustrar o curso que o pensamento percorreu até então, comparando-o a uma rede tecida de três fios diferentes – o fio preto da magia, o fio vermelho da religião e o fio branco da ciência, se sob a ciência, podemos incluir aquelas verdades simples, extraídas da observação da natureza, das quais homens de todas as idades possuíam um depósito. Poderíamos, então, examinar a teia de pensamento desde o começo, devemos provavelmente perceber que ela é, a princípio, um mosaico de preto e branco, uma manta de retalhos de noções verdadeiras e falsas, dificilmente tingidas ainda pelo fio vermelho da religião. Mas percorra com o seu olho mais adiante ao longo do tecido e você observará que, enquanto o mosaico preto e branco ainda o atravessa, na parte central da teia, onde a religião penetrou mais profundamente em sua textura, uma mancha carmim escura, que se desvanece insensivelmente em um tom mais claro quando o fio branco da ciência é tecido cada vez mais no tecido. Para uma teia assim quadriculada e manchada, assim trançada com fios de diversas tonalidades, mas mudando gradualmente de cor, quanto mais se desenrola, o estado do pensamento moderno, com todos os seus objetivos divergentes e tendências conflitantes, pode ser comparado. Será que o grande movimento que por séculos tem lentamente modificado a complexidade do pensamento continuará no futuro próximo? ou será que uma reação se estabelecerá, em que deterá o progresso e até mesmo desfará muito do que foi feito? Para manter nossa parábola, qual será a cor da teia que o Destino está tecendo agora no zumbido do tempo? será branco ou vermelho? Nós não podemos dizer. Uma fraca luz brilhante ilumina a parte traseira da teia. Nuvens e densas trevas escondem o outro lado.21

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Frazer também é reconhecido por seu estudo sobre o totemismo – conceito cunhado anos antes pelo escocês John Ferguson McLennan (1827–1881) –, que deriva de totem como uma classe de objetos materiais, geralmente animais ou plantas, mas também podendo ser, com menos frequência, objetos naturais inanimados ou ainda raramente, objetos artificiais, “que um selvagem venera com respeito supersticioso, acreditando que existe entre ele e cada membro da classe uma relação íntima e totalmente especial”,22 que desencadeia em sistemas sociais e religiosos, de crenças e práticas, de relações entre os membros de um clã totêmico e os demais, e do totem com o homem, respectivamente. Segundo Jones, diferente de Smith, Frazer buscou a origem do totemismo no animismo, que permanece nos sentimentos morais do povos civilizados por meio da superstição primitiva.23 Os totens podem ser divididos ao menos em três tipos:24 1) totem clânico, passado hereditariamente de geração à geração – o que geralmente incluem outros tipos de totens; 2) totem sexual, relativos aos homens ou mulheres, excluindo seu oposto; ou 3) totem individual, pertencente a uma única pessoa e não hereditário.

O terceiro ponto, do culto da vegetação ou fertilidade, é a linha condutora que guia toda a obra The Golden Bough. Partindo do mito e culto de Diana no lago Nemi, nas Colinas Albanas, representado na pintura de Joseph Mallord William Turner (1775–1851), intitulada The Golden Bough (1834) (figura XX) – que ilustra a primeira edição da obra –, Frazer busca demonstrar a similaridade entre as cerimônias religiosas de sacrifício dos reis deificados – por enfermidade ou apresentar sinais de idade, ou por cumprir um determinado ciclo –, assassinato de pessoas ou animais sagrados com o intuito de adquirir seus poderes e atributos divinos, até o sacrifício de um bode expiatório, como o eliminador das maldades e pecados do grupo – ideia explorada posteriormente por René Girard (cf. seq., pp. 253-64) –, em maior ou menor grau de complexidade, a fim de explicar o sacerdócio de Nemi.

Pesquisas recentes sobre o início da história do homem revelaram a semelhança essencial com a qual, sob muitas diferenças superficiais, a mente humana elaborou sua primeira filosofia crua de vida. Assim, se pudermos mostrar que um costume bárbaro, como o do sacerdócio de Nemi, existiu em outro lugar; se pudermos detectar os motivos que levaram à sua instituição; se pudermos provar que esses motivos operaram amplamente, talvez universalmente, na sociedade humana, produzindo em circunstâncias variadas uma variedade de instituições especificamente diferentes, mas genericamente semelhantes; se pudermos mostrar,

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finalmente, que esses mesmos motivos, com algumas de suas instituições derivativas, estavam realmente em ação na antiguidade clássica, então podemos inferir que, em uma era mais remota, os mesmos motivos deram origem ao sacerdócio de Nemi. Tal inferência, na falta de evidência direta de como o sacerdócio realmente surgiu, nunca pode ser uma demonstração. Mas será mais ou menos provável de acordo com o grau de completude com o qual preenche as condições indicadas acima. O objetivo deste livro é, ao atender a essas condições, oferecer uma explicação bastante provável do sacerdócio de Nemi.25

Figura 09 – O ramo de ouro [The Golden Bough] de Joseph Mallord William Turner. Óleo sobre tela, 104 x 163,5 cm (The Tate Gallery, Londres, N00371), 1834.

Ao contrário de Tylor, Frazer se concentrou em investigar um único grupo de mitos, apontando-o como um tema central da mitologia ao redor do mundo, da ascensão de alguns magos selvagens e bárbaros à categoria de rei, dedicando também a maior parte de sua obra à análise dele, identificando-o nos mitos de Átis, Adônis, Osíris, Dionísio, Deméter, Tamuz, Prosérpina, Balder e Jesus, por exemplo – pois “em nome eles variavam de lugar para lugar, mas em substância eram todos iguais”26 –, até os cultos e costumes dos aldeões europeus, ligados às práticas mágicas dos primitivos, em que

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Claramente, portanto, esses costumes da primavera e da colheita baseiam- se nos mesmos modos antigos de pensamento, e formam partes do mesmo paganismo primitivo, que foi sem dúvida praticado por nossos antepassados muito antes do alvorecer da história, como é praticado até hoje por muitos de seus descendentes.27

Apesar de manter uma posição racionalista, a questão do mito em Frazer, porém, assim como a sua principal obra, é labiríntica, uma vez que, segundo Ackerman, podem ser observadas declarações do autor apoiando pelo menos três diferentes e incompatíveis teorias sobre o mito:28 1) evemerismo, como um modo de sustentar a sua posição anticlerical e apontar as religiões como fraudulentas; 2) intelectualismo ou cognitivismo – não behaviorista-comportamental –, do mesmo modo que Tylor, sustentando os mitos como uma pré-ciência com explicações equivocadas; e 3) ritualismo, dividida em duas posições, que ora coloca a precedência no mito, ora no ritual – a última já defendida por Smith e Mannhardt –, mas que durou por uma fase breve, uma vez que contradizia sua hipótese racionalista e Frazer “estava totalmente fora de simpatia por aquela onda de irracionalismo, seja em suas formas vitalistas, coletivistas ou psicanalíticas, que foi crescente na virada do século”.29 Para mais, como aponta Segal, a diferença entre as teorias tyloriana e frazeriana consiste em

Para Frazer, assim como para Tylor, o mito faz parte da religião primitiva; a religião primitiva é parte da filosofia, que é universal; e a religião primitiva é a contrapartida da ciência natural, que é inteiramente moderna. A religião primitiva e a ciência são, para ambos, mutuamente exclusivas. A religião primitiva é falsa, a ciência é verdadeira. Mas onde, para Tylor, a religião primitiva, incluindo o mito, funciona como a contrapartida da teoria científica, para Frazer ela funciona ainda mais como contrapartida à ciência aplicada ou à tecnologia. Onde, para Tylor, a religião primitiva serve para explicar eventos no mundo físico, para Frazer ela serve ainda mais para efetuar eventos, acima de tudo o crescimento das colheitas. Onde Tylor trata o mito como um texto autônomo, Frazer conecta o mito ao ritual, que o encena.30

Como também aponta Segal,31 há duas distintas versões com relação a conexão entre essas práticas dos cultos da fertilidade e os mitos na teoria ritualística do mito em Frazer, que, porém, não se desvinculam. A primeira diz respeito às narrativas como fornecedoras de modelos de ação e práticas a serem representadas ou imitadas nos rituais – a aplicação da lei da similaridade sobre o sacrifício ou assassinato inicial de um deus para o rejuvenescimento da natureza –, a fim de suscitar a sua ocorrência, correspondendo a fase congruente entre magia e religião, cuja suposição da submissão da natureza ao controle dos deuses é legado da

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religião, enquanto a suposição de que o homem pode controlar a natureza, mesmo que através dos deuses, é legado da magia.32

Os mitos são apenas idéias do mesmo tipo daquelas que deram origem às práticas supersticiosas e às instituições selvagens; mas, lidando com coisas além do alcance humano, eles [os mitos] não poderiam ter as consequências práticas que foram produzidas pelas ideias similares sobre as coisas ao alcance do homem. Se usamos a mitologia no sentido das ideias do homem primitivo em geral, então a superstição é apenas mitologia aplicada – superstição são ideias primitivas mais prática, mitologia são ideias primitivas menos prática.33

A segunda versão se refere a uma grande classe de mitos que “são inventados para explicar a origem de um ritual religioso e não têm outro fundamento além da semelhança, real ou imaginária, que pode ser traçada entre ele e algum ritual estrangeiro”.34 Nesta versão, diferente da primeira, o homem não é o veículo do poder divino que age sobre a natureza, mas é o próprio detentor do poder divino, representado na figura dos reis, que devem ser sacrificados periodicamente, como uma medida preventiva contra o perecimento do próprio deus, sendo substituídos, a fim de dar continuidade ao renovar ciclos da natureza.

Nós provavelmente não erramos em assumir que muitos mitos, que agora conhecemos apenas como mitos, tiveram sua contrapartida na magia; em outras palavras, eles costumavam agir como um meio de produzir de fato os eventos que eles descrevem em linguagem figurada. As cerimônias muitas vezes desaparecem, enquanto os mitos sobrevivem e assim somos deixados para inferir a cerimônia dos mortos do mito vivo.35

Em suma, apesar de ver o mito intimamente conectado ao ritual, ambiguamente, Frazer vê tanto o mito como uma elaboração secundária advinda das ações primordiais divinas, como também inverte a perspectiva, colocando o mito como não somente a explicação das práticas, que lhe são posteriores, mas de todo o mundo, de modo que o homem possa controlar forças às quais ele não detém o controle – embora Harrison e Hooke, discípulos de Frazer, defendam a emergência simultânea de ambos os fenômenos, discordando da precedência mítica como explanatória dos ritos ou vice-versa, defendida por Frazer e Smith, respectivamente, como veremos em sequência –, conforme na sua definição de mito no trecho abaixo:

Por mitos eu entendo explicações equivocadas de fenômenos, seja da vida humana ou da natureza externa. Tais explicações originam-se dessa curiosidade instintiva concernente às causas das coisas que, num estágio mais avançado do conhecimento, busca satisfação na filosofia e na ciência, mas sendo fundadas na ignorância e no equívoco, são falsas, pois se fossem verdadeiras elas deixariam de ser mitos. Os temas dos mitos são tão numerosos quanto os objetos que se apresentam à mente do homem;

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porque tudo excita sua curiosidade e tudo o que ele deseja para aprender a causa. Entre as questões mais amplas que muitos povos tentaram responder pelos mitos são aquelas que correspondem à origem do mundo e do homem, os movimentos aparentes dos corpos celestes, a recorrência regular das estações, o crescimento e a decadência da vegetação, a queda da chuva, os fenômenos do trovão e do raio, os eclipses e terremotos, a descoberta do fogo, a invenção das artes úteis, os inícios da sociedade e o mistério da morte. Em suma, a gama de mitos é tão ampla quanto o mundo, sendo coextensiva com a curiosidade e a ignorância do homem.36

Frazer reconhece, mesmo se considerados como narrativas fantasiosas, a importância do estudo dos mitos como um fenômeno mental que lança luz sobre a condição mental do homem que os criaram, não podendo ser dissociado dos fenômenos naturais.37 Ademais, o antropólogo critica, em nota, a visão limitada de alguns escritores que restringem o alcance dos mitos ao ritual, considerando-os somente como produções explicativas posteriores cuja origem foi esquecida, que, apesar de incluí-la, defende que a maioria dos mitos diz respeito a assuntos de uma origem mais geral sobre o entendimento do mundo.38

Por fim, as críticas quantos às perspectivas do autor são inúmeras. Ackerman inicia a biografia de Frazer considerando-o uma vergonha.39 Constrangimento esse que a antropologia social britânica carregou com o alcance de sua teoria – repleta de posições imperialistas, paternalistas, elitista e de colonização mental,40 advindas de seu status social ocupado na sociedade vitoriana racionalista – e permaneceu com seus sucessores, até as publicações de uma teoria funcional em Radcliffe- Brown e Malinowski – apesar desses também fundarem suas perspectivas nas ciências naturais. Para mais, apesar de ver as maiores contribuições de Frazer ao campo da religião comparada, Lowie aponta o autor como um erudito e não um pensador, cuja ignorância aos avanços da teoria antropológica e um uso tanto de uma psicologia vulgar quanto de um falso racionalismo, impediram-no de corroborar com novos e significativos conceitos e percepções.41 Apesar de tal desdém contra o autor ser resultado de uma reorientação teórica ocorrida na antropologia desde então,42 controversamente, Frazer também reconhece que qualquer hipótese pode ser destruída como um castelo de areia levado pela maré crescente do conhecimento.43 Segundo o autor, as hipóteses – incluindo as suas – são como pontes temporárias para conectar fatos isolados que podem ser desmanteladas ou substituídas por outras estruturas mais sólidas,44 o que se reflete na constante mudança de seus argumentos por novas acepções ou especulações sobre os

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mesmos fenômenos em suas obras, pois “o avanço do conhecimento é uma progressão infinita em direção a um objetivo que sempre recua”.45

Ainda segundo Ackerman, as críticas a Frazer dizem respeito a:46 1) validade de seu método comparativo, retirando os objetos de seu contexto; 2) generalização de uma ordenação evolutiva distinguível, que partia da magia para a religião e desta para a ciência; 3) o estado mental como preocupação central da pesquisa antropológica; e 4) o uso de dados distorcidos pelas fontes ou que não eram submetidos à crítica.

Ademais, Ludwig Josef Johann Wittgenstein (1889–1951) em Bemerkungen über Frazers "The Golden Bough" (Observações sobre "O ramo de ouro" de Frazer, 1967), critica as opiniões de Frazer a respeito das concepções mágicas e religiosas vistas como erros, falsidade, delírio ou estupidez, bem como do “primitivismo” das “culturas a-históricas”, que são apenas modos plausíveis de observação e concepção segundo a estreiteza da vida mental de pessoas da elite vitoriana. A perspectiva de Frazer não encara o fenômeno tanto em sua heterogeneidade quanto os efeitos e significados particulares provocados em cada pessoa, se utilizando dos seus próprios conceitos para descrever experiências pertencentes à outras culturas, como se pudesse restringí-las aos mesmos significados, tirando conclusões equivocadas – a falácia do “se-eu-fosse-um-cavalo” radcliffe-browniana –, enquanto são, em realidade, apenas modos particulares de interpretação dos fenômenos. Para Wittgenstein

Frazer é muito mais savage (selvagem) que a maioria dos seus savages (selvagens), pois estes não estariam tão longe da compreensão de uma questão mental remota quanto um inglês do século XX. Suas explicações das práticas primitivas são muito mais toscas que o próprio sentido dessas práticas.47

Apesar das inúmeras críticas consequentes de seu trabalho, o corpus de costumes e práticas reunidos por Frazer “despertou um interesse público geral pelo assunto e atraiu muitos estudiosos para estudar o assunto”,48 com contribuições para os ramos da arqueologia, religião, história, psicologia, literatura, influenciando ou ao menos inspirando os trabalhos literários e ensaísticos de Thomas Stearns Eliot (1888–1965), William Butler Yeats (1865–1939), Ezra Weston Loomis Pound (1885–1972), David Herbert Lawrence (1885–1930), Ernest Miller Hemingway

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(1899–1961), James Augustine Aloysius Joyce (1882–1941), bem como as teorias como Wilhelm Maximilian Wundt (1832–1920), Henri Hubert (1872–1927), Marcel Mauss (1872–1950), Sigismund Schlomo Freud (1856–1939) e David Émile Durkheim (1858–1917), Carl Gustav Jung (1875–1961), Joseph Campbell (1904– 1987) e René Girard (1923–2015), por exemplo – alguns cujas teorias do mito serão apresentadas posteriormente.

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2.2 RITUALISMO

Tanto as teorias desenvolvidas por William Robertson Smith (1846–1894) quanto por James George Frazer (1854–1941) sobre a relação entre mito e ritual, e o uso de ambos, por meio da lei da similaridade, para controlar o mundo físico, causaram grande impacto principalmente entre os estudiosos do classicismo, se opondo, de certo modo, à teoria intelectualista do mito desenvolvida por Edward Burnett Tylor (1832–1917). É a partir dessa influência que Jane Ellen Harrison (1850–1928) – a fundadora – juntamente com Francis Macdonald Cornford (1874–1943), Arthur Bernard Cook (1868–1952) e George Gilbert Aimé Murray (1866–1957), entre outros, constituíram a escola de classicistas, ou eruditos, por vezes denominada como Cambridge Ritualists.1

A teoria do ritualismo, segundo Ackerman, “é a teoria que deriva o mito e, em conseqüência, literatura e folclore influenciados pelo mito, a partir de performances rituais antecedentes, geralmente do tipo mágico agrícola”.2 No entanto, apesar de ter como “patronos” Smith e Frazer, o último manteve-se crítico à submissão ou procedência do mito em relação ao ritual – principalmente devido às suas constantes mudanças de argumentos –, como nos trechos abaixo:

Por uma curiosa limitação de visão, alguns escritores modernos restringiriam o escopo dos mitos ao ritual, como se nada mais que um ritual servisse para colocar os homens pensando e meditando sobre as causas das coisas. Sem dúvida, alguns mitos foram inventados para explicar os rituais dos quais a verdadeira origem foi esquecida; mas o número de tais mitos é infinitamente pequeno, em comparação com mitos que lidam com outros assuntos e tiveram outra origem.3

O zeloso estudante do mito e do ritual, mais interessado em explicá-los do que em desfrutar do folclore do povo, é muito capaz de invadir o jardim do romance e, com uma varredura de sua foice, pôr as flores da fantasia no pó. Ele precisa ser lembrado ocasionalmente de que não devemos procurar um mito ou um rito por trás de cada história, como um touro atrás de cada sebe ou um cancro em cada rosa.4

Por outro lado, há também outras perspectivas que deram continuidade na relação entre mito e ritual. Strenski5 aponta quatro tipos ou sentidos de ritualismo em relação às atitudes acadêmicas referentes à questão, derivados de uma abordagem durkheimiana - mesmo sendo posterior –, iniciada com Abel Henri Joseph Bergaigne (1838–1888) e Sylvain Lévi (1863–1935) e que mantêm uma ordem histórica: 1) causal ou constitutivo, que aponta a relação de interdependência entre a religião e o ritual – seja o ritual a causa da religião, seja a religião um

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conjunto de rituais; 2) metodológico, em que, dada a abordagem causal, um estudo sério é estabelecido de modo a entender a natureza da religião; 3) prático, tida como uma abordagem participativa e criativa dos rituais, como vista em Georges Bataille (1897–1962), Karen McCarthy Brown (1942–2015) e Tom Faw Driver (1925–); e 4) perene, em que, uma vez que os rituais são essenciais à natureza humana, eles também são perenes na cultura e na vida.

Seguindo essa abordagem durkheimiana, Charles-Arnold Kurr van Gennep (1873–1957), por exemplo, vendo uma incompatibilidade entre o mundo sagrado e profano, coloca os ritos de passagem – decompostos em ritos de separação, margem e agregação –, apesar de suas especificidades, como os intermediários solucionadores dessa antinomia entre o cósmico e o social, reflexo dos próprios processos de alteração/passagem/sucessão de etapas da vida humana e dos ritmos da natureza e do universo. Neste meio, o mito surge como “uma narrativa/conto, que muda geralmente e regularmente e se representa com aparências recorrentes, e os seus elementos se expressam em sequências semelhantes através dos atos/ações religiosas (ritos)”.6

Já Segal, vê a importância do ritualismo em uma 1) reconsideração do status tanto do mito como do ritual, ambos subestimados pelo ceticismo moderno, 2) o preenchimento da lacuna que une crenças e práticas, ao invés de derivar uma da outra e 3) o desenvolvimento das críticas advindas da reconciliação entre religião e ciência, como pensamentos paralelos, mas não coincidentes.7 Ademais, o autor também aponta que a teoria mito-ritualística corrobora para a compreensão das concepções de religião, bem como das comparações das teorias da religião, uma vez que elas dizem respeito aos mesmos fenômenos, além de unificar a religião como um fenômeno uno, cujos aspectos são meras formas de expressão de sua natureza.8

Segal dedica um livro inteiro à análise de tal questão,9 assim como Ackerman10 – apesar do segundo se restringir à esfera antropológica do século XIX e XX –, explora as diferentes formas de abordagem da teoria ritualística do mito em sete distintas partes – 1) formulação original da teoria; 2) desenvolvimento da teoria; 3) aplicação da teoria no Mundo Antigo; 4) aplicação da teoria mundialmente; 5) aplicação da teoria na literatura; 6) revisão de teoria; e 7) valoração da teoria; que

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incluem vários dos autores explorados ao longo do nosso trabalho11 – que podem ser sintetizadas, segundo o autor, da seguinte forma:

A teoria do mito e do ritual, mito-ritualística, afirma que mitos e rituais operam juntos. A teoria afirma não que mitos e rituais acontecem de mãos dadas, mas que eles devem [acontecer]. Em sua forma mais intransigente, a teoria sustenta que mitos e rituais não podem existir um sem o outro. De uma forma mais branda, a teoria afirma que mitos e rituais originalmente existem juntos, mas podem seguir caminhos separados. Em sua forma mais branda, a teoria sustenta que mitos e rituais podem surgir separadamente, mas subseqüentemente se aglutinam.12

Para Clyde Kay Maben Kluckhohn (1905–1960), enquanto o ritual “é uma atividade obsessiva e repetitiva – freqüentemente uma dramatização simbólica das ‘necessidades’ fundamentais da sociedade, sejam elas ‘econômicas’, ‘biológicas’, ‘sociais’ ou ‘sexuais”, o mito “é a racionalização dessas mesmas necessidades, sejam elas todas expressas em cerimoniais ou não”.13 Apesar de mito e ritual estarem universalmente associados por uma base psicológica comum, eles coexistem independentemente e, tanto o grau de importância quanto as suas respostas adaptativas têm pesos diferentes em diferentes sociedades, de acordo com as suas configurações específicas (culturais, ambientais físicas e biológicas, sociais etc.), pois as necessidades típicas – conscientes e inconscientes – e culturalmente reconhecidas por um grupo podem ser meras necessidades individuais em outro.

Tanto o mito quanto o ritual são procedimentos simbólicos e estão mais intimamente ligados por esse, assim como por outros fatos. O mito é um sistema de símbolos de palavras, enquanto o ritual é um sistema de símbolos de objetos e atos. Ambos são processos simbólicos para lidar com o mesmo tipo de situação no mesmo modo afetivo.14

Para o autor, uma vez que mito e ritual satisfazem o mesmo grupo de necessidades, ou necessidade intimamente relacionada, dos indivíduos, “em um grau considerável, toda a questão da primazia do cerimonial ou da mitologia é tão sem sentido quanto todas as questões ‘do ovo e a galinha”,15 pois eles são produtos e parte da hereditariedade social, modificados através das gerações de acordo com as mudanças de necessidades, por mais que os padrões comportamentais simbólicos (rituais) parecem se alterar primeiramente. No entanto, sustentado por Cora Alice Du Bois (1903–1991), Kluckhohn supõe que rituais socialmente reconhecidos e assimilados pelo grupo poderiam ter a sua gênese em rituais pessoais surgidos de “formações idiossincráticas de hábitos (semelhantes às dos

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neuróticos obsessivos em nossa cultura) ou em sonhos ou devaneios”,16 enquanto as fantasias individuais se tornariam os mitos, por meio de pressões fortes e gerais impostas que fazem com que indivíduos desenvolvam reações similares.

Portanto, nem mito nem ritual podem ser postulados como “primários”,17 mas somente que ambos tendem a estarem intimamente associados, influenciar e reforçarem-se mutuamente, havendo, assim, mitos etiológicos que explicam os rituais, bem como mitos que deram origem a novos rituais. Ambos 1) integram os indivíduos no grupo; 2) promovem a solidariedade social – a partir de seus modelos valorativos e significados inesgotáveis que solucionam os problemas pelos quais qualquer pessoa encara (série de respostas adaptativas); 3) asseguram e reforçam a estabilidade social e individual frente às ameaças desintegradoras de um mundo de mudanças, desapontamentos desconcertantes e conflitos intoleráveis – seja natural ou sobrenatural –, porque reduzem a antecipação de desastres, operando como um meio para a sublimação da agressão ou tendências socialmente reprovadas (tendências antissociais) – bem como de introjeção, projeção e formação reativa freudianas; e 4) garantem a continuidade da cultura, fornecendo meios para a sua transmissão, apesar de também bloquear a velocidade das mudanças.

Da mesma forma que Kluckhohn, Arthur Maurice Hocart (1883–1939) também coloca mito e ritual como coexistentes inseparáveis – “o mito descreve o ritual e o ritual encena o mito”18 –, apontando tanto mitos como precedentes de rituais quanto como o registro resultante deles, dando intenção e garantindo o sucesso de suas ações, pois o ritual é uma técnica, uma atividade criativa organizada e hierarquizada, baseada e elaborada em precedentes que visam assegurar a vida e a sociedade, santificam e justificam os costumes.

No entanto, a construção intelectual do ritual – assim como da ciência – pode ser quebrada por fatores e apelos emocionais, pois “o que quer que seja humano está mais próximo das emoções que o carbono ou o hidrogênio”.19 Apesar de alguns estudos apontarem uma determinada emoção (medo, sexo, conflito) como o princípio do ritual – emocionalistas –, ou seja, em que “o ritual é essencialmente emocional, é de fato o filho da emoção”,20 em contraste com aqueles que o veem como sendo apenas uma atividade ginástica intelectual, a emoção apenas fornece

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os subsídios para a ação e a elaboração lógica do ritual, não podendo ser tida como a sua essência. Desta forma, o ritual, na realidade, “descreve cadeias de ação que podem variar infinitamente. Eles [os rituais] estão em um estado perpétuo de fluxo”21 e – evitando generalizações – devem ser estudados em suas formas minuciosas, em cada sociedade, para, assim, serem organizados de acordo com as suas relações.

Já o mito, comumente associado a um certo conjunto de tradições tidas como irreais, fictícias, criadas por um homem mitopoeico, deve ser estudado de acordo com a cultura, seus costumes e crenças, segundo Hocart, ao invés de postulado genericamente apenas por meio da própria religião e da mitologia; ele é “uma narrativa sagrada; uma história que se propõe a ser verdadeira, [...] por mais que os detalhes se tornem distorcidos”.22 Apesar de existirem narrativas de eventos, cuja função é semelhante a do romance e da poesia, surgidas em sociedades que podem se dar ao luxo de se desprenderem da realidade, a preocupação do mito verdadeiro não é meramente literária, especulativa, nem de entretenimento, mas – como uma narrativa de costumes – transmitir o conhecimento e garantir o bem-estar social. Quando o mito perde o contato com a realidade social e a sua ligação com a vida, “como membros, atrofiam e perecem quando não funcionam mais”.23

Mais radical é a abordagem de Stanley Edgar Hyman (1919–1970), que vê no ritualismo a vantagem de se ausentar das questões de origem e historicidade, “pois descreve um processo a partir do qual o mito se desenvolve e uma definição do que é e como funciona em termos desse processo”,24 definindo três frases breves como o seu núcleo:25 1) o mito não é nem um registro do fato histórico nem uma explicação da natureza, apesar de ser especulativo e protocientífico, mas pertencente a outra ordem de conhecimento.; 2) o mito é o correlativo falado de um ritual, a história que o rito encena ou uma vez encenou; e 3) o mito surge do ritual, e não vice-versa. Segundo Hyman, a abordagem ritualística não é uma teoria definitiva, mas um método de estudo que “vem diretamente de Darwin, e assim, [supõe-se], em última análise, de Heráclito, cujo panta rhei [πάντα ῥεῖ] parece ser o ancestral de qualquer relato dinâmico de qualquer coisa”,26 podendo coabitar com outras abordagens, exceto com o evemerismo – uma vez que, para o autor, a distinção entre mito e história é básica, bem como com relação à lenda, conto,

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fantasia, ilusão em massa, crença popular e ilusão, e pura mentira – e com o cognitivismo – seja alegoricamente, etiologicamente ou geneticamente.

Em se tratando da dinâmica de tal fenômeno, o autor também enfatiza a importância de lidar com 1) a origem, advinda de um ritual coletivo e anônimo; 2) a estrutura dramática, que evolui incessantemente conforme a sua transmissão, comparável ao materialismo e dinâmica presentes na interpretação dos sonhos e na ação simbólica freudianas – ao contrário dos alegres curandeiros, sejam os rebeldes (Adler e Jung) ou os revisionistas (Fromm e Horney) – e o dramatismo burkeano – em que o livro exerce o papel simbólico individual equivalente ao de um ritual em nível coletivo; e 3) a função, que se altera socialmente, em linhas malinowskianas, bem como contextualmente, descritos pela Poética aristotélica e a metapsicologia.27

Para mais, Hyman também defende a escola de ataques como o feito por Richard Chase (1914–1962) em Quest for myth (1949), que podem ser resumidos em cinco apontamentos:28 1) o grupo de Cambridge deriva a sua teoria do ritual do deicídio de culturas mediterrâneas (frazeriano); 2) o mito não pode nem deve ser distinguido da literatura; 3) o grupo tem um apelo feminino; 4) o grupo não é confiável em matéria de antropologia, uma vez que não é composto por antropólogos; e 5) o mito às vezes deriva do ritual ou vice-versa. Hyman aponta tanto a ausência de uma leitura integral de Frazer e seus discípulos por parte de Chase, quanto o desconhecimento das origens e contextualização do ritualismo, que geram anacronismos e suposições carentes em sustentação.

A seguir, seguindo a cronologia dos estudos antropológicos – por mais que estes não sejam realizados propriamente por antropólogos –, dedicamos essa breve subseção a um rápido estudo das teorias clássicas do ritualismo para exemplificar as perspectivas da corrente ritualista do grupo de Cambridge, uma vez que, segundo Segal, eles são os melhores representantes da teoria, os líderes de dois principais grupos do ritualismo (classicistas e os biblicistas) e constituem a forma mais pura de ritualismo dos mitos.29 Ademais, inúmeros outros autores, pertencentes ou não à mesma área, também exploraram a relação entre o mito e o ritual dentro de suas próprias perspectivas. Ademais, vale ressaltar que esses estudos cresceram em aplicação para outros campos – como literatura e psicologia

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– principalmente após 1914, como apresentado por Hyman,30 “muito além dos limites da mitologia grega”.31

Figura 10 – Jane Ellen Harrison (1850–1928).

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2.2.1 JANE ELLEN HARRISON

Ao contrário de Frazer e Smith, porém, Jane Ellen Harrison (1850–1928) defendia que "o mito surgiu do, ou melhor, junto com o ritual, não o ritual do mito",1 ambos como incumbentes, vinculantes e interdependentes, mas que a essência do primeiro só poderá ser encontrada no segundo, como demonstra no mito do nascimento de Zeus e os Coribantes. Porém, em outro aspecto, Harrison concorda com Smith, em que, surgida a partir dos interesses e atividades sociais, a religião é colocada como uma questão social coletiva, antes de espiritual e individual, composta por dois elementos: os costumes sociais ou consciência coletiva e a sua representação,2 cujas crenças “são apenas exposições, projeções de θέμιστες (thémistes),3 de enunciados, ordenanças, da consciência social”,4 sobrevivendo à dissolução – criticando também as definições propostas por Müller, Albert Réville (1826–1906) e Morris Jastrow Jr. (1861–1921), por se basearem em preconcepções gerais a priori de religião que é aplicada posteriormente às suas especificidades, mas que só poderia ser entendida de acordo com cada estrutura social. Para Harrison, é nas suas relações com a religião que nasce tal contraste entre o ritual e o mito, entre a coisa feita (τò δρώμενον, tó drómenon) e a coisa dita (τò λεγόμενον, tó legómenon), da antítese entre a palavra e a ação como meios de expressar emoções ou reações, que levaram às associações com o real e o irreal – sendo o mito associado ao segundo –, mas que inicialmente apenas queria dizer uma palavra ou discurso proferido, advinda da interjeição μῡ até se tornar uma narrativa (cf. supra, p. 5).

Isso não implica, no entanto, como às vezes se supõe, que o ritual seja anterior ao mito; eles provavelmente surgiram juntos. O ritual é a expressão de uma emoção, uma coisa sentida, em ação, o mito, em palavras ou pensamentos. Eles surgem pari passu. O mito não é, a princípio, etiológico, não surge para dar uma razão; ele é representativo, outra forma de enunciação, de expressão. Quando a emoção que iniciou o ritual se extinguiu e o ritual, embora consagrado pela tradição, parece sem sentido, uma razão é procurada no mito e é considerada etiológica.5

Assim, o mito é “uma re-emissão ou pré-emissão, ele é um foco de emoção e pronunciado [...] coletivamente ou pelo menos com sanção coletiva”,6 que o diferencia tanto da narrativa histórica quanto dos contos de fada, como uma história de intenção e potência mágicas, com uma sequência de incidentes que se encontra conectada com um ritual, sua ação no coletivo – tal como na definição aristotélica “λέγω γὰρ μῦθον τοῦτον τὴν σύνθεσιν τῶν πραγμάτων” (légo gár mýthon toýton tḗn aýnthesin tón pragmáton – o mito é a combinação/síntese dos fatos/incidentes).7 Por

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fim, como enfatiza Hyman, deve-se entender a visão de Harrison segundo um processo dinâmico, em que “os rituais desaparecem e os mitos continuam na religião, literatura, arte e em várias formas simbólicas com maior incompreensão do antigo rito e uma transformação compensatória para a inteligibilidade em novos termos”.8

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2.2.2 SAMUEL HENRY HOOKE

Por outro lado, Samuel Henry Hooke (1874–1968), também considerado o fundador da escola mítico-ritualista,1 baseado no pensamento de Henri Bergson e Émile Durkheim, ao contrário de Frazer e assim como Harrison, acreditava que a criação de mitos não diziam respeito a problemas ou questões gerais sobre o mundo, mas a problemas cotidianos enfrentados pelo homem – tal como também defenderá Malinowski –, sejam modos de comportamentos em resposta à garantia de seus meios de subsistência ou problemas individuais; “a função do mito não era conhecimento, mas ação, ação essencial para a própria existência da comunidade”.2

Ademais, apesar de reconhecer a origem do mito como inseparável da do ritual – em que o primeiro é tido como fala, cantos ou encantamentos e o segundo, ação ou padrões elaborados de atividades, respectivamente –, de caráter mágico – e podendo, inclusive, possuir elementos históricos, apesar de não ser de interesse dessas sociedades –, que re-encena um sistema de ações fixas, regularmente e por especialistas, de uma maneira mais ou menos simbólica, a fim de lidar ou controlar os elementos apreendidos pela experiência, assegurando a vitalidade e o bem-estar da sociedade,3 Hooke também reconhece mitos de origem etiológica que suprem a curiosidade do homem com explicações imaginárias e não possuem potência mágica ou caráter ritual, sendo a primeira forma, no entanto, a mais antiga4 – também classificando outros mitos entre mitos de culto (assegurado por uma força moral), de prestígio (enaltecimento de um herói) e escatológicos (expansão simbólica). Ao tratar do mito sumério-babilônico do assassinato de Tiamat, Hooke diz

a verdade essencial do mito reside no fato de que ele incorpora uma situação de profundo significado emocional, uma situação, aliás, que é por natureza recorrente e que exige a repetição do ritual, que lida com a situação e satisfaz a necessidade evocada por ela.5

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Figura 11 – Samuel Henry Hooke (1874–1968).

No entanto, a concepção de Hooke sobre a presença de mitos tem caráter duplo: por um lado, se aproxima da perspectiva difusionista transcultural da corrente ulterior, cujo centro se encontra na região do Antigo Oriente Próximo, por meio de movimentos migratórios, invasões, colonizações etc.; e, por outro, admite o desenvolvimento independente de ideias e instituições, frutos da imaginação diante de situações similares.6 Partindo dos trabalhos pioneiros de arqueologia religiosa de Eugène Félicien Albert, Conde Goblet d'Alviella (1846–1925), Hooke observou a

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migração de símbolos – i.e., fragmentos de mitos e rituais, com vida própria7 – entre os gregos, mesopotâmicos, egípcios, elamitas, palestinos, hititas, sumérios, assírios, ugaríticos, babilônios, hebreus, cananeus, judeus até elementos cristãos e bíblicos – último o qual também lecionava na University of London –, por meio de três processos: 1) adaptação para outros ambientes; 2) desintegração, ou seja, a tendência de desaparecer ou modificar-se para condições adversas e; 3) degradação, processo simultâneo aos anteriores e melhor observado nas partes materiais e artísticas da cultura – das habilidades, do sentimento artístico ou do significado – até se tornar formas literárias; com o intuito de reconstruir a organização social a partir de documentos advindos da vida religiosa.

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2.3 DIFUSIONISMO

Com a crescente renúncia do pensamento darwiniano, devido a ascensão dos trabalhos de Gregor Johann Mendel (1822–1884) e a recuperação das teorias de Jean-Baptiste Pierre Antoine de Monet, Chevalier de Lamarck (1744–1829), juntamente com o crescimento das pesquisas arqueológicas e de inúmeros museus, e as viagens de Cook, Georges Montandon (1879–1944) e do Barão Erland Nordenskiöld (1877–1932), outra corrente de pensamento, composta originalmente por cientistas (anatomistas, fisiologistas, médicos e psicólogos) e acadêmicos – ao invés dos advogados, teólogos e classicistas – que estabeleceram a perspectiva evolucionista, baseada em uma perspectiva filológica e filosófica –, começou a se desenvolver principalmente na Grã-Bretanha e na Alemanha-Áustria (Kulturhistorische Schule).

Essa nova perspectiva, conhecida como difusionismo, surge de uma insatisfação e rejeição do poligenismo e do monogenismo proposto pelas teorias evolucionistas – vistas como simplificações subjetivas de eventos reais –1, como um embate entre a escola prosaica (poligenista/monogenista) e a escola romântica (difusionista) da antropologia.2 Vale ressaltar que a abordagem difusionista não nega a evolução das sociedades, mas que traços culturais podem se desenvolver em tempos diferentes a partir da transmissão, de acordo com a predisposição à assimilação que eles mantêm entre si; é uma proposta de múltiplas ocorrências prováveis e independentes submetidas às trocas entre diversas culturas, em oposição à universalização de um esquema evolutivo unidirecional.

Segundo Malinowski, o difusionismo é uma evolução parcial que estuda o homem como um animal imitador e a cultura como contagiante,3 apontando as semelhanças ou conexões culturais entre artes, ofícios, costumes e crenças, como advindas da transmissão contínua de um ponto específico, posteriormente alcançando maiores áreas e colocando em dívida direta ou indireta, todas as demais regiões influenciadas com o ponto de origem e o criador original.4 Tal abordagem possui duas grandes vertentes – com métodos diferentes, mas acepções lógicas semelhantes –, que vão desde um difusionismo limitado à regiões adjacentes ou ao particularismo histórico – que aparecem inclusive nos trabalhos de Tylor e Boas, em

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que “a importância da difusão foi tão firmemente estabelecida pela investigação da cultura material americana, cerimônias, arte e mitologia, assim como pelo estudo das formas culturais africanas e da pré-história da Europa, que não podemos negar a sua existência no desenvolvimento de qualquer tipo cultural local”5 –, de influência alemã, até a radicalização da teoria, que considera um único local – geralmente a região do Crescente Fértil – como o centro emergente e difusor de toda a cultura mundial – i.e., hiperdifusionismo ou difusionismo heliocêntrico –, de influência inglesa.

O que nós da Escola Difusionista assumimos é que o processo da origem, desenvolvimento e disseminação de qualquer invenção no tempo antes dos registros escritos terem sido feitos, seguiu o mesmo tipo de curso que sabemos ter ocorrido no caso da correspondência. Estes são registrados nas histórias escritas das várias invenções e as lutas dos pioneiros para obter suas realizações reconhecidas e adotadas.6

Baseando-se tanto nas evidências arqueológicas quanto na sua interpretação, os difusionistas tinham como método a análise formal das similaridades entre diferentes e esparsas culturas, bem como a associação causal entre os seus elementos, que colocavam em questão tanto a falta de originalidade ou inventividade (Ideenarmut) e o poder da imaginação do homem, quanto a relação entre o distanciamento e a independência das culturas, e a consequente decadência ou degeneração dessas últimas como resultado do processo; mas que, simultaneamente, levaram à conjecturas ausentes de comprovação etnográfica, a redução de fatos na prática com um empirismo especulativo a priori e à confusão entre analogia e homologia entre fenômenos comparáveis.7

Com relação à escola difusionista britânica, Sir Grafton Elliot Smith (1871–1937) é considerado um dos mais influentes antropólogos do período, que, assim como seu discípulo, Perry (1887–1949), colocava a região do Egito como o ponto irradiador de todo o processo de transmissão cultural mundial – i.e., difusionismo pan-egípcio (figura XX). Para Elliot Smith, as demais áreas se encontravam ainda em um estágio semelhante ao dos macacos antropóides – i.e., o homem natural – que apenas se beneficiavam unilateralmente.8 A exclusividade e “superioridade” do Egito se dava como resultado do processo de desenvolvimento da irrigação e agricultura, advindas da observação das cheias do Nilo, que levaram à criação de objetos para a estocagem de comida e ao lazer e artesanato dessas

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peças, enquanto a religião surgiria como consequência de previsões dos períodos de cheias – enquanto os demais povos não possuíam qualquer traço de religião.

Figura 12 – Uma tentativa aproximada de representar as áreas mais diretamente afetadas pelo complexo-cultural "heliolítico", com setas para indicar as rotas hipotéticas tomadas nas migrações dos portadores de cultura, responsáveis pela sua difusão, segundo Smith (1929, p. 14).

Na mesma linha de pensamento, sendo inserido no campo da antropologia por Alfred Cort Haddon (1855–1940) e apesar de partir dos métodos de Morgan para o estudo de genealogia e parentesco, realizando também trabalhos etnográficos na Austrália, o neurologista e zoólogo William Halse Rivers Rivers (1864–1922) – e de estar influenciado pelos modelos germânicos das migrações e trocas culturais, principalmente Ratzel e Graebner –, assim como Smith, apresenta um modelo difusionista heliocêntrico, porém, partindo da região da Oceania.

Por outro lado, apesar do estudo de etnologia na Alemanha começou com a Leipziger Schule e os estudos iniciais de Philipp Wilhelm Adolf Bastian (1826–1905) sobre as ideias elementares e dos povos (cf. seq., pp. 179-81), a psicologia nascente de Wilhelm Maximilian Wundt (1832–1920), o uso da cartografia como

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uma ferramenta para estudar a distribuição linguística e cultural de determinados elementos que mantinham uma aparente correlação espaço-temporal de Friedrich Ratzel (1844–1904) – além dos trabalhos de Karl Weule (1864–1926), Alfred Vierkandt (1867–1953), Richard Thurnwald (1869–1954), Willy Hugo Hellpach (1877–1955), Heinrich Schurtz (1863–1903) e Eduard Hahn (1856–1928) –, a corrente difusionista só aparece, efetivamente, com a publicação de Kulturkreise und Kulturschichten in Ozeanian (1905) de Robert Fritz Graebner (1877–1934) e Kulturkreise und Kulturschichten in Afrika (1905) de Bernhard Ankermann (1859– 1943) no Berliner Gesellschaft für Anthropologie, Ethnologie und Urgeschichte.

Diferente da corrente britânica, os difusionista alemães – apesar de mais intensa na Áustria – se restringiam a sistemas particulares de estratos culturais, que explicavam a expansão da civilização espacial e temporalmente por todo o mundo.9 Ao contrário da radicalização de um único ponto difusor, os alemães estudavam grupos isolados ou restritos geograficamente, que com o avançar ou desenvolvimento das próprias sociedades, surgem influências e contatos com as regiões próximas e junto com isso, a metamorfose de contato, ou seja, a disseminação dos elementos culturais, que levam à união entre grupos diferentes ou à destruição de uma das partes. É a partir dos estudos comparativos entre esses Kulturkreise (círculos, áreas ou complexos culturais), que a escola foi denominada como Kulturkreislehre, buscando apontar as origens de determinados fenômenos e práticas religiosos, artísticos, sociais etc. a partir de centros irradiadores.

Fundador tanto do termo Kulturkreis quanto da teoria cultural – apesar de Jensen defender que o conceito já havia sido formulado por Ratzel como ethnographische Laender10 –, Leo Viktor Frobenius (1873–1938) apontava a origem da cultura africana a partir de uma migração da região da Indonésia (complexo malaio-negrito) e, partir da África, migrando para as demais regiões do mundo, depois estendendo seu trabalho para a Oceania11 (figura XX). Apesar de iniciar-se também como membro da abordagem difusionista alemã, no entanto, sua teoria continha “uma pitada de difusão, uma pitada de historicismo e um punhado de romantismo”,12 que começa a tomar outro rumo principalmente após a sua experiência de campo com inúmeros povos africanos e, portanto, assim como defende Ita,

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Ao contrário da crença popular, Frobenius não sustentou que a “difusão” cultural necessariamente implicava uma migração em massa de povos. Ele considerou que algo como uma “infiltração cultural” frequentemente acontecia através de fronteiras étnicas.13

Figura 13 – Mapa da difusão do complexo malaio-negrito segundo Frobenius (1898, mapa 20).

Em sua segunda fase, se afastando da perspectiva histórica-comparativa e mecanicista dos difusionistas, Frobenius desenvolve a noção de Kulturmorphologie (morfologia cultural), como um método de entendimento intuitivo que une a arqueologia e a etnografia – que dará origem a toda uma escola, que tem por representantes Adolf Ellegard Jensen (1899–1965), Eduard Spranger (Franz Ernst Eduard Schönenbeck, 1882–1963), Arnold Joseph Toynbee (1889–1975) e Oswald Arnold Gottfried Spengler (1880–1936). Como resultado, tal abordagem culminará em uma perspectiva que observa a cultura “em termos de essências espirituais ou atitudes filosóficas (Paideuma)”14 – defendida em Paideuma: Umrisse einer Kultur- und Seelenkunde (1921) –, onde aponta distinções e consequentes classificações culturais pelas diferentes visões de mundo de cada sociedade, como, por exemplo, a divisão da África Oriental em duas categorias culturais – e não raciais – ou paideia: 1) mentalidade das cavernas (Höhlengefühl), hamitas-semíticos (franceses e anglo-saxões), formadores de estados que repousavam suas atividades na escravidão; e 2) mentalidade da vastidão (Weitengefühl) dos etíopes-germânicos, não-formadores de estados, que executavam suas próprias atividades15 – em

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contraposição ao caráter a-histórico que era comumente atribuído ao continente africano.

Vendo a cultura como composta por uma natureza orgânica viva em crescimento paideumático – vitalismo também visto em Henri Bergson (1859–1941), mas já presente em Herder e Bastian –, Frobenius enfatiza um estudo da essência (das Wesen) e alma (die Seele) da cultura, que difere das demais perspectivas históricas-genealógicas de seus contemporâneos da escola difusionista alemã,16 como no trecho abaixo:

Cultura como um organismo independente em relação aos seus suportes (eixo de sustentação) humano, toda forma de cultura considera como um próprio ser vivo, a experiência de um recém-nascido, uma criança, um homem e um idoso. As formas de cultura são submetidas aos próprios processos de crescimento, que correspondem ao processo de desenvolvimento do indivíduo humano. Grosseiro e desajeitado se comportam na sua juventude, energético e determinado na idade adulta, infantis são nos idosos, assim por diante. Para todos: não é a vontade do homem que produz a cultura, porém a cultura que vive “no” homem. (Hoje eu gostaria de dizer: ela vive através do homem) A cultura está ligada a áreas específicas de acordo com suas formas, os círculos culturais; as que são transformadas durante a “reprodução” (mudança) e traz a multiplicação de novas formas.17

Essas fases – infância, maturidade e senilidade – pela qual a cultura passa tem como características respectivas a Ergriffenheit (emoção), Ausdruck (expressão) e Anwendung (aplicação), que, consequentemente, são reflexo da degeneração das próprias sociedades, em que o impulso criativo de momentos isolados da fase infantil da cultura fundem-se a constituir uma unidade autoconsciente durante a maturidade, até a análise da experiência para fins práticos e mecânicos na senilidade que garantem a sobrevivência da sociedade – semelhante ao trabalho de Oswald Arnold Gottfried Spengler (1880–1936), incluindo a relação entre Paideuma frobeniusiana e Kulturseele spengleriana. Nesse sentido, Frobenius desloca-se de um difusionismo radical para uma teoria da autonomia das culturas, em que um grupo se torna somente uma cultura em contato e influências de outros grupos antigos, de modo a compor uma forma total (Gestalt) como um potencial criador de significado (Sinnstiftung).

Apesar de Frobenius já apontar um desvinculamento ao antepassado inatista, a teoria difusionista será efetivamente retomada por Graebner e pela Wiener Schule

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com Wilhelm Schmidt (1868–1954) como uma certa recusa do psicologismo bastiano-wundtiano e da Völkerpsychologie, como aponta Lowie:

Há uma lenda estranha sobre o desenvolvimento da teoria etnológica. Ela representa a etnologia como afundada no esfriamento das idéias elementares de Bastian até ser resgatada em 1887 pelo geógrafo Ratzel. Ele, ao que parece, denunciou a evolução independente da cultura como equivalente à geração espontânea em biologia e, pela primeira vez, demonstrou a complexidade da cultura devido à migração de seus elementos.

Originalmente um historiador, Graebner tem a sua maior contribuição à antropologia com a criação de um método (Kulturkreismethode) mecânico de análise cronológica – dos historiadores Heinrich Gotthard von Treitschke (1834–1896) e Paul Scheffer- Boichorst (1843–1902) – às sociedades consideradas até então como a-históricas, relacionando inúmeros traços culturais de modo a traçar uma conexão geográfica- histórica e formular – assim como Frobenius – complexos culturais, principalmente na região da Oceania e da Austrália, enquanto seu colega Ankermann aplicou tal método à região africana – como apontamos anteriormente, que influenciaram os trabalhos de Willy Karl Max Emil Foy (1873–1929) e Julius Ernst Lips (1895–1950), por exemplo. No entanto, durante um momento de sua carreira, Graebner acaba por cair na dogmatização de seu esquema, de maneira a observar todas as culturas, para além de um organismo vivo e mutável, como um sistema íntegro resultado de migrações e trocas culturais derivadas de sua matriz inicial oceaniense – mas que, posteriormente, tal argumento parece ter sido reformulado e retornado a um modelo heurístico da diversificação dos complexos,18 em que não desconsidera o desenvolvimento paralelo e o evolucionismo, porém, estes careciam ainda de comprovações suficientes –, mas que é reconhecido como resultado de sua especialidade nos Mares do Sul (região do Pacífico Sul), sua origem no campo da história e sua capacidade de "síntese criativa".19

Já mais dogmático que o anterior, o reverendo e linguista Schmidt, fundador da revista Anthropos (1906), introduz uma nova terminologia e outros círculos que foram propostos pela teoria graebneriana, “de modo a criar um sistema verdadeiramente novo”,20 dividindo em três culturas primárias: 1) a cultura do patriarcado caçado, conectada com o totemismo, divindades masculinas e mitos solares; 2) a cultura do matriarcado da enxada (agricultura primitiva), que se conecta às divindade femininas e mitologia lunar; e 3) a cultura nômade-pastoril, da

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domesticação de animais; a tríade que deu origem às formas secundárias de cultura que avançaram na história – posteriormente, com as escavações arqueológicas no sudoeste asiático, Oceania e pela Eurásia, tanto as teorias de Schmidt quanto de Graebner foram contraditas.21 É a partir dessa investigação dos primórdios da cultura que Schmidt adentra no campo da religião, em que ficou mais conhecido por sua concepção de uma religião primitiva monoteísta ética que antecede o politeísmo mágico comumente atribuído aos grupos a-históricos descrito pelos evolucionistas, defendida principalmente na coleção Der Ursprung der Gottesidee (1926-1935) e derivada das ideias de Andrew Lang (1844-1912). No entanto, como aponta Lowie, “como diria Kierkegaard, Schmidt examina os nativos na filosofia e, em seguida, dá- lhes uma alta marca na religião”.22

Para uma abordagem antropológica difusionista do mito, selecionamos a seguir os estudos de Lord Raglan (Fitzroy Richard Somerset, Barão Raglan IV, 1885–1964), que além de partir dos mesmos princípios do difusionismo – i.e., ausência de inventividade, transmissão de traços culturais e degeneração das sociedades arcaicas e progresso das sociedades civilizadas –, também mantém uma relação com o ritualismo anteriormente apresentado e busca traçar uma matriz narrativa do mito a partir dos padrões, situações ou acontecimentos que regem a história do herói – tal como também é explorado pelas visões psicanalítica de Otto Rank (1884–1939) e junguiana de Joseph Campbell (1904–1987).

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2.3.1 LORD RAGLAN

Contra os argumentos de Roland Burrage Dixon (1875–1934), Ralph Linton (1893–1953), Alexander Aleksandrovich Goldenweiser (1880–1940) e Edvard Alexander Westermarck (1862–1939), Fitzroy Richard Somerset, Barão Raglan IV (1885–1964), desenvolve uma perspectiva teórica combinatória entre o ritualismo, difusionismo e o neo-frazerianismo,1 considerando o desenvolvimento paralelo ou independente e o consequente progresso de cada cultura como uma teoria falsa e absurda, calcada no inatismo, assim como critica a psicologia por basear “suas teorias nos instintos e impulsos inconscientes, qualidades características dos brutos e pelos quais o homem nunca poderia ter se elevado acima dos brutos”.2

Apesar de não possuir um treinamento acadêmico e iniciado na carreira militar na Royal Military Academy Sandhurst, Raglan alcançou o cargo de capitão (1914) e major (1919) na Grenadier Guards (1905–1922), viajando inicialmente para Hong Kong (1911–1913), onde se tornou tenente-coronel da Monmouthshire Militia e posteriormente ao Sudão (1913–1919) – um dos principais interesses de seus primeiros estudos de antropologia física, bem como de arqueologia egípcia –, onde exerceu a função de Comissário Distrital até o posto de Oficial Político ligado à Egyptian Expeditionary Force na Palestina (1919–1921). Retorna à Inglaterra em 1921, sucedendo seu pai e vincula-se ao Royal Anthropological Institute of Great Britain and Ireland, no qual chegou à presidência (1955–1957), como também da Folklore Society (1945–1947), da Section H. British Association for the Advancement of Science (1933) e do National Museum of Wales (1957–1962),3 publicando Jocasta's Crime: An Anthropological Study (1933), The Science of Peace (1933), The Hero: A Study in Tradition, Myth and Drama (1936), How Came Civilisation? (1939) e The Origins of Religion (1949) como alguns dos seus principais trabalhos.

Raglan parte do conceito de comportamentos padronizados, aprendidos pelo homem por instrução ou imitação de outros membros do grupo ou de fora e que não podem ser encontrados em animais – i.e., comportamentos naturais e universais. Esses elementos não são essenciais para a existência humana e se originam como expressões da cultura. No entanto, para o autor, os primórdios do homo sapiens coincidem e dependem da cultura, assim como a cultura só existe com o homem. A

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linguagem, como um desses elementos, é o fator distintivo entre animal e homem, e, como resultado, animais não possuem cultura.

Figura 14 – Fitzroy Richard Somerset, Barão Raglan IV (1885–1964).

Ao contrário das teorias ambientais – em que o homem é resultado do meio que habita –, para Raglan, se a linguagem é o fator distintivo, a civilização só pode nascer com a arte da escrita, que surgiu de um único ponto no Mediterrâneo oriental, com um alfabeto pictórico. A escrita é o processo de manutenção da civilização, mantida pela ação conjunta de estudiosos e cientistas, que consolidam, esclarecem, experimentam e aumentam o conhecimento. Eles são “a urdidura e a trama da civilização”,4 aqueles que preservam, reescrevem e atualizam os registros

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do passado e o próprio conhecimento contra a morte de pessoas e a destruição dos registros por meio de guerras, pragas, fomes, incêndios, inundações etc.

É a partir dessa noção, que Raglan define a história como um recital em uma sequência cronológica e tabulada de eventos5 ou incidentes, que levaram à uma situação atual que, por sua vez, é dependente da escrita e da leitura, cujos os seus materiais incluem:6 1) documentos escritos realizados por pessoas que estiverem presentes nos eventos descritos – cartas, despachos, relatórios, diários, memorandos; 2) relatos de testemunhas oculares logo após o acontecimento do evento – autobiografias, reminiscências, alegações, inscrições; 3) evidências arqueológicas, apesar de carecer precisão cronológica; 4) relatos escritos por coletores de informações de atores ou espectadores do evento – anais, crônicas, atas de prova, reportagens de imprensa, boletins, correspondências; e 5) relatos de segunda ou terceira mão sobre o ocorrido, útil para observar discrepâncias e acrescentar detalhes, porém inautênticas.

Ademais, o registro também é o fator distintivo entre a tradição como o conhecimento de um grupo e a história como o conhecimento restrito a poucos, bem como o fator determinante para a distinção, em caráter geral, entre as sociedades selvagens – o Estado Natural do homem –, que não preservam e degeneram-se, e sociedades civilizadas – Estado Artificial –, que preservam e progridem, e, quanto mais afastada da natureza, se torna mais difícil de mantê-la.7 Como o registro escrito não tem importância para os selvagens, por conseguinte, esses grupos não possuem história, nem interesse pelo passado8 e disso surgem duas consequências: tanto que a transmissão do conhecimento é tradicional e utilitária, visto que a ausência de mecanismos de registro significa a perda do conhecimento, quanto que o único meio do selvagem aprender a sua história é a partir da atribuição de uma origem sobrenatural às suas histórias tradicionais, ou seja, por meio dos mitos. Para mais, Raglan delimita o prazo de sobrevivência de um fato não-registrado na memória em no máximo 150 anos,9 tanto para eventos grupais quanto particulares, familiares, tornam-se disponíveis – i.e., suscetíveis – a se tornarem ou fazerem parte dos mitos e ausentes de idade. Ao contrário dos evolucionistas, que pensavam num progresso em estágios ascendentes da mente primitiva à civilizada, Raglan defende a incapacidade de auto-civilização. Para o

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autor, “os selvagens não são seres naturalmente inferiores, mas seres culturalmente inferiores, e isso ocorre porque eles vivem em uma atmosfera culturalmente inferior, na qual nenhum progresso é possível”.10

Raglan também identifica a presença de narrativas vinculadas à tradição nas sociedades de sua época, que não são acreditadas meramente por camponeses, mas também pelas camadas mais altas da sociedade e especialistas, dividindo-as em dois tipos:11 1) as tradicionais, transmitidas, desde o início, de boca-a-boca; e 2) as pseudo-tradicionais, transmitidas também de boca-a-boca, mas derivadas de uma fonte literária. No entanto, geralmente, tais narrativas são anacrônicas, associando características locais a pessoas ou fatos anteriores à sua existência, ou pode simplesmente resultar da ignorância e superstições, de ficções deliberadas que pode crescer como uma bola de neve. Assim, é possível observar como sustentação dessa falsa genealogia (fake-pedigree) da tradição “as poderosas forças da religião e do patriotismo; de costume e tradição; de orgulho familiar e vaidade individual; e de evemerismo e racionalização; para não mencionar o amor popular do maravilhoso e do romântico”,12 que impedem o avançar da civilização por meio da faculdade crítica. Em suma, ninguém conhece de fato a veracidade de tais narrativas, uma vez que “a tradição nunca preserva fatos históricos”13 e, consequentemente, a história, como tal, se perde.

Por outro lado, o primitivo apesar de tentar avançar por meio de invenções, assim como o civilizado, há inúmeros obstáculos que o impedem, como a exigência do seu desvinculamento com as suas crenças, o conservadorismo da sociedade que determina o novo como sacrilégio ou crime e o abandono da dedicação exclusiva à manutenção da vida – o que, segundo Forde, “o levou a algumas afirmações extremas que negligenciavam a evidência de inovação e enfatizavam semelhanças de forma à custa de diferenças de contexto e significado”.14 O homem não cria por uma necessidade – como defende Malinowski (cf. seq., pp. 119-31) –, mas, por meio de uma atitude completamente, puramente materialista, ele pesquisa e experimenta, com sucessos e fracassos, ao se entregar àquilo que gosta, libertando-se da crença na tradição toda-suficiente;15 em outras palavras, “existe uma grande diferença entre fazer o que você gosta e gostar do que você faz; você pode experimentar no primeiro caso, mas não no segundo”.16

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Porém, apesar de haver um progresso da humanidade como um todo e, à primeira vista, os selvagens poderem chegar às condições de civilizados, apesar de com maiores dificuldades em relação aos civilizados, a ausência do registro de suas descobertas somada à transformação do elemento novo em tradicional tende a própria queda da sociedade e a substituição por grupos mais jovens e vigorosos. Em outras palavras, de um modo ou de outro, qualquer sociedade tende ao retrocesso.

Para Raglan, o único modo de conter até certo ponto o inevitável retrocesso é por meio da fertilização de elementos pertencentes a grupos vizinhos, ou seja, o progresso civilizatório ser disseminado por outros grupos pré-civilizados – mas que também possui riscos, em que, “pode levar a uma variedade de resultados, desde a rápida ascensão até o completo extermínio; a ausência desse contato invariavelmente leva a um declínio lento, mas constante”.17 A raridade da inventividade só é atuante como um estímulo ao progresso quando há “governantes iluminados o suficiente para acolher novas idéias e contatos externos para estimulá- las”.18

Se a escrita ou o registro, como o fator determinante da preservação e progresso da civilização, parte de um único centro, por sua vez, a civilização em si também tem origem pontual, difundindo-se com o passar do tempo. Consequentemente toda cultura depende do transporte e da comunicação para sua sobrevivência e as culturas que não se movimentam tendem à degeneração/deterioração; ou seja, “movimentos, seja de grupos ou de indivíduos singulares, de uma área para outra, envolvem movimentos de cultura”.19 Em suma,

a teoria da difusão é que, exceto para os desenvolvimentos dentro da mesma área de cultura, ou seja, onde pessoas com o mesmo background cultural estavam fazendo experimentos semelhantes, nenhuma invenção foi feita duas vezes, e que o que se aplica à cultura material se aplica igualmente no reino das ideias.20

A partir dessa premissa, Raglan desenvolve o maquinário da difusão, que pode ocorrer por meio de quatro formas:21 1) um afastamento (migração) gradual a partir do ponto originário da humanidade; 2) por meio de conquistas, em que um grupo migratória ocupa as terras de um grupo mais fraco, podendo a) passar por um período de comparação, adaptação e desenvolvimento até a fusão entre os dois

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grupos, ou b) a formação de um império, com a permanência de culturas distintas, mas a suserania de somente um grupo, passando por dois estágios principais: α) a fusão dos grupos e consequente formação de uma nação e β) conquista de outros grupos remotos aos quais não se unirão; 3) por poder marítimo e comércio; e 4) empréstimo de elementos para melhorias da própria cultura.

Assim como a cultura neolítica em si – pois não há invenções durante o período paleolítico, exceto melhorias de técnicas – para Raglan, os mitos surgem a partir de dramas rituais ou rituais dramáticos – apesar de um ritual não ser necessariamente, mas se tornar dramático com a presença de um público e a personificação dos iniciados, cujos mitos podem ser apenas fórmulas ou conjunto de fórmulas, no primeiro e necessariamente narrativas, no segundo22 – originários das áreas do Nilo, do Eufrates ou do Indo, ou seja, no sudoeste da Ásia.23 Inclusive, para o autor, a difusão de uma ideia religiosa é mais fácil do que de artefatos, artes e ofícios e, estes últimos, quando não são produtos de mero escambo, nunca podem ser transmitidos sem uma correspondente transmissão de ideias e crenças.24

Contudo, Raglan critica as teorias do mito de sua época, que parecem não seguir o princípio científico de que causas similares produzem efeitos similares, mas de que causas diferentes podem produzir efeitos também semelhantes,25 como se “maçãs pudessem crescer igualmente bem em figueiras”26 – ponto semelhante que é criticado por Boas em relação aos trabalhos dos evolucionista e, inclusive, difusionistas (cf. seq., pp. 89-96) –, divindo as suas explicações sobre o fenômeno em três classes:27 1) mito como um fato histórico revestido por uma linguagem mais ou menos obscura – alegorismo e evemerismo – que levam à interpretação literal da narrativa ou à sua sacralização; 2) mito como uma explicação fantasiosa ou especulativa de um fenômeno natural ou como uma “ciência primitiva”, em que os selvagens viviam “em um estado de agnosticismo altamente intelectual”28 – que, segundo Raglan, só são possíveis em comunidades letradas e levam à filosofia e à ciência; e 3) mito como uma narrativa vinculada a um ritual – o posicionamento de Raglan.

Concordando com Harrison e Hooke, principalmente – mas também Frazer, Arthur Bernard Cook (1868–1952), Arthur Maurice Hocart (1883–1939), Malinowski etc. – Raglan identifica no mito “a forma com que palavras estão associadas a um

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rito”,29 de modo a atribuir-lhe um caráter sacramental vinculado às personagens ou eventos da tradição – ao contrário dos inatistas ou aos que atribuem o fenômeno ao poder da imaginação ou uma faculdade mitopoética, pois, segundo Raglan, nenhum mito pode ser reivindicado como natural a menos que seja comprovada a sua universalidade.30 Ademais, o autor aponta que todas as narrativas tradicionais têm as suas origens em dramas rituais,31 pois, apesar da ausência de correlação com fatos históricos, a sua conexão com cultos pode ser demonstrada como provável – ideia defendida primeiramente em Jocasta’s Crime: an anthropological study.32 Posteriormente, em concordância com Hooke e Hocart, Raglan acrescenta à sua definição de mito como não somente uma narrativa associada a um rito, “mas acredita–se que uma narrativa que, com ou sem seu rito associado, confere vida”.33 Ou seja, em relação à forma e não aos conteúdos, sagas, contos de fadas, contos folclóricos, poesias, romances, novelas, a épica, epopeia, a balada e até mesmo as canções de ninar contêm reminiscências e encontram sua base no ritual34 e podem ser agrupadas a mesma categoria de mito – apesar de não ver fundamentação nem interesse históricos na poesia, Raglan aponta-a como um documento que ilustra crenças e ideias religiosas que são combinadas em histórias a forma uma narrativa mais ou menos coerente e relativas às ações rituais,35 mas que também podem mencionar fatos históricos. Em relação à saga, por exemplo, Raglan aponta-a como uma forma de romance baseada no mito, cujas características são:36 1) sua estrutura possui uma forma em comum; 2) seus principais incidentes são mitológicos; 3) a aparência superficial de realismo é um artifício literário; 4) a imagem do tempo pagão apresentada é falsa; e 5) quando são reconhecidos fatos verificáveis, prova-se a sua natureza a-histórica. Também, em crítica a Frazer, Raglan defende que a magia é uma religião degenerada em que os seus membros esqueceram os motivos da ação ritual, ao invés de um estado anterior ao mito,37 assim como vai apontar que a música, dança, teatro, pintura e escultura eram também sagrados e associados a rituais antes de se tornarem seculares.

Em suma, Raglan defende que todas as narrativas tradicionais são mitos ligados a rituais por cinco fundamentos:38 1) nenhuma outra forma de explicação é satisfatória; 2) essas narrativas envolvem deuses ou deusas, heróis ou heroínas e seres sobrenaturais, referindo-se à realeza e refletindo as condições políticas e econômicas da sociedade, principalmente políticas, pois aparenta ser mais

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relevante no processo de desenvolvimento e retenção dos mitos;39 3) os milagres desempenham um grande papel neles, como produto da ação de seres sobrenaturais ou de um ser humano dotado de poderes, a partir de um ato preparatório – i.e., ritual – com um efeito significativo na sorte do homem; 4) as mesmas cenas e incidentes aparecem em várias partes do mundo; e 5) muitas dessas cenas e incidentes são explicáveis em termos de rituais conhecidos.

Para mais, Raglan também afirma que tal unidade entre o mito e o ritual é o que é tratado desde sua época como fundamentalismo, em que se despreza o passado histórico e tanto a crença quanto a ética perdem sua importância, em prol da manutenção da perfeita harmonia entre os rituais do passado e o mito que o descreve, mantendo o mesmo significado que fazem das pessoas membros de um corpo religioso e social; pois “o ritual é muito mais para milhões hoje do que a história já foi para alguém”.40

O propósito do ritual é conferir benefícios, ou evitar infortúnios, daqueles por quem ou em cujo nome o ritual é realizado, por meio de ações e palavras que, do ponto de vista científico, são totalmente ineficazes, exceto na medida em que produzir um efeito psicológico sobre os próprios participantes.41

No entanto, os efeitos de um ritual são pouco aparentes, uma vez que a não ocorrência de um fenômeno almejado por meio dos ritos exige o reencenação do mesmo, assim, necessitando tanto a precisão das ações segundo uma autoridade quanto de um sistema mais complexo de fé – i.e., o mito –, pois, “onde o ritual pode ser facilmente julgado por seus resultados aparentes, não há necessidade de um mito”.42

No entanto, Bascom critica tanto as posições históricas contra as tradicionais, quanto da genealogia ritual do mito raglanianas. Com relação ao primeiro argumento, Bascom afirma que as inexatidões das evidências históricas no folclore não retira a possibilidade da origem histórica do mesmo, pois "o fato de a tradição verbal não ser um relato histórico preciso não significa que ela não possa ter sua base no evento histórico",43 podendo haver mitos originados de situações sociais ou outros eventos históricos, transmitidos pela tradição verbal. Já em relação ao segundo argumento, o autor defende que, além de os argumentos de Raglan serem insatisfatórios ou hipóteses sem sustentação com relação à falta de inventividade

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primitiva quanto da origem dos mitos em situações reais – apesar de possíveis –, todos os objetos de comprovação pertencem à Índia, Oriente Médio e Europa, que possuem suas culturas historicamente relacionadas. Para mais, Bascom também sustenta que deve haver um acordo entre os ritualistas, em que se deve pensar

O quê os ritualistas definem como mitos universais em todas as sociedades? Ou, para reafirmar a questão, todos os mitos são mais comumente definidos em conexão com o ritual? Eu duvido que este seja o caso, mas antes que estas questões possam ser respondidas, deve haver algum acordo adicional entre os ritualistas e uma declaração mais clara de se um mito é (1) uma narrativa que é recitada como parte de um ritual, (2) uma narrativa, cujos eventos são encenados em um ritual, (3) uma narrativa que é recitada e encenada em um ritual, ou (4) uma narrativa que é apenas indireta e secundariamente associada ao ritual.44

Ademais, o mito “não apenas liga o ritual do presente com o ritual do passado, mas, na verdade, identifica o presente, em seu aspecto ritual, com um passado concebido apenas em termos de ritual”,45 que somente atinge a sua plenitude com a introdução da escrita, pois, ao contrário da história, “que só acontece uma vez”,46 o mito é um ritual projetado no passado eternamente. Ou seja, o mito exerce uma dupla função, tanto de santificação como de padronização do ritual,47 que asseguram a vida e a prosperidade dos membros de uma comunidade. No entanto, há outros tipos de mitos que não se vinculam à escrita, tornando-se folclore ou conto popular (Märchen).48

Raglan discorda das posições que colocam o conto popular como algo composto pelo e para o povo, ou como uma ficção primitiva para fins de agrado e entretenimento, em que há o predomínio da imaginação sobre a razão, por quatro motivos:49 1) nenhum contador de história é conhecido por inventar qualquer coisa e, os contos em si só podem ser contadas por contadores reconhecidos, incluindo o uso de determinadas palavras e até mesmo contos específicos; 2) os incidentes dos contos populares não são apenas os mesmos em todo o mundo, mas narrados com as mesmas palavras em sociedades que compartilham a mesma origem linguística; 3) os contos tratam de assuntos que, por via de regra, não são de conhecimento ou relativos ao âmbito popular; e 4) o exercício da imaginação não consiste na criação ex nihil – advindos de sonhos e alucinações –, mas da transmutação de uma matéria já presente na mente ou da correlação entre duas ideias já existentes a compor uma nova. Assim, antes de ver a atribuição da faculdade imaginativa ou a inventividade do selvagem como errônea ou que essas desapareceram

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inexplicavelmente, Raglan conclui que “um conjunto de contos é uma tradução”,50 podendo alterar-se em forma ou conteúdo e cuja origem popular atribuída é apenas aparente – apesar de reconhecer alguns contos como realmente populares.

Assim, mitos e rituais, embora provavelmente derivados, como os logaritmos, de uma fonte comum, estão, enquanto estiverem vivos e especialmente enquanto permanecerem não-escritos, continuamente sujeitos a mudanças induzidas pelas condições locais. O fato de terem permanecido, em geral, tão semelhantes é uma evidência, não do funcionamento semelhante da mente humana, mas daquela inércia que é, em geral, sua característica mais saliente.51

Ademais, tomando o modelo apresentado por William John Gruffydd (1881–1954) – em que os mitos passam por quatro estágios de desenvolvimento: 1) a mitologia em si; 2) a mitologia se torna história; 3) a mitologia histórica se torna folclore; e 4) o folclore é utilizado para compor contos literários52 –, Raglan acredita que alguns ritos deixam de ser executados, mas os mitos a eles relacionados continuam a sobreviver em forma de narrativas, tornando-se formas seculares com o tempo.

Outro ponto que Raglan busca explorar em seus estudos é a distinção entre as narrativas tradicionais e as históricas – principalmente em confrontação à posição evemerista. Partindo de uma análise comparativa do mito de Édipo – já estudado em Jocasta’s crime – com as narrativas de heróis de outras tradições – gregos, romanos, indonésios, bíblicos, sudaneses, germânicos etc. –, Raglan traça paralelos entre os incidentes típicos, insignificantes e milagrosos ocorridos regularmente nas histórias tradicionais de tais personagens, formulando o seguinte padrão:53

1) A mãe do herói é uma virgem da realeza; 2) seu pai é um rei e; 3) muitas vezes um parente próximo de sua mãe, mas; 4) as circunstâncias de sua fecundação são incomuns e; 5) ele também é conhecido por ser o filho de um deus. 6) Ao nascimento, uma tentativa é feita, geralmente por seu pai ou seu avô materno, para matá-lo, mas; 7) ele é raptado e; 8) criado por pais adotivos em um país distante. 9) Não nos dizem nada sobre sua infância, mas; 10) ao atingir a virilidade, ele retorna ou vai para o seu futuro reino. 11) Depois de uma vitória sobre o rei e/ou um gigante, dragão ou fera; 12) ele se casa com uma princesa, muitas vezes a filha de seu antecessor, e; 13) torna-se rei. 14) Por um tempo ele reina sem intercorrências, e; 15) prescreve leis, mas; 16) mais tarde ele perde o favor com os deuses e/ou seus súditos, e; 17) é expulso do trono e da cidade, após o que; 18) leva-o a uma misteriosa morte; 19) muitas vezes no alto de uma colina.

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20) Seus filhos, se houver, não o sucedem. 21) Seu corpo não está enterrado, mas mesmo assim 22) ele tem um ou mais sepulcros sagrados.

Ademais, esses incidentes podem ser divididos em três grandes grupos: nascimento, ascensão ao trono e morte, que representam as três principais etapas dos rites de passage (ritos de passagem), estudados por Charles-Arnold Kurr van Gennep (1873–1957) – e posteriormente retomado por Campbell (cf. seq., pp. 197- 210). Raglan, porém, aponta que os heróis históricos não possuem mais do que seis ou sete dessas recorrências em suas narrativas,54 bem como algumas das narrativas tradicionais podem ser meras reformulações de narrativas históricas submetidas ao poder da imaginação – inclusive, a própria história é recheada de tradições, ou seja, é uma pseudo-história –, mas cuja a origem não é lembrada – que dura aproximadamente meio século após a morte do herói – e só pode ser traçada quando os elementos reais que a compuseram possam ser verificados. Nesse último caso, os feitos ou infortúnios dos heróis históricos “devem ser tais que proporcionem pregos nos quais os mitos possam ser pendurados”55 e todo drama é composto por incidentes convencionados e diferentes, e não emprestados, dos vividos cotidianamente, assemelhando-se às representações de palco, em que qualquer personagem histórico “só pode ser levado ao drama por meio de uma continuidade de ação puramente fictícia”,56 onde se tornam tipos. Por último, os milagres advindos do mito serão associados aos fatos históricos se eles continuarem a ser acreditados como tais, pois ele é um produto que a mera surpresa de sua ocorrência não leva a sua crença e “as pessoas precisam ser ensinadas a acreditar neles [i.e., milagres], assim como precisam aprender tudo o que não é patente aos sentidos”.57 Assim,

a conclusão que se sugere é que o deus é o herói tal como ele aparece no ritual, e o herói é o deus tal como ele aparece no mito; em outras palavras, o herói e o deus são dois aspectos diferentes do mesmo ser sobre-humano. O mito descreve as vitórias que o herói conquistou sobre as forças inimigas de seu povo, as leis e costumes que instituiu para o seu benefício e, finalmente, a apoteose que ainda lhe permite ser seu guardião e guia. Quando recitado na íntegra, abrange todos os seus atributos, como deus, como homem divino, como ídolo e como animal, e, assim, explica e justifica todo o ritual no qual ele é adorado.58

Em suma, sugere-se que:59 1) todos ou alguns heróis são pessoas reais cujas histórias foram alteradas de modo a se adequar a rituais e cujas carreiras reais foram inundadas por mitos; 2) os rituais desempenhavam um papel importante na

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vida dessas pessoas; 3) tais heróis eram puramente míticos, pois, “esses heróis, se eram genuinamente heróis da tradição, originalmente não eram homens, mas deuses, e que as histórias eram relatos não de fato, mas de ritual – isto é, mitos”,60 pois não há registros históricos de suas existências até aproximadamente meio ou um século após a sua morte, quando são associados a mitos, bem como a realização de algo que não seja mítico.

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2.4 FRANZ BOAS E A ESCOLA AMERICANA

Derivada da etnologia alemã, a Escola americana começou a desenvolver a antropologia cultural, principalmente com o chamado pai da antropologia americana Franz Uri Boas (1858–1942) – não apenas geógrafo, mas também físico1 –, como uma espécie de renúncia às ideias universais e generalizações a priori dos evolucionistas e difusionistas, desenvolvidas do século XIX – principalmente contra Morgan, defendido por Otis Tufton Mason (1838–1908) e John Wesley Powell (1834–1902) – e de suas classificações históricas baseadas em similaridades aparentes, advindas de um método dedutivo e analógico. Ou seja, a antropologia cultural americana deriva

de um lado, da rejeição do tradicional vínculo de raça e cultura do século XIX em uma única sequência evolutiva hierárquica; de outro, da elaboração do conceito de cultura como estrutura relativista, pluralista, holística, integrada e historicamente condicionada para o estudo da determinação do comportamento humano.2

Influenciado simultaneamente pelo idealismo romântico e o materialismo monístico,3 principalmente pelos trabalhos e a criação de “uma escola de antropologia mova e liberal, que se opunha à ideologia racista e nacionalista que estava se desenvolvendo na Prússia de Bismarck”4 de Rudolf Ludwig Karl Virchow (1821–1902) e Philipp Wilhelm Adolf Bastian (1826–1905), além de sua própria formação acadêmica ser uma mélange da geistes- e naturwissenschaftliche – das ciências preocupadas com o espírito ou com a natureza física, respectivamente –,5 Boas acreditava que o homem moldava e adaptava a sua sociedade conforme o ambiente em que habitava e as culturas só poderiam ser estudadas até um determinado limite geográfico – baseado no conceito bastiano de província geográfica –, onde existiam trocas e processos acidentais – como comércio, contato e migração, por exemplo –, que justificavam as semelhanças entre grupos, mas que compartilhavam psicologicamente os mesmos fundamentos em todo o mundo e colocavam todo o sistema cultural em dinâmica.

Se conseguirmos desse modo dominar o significado de culturas estrangeiras, também devemos estar aptos a ver quantas de nossas linhas de comportamento – que acreditamos estar profundamente fundadas na natureza humana – são na realidade expressões de nossa cultura. Nem todas as nossas normas são categoricamente determinadas por nossa qualidade de seres humanos: várias delas mudam com as circunstâncias. É nossa tarefa descobrir, entre todas as variedades do comportamento humano, aqueles que são comuns a toda a humanidade. Por meio de um

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estudo da universalidade e da variedade das culturas, a antropologia pode nos ajudar a moldar o futuro curso da humanidade.6

Boas enfatizava a necessidade de uma abordagem histórica – da forma corporal, funções fisiológicas, mente e cultura do homem – para a compreensão dos “passos pelos quais o homem tornou-se aquilo que é biológica, psicológica e culturalmente”7 como objetivo da antropologia. Seus trabalhos tinham por foco o estudo etnográfico e histórico de grupos específicos e de suas produções individuais – principalmente com os esquimós e os kwakiutl –, que poderiam possuir diferentes funções em objetos análogos de outras sociedades – “embora as causas semelhantes tenham efeitos semelhantes, os efeitos semelhantes não têm causas semelhantes”8 ou “causas diferentes produzem efeitos semelhantes”9 –, por meio de um método empírico e de registro, bem como os processos de transferência e empréstimo de ideias entre culturas, utilizando um método histórico-interpretativo que somente correlacionava dois objetos quando estes partiam de um mesmo fator.

Deste modo, defendendo um método histórico de indução empírica que restringia a amostra ao nível específico e delimitado, Boas pretendia evitar amarrar os fenômenos em camisas-de-força teóricas10 – tais como encontradas nos métodos deterministas de generalização predecessores –, a fim de conhecer a “sucessão cronológica de formas e uma percepção das condições sob as quais as mudanças ocorrem”11 em uma determinada cultura e entender mais profundamente a sua natureza. Para o autor, a cultura é tanto o elemento responsável pela diversidade humana quanto das visões de mundo particulares; uma cultura não é sobredeterminada por uma única variável – biológica, geográfica, ambiental, psicológica, econômica etc. –, mas integrada, influencia e é influenciada por múltiplas expressões em diferentes graus. A partir do momento em que essas influências – internas e externas – são exercidas pela mente humana, resultam as diversas atividades sociais. Estamos, portanto, presos aos grilhões da tradição, mesmo que existam diferenças biológicas entre os homens, elas se encontram em um grau tão ínfimo que dificilmente influenciam significativamente a totalidade da cultura. Desta forma, Boas propõe um estudo dinâmico das inter-relações dos aspectos culturais – i.e., processos – a partir do material etnológico descrito analiticamente, da “reação do indivíduo à cultura na qual vive e na sua influência sobre a sociedade”.12

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Figura 15 – Franz Uri Boas (1858–1942).

Iniciando pelas críticas às teorias dos evolucionistas – também chamadas pelo autor de método comparativo ou novo método, atribuído a James George Frazer (1854–1941), Edward Burnett Tylor (1832–1917), Johann Jakob Bachofen (1815– 1887), Lewis Henry Morgan (1818–1881), Sir John Lubbock, Barão I de Avebury e Baronete IV (1834–1913), Daniel Garrison Brinton (1837–1899) e Herbert Spencer (1820–1903), por exemplo – Boas afirma que assim como os artefatos do homem do período glacial não alteraram suas formas de modo significante em relação aos produzidos pelas raças modernas, o mesmo valeria para o processo de formação e

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desenvolvimento dos mitos. Portanto, não há como estabelecer um sistema de transmissão uniforme dos mitos conectados geneticamente – i.e., uma aplicação direta do processo biológico evolutivo darwiniano ao fenômeno mental –, pois a generalização linear e simultânea do processo não possui sustentação arqueológica; mas pode-se entender tal processo como uma série de novos fenômenos que surgem de acordo com o desenvolvimento de cada povo, influenciados e transmitidos histórica e geograficamente, e relacionando-os com outros povos próximos e distantes. Da mesma forma, Boas criticava também as teorias difusionistas – Friedrich Ratzel (1844–1904), Willy Karl Max Emil Foy (1873– 1929), Robert Fritz Graebner (1877–1934), Sir Grafton Elliot Smith (1871–1937) e William Halse Rivers Rivers (1864–1922), por exemplo, – quando essas tentavam traçar um único pólo cultural como transmissor das características culturais de todos os povos, ao invés de restringir, de modo mais aceitável, o fenômeno da difusão – migração e disseminação – à áreas relativamente próximas. Ambas correntes teóricas não levam em consideração, porém, que a universalidade de determinados elementos culturais podem não corresponder à uma mesma causa originária.

São essas as mesmas bases da formação da cultura – por um processo de imitação e socialização, e acréscimo de elementos acidentais que são manipulados –, que constituem a definição de mito boasiana. Boas via nos mitos o reflexo de acontecimentos cotidianos do homem que estimulam suas emoções, por meio da imaginação, mas que “as mitologias das várias tribos, como as encontramos agora, não são crescimentos orgânicos, mas gradualmente se desenvolveram e obtiveram sua forma atual por acréscimo de material estrangeiro”13 e foram adaptadas conforme as necessidades daqueles que o importaram, permanecendo, porém, conectadas por elementos básicos que possuem uma distribuição muito ampla.

Assim, o problema da mitologia deve residir na tendência do homem de associar as narrativas de seu próprio povo aos fenômenos da natureza, dando-lhes um significado e não como um reflexo direto da contemplação do meio que se desenvolveu no processo civilizatório; desta forma, deve-se procurar sua origem na capacidade imaginativa do homem de narrar os aspectos da sua vida social através dos mitos.

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Boas também faz críticas a algumas abordagens psicológicas, principalmente à psicologia experimental, que retirava o indivíduo do ambiente social ao qual estava inserido para analisá-lo in vacuo. Já havendo tomado contato com as teorias de Philipp Wilhelm Adolf Bastian e Wilhelm Maximilian Wundt (1832–1920), por exemplo, sobre uma universalidade de ideias fundamentais do homem e a sustentação de uma similaridade das funções mentais em todas as raças – não só de emoções e intelecto, mas também de pensamento e ação, por mais que os resultados advindos das análises comparativas sejam semelhantes –, para o antropólogo, as causas do material coletado se distinguem emocionalmente e racionalmente de cultura para cultura e de indivíduo para indivíduo, de modo que psicologicamente não se pode criar leis ou conceitos que regem indistintamente todas as atividades e motivos.

Por estas razões, parece-me que um dos pontos fundamentais a ter em conta no desenvolvimento da psicologia antropológica é a necessidade de procurar os traços psicológicos comuns, não nas semelhanças externas dos fenômenos étnicos, mas na semelhança dos processos psicológicos na medida em que estes possam ser observados ou inferidos.14

Ademais, Boas também compara as interpretações de Sigismund Schlomo Freud (1856–1939) da mitologia com os trabalhos de Eduard Stucken (1865–1936).15 Apesar de a teoria metapsicológica freudiana ter suas validades, o antropólogo nos alerta principalmente para a aplicação restrita da “teoria completa da influência de desejos reprimidos às atividades do homem que vive sob diferentes formações sociais”16 para além dos seus limites legítimos de estudo, ou seja, para as questões que ultrapassam a esfera do nível individual.

Isso reflete em outra questão refutada pelo autor: a associação de ideias mitológicas com os costumes exclusivamente conscientes, como uma forma de lidar com as superstições advindas da observação da natureza. Para o autor, os hábitos e costumes têm suas origens principalmente no nível emocional – enraizados profundamente –, criando dissonância com o que já está estabelecido no âmbito social, de modo que “o costume é obedecido com tanta frequência e tão regularmente”17 desde a infância – como as correções feitas pelos mais velhos ou os tabus –, que, mesmo havendo uma parcela instintiva de ações, os membros de um mesmo grupo reagem a certos estímulos automaticamente por respostas condicionadas, sem saber claramente o motivo de suas ações. É somente a partir

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de uma ruptura dos costumes estabelecidos que o homem tem consciência das ideias associadas às suas ações, em que quanto mais automáticas forem as ações e os pensamentos, maior será o esforço consciente para poder rompê-los. Ademais, quando associamos um grupo de ideias às ações habituais, o quê é levado conscientemente são as associações atuais, “que provavelmente diferem das associações prevalecentes no momento em que o hábito foi estabelecido”18 e, por estarem associadas à reações emocionais, a origem de sua execução permanece inconsciente – o que não exclui o fato de que a primeira reação, que deu origem ao hábito seja consciente, mas que, por sua vez, no decurso histórico, sua constância e regularidade podem ter sido quebradas por novas reações emocionais surgidas a partir de outras associações de ideias, principalmente no que concerne às interpretações dos costumes dadas por outra cultura.

Nas sociedades primitivas, porém, devido à alta regularidade de associações ligadas aos mesmos costumes, raramente uma reação emocional reagiria de forma a romper o automatismo de um hábito e tornar um grupo de ideias conscientes, pois eles já fazem parte da vida mental do homem. Essa regularidade do primitivo advém da associação de suas ações – música, dança, ciência, religião, mito, ética etc. – com uma natureza religiosa ou ao menos simbólica, que limitam sua imaginação a desenvolver-se em torno de temas definidos – como apontamos inicialmente na teoria de Bastian. Já na vida civilizada, mesmo persistindo a existência de determinados hábitos, a tendência racionalista rompeu com os grupos de ideias associadas e, portanto, relacionam-se mais fortemente de modo consciente. Essa relação entre primitivos e civilizados, e falta de consciência e consciência das ações, respectivamente, pode ser observada de modo assíduo nos rituais, que, mesmo permanecendo no ambiente civilizado, suas origens remontam aos tempos pré-históricos ou ainda os seus laços se perderam inteiramente no tempo, enquanto na sociedade primitiva, “nenhuma ação de qualquer importância pode ser realizada que não seja acompanhada de ritos prescritos de forma mais ou menos elaborada”.19 Assim, a diferença entre o pensamento primitivo e o civilizado não pode residir num paradigma evolucionista fundamentado na organização da mente – como Boas refuta em Joseph Arthur de Gobineau (1816–1882), Gustav Friedrich Klemm (1802–1867), Carl Gustav Carus (1789–1869), Josiah Clark Nott (1804– 1873) e George Robbins Gliddon (1809–1857), por exemplo – e sim em um

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entrelaçamento e o arranjo de relações simples e complexas. Trata-se antes de um produto heterogêneo entre as impressões do mundo externo e as impressões subjetivas modificadas pelos estados emocionais, no pensamento primitivo, enquanto o pensamento civilizado se funda na gradual eliminação do subjetivismo por meio de um imbricamento causal de conceitos que culmina no método científico, tendendo à homogeneização. Um exemplo disto se encontra nos estudos da arte primitiva, em que “entre os primitivos, o motivo estético é combinado com o simbólico, enquanto na vida moderna o motivo estético é bastante independente ou associado a ideias utilitárias”.20 Essas teorias antecedentes, ao passo que restringiam temporalmente seus olhares sob uma determinada cultura, também favoravelmente colocavam as suas próprias sociedades como o auge de tal processo evolutivo-psíquico; desconsiderando inclusive a existência concomitante de povos que habitam a mesma época sob às condições antigas. Da mesma forma, para Boas, “não existe uma relação próxima entre raça e cultura”21 e não existe hereditariedade racial. Confundem-se a variabilidade genotípica com a fenotípica, colocando uma única linhagem hereditária como o eixo da formação das características populacionais gerais. É somente a partir do processo de desenvolvimento de uma cultura que se torna possível reconstruir o passado.

Retomando a questão do difusionismo, apesar de inúmeras narrativas terem desenvolvido suas particularidades territoriais, existem também conexões entre diversos elementos narrativos que permite assumir que primeiramente elas “foram transportadas de tribo para tribo, mesmo de continente a continente, e foram assimiladas a tal ponto que raramente há evidências internas que indicariam o que é nativo e o que é de origem estrangeira”.22 Assim, existem tanto narrativas que são elaboradas a partir de incidentes específicos de uma região, modificados através das experiências cotidianas, quanto narrativas bem definidas que assumem inúmeras variações em uma vasta amplitude territorial. No entanto, seria impossível chegar na narrativa original que desencadeia suas variações, uma vez que os elementos são independentes e foram combinados de diversas maneiras através dos anos, tornando a suposta arbitrariedade da difusão não como uma transmissão evolutiva, mas um processo de construção coletiva; “o local de origem de cada narrativa não pode ser determinado, mas as linhas ao longo das quais viajou podem ser rastreadas”.23 Boas aponta que os contos introdutórios, por exemplo, diferem

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enormemente das narrativas de aventura e exploração que, por sua vez, possuem uma maior uniformidade, especialmente no caso de contos heróicos. Apesar de ambos nascerem separados, eles são resultado de uma associação posterior,24 como aponta no trecho abaixo.

Ambos os fatores, disseminação e modificação, sobre as causas sociais, devem tender a obscurecer o significado original do mito. O conteúdo da mitologia prova claramente que as tentativas de explicar a natureza são a principal fonte de mitos. Mas devemos ter em mente que, devido às modificações que sofreram, não podemos esperar obter uma compreensão de suas formas mais antigas por meio de comparações e interpretações, a menos que sejam baseadas em uma investigação minuciosa das mudanças históricas que deram aos mitos suas formas presentes. Dir-se-ia que os universos mitológicos estão fadados a serem pulverizados assim que se formam, para que novos universos nasçam de seus destroços.25

Diferente das experiências cotidianas – que também influenciam nas modulações dos enredos míticos – os mitos, em sua maioria, “refletem as ocorrências da vida humana, particularmente aquelas que agitam as emoções das pessoas”,26 funcionando como um jogo de exageros da imaginação com os eventos da vida humana; é o resultado de devaneios (paixões, virtudes e vícios) que tentam realizar os desejos cotidianos, dar luz aos exageros das experiências, a materialização dos objetos de temor ou ainda as ideias contrárias à experiência diária.

Ademais, não é possível traçar uma linha exata de distinção entre o mito e o conto popular (folk tale) – apesar de apontar o conteúdo cósmico do mito natural como o único diferencial em relação ao conto popular.27 Devido às semelhanças experienciais e psicológicas das diversas sociedades, os tipos de narrativas que aparecem no mito também aparecem nos contos populares e vice-versa, e, portanto, o mito não pode ser definido ou ter sua origem na interpretação ou personificação da natureza, ou ainda restrito às ideias religiosas e rituais,28 mas somente pelo livre jogo da imaginação sobre as experiências cotidianas. Ademais, como apontamos anteriormente sobre o processo de inferência inconsciente do desenvolvimento dos hábitos e costumes – o homem primeiro age e depois justifica o ato –, o mesmo valeria para os mitos, em que “não é a história que foi adicionada à observação, mas a observação que foi anexada à história em função da sua adequação”;29 ou seja, o significado mitológico é atribuído a posteriori por uma razão consciente; o homem saqueia “todo o campo de seu conhecimento até encontrar algo que pudesse ser ajustado ao problema em questão dando uma

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explicação satisfatória para sua mente”.30 No entanto, tal jogo da imaginação não deve ser tratado do mesmo modo para todo o tipo de narrativa mítica. Comparando mitos cosmogônicos com histórias insignificantes de animais, Boas conclui que “a importância do assunto e a seriedade com que [os primeiros] são tratados sugerem que eles são o resultado do pensamento sobre a origem do mundo e da fascinação sobre as realizações culturais e o significado dos ritos sagrados”.31

A partir de um estudo da distribuição e da composição dos contos, devemos inferir que a imaginação dos nativos tem jogado com alguns enredos, que foram expandidos por meio de uma série de motivos que têm uma distribuição muito ampla e que há comparativamente pouco material que parece pertencer exclusivamente a uma única região, de modo que possa ser considerado de origem autóctone. O caráter dos contos populares de cada região reside antes na seleção de temas preponderantes, no estilo dos enredos e no seu desenvolvimento literário.32

Assim, semelhante ao que Wundt propôs com as ideias mitológicas, Boas define os conceitos mitológicos como “as visões fundamentais da constituição do mundo e da sua origem”33 pertencentes a ambas categorias narrativas e seu principal objeto. Como apontamos no início desta seção, o processo de desenvolvimento dos mitos teve poucas alterações desde os primórdios – dos “primitivos” aos “civilizados” – e isso se deve a restrição nessas formas ou motivos narrativos com que a imaginação trabalha sobre a experiência humana. São esses conceitos que organizam sistematicamente a vida social e cultural de um grupo e tanto aproximam quanto diferenciam-os de seus vizinhos. No entanto, apesar de análogas, nem sempre as funções sociais possuem coerência dentro do grupo, aparecendo somente de forma mais harmoniosa em sociedades cujos mitos se restringem nas mãos de poucos indivíduos (sacerdotes e chefes), a partir da sistematização das práticas e crenças heterogêneas, que assemelha-se a um pensamento filosófico, resultando, assim, em uma mitologia esotérica e exotérica. Há então uma mútua e inextricável inter- relação: de um lado, um direcionamento cultural a ser seguido pelos membros e do outro um desenvolvimento das crenças populares, visto, por exemplo, no “ressurgimento da quiromancia, espiritualismo e astrologia durante períodos de estresses sociais particulares”.34

Em contraposição à uma reconstrução histórica da cultura humana e à análise de resultados, Boas se mostra interessado pelos processos – vivos e históricos –, por um estado de fluxo constante com modificações fundamentais35 em áreas

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delimitadas, a fim de entender o desenvolvimentos dos aspectos culturais, suas inter-relações entre indivíduo, cultura, ambiente e sociedade. Em meio a isso, os mitos também devem ser estudados em um processo de formação, refletindo em detalhe a cultura à qual fazem parte e se relacionando de acordo com os interesses específicos da sociedade em que se desenvolvem. Mesmo que as suas origens sejam consideradas conscientes, os hábitos e costumes incutidos desde cedo sobre os indivíduos, constroem relações que justificam conscientemente o conteúdo de suas narrativas de tal forma que a gênese se perde no tempo.

Boas também formou toda uma geração de antropólogos americanos que fizeram trabalhos etnográficos, principalmente, a respeito do resgate e registro das culturas indígenas norte-americanas, como Margaret Mead (1901–1978), Elsie Worthington Clews Parsons (1875–1941), Zora Neale Hurston (1891–1960), Ruth Fulton Benedict (1887–1948), Ella Cara Deloria (1889–1971), Alfred Louis Kroeber (1876– 1960), Robert Harry Lowie (Robert Heinrich Löwe, 1883–1957), Clyde Kluckhohn (1905–1960), William Russel Bascom (1912–1981), John Reed Swanton (1873– 1958), Melville Jean Herskovits (1895–1963), Leslie Spier (1893–1961), Paul Radin (1883–1959) e Edward Sapir (1884–1939).

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2.5 O FUNCIONALISMO DE BRONISŁAW MALINOWSKI

Bronisław Kasper Malinowski (1884–1942), polonês, considerado comumente o fundador da antropologia social e o pai da etnografia, iniciado na matemática e nas ciências exatas, despertou interesse pela antropologia com a leitura de O ramo de ouro (1890) de Sir James George Frazer (1854–1941) e, após as orientações de Karl Wilhelm Bücher (1847–1930) e Wilhelm Maximilian Wundt (1832–1920) e a influência dos trabalhos de Émile Durkheim (1858–1917) – assim como também foram Alfred Reginald Radcliffe-Brown (1881–1955) e Niklas Luhmann (1927–1998) –, incorporou o pensamento funcionalista à antropologia, permitindo-lhe criticar as concepções evolucionistas predecessoras – como em Lewis Henry Morgan (1818– 1881), Johann Jakob Bachofen (1815–1887) e Friedrich Engels (1820–1895) – e fragmentárias – como em Frazer, Robert Stephen Briffault (1874–1948) e Edvard Alexander Westermarck (1862–1939).

Sob um ponto de vista sociológico, Malinowski também critica alguns pontos do complexo de Édipo freudiano que exigem maior comprovação antropológica de campo, identificando, porém, a psicanálise como uma série de dogmatismos que se espalharam tal como uma infecção advinda de um processo inflamatório súbito nos demais campos da ciência, de grande relevância principalmente para a correlação entre os instintos e as instituições sociais,1 mas que falha ao atribuir às necessidades biológicas apenas à satisfação indireta do instinto sexual, “que só pode ser adequadamente explicado como uma expressão da necessidade biológica humana de propagação e da necessidade cultural de educar cada geração”.2

Apesar de ter estudado tribos australianas, zapotecas, os hopis e africanos do leste, seus principais estudos se focaram, majoritariamente, nas ilhas Trobriand do Pacífico Sul (Kiriwina), na Melanésia, nas quais realizou trabalhos de campo com observação participante, de grande influência sobre a sua obra e sobre suas formulações teóricas – o que o tornou também alvo de críticas contra suas generalizações e validades universais precipitadas para todas as formas de cultura e suas manifestações. Ademais, como nota Kluckhohn, as fraquezas da teoria funcionalista de Malinowski são “a falta de consideração com a dimensão temporal, um desprezo injustificado para os estudos distributivos, a falta de uma psicologia praticável e a cegueira às estruturas formais em oposição às funções”.3 Já Lévi-

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Strauss observa uma “curiosa mistura de dogmatismo e empirismo que contamina todo o seu sistema”4 e que persiste em seus continuadores. A inovação de Malinowski, porém, como aponta Durham, está “em apreender a cultura não apenas como conjunto de manifestações, mas como síntese integrada de uma multiplicidade de aspectos”,5 “uma roupa que dá ao homem o domínio de seu ambiente, permite-lhe manter a espécie, a integridade do indivíduo e a coesão de sua tribo”,6 aprendida por um indivíduo e compartilhada com e pelo grupo, como demonstra a partir da validade dos axiomas do funcionalismo:

A) A cultura é, essencialmente, um aparato instrumental; através dela o homem é colocado em posição de melhor tratar os problemas concretos específicos que enfrenta em seu ambiente, no decurso da satisfação de suas necessidades. B) É um sistema de objetos, atividades e atitudes, no qual cada uma das partes existe como um meio para um fim. C) É uma totalidade, em que os diversos elementos são interdependentes. D) Tais atividades, atitudes e objetos estão organizados em torno de tarefas importantes e vitais, em instituições como a família, o clã, a comunidade local, a tribo e as equipes organizadas de atividades políticas, legais, educacionais e de cooperação econômica. E) Do ponto de vista dinâmico, isto é, com relação ao tipo de atividade, a cultura pode ser analisada sob diversos aspectos, tais como educação, controle social, economia, sistemas de conhecimento, crença e moral, e, também, modos de expressão criativa e artística.7

Segundo o antropólogo polonês, o processo cultural é composto – em qualquer uma de suas manifestações concretas – pela tríade contígua artefatos-grupos organizados-simbolismo. A dimensão dos artefatos ou aparatos é composta por objetos ou implementos pertencentes à classe dos bens de consumo, em que tanto as circunstâncias quanto as formas são determinadas pelo seu uso, conectando função e forma. O uso de um aparato é resultado da satisfação das necessidades humanas, que podem ser divididas em:8 1) primárias ou biológicas e 2) derivadas ou culturais (tabela XX). Posteriormente, a partir da utilização dos aparatos, surge a dimensão dos grupos organizados, equivalente aos laços sociais humanos, cujos indivíduos devem não somente desenvolver as habilidades pessoais, mas ter o reconhecimento do grupo, para assim fortalecer e dar continuidade à tradição e garantir modos padronizados de comportamento. Por fim, a dimensão simbólica se caracteriza pela influência que um organismo exerce sobre o outro, de modo a desenvolver convenções artificiais que coordenam os comportamentos humanos, cujo símbolo, neste contexto, é “o estímulo condicionado que se liga a uma resposta no comportamento apenas através do processo de condicionamento”.9

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Figura 16 – Bronisław Kasper Malinowski (1884–1942).

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Tabela 04 – Necessidades humanas básicas e suas respostas segundo Malinowski e ilustrado por Langness (1987, p. 80).

Malinowski propôs uma forma teleológica de estudar e definir os contornos de uma determinada cultura, cujos elementos podem ser explicados em função de outros, a partir da postulação das suas organizações em unidades ou isolados funcionais, chamadas instituições – ou seja, relações comportamentais necessárias e multidimensionais formuladas a partir de uma ideia, i.e., estatuto – que criam um ambiente artificial, secundário, i.e., cultura, por meio dos complexos culturais ou de traços – ou seja, elementos sem necessária relação –, cujos elementos desempenham uma função na totalidade da sociedade, uma atitude sociológica. Assim sendo, “a forma está sempre determinada pela função”,10 em que a forma é “um tipo concreto de comportamento, característico de qualquer relação social”,11 pelo qual o processo cultural ocorre e se altera de acordo com as manifestações específicas de um grupo, enquanto função é “o papel desempenhado por uma instituição no esquema total da cultura”,12 utilizado para a análise das relações entre os variados elementos de uma sociedade, podendo este ser fundamental ou

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contingente. Portanto, para se atingir uma determinada função, o homem desempenha atividades de modo a satisfazer as suas necessidades básicas, por meio do uso de aparatos materiais e obedecendo certas normas, que são observadas em seus comportamentos sociais – o que levou às críticas em relação ao universalismo e ao psicologismo teórico através de um reducionismo biológico (figura XX). Deste modo, a teoria funcional incorporada à antropologia auxilia na análise comparativa das culturais, como pré-requisito para o trabalho de campo.13

Figura 17 – Diagrama da correlação entre os conceitos da teoria de Malinowski (1960, p. 53).

Para a concretização de uma análise funcional-institucional da cultura, Malinowski faz uso da etnografia, como método de obtenção dos resultados empíricos e descritivos da ciência do homem, criticando o seu uso pelos antecessores que não ofereciam dados com suficiente generosidade, além da ausência de um uso sincero metodológico e dados apresentados como surgidos do nada;14 e diferenciando-a da etnologia, como termo utilizado para definir as teorias especulativas e comparativas, como em Philipp Wilhelm Adolf Bastian (1826–1905), Edward Burnett Tylor (1832– 1917), Morgan e os Völkerpsychologen alemães, como Wilhelm Maximilian Wundt (1832–1920). Para mais, Malinowski critica ambos evolucionismo e difusionismo como visões fatalistas, a primeira como “uma fatalidade metafísica que leva o homem a algum tipo de auto-realização hegeliana”,15 enquanto a segunda como um acidente glorioso e milagroso de transmissão mecanicista e explicação imaginária,16 que, apesar de concordar com o fenômeno da difusão, o traço cultural transmitido é sempre modificado pela cultura que o recebe, ela

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é sempre uma readaptação, um processo verdadeiramente criativo, no qual a influência externa é remodelada pelo gênio inventivo. A cultura do Egito não é mais antiga do que a da China, da Mesopotâmia ou da Índia, e tirou tanto dos vizinhos quanto deu. A civilização felizmente não é uma doença – nem sempre pelo menos – e a imunidade da maioria das pessoas à cultura é notória: a cultura não é contagiosa! Não foi inventada nem difundida, mas imposta pelas condições naturais que levam o homem ao caminho do progresso com um determinismo inexorável.17

Baseado nas ideias do grupo ritualista da Escola antropológica de Cambridge, principalmente no que concerne aos trabalhos de William Halse Rivers Rivers (1864–1922), Charles Gabriel Seligman (1873–1940) e Alfred Cort Haddon (1855– 1940), Malinowski aponta que o trabalho do etnógrafo deve transpor a distância entre o material bruto da informação coletada in loco – resultante da observação direta das afirmações e interpretações advinda do comportamento e memória dos homens – e o resultado apresentado, que é produto do discernimento psicológico e das inferências do autor. Denominado de método de documentação estatística pela evidência concreta, Malinowski agrupa seus princípios metodológicos em três tópicos:18 1) ter objetivos verdadeiramente científicos e conhecer os valores e critérios da moderna etnografia, pois o etnógrafo deve ser um caçador ativo com um bom treinamento teórico, para, assim, poder utilizar os métodos mais dinâmicos e adequados na investigação dos fenômenos, investigando fatos no momento em que ocorrem e prenunciando problemas ao invés de aplicar ideias preconcebidas; 2) condições adequadas para o trabalho etnográfico, o que diferencia um mergulho esporádico de estar realmente em contato com a cultura estudada, entrando em harmonia com o ambiente e aprendendo a se comportar conforme as normas do grupo; e 3) a aplicação de métodos especiais de coleta, manipulação e registro de dados, de forma exaustiva – das manifestações aos exemplos –, decorrentes das evidências concretas, de modo a constituir um mapa mental para assim realizar as inferências indutivamente.

No método etnográfico, assim como “em qualquer ramo do conhecimento, os resultados devem ser apresentados de uma maneira absolutamente imparcial e honesta”19 – diferente dos missionários, comerciantes e funcionários que mantêm uma relação ativa com os indivíduos, influenciando e transformando-os – de modo a apresentar um esquema nítido e claro da constituição social – com diagramas, listas, planos e quadros sinópticos – que abranja a totalidade dos aspectos culturais. Ademais, também se deve separar as normas, leis e regularidades – provenientes

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da “interação entre as forças mentais da tradição e as condições materiais do ambiente”20 – dos fenômenos considerados irrelevantes para a sociedade em questão ou que recorte a realidade em um único aspecto, para então reuni-los em um todo coerente, descrevendo, desta forma, uma anatomia da cultura, ou seja, a constituição e organização orgânica de uma sociedade.

Em suma, a fim de chegar à meta final de apreender a visão de mundo de uma determinada sociedade e como a vida influencia os seus membros, como aponta Malinowski, “os objetivos da pesquisa de campo etnográfica devem ser abordados por três caminhos”:21 1) a partir do uso de um método de documentação estatística concreta, o etnógrafo deve ser capaz de registrar em um esquema nítido e claro a anatomia de uma cultura, composta pelos itens culturais cristalizados – rituais estabelecidos, deveres econômicos, obrigações etc. –, os fatos cotidianos e costumeiros, e as perspectivas, opiniões e expressões dos membros como parte da comunidade, respectivamente o esqueleto, a carne e sangue e o espírito de uma cultura; 2) esse mesmo esquema deve ser completado com a imponderabilia da vida real – registro feito na plena realização dos fatos – adicionado ao tipo de comportamento típico e as reações emocionais, uma vez que o membro pertence e participa das instituições – e do mesmo modo o etnógrafo deve fazê-lo; e 3) o conjunto coletado deve, enfim, compor um corpus inscriptionum, realizado da maneira mais convincente possível.

No entanto, como aponta Roldán,22 é importante distinguir o método etnográfico, histórico e epistemologicamente, desenvolvido por Malinowski em duas fases, entre os trabalhos desenvolvidos ilhas Mailu (Samarai), na Papua-Nova Guiné, e os trabalhos nas ilhas Trobriand, que podem ser sintetizados em seis pontos: 1) enquanto em Samarai, Malinowski passou poucos dias em campo, somente visitando os vilarejos, em Kiriwina, o antropólogo viveu entre os nativos por quase um ano; 2) em Saramai, a pesquisa estava influenciada pelos sistemas classificatórios da tradição antropológica britânica (historicismo e evolucionismo) e repleta de afetividades, enquanto em Kiriwina, Malinowski decidiu pesquisar aspectos mais específicos da sociedade (magia e religião, economia, mentalidade e instituições), por meio de uma abordagem cognitiva e indiscriminatória (sincrônica e funcionalista); 3) Malinowski se preocupou em explorar o passado da sociedade

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samaraiana, enquanto explorou a sociedade trobriandesa em sua presentidade; 4) em Saramai, Malinowski dependia de tradutores e entrevistas com informantes para o registro, enquanto aprendeu o idioma dos trobriandeses, permitindo o entendimento da cultura e de sua mentalidade, por meio do uso da língua, em um nível mais profundo; 5) o que permitiu o aumento no número de observações de fatos cotidianos e das instituições; e 6) também alterar o modo de registro das observações.

Acompanhando os trabalhos de Konrad Theodor Preuss (1869–1938), Henri Hubert (1872–1927), Marcel Mauss (1872–1950) e (1866– 1943), Malinowski afirma que não existem povos sem magia, religião e ciência ou pensamento científico, ou seja, das ações e práticas que possuem uma aura de reverência e temor, geralmente associados a entes sobrenaturais e à tradição, e às atividades rotineiras de caça, agricultura, pesca etc., que necessita dos rudimentos científicos e da razão, respectivamente, que podem ser divididos em dois grandes domínios: sagrado e profano.23

Ao contrário dos argumentos de Lucien Lévy-Bruhl (1857–1939) – apesar de fazer honras ao pensamento do autor –, que via no homem primitivo a ausência de um pensamento racional-consciente-lógico e uma perspectiva constituída por participações e exclusões místicas, Malinowski sustenta que, apesar de rudimentar, “cada comunidade primitiva possui um considerável conjunto de conhecimentos baseados na experiência e moldados pela atividade racional”,24 observado nas artes, ofícios e atividades econômicas de modo a manter a tradição e não por um interesse direto em busca de conhecimento, mas que também se localiza fora da zona sagrada do culto e da crença; seja considerando ciência como regras de comportamento prático advindos da experiência por inferência lógica que se materializam na tradição, seja o estabelecimento de regras por controle e abertas à crítica da razão.

Já o domínio do sagrado, como atitude mental e forma de comportamento, funciona como um princípio dinâmico que governa inúmeros campos das atividades humanas,25 dividindo-se em duas facetas: a religião e a magia. Por um lado, a religião não se prende aos seus objetos, invadindo toda a trama social com uma teia de crenças e ritos com formas cristalizadas, estandardizadas de cerimônias

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religiosas sem um objetivo específico, mas que seguem hábitos mentais e práticas sociais que visam manter a ordem, a coesão e a sobrevivência da sociedade e da tradição, necessitando a presença da comunidade como um todo – atitude mais próxima ao totemismo frazeriano do que ao animismo tyloriano. Mesmo que se verifiquem momentos solitários de religiosidade – no qual surge, em grande medida, a religião –, o primitivo tem consciência de que a quebra dos padrões universais de conduta ameaça a tradição; contudo, coletivo e religioso não são coextensivos,26 havendo também atividades grupais como competições, batalhas, danças, colheitas etc. sem motivos religiosos inerentes.

Por outro lado, rodeada de formalidades, mistérios e tabus – assim como a religião –, a magia tem ideias e objetivos subjacentes claros e bem definidos, é “especializada, exclusiva, setorial e hereditária”.27 É um conjunto de artes puramente práticas conectadas prima facie à emoção – baseadas num mecanismo psicofisiológico universal – ou de antevisão do seu resultado, transferindo a força mágica ao objeto enfeitiçado, composta por três elementos essenciais para a sua eficácia: 1) a fórmula – as palavras utilizadas e o modo como são pronunciadas –; 2) o estado do executante e suas ações; e 3) o rito – as ações cerimoniais – que fazem alusões mitológicas que a consolida por meio da tradição. Uma vez que a magia é movida pelas emoções, estas podem ser tanto positivas quanto negativos e, portanto, toda magia funciona em pares antinômicos, ou seja, magia-contramagia, magia branca-magia negra, magia positiva-magia negativa, bruxaria e contrabruxaria. Ademais, a magia não possui origem, mas sempre foi, sua existência primeva reside na tradição e está intimamente conectada à mitologia local, que tem por função preservar e assegurar a genealogia e execução dos ritos mágicos que garantam a autenticidade de sua eficácia e a verdade da crença, também justificando o poder social dos governantes. A magia se encontra na relação do homem com a natureza e de suas atividades. Ela se encontra em posse do homem, advinda de suas experiências vividas, e os seus efeitos são produtos de sua própria natureza mágica reveladora, de uma força exterior e impessoal – por vezes denominada mana –, que é transmitida pela tradição. Importante destacar também que trabalho e magia andam concomitantemente, afetando-se mutuamente e ambos são utilizados em benefício do homem. No entanto, ao passo que a execução de uma determinada tarefa exige conhecimento empírico-prático e

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tecnológico de seu executor, a magia se torna necessária para a dominação dos elementos de acaso e sorte que estão além do conhecimento técnico racional. Assim, a magia desempenha duas funções primordiais:28 1) psicológica, atuando sempre sobre elementos acidentais, jogos emocionais e perigos – e não em atividades seguras e métodos racionais; e 2) sociológica, como um elementos ativo organizacional de harmonização e controle do sistema social. Ou seja, a magia tem a função de proporcionar ao homem “uma técnica mental e pragmática sempre que os meios normais falharem”.29 Neste sentido, por um lado, a magia funciona como uma pseudociência – assim como Frazer defende – pois, governada por um sistema de princípios, associa-se aos instintos, às necessidades e atividades do homem com uma finalidade definida para consecução de objetivos práticos e, por outro lado, diferencia-se pois

a ciência, mesmo como representação do conhecimento primitivo do homem selvagem, baseia-se na experiência normal e universal do dia-a-dia, experiência conquistada pela luta do homem com a natureza para sua subsistência e segurança, assente na observação, determinada pela razão. A magia baseia-se na experiência específica de estados emocionais em que o homem se observa a si próprio e não a natureza, em que a verdade é revelada não através da razão mas da ação das emoções sobre o organismo humano. A ciência fundamenta-se na convicção de que a experiência, o esforço e a razão são válidos; a magia, na crença de que a esperança não pode falhar nem o desejo iludir. As teorias do conhecimento são ditadas pela lógica, as da magia pela associação de ideias sob os auspícios do desejo.30

Já em relação à religião, apesar de ambas serem modos de comportamento advindos de reações emocionais contra situações de escape ou impasse e se assentarem nos mitos, a diferença se instaura na ação da magia como um meio circunscrito por técnicas e práticas advindas do poderio do homem para provocar efeitos e alcançar um fim objetivo, passada de geração a geração; enquanto a religião só pode ser percebida segundo a sua função e os valores das crenças e rituais que compõem a cultura, formadas a partir de uma realidade sobrenatural e da qual todos participam e têm conhecimento igualmente para lidar com os problemas/fardos intoleráveis da sociedade com um conforto metafísico; “a religião primitiva aparece assim como um aspecto mais importante e mais valioso da cultura selvagem”.31 Ademais, a mitologia da religião é mais variada, complexa e criativa, desenvolvendo-se em “cosmogonias, contos de heróis da cultura, relatos de feitos de deuses e semideuses”,32 enquanto a mitologia da magia centra-se na exaltação dos feitos de indivíduos. Ou seja, as narrativas dos feitos mágicos constroem a

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reputação e a eficácia da corrente mitológica a que pertencem, atestadas pelos mitos que preservam a verdade dos efeitos mágicos; “o mito é engendrado pelo êxito real ou imaginário da feitiçaria”,33 mas também está conectado, como veremos adiante, ao poder e ao direito social.

Em oposição às correntes de interpretações naturalistas ou históricas do mito – desenvolvidas pelas escolas alemãs e inglesa, mas também das abordagens psicológicas, lógicas, metafísicas e epistemológicas34 –, em que, enquanto as primeiras atribuíam ao homem primitivo a constituição de narrativas fantasiosas advindas de um interesse puramente artístico ou científico pela natureza e as demais viam no mito um impulso científico pela busca por conhecimento, composto em crônicas,35 Malinowski, por outro lado, defendia que o mito é “um ingrediente vital da civilização humana”.36 Nascido das reações emocionais, o mito constitui uma força cultural laboriosa e extremamente importante para a preservação da cultura, como uma categoria de narrativas sagradas e tradicionais, que reveste a beleza nua e crua do pensamento primitivo.37 Contado segundo um propósito, o mito é parte integrante e ativa na vida do indivíduo, “exprime, enaltece e codifica a crença; salvaguarda e impõe a moralidade; comprova a eficácia do ritual e contém normas práticas para a orientação do homem”,38 funcionando como o meio pelo qual agir e como executar a ação; “é uma garantia, um penhor e, muitas vezes mesmo, um guia prático das atividades com que está relacionado”.39

Consequentemente, Malinowski enfatiza a necessidade da formulação dos princípios básicos de uma teoria sociológica do mito, ou seja, como o mito interfere nas atividades práticas, na organização social e qual a sua intensidade no controle dos comportamentos sociais e morais dos indivíduos. O autor via no mito uma realidade vivida40 pelos indivíduos e, assim como em algumas sociedades modernas, que retiram suas crenças, costumes, morais e rituais das narrativas bíblicas, o “selvagem” tem a sua vida orientada e influenciada pelos mitos, ocorridos uma vez no passado distante e atuantes no mundo e destino humanos, pois eles “constituem a dogmática espinha dorsal da civilização primitiva”,41 necessitando, inclusive o conhecimento do estatuto mitológico local para o entendimento da cultura.

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Portanto, a atividade de análise e compreensão da natureza dos mitos não pode se restringir ao mero exame de textos – que provavelmente passaram por alterações e foram mumificados em papéis –, mas também deve-se considerar o máximo da atmosfera que o envolve, desde o contexto sociológico, a função no coletivo, seu papel cultural, até o modo em que é narrado, ou seja, “toda a natureza da representação, a voz e a mímica, o estímulo e a reação da assistência”,42 para assim se obter o significado pleno do texto. Devido à dificuldade dessa forma de registro dos elementos sociais e culturais difusos, “temos tantos textos e tão poucos conhecimentos sobre a natureza do mito”.43

Os mitos também podem servir para “encobrir certas incompatibilidades criadas pelos acontecimentos históricos, em vez de referirem com rigor aos acontecimentos”.44 Quando há uma invasão de um grupo hierarquicamente superior nas terras de uma cultura já estabelecida num local, criam-se pontos de vistas antagônicos e logicamente incompatíveis que necessitam a criação de narrativas harmônicas ad hoc, que podem ou ocultar os incidentes com ficções ou reforçar reivindicações e direitos locais. De uma forma ou outra, o mito deve “preencher uma determinada função sociológica, para glorificar um determinado grupo, ou para justificar uma hierarquia anômala”.45

Malinowski, se utilizando das pesquisas nos povos trobriandeses, também diferencia três formas de narrativas: 1) kukwanebu (contos de fadas), narrativas contadas em um tempo adequado – com hora, estação e cenário de plantio específico, no caso – de modos determinados por homens específicos, com o objetivo tanto de divertimento e sociabilidade quanto de efeito mágico, mas que não são totalmente acreditadas; 2) libwogwo (relatos históricos-lendas-histórias ouvidas/contadas), consideradas mais importantes que os kukwanebu, são narrativas encaradas como verdadeiras e misturadas às histórias tradicionais e geracionais, que não possuem época específica de recitação, nem forma ou relação com magia, mas que possuem informações valiosas por contribuírem na reputação de indivíduos, descendentes ou da comunidade; e 3) liliu (mitos ou contos sagrados), consideradas as mais importantes, verdadeiras, veneráveis e sagradas, com uma alta função cultural para a justificação das ações de ritos, cerimônias ou normas sociais e morais.

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Logo, a função principal do mito é o estabelecimento de precedentes nas cerimônias e rituais – Malinowski ainda afirma que “um mito que não é expresso em rituais não é um mito, mas meramente uma história da carochinha ou carochinho”46 –, que, “vindo do passado verdadeiro, é o precedente que mantém uma promessa de um futuro melhor somente se os males do presente forem superados”.47 Apesar de conter “os germes da epopeia do romance e da tragédia do futuro”,48 o mito não é “uma mera narrativa, nem uma forma de ciência, nem um ramo da arte ou da história, nem um conto interpretativo”49 e, portanto, sua função não é nem “explanatória, nem ‘realizadora de desejos’, nem histórica”, mas parte de um conjunto de narrativas que constitui a sabedoria sagrada da tribo – i.e., mitologia – que atua como o estatuto precedente de suporte para as instituições sociais, que sanciona as normas e práticas como verdadeiras e necessárias à sobrevivência da cultura pela tradição, seja nos aspecto religiosos-mágico ou moral-social.

Por fim, Malinowski acreditava que “só esta antropologia mostra-nos, no que respeita ao mito, que, longe de ser uma atividade mental fútil, é antes um ingrediente vital da relação direta com o ambiente”.50 Ao contrário da antropologia que se cerca de “restos escassos de cultura, tábuas quebradas, textos manchados ou inscrições fragmentárias [... além de] preencher lacunas imensas com comentários volumosos, mas conjeturais”,51 o papel exercido pelo antropólogo e o método etnográfico de pesquisa de campo devem contemplar o mito e as ideias mitológicas, que influenciam e moldam as estruturas sociais, na plenitude de suas vidas, diretamente da fonte, uma vez que tem à mão o criador de mitos, o texto completo, suas variações e comentaristas autênticos. Assim, “talvez, pela apreensão da natureza humana sob uma forma tão estranha e tão distante, possamos esclarecer um pouco a nossa própria”.52

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Figura 18 – Claude Lévi-Strauss (1908–2009).

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2.6 O ESTRUTURALISMO DE CLAUDE LÉVI-STRAUSS

Claude Lévi-Strauss (1908–2009) é um acadêmico-intelectual com teorias sociológicas que combinam uma complexidade desconcertante com uma erudição esmagadora.1 Tentando deixar sua formação em Filosofia, pela École Normale Supérieure, que “exercitava a inteligência ao mesmo tempo em que ressecava o espírito”,2 Lévi-Strauss ingressa na Antropologia na busca por desvendar ou ordenar esquemas tidos aparentemente como irracionais ou ilógicos, apontando-os inicialmente nos sistemas de parentesco e nas regras de matrimônio e, posteriormente, nos mitos,3 em que ambos “se limitam a ser; servem para alguma coisa, que consiste em resolver problemas sociológicos num caso, socio-lógicos no outro”.4

Advindo de um devir histórico, Lévi-Strauss vê no Renascimento – um lugar de encontro e fusão de diversas influências –, juntamente com o colonialismo, o nascimento da antropologia como uma filha de uma era de violência. Apesar da consequente objetificação das demais culturas, a antropologia esforçou-se para expiar-se do espírito colonial e estender o humanismo à medida da humanidade,5 reconhecendo o seu passado e recusando a paridade imposta inicialmente entre as sociedades, apesar que jamais tornar-se-á uma ciência desinteressada e afastada de seus objetos tal como a astronomia, por exemplo6 - que, apesar de ser um ciência que vê a cultura de fora, também pode, inclusive, ser estudada por seus próprios membros, de dentro.7

Figura 19 – A constelação da antropologia segundo Lévi-Strauss (2008, p. 381).

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Apresentando um triplo aspecto, a antropologia apresenta-se como uma ciência social, uma ciência do homem e como uma ciência natural,8 ou ainda com os pés nas ciências naturais, apoiando-se nas ciências humanas e olhando em direção às ciências sociais,9 tal como representada no esquema abaixo (figura XX).

Ademais, Lévi-Strauss não estava satisfeito com os métodos históricos – tal como focavam as perspectivas evolucionistas e difusionistas – que dominavam o campo antropológico, que deveria aproximar-se de uma perspectiva humanista, uma conversa do homem com o homem mediada por signos e símbolos10 que ultrapasse seus limites. O autor também reconhece tanto em Marcel Mauss quanto nos funcionalistas (Malinowski e Radcliffe-Brown), uma revolução nessa concepção histórica da etnologia, substituindo-a por uma de natureza psicossociológica.11

Seguindo tanto o pensamento durkheimiano, no qual deveria-se buscar as comparações entre mitos, tradições populares e línguas, de modo a se atraírem ou excluírem, fundindo-se ou distinguindo-se umas das outras,12 quanto maussiano, em que a análise deve conduzir para a mistura do corpo, alma e sociedade,13 Lévi- Strauss via nas culturas não como um “fato social total”, mas dividindo-as em inúmeros planos distintos e conectados que apresentam-se não somente como uma totalidade, mas também na especificidade de seus fenômenos, fatos sociais manifestados em sociedades “que são, cada uma delas, um ser total, concreto e conectado”.14

Em suma, a antropologia social seria, portanto, uma ciência jovem em devir, cujo objetivo, tal como na linguística, é buscar os afastamentos diferenciais entre sociedades,15 em que deve haver uma colaboração entre ambas disciplinas, buscando evidenciar propriedades gerais – “certas modalidades temporais das leis universais em que consiste a atividade inconsciente do espírito”16 –, contribuindo para um “melhor conhecimento do pensamento objetivado e de seus mecanismos”,17 como seu objeto de estudo, mas, simultaneamente, não possuindo um tema de estudo que lhe é próprio, a fim de dar um grande passo em direção ao conhecimento dos aspectos fundamentais da vida social.18

Assim, para entender a natureza dessa ciência em seu sentido mais amplo, como “um conhecimento do homem associando diversos métodos e diversas disciplinas, e

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que um dia irá nos revelar forças secretas que movem esse hóspede presente em nossos debates sem ter sido convidado, o espírito humano”19 e que se aproxima ao que Saussure chamada de semiologia, como uma ciência ainda por vir – apesar de subordinada a esta.

Ademais, Lévi-Strauss possui uma afinidade teórica com a geologia, a psicanálise e o marxismo que as considera como as suas três amantes/professoras, reduzindo um tipo de realidade em outra na tentativa de integrar o sensível no racional a formar um super-racionalismo,20 além de uma influência da dialética hegeliana e do pensamento de Jean-Jacques Rousseau (1712–1778) – o qual vê como fundador das ciências do homem, reintegrando a cultura na natureza – e um gosto artístico que se estende pelas artes, principalmente musical e pictórica.

Em especial, a leitura da obra de Sigismund Schlomo Freud (1856–1939) marcou a teoria levistraussiana de tal forma que o método psicanalítico demonstrado em A interpretação dos sonhos (1899) corroborou na busca pela lógica das estruturas ou categorias inconscientes – próximo à perspectiva de Marcel Mauss (1872–1950), apesar de se aproximar mais a Immanuel Kant (1724–1804), segundo Paul Ricœur (1913–2005)21 – para além do nível psicológico e individual, ao tentar identificá-las ao nível do social e do coletivo – não-junguiano, apesar de simultaneamente invocar os arquétipo e inconsciente coletivo de modo a fazê-los justiça22 e criticar seu inatismo sígnico23 – nos mitos como um modo de transformação e elaboração inconsciente das contradições coletivas. Ademais, em Les structures élémentaires de la parenté (1949), Lévi-Strauss reajusta as bases da teoria de Totem e Tabu (1913) fundamentadas no evolucionismo antropológico, em resposta às críticas de Malinowski a Freud (cf. supra, p. 119). Apesar de inúmeras outras aproximações serem passíveis de correlação, como os desdobramento de um mito ou sonho em inúmeros outros, da cura xamânica e a cura psicanalítica ou a questão do “pensamento normal e patológico” com a feitiçaria – em que apesar de os mitos não pertencerem à ordem do delírio, ele “sabem perfeitamente pôr em cena as perturbações mentais”24 –, ou da relação entre a função da ab-reação com a função da magia,25 como aponta Werneck,

O que se pode assegurar é que, assim como Freud visava, em suas construções teóricas, produzir modelos conceituais, afastados da experiência, a partir dos quais a própria experiência pudesse ser

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transformada, Lévi-Strauss produziu modelos estruturais a partir dos quais os mitos podem ser pensados e, mais do que isso, depreendidos.26

No entanto, aqui, deve-se fazer uma diferença fundamental entre o inconsciente freudiano e levistraussiano. Para Lévi-Strauss, o inconsciente não é “o inefável refúgio das particularidades individuais, o repositório de uma história única, que faz de cada um de nós um ser insubstituível”,27 mas um conjunto pouco numeroso de leis de estruturas atemporais, surgidas a partir de contextos psicológicos, históricos e sociais apropriados, que constituem e realizam a função simbólica, própria do humano. Ele é vazio, “tão alheio às imagens quanto o estômago aos alimentos que o atravessam”,28 impondo suas leis aos elementos externos – pulsões, emoções, representações, lembranças – que permanecem no repositório do subconsciente, individual, transformando-os em discurso. Ou seja, a “passagem do consciente ao inconsciente é acompanhada por um progresso do específico em direção ao geral”,29 onde a generalizações – ao nível dos elementos inconscientes da vida social – dos estudos etnológicos, como uma technique du dépaysement (técnica de deslocamento),30 permitem estabelecer comparações entre os diversos estudos etnográficos específicos, até que se estabeleçam sistemas que compartilham estruturas semelhantes, senão comuns.

Desta forma, partindo da linguagem como que advinda de componentes inconscientes e descontínuos, Lévi-Strauss supõe existir, tal como em outros sistemas simbólicos, uma correspondência entre a mensagem inconsciente do mito e o conteúdo conscientemente elaborado, podendo este ser a reprodução literal e direta de problemas da vida social como apresentar-se de maneira contrária, por meio de uma transformação lógica,31 regido por leis estruturais semelhantes que, independentemente das suas variações, “a forma mítica prima sobre o conteúdo do relato”.32

Ademais, assim como os seus contemporâneos Bronisław Kasper Malinowski (1884–1942) e Franz Uri Boas (1858–1942) – colocando o segundo como maior contribuidor da crítica –, Lévi-Strauss também critica as posições evolucionistas de “estágios” e difusionistas de “ciclos” ou “complexos” precedentes como posições conjeturais e ideológicas, transformando arbitrariamente um tipo em um modelo, por meio de um método especulativo, ampliando a análise não somente para a mente, mas também para os elementos da cultura, como pertencentes a um processo de

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engendramento, ao invés de atribuir a cada qual como provenientes de determinados sistemas de representações.

Afastemos desde já as interpretações evolucionistas e difusionistas. A primeira, que tende a considerar a organização dualista como um estágio necessário do desenvolvimento da sociedade, teria antes de determinar uma forma simples de que as formas observadas seriam realizações particulares, sobrevivências ou vestígios e, em seguida, postular, a presença dessa forma, no passado, entre povos nos quais nada comprova que um divisão em metades tenha jamais existido. O difusionismo, por sua vez, escolherá um dos tipos observados, geralmente o mais rico e mais complexo, como representante da forma primitiva da instituição, e localizará sua origem na região do mundo em que se encontra mais bem ilustrada, sendo todas as outras formas resultado da migração e de empréstimos a partir do foco de difusão.33

Apesar de Malinowski e Boas seguirem orientações opostas, Lévi-Strauss acredita que a análise etnográfica do segundo é incomparavelmente mais honesta, sólida e metódica do que a do primeiro, porém ainda permanecendo no nível do pensamento consciente dos indivíduos.34 Reconhecendo a antropologia a meio caminho entre os métodos históricos - que fundaram o funcionalismo – e etnológicos – do culturalismo boasiano –, como um Janus de duas faces,35 o antropólogo francês se esquiva das lições aprendidas com os evolucionistas e difusionistas, ou seja,

quando etnólogos pensam estar fazendo história, fazem o contrário da história. E é quando crêem não fazê-la que se comportam como o fariam bons historiadores que estivessem limitados pela mesma falta de documentos.36

Carregado de resíduos filosóficos das correntes anteriores, o termo primitivo foi utilizado para designar as sociedades que estão alijadas dos métodos de investigação históricos – o quê, no entanto, tal desconhecimento histórico não significa que elas não possuam história e estejam na história.

Lévi-Strauss, por sua vez, prefere denominá-los povos sem escrita – uma vez que parece-lhe ser essa a distinção – visto que os seus valores não estão necessariamente conectados à contingência radical dos fatos e no princípio de mudança, como nas sociedades modernas, mas à uma recusa da história e na concepção de perpetuação de sua estrutura; ou seja, os “povos primitivos” somente “se especializaram em caminhos diferentes daqueles que nós escolhemos”,37 mantendo uma relação mais próxima ou mais distante em determinados aspectos com as condições da vida antiga. Assim, essa distinção não possui um caráter absoluto, mas diferencia entre:38 1) as sociedades frias, cujo meio está mais próximo da temperatura zero da história, com populações reduzidas e modo

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mecânico de funcionamento, que procuram a anulação dos fatos históricos; e 2) as sociedades quentes, como surgidas por desenvolvimento paralelo após a revolução neolítica e que buscam diferenciação para o seu próprio crescimento ao interiorizar o devir histórico; em que qualquer sociedade se encontra a meio caminho entre os extremos de temperatura que são de alcance sobretudo teórico.

A ausência ou carência, nessas sociedades, de documentos escritos, coletados por antropólogos – o que inclui também os nativos que trabalhavam sob direção dos antropólogos39 –, é um dos pontos cruciais de comparação entre o mito e a História, pois “ambos principiam com o relato de um tempo mítico ou talvez histórico”;40 apesar que, enquanto o primeiro explica a ordem do mundo por meio de especulações míticas, assegurando a certeza dos fatos futuros, o moderno se apoia na ciência, em fatos históricos verificáveis, mas sem realidade objetiva. Lévi- Strauss, no entanto, também considera um nível intermediário e contínuo entre ambas explicações, em contraste à oposição simplificada habitual, reconhecendo a manifestação do pensamento mítico na História. Apesar da Mitologia ser um sistema estático, composta por elementos combinados de infinitos modos, a História é um sistema aberto que compõe e recompõe as células mitológicas ou explicativas, eliminando elementos e conservando outros de acordo com o relato do narrador, mas que originalmente eram mitológicas e fazem parte do patrimônio comum.41 Mas, conforme veremos adiante, se a análise do mito for levada a cabo, num nível suficientemente geral para ser contemplado de fora, os estados primeiros e últimos do sistema são abolidos, bem como a própria história é também anulada e, neste sentido, a mitologia nunca é fechada.

Essa mesma perspectiva anti-histórica do primitivismo também corroborou para o estudo do totemismo como uma questão diáfana e insubstancial ao atribuir-lhe um caráter obsceno e o grotesco42 – já criticada por Boas, Kroeber, Lowie, Radcliffe- Brown e Edward Evan Evans-Pritchard (1902–1973), como reconhecido pelo antropólogo francês –, recortando arbitrariamente a realidade de algumas crenças e costumes a um nível classificatório das espécies naturais valoradas como instituição.

Para Lévi-Strauss, no entanto, o totemismo é vivenciado como um sistema hereditário de classificação, desenrolado em diversos níveis, que não diz respeito a

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relações substanciais entre grupos sociais e domínios naturais, mas ligados direta ou indiretamente à crenças e práticas que permitem “apreender o universo natural e social como sob a forma de uma totalidade organizada”,43 mesmo que se privilegie um determinado nível; ou seja, a função sobrepõe-se à estrutura, em que a sua forma pode sobreviver enquanto a sua estrutura sucumbe.

Desta forma, os sistemas totêmicos retiram o seu valor operatório de seu caráter formal,44 de modo a elaborar ou adotar códigos que asseguram a convertibilidade das mensagens em diferentes níveis, a fim de conceitualizar suas relações sociais, diferindo entre sistemas: 1) naturais, composta por uma série original e concreta, da diversidade das espécies – tanto, isoladamente, como um sistema de indivíduos, quanto, em relação a outra espécie, como um sistema de definições;45 e 2) culturais, composta por uma série derivada e abstrata, da diversidades das funções; para ultrapassar a oposição entre natureza e cultura – em que a natureza é simultaneamente pré-cultural e subcultural, e a cultura é sobrenatural e sobrenatureza,46 em oposição ao pensamento dialético sartriano –, de modo a compor uma relação dialética entre a estrutura social e o sistema de categorias que “vai da diversidade empírica à simplicidade conceitual; depois, da simplicidade conceitual à síntese significante”.47

Essa atividade sistemática geral ora tende a universalização, por meio de relações de transformação ao nível da generalidade, ora à particularização e individuação, aprisionando e filtrando o real, permitindo passar da unidade de uma multiplicidade à diversidade de uma unidade, que torna possível, por exemplo, o paralelismo entre a sociedade animal e humana – tão insistida pela etnologia do século XIX – por meio de uma relação metafórica e um sistema de denominação metonímico, ou vice-versa, por meio da noção de espécie como um operador lógico específico. Consequentemente, forma-se um movimento de destotalização e retotalização, que pode ocorrer em diversos planos, de modo a resolver tal contradição, criando-se um sistema que parte das categorias aos elementos e destes às espécies, até o restabelecimento à totalidade em outro plano: o conceito de espécie < espécies particulares < membros individuais < partes do corpo < órgãos > partes concretas > partes abstratas > indivíduos conceitualizados, de

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modo a compor um operador totêmico, conforme o modelo abaixo (figura XX), representante de uma fração do modelo ideal.

Figura 20 – O operador totêmico (Laboratório de Cartografia do Ecole Pratique des Hautes Etudes) segundo Lévi-Strauss (1997, p. 173).

O estudo do totemismo, porém, também impõe algumas dificuldades:48 1) a identificação das espécies de animais e plantas, pois a precisão e matiz de cada termo ocupa um ponto específico dentro do sistema, definível somente ao nível da variedade ou subvariedade; 2) a relação de cada termo com suas respectivas funções dentro do sistema e que referem-se para além dos dados etnográficos, como zoologia, geografia e botânica do local; 3) a ligação entre os termos é mais essencial do que a natureza formal dessas ligações; e 4) a relação entre a sincronia dos sistemas e a diacronia da evolução demográfica no qual o sistema se desenvolve, que pode romper com a orientação estrutural dele e formar um novo, num movimento de destotalização e retotalização.

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Deste modo, a partir desses estudos, Lévi-Strauss chega ao pensamento selvagem como a atitude mais marcante dessas sociedades, de caráter híbrido, um mediador entre a análise e a síntese e um duplo aspecto de contingência lógica e turbulência afetiva, de modo a inserir a irracionalidade na racionalidade,49 colocando em prática uma filosofia da finitude.

Ademais, Lévi-Strauss focou em estudar o modus operandi de tais sociedades, pois as suas explicações possuem um caráter de racionalização ou de elaborações secundárias, cujas justificativas de seus costumes ou instituições permanecem inconscientes, afastadas de sua origem, mas salvaguardadas pela tradição, pelos rituais e a inércia dos hábitos, formando um presente simultaneamente disjunto e conjunto em relação ao seu passado mítico, não permitindo modificação em suas estruturas diferenciais; ajudando também a distinguir entre:50 1) as formas autênticas da vida social, fundadas sobre relações concreta entre indivíduos; e 2) as formas inautênticas, que conectam os indivíduos por intermediários abstratos. Deste modo, como a sua situação presente é uma perpetuação do passado, chegar-se-á mais facilmente às categorias universais e unidades constitutivas da cultura – objetivo da análise estrutural, conforme veremos adiante.

Ocupando um lugar excepcional, o método estrutural desenvolvido pela linguística moderna de Ferdinand de Saussure (1857–1913), além da influência do linguista russo Roman Osipovich Jakobson (1896–1982) no período da Segunda Guerra Mundial, foram os grandes propulsores que levaram Lévi-Strauss a inserir o estruturalismo na antropologia-inclusive onde sustentou a noção de inconsciente anteriormente apresentada. No entanto, Lévi-Strauss não vê o estruturalismo como algo completamente novo ou revolucionário, mas apenas como uma pálida imitação dos métodos já empregados pelas ciências naturais.51 Ao contrário do método reducionista, que tende a reduzir fenômenos complexos em estruturas mínimas, o método estrutural – como um método de alternância intransigente entre empirismo e dedução,52 “mais de transformações do que de fluxos”,53 conceito emprestado do escocês Sir D'Arcy Wentworth Thompson (1860–1948) – busca invariantes ou elementos invariantes entre diferenças superficiais,54 de arranjos estruturais passíveis, tornando-os comparáveis entre si homologicamente, contraditoriamente ou dialeticamente – evitando a generalização a todos os aspectos ou níveis –, com

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o intuito de diferenciar os códigos – i.e., conjuntos simbólicos, “modos de fixar significações, transpondo-as para os termos de outras significações”55 – e analisar ou decifrar o sentido da mensagem a partir de uma ordem; pois, uma vez que o universo é uma ordem e não um caos,56 sendo a primeira superior à última, a mente humana, como parte dele, também necessita organização. Para que haja uma estrutura, tanto os modelos devem satisfazer quatro condições:57 1) um sistema em que seus elementos estão correlacionados, cuja alteração em um elemento afeta o corpo todo do sistema; 2) todos modelos devem pertencer a um grupo de transformações ao nível particular e geral; 3) as propriedades dos modelos permitem a previsão de modificações em seus elementos; e 4) os modelos devem ser construído de forma a abranger todos os fatos observado; quanto o arranjo estruturado deve satisfazer duas condições:58 1) que seja um sistema com coesão interna; e 2) que tal sistema não seja isolado, mas que mantenha relação de similaridade com as propriedades de demais sistemas. A partir das relações internas entre esses elementos invariantes, essenciais e carregados de significação, independente das diferentes formas de expressão nas linguagens em que se apresentam, busca-se compreender qual o sistema original – i.e., os universais – que rege os conjuntos simbólicos que compõem uma sociedade e sua cultura; tal como uma ginástica suprema do exercício reflexivo levada ao seus limites objetivos, fazendo “saltar cada músculo e as juntas do esqueleto, expondo assim o lineamentos de uma estrutura anatômica geral”,59 incluindo quatro famílias de ocupantes principais:60 1) os seres matemáticos; 2) as línguas naturais; 3) as obras musicais; e 4) os mitos; sendo a primeira composta de estruturas em seu estado mais puro, ausente de som e sentido, enquanto esses se complementam de modo a compor a linguagem e incarnam intensa e individualmente na música e na mitologia, respectivamente (cf. seq., p. 151 et seq.).

Ao contrário das rígidas distinções dicotômicas que por vezes atribuem ao antropólogo, devido à sua ligação com a linguística, no entanto, como aponta Leach,61 Lévi-Strauss parece seguir a fórmula simbólica do poeta francês Paul- Marie Verlaine (1844–1896): pas la couleur, rien que Ia nuance (nenhuma cor, nada além de nuance), considerando os aspectos da realidade social nas suas relações recíprocas como uma totalidade. Da mesma forma, apesar da busca incessante por estruturas universais, como a unidade da mente e as suas capacidades, Lévi-

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Strauss reconhece um justo equilíbrio entre a unidade e a sua diversidade, mantendo uma comunicação recíproca ou a sua ausência no mesmo nível, “pois as frágeis flores da diferença precisam da penumbra para subsistir”,62 onde as diferenças são fecundas e necessárias para o progresso.

Esse mesmo método também se aplicará a ciência dos mitos que, segundo o antropólogo, ainda estava caminhando sob classificações preconcebidas, baseadas em características externas e arbitrariamente isoladas, balbuciante, enquanto, em realidade, ela é anaclástica,63 em que “tudo pode acontecer num mito”.64 Partindo de uma experiência etnográfica que não seja circunscrita aos perímetros da investigação histórica e estendendo o pensamento durkheimiano, Lévi-Strauss pensa que o mito deve ser tratado segundo um método que lhe seja específico de modo que ele revele-nos a sua natureza diacrítica; não mostrando “como os homens pensam nos mitos, mas como os mitos se pensam nos homens, e à sua revelia”,65 e como os mitos se pensam entre si, falam, ecoam e criticam uns aos outros e se escolhem;66 mesmo com proveniências muito diferentes, mas que fossem redutíveis de modo a formar um sistema significativo que evidencia o espírito humano em toda parte e demonstre “a existência de uma lógica das qualidades sensíveis, que elucide seus procedimentos e que manifeste suas leis”.67

No entanto, para Lévi-Strauss, responder o que é um mito é uma pergunta difícil devido às diversas formas em que se pode respondê-la,68 fazendo com que inúmeras definições e analogias apareçam ao longo de seu trabalho. Em uma das definições, Lévi-Strauss diz que “um mito é ao mesmo tempo uma história contada e um esquema lógico que o homem cria para resolver problemas que se apresentam sob planos diferentes, integrando-os numa construção sistemática”69 – inclusive Lévi-Strauss intitulou sua tetralogia de Mythologiques (1969–1981), como uma união entre mythe (mito) e logique (lógica), como uma metáfora da viagem imaginária virgiliana.70 Trata-se de um discurso sagrado, em oposição ao profano, uma narrativa que se desenrola em vários planos/domínios – geográfico, técnico, econômico, sociológico, ritual, zoológico, jurídico, meteorológico, botânico, religioso, estético, filosófico, cosmológico, morfológico etc. – para definir uma lei de equivalência entre contrastes significativos71 e transmitir uma mesma mensagem por intermédio de códigos, de acordo com as necessidades contextuais e

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capacidades individuais, funcionando “simultaneamente como sistemas de relações abstratas e como objetos de contemplação estética”.72 Em outras palavras, o objetivo do mito é “fornecer um modelo lógico para resolver uma contradição”,73 como numa tela de televisão desregulada, que se ajusta harmoniosamente, a fim de apresentar uma solução à inquietação intelectual ou angústia existencial, “como um sistema de equações onde os símbolos, nunca claramente percebidos, são cotejados por meio de valores concretos escolhidos para dar a ilusão de que as equações subjacentes são solúveis”.74

É preciso tomar partido: os mitos não dizem nada que nos instrua sobre a ordem do mundo, a natureza do real, a origem do homem ou seu destino. Não se pode esperar deles nenhuma complacência metafísica; eles não virão socorrer ideologias esgotadas. Em compensação, os mitos nos ensinam muito sobre as sociedades de que provêm, ajudam a expor os móveis íntimos de seu funcionamento, esclarecem a razão de ser de crenças, costumes e instituições cujo agenciamento aprecia incompreensível à primeira vista; finalmente, e sobretudo, permitem extrair certos modos de operação do espírito humano, tão constantes ao longo dos séculos e disseminados de modo tão generalizado por espaços imensos, que se pode considerá-los fundamentais e buscar encontrá-los em outras sociedades e em outros campos da vida mental onde não se suspeitava que interviessem e cuja natureza, por sua vez, virá a ser esclarecida.75

Ademais, também é irrelevante perguntar-se a respeito da origem dos mitos, pois como cogumelos, a gente nunca os vê crescer – “todo mito é, por natureza, tradução”76 –, em que, apesar, em última instância, de ser primeiramente transmitido por um indivíduo – não-identificável – o mito pode ter origem em outra sociedade, ou numa versão anterior ou distorcida por uma subdivisão social da mesma, sendo somente considerado enquanto tal quando assimilado pelo grupo social, de modo a responder as suas necessidades intelectuais e morais, pois “muitas histórias saem da boca dos indivíduos; algumas fazem sucesso, outras não…”;77 conclui-se, portanto, que “todas as obras individuais são mitos em potencial, mas é sua adoção no coletivo que atualiza, em certos casos, o seu ‘mistimo”.78 Assim, para poder analisá-los, é necessário caminhar no sentido das ordens vividas pertencentes a uma realidade objetiva às ordens concebidas, como é o caso do mito e da religião, ou postas em ação, como os ritos, incapazes de serem analisadas experiencialmente.

Permanecendo na sombra, confrontando o homem com objetos virtuais, no mito a ausência tanto de autor quanto de origem garante a sua própria sustentação na tradição e a atribuição a uma origem sobrenatural, tal como os ângulos de raios de

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luz que se convergem em um ponto ideal, quando não estão em paralelos – ademais, Lévi-Strauss atenta-nos para a ineficácia de questionar a origem ou natureza das coisas sem antes saber o que elas são, ou seja, “sem antes ter esgotado o inventário de suas determinações internas”.79

Para o autor, nos séculos XVII e XVIII, um fosso ou cisma separou o pensamento mitológico do científico, passando o mito para um segundo plano do pensamento ocidental. A ciência emergente necessitava afirmar a sua própria realidade existencial, intermediada pelo intelecto, contra um mundo ilusório e absurdo dos sentidos, para se autoconstituir. Desde então, a utilização das percepções sensoriais humanas foi consideravelmente reduzida, rompendo o equilíbrio entre o homem e o meio natural,80 não havendo mais lugar para o tempo mítico senão no próprio homem.81 No entanto, Lévi-Strauss não encara negativamente tal fenômeno, mas aponta-o como uma necessidade, a fim de instaurar uma nova forma de pensar que, ao decorrer do tempo, começou a reintegrar os sentidos em suas explicações em busca de significado, reduzindo o fosso inacabável, pois a ciência, ao passo que não possui todas as respostas, aumenta o número e a qualidade das respostas dadas.82 Desta forma, não obstante a ciência avança etapa por etapa, de fenômeno a fenômeno, e o mito busca estabelecer uma compreensão geral e total do universo, “a ciência se encontra não só preparada para explicar a sua própria validade como também o que, em certa medida, é válido no pensamento mitológico”;83 enquanto que, por outro lado, diferentemente da ciência – que tenta dominar a Natureza –, o mito não dá poder material sobre o meio.84

Ao contrário do princípio de participação que rege a mentalidade pré-lógica de base afetiva-emocional e mística, em oposição à uma lógica do pensamento moderno, defendida por Lévy-Bruhl, e ao absurdo imaginativo de crenças primitivas conectadas geneticamente frazerianas, Lévi-Strauss vê nos “primitivos” um prodigioso apetite de lógica que prossegue pelos caminhos do entendimento e não está mergulhado na confusão e na participação como recém-saído da condição animal instintiva,85 ou seja, voltado para a satisfação das necessidades básicas – como a posição utilitária de Malinowski. Antes, trata-se de um duplo aspecto dado por um pensamento desinteressado, afetivo, afetuoso ou terno e um intelectual ou atento, cujo objetivo não é primariamente de ordem prática,86 mas da criação de

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uma lógica – tal qual faz também, em certa medida, um cientista ou um filósofo – para satisfazer um desejo ou necessidade de compreensão do mundo, da natureza e da sociedade em que vivem e os envolvem,87 ao introduzir um princípio ordenador no universo, unindo o conhecimento objetivo e o subjetivo – e o mesmo será pensado a respeito dos comportamentos mágicos, que “se revela à consciência por manifestações afetivas, mas cuja natureza profunda é intelectual”,88 assegurados pelos mitos, conservando a vivacidade das experiências, pois “não existe religião sem magia, nem magia que não contenha pelo menos um grão de religião”,89 em que a magia consiste na naturalização das ações humanas e a religião, a humanização das leis naturais. É nesse sentido que o pensamento mítico, como um sistema complexo, desempenha um papel de pensamento conceitual, o quê Lévi- Strauss denominou como, antes de uma ciência primitiva, uma ciência primeira, la science du concret – lógica ou ciência do concreto –, pois os fenômenos naturais só existem para o homem a partir da inteligibilidade, quando são conceitualizados ao serem reduzidos e triturados para serem filtrados pelas normas lógicas e afetivas, pertencentes à cultura, e convertidos em sistemas – ao contrário do pensamento naturalista.

Mesmo que a ciência moderna construa lógicas melhores, apesar de parciais, o pensamento técnico-positivo também integra a mente primitiva, auxiliando o indivíduo no desenvolvimento de aparatos para cozinhar, tecer, construir, plantar etc. Lévi-Strauss se utiliza, por exemplo, da existência de duas espécies diferentes de plantas, pertencentes a épocas milenares distintas e que se encontram lado a lado, para ilustrar a coexistência entre as duas formas de pensamento90 ou níveis estratégicos, em que “um [se encontra] aproximadamente ajustado ao da percepção e ao da imaginação, e outro deslocado”;91 portanto “não se trata de dois estágios ou de duas fases da evolução do saber”92 – ademais, para Lévi-Strauss, a arte se encontra a meio-caminho entre o pensamento científico e o pensamento mítico- mágico, partindo do conjunto (objeto + fato) à descoberta de sua estrutura, enquanto o mito parte da estrutura à construção do conjunto (objeto + fato),93 e Durand complementa que o mito se encontra “a meio caminho entre o objeto e o lirismo artístico”.94 No entanto, para o autor, é o pensamento mítico que representa o papel essencial na vida do primitivo,95 pois somente ele satisfaz o seu espírito em sua

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totalidade, dando coerência e uma visão de mundo, despertando no Homem pensamentos que lhe são desconhecidos.96

Essa imprevisão dos resultados no plano intelectual advém de uma lógica constituída por um conteúdo heteróclito, de sobras e pedaços (des bribes et des morceaux), sejam vestígios psicológicos ou históricos, produtos pré-limitados da linguagem já elaborada/estruturada – e não providos do puro devir,97 mas apreendidos em devir –, que pode ser comparada de modo analógico ao modus operandi do bricolage – o uso de materiais fragmentários, sintagmáticos, já elaborados sem restrição de normas ou técnicas para elaboração de um sistema paradigmático por um bricoleur, tal como o seu pai Raymond Urbain Elie Lévi- Strauss (1881–1953) –, operando à maneira de um caleidoscópio ou como o acaso objetivo surrealista, cujo resultado, a partir de fatos contingentes e de uma lei, pode servir inclusive a demais propósitos que não os mesmos de sua função primeira por não corresponder a nenhum objeto propriamente. O próprio Lévi-Strauss passou vinte anos (1950–1970) embriagado de mitos98 para poder, então, penetrar no pensamento mítico e pensar a seu modo, posteriormente reconhecendo as suas unidades e estruturando uma lógica, como num exercício de rêverie rousseauniano. Assim, o pensamento mítico constitui um conjunto finito de elementos semiparticularizados “a meio-caminho entre perceptos e conceitos”,99 por um lado pré-determinado pela língua, por outro ele é liberador ao criar arranjos de combinações possíveis a partir de fatos ou seus resíduos que “jamais será igual àquela [estrutura] vagamente sonhada nem a uma outra que lhe poderia ter sido preferida”100 – de modo simétrico e inverso da ciência, que cria fatos através de estruturas. Tal procedimento de destruição e recomposição do mito é inspirado principalmente nas obras de Max Ernst (Maximilian Maria Ernst, 1891 – 1976)101 e refletirá no seu método de análise dos mitos.

Tal como o leitmotiv wagneriano em Der Ring des Nibelungen (O Anel do Nibelungo), Lévi-Strauss se utiliza de um mito de referência, chamado “o desaninhador de pássaros” em Le Cru et le Cuit (1964), escolhido arbitrariamente – uma vez que seus elementos não são autônomos e os princípios organizadores do discurso somente revelam progressivamente as suas relações recíprocas, adquirindo uma função significante, como num mosaico, e não instauram

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anterioridade ou autenticidade de uma forma sobre outra –, mas também “em virtude do sentimento intuitivo de sua riqueza e fecundidade”,102 como o representante de um grupo de mitos (figura XX) – pois a terra da mitologia é redonda e oca103 –, independentemente do que é determinado como mito ou não – lendas, contos etc., apesar de reconhecer os segundos como construídos a partir de oposições mais fracas e consistirem em uma transposição enfraquecida de temas encontrados nos mitos,104 como mitos em miniatura –, mas que inclua qualquer atividade mental e social que partam do mesmo espírito humano. Esse mito exerce a função de fio condutor das inúmeras narrativas que se entrelaçam – em elos orgânicos –, analisando o contexto etnográfico de cada sequência, ampliando-o também para as sociedades vizinhas até as mais afastadas, desde que se possam verificar e justificar as ligações de ordem histórica e geográfica - como recomendado por Boas (cf. supra, pp. 109-18) –, independentemente das suas respectivas valências e funções semânticas, mas situando seus contextos particulares105 e retirando esquemas que partem de um mesmo eixo. Assim, distinguem-se dois aspectos da construção dos mitos: 1) as sequências, conteúdos aparentes que se desenrolam e organizam-se cronologicamente, variando conforme a profundidade de cada narrativa; e 2) os esquemas, conteúdo latente composto por estruturas homólogas, organizados sincronicamente, de modo a formar um eixo que relacionam às sequências.

Desta forma, apesar da contingência do conteúdo mítico, a análise não tem fim e os próprios mitos são in-termináveis,106 pois “os temas se desdobram ao infinito”107 em diversas culturas e, portanto, não existe um discurso mítico total nem uma versão verdadeira, pois “todas as versões pertencem ao mito”,108 “boas” ou “más”, costurando seus retalhos de formas, texturas e cores díspares109 que, quando tomados em conjunto, se reduzem a um único mito – como veremos adiante. As recorrências dos temas traduz a mistura da impotência e tenacidade do mito, devido a espontaneidade de seu movimento, sua mutabilidade e contradições, tornando impossível reconhecer no mito um ponto de partida ou de chegada; em que não se busca entender o porquê dessas semelhanças, mas o como, as propriedades em comum, as estruturas que podem ser deformadas e ordenadas, permitindo recuperar até as mínimas nuances de cada mito.110

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Figura 21 – Exemplo de movimento de varredura do corpo mítico segundo Lévi-Strauss (2005, p. 332).

Lévi-Strauss trata tais elevações em rosácea, cuja infinitude de variações sempre remontam ao seu centro, mas superpõem-se e podem ser analisadas também em sentido contrário, ou seja, “a estrutura básica é a mesma, mas o conteúdo da célula já não é o mesmo e pode variar”111 – pois o mito se aproxima do conteúdo como que atraído por sua gravidade específica112 –, comportando-se como uma espécie de minimito, em que na medida em que um elemento se transforma, os demais são readaptados; e, assim, os mitos pertencentes a um mesmo grupo funcionam como semimitos, em uma cadeia sintagmática (horizontal), que tendem a serem preenchidos por um mito único, metamito ou arquimito, na cadeia paradigmática (vertical), “unidos entre si por relações de transformação”;113 como um observador num microscópio, o mito funciona como um espelho de aumento. Ademais, nesse sentido, surgem dois grupos ou modalidades de mitos:114 1) os mitos clássicos ou explícitos – unitários e homogêneos, compostos de forma ordenada, representando uma literatura; e 2) os mitos barrocos ou implícitos – fragmentários, abreviados ou mutilados, apresentando-se por esboços, estágio de notas ou fragmentos, cuja lógica e coerência narrativas estão ausentes ou ocultas, se ligando a rituais; mas que não justifica necessariamente uma relação de anterioridade – seja de arcaísmo

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ou complexidade – entre as duas formas, podendo tanto a ordenação ser resultado de coletores quando a fragmentação uma processo posterior de um todo significante,115 são modos distintos da mesma realidade.

Ou seja, o mito é dotado de uma persistência, como uma máquina de feedback; ele atravessa limiares e sofre transformações, regredindo ou progredindo em relação ao seu estado anterior, inflexionando seu conteúdo, seja por transição de um povo para outro ou por desgaste social, e pertencente a uma realidade instável “permanentemente à mercê dos golpes de um passado que a arruína e de um futuro que a modifica”.116 No entanto, esse impulso fabulador impõe tantas distorções que o mito tende a decrescer, sofrer erosões, até se esgotar a medida que as sucessivas transformações afetam solidariamente os seus campos semânticos, obrigando-o a alterar sua própria essência mítica – como virar um romance ou legitimar retrospectiva ou prospectivamente a história de um grupo –, incorporando- se em novas combinações e dando lugar a outros mitos ou até deixar de existir enquanto tal,117 o que Lévi-Strauss denomina a morte dos mitos conforme abaixo:

Trata-se aqui da morte dos mitos, não no tempo, mas no espaço. Como se sabe, os mitos se transformam. Tais transformações ocorrem entre uma variante e outra do mesmo mito, entre um mito e outro, entre uma sociedade e outra para os mesmos mitos ou mitos diferentes e afetam ora a armação, ora o código, ora a mensagem do mito, mas sem que este deixe de existir enquanto tal. Elas respeitam, portanto, uma espécie de princípio de conservação da matéria mítica, segundo o qual, de qualquer mito sempre pode sair outro mito.118

A partir desses pressupostos, Lévi-Strauss elabora um método estrutural (à americana) de análise do mito – que possui semelhanças com os métodos de Arthur Maurice Hocart (1883–1939), Lord Raglan (Fitzroy Richard Somerset, Baron Raglan IV, 1885–1964), Vladimir Yakovlevich Propp (1895–1970) e Georges Dumézil (1898–1986)119 –, tal como a decodificação do código genético pelos biólogos, em certo grau,120 em que o mito analisado deve ser quebrado em segmentos ou incidentes de acordo com os status ou relações entre os indivíduos da narrativa. Assim, ao decompor as antinomias que formam a armação/armadura do mito121 – mas que não se adequa ao princípio cartesiano –, extraem-se “certas operações lógicas que estão na base do pensamento mítico”,122 de modo que a análise não deve cristalizar a matéria mítica em uma estrutura estável e bem determinada.123

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Porém, como aponta Meletinski,124 “é evidente que nessas descobertas são inevitáveis certo grau hipotético, conjeturas e interpretações discutíveis,” além de um ceticismo generalizado sobre a aplicação do método estrutural à contexto gerais,125 como aponta Geertz, em nota, por exemplo, no trecho abaixo.

O "estruturalismo" de Lévi-Strauss pode parecer uma exceção. Todavia, essa exceção é apenas aparente, pois, em vez de tomar os mitos, os ritos totêmicos, as regras de casamento ou o que quer seja como textos a interpretar, Lévi-Strauss os toma como códigos a serem decifrados, o que não é a mesma coisa. Ele não procura compreender as formas simbólicas em termos de como elas funcionam em situações concretas para organizar as percepções (significados, emoções, conceitos, atitudes); procura compreendê-las apenas em termos da sua estrutura interna, independent de tout sujet, de tout objet, et de tout contexte.126

Novamente sustentado pela análise linguística de Saussure e Jakobson, apesar de considerar um problema extremamente espinhoso, Lévi-Strauss aponta semelhanças entre a música e a linguagem, localizando a mitologia em uma posição mediana entre ambas, que se apresentam como sistemas diametralmente opostos.127

Lévi-Strauss defende que para além da dicotomia entre um tempo diacrônico irreversível da fala/fonética inconsciente e um tempo sincrônico reversível da língua/gramática consciente – mas também reconhecendo outras relações de equivalência entre tais elementos em Freud e Marx –, o mito se define por um terceiro sistema temporal próprio que engloba as propriedades dos dois anteriores, referindo-se simultaneamente ao passado, presente e futuro por um tempo simultaneamente histórico e a-histórico – pois “a categoria tempo surge no pensamento mítico como o meio necessário para tornar manifestas as relações entre outras relações já dadas no espaço”.128 Assim, “o mito está ao mesmo tempo na linguagem e além dela”,129 tendo em vista que a linguagem é produto, parte e condição da cultura130 – excluindo uma relação de ausência ou totalidade entre ambas. No entanto, eles também compartilham semelhanças, uma vez que ocorre ao mito o mesmo que ocorre também à linguagem: assim como as leis fonológicas e gramaticais não são aplicadas conscientemente no discurso, o pensamento mítico mantém suas bases ocultas, i.e., inconscientes, senão jamais poderia ser acreditado;131 em que a mitologia dobra a língua ao seu uso,132 cuja relação de similitude permanece, mas a de contiguidade desmorona, pois seus elementos

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formam significações quando em conjunto, mas que nada significam se tomados isoladamente.

Ao contrário de um enunciado linguístico que ordena, interroga ou informa e que todos os membros de uma mesma cultura ou subcultura podem compreender, por pouco que disponham do contexto, o mito jamais oferece àqueles que o escutam uma significação determinada. Um mito propõe uma grelha, somente definível pelas suas regras de construção. Para os participantes numa cultura a que respeite o mito, esta grelha confere um sentido, não ao próprio mito, mas a todo o resto: ou seja, às imagens do Mundo, da sociedade e da sua história, das quais os membros do grupo têm mais ou menos claramente consciência, bem como das interrogações que lhes lançam esses diversos objetos.133

Trabalhando num nível muito elevado, no qual o sentido desloca-se do fundamento linguístico ao qual está inserido, a segunda lei da termodinâmica não opera no mito, cujos processos são reversíveis e a informação veiculada não se degrada,134 pois o mito preserva o seu valor de mito – ao contrário da poesia, que se deforma conforme a tradução para outras linguagens –, podendo ser percebido enquanto mito em qualquer lugar do mundo,135 como o “modo do discurso em que o valor da fórmula traduttore, traditore tende praticamente a zero”136, não se situando em uma única língua ou cultura, mas no ponto de articulação entre elas.137 Resumidamente,

1) Se os mitos possuem um sentido, este não pode decorrer dos elementos isolados que entram em sua composição, mas da maneira como esses elementos estão combinados. 2) O mito pertence à ordem da linguagem, faz parte dela; entretanto, a linguagem, tal como é utilizada no mito, exibe propriedades específicas. 3) Tais propriedades só podem ser buscadas acima do nível habitual da expressão linguística; em outras palavras, elas são de natureza mais complexa do que as que se encontram numa expressão linguística de um tipo qualquer.138

Assim, se tais pressupostos forem aceitos, duas consequência decorrem delas:139 1) o mito, como sistema linguístico, tem unidades constitutivas, chamadas de mitemas, ou seja, os temas recorrentes dentro das narrativas que as compõem sem que percam sua natureza estrutural e substancial – Lévi-Strauss também, utilizando o vocabulário da fonologia, em um estudo de caso dos mitos salish, diferencia entre mitemas latentes, oclusivos, laterais e fricativos;140 e 2) os mitemas, assim como os semantemas, morfemas e fonemas – em decréscimo no grau de complexidade – intervêm na estrutura da língua.

Os mitemas, que compõem feixes de relações correspondentes às sucessões de acontecimentos presentes nos mitos e, em seu conjunto, constituirão uma

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verdadeira relação com uma respectiva função significante manifesta na mensagem do mito, deverão ser reduzidos a frases curtas e divididos em fichas ou quadros numerados e correspondentes às suas respectivas posições diacrônicas no relato.

Ademais, como o conteúdo presente nos mitos compartilha relações, as fichas devem ser empilhadas/justapostas (figura XX) de modo a entender como as diferentes aparições de eventos dizem respeito a um mesmo tema, permitindo aos esquemas bidimensionais, em seu conjunto, uma leitura tridimensional, de cima para baixo, da esquerda para direita e da frente para trás.141 Esse método não só pode ser realizado em relação a um único mito – como ilustrado no caso do mito de Édipo Rei, de Sófocles (c. 496 a.C. – 405 a.C) –, mas deverá levar também em consideração as variantes de um mesmo mito – como ocorre nas Mitológicas – , bem como a relação mantida com outros mitos.

Figura 22 – Empilhamento das fichas ou quadros dos mitemas segundo Lévi-Strauss (2008, p. 235).

Todas as relações traçadas devem apresentar um traço em comum – seja por homologia, contradição ou dialética – de modo que seja possível dispô-las em colunas pertencentes ao mesmo feixe, ao nível das relações – sensíveis ou inteligíveis, próximas ou distantes, sincrônicas ou diacrônicas, estática ou dinâmica etc. – e não necessariamente ao dos elementos, pois, uma vez que os termos são arbitrários em sua significação e dependem da função da história, do contexto cultural e da estrutura do sistema para seu entendimento, é o papel desempenhado no interior do sistema de significações que determina a sua função para a análise e decifração da lógica da cultura em questão – concordando com Boas, Lévi-Strauss

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se questiona “até que ponto e em que medida o espelho dos mitos reflete a imagem da cultura, e mostra que algo da cultura passa efetivamente para os mitos”.142 Como resultado, a disposição das fichas deve formar uma estrutura semelhante a uma partitura musical ou uma matriz, conforme abaixo (quadro XX) e ilustrado com no exemplo do próprio autor do mito de Édipo (quadro XX), cujas quatro relações das colunas representam:143 1) relações de parentesco superestimadas; 2) relações de parentesco subestimadas ou desvalorizadas; 3) monstros e a sua destruição; e 4) dificuldade de andar direito; que reproduzem em pares 1-2 e 3-4, uma relação de persistência e a negação da autoctonia humana, respectivamente.

Figura 23 – O mito manipulado como se fosse uma partitura musical segundo Lévi-Strauss (2008, p. 229).

Figura 24 – Análise estrutural do mito de Édipo segundo Lévi-Strauss (2008, p. 230).

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A aplicação sistemática do método estrutural implica, portanto, que todo mito possui uma estrutura folheada constituída por um grupo de permutações que transparece na superfície, por assim dizer, no e pelo procedimento de repetição”,144 mas cuja infinitude de início e fim geram infinitas camadas com ligeiras diferenças referentes a cada contexto em que o mito se insere, desenvolvendo-se como uma espiral “cujo estreitamente progressivo ignora a descontinuidade objetiva dos níveis imbutidos”,145 até que “o impulso intelectual que lhe deu origem se esgote”,146 cuja a sua estrutura descontínua e seu crescimento contínuo mantém uma relação de oposição – tal como um cristal –, até a sua morte (cf. supra, p. 150). Ademais, a partir dessa estruturação entre o eixo e suas variantes, é possível reduzir todo mito a uma lei dada por uma relação canônica, cuja fórmula é: Fx(a) : Fy(b) : : Fx(b) : Fa- 147 1(y), em que há uma substituição entre seus termos contrários (a e a-1) e uma inversão entre o valor da função e os termos de dois elementos (y e a).

Essa fórmula deve ser entendida como a figuração de um processo de mediação em que alguns papéis dinâmicos são expressos com mais precisão do que em um modelo simples de analogia [contínua ou descontínua]. Nesta fórmula, (b) é o mediador; (a) é o primeiro termo, que expressa, em conexão com o contexto sócio-histórico, um elemento dinâmico (especificando a função Fx) sob o impacto da qual o item se desdobra. A outra função, Fy, que se opõe à primeira, especifica (b) em sua primeira ocorrência. Assim, (b) é especificado alternadamente por ambas as funções e, assim, pode mediar os opostos.148

Conforme explica E. e P. Maranda, a fórmula de Lévi-Strauss implica uma teleologia que difere da analogia por sua não-linearidade, uma vez que permuta os papéis, funções e termos. O resultado final, fa-1(y) é composto por uma situação diferente da inicial (problema), que fora invertida, formando duas tendências opostas que devem ser conciliadas por um mediador (coincidentia oppositorum), dando continuidade ao processo, de modo a solucionar a oposição, como uma passagem da metáfora à metonímia e vice-versa; segundo Lévi-Strauss, “esta regra inerente ao pensamento mítico resguarda seu dinamismo, ao mesmo tempo em que o impede de atingir um estado verdadeiramente estacionário. De direito, senão de fato, o mito não possui inércia”.149

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Figura 25 – A representação gráfica da fórmula de Lévi-Strauss segundo Maranda (1971, p. 27 et. seq.)

Lévi-Strauss também faz alguns apontamentos e diferenciações entre o seu método estrutural e o método empregado pelo formalista russo Vladimir Yakovlevich Propp (1895–1970), desenvolvido em Morfologia do conto maravilhoso (1928),150 que extremamente ofendido, surpreso e desgostoso, ignora as contribuições e os trabalhos etnológicos do antropólogo francês, vendo-as como pura filosofia. Apontando no formalismo uma oposição absoluta entre forma e conteúdo, concreto e abstrato, com a valorização do segundo, que aniquila o seu objeto, Lévi-Strauss

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critica tanto o método quanto as conclusões de Propp como um autor vítima de uma ilusão subjetiva, dividido entre uma visão formalista e uma obsessão das explicações históricas. O método formalista de análise dos contos abstrai a permutabilidade do conteúdo empírico da constância da forma de tal maneira que a restituição ao concreto é impossibilitada, passando a não significar mais nada – tidos como arbitrários –, além de uma ausência total de valor heurístico – Lévi- Strauss também critica a análise formal feita por Buchler e Selby, sem o conhecimento de suas críticas ao russo, que só pode ser realizada se um mito ou grupo de mitos forem tomados isoladamente.151 Também observa que inúmeras das 31 funções distinguidas por Propp podem ser reduzidas ou assimiladas – tal como fez Claude Bremond (1929–) – em uma mesma função, além de apontar uma relação de prioridade histórica entre mito e conto, que não se sustenta etnográfica nem etnologicamente, devendo ser colocados em pé de igualdade na análise morfológica. No entanto, Lévi-Strauss também reconhece pontos de contato entre ambas perspectivas, como a comparação entre a estrutura do mito e a música, as leituras horizontal (da permutabilidade das funções) e vertical (da constância do conteúdo), a resolução de antinomias por grupos de substituição e transformação, a comparação entre mito e conto sob uma perspectiva lógica, e a noção de mito ou conto único composto por variantes, incluindo aquelas que se perderam ou ainda estão por vir.

Como já evidenciamos em diversos pontos anteriormente, Lévi-Strauss também vê a arte como expressão preeminente do mito, estabelecendo uma afinidade ou conexão bem forte entre o mito e a música – instrumental, pois a vocal é comparável ao mito152 –, como duas irmãs gêmeas fruto da linguagem – advinda tanto de um sonho de criança em ser compositor ou chefe de orquestra,153 quanto das suas próprias influências musicais –, ambas funcionam como máquinas de suprimir o tempo, devido ao altíssimo grau de organização e por se desenrolarem no tempo,154 desmentindo-o – “como uma toalha fustigada pelo vento, atinge-o e dobra-o”155 – como uma totalidade fechada sobre si mesma, que exigem uma leitura linear ou sequencialmente, mas também vertical, em grupos de acontecimentos; e, assim, desenvolvem-se dois tipos de relação, uma de similaridade ou similitude – sequências – e uma de contiguidade – esquemas – relacionadas também

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respectivamente a metáfora e a metonímia – termos e relações retirados dos estudos de Jakobson.

O autor acrescenta que tal semelhança não é característica de um tipo específico de música, mas acompanha o desenvolvimento de tal na civilização ocidental – com Girolamo Alessandro Frescobaldi (1583–1643), Johann Sebastian Bach (1685–1750), Wolfgang Amadeus Mozart (Johannes Chrysostomus Wolfgangus Theophilus Mozart, 1756–1791), Ludwig van Beethoven (1770–1827) e Wilhelm Richard Wagner (1813–1883)156 – e, assim, observa nas composições da stretta, sonata, sinfonia, cantata, prelúdio, fuga, rondó, tocata etc., estruturas similares que não foram inventadas, mas inconscientemente retiradas e prefiguradas das estruturas míticas e reconstruídas na mente do ouvinte, que possibilita traçar relações entre o método estrutural de análise e a compreensão da música. Ademais, entre esses compositores, Lévi-Strauss coloca Wagner como deus, gênio ou pai irrecusável da análise estrutural dos mitos,157 afinal “a música assumiu a estrutura e a função da mitologia”,158 reencarnando e se tornando mítica, após o enfraquecimento do mito no século XVII. O compositor reconheceu o aprisionamento do mito pelo intelectualismo, codificando as mensagens a partir dos elementos preexistentes nos relatos, também reconhecendo o trecho “Du siehst, mein Sohn, / zum Raum wird hier die Zeit” (Vês tu, meu filho: aqui, o espaço e o tempo confundem-se), de sua ópera Parsifal, como a definição mais profunda de mito159 – ademais, Lévi-Strauss também reconhece Achille-Claude Debussy (1862– 1918) e Alban Maria Johannes Berg (1885–1935) como “músicos do mito”.

Ademais, ambas transcendem o plano da linguagem articulada e acionam estruturas mentais comuns, pois operam sobre um terreno bruto e formam dois contínuos:160 1) de ordem externa, a composição por elementos advindos de acontecimentos históricos em uma série infinita que se limita de acordo com a seleção de cada sociedade; 2) de ordem interna, que se localiza no tempo psicofisiológico do ouvinte, onde a mitologia põe em jogo seus aspectos neuropsíquicos durante a narração, agindo também sobre o tempo fisiológico e visceral; no caso do mito, mas que também ocorre na música. Ou seja, enquanto “a música expõe ao indivíduo seu enraizamento fisiológico, a mitologia faz o mesmo

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com o seu enraizamento social. Uma nos pega pelas entranhas, a outra, digamos assim, ‘pelo grupo”,161 convidando o ouvinte a uma união concreta.162

Apesar do mito e a música, por um lado, possuírem uma relação simétrica, sendo somente traduzíveis em equivalentes homológicos,163 por outro, eles também são dissimétricos. Em relação e tendo a linguagem como fundamento, como subprodutos de uma translação da estrutura,164 porém, enquanto o mito adere ao aspecto do sentido/significado, sustentada completamente pela linguagem, a música destaca e empresta apenas o aspecto sonoro, um mito codificado em sons – com seus “sonemas”, fonemas que em conjunto já possuem um sentido frásico, pulando o nível das palavras165 – afirmando-se mais coerente e sistematicamente, apesar dela também transmitir um significado e o mito também apresentar determinadas regras disciplinares, além de uma fraca imitação da veemência musical que é suprimida por efeitos gestuais e vocais do narrador e agir sobre o espírito e os sentidos, modulando e reforçam o discurso; “em música, a coalescência de uma significação metafórica global em torno da obra supre o aspecto faltante, ao passo que o mito reintroduz o som por meios metonímicos”166 – diferentemente da pintura, que somente se aproxima a rigor no caso da arte caligráfica, em que sons e cores, sob um ponto de vista formal, não se localizam num mesmo plano, mas ambas supõe uma organização natural da experiência sensível, mesmo que invertidas, pois a música opera sobre a ordem cultural e livre de laços representativos, enquanto a pintura depende do mundo sensível, como dos modelos e, em casos, até a sua matéria.167 “Regentes de orquestra cujos ouvintes são os silenciosos executores”,168 mito e música são capazes de produzir um prazer estético que permite vencer as contradições impostas, invertendo a relação entre emissor e receptor, em que o segundo se vê significado pela mensagem do primeiro. E, assim,

agora pode-se comparar a mitologia quer com a linguagem, quer com a música, mas já uma diferença: na mitologia não há fonemas; os elementos básicos são as palavras. Assim, se se tomar a linguagem como um paradigma, é constituído por, em primeiro lugar, fonemas; em segundo lugar, palavras; em terceiro lugar, frases. Na música há o equivalente aos fonemas e o equivalente às frases, mas falta o equivalente às palavras. No mito há um equivalente às palavras, um equivalente às frases, mas não há equivalente para os fonemas. Há, portanto, em ambos casos, um nível que falta.169

Por último, como aponta Lévi-Strauss, inúmeros autores como Malinowski, Durkheim, Lévy-Bruhl e Gerardus van der Leeuw (1890–1950), por exemplo, se

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interessaram pela relação entre mito e ritual, tentando demonstrar uma correspondência ordenada entre ambos como causalidade mecânica, termo a termo, seja por homologia ou origem e reflexo, mas que somente pode ser comprovada em alguns casos, tanto como um mito pode fundar práticas rituais e preservar a cultura quanto vice-versa, como também não.170 Há também autores que buscam distinguir as duas formas, criando um balaio de gatos, enquanto ambos se misturam em um objeto híbrido. Em realidade, um ritual tomado em estado puro, não possui qualquer afinidade com a linguagem, pois é constituído de palavras sagradas, gestos corporais e objetos diversamente selecionados desprovidos de significado intrínseco e ininteligíveis ao leigo que os manipula na vida cotidiana,171 pois não se trata do que dizem, mas como dizem, se dando por dois processo:172 1) fracionamento, atribuindo valores discriminatórios ao material utilizado, que podem se alterar ao infinito, refinando-o; e 2) repetição, fórmulas do fracionamento que se repetem a intervalos regulares ao infinito, aparentadas por sintaxe ou assonância. Deste modo,

fracionando operações que detalha ao infinito e que repete incansavelmente, o ritual se dedica a uma remendagem minuciosa, tapa os interstícios e nutre assim a ilusão de que é possível remontar a contrassenso do mito, refazer continuidade a partir de descontinuidade. Seu cuidado maníaco em localizar por fracionamento e multiplicar por repetição as mínimas unidades constitutivas do vivido traduz uma necessidade lancinante de garantia contra todo corte ou interrupção eventual que possa comprometer seu desenrolar. Nesse sentido, o rito não reforça e sim inverte o procedimento do pensamento mítico, que cinde o mesmo contínuo em grandes unidades distintivas, entre as quais institui um afastamento.173

Seguindo em um movimento inverso do mito, o ritual reconstrói em um contínuo a descontinuidade, que é própria do pensamento mítico – que recorta e desarticula o mundo por meio de distinções, contrastes e oposições174 –, representando um abastardamento do pensamento, pois o ritual é uma reação ao pensamento que se faz da vida, respondendo ao modo como o homem pensa o mundo.175 Tentando restabelecer a continuidade de uma fluidez que escapa às malhas da rede, a relação entre mito e ritual só pode ser estabelecida no plano dialético, como complementares, “pois a dialética estrutural não contradiz o determinismo histórico, convoca-o e lhe fornece um novo instrumento”,176 a partir da redução em elementos estruturais não apenas de uma sociedade, mas também das crenças e práticas das sociedades vizinhas, cujas influências se refletem em diversos níveis, e além da difusão.

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Segundo Lévi-Strauss, apesar das tribos próximas terem conhecimento dos mitos de seus vizinhos, a fundamentação mítica que sustenta seus rituais se difere, seja por oposição ou complementaridade, por simetria ou inversão, por operações mentais conscientes ou inconscientes, o mito é remanejado de modo a pertencer a eles próprios e estabelecer uma posição superior aos demais,177 modificando-se conforme muda de narrador e preservando o caráter do grupo, encaixando-se às suas engrenagens. Para Lévi-Strauss, essa apropriação do mito alheio é resultado das próprias eventualidades que entram em contradição para um determinado grupo, mas que condiz com outro, fazendo mudanças discretas e permitindo-os preencher o espaço em branco das lacunas deixadas pelo próprio mito, no entanto, desviando-o de sua função inicial e alterando profundamente a sua natureza,178 mas não alterando sua armação. Desta forma, mito e rito somente podem ser levados em consideração como modos de comunicação segundo um caráter complementar em domínios já complementares, cujo ritual trata-se de uma paralinguagem dos homens com os deuses, dado por uma decomposição progressiva do sintagma, correspondente ao eixo metonímico, enquanto o mito se manifesta como uma metalinguagem dos deuses com os homens,179 por generalização crescente do paradigma, no eixo metafórico.

Em suma, como aponta Leach, a teoria do mito levistraussiana pode ser dividida em duas linhas de pensamento complementares:180 1) advindo do pensamento freudiano, em que “o mito expressa desejos inconscientes que são inconsistentes com a experiência consciente”,181 sendo composto por repetições e prevaricações universais que criam contradições lógicas, cuja mensagem necessita ser descoberta; e 2) advinda da teoria geral da informação, em que o mito carrega uma mensagem que é transmitida dos membros mais velhos aos mais novos, por meio das instituições religiosas, que é revelada ao serem relacionadas suas consistências e inconsistências lógicas.

Desta forma, também presente na lógica totêmica, o pensamento mítico estabelece um equilíbrio instável, por meio de um dinamismo lógico: por uma lógica das qualidades e uma lógica das formas, tentando integrar natureza e cultura como uma totalidade. A fim de decifrar esse enigma contraditório presente nas mensagens dos mitos, partindo do estruturalismo da linguística e da influência

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artística, musical e pictórica, Lévi-Strauss desenvolve um método estrutural de análise dos mitos que se assemelha à leitura de uma partitura musical, tanto vertical quanto horizontal, a fim de restaurar a aparente desordem em uma ordem subjacente, cujos princípios, nas palavras de Lévi-Strauss, são:

1. Um mito nunca deve ser interpretado num único nível. Não existe explicação privilegiada, já que todo mito consiste no relacionamento entre vários níveis de explicação.

2. Um mito nunca deve ser interpretado isoladamente, mas sim em sua relação com outros mitos que, tomados em conjunto, constituem um grupo de transformação.

3. Um grupo de mitos nunca deve ser interpretado isoladamente, mas sim em referência a: a) outros grupos de mitos; b) a etnografia da sociedade de onde provêm. Pois, se os mitos transformam uns aos outros, o mesmo tipo de relação une, num eixo transversal ao deles, os diferentes planos em que transcorre toda vida social, das formas de atividade tecnoeconômica aos sistemas de representações, passando pelos intercâmbios econômicos, as estruturas políticas e familiares, as expressões estéticas, as práticas rituais e as crenças religiosas.182

Por fim, Lévi-Strauss tenta retirar o mito de sua conexão à fenomenologia religiosa, em que era reduzido “a um jogo gratuito, ou a uma forma grosseira de especulação filosófica”,183 visto entre a banalidade e o sofismo. Detentor de uma lógica tão exigente quanto o pensamento positivo, o autor espera que a lógica do pensamento mítico seja colocada como sua congênere, uma vez que é a qualidade das operações intelectuais e não a natureza das coisas para as quais se refere que as fundamenta.

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3 ESTUDOS DE MITOLOGIA E RELIGIÃO COMPARADA

As teorias do mito remontam aos tempos clássicos da Grécia, onde, por vezes, foi identificada como a utilização do λόγος (lógos) sobre o μῦθος (mýthos), ou seja, da racionalização dos mitos ou uma desmitologização, que podem ser encontradas em trechos de Heródoto de Turioi (c. 484 a.C. – c. 425 a.C) e Xenófanes de Cólofon (c. 570 a.C. – c. 475 a.C.), que identificavam as tradições narrativas homérica- hesiódicas como ficções que diziam mais a respeito da humanidade do que de uma esfera propriamente divina, 1) ora racionalizando as histórias como eventos reais distorcidos, 2) ora apontando as divindades como idealizações naturais ou intelectuais.

Uma primeira teoria mitológica, que racionaliza ou historiciza os eventos narrativos e remonta a Heródoto e Pródico de Ceos (ca 465 a.C – ca. 395 a.C), foi atribuída a Evêmero de Messina (c. 330 a.C. - c. 250 a.C.), mitógrafo helenista, cuja obra Hiera Anagraphe (História Sagrada) sobreviveu em poucos fragmentos nos trabalhos do historiador Dióscoro da Sicília (c. 90 a.C. — c. 30 a.C.).1

Em sua obra, Evêmero fala sobre uma viagem à ilha Panchaea, cuja população mista de panqueanos, oceanitas, indianos, citas e cretenses, cultuavam divindades em uma montanha chamada de Trono de Uranos e posteriormente de Olimpo Trifiliano. Segundo Evêmero, a montanha recebeu seu primeiro nome com base em seu primeiro governante, chamado Urano, que era um astrônomo ou observador das estrelas e fazia sacrifício em honra a deuses celestes. Posteriormente, Urano foi substituído por seu filho, Cronos, que a exemplo do pai, casou com sua irmã, como um período de certa tirania. Por fim, Zeus, filho de Cronus, assume o governo, como um grande conquistador de terras, passando por inúmeros locais, onde foram erigidos templos e estátuas em sua homenagem (Zeus Trifilio), até ser enterrado em Cnossos - no entanto, como aponta Brown,2 Evêmero não foi o único autor a introduzir detalhes de conquistas que remetiam às conquistas de Alexandre Magno (356 a.C. - 323 a.C.), também aparecendo nos trabalhos de Hecateu de Mileto (550 a.C. – c. 476 a.C.), Leão de Pela (c. séc. IV a.C.) e Megástenes (350 a.C — 290 a.C.), que principalmente no último, também descreve as viagens de Dionísio pela Índia. Conforme aponta Dióscoro,

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com relação aos deuses, então, os homens da antiguidade transmitiram a gerações posteriores duas concepções diferentes: certos deuses, dizem, são eternos e imperecíveis, como o sol, a lua e as outras estrelas dos céus; os ventos e o que mais possui uma natureza semelhante a deles; para cada uma delas, a gênese e a duração vieram da eternidade para a eternidade. Mas os outros deuses, dizem-nos, eram seres terrestres que alcançaram a honra e fama imortal por causa de seus benefícios para a humanidade, como Héracles, Dionísio, Aristeu e os outros que eram como eles. Com relação a esses deuses terrestres, muitos e variados relatos foram proferidos pelos escritores da história e da mitologia; Evêmero, que compôs a História Sagrada, apresentou um tratado especial sobre eles, enquanto que, dos escritores dos mitos, Homero, Hesíodo e Orfeu e os outros de sua espécie inventaram histórias monótonas sobre os deuses.3

Assim, o evemerismo surge como uma corrente mitológica que sustenta a origem humana das divindades que, por grandes feitos bélicos, políticos ou intelectuais, foram elevados à condição divina. Em outras palavras, humanos são deificados ou canonizados, como um produto de racionalização, em gratidão a pessoa que executaram grandes feitos pelo grupo, que, segundo Raglan, tratou-se apenas de uma propaganda anti-religiosa confundida com ciência.4

A teoria evemerista, posteriormente, ganhou destaque principal entre os poetas romanos, principalmente com Quinto Ênio (239 a.C. - 169 a.C.), numa obra intitulada Evêmero, onde apresenta uma doutrina teológica, criticando a divindade de Júpiter - o equivalente romano de Zeus -, além de influenciar inúmeros trabalhos dos apologistas cristãos, como nas obras de Filo de Biblos (c. 64 - c. 141) e Lucio Célio Firmiano Lactâncio (c. 250 - c. 325), que condenavam a realidade das divindades gregas como advindas de processos de deificação, enquanto a divindade monoteísta poderia se corporificar em um humano.

Com o desenvolvimento das correntes históricas do mito na modernidade, principalmente na antropologia, a interpretação evemerista ganhou destaque nas teorias Abbé Antoine Banier (1673-1741), Sir Walter Leaf (1852-1927), Sir William Reginald Halliday (1886-1966), Lewis Richard Farnell (1856-1934), Alfred Trübner Nutt (1856-1910), Aylward Manley Blackman (1883-1956), Sir William Ridgeway (1858-1926) e Numa Denis Fustel de Coulanges (1830-1889), por exemplo. Ainda, para Hyman, enquanto Herbert Jennings Rose (1883-1961) pode ser considerado o rei do evemerismo,5 também argumenta sobre interpretações mais perniciosas que podem ser tidas como um neo-evemerismo, sustentando que as narrativas sobre os deuses são parte de uma história imprecisa, como encontrado nos trabalhos de Richard Alan Waterman (1914-1971) e William Russell Bascom (1912-1981).6

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A segunda corrente de interpretação antiga do mito, que remonta a Xenófanes, por vezes conhecida como o iluminismo iônico, é a interpretação alegórica ou alegorismo, mas que aparece também nos hinos de Parmênides de Eleia (c. 530 a.C. – 460 a.C.) e Empédocles (490 a.C. - 430 a.C.), bem como em Anaxágoras de Clazómenas (c. 510 a.C. – c. 428 a.C.), em que um sentido segundo era atribuído às imagens míticas, ora como explicações dos fenômenos naturais (água, lua, sol, atmosfera etc.) ora como qualidades espirituais (julgamento, desejo, arte, intelecto, imprudência etc.).7 No entanto, essa “hermenêutica racionalizante” do mito entrará em embate com o pensamento antropológico, assim como aponta Robertson Smith, que aponta as teorias alegóricas do mito como “os mais falsos dos falsos guias quanto ao significado original das antigas religiões”,8 mas, que se diferencia desde seus pressupostos, como lembra Segal, que

tanto para os alegorizadores quanto para os evemeristas, o mito não é a contrapartida primitiva da ciência, porque, lida simbolicamente, trata-se de seres humanos e não de deuses ou do mundo. Para os alegorizadores, também não é científico porque, lida simbolicamente, prescreve como os humanos deveriam se comportar, em vez de explicar como eles se comportam.9

Conforme apontamos na seção anterior, com os primeiros estudos da linguística e das ciências naturais, somados aos resultados das Grandes Navegações e o encontro com os ameríndios, uma série de estudos se lançará novamente para explicar ou comparar os mitos produzidos por esses povos, além de resgatar mitos antigos que remontam às origens da própria sociedade europeia e, junto com eles, as suas teorias interpretativas. Assim, como aponta Malinowski, o alegorismo, nas ciências modernas, associado ao nome de Max Müller,10 surge como o primeiro expoente de uma efetiva ciência da mitologia, que “compromete-se a remover o que parece irracional e a reivindicar a continuidade postulada da razão humana”,11 apesar de retirar os seus cânticos antigos. No entanto, vale ressaltar que as abordagens iniciais da ciência mitológica, assim como as suas contemporâneas correntes antropológicas, evidencia uma comparação dos mitos como um trabalho de explicação de “um elemento estúpido, selvagem e absurdo da mitologia”,12 ou de uma imoralidade revoltante,13 que somente se diferencia no modo de justificação dessas proposições dementes presentes no discurso mítico.14

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Figura 26 – Friedrich Max Müller (1823–1900).

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3.1 FRIEDRICH MAX MÜLLER

A aplicação do método comparatista do mito parece ter início efetivo com a publicação da obra Comparative Mythology: an essay (1856) por Friedrich Max Müller (1823–1900) que “reorientou todo pensamento anterior sobre a origem dos mitos”.1 Professor de sânscrito em Oxford, por intermédio de Christian Charles von Bunsen (Karl Josias von Bunsen, 1791–1860), Müller “foi, por nascimento, herdeiro de duas grandes tradições culturais alemãs: o prisma e o romantismo luteranos”2 e teve seu pensamento idealista filosófico alterado do contato com os trabalhos de Franz Bopp (1791–1867) e Jean-Louis Burnouf (1775–1844), se utilizando das técnicas de filologia comparada entre as línguas indo-europeias para traçar uma relação entre os diversos mitos das culturas que possuem um mesmo cerne ariano e que poderiam ser resgatados pela análise das suas leis linguísticas. Tal método deveria incluir todas as famílias linguísticas, todas as raças (as mais baixas e as mais altas), todas as religiões (dos países civilizados ou não-civilizados) e todas as linguagens (escritas ou não),3 colocando o seu nome ao lado de inúmeros outros filólogos como contribuidores para o estudo comparativo dos mitos.4

Müller divide os estudos comparativos dos mitos em três escolas, que se distinguem apenas em seus métodos, mas que compartilham o mesmo objetivo:5 1) A Escola Etimológica, Genealógica ou Linguística, que apontava, para além da conexão linguística de raíz ariana, os costumes e mitos compartilhados por essas sociedades, podendo ser observáveis e testados por meio da semelhança etimológica entre os nomes das divindades e heróis; 2) A Escola analógica, que aponta as semelhanças entre mitos por meio de suas narrativas e significados análogos, sem uma necessária conexão etimológica; e 3) A Escola psicológica ou etno-psicológica (Völkerpsychologisch), que para além das sociedades que compartilham a mesma base linguística ou histórica, mitos e costumes de sociedades distantes entre si são relacionáveis, possibilitando traçar um elo psicológico que une toda a humanidade em sua natureza.

Para Müller, além de ver a mitologia como um composto de inúmeros elementos heterogêneos, ela trata de “um assunto muito sério e importante, importante e sério demais para se brincar”.6 O filólogo discordava das análises comparativas por um viés psicológico ou genealógico entre mitos de sociedades que não compartilhavam

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a mesma língua e resultavam em consequentes anacronismos.7 Apesar de encorajar a união entre as três abordagens, Müller apontava as duas últimas escolas como uma extensão dos métodos da própria escola filológica, mas que produziam conceitos gerais – como animismo, totemismo e fetichismo, por exemplo –, suscetíveis de pensamentos, exaltações ou acusações vagos,8 que levavam ao fracasso dos seus resultados, advindas ora de evidências insuficientes ou aparentes,9 ora do desconhecimento das línguas dos povos não-arianos.

Como membro da primeira escola – Etimológica – e partindo dos estudos classificatórios tipológicos e morfológicos de Friedrich Wilhelm Heinrich Alexander von Humboldt (1769–1859) e seguindo os trabalhos de Bunsen sobre os turanianos – um conjunto que unia as línguas asiáticas, americanas, malaias e polinésias –, a tese de Müller era de uma “paleontologia linguística” que coloca a linguagem numa série progressiva, como parte do crescimento do pensamento humano com centro comum – como manifestações da mesma energia; ação e reação entre signo e significado.10 Essa tese partia de um processo de isolamento/justaposição (termos particulares) sem modificações, para uma aglutinação (conexão entre termos), como migrações turanianas passadas por rápidas transformações dialetais do nomadismo, até o estado mais avançado de amalgamação (formação de novos termos), de modo a conectar as línguas indianas, médio-orientais e europeias à uma mesma origem (figura XX) – mas também vendo as últimas como pertencentes ao estágio mais avançado, utilizando inclusive os termos não-civilizados e civilizados –, conectando à ideia iluminista de evolução do estágio econômico, partindo do comunismo anárquico à propriedade privada e ao estado11 – há, porém, uma ambiguidade de atitude da utilização do termo ariano, que implicava tanto a reafirmação de povos filhos de um mesmo pai (teutões de pele clara e hindus de pele escura), quanto de uma ideologia racial derivada da ideia masculina perfeita kantiana, mas que posteriormente foi negada por Müller.12

A esse processo de desenvolvimento da linguagem, Müller estabelece estágios linguísticos, como parte de um processo evolutivo-histórico, tal como os períodos civilizatórios comtianos: ofensivo, defensivo e pacífico – semelhante a Frazer –, mas que não podem ser tidos cronologicamente,13 em que a “irracionalidade” do mito somente pertencia a uma fase infantil – mas não demente – da humanidade, como

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uma hiponoia – i.e., sub-pensamento – racional e inteligível, que se conectava desde o “primitivo” até o homem moderno. Esses períodos se dividiam em: 1) período temático, como formação de uma gramática primitiva, mas sem uma estrutura precisa, seguido do 2) período dialetal, cujas palavras expressam necessidades fundamentais humanas específicas e, por fim, culminam em um 3) período mitopoético, como a aparição da linguagem metafórica para expressar as sensações tidas com o contato com os objetos, que leva a formação rudimentar da linguagem poética e religiosa e, consequentemente, a criação de mitos.14 No entanto, Stocking aponta que, apesar da leitura de Müller aparentar a utilização de termos evolucionistas do progresso do intelecto humano, o autor também apresentava inúmeros tons de degeneracionismo e antievolucionismo.15

Se a linguagem é reconhecida como a externalização do pensamento, bem como uma necessidade inerente e inevitável do último, a mitologia surgiria como uma sombra obscura lançada sobre a linguagem e que não pode desaparecer a menos que se torne proporcional ao próprio pensamento, ou seja, nunca.16 Para Müller, uma vez que todos os termos – i.e., raízes – dos indo-europeus denotavam, em sua maioria, ações e ora careciam de substantivos abstratos ou gêneros neutros, ora tinham suas funções linguísticas substituídas, o único modo dos arianos cultuarem um poder transcendente era utilizando-se de metáforas ou perífrases – tal como um poema17 – para expressar seus sentimentos às divindades como atores dos dramas da natureza. Desta forma, os homens criavam uma “concepção poética e filosófica da natureza e de seus fenômenos mais proeminentes”,18 consequentemente, atribuindo um caráter animador ou personificador aos mesmos, nomina agentis – tal como o animismo de Tylor; ou seja, nas palavras do autor,

na linguagem mitológica, devemos levar em consideração a ausência de palavras meramente auxiliares. Cada palavra, seja substantiva ou verbo, ainda tinha sua força original completa durante as eras mitopoéticas. As palavras eram significativas e rebuscadas. Eles diziam mais do que deveriam dizer e, portanto, muito da estranheza da linguagem mitológica, só podemos entender observando o crescimento natural da fala.19

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Tabela 05 – Resumo de Müller do progresso linguístico (da contribuição de Max Müller a C.C.J. Bunsen (1854), Outlines of the Philosophy of University History Applied to Language and Religion, 2 vols, London, Longman), in: KUPER, 2008, p. 67.

Portanto, a universalidade do mito advém desse caráter metafórico que preenche a linguagem de anomalias e irracionalidades, degradando-a gradativamente com as subsequentes divisões entre os povos com línguas específicas e o desenvolvimento da civilização. Deste modo, a língua é afetada por uma doença da linguagem – mas que também é uma doença do pensamento –, um afeto patológico, cujo o significado original se perdeu, mas cuja metáfora permaneceu e cujo homem é vítima de um excesso de sentidos e significações das palavras que pronuncia.20 Apesar de não resolver todo o enigma da mitologia, Müller apontava que a compreensão da etimologia dos termos presentes nos mitos servem como

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sustentação para um futuro entendimento dos fatos históricos,21 tentando levar a pesquisa aos seus rastros mais antigos a partir dos elementos mais recentes da mitologia ariana, de modo a alcançar o extrato primitivo de pensamento.

Essa perspectiva da origem dos mitos como decadência de um estado linguístico anterior, semelhante ao degeneracionismo antropológico, foi o alvo principalmente das críticas de Andrew Lang (1844–1912) durante cerca de vinte e cinco anos. Tal conflito era o reflexo do conflito emergente entre os românticos e os racionalista no período,22 em que Lang questionava a restrição dos estudos de Müller aos povos indo-europeus, enquanto existiam outros povos que não compartilhavam nenhum contato histórico ou linguístico e continham os mesmos motivos que os arianos – apesar de Müller não o ver como adversário, bem como outros etnólogos23 e reconhecer a necessidade desses estudos, como dito anteriormente. Ademais, na mesma linha antropológica, Frazer24 também questionou a degeneração dos mitos advindos de uma matriz ariana, uma vez que, para o autor, ela se encontrava ainda presente nas camadas mais baixas da sociedade (cf. supra, p. 62).

A partir das análises dos mitos arianos, Müller chegou a conclusão de que essas metáforas diziam respeito principalmente, mas não exclusivamente, aos fenômenos celestes e ao movimentos dos astros, em sua maioria, relativos ao sol – representada pela relação entre os termos grego Ζεύς (Zeus) e sânscrito दददद (Dyáus,) que derivam do protoindo europeu *dyḗws –, como a reencenação do drama solar durante todos os dias, meses e anos, no céu e na terra, em que “os mitos solares são um dos ingredientes mais importantes da linguagem, da tradição e da religião de toda a raça humana”.25 Tal tese gerou toda uma corrente de estudos chamada de Solarismo ou Escola de Mitologia da Natureza, que contou com vários estudiosos como Leo Viktor Frobenius (1873–1938), Hugo Winckler (1863–1913), Ernst Siecke (1846–1935), Paul Ehrenreich (1855–1914), Franz Felix Adalbert Kuhn (1812–1881) e Eduard Stucken (1865–1936), por exemplo, que, apesar do nome, não restringiam os mitos somente ao sol como o único fenômeno formulador de mitos, mas qualquer fenômeno meteorológico, atmosférico ou astral era tido como o reflexo da atuação dos deuses.

Em suma, sustentado pelos estudos etimológicos dos povos arianos, Müller determinou três princípios orientadores para se estudar comparativamente os

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mitos:26 1) deve existir uma razão entre os mitos, mesmo que esses estejam preenchidos por elementos anômalos; 2) toda a mitologia ariana se baseia na natureza, mesmo que hajam influências históricas – que são posteriores; e 3) a comparação de mitos cuja origem linguística é cognata não indica, necessariamente, uma origem comum aos mitos, que só pode ser estabelecida por meio das comparações entre termos. Se seguidos, esses princípios levam ao reconhecimento27 1) não somente de palavras em comum, mas de mitos comuns entre os arianos; 2) das divindades como supostos agentes por trás dos fenômenos naturais; 3) da semelhança entre os nomes de divindades e heróis entre alguns ou todos os ramos da língua ariana; e 4) da análise etimológica dos nomes das divindades e heróis como a melhor solução para o enigma da mitologia.

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3.2 GEORGES DUMÉZIL

Também advindo dos estudos etimológicos do indo-europeu, discípulo do filólogo francês Paul Jules Antoine Meillet (1866–1936) e influenciado pelos trabalhos de Michel Jules Alfred Bréal (1832–1915) – discípulo de Friedrich Max Müller (1823– 1900) –, bem como da sociologia francesa de David Émile Durkheim (1858–1917), Marcel Mauss (1872–1950) e Marcel Granet (1884–1940), Georges Edmond Raoul Dumézil (1898–1986) aparece como um dos grandes nomes entre os comparatistas dos mitos ao criar o que foi chamado de a nova mitologia comparada.1 Ao contrário do método filológico mülleriano, que se baseava na análise e tradução de palavras e seus sentidos, Dumézil acrescenta aos estudos comparativos tradicionais uma dimensão sociológica e antropológica,2 que enfatiza as homologias ou afinidades estruturadas por uma estrutura ideológica, legitimizando “um estudo que faz mito e ideologia os dois pólos de um eixo ao longo dos quais reside tudo o que é imaginação baseada em sociedades indo-europeias arcaicas”.3 No entanto, devido aos conflitos entre a antropologia nascente e a filologia do século XIX, a carência de traduções de suas obras para outros idiomas e a restrição de seus estudos ao núcleo indo-europeu, muitas das obras dumezilianas permaneceram restritas ao território francês, mas influenciando os trabalhos de inúmeros autores, como Jan Pieter Marie Laurens de Vries (1890–1964), Françoise Le Roux (1927–2004), Brinley Roderick Rees (1919–2004), Alwyn David Rees (1911–1974), Stig Wikander (1908–1983), Jacques Duchesne-Guillemin (1910–2012), Kaj Barr (1896–1970), Bernard Sergent (1946–), Émile Benveniste (1902–1976), Marijan Molé (1924– 1963), Francis Vian (1917–2008), Atsuhiko Yoshida (1934–) e Alain de Benoist (1943–).

No entanto, no início de sua carreira, enquanto lecionava história das religiões (1925–1931) e francês (1931–1933), Dumézil carecia de um método capaz de agrupar, comparar e classificar a vastidão de dados que estava coletando dos indo- europeus que, segundo Dubuisson, podem ser classificados em oito temas:4 1) Classificações sociais tripartidas; 2) Ordem divinas; 3) Ideologias reais; 4) Episódios ritualísticos tripartidos; 5) Os três pecados do guerreiro; 6) Transposição do mito em épico ou história; 7) Histórias dos primeiros reis; e 8) Tríades étnicas. Assim, a primeira grande influência metodológica que marcou fortemente os seus primeiros trabalhos foram os estudos comparatistas de James George Frazer (1854–1941),

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que permaneceram até a publicação das obras Ouranos-Varuna: Essai de mythologie comparée indo-européenne (1932) e Flamen-Brahman (1935). A partir de 1935, Dumézil reorienta o seu método de investigação, influenciado pela sociologia durkheimiana e pela noção de ideologia, que será primeiramente defendida como uma tripartição funcional em La préhistoire des flamines majeurs (1938), como no trecho abaixo:

Os indo-europeus viam o mundo e a sociedade como sendo constituídos de três órgãos hierarquicamente arranjados, garantindo três funções. Praticamente, sob o rei, a entidade social parece ter sido dividida, neste modelo, em três classes hierárquicas (embora não haja evidência do grau de rigor do sistema). Mitologicamente, deuses específicos ou especializados presidiam os três compartimentos cósmicos e sociais e, da mesma forma, se agrupavam em tríades interdependentes. Filosoficamente, essas classes cósmicas, sociais e divinas levaram a outras, já que muitas áreas conceituadas eram suscetíveis à tripartição.5

Sustentado por essa ideia, a partir de uma comparação entre a tríade pré- capitolina romana e o sistema triádico de castas indiano – mas que também é observável em outras sociedades –, Dumézil formula uma filosofia geral das tradições indo-europeias,6 cujos mitos, seus deuses e heróis dessas sociedades operam ou refletem as funções – reais ou figurativas – das hierarquias e organizações sociais – que influenciou, inclusive, os trabalhos de Claude Lévi- Strauss (1908–2009), apesar de que, para o antropólogo, “a unidade histórica e geográfica existia logo de saída”7 e o seu foco não era restrito a um tipo de sociedade. Essas funções resultavam em um sistema explícito ou implícito tricotômico que unia o supernatural (o modelo cosmológico) com o social à compor uma ideologia, ou seja, “a constelação de visões de mundo, a compreensão global do universo e as forças que o dirigem e o mantêm, como é manifestada na religião, filosofia, poesia, linguagem, relações sociais, etc.”8 Os mitos, por sua vez, expressam dramaticamente a ideologia de uma determinada sociedade, que ao mesmo tempo que animam a sociedade e o mundo, refletindo sua história, mantém a sua estrutura e essência, justificando as regras, práticas e valores tradicionais, bem como as hierarquias e a estratificação social e, portanto, uma “mitologia comparativa' moderna só é possível se ela incorporar em cada estágio de sua estrutura todos os fenômenos em relação aos mitos – o que significa, em termos práticos, toda a sociedade".9

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Figura 27 – Georges Edmond Raoul Dumézil (1898–1986).

Na década de 1950, porém, Dumézil passa novamente por uma reorientação epistemológica, pois a realidade e o determinismo de sua tripartição estavam levando-o a um modelo descritivo com o propósito de buscar as origens de tal esquema funcional. Observando que os termos que determinavam as tripartições sociais diziam respeito não somente à própria realidade, mas como forças abstratas complementares e hierárquicas, Dumézil propõe uma mudança lexical que evidencia uma nova busca focada nas estruturas e nas transposições sociais (leis,

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teologia, rituais, literatura etc.), advindas de uma tradição intelectual – não transcendental – preservada através das gerações.10

Para Gerschel, tal método comparativo desenvolvido por Dumézil – baseado no modelo de Marcel Granet (1884–1940) – é simultaneamente tipológico e genético – por vezes referido como transgenérico11 –, cujos elementos compartilham não somente materiais e propósitos em comum, mas a mesma origem e causa, transcendendo ambas abordagens,12 que expõe tanto uma desvinculação com uma lealdade metodológica e uma capacidade de reconsiderar idéias fossilizadas, criticar e questionar até as suas realizações consideradas aparentemente mais sólidas.13

Ao contrário do que se entendia por função na antropologia – com Herbert Spencer (1820–1903), Bronisław Kasper Malinowski (1884–1942), Alfred Reginald Radcliffe-Brown (1881–1955) etc. – Dumézil utilizava o termo para designar os princípios ideológicos, como uma catolicidade leibniziana,14 que se enraizaram e regiam o sistema social em si – ou seja, a soberania, a força física e a fecundidade, semelhante a organização da República de Platão –, associados às manifestações em fenômenos sociais e organizados segundo três estratos sociais (Stände):15 1) sacerdotal ou soberano, dos reis e sacerdotes, relativo ao caráter inquietante da condução de práticas mágico-religiosas e ao caráter reconfortante da administração jurídica, expressos por um par antitético de deuses complementares; 2) guerreiro, referente ao uso da força física, heroísmo, coragem e à proteção da sociedade, representado por deuses guerreiros, salvadores do universo; e 3) cultivador, dos fazendeiros e criadores de gado, restringia-se às atividades de fertilidade animal e vegetal, bem como a provisão de alimentos e o bem-estar humano e a prosperidade, considerado como generativa e de menor importância na sociedade indo-europeia, aparecendo na imagem de deuses menores que presidem sobre as mesmas atividades como curandeiros, patronos ou opulentos; que estavam fadados à superação como sistemas sociais, resistindo em poucas sociedades ou aparecendo em modelos ideológicos fragmentados. Ademais, Dumézil subsume as duas últimas funções à primeira, em que o caráter hierárquico de tal esquema tende a ser superado pela prevalência da função ideológica soberana – porém, autores como Jan Gonda (1905–1991), Arnaldo Momigliano (1908–1987), Riccardo Di Donato (1947–), Udo Maria Strutynski, Ernst Alfred Philippson (1900–1993), em

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alguns estudos, aceitam apenas parcialmente ou mesmo rejeitam a ideologia trifuncional para algumas as sociedades derivadas do indoeuropeu. Para mais, Grottanelli16 argumenta que 1) o trifuncionalismo não é necessariamente transmitido geneticamente entre os grupos que compartilham a genealogia linguística indoeuropeia; 2) os modelos trifuncionais aparecem em sociedades distintas, conectando-se às estruturas sociais de forma também distinta; e 3) o trifuncionalismo não é necessariamente um modelo ideológico complexo, mas como um modo simples do pensamento; apesar de também não aceitar uma tripartição levada a um período pré-histórico onde toda a reconstrução linguística é de caráter hipotético.17

A análise e observação as respectivas funções em diversos mitos das sociedades, segundo Dumézil, levam às conclusões ou pressupostos de que:18 1) a sociedade indo-europeia original seguia um modelo ideológico tripartido; 2) os elementos derivados dessa tripartição foram carregados por toda a extensão do território ocupado pelas sociedades que mantêm uma relação histórica com os arianos; e 3) esses elementos podem ser observados, em sua maioria, nos mitos e romances dessas mesmas sociedades.

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Figura 28 – Philipp Wilhelm Adolf Bastian (1826–1905).

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3.3 ADOLF BASTIAN

Formado em direito (1845), em ciências naturais e medicina em cinco universidades – Ruprecht-Karls-Universität Heidelberg, Humboldt-Universität zu Berlin, Friedrich-Schiller-Universität Jena e Julius-Maximilians-Universität Würzburg, obtendo o doutorado em medicina em Praga (1850) e habilitação em geografia e história pela Friedrich-Wilhelms-Universität (1867) – e versado em latim, grego, hebraico, francês e inglês, Philipp Wilhelm Adolf Bastian (1826–1905) é reconhecido por inserir os modelos das ciências naturais – principalmente da psicologia de Gustav Theodor Fechner (1801–1887) – nos estudos antropológicos, etnológicas e da cultura na Alemanha, que vai de encontro às perspectivas filológicas e etimológicas então vigentes do período, principalmente na Grã-Bretanha, que o tornou alvo de crítica como um anti-darwinista – apesar de que, como aponta Lowie, “a atitude de Bastian em relação aos problemas biológicos não refletia um preconceito teológico, mas um empirismo puritano”1 –, mas principalmente porque é “quase impossível obter qualquer concepção muito clara de seu ponto de vista em seus trabalhos volumosos, desorganizados e incoerentes”,2 que, concomitantemente, o fez ser negligenciado fora da Alemanha.

Conforme aponta Tylor, às contribuições de Bastian à antropologia é dupla.3 Primeiramente, ao contrário da corrente histórica evolucionista e difusionista4 do século XIX – apesar de não negá-las –, Bastian realizou inúmeras viagens à campo durante 25 anos – Peru, México, Chile, Equador, Colômbia, Porto Rico, Egito, Índia, China, Malásia, África Ocidental, Mongólia, Nova Zelândia, Indonésia, Sibéria, Filipinas e Japão – que permitiram-no coletar e colecionar inúmeros objetos de variadas culturas, corroborando para a elaboração de um trabalho etnográfico – apesar das dificuldades de leitura de suas obras, com empilhamento e poucos indícios de fontes, além da ausência de classificações do material coletado – e juntamente com Rudolf Ludwig Carl Virchow (1821–1902) e August Christoph Carl Vogt (1817–1895), a fundação do Berliner Gesellschaft für Anthropologie, Ethnologie und Urgeschichte (1869) e com Karl Eduard Robert Hartmann (1831–1893) do Zeitschrift für Ethnologie (1869), além de servir como assistente-diretor do Königliche Museum für Völkerkunde, do qual se tornou diretor em 1886 e presidente do Gesellschaft für Erdkunde zu Berlin (1871–3). Esse excesso de coletas não é apenas uma acumulação caótica de dados brutos,5 mas advém de um medo do

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desaparecimento repentino das culturas com o contato das viagens europeias, em que, como aponta Baldus,

Bastian, [...] já como especialista, na qualidade de etnólogo profissional, vive toda sua vida impelido pelo mesmo espírito omni-integrante que levou aquêle a nunca se cansar de colhêr material de toda espécie em suas viagens sensacionais pelo Novo e pelo Velho Mundo, de ser ao mesmo tempo grande explorador e erudito por excelência e de fixar o máximo de dados em numerosas publicações.6

A segunda contribuição apontada por Tylor refere-se ao campo das ideias – apesar de em dívida com Franz Theodor Waitz (1821–1864) –, com a concepção de uma Volkerpsychologie, ou seja, uma ciência que estuda a vida social dos povos, tal como a psicologia estuda o fenômeno mental do indivíduo, que tem rastro desde a filosofia grega e reaparece em 1815 com Johann Friedrich Herbart (1776–1841).7 Por meio de uma lógica aritmética, como um modelo matemático de raciocínio indutivo, Bastian desenvolve um método quantitativo e comparativo transcultural do material coletado que denominou como Gedankenstatistik (estatísticas do pensamento), de modo que fosse possível traçar uma unidade psíquica da humanidade (psychische einheit der menschheit).8

Em sua obra Der Mensch in Geschichte: Zur Begründung einer Psychologischen Weltanschauung (1860), dividida em três volumes – Die Psychologie als Naturwissenschaft, Psychologie und Mythologie e Politische Psychologie –, Bastian defendia a primazia de um Gesellschaftsseele (espírito social) inato que unia todos os elementos da natureza uniformemente, incluindo as sociedades e os homens, sejam esses considerados “primitivos” ou “civilizados” e independentemente de manterem uma conexão geográfica-histórica. Como aponta Boas, para Bastian, “as semelhança das formas de pensamento encontradas em regiões distantes sugere a existência de certos tipos de pensamento definidos, não importa em que ambiente o homem possa viver e quais as suas relações sociais e físicas”,9 primitivos ou civilizados, o que foi chamado de Elementargedanken (ideias elementares). Esses conceitos homogêneos (gleichartige Grundvorstellung), por sua vez, são intangíveis e em número limitado, e, portanto, suas origens não poderiam ser encontradas, uma vez que qualquer fenômeno, seja de natureza religiosa, artística, jurídica, social e estética, mas, principalmente a filosofia e a linguagem, estão submetidas ocorre

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segundo essas ideias – o que posteriormente foi trabalhado mais especificamente pela psicologia e a sociologia.

Essas ideias elementares presentes no homem, como potencialidades, quando em interação com o ambiente material (geographischen Provinzen, províncias geográficas)10 – termo de Friedrich Ratzel (1844–1904) –, suas condições geográficas, históricas e econômicas, formam as Völkergedanken (ideias dos povos/étnicas/locais), como parte dos elementos visíveis da cultura, as flores da cultura (Kulturbliiten) – que, segundo Koepping,11 aponta uma influência do romantismo de Herder, mas também dos irmãos Friedrich Wilhelm Christian Karl Ferdinand von Humboldt (1767–1835) e Friedrich Wilhelm Heinrich Alexander von Humboldt (1769–1859)12 e, como aponta Tylor, é o sinônimo da Weltanschauung (cosmovisão) –, que variam conforme a complexidade da cultura, mas também alteram de acordo com as mudanças das condições ambientais – contato com outras culturas, guerras, desastres naturais, mudanças climáticas etc. –, aparecendo em suas formas mais puras e similares nas Naturvölker (sociedades naturais/primitivas). Conforme aponta Campbell, as ideias elementares só são reconhecidas devido as suas substancializações em ideias étnicas, ou seja, “podem ser conhecidas apenas por meio da rica variedade de suas inflexões no panorama da vida humana, interessantes e com frequência surpreendentes, ainda que sempre, por fim, reconhecíveis”.13

É a partir desse processo que Bastian traça os Gedankenkreis (círculos de ideias), que influenciou a corrente antropológica cultural alemã e americana dos Kulturkreislehre, mas que não se limitava ao nível da difusão, bem como as ideias arquetípicas de Carl Gustav Jung (1875–1961) e seus discípulos.

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3.4 CONFERÊNCIAS DE ERANOS

Em se tratando, porém, do século XX, um dos grandes propulsores dos estudos comparativos foi a criação do Eranos-Jahrbuch (Conferências de Eranos)1 – nomeado por sugestão de Rudolf Otto (1869–1937), a partir do grego ἔρανος,2 ou seja, um banquete composto pelas contribuições de seus convidados, envolvendo também sacrifícios –, em 1933, por Olga Fröbe-Kapteyn (1881–1962) e sugestão de Carl Gustav Jung (1875–1961) como “um fórum para o intercâmbio entre religião e espiritualidade oriental e ocidental”3 e que, ao longo dos anos, passou a incluir outras temáticas, em busca de um “novo humanismo” que conectava espiritualmente toda a humanidade, já em desenvolvimento pelas teorias daqueles que se tornariam seus membros e que, durante o período, era “o único lugar na Europa onde acadêmicos e leigos interessados pudessem se reunir e trocar idéias, sem restrições por fronteiras acadêmicas”,4 que estavam cerceadas por questões ideológicas-políticas que impediam tal abordagem. Como Adolf Portmann coloca,

As conferências de Eranos sempre visaram servir a vida que existe dentro do mesocosmo. Sua exploração das tradições arcaicas de pensamento não foi por causa da irracionalidade per se, nem por causa de qualquer oposição fundamental à existência de atitudes racionais. A razão para cultivar essa cosmovisão arcaica foi porque ela oferecia um domínio onde existe uma forma mais rica e mais pura de harmonia entre a experiência racional e a irracional, e porque aqui os poderes criativos podem testemunhar vigorosamente a vastidão dos reinos espirituais interiores e das coisas que têm o poder de nos tornar completos, coisas que corremos o risco de perder – na verdade, que muitas pessoas no Ocidente já perderam de vista em um grau alarmante ... Eranos é um grande e sério jogo que é jogado repetidamente. Cada vez que o jogo se assemelha ao do ano anterior, ainda assim, em todos os anos a forma antiga é preenchida com novos conteúdos, nos dando um vislumbre do que uma re-santificação da vida e do cosmos pode nos dar e como isso pode nos dar um sentido de abrigo reconfortante e bem-estar vital.5

Os encontros (Tagungen) ocorriam anualmente – com exceção de 1989 – na casa de campo – batizada de Gabriela – de Fröbe-Kapteyn, próxima ao Lago Maggiore, em Ascona, Suíça, e contava com a presença de inúmeros teóricos de diversos campos do conhecimento – religião, história, física, biologia, teologia, teosofia, mitologia, psicologia, filosofia etc.6 – que beneficiaram os estudos

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comparativos da religião e da mitologia, cujos os resultados dos trabalhos e conferências foram e são publicados em uma revista própria, dividida em três principais fases estipuladas por Ortiz-Osés:7 1) Mitologia Comparada (1933–1946); 2) Antropologia Cultural (1947–1971); e 3) Hermenêutica Simbólica ou Antropologia Hermenêutica (1972–1988); e, após a morte de Fröebe-Kapteyn e Adolf Portmann (1897–1982), os primeiros dirigentes das conferências, e sob a nova direção de Rudolf Ritsema (1918–2006), houveram alterações tanto o formato das sessões quanto nas temáticas – como um direcionamento ao estudo do I Ching – que levaram ao afastamento de membros, problemas financeiros e o declínio de Eranos, sendo revitalizado anos mais tarde com a direção de John van Praag e, posteriormente, Fabio Merlini. Assim, também se incluem outras quatro fases: 1) O projeto I Ching (1989–2000); 2) Declínio (2002–2005); 3) Reinício I (2006–2009); e 4) Reinício II (2010–).

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3.4.1 CARL GUSTAV JUNG

Apesar de sua relação mais próxima advir da psicanálise de Sigismund Schlomo Freud (1856–1939) – que conheceu em 1907 –, principalmente no que concerne aos trabalhos de interpretação dos sonhos em Die Traumdeutung (1899), até em 1912 ocorrer um rompimento entre suas amizade e ideias, o psiquiatra e psicoterapeuta suíço Carl Gustav Jung (1875 – 1961), formado em medicina pela Basel University (1900), Suíça, tinha como as suas maiores influências foram o médico Carl Gustav Carus (1789–1869) e os filósofos Immanuel Kant (1724–1804), Arthur Schopenhauer (1788–1860) e Karl Robert Eduard von Hartmann (1842– 1906) – apesar de não se identificar como um filósofo ou metafísico.

Após a sua desvinculação com a metapsicologia freudiana, Jung começou a se dedicar ao estudo de objetos que estavam fora do “escopo acadêmico tradicional”, mas que já eram abordados por ele desde o seu doutoramento (1903), como o gnosticismo, a mitologia, a cabala, os fenômenos mediúnicos, a alquimia, os sonhos, as fantasias, etc., que depois relacionou com os materiais presentes nas profundezas da psique humana, no chamado inconsciente coletivo.

Jung desenvolveu a psicologia analítica, também chamada de psicologia profunda ou das profundezas, acreditando que a psicologia não é uma ciência baseada puramente na biologia ou na fisiologia, nem um campo filosófico, mas trata-se de um conhecimento empírico da alma (ψυχή). Alma, nesse contexto, não possui nenhuma conotação esotérica de além-vida, mas diz respeito à personalidade como o todo do indivíduo – consciente e inconsciente, corpo e mente –, à psique, por vezes, também traduzida em espírito e mente. Para Jung, o indivíduo, durante a vida, deve passar por um processo de individuação, evitando as dissociações entre esses pares complementares, mantendo o equilíbrio psíquico e fisiológico num jogo do martelo e da bigorna,1 em que um individuum é forjado. Assim, o homem já é desde o princípio uma integralidade com pré-disposições específicas e individuais que busca manter-se em harmonia e não uma composição ou acúmulo de características que adquire ao longo da vida – em oposição à psicanálise freudiana.

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Figura 29 – Carl Gustav Jung (1875–1961).

Porém, evitando cair em um paradigma do εἶδος platônico – por mais que faça honras ao filósofo –, Jung justifica empiricamente sua tese, em que os mitos, por exemplo, funcionam como uma das funções compensatórias do processo de equilíbrio do indivíduo, principalmente porque os materiais mitológicos, como os

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históricos e folclóricos – mas não só, se referindo a todas atividades humanas – são a fonte de demonstração da universalidade em tempo e espaço dos eventos psíquicos2 e enriquecedores para o entendimento das associações dos pacientes no trabalho clínico.3 Jung também conferiu destaque à mitologia ao incluir não somente os estudos das civilizações ocidentais – como foi o principal foco de Freud –, mas também ao traçar paralelos com as perspectivas religiosas e filosóficas do Oriente, os estudos alquímicos, gnósticos e esotéricos, e as culturas indígenas e africanas, por exemplo. Segundo o autor, tanto a psiquiatria e a psicoterapia, quanto os estudos de mitologia e religiões comparadas, ainda não tinham consciência ou não reconheciam a importância que tais temas mantinham com o ambiente psíquico,

pois é precisamente no campo da observação psiquiátrica e psicoterapêutica que frequentemente encontramos casos caracterizados por uma rica colheita de símbolos arquetípicos. Uma vez que o conhecimento histórico necessário está faltando ao médico [psiquiatra] que os observa, ele não está em posição de perceber o paralelismo entre as suas observações e as descobertas da antropologia e da história da mente humana. Por outro lado, um especialista em mitologia e religião comparativa não é, via de regra, psiquiatra e, consequentemente, não sabe que seus mitologemas ainda estão vivos e frescos - por exemplo, em sonhos e visões, nos recessos ocultos de nossa vida interior mais pessoal, que nós de forma alguma entregaria à dissecação científica.4

Figura 30 – A estrutura da psique para Jung (1925, p. 138).

Brevemente, para Jung, a estrutura da psique (figura XX) se dá de modo diferente da apresentada por Freud. Primeiramente, a consciência “parece ser essencialmente uma questão de cérebro”,5 a única camada da psique conhecida diretamente pelo indivíduo, regida e organizada pelo ego. É essa camada que

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mantém uma relação direta com o meio externo, se desenvolve a partir de quatro funções (pensamento, sentimento, sensação e intuição) e é orientada por duas atitudes (introversão e extroversão). Porém, para o autor, o ato de pensar não é exclusivo da consciência, antecedendo-a e existindo em um nível inconsciente. Enquanto Freud designa o inconsciente como um reservatório exclusivamente pessoal dos conteúdos reprimidos e recalcados que antes foram conscientes em um determinado momento da vida do sujeito; Jung, por outro lado, divide o inconsciente em duas camadas;6 a primeira, mais superficial, denominada inconsciente pessoal, que coincide parcialmente com a estrutura apontada por Freud e é composta por complexos de tonalidade emocional adquiridas individualmente, mas que acabam mergulhando no inconsciente, rejeitadas pelo ego, quando não ocorre o equilíbrio da individuação, seja por repressão, negação, recalcamento etc.; a segunda, chamada de inconsciente coletivo, é composta por um substrato filogenético inconsciente transmitido através da hereditariedade, ou seja, que nunca foram conscientes em um indivíduo.7 O conteúdo do inconsciente coletivo é o que Jung denomina arquétipo.

O conceito de arquétipo, que constitui um correlato indispensável da ideia do inconsciente coletivo, indica a existência de determinadas formas na psique, que estão presentes em todo tempo e em todo lugar. A pesquisa mitológica denomina-as “motivos” ou “temas”; na psicologia dos primitivos elas correspondem ao conceito das représentations collectives de Levy- Brühl e no campo das religiões comparadas foram definidas como “categorias da imaginação” por Hubert e Mauss. Adolf Bastian designou-as bem antes como “pensamentos elementares” ou “primordiais”. A partir dessas referências torna-se claro que a minha representação do arquétipo – literalmente uma forma preexistente – não é exclusivamente um conceito meu, mas também é reconhecido em outros campos da ciência.8

Em outras palavras, os arquétipos são substratos psíquicos inerentes à espécie humana; são as imagens inconscientes formadas a partir das forças motrizes dos instintos que, como modelos básicos de comportamento instintivo, “são disposições para produzir uma e outra vez as mesmas ideias míticas e similares”.9 Os arquétipos são “formas sem conteúdo, representando a mera possibilidade de um determinado tipo de percepção e ação”,10 manifestando-se em qualquer atividade humana, uma vez que são quantitativamente análogos ao número de situações típicas na vida. Assim, todo arquétipo é um possível. São os conteúdos que se conectam às formas que constituem os inúmeros padrões universais vistos nos símbolos e nas imagens mitológicas.

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Os arquétipos são a-históricos e atemporais, pois são meras estruturas ou categorias com uma pré-disposição de se apresentarem à consciência sob representações ou imagens arquetípicas e símbolos, ao nível da cultural e do indivíduo - concepção apresentada em Eranos, em 1946. Tal ontologia se tornou importante para a abordagem dos estudiosos de Eranos, uma vez que coloca as concepções tidas como irracionais como universais e inerentes à natureza humana, em que os mitos continuam presentes, ressoam e atuam no pensamento do homem moderno, conduzindo-o a cura simbólica por meio do processo de individuação, também, colocando “em prática sua própria teoria da necessidade de um diálogo frutífero entre o matriarcal-inconsciente (oriental) e o patriarcal-racionalista (ocidental)”.11 Ambas as noções junguiana de arquétipo como do conceito de individuação, foram de grande influência para as ideias desenvolvidas por diversos membros.12

Tendo isso em vista, Jung parece concordar com certo desenvolvimento paralelo – como visto em Bastian (cf. supra, pp. 179-81) – em que o arquétipo se desenvolve nas mais variadas culturas, em qualquer tempo e espaço, sem possuir uma relação estrita de contato ou difusionismo entre culturas, já que ele é inerente ao sapiens. Jung não nega as explicações alegóricas – do solarismo mülleriano – e o difusionismo mitos, porém, enquanto as primeiras se restringem ao caráter explicativo do mito e seriam mero divertimento ocioso,13 as segundas não explicam satisfatoriamente o surgimento de mitos em lugares em que não há a menor possibilidade de contato.14 Assim, em oposição a essas correntes antropológicas e etnológicas que determinam o ambiente ou variáveis externas como o fator primário na formulação de mitos, Jung acredita que o sujeito já possui as matrizes míticas na mente para assim estabelecer os devidos paralelos com o ambiente. Ou seja, os mitos não são condicionados por eventos externos, por alegorias das experiências objetivas, mas se conectam aos eventos internos – i.e., anímicos – do sujeito, por meio das projeções. A projeção é o processo automático de transferência de um conteúdo inconsciente com carga emocional a um objeto, em um espaço metafísico e hipostasiado,15 e que não cessa até a sua conscientização ou retroação. A mentalidade primitiva experimenta os mitos e o homem primitivo está mais interessado na tecelagem de mitos do que na sua explicação, surgindo espontaneamente do inconsciente, forçando o seu caminho para fora. Assim, o

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chamado ‘homem primitivo’ transferia os seus conteúdos internos ao ambiente para apreendê-lo, mas que o levava também a imaginar que tais características eram pertencentes ao meio externo e, portanto, somente após vários milênios o homem foi capaz de desconectar-se psiquicamente dele. Com a criação de ritos o homem se tornou capaz de erigir muros contra os perigos do inconsciente,16 os perils of souls antropológico e lidar com os arrebatamentos afetivos que invadiam a consciência. Assim,

na medida em que o mito nada mais é do que uma projeção do inconsciente e não uma invenção consciente, é bastante compreensível que devemos, em todos os lugares, aparecer com os mesmos motivos míticos e que os mitos representem, de fato, fenômenos psíquicos típicos.17

Desta forma, os mitos são as expressões dos arquétipos, são sistemas psíquicos transubjetivos18 e toda a mitologia poderia ser tomada como projeções do inconsciente coletivo, “assim como as constelações foram projetadas nos céus”;19 em que os arquétipos estabelecem conexões das experiências do sujeito com os fenômenos externos, sendo posteriormente elaborados conscientemente. Logo, os mitos são uma das formas de manifestações do material arquetípico, histórico e arcaico, inerente ao próprio homem; são as “revelações originárias da alma pré- consciente, pronunciamentos involuntários acerca do acontecimento anímico inconsciente e nada menos do que alegorias de processos físicos”.20 Consequentemente, Jung utiliza tanto o inconsciente coletivo para interpretar os mitos, quantos os mitos para interpretar o inconsciente coletivo.21 Diferentemente da perspectiva de Freud, em que existe uma especificidade pansexual para a qual o mito aponta, para Jung, toda a interpretação de um mito funciona como uma possibilidade,22 uma tentativa de apreender o significado de um determinado fenômeno, mas que somente tange sua multiplicidade inerente. As interpretações são aproximativas, pois existe uma distância entre os mitos e o inconsciente coletivo – não existe uma ligação subconsciente tal como na psicanálise freudiana –, onde se encontram os arquétipos que, apesar de ser menor em relação a outros fenômenos conscientes, ainda se encontram mergulhados e imbricados numa rede de relações inacessíveis integralmente, tornando-os morfologicamente descritíveis, mas não quantitativamente mensuráveis.23 Deste modo, como os arquétipos se encontram em um território desconhecido, eles só podem se comunicar indiretamente à consciência, assumindo diferentes matizes por meio de símbolos,

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que, apesar de “nenhuma formulação intelectual se aproximar da riqueza e expressividade das imagens míticas”,24 elas somente expressam parcialmente os significados dos arquétipos, limitando a transmissão do significado presente no mito.

Ademais, também deve ser levada em consideração a relação entre o sujeito e o mito. Os mitos não são apenas narrativas que transmitem seus significados, mas também devem ter um significado para aqueles que os utilizam, afetando-os, beneficiando-os; e, portanto, devem ser explicados “de acordo com as condições totais de vida daquele determinado indivíduo a quem o arquétipo se relaciona”.25 É possível notar, então, que os arquétipos passam por um processo de dupla tradução; a primeira relativa à formulação dos mitos, expressos pelos símbolos; e, a segunda, da interpretação dos mitos para, assim, retornar ao nível arquetípico e buscar seu significado. Apesar de atribuir ao papel do mito diversas funções humanas, advindas dos padrões de comportamento, para Jung, o mito possui sobretudo uma função psicológica. O mito é uma forma não somente de mostrar a existência do inconsciente à consciência, mas também de experienciá-lo,26 estabelecendo conexões tanto com o mundo externo quanto interno do sujeito, em oposição às perspectivas que tratam o mito como uma invenção da mente primitiva.

Jung também estabelece um paralelo entre os mitos e os sonhos. Os sonhos, em geral, dizem muito mais a respeito do indivíduo que o sonha e seu entorno do que os mitos, que abarcam aspectos gerais, não só do indivíduo, mas do coletivo. Ao mesmo tempo, é justamente devido a essa abrangência que, advinda de uma matriz arquetípica, permitem os mitos estabelecerem uma conexão com a individualidade de cada sujeito. Campbell, como veremos adiante, inspirado por Jung, diz que “o mito é o sonho público, e o sonho é o mito privado”.27 Para Jung, isso se deve ao fato de que o sonho está conectado mais intimamente com o inconsciente pessoal, com as experiências que um indivíduo adquiriu e acumulou conscientemente ao longo de sua vida, enquanto o mito conecta-se ao inconsciente coletivo e às experiências do homo sapiens, acumuladas paralelamente à sua evolução em milhares de anos e transmitidas hereditariamente, como já apontamos. Porém, o inconsciente coletivo também exerce influência sobre o inconsciente pessoal, já que a matriz do homem se encontra no inconsciente coletivo e, assim, as imagens arquetípicas funcionam como a expressão dos comportamentos humanos, dentro ou

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fora dos sonhos. No entanto, o compartilhamento das experiências individuais de um sonho nem sempre acontece, uma vez que os mitos possuem um arranjo de eventos ordenados, obedecendo uma sequência lógica compreensível ao âmbito coletivo, enquanto o sonho, assim como as visões ou fantasias psicóticas, é “geralmente incompreensível, irracional, delirante, que no entanto não carece de uma certa coerência oculta de sentido”.28

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3.4.2 MARIE-LOUISE VON FRANZ

Marie-Louise von Franz (1915–1998) foi uma das estudantes e colaboradoras diretas de Carl Gustav Jung desde 1934, com trocas de textos gregos e latinos1 – von Franz havia se formado em filologia clássica em Zurique (1933) –, colaborando principalmente com as divulgações e aprofundamentos em seus trabalhos sobre interpretação de contos de fadas e mitos – como nas obras Symbolik des Märchens: Gegensatz und Erneuerung im Märchens (1957), Das Weibliche im Märchen (1977), Der Schatten und das Böse im Märchen (1985), Die Suche nach dem Selbst: Individuation im Märchen (1985), Erlösungsmotive im Märchen (1986) e Psychologische Märcheninterpretation (1986). EM suas obras, von Franz distingue claramente os mitos dos contos de fadas e a relação que ambos mantêm com o inconsciente coletivo:

Nos mitos, lendas ou qualquer outro material mitológico mais elaborado obtém-se as estruturas básicas da psique humana através da grande quantidade de material cultural. Mas nos contos de fada existe um material consciente culturalmente muito menos específico e, consequentemente, eles oferecem uma imagem mais clara das estruturas psíquicas.2

Para a autora, os mitos são produções culturais conscientes e coletivas que, ao unirem-se às tradições religiosas e formas poéticas, se expressam de maneira explícita em relação aos materiais históricos de seu lugar de origem, mas que, por outro lado, “perde-se muito do seu caráter humano”,3 por expressarem somente o caráter nacional de uma determinada cultura, enquanto que um conto de fadas, por abarcar uma estrutura mais geral e mais básica do ser humano, além de envolver personagens universais – como animais –, teria a capacidade de conectar toda a espécie.

Assim, a autora concorda com algumas teorias – como em Thompson4 – de que os mitos resultam da degeneração de contos de fadas ao delimitaram-se pelo processo de aquisição das especificidades locais em que foram criados. David LeRoy Miller (1936–), na antemão desse pensamento, acredita que o processo ocorre de forma inversa – assim como em Meletinski5 – e, portanto, são os contos de fadas que reduzem o caráter plural dos conteúdos míticos ao agregar seus elementos, tornando-se mitos colapsados e condensados.6 Bruno Bettelheim (1903 – 1990), na esteira freudiana – como já apontamos –, é ainda mais rígido nessa distinção, apontando que o “mito é pessimista, enquanto o conto de fadas é

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otimista”;7 em que o primeiro é composto por eventos individuais e singulares, enquanto o segundo, por mais inusitados e improváveis, são comuns e coletivos. Campbell8 também distinguirá o herói do conto de fadas, que obtém um triunfo microcósmico-doméstico, do herói do mito, que obtém um triunfo macrocósmico- histórico-universal; ou ainda Boas9 acredita que, por possuírem conteúdos semelhantes, nem o mito nem o conto podem reivindicar prioridade, para citar somente alguns.10 Para não aprofundarmos muito nesta questão, a terminologia utilizada para definir essas fronteiras também é variável e inconsistente, refletindo tanto a proximidade entre os termos quanto a confusão na própria ciência para estabelecê-los.11

Ademais, von Franz apontava que, dentro da psique humana, os mitos se encontram em um nível mais próximo da consciência e do material histórico conhecido e são menos fragmentados do que os contos de fadas, mas que pelo próprio processo pelo qual o inconsciente passa, por meio dos arquétipos,12 eles começam a decair e se transformar, dando origem às estruturas mais básicas da psique, ao seu esqueleto, ou seja, aos contos de fadas. Desta forma, dando continuidade às metáforas oceânicas de Jung para o inconsciente, para Franz “os contos de fada são como o mar, e as sagas e os mitos são como ondas desse mar; um conto surge como um mito, e depois afunda novamente para ser um conto de fada”.13

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Figura 31 – Marie-Louise von Franz (1915–1998).

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Figura 32 – Joseph John Campbell (1904–1987).

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3.4.3 JOSEPH CAMPBELL

Com um interesse inicial pelos povos nativos norte-americanos que advinha da infância, quando seu pai o levara, junto com seu irmão, Charlie, para assistir o Buffalo Bill's Wild West Show (1911), em que posteriormente relata em um diário pessoal que ficou “fascinado, cativado, obcecado pela figura de um índio americano nu com o ouvido no chão, um arco e flecha na mão e um olhar de conhecimento especial em seus olhos”,1 levando a leitura de inúmeras obras sobre os indígenas – autores como Elmer Russell Gregor (1878–1954), George Bird Grinells (1849– 1938), Frank Hamilton Cushing (1857–1900) e Franz Uri Boas (1858–1942) –, Joseph John Campbell (1904–1987), um dos discípulos ou apreciadores de Jung,2 é considerado um dos maiores nomes e que mais recebe destaque na área de mitologia comparada.

Campbell entrou no Dartmouth College (1921) com o intuito de estudar biologia e matemática, mas, após a leitura de The romance of Leonardo da Vinci de Dmitry Sergeyevich Merejkowski (1865–1941), interessa-se pelas ciências humanas e a história da cultura e transfere-se para a Columbia University, onde formou-se em literatura inglesa (1925), também participando de uma banda de jazz como saxofonista, além de se tornar corredor profissional. Consegue o título de Master of Arts em Arthurian Studies (1927) com a tese The dolorous stroke, ganhando uma bolsa de estudos – Proudfit Travelling Fellowship – para a Université de Paris (1927–1928), onde estuda filologia romântica, francês arcaico e provençal, sob orientação de Joseph Bédier (1864–1938), posteriormente dando continuidade na Alemanha, na Ludwig-Maximilians-Universität München (1928–1929), onde estuda sânscrito e filologia indo-europeia. Durante esse período, Campbell teve contato com as teorias da sabedoria oriental alemã – como Philipp Wilhelm Adolf Bastian (1826–1905), Carl Gustav Jung (1875–1961) e Sigismund Schlomo Freud (1856– 1939) – e com a literatura de Paul Thomas Mann (1875–1955), James Augustine Aloysius Joyce (1882–1941), Johann Wolfgang von Goethe (1749–1832), que influenciaram-no fortemente, bem como pelas filosofias de Arthur Schopenhauer (1788–1860) e Friedrich Wilhelm Nietzsche (1844–1900) e as artes de Constantin Brâncuşi (1876–1957), Pablo Ruiz Picasso (1881–1973), Henri-Émile Benoît Matisse (1869–1954), Joan Miró (1893–1983) e Paul Klee (1879–1940).

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No entanto, quando retornou das viagens à Europa, os Estados Unidos estavam passando pela Grande Depressão (1929–1939), auxiliando a sua família e escrevendo inúmeros artigos e contos. Em 1931, Campbell sai em viagem de carro pelo país, por cinco anos, em busca de um objetivo de vida – sendo recusado por 85 universidades –, morando de aluguel em uma cabana de amigos e dedicando-se à leitura intensiva – Ernest Miller Hemingway (1899–1961), Harry Sinclair Lewis (1885–1951), Bertrand Arthur William Russell, 3º Conde Russell (1872–1970), John Dewey (1859–1952), Leo Viktor Frobenius (1873–1938), Oswald Arnold Gottfried Spengler (1880–1936), John Galsworthy (1867–1933) e os já apontados Jung, Joyce, Mann e Freud – até lecionar história, inglês, francês e alemão, durante um breve período, na Canterbury School (1933) e retornar às viagens. Campbell entra efetivamente à carreira acadêmica no Sarah Lawrence College (1934–1972), onde lecionou por 38 anos e também onde, em 1988, fora instituída a cadeira Joseph Campbell Chair of Comparative Mythology, posteriormente renomeada para Joseph Campbell Chair in the Humanities.

Por intermédio de Swami Nikhilananda (1895–1973), Campbell conheceu o seu amigo, o indianólogo e hinduísta Heinrich Robert Zimmer (1890–1943), que o apresenta aos fundadores da Bollingen Foundation, sendo convidado para a publicação de uma versão comentada de Where the Two Came to Their Father: A Navaho War Ceremonial (1943) – junto com Jeff King (1865–1964) e Maud Oakes (1903–1990) –, além de editar e publicar, durante doze anos, quatro obras de Zimmer, após a sua morte.3 Juntamente com viagens ao oriente (Myanmar, Tailândia, Sri Lanka, Taiwan, China e Japão), Campbell desenvolve uma uma simpatia especial por doutrinas como o zen budismo e o jainismo – mas que já advinham de um encontro com Jiddu Krishnamurti (1895–1986) em 1924 –, ao passo que também criou uma leve intolerância às religiões monoteístas que interpretam os mitos em sentido literal.

Campbell também recebeu o Hofstra Distinguished Scholar Award (1973), foi nomeado diretor da Society for the Arts, Religion and Contemporary Culture (1967) e presidente da American Society of the Study of Religion (1972) e da Creative Film Foundation (1953), condecorado com a National Arts Club Gold Medal of Honor (1985) em literatura e ganhou o título de doutor honoris causa pelo Pratt Institute of

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Brooklyn (1976) – Campbell havia desistido do doutorado após retornar da viagem à Europa.

Campbell dedicou a maior parte de sua vida em analisar comparativamente mitos de diversas sociedades de distintos períodos da humanidade, desde a pré-história até o século XX, publicados em uma série de livros, divididos em quatro volumes, sob o título The masks of God (1959-1968), que desencadearam a posterior publicação – incompleta, devido ao seu falecimento – do The historical atlas of world mythology (1983–1989). Como membro das Conferências de Eranos e nomeado, em 1953, como editor dos anuários de Eranos – editando seis volumes: Spirit and Nature (1953), The Mysteries (1955), Man and Time (1957), Spiritual Disciplines (1960), Man and Transformation (1964) e The Mystic Vision (1968) –, Campbell defendia a busca por uma unidade fundamental que se encontrava na própria natureza e transcendia as diferenças aparentes manifestadas nas culturas, de modo a “transpor os abismos entre a ciência e a religião, a mente e o corpo, o Oriente e o Ocidente, por meio da eterna ligação intemporal com os mitos”,4 de modo a unir a humanidade.

A esperança que acalento é a de que um esclarecimento realizado em termos de comparação possa contribuir para a causa, talvez não tão perdida, das forças que atuam, no mundo de hoje, em favor da unificação, não em nome de algum império político ou eclesiástico, mas com o objetivo de promover a mútua compreensão entre os seres humanos.5

Campbell ficou popularmente conhecido pela sua noção de monomito ou jornada do herói, publicado em The hero with a thousand faces (1949), após duas recusas editoriais – originalmente intitulado How to Read a Myth e ganhador do prêmio Contribution to Creative Literature da American Academy of Arts and Letters (1949) – em que, fundamentado na arquetipologia junguiana, Campbell constrói um modelo universal da história espiritual da humanidade, em que todos os mitos se convergiam para a mesma narrativa heroica baseada nos rites de passage de Charles-Arnold Kurr van Gennep (1873–1957) – modelo já anteriormente defendido na psicanálise por Otto Rank, em 1909, nos contos folclóricos por Propp, em 1928, e na antropologia por Fitzroy Richard Somerset, Barão Raglan IV, em 1936. Ademais, uma readaptação de tal modelo para o contexto cinematográfico foi proposta por Christopher Vogler (1949–) em The Writer's Journey: Mythic Structure For Writers (2007), além de uma jornada feminina, da heroína, proposta por

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Maureen Murdock em The Heroine's Journey (1990) e por Valerie Estelle Frankel em From Girl to Goddess: The Heroine's Journey through Myth and Legend (2010), em que, segundo Murdock, “os estágios da jornada da heroína incorporam os aspectos da jornada do herói, mas [...] o foco do desenvolvimento do espírito feminino era curar a separação interna entre a mulher e sua natureza feminina”,6 conforme a figura XX.

Figura 33 – A jornada da heroína começa com a “Separação do feminino” e termina com a “Integração do masculino no feminino” segundo Murdock (1990, p. 5).

Seu trabalho não se restringiu somente ao estudo de mitos antigos ou específicos de uma determinada região, mas se fundamentou em diversos campos do conhecimento – antropologia, mitologia, psicologia, sociologia, religião, arte, história, etnologia, filologia etc. – que permitiu a realização de análises comparativas transculturais entre mitos, independente de tempo e espaço, presentes nas diversas manifestações culturais do homem, impulsionando o campo da mitologia

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comparada, que ainda se restringia em sua maioria à comparação entre diferentes narrativas míticas e seus próprios termos. Em oposição aos paradigmas unilaterais que eram atribuídos ao mito e a sua natureza, Campbell enfatizava o papel da mitologia como um fenômeno que compreende todos esses campos, mas que “os vários julgamentos são determinados pelo ponto de vista dos juízes”,7 fazendo com que cada teoria observasse os mitos unicamente sob seus próprios pressupostos e, consequentemente, não abrangendo a sua real amplitude.

Iniciado, porém, nos estudos da literatura e da antropologia, foi somente com o acesso aos trabalhos de Freud, Bastian e Jung, por exemplo, durante seu período de estudo em Paris e Munique, que Campbell pôde incorporar os estudos psicanalíticos às teorias antropológicas a respeito das similaridades transculturais que a teoria difusionista não havia explicado suficientemente. Enquanto os historiadores e etnólogos de sua época, em sua maioria, exploravam as produções culturais e mitos específicos, Campbell se mostrou mais interessado em não só traçar paralelos simbólicos entre as produções do meio externo, mas também relacioná-las com o mundo interno do sujeito, transitando do nível social ao individual, das ideias elementares-arquetípicas às suas configurações reflexivas em roupagens étnicas-locais. Desse modo, como a mitologia também compreende um sistema de sinais8 que tenta relacionar as estruturas psicológicas do sujeito com o mundo objetivo, não existia melhor ferramenta do que a psicanálise para se aprender a gramática dos símbolos que os mitos expressam.9

Obviamente, a mitologia não é nenhum brinquedo para crianças. Tampouco é assunto de interesse apenas arcaico e acadêmico, sem nenhuma importância para o moderno homem de ação. Seus símbolos (estejam eles na forma tangível das imagens ou na forma abstrata das ideias) tocam e liberam os mais profundos centros de motivação, comovendo tanto as pessoas cultas quanto as incultas, comovendo ralés e civilizações.10

Devido a esse contato teórico, um dos principais paralelos traçados pelo autor é a relação entre a natureza do mito e a do sonho. Para Campbell, como antecipamos, o mito é um sonho público, enquanto o sonho é um mito pessoal, em que “a imagística de um sonho é metafórica da psicologia do sonhador e a imagística da mitologia é metafórica da postura psicológica da pessoa”.11 Da mesma forma que para a psicanálise, o mitólogo americano acredita que os mitos, assim como os sonhos, “são produtos da imaginação humana”12 de modo a manter, de modo

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expressivo, os órgãos do corpo em harmonia, acordo ou concerto consigo mesmo e com a natureza. Ambos ocorrem na mesma zona, na Sabedoria do corpo (Wisdom Body),13 local de fundo biológico, inerente a todo homem, do qual as atividades emergem naturalmente da modelagem de nossas energias internas, sem a necessidade de um aprendizado, que também podem ser vistos como matéria dos estudos da filosofia perene – associada ao gnosticismo e à alquimia –, e pertencente à categoria do oo – a segunda sílaba do mantra aum, om, द –, a consciência onírica14. Consequentemente, eles carregam um significado simbólico e somente podem ser entendidos por meio de metáforas.

Desta forma, toda mitologia é uma “organização de narrativas simbólicas e imagens que são metafóricas das possibilidades da experiência humana e da sua realização em determinada cultura, em certa época”,15 tanto em nível individual quanto coletivo e, todos os seus elementos – deuses, heróis, semideuses, anjos, demônios etc. – chamadas de figurações míticas, são metáforas utilizadas para designar os elementos simbólicos e psicológicos que transcendem as categorias do pensamento humano. Essas figurações ocorrem simultaneamente em dois sentidos,16 tanto como portadoras de conotações psicológicas, quanto metafísicas. Assim, em empréstimo ao pensamento do psiquiatra Karlfried Graf Dürkheim (1896– 1988), em que o problema da vida é tornar-nos transparentes à transcendência, Campbell define o mito como “a metáfora transparente para a transcendência”.17 Essa transcendência, para o autor, no entanto, não diz respeito a um vetor espacial que aponta para uma realidade externa ao sujeito e a factualidade, que pode ser alcançada na apoteose ou no além-vida, mas antes tem um direcionamento interno e se localiza dentro do próprio indivíduo. “O problema do mito, do misticismo, é não permitir que a mensagem se infiltre no símbolo”,18 ele é característico do espírito, e, portanto, os mitos devem ser lidos de acordo com as suas metáforas, ou seja, conotativamente, em termos de poesia e não de prosa, caso contrário, quando se toma o símbolo pelo fato, perde-se sua mensagem.

Isso permitiu-lhe criticar a imposição religiosa de determinadas culturas que afirmam os seus mitos como unicamente verdadeiros, sob o pressuposto de que a forma como um deus aparece para uma pessoa não é a imagem original e, portanto, os mitos alheios são denominados como irreais e os seus mitos são tidos como

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fatos históricos e reais19 – diferente da sua ideia das máscaras de deus, assim como do herói de mil faces, em que uma mesma transcendência é inflexionada metaforicamente em diversas roupagens de acordo com cada perspectiva cósmica- social-individual, em que “toda religião é verdadeira, de um modo ou de outro”.20 Como resultado, tais culturas que enaltecem a dualidade – bem-mal, certo-errado, céu-inferno – acabaram por enaltecer símbolos que tornaram-se vazios ao passarem por um processo de concretização histórica.21 Eles perderam sua carga metafórica, pois seus mitos passaram a ser lidos em termos de prosa. Ou seja, sua mensagem é interpretada no sentido denotativo, criando assim uma mitologia patológica,22 em que se perde o sentido tanto para o coletivo quanto para o indivíduo e afastou o homem do contato com as ideias elementares e a filosofia perene,23 fazendo com que o homem entrasse em um período terminal de geleiras da mitologia, somente entulhadas em detritos pela civilização.24 É nesse ponto que se encontra a diferença entre a ficção e o mito, em que enquanto o primeiro é uma fabricação mental e consciente, o segundo é uma manifestação da alma, do coração, do espírito. Dessa forma, ao remover a função simbólica de um mito, como impregna-lo de historicismo, o próprio indivíduo perde o potencial de sentido a ser adquirido a partir dele.

Outro ponto importante na teoria campbelliana foram as correlações estabelecidas entre as imagens e os mitos de diversas culturas ao redor do mundo, principalmente a análise comparativa de imagens arquetípicas que possibilitou a formulação de uma universalidade do mito do herói, chamada de monomito – termo retirado da obra Finnegans Wake (1939) de James Joyce – ou de a jornada do herói (figura XX). A partir de uma fórmula fundamentada nos rituais de iniciação, partida- iniciação-retorno, estudados pelo antropólogo francês van Gennep, Campbell25 constrói uma estrutura em que nem todas as etapas precisam ser contempladas e os seus elementos podem ser facultativos e deslocáveis, adquirindo importância para os posteriores estudos da narratologia, desde que a macroestrutura cíclica se mantenha.

Resumidamente: O padrão usual consiste, em primeiro lugar, num rompimento ou afastamento da ordem e do contexto social local; em segunda, num longo e profundo retraimento para dentro e para trás; para trás, por assim dizer, no tempo, e para dentro rumo ao fundo de sua psique; uma série caótica de encontros ali, experiências sombrias e aterrorizantes, e, pouco tempo depois (se a vítima é afortunada), encontros de um tipo

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centralizador, com experiências de realização, de harmonia, que dão nova coragem, e aí, finalmente, nesses casos afortunados, uma jornada de volta, com o renascimento para a vida. E essa é também a fórumla universal da jornada do herói mitológico, que eu, em minha própria obra publicada, descrevi como: 1) separação, 2) iniciação, e 3) retorno.26

Esse herói sofre de uma deficiência simbólica27 e, através de sua jornada, pela assimilação das forças que unem-o aos níveis universal, social e individual, da identificação de si com o divino, deve alcançar tanto um conhecimento pessoal quanto coletivo. E o mesmo é válido no contexto social. Assim como na jornada do monomito, a função mítica de um ritual é dar um significado profundo na vida do indivíduo ao estruturar o seu meio e, consequentemente, a si mesmo, incorporando- o na sociedade, uma vez que o macrocosmo, microcosmo e mesocosmo são equivalentes. “Os mitos são os suportes mentais dos ritos; e os ritos, a ratificação física dos mitos”28 – já Hyman critica a jornada do herói campbelliana por apresentar um modelo místico e metafísico que desvincula o homem da experiência concreta comportamental do homem com os rituais, além de se assemelhar ao monoritual de Hooke e Hocart.29

Figura 34 – A estrutura do monomito segundo Campbell (1995, p. 241).

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Para Campbell, diferente da herança natural dos animais de comportamentos padronizados, o homem tem seus modelos proporcionados pela transmissão social, cujos rituais são tanto o seu meio de impressão quanto a estruturação da civilização, ligando “o indivíduo a propósitos e a forças transindividuais”, mas também despersonalizando os protagonistas, cuja conduta é parte da espécie, da sociedade, da casta ou da profissão, como agentes de princípios e leis coletivos.30 Concordando com a paideuma de Frobenius, inicialmente, em tempos paleolíticos, o homem retirava e era inspirado pelos padrões da natureza (animal e vegetal), sendo transferido para uma ordem sobrenatural pertencente ao universo celeste (sol, lua, planetas e movimentos cósmicos), durante o período das Grandes Civilizações, até encontrar nas tragédias gregas, por exemplo, um antropocentrismo centrado na espiritualidade humana. Assim, toda a espontaneidade dos atos individuais é corrigida por uma ordem que mantém o homem dentro dos padrões esperados, sejam paternais ou governamentais, principalmente durante a infância, até o desenvolvimento de uma atividade criativa de livre pensamento – denominada por Freud como a função de realidade –, que aparece no mundo moderno com mais ênfase no campo das artes.

A função do ritual, como eu a entendo, é a de dar forma à vida humana, não à maneira de um mero arranjo superficial, mas em profundidade. Nos tempos antigos, cada evento social era ritualmente estruturado e o sentido de profundidade era conferido graças à manutenção de um tom religioso. Hoje, por outro lado, o tom religioso é reservado para ocasiões excepcionais, muito especiais, “sagradas”. Não obstante, até mesmo nos padrões de nossa vida secular o ritual sobrevive. Ele pode ser reconhecido, por exemplo, não somente no decoro das cortes e nos regulamentos da vida militar, mas também na conduta das pessoas ao se sentarem juntas à mesa.31

Em As Máscaras de Deus (1959–1968), Campbell estuda o desenvolvimento histórico-cultural das diversas mitologias mundiais a partir dessas “máscaras” – formas imaginárias “por meio das quais os homens de todos os quadrantes procuraram se relacionar com o milagre da existência”32 –, dividindo-as temporal e espacialmente, em quatro eixos: 1) Mitologia primitiva, cujo foco se concentra no desenvolvimento antropológico-biológico-arqueológico da espécie humana em que “sumariza a história e difusão das formas mitológicas, de acordo com o plano de interesse da história e da etnologia”,33 principalmente surgidos com o homo sapiens (200.000 a.C. – 40.000 a.C.) em duas formas: a) enterros, em que sacrifícios animais são associados ao sepultamento; e b) a posição dos corpos em posição

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fetal; e adoração de crânios de ursos de cavernas; e, ao final, um breve exploração da vivência e utilização dos símbolos aos níveis psicológicos; 2) Mitologia ocidental tem por foco as concepções mitológicas dos principais povos do Ocidente, a parte referente ao oeste global a partir do planalto do Irã, do culto ao feminino e masculino, em busca do desmame de sua própria parte humana a fim de separar-se do seu demonismo sublime;34 3) Mitologia oriental foca as civilizações do Oriente, que viveram sob o mito do eterno retorno do qual sua psicologia se desenvolverá; 4) Mitologia criativa foca nos simbolismos e processos de simbolização irrompidos da força criativa do homem ocidental com o declínio da tradição ortodoxa, em que, “por um longo processo de Abertura de Olho do homem europeu para um estado que não é um estado, mas um vir a ser”,35 que parte do período da Távola Redonda à detonação do átomo, o homem se liberta das “máscaras” de Deus que, em realidade, são dele próprio e tem uma experiência própria transmitida mediante sinais, que, caso tenha profundidade e significado, transforma-se em um mito vivo.36

a da unidade da raça humana, não apenas em termos biológicos, mas também na sua história espiritual que, em toda parte, se manifestou à maneira de uma única sinfonia, teve seus temas apresentados, desenvolvidos, amplificados e revolvidos, distorcidos e reafirmados, para hoje ressoar em uníssono num estrondoso fortíssimo, avançando irresistivelmente para uma espécie de portentoso clímax, do qual emergirá o próximo grande movimento. E não consigo ver nenhuma razão para que se suponha que no futuro os mesmos motivos já ouvidos não continuem a ressoar – em novas relações, é claro, mas, mesmo assim, os mesmos motivos.37

Ademais, Campbell entende que o mito possui quatro funções: 1) mística 2) cosmológica 3) sociológica e 4) pedagógica.

A primeira função, chamada de mística ou metafísica é a responsável por estabelecer uma conexão entre o indivíduo e a dimensão numinosa de (Karl Louis Rudolph) Rudolf Otto (1869 – 1937), o mysterium tremendum et fascinans. O mito faz com que o indivíduo transcenda todas as formas de conceitualização e interpretação, tudo aquilo que está para além da esfera do discurso e da nomeação, do ser e do não-ser, ao experienciar “as, por assim dizer, verdades eternas como meras referências”,38 ou seja, reconciliar a consciência com a existência; “é despertar e manter no indivíduo uma experiência de espanto, humildade e respeito, em reconhecimento daquele mistério último que transcende nomes e formas”.39 Em “nível primitivo” equivale ao terror demoníaco, enquanto no “nível mais elevado”, ao

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arrebatamento místico.40 Campbell evoca as imagens mitológicas do οὐροβόρος (ouroboros) e de की셍तिमुख (Kirtimukha), por exemplo, para representar a vida como consumidora de si mesma, como um conjunto de protoplasmas que dão continuidade a sua própria existência e a qual o sujeito tem de aprender a encarar; assim, esse é “o primeiro e mais essencial serviço de uma mitologia é este, o de abrir a mente e o coração à maravilha total de todo ser”,41 pois a mente humana é a zona mitogenética primordial.42 Essa reconciliação do ser com o cosmos, na mitologia tradicional, ocorria de três formas43: 1) positivamente, com a participação dos membros de uma comunidade nos rituais, principalmente no período pré- histórico; 2) negativamente, em que o mundo não pode ser corrigido em que o sujeito deve adaptar-se, como no budismo e no hinduísmo; ou 3) por correção, como nas religiões monoteístas e no Zoroastrismo, em que o mundo fora corrompido e o homem deve “decidir-se pelo bem, colocar-se de acordo com o bem, lutar pela justiça e pela luz, e corrigir a natureza”.44

A segunda função é a cosmológica. É o reconhecimento, apropriação e assimilação pela imaginação mitopoética45 das manifestações do universo, o modo como o mistério se comunica para seus indivíduos, resultando em uma concepção cosmológica, uma imagem do universo. Essa função surge a partir das diferentes concepções cosmológicas que se desenvolveram junto e de acordo com a experiência, a mentalidade e o conhecimento científico da época, “transformando o mundo em um ícone, para que seja radiante”.46 Campbell diferencia-as em três grandes estágios:47 1) as concepções de universo baseadas em proto-ciência e na observação objetiva, das tradições não-literais dos povos primitivos tribais; 2) as concepções impessoais que emergiram com as chamadas grandes civilizações, principalmente a partir do quarto milênio a.C. no Crescente Fértil, na região do Indo por volta de 2500 a.C., 1500 a.C. na China e por volta de 1000 a.C. no Peru e México, com o desenvolvimento da matemática, da escrita e dos estudos astronômicos; e 3) a era da mecanização e o estabelecimento de fronteiras, microestados e macroestados, com o avanço da ciência a respeito das dimensões e composições do universo, que dissolveu a cosmologia antiga que ainda fundamenta determinadas religiões vigentes.

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A terceira função busca “validar e manter certo sistema social específico”,48 é a função sociológica. A partir de uma definição cosmológica do universo, se torna possível estabelecer as leis morais e éticas, as convenções socioculturais pertencentes ao contexto local de uma determinada comunidade. São essas normas criadas em cima de um sistema mítico – como, por exemplo, a organização das cortes de alguns povos da Suméria, Egito e China que se estruturavam de acordo com a ordem dos planetas visíveis, mas também circuncisões, sub-incisões, escarificações e tatuagens, por exemplo – que moldam o comportamento dos indivíduos por meio de um “sistema de sentimentos”, de modo a integrá-lo organicamente em seu grupo,49 como num leito de Procusto – podendo resultar num rompimento com a natureza50 –, e mantém a sociedade integrada, assim como delimita-a, diferenciando-a de outros grupos. Tal função também dissipou a unicidade das sociedades que vivem sob os pressupostos de mitologias nacionais, raciais, religiosas ou classicistas.51

A quarta função, pedagógica, tem como foco a jornada psicológica individual, orientando-o “para o seu próprio enriquecimento e realização espiritual”.52 Da mesma forma que na função sociológica o sujeito é moldado socialmente, ele precisa também ser moldado individualmente para se conectar – i.e., harmonizar – e participar em sociedade. Os mitos são os responsáveis por ajudá-lo a passar “de maneira harmoniosa pelas inevitáveis crises da vida”,53 partindo da infância e o período de dependência dos pais, para a maturidade e a aquisição de responsabilidade, até a vida adulta e a auto suficiência, transformando sua psique - semelhante ao processo evolutivo do ciclo do herói (Trickster, Hare, Red Horn e Twins), descrito por Paul Radin (1883–1959).54 Essa função é principalmente fornecida por meio dos ritos de passagem, do batismo, da circuncisão e do casamento, por exemplo, e que parecem ter perdido paulatinamente tanto o seu valor quanto a função simbólicos e, consequentemente, geraram um aumento no número de neuroses. Assim, tal função auxilia

o indivíduo a encontrar seu centro e desenvolver-se integralmente em consonância d) consigo mesmo (o microcosmo); c) com sua cultura (o mesocosmo); b) com o Universo (o macrocosmo); e a) com aquele terrível e último mistério que está tanto fora, quanto dentro de si mesmo e de todas as coisas.55

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Por fim, Campbell pretendia chamar atenção para a relação mantida pelo mito entre os níveis metafísco, cosmológico, social e psicológico que, apesar de possuir regras próprias para cada sistema coletivo e individual, acabou perdendo a unicidade que “abria a porta” da experiência para a transcendência, a relação entre os três níveis cósmicos (macrocosmo, mesocosmo e microcosmo). Logo, a grande questão da mitologia enfatizada por Campbell era o modo de “relacionar essa verdade descoberta com o próprio viver da vida”,56 na busca de compreender essa conexão harmônica entre o mundo externo e interno do indivíduo, expressa em uma de suas máximas follow your bliss,57 em que o mito serve não somente como revelação de questões universais do homem, mas também como o próprio guia espiritual para a autocompreensão e para o entendimento de sua realidade. Assim, surgem dois tipos de mitologia,58 a mitologia do caminho da direita, a mitologia do complexo da aldeia, que mantém o membro no contexto do seu mundo, vivendo de acordo com as leis estabelecidas pela sociedade, produtora de mitologias locais; ou a mitologia do caminho da esquerda, em que o indivíduo sente uma incongruência com o sistema em que vive e se move para fora dele, um domínio de perigo, mas extremamente criativo, seguindo o caminho de sua própria bem-aventurança, onde não há regras, a jornada do herói, em que o indivíduo traz à vida potencialidades que são peculiaridades dele próprio.

No entanto, como aponta Segal, os argumentos de Campbell a respeito do mito mantiveram-se inalterados, mas não comprovados, desde o início de seus escritos, somente oferecendo uma série de exemplos que, por si sós, não são suficientes, devido à abertura interpretativa, também se contradizendo ou qualificando a própria visão dogmática, que são resumidos da seguinte forma:

que a sociedade moderna está em tumulto porque o homem moderno acha a vida sem sentido; que o homem moderno acha a vida sem sentido porque ele não tem mitos, o que por si só dá sentido à vida; que o homem moderno não tem mitos porque a ciência impede a sua aceitação dos mitos no nível literal; que o significado real do mito não é, no entanto, literal, mas sim simbólico; que o significado simbólico do mito é psicológico; que o significado psicológico do mito é junguiano; que, quando assim entendido, o mito é aceitável para o homem moderno; e que, quando aceito, o mito pode dar significado à vida e, assim, acabar com a turbulência da sociedade moderna.59

Ademais, como Segal ainda aponta, é importante distinguir as teorias do mito de Jung e Campbell

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Para Campbell e Jung, o mito funciona acima de tudo para ligar o humano ao inconsciente. Mas eles diferem sobre a ligação. Campbell, cujo conhecimento do inconsciente deriva da leitura de mitos, tem uma atitude imperiosa e desapaixonada em relação ao inconsciente. Ele procura usar o mito para enriquecer vidas humanas. Jung, cujo conhecimento do inconsciente decorre de um terrível encontro com ele, tem uma postura muito mais cautelosa e humilde. Enquanto ele também busca o enriquecimento do inconsciente, ele também teme o inconsciente, que ele percebe que pode superar aqueles que tentam controlá-lo. Onde Campbell pode convictamente defender a rendição ao inconsciente, Jung, trepidado com a perspectiva, promove apenas um "diálogo" com o inconsciente. Onde Campbell supõe que o ego de alguma forma permanecerá no lugar, Jung não.

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3.4.4 MIRCEA ELIADE

Mircea Eliade (1907–1986), romancista e historiador das religiões romeno, considerava Eranos um dos lugares mais frutíferos do período.1 Estudou primeiramente filosofia na Universidade de Bucareste e, por intermédio do Maharajah de Kasim Bazar, passou quatro anos na Universidade de Calcutá, na Índia, cujo pensamento filosófico-religioso tem grandes reflexos em sua abordagem a respeito da religião e do mito. Para Eliade, “mais que qualquer outra disciplina humanística (isto é, a psicologia, a antropologia, a sociologia etc.), a história das religiões pode abrir o caminho a uma antropologia filosófica”,2 o quê, no entanto, está também repleta de interpretações unilaterais advindas do século XIX – como as posições sustentadas por Sigismund Schlomo Freud (1856–1939) ou David Émile Durkheim (1858–1917), do complexo de Édipo ou do totemismo, respectivamente – que destituem o caráter multivalente da imagem ao reduzi-la em uma terminologia concreta,3 seja positivista, empirista, nacionalista ou historicista, destituindo o caráter autônomo da história da religião. Parece que somente com a obra Phänomenologie der Religion (1933) de Van der Leeuw (1890 – 1950), onde compara diferentes formas, experiências e práticas religiosas, que o estatuto da religião começa a ganhar uma abordagem científica própria. Eliade defende que, apesar de não existir fenômeno religioso puro – ou seja, devem ser também levados em consideração os estudos literários, folclóricos, psicológicos, teológicos, antropológicos, filosóficos etc. – deve-se analisar aquilo que lhe é próprio: o seu caráter religioso; no seu plano de referência; a fim de tanto “enfrentar as objeções dirigidas ao historicismo como tal”,4 quanto desenvolver hipóteses profundas que foram preenchidas pelas ciências anteriores. Neste contexto, Eliade propõe um novo humanismo ou uma nova antropologia – como uma metapsicanálise ou uma nova maiêutica5 –, em que a imagem deve ser estudada como um conjunto ou feixe de significações – nos seus significados e articulações –, como uma abertura para o mundo trans-histórico, que carrega consigo a substância da vida espiritual do homem.

O pensamento simbólico não é uma área exclusiva da criança, do poeta ou do desequilibrado: ela é consubstancial ao ser humano; precede a linguagem e a razão discursiva. O símbolo revela certos aspectos da realidade — os mais profundos — que desafiam qualquer outro meio de conhecimento. As imagens, os símbolos e os mitos não são criações

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irresponsáveis da psique; elas respondem a uma necessidade e preenchem uma função: revelar as mais secretas modalidades do ser.6

Figura 35 – Mircea Eliade (1907–1986).

Assim, estudando o pensamento simbólico expresso por meio das imagens, símbolos e mitos, se torna possível conhecer melhor o próprio homem em sua profundidade ontológica, pois ele é consubstancial ao ser humano. Sendo a imagem um meio de conhecimento, o principal interesse dos estudos de Eliade se encontra

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no “sagrado em sua totalidade”7 e não nos paradigmas que determinam o seu comportamento como irracional em oposição à racionalidade do positivismo do século XIX ou nas interpretações unilaterais abundantes na história das religiões. Não há uma separação rígida entre o espiritual e o material, mas é a partir da interpretação ou decifração – hermenêutica – desses conteúdos imaginativos que o autor busca investigar “a imagem de si mesmo formada pelo homem das sociedades arcaicas, e sobre o lugar que ele assume no Cosmo”,8 por uma compreensão da ontologia arcaica do homo religiosus.

Essa obsessão ontológica, segundo Eliade, surge a partir do estabelecimento de pares de opostos determinados por uma anulação da relatividade do espaço homogêneo do Caos e criação de uma heterogeneidade, chamada de dialética do sagrado, formada por uma contradição aparente entre o sagrado e o profano, o meio da linguagem poética e o meio da linguagem utilitária, cotidiana. Esse processo de sacralização do meio ocorre através da hierofania.

A hierofania, como o próprio termo sugere (ἱερός + φαίνω) é a manifestação do sagrado – i.e., quando algo de sagrado se nos revela9 – em objetos que pertencem à realidade cotidiana, atribuindo-lhes um significado e valor participativos na realidade sagrada, do ganz andere – o que para Jung se trata de uma projeção, do enriquecimento simbólico de um determinado objeto com conteúdos mais ou menos precisos do inconsciente sobre ele.10 No entanto, o objeto não perde sua carga profana nem é idolatrado; mas, ao contrário, se transforma em um paradoxo, porque se “toda a Natureza é suscetível de revelar-se como sacralidade cósmica”,11 todo objeto tem o potencial de sofrer uma hierofania e ser acrescido de um valor simbólico, para, assim, se tornar aberto, uma ponte para àquilo que o transcende, seja em maior ou menor grau, mas não perdendo suas características profanas; trata-se de um meio de obtenção do conhecimento a respeito da realidade e não uma forma de representação de uma qualidade dos fenômenos naturais que reduz as religiões às hierofanias, como no animismo de Tylor e Frazer. Além disso, apesar das formas de manifestação do sagrado variar tanto na heterogeneidade histórica documental – das “elites” religiosas, das massas incultas, civilizações desenvolvidas ou sociedades primitivas, por exemplo – quanto na heterogeneidade estrutural – mitos, ritos, superstições, símbolos etc. –, é essa mesma pluralidade que revela

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todas as modalidades do sagrado. Assim, apesar de apresentar inúmeras variantes hierofânicas – aquáticas, vegetais, celestes etc. –, Eliade se concentra em dois principais aspectos: 1) a teofania, quando um objeto manifesta uma divindade e 2) cratofania, quando um objeto manifesta uma força12 que é simultaneamente temida e venerada.

Quando uma manifestação do divino, do mysterium tremendum, majestas et fascinans, ocorre, cria-se um ponto fixo no espaço profano que corresponde a criação ontológica de um Cosmos, um centro, um axis mundi, que pode ocorrer ora de maneira apodítica – por meio da revelação de um sinal ao homem – ora por um evocatio – uma provocação causada pelo próprio homem em busca do sinal. Independentemente da forma a qual o homem busca tal manifestação, ambas têm por objetivo pôr fim à relatividade do terror da história através de um evento cosmogônico que, por sua vez, cria uma rotura de níveis, delimitando tanto os espaços quanto os tempos sagrados e profanos ao atribuir um significado para o mundo – posição refutada por Meletinski, pois o homem primitivo não teria consciência da luta contra o tempo histórico e tal pensamento faz parte de uma posição filosófica anti-histórica do período.13 Ao cosmizar a região homogênea do Caos, dando-lhe uma forma por meio de rituais, cria-se uma realidade saturada de significado, de modo que tanto essa realidade quanto o ser que a experiencia existam em um espaço vital – em um Lebensraum ratzeliano – que possua um significado, ou seja, pertencente ao domínio do sagrado. Para o homem religioso, segundo Eliade, se a realidade não fora criada por ele, ela é irreal par excellence, pois se encontra na ordinariedade do mundo, onde existe o predomínio do caótico; o homo religiosus deseja participar do ôntico. Ademais, porque o homem das sociedades arcaicas “não reconhece qualquer ato que não tenha sido previamente praticado e vivido por outra pessoa”,14 todo o seu comportamento representa um imitatio dei, uma gesta divina, uma repetição dos atos primordiais fundados por seus antecessores primordiais – deuses e Entes Sobrenaturais – in illo tempore, no illud tempus, de modo a participar da realidade transcendental formada em um Tempo mítico, no essencial. Boas já havia apontado tal relação, concluindo que a repetição de rituais particulares atribuídos originalmente às divindades “mostram claramente que o próprio ritual é o estímulo para a formação dos mitos”.15 Ademais, da mesma forma que para Campbell, essa cosmização é uma tentativa de compreensão do

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que se encontra além do mundo factual da qual o homem participa, permitindo-lhe conhecer-se ao conhecer o Mundo.16 Assim, a cosmogonia se torna o arquétipo – no sentido agostianiano de Eugeni d’Ors i Rovira (1881 – 1954) e não junguiano –, o protótipo mítico, o modelo exemplar de toda criação, do drama cósmico ocorrido primeiramente ab origine, in principio, naqueles dias, ou seja, em um instante primordial e atemporal.

Assim como vimos anteriormente, o espaço do sagrado não é escolhido, mas descoberto, revelado. Visto que o homem só consegue viver dentro da esfera do sagrado, ao consagrar um espaço mágico-religioso, ele delimita, a partir das suas concepções cosmogônicas, uma área onde “a natureza sofre uma transfiguração de que sai carregada de mito”.17 Cria-se, desta forma, um círculo mágico a fim de estabelecer a heterogeneidade dos espaços e evitar a penetração do profano exceto com os devidos movimentos de aproximação, ou seja, um rito iniciatório de travessia do limiar para a inserção na esfera do sagrado, em uma terra pura. Seguindo os cânones cosmológicos e geomânticos tradicionais, o homem constrói uma habitação, sua cidade, seus templos, um lugar onde pode existir em meio a profanidade, referindo-se às mesmas obras realizadas pelos seus deuses equivalentes no início da criação do Cosmo. Ou seja, a fundação do espaço sagrado é uma reprodução espacial da cosmogonia, a criação de uma imago mundi. Seja a construção das cidades, a edificação de templos, ou a montagem de altares, todas essas são formas de reprodução do mesmo arquétipo cosmogônico do monte cósmico, localizado no centro do mundo. Assim, cada elemento do sagrado também se torna um centro em si e o espaço transcendente constitui uma multiplicidade de centros, em todos os níveis cósmicos, de modo a interligar Céu, Terra e Inferno – tal como na visão de Black Elk,18 ou seja, todo lugar é o centro do mundo, funcionando como um axis mundi que se comunica com um centro produtor de sacralidade. Ademais, em contraposição ao mérito do rito de passagem, essa concepção da existência do sagrado nos mais diferentes níveis também coloca o homem numa postura de acreditar encontrar-se “sempre e sem esforço no coração do mundo”,19 de modo a superar sua postura humana e recobrar sua condição divina localizada em um momento diferente do presente, uma nostalgia do Paraíso.

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Da mesma forma que o espaço, o tempo se divide qualitativamente entre o tempo profano ou ordinário e o tempo sagrado. Com a irrupção de um acontecimento hierofânico, a duração profana do tempo é rompida e inicia-se um continuum ao nível do sagrado que acompanha a história. Do mesmo modo que todo objeto é potencialmente divino, “todo tempo é suscetível de se tornar um tempo sagrado”,20 retirando o homem de suas atividades essenciais – caça, pesca, colheita, agricultura etc. – e atribuindo um sentido aos acontecimentos que até então não representavam nada em sua existência. Desta forma, para o homo religiosus, a história é produto da sucessão de acontecimentos significativos, que têm por origem um começo absoluto na cosmogênese realizada por seus antepassados e permanecem em continuidade por meio da reatualização dos ritos, seguindo o modelo exemplar ad infinitum. Assim, o Grande Tempo, ou tempo sagrado “é por sua própria natureza reversível, no sentido em que é, propriamente falando, um Tempo mítico primordial tornado presente”;21 ou seja, repetindo o ato cosmogônico executado in illo tempore, o homem renova o cosmos ao reatualizar o tempo por meio de ritos. É uma sequência de eternidades. No entanto, não se trata somente de uma cessação na homogeneidade cotidiana, mas antes a própria abolição do tempo concreto do profano. Ao barrar o presente histórico, o homo religiosus une-se ao illud tempus, torna-o presente e participa contemporaneamente dos ritos como o destruidor e criador do Cosmo. Assim como ele possui uma nostalgia para viver no Paraíso, o homem tem uma nostalgia da eternidade. Essa regeneração cíclica do tempo por meio do sagrado – percebida primeiramente pelo homo religiosus dos tempos arcaicos nos fenômenos cíclicos da natureza – é o que Eliade chama de eterno retorno, conferindo ao homem uma origem e dimensão divina in principio através de uma restauração da integridade total, em que Cosmo e o homem são regenerados. Desta forma, podem-se destacar três características do tempo sagrado:22 1) periodicidade, 2) repetição e 3) eterno presente.

Por outro lado, para o homem não-religioso das sociedades modernas, tal tempo circular não tem interferência na sua existência. Sua vida está conectada à realidade da monotonia homogênea do tempo ordinário, em que variados ritmos temporais são experienciados, chamado de tempo contraído ou adquirido – como nos momentos de lazer, por exemplo – e se diferem do ritmo do trabalho e do tédio. Ele vive apenas na diacronia delimitada pela vida e a morte, no tempo histórico.

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Mesmo que para o homo religiosus também haja uma historicidade do Cosmo, vinculada ao sagrado, para o homem moderno não há nenhum aspecto divino que intervém em sua dimensão existencial; os objetos perdem sua realidade ao desconectarem-se de seus respectivos modelos arquetípicos. Nas palavras de Eliade, “tudo quanto aos olhos do homem moderno é verdadeiramente ‘histórico’, quer dizer, único e irreversível, é considerado pelo primitivo como destituído de importância, porque não tem precedente mítico-histórico”.23 Dessa forma, instala-se uma espécie de dessacralização que alterou todo o conteúdo da vida espiritual do homem moderno,24 instalando-se um refugo mitológico na zona mal controlada da imaginação, enquanto os mitos ganham um caráter fetichista.

Porque o sagrado se refere às realidades, a sua manifestação também deve ser. Portanto, o mito, como manifestação do sagrado, é verdadeiro em si; ele exprime “plástica e dramaticamente o que a metafísica e a teologia definem dialeticamente”.25 Apesar de concordar com a psicologia no fato de que o mito possui uma semelhança com as imagens mitológicas e as estruturas do inconsciente – que em si é muito mais poético, filosófico e mítico do que a consciência26 –, Eliade defende que “o modo de ser do mito é justamente que ele se revela como mito, ou seja, proclama que algo se manifesta de maneira exemplar”.27 A revelação da realidade manifesta é uma expressão de si mesma, da sua personalidade, e não uma projeção humana, ajudando o homem a se libertar das amarras do historicismo, revelando suas modalidades de ser.

Eliade acredita que uma definição de mito aceita por todos os eruditos e simultaneamente aceita pelos não-especialistas é improvável, pois se trata de “uma realidade cultural extremamente complexa, que pode ser abordada e interpretada através de perspectivas múltiplas e complementares”,28 ou seja, dificilmente abarcaria todas as suas funções em todas as sociedades tradicionais e arcaicas. No entanto, o autor se arrisca a uma definição menos imperfeita:

O mito conta uma história sagrada; ele relata um acontecimento ocorrido no tempo primordial, o tempo fabuloso do "princípio". Em outros termos, o mito narra como, graças às façanhas dos Entes Sobrenaturais, uma realidade passou a existir, seja uma realidade total, o Cosmo, ou apenas um fragmento: uma ilha, uma espécie vegetal, um comportamento humano, uma instituição. É sempre, portanto, a narrativa de uma "criação": ele relata de que modo algo foi produzido e começou a ser. O mito fala apenas do que realmente ocorreu, do que se manifestou plenamente. Os personagens

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dos mitos são os Entes Sobrenaturais. Eles são conhecidos sobretudo pelo que fizeram no tempo prestigioso dos "primórdios". Os mitos revelam, portanto, sua atividade criadora e desvendam a sacralidade (ou simplesmente a "sobrenaturalidade") de suas obras. Em suma, os mitos descrevem as diversas, e algumas vezes dramáticas, irrupções do sagrado (ou do "sobrenatural") no Mundo. É essa irrupção do sagrado que realmente fundamenta o Mundo e o converte no que é hoje. E mais: é em razão das intervenções dos Entes Sobrenaturais que o homem é o que é hoje, um ser mortal, sexuado e cultural.29

Dessa forma, Eliade diz se interessar pelo mito “vivo”, no sentido de que ele fornece os modelos exemplares – biológico, psicológico, espiritual etc. – para a conduta humana e está intrinsecamente conectado com o comportamento sócio- religioso das atividades humanas, “conferindo, por isso mesmo, significação e valor à existência”,30 observável de maneira mais intensa nas sociedades arcaicas do que nos mitos das religiões das grandes civilizações mediterrâneas e asiáticas. Daí surge a principal função do mito, ou seja, fornecer e “fixar’ os modelos exemplares de todos os ritos e atividades humanas significativas: alimentação, sexualidade, trabalho, educação etc.”.31 Ademais, como apontamos anteriormente, todo modelo exemplar aponta para uma cosmogonia e, consequentemente, independente de suas múltiplas aplicações – a cura, a criação poética, a introdução da criança na sociedade e na cultura etc.32 –, todo mito trata-se de uma história de criação, “revela como uma realidade veio à existência”.33

Por esses modelos se repetirem ad infinitum, ao serem reatualizados nos rituais em que os mitos são contados, o homem historicamente condicionado é projetado para além da existência individual no espaço e no tempo profano, para o mundo espiritual do sagrado e, assim, vive num eterno presente mítico. Desta forma, ao mesmo tempo em que a situação histórica é ultrapassada, uma estrutura do Tempo é revelada. Em outras palavras, “o mito implica uma ruptura do Tempo e do mundo que o cerca; ele realiza uma abertura para o Grande Tempo, para o Tempo sagrado”,34 trazendo consequências para os seus recitadores e ouvintes.

Eliade também diferencia o mito do conto e da lenda, adotando parcialmente a posição de Jan de Vries (1890 – 1964). Enquanto o primeiro, em sua maioria, é composto por deuses ou Entes Sobrenaturais – personagens que não fazem parte do cotidiano – e modificam a condição humana, as lendas e os contos são compostos por heróis ou animais miraculosos que não interferem na realidade do homem, no seu modo de existir no Cosmo. Por isso, os mitos, em sua maioria,

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devem ser contados em um lapso de tempo sagrado. Porém, dificilmente será possível estabelecer uma linha de separação entre ambos, uma vez que mitos e contos dependem de seu local e situação original, em que “aquilo que se reveste de prestígio de mito em uma tribo será apenas um simples conto na tribo vizinha”,35 por exemplo.

Concluindo, o mito como uma criação autônoma do espírito jamais poderá ser extinto pelo homem, independentemente dos processos de dessacralização observados desde os gregos no Ocidente, em que “podemos camuflá-los, mutilá- los, degradá-los, mas que jamais poderemos extirpá-los”;36 pois mesmo sua degradação ou sobrevivência não destitui sua estrutura nem seu valor – apodíctico – que se constroem na sua própria repetição. É somente por meio da experiência do sagrado através de suas manifestações míticas que o homem é capaz de superar a história e identificar-se na realidade de modo a compor uma unidade com o meio em que habita.

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3.5 IMAGINÁRIO

Conforme aponta Wunenburger, o termo imaginário parece surgir com François- Pierre-Gontier Maine de Biran (1766–1824) em 1820 ou com Alphonse Daudet (1840–1897) e Auguste Villiers de L'Isle-Adam (1838–1889), relativo a um domínio do espírito humano que provoca efeitos na capacidade do homem de criar imagens na mente.1 O termo ganhou inúmeros significados ao longo dos séculos – resultante de uma falsa luz sobre a etimologia2 –, sendo tanto confundido com imaginação e imagética, quanto relacionado à inúmeros outras palavras, como mitologia, mentalidade, ideologia, ficção, temática, etc. Tal concepção ganhou destaque com os estudos da psicologia, com Jacques-Marie Émile Lacan (1901–1981) e Carl Gustav Jung (1875–1961), assim como na filosofia, de a Henri-Louis Bergson (1859–1941), Jean-Paul Charles Aymard Sartre (1905–1980), que dedicou duas obras à questão – L'Imagination (1936) e L'Imaginaire (1940) –, a Jean-François Lyotard (1924–1998) e Gilles Deleuze (1925–1995). Ganhou também destaque com os estudos hermenêuticos de Martin Heidegger (1889–1976), Hans-Georg Gadamer (1900–2002) e Jean Paul Gustave Ricœur (1913–2005) e com a antropologia e a sociologia francesa de Claude Lévi-Strauss (1908–2009) e David Émile Durkheim (1858–1917), respectivamente.

No entanto, podem ser apontadas duas concepções principais a respeito do imaginário, que variam de acordo com a função atribuída a ele: 1) a primeira e mais antiga, diz respeito a uma faculdade individual caótica e irreal, vista como algo restrito ou estático, criadora de imagens espontâneas ficcionais e passivas, tidas como produtos negativos e distorcidos da experiência; e 2) a segunda abordagem, que tem início em meados do século XX, coloca o imaginário como um conjunto sistêmico aberto e dinâmico de imagens que seguem um princípio tanto coletivo quanto individual. O imaginário começou a ganhar um sentido holístico, mais próximo dos resultados advindos da percepção entre o homem e o meio, como a totalidade das experiências colocadas em dinamismo por meio das produções humanas mentais e materiais, individuais e coletivas, que seguem uma semântica própria, ultrapassando a mera definição de uma instância produtora de imagens com carga afetiva, emocional que formam delírios, devaneios, ficções, fantasias e mitos. Nas palavras de Wunenburger, imaginário é

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um conjunto de produções, mentais ou materializadas em obras, com base em imagens visuais (quadro, desenho, fotografia) e linguísticas (metáfora, símbolo, relato), formando conjuntos coerentes e dinâmicos, referentes a uma função simbólica no sentido de um ajuste de sentidos próprios e figurados.3

Essa mudança decisiva para uma perspectiva que coloca o imaginário como um sistema dinâmico surge com “quatro contribuições principais [que] permitiram assentar os fundamentos de uma nova teoria da imaginação e do imaginário que podem ser consideradas sólidas aquisições”.4

A primeira perspectiva aparece com Gaston Bachelard (1884–1962), que ao renovar as perspectivas epistemológicas da ciência, até então positivistas e cartesianas, separando sujeito e objeto, valoriza a imaginação como uma instância de conexão entre o sujeito e o mundo, não somente produzindo imagens com uma riqueza que transcende o realismo empírico, mas transformando a própria realidade.

Em segundo, influenciado pela fenomenologia husserliana e a hermenêutica heideggeriana, Henry Corbin (1903–1978) se utiliza de um termo correlato, imaginal, para denominar um mundo ou domínio autônomo de espiritualidades místicas e imagens visionárias criadas pelo e dissociadas do sujeito, além de imagens criadas espontaneamente pela imaginação humana inerente –, mas que ambas são experimentadas, tornando presente uma realidade ontológica transcendente que conecta o mundo inteligível com o mundo sensível.5

Em terceiro, já apontado anteriormente, Jean Paul Gustave Ricœur, sob uma abordagem filosófica-hermenêutica e partindo da poética aristotélica, renova tanto os estudos da linguagem quanto o saber científico ao explorar a metáfora viva como um poder de mudança de significado ao suspender ou inverter a denotação, o sentido primeiro das palavras e do discurso, retirando um significado oculto dos símbolos, suspendendo a realidade, em que “toda potencialidade adormecida de existência parece como eclodindo, toda capacidade latente de ação, como efetiva”.6

Por último, amplificando a noção bachelardiana, Gilbert Durand (1921–2012) desenvolve uma Teoria Geral do Imaginário, em que, preocupado em estabelecer uma terceira via entre o estruturalismo e a hermenêutica,7 cria tanto um método classificatório do imaginário, que considera a dinâmica das imagens na relação mantida entre sujeito e o meio e em seus aspectos coletivos e individuais, quanto

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evidenciar o desenvolvimento contextual e histórico de imagens e diferentes imaginários completos, chamado de mitodologia. O autor também é o responsável pela criação do Centres de Recherche sur L’Imaginaire (1966), na École Française de Grenoble.

Em sequência, dedicamos um estudo mais aprofundado de duas dessas perspectivas – Bachelard e Durand – para ilustrar a renovação dos estudos do mito segundo uma abordagem sistêmica, que, ao passo que não nega o caráter irreal e ficcional das narrativas míticas, busca identificar em suas produções uma lógica ou alógica – em termos durandianos –, que anteriormente era atribuída somente às “faculdades racionais humanas”, que permite estudar as produções humanas, de modo que essas ampliam e influenciam a realidade do homem.

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Figura 36 – Gaston Bachelard (1884–1962).

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3.5.1 GASTON BACHELARD

A primeira dificuldade se encontra em situar o pensamento de Gaston Bachelard (1884–1962) em meio às correntes e escolas tradicionais da filosofia, principalmente porque a sua obra geralmente é dividida em dois pólos do pensamento, que enfatiza tanto uma ordem metodológica e epistemológica da ciência quanto da não-ciência, do imaginário.1 Assim, por um lado têm-se os estudos de epistemologia-diurnos- formais, que tem por foco uma reflexão crítica sobre a razão e o materialismo científicos, de modo a reformular conceitos, ideias e teorias em uma história da ciência que considera o desenvolvimento de um “novo espírito científico” surgido do contato do sujeito com a matéria; e por outro lado, os estudos de poética-noturnos- dinâmicos2 de uma metafísica e uma fenomenologia da imaginação. No entanto, esses modos de pensamento, de um espírito científico taciturno e o outro poético expansivo, não são nem excludentes nem polarizantes, cabendo à própria filosofia o papel de estabelecer a complementaridade recíproca entre ambos,3 mas que é ironizada por Bachelard devido a rigidez das perspectivas das ciências de seu período:

Do modo que o mundo é feito, proíbe-se naturalmente o sorriso a um filósofo que está estudando alternadamente a razão e as imagens: se ele é racionalista, não é obrigado a se dedicar à seriedade, ao rigor, à rigidez da razão, e se quer estudar o onirismo, como ousa desviar-se do entusiasmo e largam o tom inspirado? E no entanto há tantos problemas medianos! A racionalização muitas vezes é o contrário da racionalidade, e a imaginação vai amiúde do tom convencido ao tom engraçado.4

Essa segunda vertente do pensamento bachelardiano – noturna – surge como uma contestação ao paradigma substancialista e nominalista da psicanálise como um ciência “brutal, cirúrgica, [...que] separa num ápice as convicções inconscientes das convicções racionais”,5 cujas interpretações dos símbolos, que, salva sua proteiformidade, possui um significado psicológico absorvido pela historicidade da vida efetivamente vivida, um centro fixado em um conceito sexual,6 que os define e ignoram o seu campo imaginativo. O autor defende, em completo a ideia do espírito científico, uma autonomia do simbolismo, que resiste materialmente ao homem e não pode ser solucionada aos limites de uma topologia psíquica, limitada à análise de psiquismos simplificados, mas somente por uma dinamologia psíquica que retira disfarces inocentes e revela complexos profundos.7

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Como afirma Freitas, “desse modo, há uma revitalização do materialismo imaginário expulso da ciência racionalista”8 e, em contraposição à estrutura lógico- dialética de Aristóteles e ao método cartesiano, que apenas diz respeito à percepção e à memória, Bachelard discorre a respeito de uma anterioridade das imagens sobre as abstrações – i.e., ideias – colocando a experiência no patamar de fator determinante para formação da imaginação. A partir das tessituras de relações entre a complexidade do real e o onirismo dos arquétipos, o homem cria quase que naturalmente as imagens que constituem a sua imaginação, o psiquismo humano, até que a própria imagem amplie-se junto com o seu significado, trazendo consigo o signo do infinito e criando um estado de alma particular no sujeito, o devaneio.9 Não devemos, no entanto, confundir essa expansão do real proporcionada pelos devaneios poéticos da matéria, por meio da imaginação, com um duplicado imagético representativo, mas sim como um crescimento contínuo, uma amplificação do próprio real. Portanto, para o autor, deve-se “recolocar as imagens na dupla perspectiva dos sonhos e dos pensamentos”,10 relacionando as experiências diurnas – de uma mente racionalista e realista – e a vida noturna, considerada residual ou sequelar – ao nível dos sonhos.

Assim, a imagem já nasce como uma totalidade, uma psicossíntese imaginária – ao contrário do atomismo figurado –, que traz as marcas do sujeito e dos objetos, podendo conter valores contrários e não possuindo dimensões definidas. Elas são forças ou realidades psíquicas primárias, mais fortes que ideias e as próprias experiências reais,11 que podem se tornam a matéria-prima da imaginação. Bachelard pretendia formular uma fenomenologia da imaginação, que vai de encontro às propostas fenomenológicas então vigentes que apontavam imagens somente como fenômenos derivados da visualidade, ao apontá-las como “um produto direto do coração, da alma, do ser do homem tomado em sua atualidade”.12

Assim, para Bachelard, concordando tanto com Carl Gustav Jung (1875–1961) quanto com Robert Desoille (1890–1966), as imagens mais primitivas advém das profundezas do inconsciente, definidas pelos arquétipos, já citados anteriormente como um dos pólos de relação, como símbolos motores, uma série de grandes imagens isomorfas das profundezas do psiquismo humano, que servem naturalmente como metáforas umas das outras, polarizando os mesmos interesses

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e debilitando qualquer paradoxo por uma capacidade de assimilação ou verossimilhança – pois a conjunção ou não existe no inconsciente.13 No entanto, em sua espontaneidade psíquica, nos sonhos e devaneios, essa imagem primordial se torna uma imagem natural e primeira, denominada como princeps, não tida como um conceito, mas como a sublimação do arquétipo, se encontrando sempre em um duplo movimento ambivalente e manifestando ou multiplicando-se em diversos modos materiais nas atividades humanas, projetadas ora no universo ou nas profundezas do próprio sujeito14 – pois, apesar de poderem ser percebidas em um âmbito coletivo, elas também existem no cubículo de um sonhador, onde “os objetos familiares tornam-se mitos de universo”.15

Para Bachelard, a imaginação, apesar de sua função irreal, é ela que comanda o seu realismo, pois não se trata de “uma faculdade de ilusão, não quer enganar-se a si mesma assumindo o papel dos atletas que trabalham com halteres ocos”.16 A imaginação “nada mais é senão o sujeito transportado às coisas”,17 “a força de unidade da alma humana”.18 Como uma deformadora de imagens da percepção, alterando as imagens primeiras – princeps – e determinando “uma prodigalidade de imagens aberrantes, uma explosão de imagens”,19 a imaginação capta as diversas formas de manifestação da matéria, de modo a compor um sujeito tonalizado, cujo vocabulário fundamental não é imagem em si, mas imaginário, aquilo que faz da imaginação aberta, evasiva. No entanto, as forças imaginantes se desenvolvem em suas linhas:

Umas encontram seu impulso na novidade; divertem-se com o pitoresco, com a variedade, com o acontecimento inesperado. A imaginação que elas vivificam tem sempre uma primavera a descrever. Na natureza, longe de nós, já vivas, elas produzem flores.

As outras forças imaginantes escavam o fundo o ser; querem encontrar no ser, ao mesmo tempo, o primitivo e o eterno. Dominam a época e a história. Na natureza, em nós e fora de nós, elas produzem germes; germes em que a forma está encravada numa substância, em que a forma é interna.20

Essas forças imaginantes correspondem ao papel desempenhado respectivamente pelas imaginações material e dinâmica, e formal, respectivamente, que seguem um papel hierárquico no psiquismo humano, que parte das formas à substancialização e dinâmica da matéria, quando a imaginação “quer que seu elemento favorito impregne tudo, quer que ele seja a substância de todo um mundo”,21 imprimindo sua marca específica, mas que todas são necessárias “para

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compreender o objeto em sua força, em sua resistência, em sua matéria – numa palavra, em sua totalidade”.22

A imaginação formal é a imaginação clara e reprodutora, que dá vida a causa formal, ou seja, como característico da vida desperta do homem, racionaliza as imagens por meio da linguagem em um processo de conceitualização. A imagem, portanto, é meramente reduzida a sua forma, em um conceito poético, vago e impreciso, como um conceito retórico que remonta a outro em uma série contínua, sem levar em consideração o seu contexto e suas variedades, ou seja, “formando, com imagens de múltiplos objetos semelhantes, um retrato compósito segundo o método de Galton, que adiciona numa mesma chapa fotográfica os retratos de toda uma família”,23 que Bachelard determina como a lei da composição. Desta forma, a imaginação das formas repousa em seu fim, “uma vez realizada, a forma se enriquece de valores tão objetivos, tão socialmente intercambiáveis, que o drama da valorização se distende”.24

No entanto, a imaginação só compreende uma forma ao transformá–la, quando o “nosso desejo imaginário se liga a uma forma imaginária preenchida com uma matéria imaginária”,25 pois as formas se desgastam mais que as forças, elas são perecíveis. Assim, diferente, porém é a imagem tida na sua forma mais pura, nos sonhos e devaneios, de onde é possível extrair os seus verdadeiros elementos e movimentos, onde é possível pensar, sonhar e viver a matéria da imaginação. No entanto, toda matéria imaginada se torna imagem de intimidade, transcendendo o caráter imediato das sensações e tendo sua substância transformada em valor, substancializam um interesse.26

Quando se encontrou a raiz substancial da qualidade poética, quando se encontrou realmente a matéria do adjetivo, a matéria sobre a qual trabalha a imaginação material, todas as metáforas bem enraizadas desenvolvem-se por si mesmas. Os valores sensuais – e não mais as sensações –, uma vez ligados a substâncias, fornecem correspondências que não enganam.27

Assim, a imaginação material, ao contrário da formal, abre os porões da substância, resgata imagens delineadas, adormecidas e mais profundas, mas não se deixa desviar pelas multiplicidades das imagens materiais do mundo. No entanto, ela é particularizadora, pois “sonha na substância, nas forças profundas da substância, nas virtudes do mundo concreto”,28 ao passo que entrega ao homem as

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riquezas desconhecidas de uma matéria transitiva de valores em suas mais variadas oscilações. Deste modo, a imaginação material elege uma matéria como o seu centro, pois “toda fenomenologia revela uma ontologia, todo fenômeno tem sua substância”.29

A adesão imaginária a uma matéria requer da imaginação sobretudo uma afirmação de algum modo tautológica que ligue imediatamente o substantivo ao adjetivo. É preciso que a substância realize sua qualidade, que nos faça viver a posse de sua riqueza própria.30

Essa adesão é dada por uma matéria, um elemento que substancializa a forma, mas que, em realidade, diz respeito a um sentimento humano primitivo, a um temperamento onírico fundamental. Existe uma relação entre o sujeito e a matéria, pois “a imaginação, numa imagem sinceramente evocada, acarreta a participação profunda do ser”,31 suscitando a criação e multiplicação de imagens heterogêneas que devem ser separadas de acordo com os seus traços míticos persistentes, agregando-os em grandes sínteses ou analogias oníricas que garantem uma regularidade na imaginação e fornecem-lhe os hormônios que fazem o sujeito crescer psiquicamente. Para Bachelard, a fisiologia da imaginação é determinada e dada por princípios oníricos das substâncias alquímicas ou uma tetralogia das substâncias – água, fogo, terra, ar –, que funcionam como as matérias-primas da imaginação sob a lei da combinação, que podem ser somente unitárias ou binárias e nunca ternárias ou quaternárias.32

O sujeito, na tentativa de entrar na intimidade da matéria do objeto inerte, por meio da percepção, forma uma espécie de concreção moral que precisa ser dissolvida, pois ele, obedecendo os princípios de uma filosofia idealista, torna-se responsável pelo mundo criado na imaginação.33 No entanto, a matéria não é inerte e pantomima.34 Ela se desprende da sua relatividade, a fim de vivenciar uma dialética dinâmica e ganhar novos significados, transformando ou transmutando-se, até entrar em uma rede de metáforas que multiplicam as significações a ponto de os primeiros signos não terem mais sentido.35 Como a imaginação material contém uma espécie de batalha na substância agitada,36 a imagem material também reclama ser imaginada em profundidade. Ela resiste e recusa-se a uma redução objetiva, reclamando também a participação íntima do sujeito,37 na tentativa de o enraizar em seu universo, pois “toda matéria conglomera suas qualidades, atrai para si tudo que pode acentuar as suas qualidades”.38 Cria-se, então, em resposta, uma

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adversidade, um animismo dialético que divide a imaginação em dualidades, princípios contrários (água-fogo, masculino-feminino, anima-animus, dia-noite, luz- trevas, céu-terra etc.) que o homem, como um drama simbólico, deve travar uma luta contra as forças imaginadas e viver um devaneio primitivo, natural e solitário, cujas fantasias da imaginação são projetadas no meio material, a fim de restituir a função primária da imaginação, ou seja, a valorização das trocas materiais entre o homem e a realidade.

Assim, a fenomenologia da imaginação não se revela como uma relação existencial, mas como uma dinamologia. É esse processo de apreensão da matéria e sua moldagem pela imaginação, que dará vida à imaginação dinâmica, dando poder à matéria, de forma semelhante ao processo de hierofania de Eliade. (cf. supra, p. 213).39 Assim, a imaginação do ter ultrapassa sistematicamente a positividade do ter.40 No reino da imaginação, a resistência da matéria proporciona um devaneio dinâmico, pois

a simples existência é então como que recuada, é apenas uma inércia, um peso, um resíduo de passado, e a função positiva da imaginação equivale a dissipar essa soma de hábitos inertes, a acordar essa massa pesada, a abrir o ser para novos alimentos. A imaginação é um princípio de multiplicação dos atributos para a intimidade das substâncias.41

Para Bachelard “a imaginação dinâmica [ou eficiente] é um amplificador psíquico”,42 ou seja, aquilo que revela o caráter simbólico da vida pelo meio objetivo. A importância psíquica dinâmica das imagens depende dos desnivelamentos que elas instituem recolocando em marcha, em vida, o que está oculto nas palavras,43 por meio de ambivalência de ideias e não uma antítese de ideias, tal como “uma metáfora total que transpõe os dois termos filosóficos do sujeito e do universo”,44 pois a metáfora, para Bachelard, é um fenômeno da alma poética de da própria natureza, “uma projeção da natureza humana sobre a natureza universal”.45

Ademais, com seus estudos sobre imaginação, Bachelard objetivava “preparar uma doutrina da imaginação literária”,46 fundamentando-se sobretudo na poesia e nos sonhos, e subsidiariamente no folclore. Seu foco se encontra na literatura e na poesia como um rompimento da realidade, ultrapassando o pensamento, ao criar um tecido temporal da espiritualidade, que possibilita, no simples exame das imagens literárias, “uma ação eminente da imaginação”.47 A imaginação literária

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continua uma função profundamente humana, a de criar mitologias naturais, dialetizando antigas imagens com um toque de originalidade, atuando como um folclore moderno, folclore no ato:48

É muito interessante aliás ver que essas mitologias naturais formam-se no ato literário mais simples: na metáfora. Desde que a metáfora seja sincera, desde que envolva o poeta, recuperamos a tonalidade do encantamento, de modo que se pode dizer que a metáfora é o encantamento moderno.49

Um crítico literário geralmente explica ideias e sonhos por ideias, mas esquece de explicar sonhos pelos próprios sonhos, pela sua própria matéria.50 Ao contrário, uma verdadeira crítica literária não deve racionalizar a literatura, colocando razões, sejam racionalizações vagas ou inconscientes, onde haviam sonhos, distendendo as imagens míticas e amortecendo os ímpetos míticos, trabalhando com meras imagens das percepções. Ela deve captar essa realidade literária em suas relações com uma realidade material bem definida, pois, somente “a imaginação material e a imaginação dinâmica podem criar verdadeiros poemas”,51 possibilitando o isolamento de uma mitologia debilitada, ora ingênua ora astuciosa, que nada deve aos conhecimentos adquiridos, mas a revelar uma adesão pessoal à atividade de lenda, quando a linguagem ultrapassa o nível do real com a criação de imagens sinceras.52

Assim a participação dinâmica na vida universal em nós e fora de nós, por ínfima que seja, nos fornece, não só diante da natureza mas também diante dos fenômenos do homem, os elementos de uma mitologia nascente, de uma mitologia cotidiana, de uma mitologia que gostaria ainda de servir, longe de todo pensamento pedante, como uma força criadora de metáforas essenciais.53

Literatura e poesia não devem ser pensadas, pois ela não é o sucedâneo de nenhuma outra atividade,54 mas devem povoarem-se de imagens reimaginadas, pois a imagem literária é “a imaginação em sua seiva plena, a imaginação em seu máximo de liberdade”,55 trabalhando em dois dois sentido num eixo que vai do orgânico ao espiritual, “sem jamais se satisfazer com um único plano de realidade”56 – essa ideia parece refletir posteriormente no trajeto antropológico durandiano (cf. seq., p. 242). A função de ambas é reanimar uma linguagem criando novas imagens verdadeiramente mútuas nas quais se intercambiem os valores imaginários, transpondo as diferenças da realidade,57 sugerindo ao invés de descrevê-la, ao contrário da conceitualização de meros termos unidos contiguamente - tal como os gramáticos -, pois a imagem “é menos social do que o conceito, é mais apropriada

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para nos revelar o ser solitário, o ser no centro de sua vontade”.58 Ela se desenvolve incessantemente no mundo das metáforas, devendo conhecer os excessos da expressão delirante,59 tendendo simultaneamente ao conhecimento racional e evadir-se de remotas metáforas, e evidenciando a dialética entre o íntimo e o objetivo, a palavra significante e a palavra valorizante.60

A poesia também cria uma atmosfera ramificada de significados ao descartar as imagens imediatas da percepção, dizendo tudo em poucas palavras dentro de um cacho de imagens, onde “uma espécie de mitologia imediata entra em ação nas contemplações do poeta, no devaneador que vai contar suas visões”.61 Ela é uma “metáfora duas vezes verdadeira: verdadeira em sua experiência e verdadeira em seu impulso onírico”,62 elucidando o sonho das coisas.

Do mesmo modo é o tratamento da mitologia por Bachelard, apesar do autor não ter “a pretensão de proporcionar, por uma via tão oblíqua, qualquer contribuição à mitologia erudita”.63 O autor prefere a mitologia primitiva que é reencontrada pelos poetas e seguem o seu onirismo profundo, no inconsciente e realizado pelo próprio inconsciente, numa “contemplação ativamente mitológica que ultrapassa a mitologia de significação”,64 quando interpretados segundo apenas uma imaginação formal, recebendo suas atribuições alegóricas, sempre sob o signo do artifício, tal como no estilo descritivo do geógrafo. As narrativas muito circunstanciadas perdem-se os seus valores míticos, sufocadas por explanações,65 tendo suas ressonâncias oníricas abafadas e suas interpretações mutiladas,66 pois, diferente das explicações descritivas científicas, “o mito quer que os objetos sejam explicados pelo mundo”,67 mas, como resultado da própria história, “ao envelhecer, os mitos declinam, seu onirismo se destonaliza”.68 Deste modo, as imagens literárias devem restaurar da mitologia os seus valores de síntese e de troca ao enfatizar a noção de duplo, suscitando “simultaneamente as perspectivas objetivas e as ressonâncias subjetivas numa única imagem”,69 não se limitando ao campo formal ou ao significado social dos símbolos, mas vivendo “num estado de mitologia solitária, de mitologia individual, envolvendo-nos dinamicamente no mito com a unidade de nossa vontade sonhadora”.70 Assim, “talvez fosse melhor escutar, em vez do mitólogo que sabe, o mitólogo que reimagina, antes de uma mitologia tardia, a mitologia espontânea”.71

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3.5.2 GILBERT DURAND

Dando continuidade a fenomenologia bachelardiana, Gilbert Durand (1921–2012), na linha da hermenêutica simbólica ou instaurativa, foi membro do Círculo de Eranos e co-fundador, juntamente com Léon Cellier e Paul Deschamps, do Centre de recherche sur l’imaginaire (CRI) ou École de Grenoble. Dedicou seus estudos principalmente sobre a questão do imaginário nos seus mais diversos aspectos biopsicossociais, por meio de uma antropologia filosófica, que resultou na sua Teoria Geral do Imaginário; por um lado, evidenciando os traços mítico-arquetípicos nas atividades humanas; por outro, o desenvolvimento de um método – mitodologia – para crítica e análise dos textos na e da cultura; revitalizando o papel do imaginário, da imaginação e do mito na sociedade de seus aspectos negligenciados advindos dos paradigmas racionalizantes da tradição ocidental. Apesar de resgatar e realçar esse valor mítico, para entendermos a importância do mito na obra do autor e sua própria definição do termo, teremos que esboçar alguns outros conceitos que ele desenvolvera ao longo dos anos em que se debruçou sobre o estudo do imaginário.

Em contraposição à arbitrariedade sartriana e saussuriana, e as perspectivas sociófugas, sociópetas e psicológicas que reduzem ora a imaginação à normatizações linguísticas, ora aos mecanismos pulsionais e repressivos, Durand defende uma homogeneidade entre o significado e o significante da imagem que é capaz de seguir uma semântica própria e compor, assim, um dinamismo organizador da imaginação – ideia já defendida por Bachelard. O imaginário, por sua vez, como aponta Strôngoli,1 é o modo como ocorrem as operações de atualização da faculdade imaginativa a fim de perceber a natureza e a cultura e estabelecer sua semântica. Durand, ao longo de suas obras, definirá o imaginário de diversas formas, ora como um museu ou reservatório concreto composto por “todas as imagens passadas, possíveis, produzidas e a serem produzidas”;2 uma faculdade de simbolização que faz jorrar continuamente os medos, esperanças e frutos culturais humanos;3 ora como um tecido conjuntivo, um lugar entre-saberes;4 ou ainda como “o grande denominador fundamental onde se vêm encontrar todas as criações do pensamento humano”,5 para citar somente algumas de suas definições. Essa estruturação imaginária, que pode ser encontrada em todos os níveis das ciências do homem, é garantido pela qualidade do conteúdo semântico6 ou

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homologia – termo tomado de Robert Desoille (1890–1966) –, que não exclui nem engendra a plurrisignificação da matéria imaginal, mas trata-se do resultado de um processo recíproco entre a experiência subjetiva e a objetividade semântica e, consequentemente, impede o “engavetamento” dos significantes em categorias rígidas e estruturas abstratas, afastando-se do paradigma estruturalista greimasiano e lévi-straussiano. Denominando-se um estruturalista mitigado ou figurativo, Durand evidencia os vários termos em alemão para denominar diferentes tipos de estrutura – Aufbau, Gestalt, Form – e opta pelo uso de Aufbau, estruturas dinâmicas que por forças concretas materializam formas – em oposição ao uso francês structure que cai facilmente no termo forma.7 Assim, Durand buscou examinar o imaginário desde a formação de suas estruturas arquetípicas-míticas até as suas manifestações em representações simbólicas no pensamento e nas atividades humanas.

Em oposição à ontologia particularista psicanalítica, Durand acredita que o início do processo formativo do imaginário deve partir da “vertente da individualidade biológica, ou seja, do lado da universalidade biológica da espécie”8 ao meio material e social, e vice-versa (cf. seq., p. 242), e, para sustentar o primeiro, se utiliza dos estudos psicofísicos e neurobiológicos de anatomofisiologia da escola russa de fisiologia objetiva, ou reflexologia – iniciados por Ivan Mikhailovich Sechenov (1829– 1905) e Ivan Petrovich Pavlov (1849–1936), mas principalmente no que concerne aos trabalhos da Escola de Leningrado9 – e amparado pelos estudos de zoologia e etologia,10 para sustentar um ponto de partida analítico e formalizante da formação e interiorização das imagens simbólicas a partir da dinâmica dos reflexos ou gestos dominantes e suas combinações que, apesar de serem princípios organizadores sensório-motores, são séries isomorfas irredutivelmente plurais. Os aspectos psicológicos seriam segundos em relação aos aspectos biológicos e sociológicos, as entradas e saídas infrapsíquicas do processo. Esses gestos foram estudados tanto em animais quanto em humanos, com exceção do último – que se restringiu ao macho da rã adulta – e se dividem em: 1) gestos posturais, relacionados à verticalidade e horizontalidade 2) gestos digestivos, associados à nutrição, sucção, deglutição e defecação, e 3) gestos copulativos, sexuais ou cíclicos, aparecem nos períodos de cio e secreções hormonais. Essas matrizes anatomofisiológicas serão o meio pelo qual as representações simbólicas – Urbilder – vão integrar-se no

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indivíduo ao assimilar a percepção aos gestos dominantes, presentificados através dos schémes.

Figura 37 – Gilbert Durand (1921–2012).

O schème é a “generalização dinâmica e afetiva da imagem”,11 o responsável por traçar uma relação entre o ser e o ambiente, correlacionando-os de forma a constituir um esqueleto dinâmico, de modo a interiorizar as representações concretas e transitivas dos gestos dominantes por meio da percepção. Tomando por

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base a equação força + matéria = instrumento, de André Leroi-Gourhan (1911– 1986),12 Durand assume que o gesto, ao implicar uma matéria e uma técnica, “suscita um material imaginário e, senão um instrumento, pelo menos um utensílio”.13 Assim, por exemplo, o schème que conecta o gesto dominante postural com o ambiente traduz-se em matérias imaginárias que os associam, formando um grande esquema que compreende as imagens de divisão, separação, ascensão e queda, por exemplo. Desta forma, a partir desses schèmes de harmonização entre a força dos gestos e a materialidade ambiente biossociocultural, desse dinamismo figurativo, se formarão os arquétipos como as matrizes imaginárias do pensamento.

Durand concorda com Jung no sentido em que o arquétipo, ou o padrão verbal, é primeiro,14 mas que, em relação ao processo metafísico, ele é segundo, pois é pelo impulso de um schème que ele se forma e se adequa. Como vimos anteriormente, para Jung, os arquétipos são modelos de comportamento que se constroem num longo processo biológico evolutivo, juntamente com o corpo e em conexão com o ambiente, dando origem às estruturas primordiais coletivas da psique – mais especificamente, do inconsciente coletivo –, que são transmitidas hereditariamente pelos sujeitos através do tempo. Durand reconhece tal contato entre o homo sapiens e o ambiente biossociocultural, mas que tal processo só é permitido porque o homo sapiens já carrega junto com sua formação filogenética, certas estruturas (gestos) que mantém uma relação de correspondência com o ambiente, que ao entrarem em contato com o mesmo, dão origem – numa primeira Erfüllung – às matrizes do pensamento, os arquétipos. Tal tese pode ser confirmada com os princípios da própria elaboração junguiana, em que os arquétipos são visíveis inclusive em animais sob a forma de instintos para a sobrevivência. O arquétipo, nesse sentido, passa a ser um “intermediário entre os esquemas subjetivos e as imagens fornecidas pelo ambiente perceptivo”,15 um dinamismo figurativo, longe de ter uma origem teológica – o que Durand chama de angelismo, assim como criticara nas abstrações estruturalistas –, dividindo-o em três níveis esquemáticos. O primeiro nível, verbal, corresponde ao nível da potencialidade, da possibilidade, de vir a ser preenchido com imagens, “é algo que exprime uma ação que tanto pode ser ativa quanto passiva”,16 mas que, por sua vez, não é vazio. Devido ao processo dinâmico que o constrói, ele conserva as características de sua formulação ao estabelecer uma relação entre o ambiente e o sujeito. Em segundo nível, o

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arquétipo atributivo ou epitético é aquele que traz “as qualificações apreciativas dos valores e sua concretização em oposições,” criando pares binários, que resultam no terceiro nível, dos arquétipos substantivos, das substantivações das possibilidades em imagens, por meio de nomeações exatas ou configurações atribuídas, “sob a influência qualificadora de incidentes puramente exógenos”,17 ou seja, clima, área geográfica, fauna, cultura, tecnologia etc.

Tais arquétipos, em conjunção de diferentes schèmes, conforme substantivam- se, configurarem-se em um caráter ambivalente que dá origem ao símbolo ou aparelho simbólico – termo baseado no aparelho psíquico freudiano. São as concretizações dos arquétipos tanto no meio físico quanto cultural. Apesar de pertencente à categoria dos signos, o símbolo refere-se somente a um sentido, uma forma indireta de representação de aspectos não-sensíveis, i.e., inconsciente, metafísico, sobrenatural e suprarreal18 do mundo, “que nos faça aceder ao domínio da expressão”;19 e, portanto, não deve ser confundido com os signos arbitrários, “puramente indicativos que remetem a uma realidade significada, senão presente pelo menos sempre representável”,20 tal qual o signo saussuriano, nem com os signos alegóricos, “que remetem a uma realidade significada dificilmente representável”,21 assim como presente nas abstrações. Ou seja, para um significado existe uma infinidade possível de significantes que garante uma coerência e a homologia interna de sentido.22 Portanto, como já enfatizamos, o símbolo possui um caráter ambíguo, já que é constituído de infinitas ideias e conceitos que se manifestam de sua natureza e se conectam às matrizes dos comportamentos humanos, por um lado, mas ao mesmo tempo se refere ao seu próprio significante, ou seja, ele enquanto ele mesmo, podendo assim degradar-se até tornar-se um sintema, um signo rígido ao nível estereotípico, em que o significante se desliga cada vez mais do seu significado. Desta forma, o símbolo forma uma solenóide, em que os seus significados crescem e circundam o seu centro significante que direciona-o num mesmo sentido, criando, assim, as estruturas homólogas que convergem segundo um semântico e não semiológico.

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Tabela 06 – Os Modos de Conhecimento Indireto segundo Durand (1988, p. 21).

Considerando tal metafísica do movimento de formação da matéria imaginativa entre os gestos e o meio, e o seu agrupamento em constelações, enxames, ou pacotes homólogos, Durand fundamenta uma bipartição das imagens em dois agrupamentos flexíveis e gerais de estruturas figurativas transformáveis que mantêm uma semelhança de sentido, chamados de regimes ou estruturas gerais; ou seja, categorias que “não são exclusivas, elas apelam, pelo contrário, a uma

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combinatória”;23 dadas pelo Regime Diurno, relativo a dominante postural, e o Regime Noturno, das dominante digestiva e cíclica, em que tal paralelo entre tais reflexos é garantido pela genética da libido psicanalítica. Posteriormente, Durand retomará a sua tripartição estrutural original que também é defendida por Ferreira Santos e Strôngoli,24 por exemplo, ao definir um terceiro regime, chamado de Regime Sintético, mas que recebeu críticas terminológicas devido à alusão hegeliana, sendo assim denominado Disseminatório – referência a Jacques Derrida (1930 – 2004) – ou Dramático, relativo somente à matriz copulativa (figura XX). Em nota, Durand enfatiza que “a diferença entre classificação binária e ternária não é senão um efeito nominalista da escolha de uma convenção taxonômica”.25

Brevemente, o Regime Diurno, também chamado de Esquizomorfo – neologismo de esquizofrenia – ou Heroico, é composto pelas imagens polares da antítese, do dualismo e do maniqueísmo, imagens que carregam consigo o semantismo do confrontar e se opor à sua contraparte, do “pensamento contra o semantismo das trevas, da animalidade e da queda, ou seja, contra Cronos, o tempo mortal”.26 O Regime Noturno, ou Místico, abrange as imagens que têm por objetivo unir e harmonizar sob signos do eufemismo e da conversão, a partir da inversão dos valores simbólicos ao capturar as “forças vitais do devir, em exorcizar os ídolos mortíferos de Cronos, em transmutá-los em talismãs, e por fim, incorporar na inelutável mobilidade do tempo”.27 São as imagens da intimidade, do recolhimento, do ventre, do túmulo, da noite, reportando à semântica protetora e harmônica. Por último, o Regime Dramático cria uma “união desses dois princípios opostos” com símbolos que “gravitam em torno do domínio do próprio tempo”,28 ou seja, círculos, rodas, ciclos e calendários, o eterno retorno e ouroboros, o Messias, o sacrifício e a ressurreição etc.

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Tabela 07 – Classificação Isotópica das Imagens segundo Durand (2012, p. 443).

Porém, Strongoli, enfatiza a necessidade da determinação de um terceiro regime de imagens, denominando o último como Regime Crepuscular (figura XX), “posto que, no termo crepúsculo, tanto matutino quanto vespertino, está contido o sentido de ciclo ou de dialética”,29 destacando a heterogeneidade do sentido disseminatório empregado por Durand e indicando a consciência da bipolaridade, como “o espaço da necessidade e do controle da excursão e incursão do indivíduo”30 pelos pólos Diurno e Noturno. No entanto, a autora reconhece a classificação inicial em apenas dois regimes como o resultado da própria dinâmica bipolar pela qual opera o imaginário, mas que,

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se considerarmos somente os pólos e seus espaços, teremos três regimes: noturno, diurno, crepuscular. Se insistirmos no fator consciência no crepuscular, teremos quatro regimes (noturno, diurno, crepuscular matutino e crepuscular vespertino), mas se focalizarmos todos os desdobramentos do ponto de vista de sua euforia/positivo e disforia/negativo, quando passam de um regime a outro, teremos seis regimes (noturno positivo e negativo, diurno positivo e negativo, crepuscular vespertino/matutino positivo e negativo).31

Figura 38 – Reformulação dos regimes de imagem proposta por Strongoli (2005, pp. 169-70).

Uma proposta semelhante de reformulação ou uma pequena correção - nas palavras do autor - do esquema inicial durandiano também aparece com Ferreira Santos, primeiramente formulada em Práticas Crepusculares: Mytho, Ciência e Educação no Instituto Butantan - Um estudo de Caso em Antropologia Filosófica (1998), com a inserção do Regime Crepuscular, mas que já se encontra em reflexões na obra Fé do Sapateiro (1984) de Durand, expressa na imagem do psicopompo mediador. Ademais, o autor também propõe, como resultado desse regime de integração entre os pólos da razão-conceitual-reflexiva-intelectual e o da sensibilidade-imagética-vivencial-imaginativa, uma jornada interpretativa simbólica- filosófica, cujo sujeito interpretador é o início, o meio e o fim, alargando o locus e o domus, em busca de contemplação corpórea e alteridade, por meio de um

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intercâmbio vivencial, convivial e existencial,32 que está presente na tradição milenar latinoamericana, que denomina como mitohermenêutica,33 ou seja,

o trabalho filosófico de interpretação simbólica de cunho antropológico que visa compreender as obras da cultura a partir dos traços míticos e arquetipais captados através dos arranjos narrativos das suas imagens e símbolos na busca dinâmica de sentidos para a existência.34

Assim, Durand foge da busca incessante por um princípio fundador, de uma ontologia unidimensional do imaginário – tal como já apontado por Georges Gurvitch (1894–1965) –, ao traçar uma gênese recíproca e reversível entre a ontofilogênese do homo sapiens, por meio dos gestos reflexológicos dominantes ao e com o ambiente sociocultural – semelhante à relação sujeito-matéria bachelardiana –, partindo quer do sujeito individual ou social,35 denominado trajeto antropológico ou trajeto de sentido; nas palavras do autor, “a incessante troca que existe ao nível do imaginário entre as pulsões subjetivas e assimiladoras e as intimações objetivas que emanam do meio cósmico e social”,36 que garante tanto as universalidades quanto especificidades dos fenômenos humanos.

Apesar de tal tese ser a pedra fundamental norteadora dos princípios de sua Teoria Geral do Imaginário, Durand, ao longo de suas obras, tem um grande interesse pelos movimentos do imaginário, pelas suas transformações e atualizações, reminiscências e remanescências, em níveis macro e micro. Para tal, Durand cria um modelo do tropos social onde ilustra o eterno retorno e o eclipse dos mitos, em que enquanto alguns mitos emergem do inconsciente para a consciência coletiva, outros são desmistificados racionalmente e, recalcados, afundam, permanecendo em latência. Tal modelo se torna essencial para entendermos as mutações do mito que elucidaremos adiante. O autor divide tal tópica em três níveis:37 1) o nível fundador do isso psicóide – com o qual os mitos devem se relacionar – constituído tanto por um inconsciente coletivo específico, pertencente à espécie, quanto um inconsciente coletivo cultural, modelado pelas línguas naturais 2) o ego societal, composto por funções – hierarquias, castas, estratificações – referentes aos: a) pólos positivos, confortados pelas ideologias de poder; ou b) negativos, pelas funções marginalizadas 3) o superego, o nível racional dos discursos unívocos, onde se encontra a menor espessura mítica e a consciência racionalizante coletiva predomina; há uma substituição do μῦθος (mýthos) pelo

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λόγος (lógos) e surge “o lote dos discursos oficiais, das racionalizações ideológicas, das utopias de escola”.38

Figura 39 – Tópico diagramático do Social segundo Durand (1983, p. 8).

Tendo em vista o embasamento teórico massivo ao qual o autor se debruçou, agora podemos adentrar no conceito durandiano de mito como a primeira forma de discurso – i.e., sermo mythicus –, na segunda Erfüllung (cultural); haja vista que, para Durand, o mito se forma ao entrar em contato com os as linguagens e códigos socioculturais, formando “um sistema dinâmico de símbolos, arquétipos e esquemas, sistema dinâmico que, sob o impulso de um esquema, tende a compor- se em narrativa”.39

Segundo o autor, o mito é composto por quatro elementos constitutivos:40 1) um discurso com personagens, situações e cenários nomeados que pertencem ao campo do não-natural ou não-profano; 2) esse discurso é segmentável em unidades semânticas; 3) a pregnância simbólica – termo de Ernst Alfred Cassirer (1874–1945) – que é investida nele, que o faz se distender em parábolas, contos, fábulas ou se

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incruste de acontecimentos existenciais e históricos;41 e 4) ação lógica ou pré-lógica – segundo Lucien Lévy-Bruhl (1857–1939) – pré-semiótica, conflitorial ou dilemática que integram oposições e contradições, formando-se uma tensão antagonista assimptótica. Assim, o mito não opera conforme uma lógica demonstrativa, mas segundo um aspecto não-demonstrativo, uma lógica flutuante; funciona como um evemerismo ao contrário, distribuindo os papéis da história e determinando os momentos históricos.42 O mito é forçado a recorrer às redundâncias, gerando flutuações que permitem-no simultaneamente ser mutável e sobreviver, em que apesar de ter um núcleo coriáceo, “o mito nunca se conserva no seu estado puro”.43

[...] quando um mito desaparece, aparece outro que o substitui. Mas eles giram em círculo porque, para dizer a verdade, não há mitos novos. Paradoxalmente, qualquer mito é sempre novo porque está investido numa cultura e numa consciência, ao contrário do seu esquematismo.44

As relações, lógicas e linguísticas, entre ideias ou imagens expressas verbalmente45 que se repetem, servindo de instâncias de persuasão indicadas por variações simbólicas sobre determinados temas46 são denominadas mitemas. Assim como para Lévi-Strauss, é a partir desta relação entre o sincrônico do mito e o diacrônico aparente da narrativa que surgirão essas redundâncias de unidades significantes, já explicitados anteriormente nas palavras do antropólogo estruturalista e de onde Durand toma por base. No entanto, para Durand, tais homologias são mais do que meras equivalências funcionais sintáticas; são equivalências morfológicas, estruturais,47 que possuem uma semântica própria de repetição, semelhante não só ao leitmotiv wagneriano, mas também ao conceito de holograma de Morin.48 Durand enfatiza em diversas passagens uma relação muito próxima entre o campo da linguagem musical e a própria música com o mito,49 em que o mitema se apresenta ora por um contínuo (canção popular, chacona…), pelo desenvolvimento de variações temáticas (forma sonata, minueto, rondó, refrão, leitmotiv etc.) ou por um modo (o maior e o menor).50 Durand também traça a relação entre o mito e a poesia. Apesar de ambos serem metalinguagens e possuírem uma cumplicidade devido ao caráter potencial de exercerem a mesma função em sociedades diferentes, enquanto a poesia se utiliza de metáforas, cuja matéria-prima essencial é a linguagem, tornando qualquer tradução filológica de uma poesia à sobrevivência de uma carcaça conceitual;51 o mito, por outro lado, tem sua matriz existencialmente nas analogias qualitativas ou homologias e parte dos

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estados de fatos – naturais e sociais – como modo de conhecimento e conservação, em que quando se perde essa progressão semântica da convicção e da iluminação, passa a simples lenda ou contos de fadas;52 em suma, “o mito por defeito linguístico e excesso semântico e a poesia por excesso linguístico e desorientação semântica”,53 ou seja, uma diferença de grau de evolução semiológica e linguística que o coloca “a meio caminho entre o objeto e o lirismo artístico”.54

Essa metábole, ou seja, essa redundância dada por repetições insólitas – i.e., mitemas – que se limitam a um determinado campo narrativo, podem se tornar cada vez mais significativas, obsessivas, até se tornarem imagens emblemáticas, por um lado; ou empobrecer, tornando-se mitologemas, por outro; assim compondo o que Durand chama de escala de amplitude narrativa. Enquanto os emblemas são comuns em pequenas narrativas e são, geralmente cheios de redundâncias sonoras, como figuras de linguagem e rimas, os mitologemas se estendem pelo espaço-tempo, podendo atingir grandes amplitudes, relacionando-se, assim, com as narrativas canônicas, ou seja, que leva “em consideração todas as lições de um mito ou até todas as obras de um autor, e tenta dar o modelo delas”.55 Desta forma, a imagem emblemática funciona quase como a representação íntegra do próprio mito, em que o mitema central engloba a maior parte da narrativa, enquanto o mitologema é uma constância na trajetória de um fenômeno em larga escala, tornando-se assim um mitema central, mas que, em relação a uma única narrativa, tem pouco valor; portanto, “a fragilidade do mito é inversamente proporcional à sua riqueza”,56 em que sua existência depende tanto das qualidades mitêmicas quanto da quantidade.

Como vimos até então, o mitema é um elemento redundante dentro de uma narrativa, um padrão. No entanto, tal padrão também carrega consigo a possibilidade de mudança, tornando-o tanto mutável, passível de modificação, quanto comparável, passível de relação. Assim surge o segundo indicador de significação – o primeiro é o mitema – chamado de variante.57 As variantes se dividirão em três grupos, desde as diferenças internas da narrativa até a relação com as narrativas em outras culturas, novamente sob a ação da escala de amplitude. O primeiro tipo de relação, chamada de lição, trata-se da análise de uma variante em um “ambiente controlado”, com uma amplitude delimitada, geralmente

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num mesmo autor ou onde é possível estabelecer uma correlação entre autores. Em segundo, a derivação,58 é o desdobramento do mesmo mitema intra-culturalmente, mas “no curso de uma fatia de tempo, de um eixo de tempo genérico literário, a um outro”.59 Há um aumento temporal na escala de amplitude; o mitema não mais se desdobra somente entre autores de um mesmo período, mas seu sentido também deriva entre épocas. Por último, a constelação de afinidades é quando não só a fronteira temporal é ultrapassada mas também a espacial, permitindo o tracejo entre diferentes culturas e apontamentos ora à universalidade, ora à especificidade de um mito, tarefa central das ciências comparadas, principalmente no que concerne às disciplinas da religião, mitologia e literatura comparadas, que vimos anteriormente.

A partir do estabelecimento e compreensão dos padrões míticos e suas diferenças que se torna possível falar de uma mitogênese, ou seja, o desenvolvimento do mito, que se divide – semelhante a Vernant – em quatro fases:60 1) latência 2) denominação do mito 3) integração mitológica e 4) filosofia do mito. O mito, inicialmente, permanece em latência, no nível fundador do isso psicóide, recalcado, tentando encontrar locais para sua manifestação social, até ser possível denominá-lo, tornando-o dinâmico na cultura. Assim, sua presença na sociedade torna-se clara, até ser aceito e ganhar amplitude, permitindo sua integração. Por conseguinte, é possível tirar lições filosóficas – empíricas – a partir das codificações, dos rastros que os mitos deixam gravados nos fenômenos socioculturais e que permitem as interpretações.

Essa plasticidade do mito permite-lhe uma grandeza relativa que varia de acordo com o impacto que um determinado mito tem em uma “sociedade ou numa cultura dadas, em diferentes estratificações sociais ou diferentes funções”,61 alastrando-o por meio de operadores sociais, ou seja, funções que carregam um potencial mítico de transformação tanto ascensional quanto descensional, criando avanços e recuos. Portanto, o mito não tem um fim, mas um afastamento, um recalcamento, que por uma lado o expande e fragmenta no nível social-racional e, por outro, o incuba no nível fundador-inconsciente; a lógica dos arquétipos; “um mito nunca desaparece – ele pode adormecer, pode definhar, mas está à espera do eterno retorno, ele espera uma palingenesia”,62 até que ocorra a sua explosão.63 Concomitantemente, durante este jogo duplo de sístoles e diástoles míticas, o mito pode passar por uma

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deformação64 ferrenha, por meio de uma predominância significativa, uma heresia, de um determinado mitema no ambiente social que, consequentemente, permite sua imposição ou cisma, a supressão dos seus outros elementos. Assim, existe a predileção de um mitema que não corresponde ao mito como um todo, mas que, por sua vez, exerce a função de pars pro toto, devido às relações que o mesmo estabelece com os fenômenos socioculturais. Há uma fagocitose; ele não mais tem uma função hologramática, mas sim absolutista. Uma segunda forma de deformação é o disfarce por falsa denominação; quando um mito, após sua latência, será associado a um determinado nome – como vimos na mitogênese – mas que, por sua vez, esse nome não corresponde ou corresponde erroneamente ao mito, disfarçando-o. Neste processo de distorção do mito, cria-se uma distância do real, a distância entre o mito e sua concretude na realidade, que pode ser diminuída por meio da mitologização de eventos factuais ou com a criação de novos mitos, ou aumentada a partir das comprovações científicas-racionais; o que leva à força problemática, a “capacidade de incitamento à investigação científica e técnica”65 que, ao afastar o mito do isso psicóide, tende-o ao plano racional, mas que, por sua vez, é direcionada a partir de um plano mitológico que o equilibra.

Assim, Durand definirá essas formas de evolução e manipulação do mito em um aparelho mítico constituído por 1) perenidade, aquilo que se mantém no mito; 2) derivações – que já salientamos anteriormente –, um quadro, se não formal, esquemático, incessantemente preenchido por elementos diferentes66 que faz com que reconheçamos um mito apesar de suas distorções e ocorrem de duas formas: a) derivação por amplificação, quando os mitemas são substituídos por outros – i.e., anastomose – ou b) derivação por esquematização ou empobrecimento, quando há supressão;67 podendo chegar a um limiar crítico em que se perde o fio condutor, originando o 3) desgaste que, apesar de o mito nunca desaparece, ele passa por períodos de inflação e deflação, períodos de intensidade e períodos de apagamento, de ocultação,68 sendo os primeiros relativos aos períodos “normais” enquanto os segundos ao de desgastes. Esse desgaste, para Durand, ocorre de duas formas que faz com que o mito perca sua função, seja por: a) excesso de denotação ou b) excesso de conotação, em que os mitemas se desgastam, um esvaziamento da substância mitêmica,69 de modo que o mito se encontra sempre em latência e se torna impossível nomeá-lo ou especificá-lo.

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A partir dessas grandes viragens, transformações temporais dos mitos, Durand nos mostra o processo do desenvolvimento do imaginário a partir de uma metáfora potamológica da bacia semântica, em que, por meio de seis subconjuntos não- sequenciais, o imaginário – em suas duas tópicas – se constitui, entra em atrito por meio de imagens conflitantes, se desenvolve e satura até o desgate, resultando em “um imaginário mais coletivo e invadir a sociedade ambiental global”.70 A formação de uma bacia semântica ocorre segundo um processo que dura em média de 150 a 210 anos, no máximo, cronologicamente irregular e dividido nas fases de: 1) escoamento 2) separação ou divisão das águas 3) confluências 4) nome do rio 5) ordenamento das margens (conceituais ou ideológicas) ou organização dos rios 6) declínio: meandros e deltas.

Brevemente, um museu de imagens vigente começa a se saturar dentro da sua bacia semântica, como num “processo de erosão”, invadindo as águas de forma tão violenta e cumulativa, absorvendo materialmente tais simbolismos e se entorpecendo que, consequentemente, se tornam pesadas – numa metáfora bachelardiana71. Por conseguinte, essa massa maleável que formou um cimento social72 – usando a metáfora maffesoliana – imobilizado em códigos, regras e convenções é invadido por “correntes descoordenadas, disparatadas e frequentemente antagonistas”73 – escoamentos – que ressurgem dos setores marginalizados e tendem a se unir de modo a se opor aos movimentos gerais oficiais institucionalizados do imaginário e seus atuais escoamentos – separação das águas. Com o choque entre tais fluxos, uma nova corrente necessita consolidação a partir de reconhecimento – confluências – até o momento em que a nova bacia semântica em formação é solidamente mitificada em cima de uma personalidade e possa ser nomeada – nome do rio – dando origem à fluxos imaginários institucionalizados intelectual, filosófico e juridicamente à formar uma mapa do novo imaginário – ordenamento das margens. Porém, assim como sua própria formação, esse conteúdo se desgasta e afunda novamente na bacia semântica – declínio: meandros e deltas – e ali, sepultado, permanece sofrendo a ação da própria erosão fluvial que carrega consigo os “sedimentos imaginais” que irão se desdobrar e misturar com novos imaginários, dando continuidade ao ciclo, escalonando-se num movimento em espiral.74 Assim, ao passo que alguns mitologemas perdem sua força no dinamismo mitogênico, outros já se encontram

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em fase borbulhante à dar vida a novos mitos, são estratos diversos, contraditórios, memorizados pela cultura.75

No entanto, nenhum método anterior puramente lexical, como na Escola de Groningen, ou sintático, como no estruturalismo formal de Jakobson e Lévi- Strauss,76 foi suficiente para explorar esse movimento de desmitificação do nível fundador inconsciente ao máximo de racionalidade do discurso que carrega consigo o cerne mítico em que uma obra cultural se encontra; ora pela insuficiência do processo enumerativo do primeiro, ora pela construção de categorias e significações binárias que nada dizem respeito à própria obra e excluem uma terceira dimensão do fenômeno, apesar de considerar o Lévi-Strauss o criador de um método propedêutico “indispensável para qualquer tratamento do mito”.77 Tendo isso em vista, com base na dinâmica do mito, Durand desenvolve um método para descrever, classificar ou estudar heuristicamente o aparelho mítico, suas produções culturais e os mecanismos pelos quais “os mitos se encobrem, se desencobrem, se transformam por elisão ou acrescentamento de mitemas,”78 chamado mitodologia. Trata-se de um método arquetipológico pluridisciplinar e interdisciplinar, abarcando diversos campos do conhecimento, capaz de explorar os rastros míticos no ambiente sociocultural em seus mais diferentes níveis, como uma espécie de modelo hermenêutico com duas frentes inter-comunicativas entre os níveis micro e macro de investigação – a mitocrítica e a mitanálise – de modo a reconciliar “os poderes da imagem e do símbolo e os poderes do raciocínio”79 e encontrar o consenso de toda comunicação humana, um sensorium commune.

A mitocrítica80 é um procedimento de análise crítica de um texto literário ou o conjunto estilístico de uma época que não se pretende estreita a uma perspectiva objetiva, mas que se inicia estaticamente e tende a dinamizar-se por meio de um levantamento das imagens simbólicas e da qualificação do objeto de acordo com a subjetividade do leitor, tendo como modelo matricial o mito, sua gênese e ocaso, pois, assim como antevisto por Eliade, todo récit mantém um parentesco com o sermo mythicus.81 O método consiste, de forma semelhante ao tratamento à americana de Lévi-Strauss, na criação de fichas que percorrem o texto em sentido diacrônico, enumerando fatos, e sincrônico, apontando redundâncias, homologias, que posteriormente são sobrepostas. Assim, a escala de análise do texto cresce em

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seis níveis:82 1) no próprio título; 2) nas obras de pequena dimensões; 3) nas obras de grandes dimensões; 4) nas obras completas de um autor; 5) nas épocas históricas de toda uma cultura; e 6) na dinâmica de um mito desde a imemorabilidade – as etapas 4, 5 e 6 já, em parte, constituem um meio à mitanálise, como veremos adiante, refletindo o caráter fluído e consonante de tal método. Por outro lado, com relação à qualificação, deve-se primeiramente decifrar o código textual – no nível dos símbolos, das frequências retóricas e da lógica – por meio de uma referência taxonômica, proposto por Durand na grade da classificação isotópica das imagens explicitada anteriormente. No entanto, para fugir da dilemática dos paradigmas proporcionados pelo método interpretativo, Durand assegura-se nas redundâncias do mito, pois “é o mito que ‘descobre’ a interpretação”.83 Por fim, apesar da mitocrítica se mostrar mais eficiente em largas escalas, quanto mais a análise tende a enriquecer-se, devido ao número crescente de convergências, acumulam-se camadas, pseudomorfoses, mestiçagens semânticas84 dos discursos sociais, políticos, ideológicos etc., que desvelam os mitos que permeiam um determinado fenômeno em seu nível macro, epistemológico e social, de modo a criar um perfil mitológico, necessitando assim de uma outra forma de análise que abarque tal amplitude, a mitanálise.

Inicialmente utilizado no contexto psicanalítico, principalmente no que concerne a Jung,85 a mitanálise, por sua vez, é um método antropológico que debruça-se sobre o nível sociológico, “mais sobre a expansão de um mito, o movimento do mito exterior ao texto, quer no meio-ambiente, quer na biografia do autor, quer nos incidentes históricos que puderam influir na preparação do texto”.86 Por meio de um princípio dos limites, na busca por traçar as relações entre as imagens simbólicas de um récit com os mitos – numa espécie de dissimilitude (Entgleichzigkeit) – a mitanálise busca identificar grandes esquemas míticos, os mitos diretores de uma sociedade, na tentativa de revitalizar os níveis da tópica sociocultural ao levantar mitos latentes ou potenciais contra os mitos existentes, expressos ou atualizados que reprimem e excluem os primeiros, tomando por base cinco dimensões antropológicas:87 os objetos, os hábitos de vida, os costumes, as opiniões, os monumentos e os documentos.

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Esse trajeto mitodológico que parte da mitocrítica para a mitanálise tende a construir uma dinâmica a partir dos mitos pessoais de um determinado récit até as eventuais relações e projeções sobre os mitos coletivos88 sem aprisionar o fenômeno nas estruturas figurativas das constelações de imagens, mas concatenar as relações que compõem essas grandes constelações simbólicas, a partir das redundâncias dos mitemas dentro de uma obra cultural e da circulação dos mitos vigentes na sociedade.

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Figura 40 – René Noël Théophile Girard (1923–2015).

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3.6 RENÉ GIRARD E A VIOLÊNCIA MÍTICA

René Noël Théophile Girard (1923–2015), ao passo que também questionará o viés estruturalista do mito, resgatará as noções antropológicas e psicológicas dos meados do século XIX para construir o seu próprio conceito de mito, às vezes sendo “comparado a Edward Tylor e James Frazer (mitos são reflexos distorcidos de fenômenos naturais) e Jung e Freud (mitos indiretamente revelam aspectos essenciais do comportamento humano)”.1 Girard se formou em filosofia pelo Lycée of Avignon (1941) e estudou história medieval na École des Chartes (1943–7), posteriormente recebendo o título de doutor em história pela Indiana University (1950), onde estudou as relações franco-americanas entre 1940–3.

Apesar de suas primeiras pesquisas se relacionarem com a historiografia, após um convite para ministrar um curso de literatura em Indiana, Girard começou a demonstrar interesse pelo campo, bem como a tender o seu trabalho para os estudos e críticas literários – Girard publicou inúmeros artigos durante o período sobre Albert Camus (1913–1960), Valentin Louis Georges Eugène Marcel Proust (1871–1922) e Fiódor Mikhailovitch Dostoiévski (1821–1881).

Girard deslocou-se entre muitas universidades americanas, desde a Duke University (1953-7), como instrutor e professor-assistente no Bryn Mawr College (1953-7), até conseguiu uma cadeira no Department of Romance Languages (1965– 8) e o título John M. Beall Professor of the Humanities (1976) na Johns Hopkins University, também lecionando na Stanford University (1981–95) com o título de Andrew B. Hammond Professor of French Language, Literature, and Civilization, em State University of New York (1971–6), ganhando títulos honoris causa pela Vrije Universiteit Amsterdam (1985), Universitaire Faculteiten Sint-Ignatius Antwerpen (1995), Università degli Studi di Padova (2001), University of Innsbruck (2004), Université de Montréal (2004) e University of Saint Andrews (2008), e eleito como membro da Académie française (2005–15).

Dando continuidade à sua jornada literária, durante o seu período na Johns Hopkins, enquanto trabalhava em seu primeiro livro – Mensonge romantique et vérité romanesque (1961) –, Girard converteu-se a fé cristã,2 mas cujos escritos refletem somente após 1976 e aparecem declaradamente em Des choses cachées

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depuis la fondation du monde (1978), causando polêmica entre o meio acadêmico externo e interno. Em 1972, Girard publica La violence et le sacré, onde defendeu o modelo mimético como a gênese da cultura, a partir da relação estabelecida entre a violência e a religião, seguido e sustentado pelas publicações de Le Bouc émissaire (1982) e La route antique des hommes pervers (1985), até publicações em 2011.

Ao longo de suas obras, Girard interpreta e se utiliza de alguns conceitos de autores da Grécia Antiga – dos pré-socráticos a Ésquilo (c. 525 a.C. – c. 455 a.C.), Sófocles (c. 496 a.C. – c. 406 a.C), Eurípides (480 a.C. – 406 a.C) e Aristóteles (384 a.C. — 322 a.C.) –, da antropologia – James George Frazer (1854–1941), Alfred Reginald Radcliffe-Brown (1881–1955), Bronis∤aw Kasper Malinowski (1884–1943), Edward Evan Evans-Pritchard (1902–1973), Claude Lévi-Strauss (1908–2009) e Ronald Godfrey Lienhardt (1921–1993) –, da literatura e poesia – Miguel de Cervante Saavedra (1547–1616), William Shakespeare (1564–1616), Molière (Jean- Baptiste Poquelin, 1622–1673), Johann Christian Friedrich Hölderlin (1770–1843), Stendhal (Marie-Henri Beyle, 1783–1842), Gustave Flaubert (1821–1880), Fiódor Mikhailovitch Dostoiévski (1821–1881), Valentin Louis Georges Eugène Marcel Proust (1871–1922), Max Ferdinand Scheler (1874–1928) e Denis de Rougemont (1906–1985) – e da filosofia – Franz Kafka (1883–1924) e Albert Camus (1913– 1960) –, por exemplo, para sustentar os seus argumentos.

A partir dos estudos de Hubert e Mauss – principalmente da obra Sobre o sacrifício (1899) e uma análise puramente imanente, Girard propõe um método comparativo que traça a relação entre os rituais – cuja desordem inicial culmina no ato sacrificial – e os mitos – onde um deus onipotente, após semear a desordem, é eliminado –, a fim de formular uma antropologia geral e solucionar a natureza e origem verdadeira do fenômeno religioso e do simbolismo. O autor, ao ver na ciência dos mitos um atraso de quatrocentos anos em relação à crítica histórica,3 desenvolve um esquema estrutural – e não histórico ou estruturalista, como em Lévi-Strauss –, cuja hipótese hipotética – pois não é passível de verificação direta e imediata4 – busca esboçar os contornos de um esquema transcultural, i.e., universal, da violência coletiva,5 como um componente natural da humanidade advindo de um desejo mimético – mesmo levando em consideração os critérios particulares.

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Para Girard, os mitos parecem exageros ou caricaturas da logique du supplément de Jacques Élie Derrida (1930–2004),6 cujas suas inconsistências lógicas ou irracionalidades são as potências para a sua própria consistência e ordem – e que é simultaneamente uma maldição para a filosofia da qual ela pode depender originalmente –, em oposição ao excesso de racionalismo, por um lado, como em Lévi-Strauss, ou de irracionalismo, por outro, como em Jung.

Em crítica ao pensamento freudiano, para Girard, o desejo não é sexual e biogeneticamente inato nem inconsciente – apesar de não questionar o inatismo –, mas imitativo e espontâneo, dado por meio de um processo triangular ou mimético, tanto social quanto intersubjetivo, formulando, assim, uma psicologia interindividual.7 Ao invés de orientado para o objeto – oculto ou invisível8 –, como no caso do complexo de Édipo, cujo objeto é maternal, para o autor, “o desejo transfigura o seu objeto”9 por intermédio de um mediador, cuja metáfora espacial é representada por um triângulo (Figura XX), cujas dimensões e formato podem ser alterados.

Figura 41 – A triangulação do desejo mimético para Girard, segundo Golsan (2002, p. 2).

Um objeto será desejado por um sujeito assim que já é desejado ou está em posse de um outro indivíduo que ele admira. Real ou provável, o desejo do sujeito cresce cercada pela imaginação, a partir do Ego, como um grão de areia em uma ostra,10 fazendo com que o mediador – uma vez que ele previne ou impede a realização do desejo – acabe por se tornar o seu rival. Ou seja, o mediador é concebido a partir de dois sentimentos opostos: uma reverência submissa e uma maldade intensa, que geram ódio – também inveja e ciúmes, segundo a natureza do

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ressentimento scheleriano – contra o outro e contra si mesmo. Assim, invertendo a ordem lógica e cronológica de modo a esconder a sua própria imitação, o sujeito torna o seu admirador em um obstáculo responsável pela origem da rivalidade.11

Desta forma, a distância que separa sujeito do mediador não é dada por um espaço físico – apesar de também poder –, mas principalmente por uma lacuna espiritual a partir da transfiguração do objeto desejado, que constituem duas formas de mediação.

Devemos falar de mediação externa quando a distância é suficiente para eliminar qualquer contato entre as duas esferas de possibilidades das quais o mediador e o sujeito ocupam os respectivos centros. Devemos falar de mediação interna quando essa mesma distância é suficientemente reduzida para permitir que essas duas esferas se penetrem mais ou menos profundamente.12

Quanto mais próximo o mediador e o sujeito se encontram – principalmente nas relações familiares –, maiores são as chances dessa rivalidade se tornar insuperável, fazendo com que o ressentimento também cresça cada vez mais, tal como uma doença corrosiva, fazendo com que o objeto perca também o seu papel. Deste modo as diferenças perdem sua legitimidade e, na cultura, apesar de marcada por diferenças individuais internas, são as diferenças fora do seu sistema que sugerem a sua verdade, relatividade, fragilidade e mortalidade,13 fazendo-a diferir de sua própria diferença, o que no caso de uma indiferenciação, gera terror e violência, que culminam em uma crise sacrificial ou crise das diferenças, onde todas as diferenças e individualidades precisam ser apagadas.

Ademais, essas perseguições podem ser coletivas – como o massacre judeu durante a peste negra – ou com ressonâncias coletivas – como a caça às bruxas – ,14 surgidas em períodos de crise – interna (agitação política ou conflito religioso) ou externa (seca extrema, inundações, epidemia, carestia, invasão ou fome), por exemplo – e fragilidade social, que favorecem a formação de multidões, ou seja, “ajuntamentos populares espontâneos, suscetíveis de substituir instituições enfraquecidas ou de exercer uma pressão decisiva sobre elas”,15 que tendem sempre à perseguição, pois são perseguidores em potencial, procurando agir sob o sonho de purificar a comunidade dos elementos impuros que a corrompem.16

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Assim, como essa violência intestina é dirigida aos mais próximos, gera-se como resultado um processo interminável – i.e., círculo vicioso – de vingança entre os membros e, tal como uma hemorragia num hemofílico – Girard também utiliza as metáforas do incêndio, dilúvio, tempestade, terremoto, peste até a eletricidade e magnetismo balzaquiano –, cresce progressivamente, se alastrando até atingir todo o corpo social, espalhando as impurezas entre seus membros, podendo desencadear uma explosão de conflitos que leva às guerras civis e a extinção da própria ordem cultural, desmoronando feito um castelo de cartas.

Porém, como a vingança é extremamente proibida nas sociedades primitivas, enquanto nas sociedades modernas essa função acaba sendo exercida pelos sistemas judiciários – com maior eficácia – cujos princípios se assemelham, devem buscar medidas preventivas contra a violência – pois não há cura –, de modo a eliminar a repetição do idêntico por meio da diferença. Segundo Girard, esse apetite é apaziguado por meio dos ritos sacrificiais – animais ou humanos, pois não há diferenças essenciais entre eles; ambos se assemelham – suscetíveis ao controle da vingança e do desenvolvimento dos germens da violência. 17 Desta forma, o sacrifício surge assim como um ato social a fim de preservar o grupo, em que quanto mais aguda for a crise, mais a vítima deve ser ‘preciosa”.18

Assim, com a cultura eclipsada, indiferenciada, a solução somente é alcançada com a expulsão de uma vítima expiatória, a fim de reconciliar a comunidade, seja um retorno da ordem comprometida ou o nascimento de uma nova ordem social; pois ‘ele será responsável pela cura porque também é responsável pela doença”.19

Com a acentuação dos aspectos conflituais, acusações são favorecidas, fazendo com que os problemas do coletivo sejam projetados em uma vítima, o bode expiatório – cujo o termo é utilizado, segundo o autor, assim como a vítima ritual em Levítico 21:1-2420 –, escolhido por um coletivo angustiado por cometer crimes reais e particulares ou até mesmo por somente pertencer à uma classe suscetível à perseguição, mas que tenha ferido diretamente o coração ou cabeça do corpo social. Tanto no domínio existencial quanto comportamental, uma anormalidade na vítima, seja uma dificuldade/desvantagem ou qualidades extremas/vantagens, cria- lhe uma marca vitimária – socioculturais (promiscuidade e inversão sexual, perturbação ou subversão das hierarquias, ou somente ser uma autoridade suprema

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ou fraco e desarmado, bem como um prisioneiro de guerra), religiosas (profanação de hóstia e não-iniciados) ou puramente físicas (doença, loucura, deformações genéticas, mutilações acidentais, odores, enfermidades em geral ou por ser apenas alvo de acusações de possuí-las etc.) – que o determinam como o provável acusado, de acordo com o maior número de marcas. Logo, a vítima sofre acusações mitológicas: o parricídio, o incesto, o envenenamento moral ou físico,21 que transgridem os tabus e, consequentemente, como nenhum álibi é absolutamente válido, uma vez que não há necessidade da presença física do culpado e a acusação, em si, pode ser mero produto da imaginação ou alucinação – assim como o pensamento mágico-mitológico, segundo Malinowski –, possuindo um valor de incontestabilidade e verdade, a vítima se torna responsável por um crime indiferenciador e perseguida. Essa imagem de transgressora dos valores sociais e morais somada às qualidades de culpabilidade individuais aparecem nos monstros míticos como conglomerados de diferenças, sobrepondo monstruosidades físicas e morais. No entanto, apesar do sacrifício funcionar como uma violência purificadora, há também riscos.

Caso ocorra uma ruptura exagerada entre a vítima e a comunidade, ela não mais atrairá sobre si a violência; o sacrifício deixará de ser um “bom condutor”, no sentido em que um metal é considerado um bom condutor de eletricidade. Se, pelo contrário, houver continuidade demais, a violência circulará com excessiva facilidade, tanto de um lado quanto de outro. O sacrifício perde então seu caráter de violência santa, para se “misturar” à violência impura, tornando-se seu cúmplice escandaloso, seu reflexo ou até mesmo uma espécie de detonador.22

Todavia, a vítima não é necessariamente a causa nem a solução das crises – pois enquanto a crise permanecer, o sistema expiatório não tem efeito –, mas o intermediário necessário para a resolução das relações humanas que se encontram em conflito e advêm delas. Por se tratar de uma crise no social e cultural, as implicações devem ser explicadas referentes ao plano sociológico e moral, pois são favoráveis à imitação criativa (ritual), à contra-imitação (proibição) e à recordação transfigurada (mitos) dos modelos e contra-modelos do bode expiatório.23

Essa violência endêmica do coletivo contra uma vítima, resultado de uma má reciprocidade, demasiada rápida e visível,24 faz com que os próprios linchadores, que são imperiosos, intransigentes, insensatos e precipitados,25 fiquem horrorizados com os seus próprios atos, de modo que tende para a eliminação dos vestígios

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coletivos e a substituição de uma violência coletiva por uma violência individual, até a extinção dos vestígios do assassínio coletivo. Consequentemente, de modo a esconder a violência essencial que desencadeou todo o processo, o sagrado que domina o homem encobre o fato com aparências enganosas; em outras palavras, “é a violência que constitui o verdadeiro coração e a alma secreta do sagrado”.26 Assim, os ritos funcionam como uma técnica de apaziguamento catártico preventiva para regulamentação das regras fora dos períodos de crise,27 evitando o retorno da crise sacrificial e canalizando conflitos políticos e sociais reais, por um lado, e, por outro, manter a expressão conflitual nas formas rigorosamente determinadas.28 Ou seja, a catarse do sacrifício é derivada da catarse do assassinato coletivo e a religião procura apaziguar os conflitos paradoxalmente com a sua utilização da violência, uma vez que a violência e o sagrado caminham juntas – o mysterium tremendum et fascinans.

No entanto, nos chamados textos persecutórios e nas tragédias, medievais e modernos, apesar de presente, a perseguição não se encontra de forma clara e, assim, funcionam como mitos degradados e meio decompostos, pois estão impregnados de distorções para encobrir os fatos que nos escandalizam duplamente, moral e inteligentemente, já foram desmistificados há tempos. Na história da civilização ocidental e moderna, “o sagrado se enfraquece cada vez mais, mas sobrevive”29 nos fenômenos persecutórios, enquanto na mitologia a sacralização positiva da vítima é condição necessária, segundo uma vontade de dissimular ou apagar o assassínio coletivo, onde os estereótipos aparecem com maior perfeição – principalmente nos mitos “primitivos” ou “selvagens”. Apesar disso, a mitologia jamais inventou os estereótipos; eles são somente o seu pão cotidiano e os documentos necessários para a decifração de seus enigmas nos seus mais ínfimos detalhes.

Nos textos dos perseguidores históricos, o rosto das vítimas transparece por trás da máscara. Há lacunas e rachaduras, enquanto na mitologia a máscara ainda está intacta; ela cobre todo o rosto tão bem que não suspeitamos de que se trata de uma máscara.30

Assim, Girard evidencia este mesmo esquema mimético acusatório nas narrativas míticas, como se os mitos jorrassem das crises sacrificiais, constituindo uma releitura ou transfiguração à luz da ordem cultural surgida a partir da crise;31 um processo inverso do da indiferenciação violenta. Primeiramente, se os mitos são

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criados pela coletividade e se a mesma é responsável pelos atos de violência a partir da inflação do desejo mimético, deve existir uma relação entre este mesmo coletivo que gera a diversidade de opostos, culminando na guerra de todos contra um e consequente criação de um bode expiatório, com o desenvolvimento e a criação dos mitos. Segundo o autor, como os mitos são geralmente tratados como narrativas ficcionais, em que se cria uma aura mágica e sagrada ao seu redor, além do pouco conhecimento que a ciência possui a respeito das culturas que criaram tais histórias, os métodos de análise aplicados para a sua investigação são falhos e carecem de justificativas plausíveis, dificultando, assim, o reconhecimento do real motivo por detrás dos mitos. Por último, devido ao caráter evolutivo do mito ser governado pela vontade de dissimular as representações da violência, somado ao fato de permanecerem nas culturas de forma sincrônica, são criados sistemas de mitigação, como a ausência de culpa por parte dos executores e a sacralização da vítima expiatória ex post facto, que pode ser observado nas características físicas exaltadas das personagens míticas ou na apoteose dos heróis ao final das narrativas – ausente na maioria dos textos persecutórios e tragédias.

Desta forma, para Girard, os mitos advêm de eventos históricos e violentos; são acontecimentos extratextuais – pois “as palavras, aqui, são mais mentirosas que as ações”32 – que foram distorcidos de forma a esconder os traços de violência de seus atos fundantes, em oposição à algumas categorias de mitógrafos que imaginavam que os mitos eram eventos reais que foram se transformando e perdendo seu valor histórico ao longo do tempo e à noção de mito como ficção ou conto de fadas, como um perfume vaporoso literário. Esta violência, portanto, funcionaria como uma máquina de fabricar mitos,33 em que, ao mesmo tempo que serve como um mecanismo de rememoração do ato violento por meio dos mitos, também é o estabelecedor da ordem cultural.

A partir destes pressupostos que Girard concluirá que “todos os mitos devem se enraizar em violências reais, contra vítimas reais”.34 Com isso, tem-se uma concepção etiológica do mito, cuja etimologia do termo grego αὐτός/αἰτία está relacionada, para além da ideia de causalidade, com os conceitos de culpa, acusação e delinquência, conforme aponta.35

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Seguindo o princípio do desejo mimético, o autor afirma que todos os mitos passaram ou passarão por um processo de cristalização mítica36 que se inicia imediatamente após o ato de violência, em que, ao passo que as narrativas e personagens ganham uma concepção sagrada, uma aura de reverência, eles se afastam da violência primordial com a qual estão basilarmente vinculados, o que atribui à teoria girardiana do mito um caráter evemerista. O caráter cíclico do mito, de sua repetição ao longo do tempo, é o que garante a eficácia de tal sistema de omissão da vítima sacrificial. Ainda, segundo Girard37, tal processo também pode ser visto na relação entre o mito e a filosofia, em que do mesmo modo que os mitos eliminavam vítimas reais, a filosofia afastou a religião do campo do conhecimento, o que Derrida chama de mythologie blanche38 dada por meio da logique du supplément. No entanto, no caso das religiões judaico-cristãs, os mitos foram substituídos por representações persecutórias, em o processo de cristalização mítica permaneceu incompleto e, consequentemente, a sacralização da vítima é parcial e o assassínio coletivo é visível.

Apesar de sua discordância com a teoria freudiana da formação do desejo no sujeito, por outro lado, este processo de transformação do mito na cultura como uma forma de acobertar os atos violentos contra um bode expiatório, se assemelha em parte aos processos de distorção ou modificação pelos quais o mito passa a fim de camuflar seus verdadeiros motivos ou tornar mais palatável sua propagação na sociedade, propostos por Sigismund Schlomo Freud (1856–1939) e Otto Rank (1884–1939). Em suma, nas palavras do autor, “todo texto [mítico] está aprisionado num sistema de representação estruturado por um bode expiatório oculto”.39

Ademais, em sua crítica ao estruturalismo, principalmente ao esquema mitêmico de Lévi-Strauss – apesar de apontá-lo como o primeiro a reconhecer o esquema de diferenciação e notar uma mudança teórica em Le Totémisme aujourd’hui –, Girard denomina-o “uma versão hegelianizada da concepção, querida no século XIX, da mitologia como filosofia selvagem”,40 contrapondo-se à interpretação lógica- topológica do processo diferenciador da totalidade originária sob um princípio binário com valor retórico, observando na diferenciação a origem histórica do sistema cultural, em que se deve reconhecer a verdadeira natureza das representações míticas, ou seja, o processo mimético da violência recíproca contra

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um bode expiatório ou invés de um simples produto do pensamento simbólico. Girard também faz inúmeras críticas ao antropólogo francês, principalmente ao modo de diferenciar o mito do ritual - o primeiro como diferenciador e o segundo como indiferenciado –, ao tratamento do comportamento religioso e da filosofia, ao uso enfeudado e ao avesso do dualismo metafísico bergsoniano e a semelhança com a interpretação derridiana de Platão.41

Girard também diz que o método estrutural cria um sistema abstrato – como produtos do imaginário, supersticiosos ou de símbolos insípidos e inconscientes empacotados – de articulações de significados arbitrários, que tanto reduz “os homens a objetos inanimados, simples elementos e fragmentos de um campo puramente espacial”,42 quanto retira os elementos dramáticos de seu contexto e os reorganiza, perdendo-se, assim, o caráter específico de indiferenciação e diferenciação, que evoluem junto com a história da cultura em que são desenvolvidos, para um nível metafísico absoluto. Desta forma, comparando o método estrutural com o embaralhamento de cartas por um prestidigitador, Girard43 diz que, apesar de parecer estar ali todo o baralho, sempre faltará uma carta, a da representação do assassínio coletivo.

A análise estrutural repousa sobre o princípio único da oposição binária diferenciada. Este princípio não permite descobrir na mitologia a importância extrema do todos contra um da violência coletiva. O estruturalismo vê nela apenas uma oposição entre outras e a remete à lei comum. Não atribui nenhuma significação particular à representação da violência quando ela está presente e, mais ainda, quando não está presente. Seu instrumento de análise é demasiado rudimentar para compreender aquilo que se perde no decorrer de uma transformação como aquela que acabo de descobrir. Se o prestidigitador embaralha longamente as cartas e as abre em uma ordem diferente, é para impedir que pensemos naquela que ele fez desaparecer, e é para fazer esquecer este desaparecimento caso a tivéssemos notado. Como nossos estruturalistas, o prestidigitador mitológico e religioso dispõe de um público muito bom.44

Porém, também muitas são as críticas45 à perspectiva girardiana que não se atém somente ao mito, mas a toda sua construção científica-argumentativa, questionando inclusive a validade de suas hipóteses que não possuem comprovação dentro do sistema proposto pelo autor, além de uma escolha de corpus em cherry picking que direciona os seus estudos de caso para a confirmação de sua tese.

No caso específico do mito, por exemplo, Girard supõe, durante o estudo do mito do nascimento de Zeus, “que deva existir uma versão primitiva desse mito que

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comportava um assassínio coletivo”,46 mas não apresenta nenhuma evidência etnológica, antropológica ou histórica que aponta para a comprovação de uma narrativa precedente, exceto sua própria interpretação especulativa da presença dos Curetes ao traçar homologias estruturais com outros mitos – no caso, o nascimento de Dioniso-Zagreu – e a ausência do esquema de desejo mimético, devido a um longo processo de cristalização mítica. Esta mesma escassez ontológica ocorre também nos mitos de Balðr e Höðr, e Rômulo e Remo, por exemplo, em que “nenhuma evidência histórica ou textual é produzida para dar suporte à ordem cronológica proposta por Girard”.47 Girard ainda afirma que não é preciso analisar acuradamente os mitos para encontrar as matrizes do pensamento mimético, porque existem outras narrativas que podem não conter os quatro estereótipos que propõe – podendo inclusive não conter nenhum deles – mas que não exclui seu fundamento persecutório como também não compromete a análise; todavia, ainda não se sente capaz de analisá-los eficazmente.48

A principal crítica que surge a partir desta perspectiva é a universalização do sistema mimético para todas as culturas e todos os mitos, como Girard aponta em vários excertos, estabelecendo a violência como unidade ontológica. É um tanto quanto reducionista inferir que o alicerce do mito se encontra tão somente no provérbio da maçã podre que estraga todo o cesto – Girard inclusive fala do veneno (retirado da ideia derridaniana do φαρμακός) que, mesmo em quantidades mínimas, pode envenenar uma população inteira49 – sem levar em consideração outras variáveis que podem ter ocasionado essa situação, seja uma lagarta ou outra praga, a temperatura ou a falta de nutrientes etc., em que, na tentativa de encontrar a gênese inalcançável do fenômeno, acabasse tomando a podridão como justificativa universal. Não se pode, no entanto, rejeitar de antemão as conclusões girardianas da violência como uma entre as diversas bases fundantes dos comportamentos humanos que, inclusive, tem um papel relevante nas pesquisas psicanalíticas, mas sim a sua restrição a um paradigma unidirecional de causa-efeito, que pode, por sua vez, reduzir o mito a um mero processo de cristalização de um ato coletivo de violência in illo tempore. Desta forma, como aponta Traube, Girard acaba retirando a essência das culturas ao direcionar os seus argumentos para sua própria tese, ao invés de analisar o mito na cultura em que fora produzido.

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Girard, longe de imbuir de significado uma coleção de coisas disparatadas, na verdade, destrói esse significado, que dependeria da integração com um sistema total. O que ele faz é desmembrar as totalidades e gerar uma coleção de coisas disparatadas, ou "fragmentos espalhados", para em seguida reordená-los segundo o modelo da vítima [expiatória]... Ao mesmo tempo em que Girard de fato impõe uma ordem ao caos dos fatos etnográficos que criou, ele perde (assim como Frazer e outros teóricos do século XIX, e talvez até mesmo Lévi-Strauss) a habilidade de nos dizer algo a respeito dos próprios produtos culturais, pela simples razão de que aniquilou as culturas que os produziram.50

Com isso, Girard incidit in Scyllam, cupiens vitare Charybdim. Na mesma medida em que a sua teoria funciona tanto como uma régua de Lesbos, adaptando-se a qualquer situação, dada a universalidade do sistema mimético, quanto um leito de Procusto, já que, se o mito não se adequa às suas proposições, Girard esquarteja-o a fim de enquadrá-lo em seus argumentos e estereótipos.

PARTE II

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1 UMA INTRODUÇÃO AOS ESTUDOS DO MITO NA SEMIÓTICA

A semiótica é a ciência dos signos ou a ciência geral de todas as linguagens, que varia os seus estudos de acordo com os conceitos desenvolvidos de signo e linguagem pelos seus autores. Conforme aponta Santaella e Nöth,

numa primeira definição, podemos dizer que a semiótica é a ciência dos sistemas e dos processos sígnicos na cultura e na natureza. Ela estuda as formas, os tipos, os sistemas de signos e os efeitos do uso dos signos, sinais, indícios, sintomas ou símbolos. Os processos em que os signos desenvolvem o seu potencial são processos de significação, comunicação e interpretação.1

Deste modo, a semiótica se expande em uma variedade de campos, teóricos e aplicados – composta por um exército de investigadores2 linguistas, lógicos, filósofos, psicólogos, biólogos, antropólogos, psicopatologistas, esteticistas e sociólogos, por exemplo – que faz com que os seus modos de desenvolvimento epistemo-metodológicos se diferenciem, incluindo a posição assumida em relação ao fenômeno mítico. Assim, mesmo que tal variedade de estudos semióticos abranja um campo muito extenso, de Charles William Morris (1901–1979), Umberto Eco (1932–2016), Thomas Albert Sebeok (1920–2001) a Jeanne Martinet (1920–), para citar somente alguns, é possível destacar três principais eixos semióticos que deram diferentes destaques à perspectiva do mito: 1) a semiótica francesa 2) a semiótica soviética e 3) a semiótica americana.

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1.1 A SEMIÓTICA FRANCESA

Uma primeira origem deste campo pode ser destacada na Europa, principalmente no que se refere à França. Nos seus Cursos de Linguística Geral – ministrados entre 1907 e 1911 – na Universidade de Genebra, o fundador da linguística estruturalista, Ferdinand de Saussure (1857–1913) desenvolveu as matrizes que sustentariam uma teoria geral da linguagem e dos sistemas de signos denominada semiologia, como uma ciência que ainda se encontrava em curso de desenvolvimento; “uma ciência que estude a vida dos signos no seio da vida social”.1 Saussure demonstra que a relação diádica inseparável entre o significado (conceito) e o significante (imagem-acústica) é arbitrária, compondo um signo que carrega consigo uma significação, de modo a construir e moldar o universo do real e do concreto por meio de convenções, contextos e processos de diferenciação. Tal sistema fundado em mecanismos linguísticos gerais entre os elementos de valor relativo, que mantêm uma relação estrutural de oposição, foi de grande influência para toda a corrente estruturalista – como vimos anteriormente em Claude Lévi- Strauss (1908–2009), por exemplo (cf. supra, pp. 132-62). Outros autores deram continuidade ao pensamento da semiologia, mas Louis Trolle Hjelmslev (1899– 1965) – considerado um hiperestruturalista – radicaliza a teoria saussuriana na sua glossemática ao retirar da linguagem todos os elementos que considerou externos à ela – nível metasemiótico de natureza física, fisiológica, psicológica, lógica, religiosa, histórica, política, ontológica – e investigar somente aqueles pertencentes à ela mesma, ou seja, língua e fala, por meio da interdependência de dois planos: expressão e conteúdo. O mito, neste meio, se torna uma linguagem de segunda ordem ou metalinguagem, operando segundo a conotação e valendo-se da denotação. Influenciado tanto por Lévi-Strauss, como Vladimir Yakovlevich Propp (1895 – 1970), Lucien Tesnière (1893–1954) e Étienne Souriau (1892–1979), Algirdas Julien Greimas (1917–1992) se utilizará dos estudos estruturais pertencentes à linguística para a análise do discurso, ou seja, textos e narrativas. Greimas explorou tal abordagem em dois níveis sígnicos em sua teoria da significação: inferior – dos semas – e superior – da semântica, de modo a compor uma trajetória ou percurso gerativo. Os mitos correspondem ao nível profundo, subjacentes ao discurso e opostas ao nível superficial, observável; são pertencentes à ordem paradigmática levistraussiana e geram as significações do universo

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sintáxico-semântico que se organiza naquilo que denominou como quadrado semiótico. Roman Osipovich Jakobson (1896–1982), na linha da filologia e linguística também colaborou com diversos estudos para a mitologia comparada – principalmente no que concerne à cultura eslava e indo-europeia –, ao apontar no sistema estrutural linguístico as bases para a aplicação sistemática de um método histórico-comparativo que evidencie os aspectos culturais e religiosos, de modo a reconstruí-los a partir de seus fragmentos, levando em consideração tantos os seus códigos e quanto os seus contextos.

Por fim, Roland Gérard Barthes (1915–1980), na esteira de Hjelmslev, foi um dos principais autores a expandir o estruturalismo aos mitos, principalmente na relação que eles mantêm ideologicamente com o ambiente social – na arte, cinema, mídia, fotografia etc. –, ao transformar os elementos de uma cultura por meio de um processo de naturalização. Ao contrário da neutralidade da meta-linguagem hiperestruturalista, Barthes via nos mitos um valor político-ideológico tornado universal e comum que se estendia para a esfera social como dominantes, transformando-se em fatos aceitos.

No entanto, o mito barthesiano aparece inicialmente em Le Degré zéro de l'écriture suivi de Nouveaux essais critiques (1953) como a manifestação de um discurso falso,2 uma máscara que, sob a estrutura formal da linguagem, encobria a realidade e simultaneamente era tomada como crível pelo ambiente social.

Posteriormente, publicando em periódicos, Barthes constrói uma crítica social e ideológica aos mitos cotidianos presentes na França da década de 1950, vendo o período como “um campo privilegiado para a mitologização”3 e, a partir das orientações de Greimas, Barthes tem sua perspectiva influenciada por diversos linguistas – Saussure, Jakobson e Rasmus Viggo Brøndal (1887–1942) – que darão corpo a sua formação estruturalista e semiológica e, no caso do mito, a publicação de uma teoria semiológica, inicialmente sob o título Le Mythe Aujourd'hui (1957) e, em seguida, unindo-a às análises de seus artigos, lançou a obra Mythologies (1957).

Em Mythologies, Barthes define o mito como uma linguagem4 e posteriormente, no último capítulo retomará tal afirmação comparando-o, no entanto, à fala (parole).5

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Mas assim como vimos em Lévi-Strauss, não se trata de uma linguagem qualquer, de um mero sistema de palavras dadas por uma relação entre a imagem acústica e o conceito, mas de um sistema de comunicação que não se limita à oralidade, à escrita ou ao visual, mas assim como qualquer outro sistema de linguagem também está submetida à semiologia.

No entanto, o mito “é um sistema semiológico segundo,”6 pois já é construído a partir de outro anterior a ele – o sistema linguístico – compondo assim um sistema integrado que parte da linguagem-objeto à metalinguagem, mas que também retorna como uma linguagem-objeto. Apesar de necessário, o sistema linguístico, de certo modo, é irrelevante para o mito em si, porque aquilo que é signo para a linguagem não passa de mera função significante para o mito, uma matéria-prima ainda a ser modelada. Ou seja, o relevante para o mito, assim como para a língua, é a associação entre seus próprios termos – significados e significantes – cujos signos já adentram impregnados de sentidos advindos do sistema linguístico, formando o que Barthes chama de termo total ou signo global. Ademais, para distinguir os termos entre os dois sistemas, Barthes renomeia os termos que compõem o sistema semiológico do mito em: 1) forma, 2) conceito e 3) significação.

Figura 42 – Esquema semiológico do mito segundo (Barthes,1999, p. 137).

A forma ou o significante do mito possui uma natureza ambígua já que, ao mesmo tempo em que é o responsável por esvaziar, empobrecer o sentido específico do signo linguístico, as associações entre seus significantes e significados, também carrega as raízes necessárias para sua a investigação e vivacidade sob uma nova

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natureza, ou seja, ele se torna “simultaneamente sentido e forma, pleno de um lado, vazio do outro”.7

O conceito, por outro lado, não possui uma arbitrariedade que o esvazia, mas antes trata-se do conjunto de associações entre os significantes que, por sua vez, determinam uma consciência significante do mito, aquilo que permite-lhe ao mesmo tempo carregar um sentido plural que não se esgota e fixar-se em tempo, espaço e contexto, tornando-se uma tendência, independente da matéria em que se expressa ou do suporte que se utiliza. É a mensagem que o próprio mito pretende transmitir, independente da origem de seus significantes, que está oculta.

Da união entre forma e conceito que surge o signo do mito, chamado de significação, que é em si o próprio mito, assim como a relação signo-palavra para Saussure. Essa união gera uma deformação ocasionada pelo conceito sobre o sentido, alterando sua natureza histórica ao substituir as associações originárias entre significado e significante, e, consequentemente, tornando-se o ponto de partida do sistema mítico; “o sentido existe sempre para apresentar a forma; a forma existe sempre para distanciar o sentido.” 8

Assim, Barthes explora tal processo que, segundo o autor, se dá graças a construção da própria linguagem do mito, fazendo-o buscar, antes de uma metafísica da significação mítica – como nas ciências interpretativas –, um entendimento material e formal da estrutura linguística – i.e. semiológica – do mito, cuja ambiguidade resultante entre forma e conceito compõe um caráter imperativo, interpelatório do mito, de modo que os fenômenos perdem suas particularidades históricas em prol de uma generalidade e, consequentemente, o mito se constrói como um ferramenta ideológica, reduzindo seus significantes a um único significado. Longe de carregar uma inocência, o mito funciona como uma fonte de alienação do sujeito a partir da transmissão de uma mensagem que inflexiona a historicidade e a natureza original dos fenômenos com uma construção de uma nova natureza carregada de valor ideológico. Desta forma, o mito dissimula a história, no seu sentido tradicional com outra história que esconde os seus traços originais. Assim, o mito possui uma origem histórica, estabelecida factualmente e, ao contrário de algumas correntes psicológicas, “não é absolutamente necessário um inconsciente”9 para explicar sua metafísica.

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1.2 A SEMIÓTICA SOVIÉTICA

Sob outra perspectiva, baseada nos estudos comparativos filológicos-históricos- literários de Alexander Nikolajewitsch Vesselovski (1838–1906) e Andrei Afanasievich Potebnia (1838–1863), juntamente com as pesquisas estruturalistas e formalistas, a semiótica soviética – também chamada de semiótica textual ou cultural – se desenvolveu como uma teoria de caráter interdisciplinar, que conectava os estudos linguísticos com o meio sociocultural, principalmente voltada para a linguagem e a poética. Ou seja, a semiótica não surgira como propriamente uma ciência, tampouco sob a base de outra, mas como um emaranhado de campos que se inter-conectaram em torno da “problemática do signos na sua relação com a vida social”1 e que, posteriormente, consolidou-se como um sistema semiótico segundo sob a base dos modelos de linguagem. A Escola de Moscou-Tartu se tornou o local de maior fervilhar de tal pensamento semiótico, direcionando seus estudos principalmente em duas linhas: a linguística e a literatura – apontada por Uspienski como uma característica de bipolaridade própria da cultura russa – e tendo como o maior expoente Iuri Mikhailovich Lotman (1922–1993) com a criação de um método estrutural-semiótico partido da linguística estrutural, inicialmente aplicado à análise literária. Ademais, a semiótica soviética “ia muito além de objetivos puramente científicos, pois a semiotização da realidade pode ser compreendida como uma tentativa de questioná-la e admitir a possibilidade de outras leituras”,2 questionando o próprio contexto político-histórico stalinista no qual se encontravam tais estudos, que também relaciona-se com a criação de conceitos construídos em cima de paradoxos enigmáticos que refletem uma visão autorreferencial de cultura,3 como os sistemas modelizantes secundários (vtorítchnyie modelíruiuschie sistiémy) de Uspiésnki. Especificamente, o estudo das narrativas míticas-folclóricas parecem ter se iniciado com a análise sincrônica na Morfologia do conto maravilhoso (1928) de Vladimir Yakovlevich Propp (1895–1970), mas que, ao decorrer dos anos, com a aproximação aos métodos linguísticos, tal campo passou a ocupar uma posição secundária das ciências literárias por grande parte dos autores. Ademais, os trabalhos de Boris Andreyevich Uspienski (1937–), Serguei Yurevich Nekliudov (1941–), Vladimir Nikolayevich Toporov (1928–2005) e Viatcheslav Vsievolodovitch Ivanov (1929–2017), por exemplo, são de grande importância para uma estudo semiótico-cultural do mito, principalmente no âmbito filológico-simbólico-textual;

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mas, em relação aos estudos teóricos do mito, o nome de maior destaque na semiótica soviética é Eleazar Moissevich Meletinski (1918–2005).

Para Meletinski, a mitologia tem um papel fundamental na sociedade e na cultura, servindo de conectora em diferentes níveis das formas arcaicas de narrativas até a manifestação de motivos mitológicos na literatura do século XX. Ele objetiva “estudar simultaneamente as atuais interpretações científicas e artísticas do mito e do problema ‘mito-literatura’ à luz da interpretação hodierna das formas clássicas de mito”.4 Para tal, Meletinski aponta para uma necessidade de explicar os motivos sob um nível suprafrástico, em contraposição aos índices de motivos do sistema de Aarne-Thompson, que isolava os motivos e as relações, e a Escola Antropológica, que via nos motivos e nos sujeitos o cerne unitário do mito – i.e., atomismo –, propondo “o motivo como um microsujeito em um ato, cuja base é a ação”.5

A mitologia é uma forma vital de fantasia criativa que funciona como o solo e arsenal da religião e poesia, como também dissolve-se em demais formas ideológicas de conhecimento, como a filosofia, a política, a arte etc. – apesar de também ser o ponto de partida, nas sociedades arcaicas, para o desenvolvimento de tais –, preservada graças ao seu sincretismo. Esse sincretismo, por sua vez, composto por um complexo ritual-mitológico, é característico da fase inicial da história da cultura e dos pensamentos humanos, mas permanece remanescente nos demais fenômenos da cultura, como apontado no trecho abaixo:

O mito é um dos fenômenos centrais na história da cultura e o método mais antigo de conceituação da realidade que nos rodeia e da essência humana. O mito é o modelo primário de toda ideologia e do berço sincrético de diferentes tipos de cultura: literatura, arte, religião e, até certo ponto, filosofia e até ciência.6

Assim, ao contrário do que pensavam os positivistas do século XIX – que o mito seria substituído pela razão –, com a derrocada do pensamento racionalista- evolucionista, o processo parcial de desmitologização foi substituído paulatinamente por uma constante remitologização ou neomitologismo, devido ao valor harmonizante permanente do mito, conservando-se principalmente no século XX na consciência das massas, nos sistemas políticos-ideológicos e nas fantasias poéticas-artísticas, mas também no âmbito individual, principalmente no que concerne à literatura; “o calor do mito ainda não se extinguira plenamente”.7 O

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mitologismo, enquanto fenômeno do modernismo, parece ser tanto “produto da tomada de consciência da crise da cultura burguesa como crise da civilização em seu conjunto”,8 quanto um processo influenciado fortemente pela filosofia da vida (especialmente Nietzsche e Bergson) sobre os valores sócio-históricos do século anterior e das teorias etnológicas, ao integrar o campo psicoanalítico, a história das religiões e as teorias científicas do período nas abordagens a respeito do pensamento humano e conferindo ao mito um enfoque apologético. Após o choque causado pela primeira guerra mundial, a mitologia, neste meio, parece ter sido encarada como fornecedora dos princípios psicológicos e metafísicos ou dos modelos lógicos eternos, construtivos e destrutivos, que norteiam todo o comportamento individual e social do homem.

Para Meletinski, a literatura – principalmente à literatura narrativa – está geneticamente conectada à mitologia por um processo transformador via conto maravilhoso e epopeia – explicados mais adiante – que não são redutíveis umas às outras. No século XVIII, XIX e XX, em parte, a literatura mantém dois tipos de relação com a mitologia, correlacionados com os movimentos do realismo e do romantismo.

O primeiro tipo é a renúncia consciente ao tema tradicional e ao “tópico” em função de uma transição definitiva do “simbolismo” medieval para a “imitação da natureza”, para a representação da realidade em formas vitais adequadas; o segundo tipo é constituído pelas tentativas de emprego consciente, totalmente a-formal, não-tradicional do mito (emprego do “espírito” e não da forma do mito), que às vezes assume o caráter de mitocriação poética independente.9

Em suma, Meletinski busca a sua semiose da mitologia, “a construção do mito enquanto sistema de relação e enquanto linguagem”,10 – em oposição à perspectiva política-ideológica-ética de Furio Jesi (1941–1980) – funcionando na qualidade de um “sistema de signos modelador total”,11 que a garante coerência interna de suas unidades e permite agrupamentos em sistemas – tais como no modelo tricotômico indo-europeu de Dumézil, por exemplo.

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1.3 A SEMIÓTICA AMERICANA

Já nos Estados Unidos, o cientista-lógico-filósofo1 Charles Sanders Peirce (1839– 1914) se dedicou a uma diversidade de campos do conhecimento – matemática, ética, metafísica, gravitação, termodinâmica, ótica, química, anatomia comparada, astronomia, psicologia, fonética, economia, a história da ciência, uíste, homens e mulheres, vinho, metrologia2 – que se torna difícil a tarefa de determiná-lo como teórico de uma única ciência senão a denominada por ele mesmo como semiótica. Peirce foi um estudioso da lógica do pensamento, das formas de raciocínio e dos métodos científicos; criador de uma Teoria Geral dos Signos e de uma filosofia científica da linguagem, bem como de uma filosofia própria. Seus interesses investigativos simultaneamente permeavam as esferas macro e micro do universo, dos estudos físicos e cosmológicos aos linguísticos, psicológicos, ontológicos e metafísicos. No entanto, para o estabelecimento de uma lógica – ou semiótica –, que envolva todo e qualquer fenômeno, é necessário primeiramente compreender o fenômeno em si para dele extrair suas propriedades, o que ele caracterizou como o papel da Fenomenologia, Phaneroscopia ou Doutrina das Categorias – que abordaremos mais detalhadamente na próxima seção (cf. seq., pp. 283-90). A partir da capacidade de contemplação, distinção e generalização dos fenômenos, Peirce extrai as categorias que denominou Primeiridade, Secundidade e Terceiridade; qualitativamente distintas, mas que se articulam, se integram e se encontram em todo e qualquer fenômeno, ponto essencial para o entendimento do pensamento peirciano. Sob esta base fenomenológica, então, se torna possível desenvolver as Ciências Normativas, dividida em: 1) Estética ou ciência dos ideais; 2) Ética ou ciência do certo e errado; e 3) Lógica ou Semiótica, do pensamento deliberado; que culminam na última ciência: a Metafísica, dividida em: 1) Ontologia ou Metafísica Geral; 2) Metafísica Religiosa ou Psíquica; e 3) Metafísica Física. Ademais, para Peirce, “o universo inteiro está permeado de signos, se é que não seja composto exclusivamente de signos”,3 sendo signo um mediador lógico entre ele mesmo, o objeto que ele representa – não só algo concreto-empírico, mas qualquer outra coisa, desde uma possibilidade, ficção imaginativa, agrupamentos, abstrações e universalizações; ou seja, qualquer outro signo – e o interpretante que determina o efeito produzido sobre a mente de intérprete, a tríade participante de um processo cooperativo denominado semiose ou ação do signo, em que um signo evoca outro

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pelo interpretante e assim sucessivamente ad infinitum. Deste modo, a semiótica se insere como o estudo formal de tal processo sob três níveis: 1) a gramática especulativa ou estesiologia, relativa a uma classificação taxonômica dos signos dentro de seu movimento autogerativo de semiose – ícones, índices e símbolos; 2) a lógica crítica, ou seja, a articulação dos argumentos em abdução, indução e dedução, e suas forças de validação; e 3) a retórica especulativa ou metodêutica, concernente da inter-relação dos métodos de estudos dos processos de evolução e autocorreção dos signos, que levam ao crescimento da razão e acompanham os movimentos de transformação que ocorrem ao longo dos processos semióticos.

Baseado nisso, o único autor a apresentar uma abordagem peirciana teórica do mito é James Jakób Liszka (1950 –), que vê no mito não um aspecto reflexivo- contemplativo que precisa ser interpretado, mas um processo discursivo de transvaloração, cujo sistema autônomo semiótico altera os valores hierárquicos das estruturas normativas da cultura.

Liszka reconhece dois pólos de estudo ou lógos do mito que são insatisfatórios em suas formulações:4 1) a primeira corresponde a uma atividade solícita em que a literalidade do texto se torna um problema, ora, sob a rubrica da teologia – e, de certo modo, da crítica literária –, que busca analisar e clarificar entre os significados ambíguos do texto, aquele que é fundamental, segundo um dogma religioso, para transmiti-lo aos seus leitores; ora, no ramo da hermenêutica, visto que, unindo às suas conexões históricas e tradicionais, as dimensões do texto são aprofundadas pelos leitores-intérpretes em inúmeros significados contínuos e correspondentes; 2) o discurso científico psicanalítico, antropológico, biológico e linguístico, que tentam evidenciar relações ordenadas sob uma lei existente por detrás do texto, de modo que tanto o estruturam quanto dão-lhe uma explicação por meio de um discurso objetivo – principalmente problemáticas quando retiram o seu modelo das ciências naturais. Para o autor, “ambos deveriam ser incorporados a um discurso crítico que evita a apropriação acrítica dos textos como tradição, mas que ainda evita o discurso estéril e sem valor da explicação científica”.5

Apesar das leis terem um poder explicativo geral, como visto em qualquer teoria evolutiva e do desenvolvimento histórico ou natural, essas não devem subsumir a variabilidade das condições que reduzem os eventos a meras combinatórias

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probabilísticas-mecânicas à semelhança de fenômenos genuínos causais, como, por exemplo, é observado nas teorias transmissora difusionista e inatista junguiana, diametralmente opostas – salvas as suas respectivas críticas –, em que ambas não predizem a origem de um mito particular, mas inserem-no nas leis criadas de acordo com as condições que levaram a sua formação – “embora B não ocorra toda vez em que A ocorre, quando B ocorre, A está presente”6 – e ao contrário dos modelos de Carl Gustav Hempel (1905–1997) e Elli-Kaija Köngäs-Maranda (1932–1982) e Pierre Maranda (1930–2015).

Liszka, ao contrário, propõe uma perspectiva reconstrutiva, “como uma coordenação hierárquica de interesses explicativos, hermenêuticos e críticos”7 aos fenômenos culturais, advinda de uma incapacidade de previsão precisa da ocorrência de um fato variável, mas que ainda retém a capacidade explicativa das suas condições de ocorrência. No entanto, para além da impossibilidade de previsão das relações causais entre os elementos e variáveis do sistema, o autor enfatiza que, em se tratando de fenômenos culturais, “não há relações causais necessárias entre os elementos nos sistemas que constituem os fenômenos em questão”,8 que se assemelha às analogias de Ludwig Joseph Johann Wittgenstein (1889–1951) e de Ferdinand de Saussure (1857–1913) sobre a linguagem e explicada por Liszka no trecho:

Dadas as regras do xadrez, não se pode prever com precisão causal os movimentos de qualquer jogador, nem mesmo se o jogador jogará de acordo com as regras ou se jogará. Mas, dado um movimento, pode-se reconstruí-lo em termos das regras do jogo. Um profissional pode ser capaz de prever a estratégia de um oponente mais fraco, portanto, o seu próximo movimento, mas isso novamente depende mais do uso típico das regras, no contexto dos valores, propósitos e intenções dos usuários das regras, do que quaisquer conexões necessárias, causais.9

Ao contrário de uma semiótica holística e reducionista que restringe o significado ao objeto do signo, Peirce enfatiza que o significado é construído ad infinitum, em um outro signo, que remete à outros de modo a intentar representar o seu objeto, numa construção de ação sígnica – i.e., semiose – infinita. Assim, um signo só pode ser definido na sua relação mediadora com o seu objeto e aquilo que Peirce chama de seu interpretante, ou seja, aquilo que determina o efeito produzido relativo ao próprio signo, que pode ou não ser interpretado e, se interpretado, dá continuidade a cadeia de signos, gerando um novo signo que funciona como o seu interpretante,

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e assim por diante – porque “todo propósito de um signo é aquele de que ele deva ser interpretado em um outro signo”10 –, de modo a tentar se aproximar cada vez mais do objeto representado; nas palavras de Peirce, “como consequência de todo signo determinar um interpretante, que é ele mesmo um signo, temos signo desenrolando-se em signo”.11

Assim, sustentado pelos estudos de Peirce, Liszka observa nessa intencionalidade ou propósito do signo – como um símbolo, “uma representação que procura se tornar definida, ou procura produzir um interpretante mais definido que ele mesmo”12 –, por meio da confluência de semioses anteriores, não somente uma aproximação do objeto representado, que levam a formação de hábitos e crenças, mas também um controle da conduta em relação ao objeto, uma vez que se têm mais conhecimento – mais signos – que a ele se refere, que por ser tido como um hábito de ação ou uma tradução de signos.

Liszka relaciona essas relações de indeterminação à determinação com a passagem da Primeiridade à Secundidade e da última à Terceiridade peircianas, como “o processo de tradução de signos que passa da imprecisão à definição, da globalidade à diferenciação”.13 Assim, se o interpretante é o responsável pelo processo tradutório do signo, entre conotação (compreensão/profundidade) e denotação (extensão), a determinação e a hierarquia, como elementos valorativos, coordenam os elementos sígnicos de modo a clarificar a tal processo – segundo o autor, preenchendo uma brecha na semiótica peirciana – em um processo denominado transvaloração, ou seja,

é uma semiose semelhante a uma regra, que revaloriza as relações percebidas, imaginadas ou concebidas de determinação e hierarquia de um referente conforme delimitadas pelas relações de determinação e hierarquia do sistema de seus signos e da teleologia do usuário do signo.14

Seguindo os trabalhos de Roman Osipovich Jakobson (1896–1982), Michael Joseph Shapiro (1940–) e Henning Andersen (1934–), Liszka determina relações valorativas para a organização das diferenças, caracterizadas em termos de: 1) determinação (markedness), referente ao nível paradigmático, diz respeito aos valores de dois pólos que estabelecem uma relação assimétrica, em que um elemento é

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determinado (presente, complexo, normal) e outro indeterminado (ausente, simples, anormal); e 2) hierarquia (rank), ao nível sintagmático,

Nesse sentido, o mito surge como um processo de transvaloração, colocando em crise as regras que definem as hierarquias nos diversos domínios da vida cultural, seguido de uma violação ou transgressão que gera uma ruptura, culminando em uma resolução, na restauração ou reforço da hierarquia, por um lado, ou a sua destruição completa – i.e., anomia social. O método de Liszka torna possível a reconstrução das regras que tornam possível a manifestação do mito, bem como a sua relação com outras regras da cultura, fornecendo o meio para a reflexão crítica de seu funcionamento e o diálogo sobre a sua ação, seja por distorção, deslocamento ou condensação – termos da psicanálise freudiana –, ou a codificação dos valores culturais de seus participantes, caracterizando-o tanto como um signo em seu aspecto dinâmico quanto entendido em sua capacidade reflexiva.15

Desta forma, Liszka se refere aos mitos como símbolos perigosos, pois a ambivalência das interpretações podem perturbar a ordem de normas e valores que controlam e constituem a cultura, que o leva a concluir que “nenhuma outra forma de narrativa está tão repleta de violência quanto mito”,16 inculcada em sua estrutura semiótica e presente na própria cosmogenia, teogenia e antropogenia de um povo.

Por fim, Liszka sustenta uma abordagem semiótica, em que os mitos não devem ser vistos em termos de representações ou reflexões que ora colocam o mito como pertencentes a um processo ideal e irreal, nem hierárquico, ora privilegiando um aspecto da cultura sobre os outros, impondo uma determinada hierarquia, mas como subsistemas culturais intrincados e relativos à própria organização hierárquica de cada sociedade, capazes de serem analisados por meio das noções de deslocamento e transvaloração. Em suma,

Os mitos, em particular, são uma transvaloração das regras e conceitos que "estruturam" o tecido econômico, social, político e cósmico de uma cultura; eles não são simplesmente uma janela através da qual alguém vê esses valores, no entanto, eles também fornecem um conjunto de lentes que focalizam, invertem, distorcem, obscurecem e distanciam a cultura da qual o mito faz parte. Isto é, verdadeiramente falando, os mitos são processos transvalorativos por excelência, muito na maneira em que Freud reconheceu os sonhos como transvalorativos, deslocando representações da condição psíquica. Mas, além disso, os mitos não são apenas uma

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representação passiva da vida cultural; ao contrário, eles são reflexivos, no sentido de que os participantes culturais vêem a sua própria cultura através dos espetáculos do mito. Eles não são, portanto, apenas representações ideológicas de regras que informam uma cultura, eles tomam parte na in- formação da cultura; eles nem sempre são formações orientadas, mas, em muitos sentidos, são também mecanismos condutores.17

No entanto, como podemos observar nessas abordagens semióticas do mito, existe uma ausência de preocupação senão uma carência de uma fenomenologia do fenômeno mítico, principalmente nas duas primeiras perspectivas. Para mais, apesar da abordagem de James Liszka estar fundamentada na semiótica peirciana, que mantém por base uma teoria fenomenológica, a preocupação do autor se dirige aos processos de transformação do fenômeno e a sua atuação dentro de uma cultural, apontando o mito como uma narrativa composta de aspectos hierárquicos, a partir das contradições sociais, que tende a traçar uma solução mediadora entre seus termos contraditórios – semelhante à perspectiva menos estrutural de Lévi- Strauss, em seu pensamento selvagem.

Assim, a nossa proposta, tendo como fundamentação a súmula apresentada anteriormente e o cenário semiótico no qual o mito se encontra, é contribuir com uma perspectiva fenomenológica introdutória do fenômeno mítico que aparenta carecer em tais estudos. Deste modo, pegando o mito pela base, se torna possível visualizar os pontos de contato entre as diversas teorias a respeito desse mesmo fenômeno, que, se identificado por categorias universais, permite a visualização das suas diferentes formas de manifestação e as múltiplas perspectivas das suas dimensões, onde o mito, fragmentado, encontra as suas distintas formas de ser.

Porém, antes de prosseguirmos em uma jornada fenomenológica do mito, precisamos sustentar tal estudo em uma abordagem que seja capaz de desempenhar tal empreitada com uma dinâmica suscetível de relacionar o mesmo fenômeno por ângulos tão díspares, mas sem desconsiderar o rigor científico no qual um conceito deve estar submetido. Acreditamos que tal perspectiva é possibilitada por meio da Fenomenologia de Charles Sanders Peirce.

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2 A FENOMENOLOGIA DE CHARLES SANDERS PEIRCE

Charles Sanders Peirce (1839–1914) dedicou grande parte de seus estudos à ciência, é o fundador de uma semiótica americana e, como apontou Granville Stanley Hall (1846–1924), é “uma das mais importantes contribuições americanas à filosofia”.1 Peirce contribuiu em inúmeros ramos do conhecimento, em que se podem ressaltar a exploração dos gráficos existenciais, a teoria do sinequismo, tiquismo, agapismo, a teoria dos signos, as contribuições à lógica, à física e à matemática, a teoria do falibilismo e da continuidade, a classificação das ciências, a doutrina do pragmatismo e a sua fenomenologia, só para citar algumas de suas contribuições. Como nos lembra Santaella, em concordância com Hausman,2

o pensamento científico, filosófico, lógico e semiótico de Peirce é tão vasto, multifacetado, os assuntos que aborda são tão heteróclitos e interconectados que uma apresentação breve desse pensamento, mantendo alguma fidelidade às suas propostas é tarefa quase impossível.3 Como expresso em 1898, o objetivo ou a ambição de Peirce era “erigir um edifício filosófico que durará mais que as vicissitudes do tempo”, [...] não tanto para fixar cada tijolo com a mais precisa precisão, mas para estabelecer as suas fundações profundas e maciças”.4 Com isso, Peirce pretendia delinear uma teoria que fosse tão abrangente que, independente de tempo, do desenvolvimento do pensamento e das ciências, sobrevivesse nos seus pormenores, tal como a filosofia de Aristóteles buscou. Para tal empreitada, como o papel fundamental de qualquer filosofia, Peirce deveria criar concepções gerais e mínimas de inteligibilidade que percorressem qualquer coisa no universo, do possível ao existente, do real ao imaginário/fictício, do empírico ao hipotético, do particular ao geral do simples ao complexo, em todos os seus níveis.

A formulação dessas concepções, dentro do ramo filosófico, no entanto, diz respeito mais especificamente à tarefa da Fenomenologia, a partir da observação direta dos elementos de qualquer coisa, a qualquer momento, de qualquer modo como se apresenta à mente, podendo ser também executada por qualquer outra pessoa. Porém, o sistema fenomenológico peirciano só aparece efetivamente em sua completude em 1902, quando Peirce realizou a sua classificação das ciências.

A classificação peirciana das ciências corresponde a uma hierarquia cujas primeiras disciplinas fornecem os princípios necessários para a fundamentação das

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disciplinas posteriores, cuja matriz geral se divide em Ciências da Descoberta, Ciências da Revisão e Ciências Práticas (figura XX).

As Ciências da Descoberta ou Heuréticas – advindo de εὕρηκᾰ, exclamado por Arquimedes de Siracusa (c. 287 a.C. – c. 212 a.C.) –, dividida entre Matemática, Cenoscopia ou Filosofia e Idioscopia,5 correspondem às ciências com foco na observação, é

o corpo concreto de suas próprias atividades, em busca de tal verdade que lhes pareça altamente merecedora de devoção ao longo da vida e na investigação pelos métodos mais criticamente escolhidos, incluindo toda a ajuda tanto geral quanto especial que eles possam obter da informação e reflexão uns dos outros.6 As Ciências da Revisão ou Retrospectiva são aquelas ciências que se ocupam do trabalho de “arranjar os resultados da descoberta, começando com resumos, e seguindo no esforço para formar uma filosofia da ciência”,7 de modo a compor um sistema de classificação, um manual da história da ciência – “uma ciência en retraite, Wissenschaft a.D.”8 – ou seja, um conhecimento sistematizado, tal como é definido por Samuel Taylor Coleridge (1772–1834) na Encyclopædia Metropolitana (1817), ou como aparece os trabalhos de Friedrich Wilhelm Heinrich Alexander von Humboldt (1769–1859), Isidore Auguste Marie François Xavier Comte (1798–1857), William Whewell (1794–1866), Francis Bacon (1561–1626) e Herbert Spencer (1820–1903).

As Ciências Práticas ou Aplicadas é o ramo “que abrange qualquer investigação científica conduzida com vistas a algum fim ulterior”9 e não é movida pela natureza ilustre da verdade buscada, um dos mais variados ramos da ciência, como a pedagogia, etiqueta, horologia, topografia, navegação, telegrafia, impressão, encadernação de livros, fabricação de papel, decifração, fabricação de tinta, biblioteconomia etc, por exemplo.10

Dentro do ramo das Ciências da Descoberta e seguindo a divisão de Jeremy Bentham (1748–1832), Peirce divide as Ciências Positivas ou Ciências dos Fatos são aquelas que buscam um conhecimento positivo, ou seja, que expressa um conhecimento convenientemente em uma proposição categórica11 – com exceção da Matemática – entre ciências cenoscópicas e idioscópicas.

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A Cenoscopia ou Filosofia, como o primeiro departamento das ciências positivas, busca meramente “aprender o que pode ser aprendido daquela experiência que pressiona cada um de nós diariamente e de hora em hora”.12 Ela é, portanto, uma ciência teórica cenoscópica (κοινοσκοπία), desempenhando tanto um trabalho analítico das experiências adquiridas quanto construindo “concepções do ente do ser e do não-ser e das suas principais partes”.13 Em outras palavras, o papel da Filosofia é tanto um ato de observar e obter um conhecimento dos fatos ou verdades cotidianas/familiares como reais (filosofia positiva ou sintética) quanto de “descobrir tudo o que pode ser descoberto a partir dessas experiências universais” (cenoscopia), de modo que funcionem como uma Weltanschauung para as ciências idioscópicas, sendo dividida em três grandes divisões: 1) Fenomenologia; 2) Ciências Normativas; e 3) Metafísica – posteriormente, em 1902, Peirce acrescenta a Cronoteoria e a Topoteoria como ciências teóricas da Filosofia, enquanto as três anteriores se referem apenas à episteme.

A Filosofia deve imitar as ciências bem-sucedidas em seus métodos, na medida em que só procede de premissas tangíveis que podem ser submetidas a um escrutínio minucioso, e confiar mais na multiplicidade e variedade de seus argumentos do que na conclusividade de qualquer um. Seu raciocínio não deve formar uma cadeia que não seja mais forte que o seu elo mais fraco, mas um cabo cujas fibras podem ser sempre tão finas, desde que sejam suficientemente numerosas e intimamente conectadas.14 Já as ciências teóricas especiais ou idioscópicas (ἰδιοσκοπία) tratam os fenômenos positivamente a partir da experiência dos fatos, sejam elas pertencentes ao ramo da física (dinâmica, física, química, fisiologia, anatomia, astronomia, geologia etc.) ou da psique (psicologia, antropologia, lingüística, história etc.), baseando-se em princípios matemáticos – que se preocupa com “o conhecimento das consequências de hipóteses arbitrárias”15 – e se contenta com “um exame mais atento e uma comparação dos fatos da vida cotidiana, tais como se apresentam a toda pessoa adulta e sã, e, na maioria das vezes, em todos os dias e horas de sua vida desperta”.16

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Figura 43 – A classificação das ciências segundo Peirce.

A Fenomenologia, Phaneroscopia ou Doutrina das Categorias, como a primeira divisão da Filosofia – e tanto a base das Ciências Normativas e da Metafísica como independente das mesmas17 – tem por função contemplar o Fenômeno Universal,18 sendo fenômeno ou phaneron – preferencialmente o segundo, por distinção a Hegel19 e diferente da experiência pura20 –, neste contexto, “o que estiver presente, em qualquer momento, à mente, de qualquer maneira”,21 “o total coletivo de tudo o que está de alguma forma ou em qualquer sentido presente à mente, independentemente de corresponder ou não a qualquer coisa real”22 e de seu valor cognitivo.23 Nas palavras de Santaella, fenômeno é tudo aquilo que aparece à mente, “seja ela meramente sonhada, imaginada, concebida, vislumbrada, alucinada… Um devaneio, um cheiro, uma ideia geral e abstrata da ciência… Enfim, qualquer coisa”.24

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Porém, todo fenômeno é uma miríade de componentes inextricavelmente misturados, um aglomerado de outros elementos que o tornam tanto um geral em si mesmo, quanto uma parte independente do seu pertencimento a um todo, ou seja, um particular em si. Ao ilustrar com um exemplo matemático da curva cônica – uma vez que a Fenomenologia tem a sua natureza próxima da Matemática25 –, Peirce diz que um conceito fortemente marcado é rodeado de conceitos de fronteira, que incluem o anterior e que não se deve tentar compreendê-lo em toda a sua extensão, mas “confinar-se a si mesmo, a princípio, à sua forma extremamente característica e, quando isso for totalmente compreendido, indagar por quais modificações as formas limítrofes se ligam a ela”.26

Para o estabelecimento da lógica de um fenômeno, porém, é necessário primeiramente descrevê-lo como tal, para dele extrair as suas propriedades, os elementos onipresentes, mas com características próprias indecomponíveis. Isso é o que Peirce caracteriza como o papel da Fenomenologia, que tem por objetivo isolar as categorias universais da experiência, independentemente da sua correspondência com qualquer realidade, abstendo-se e evitando religiosamente as especulações empíricas e explicações hipotéticas.27 Desta forma, a Fenomenologia, como ciência, não poderia repousar sobre nenhuma outra ciência positiva, senão somente sobre a ciência hipotética e condicional da Matemática,28 “cujo o único objetivo é descobrir não como as coisas realmente são, mas como elas poderiam ser, se não em nosso universo, então em outros”,29 tratando os fenômenos em sua Primeiridade,30 como veremos adiante.

Afastando-se do paradigma da tabula rasa, para Peirce, a experiência, como a única mestra,31 “é aquilo que diretamente é revelado pela arte observacional daquela ciência”,32 construída a partir das observações colaterais, ou seja, de um conhecimento conectado, assimilado e derivado de outro, recebendo uma interpretação. Porém, se interpretação já é conhecimento e o conhecimento é a própria experiência, então, toda interpretação já é por si, experiência.33 Assim, diferentemente de Hegel, cuja Phänomenologie des Geistes é nominalista e pragmatoidal, baseada na observação e análise da experiência – apesar de sua atitude com relação ao filósofo alemão ser ambivalente –34 Peirce concorda, grosso modo, com o caráter revelador das categorias universais – chamadas de

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estágios/graus do pensamento/conhecimento, e as suas séries evolutivas35 –, conforme discorre em carta com Lady Welby:

Minhas três categorias resultaram de dois anos de estudo incessante no sentido de tentar fazer o que Hegel tentou fazer. Tornou-se aparente que existiam categorias como a dele. Mas por pior que sejam as dele, eu não poderia substituir nada radicalmente melhor. Paralelamente a estes, que podem ser chamados categorias materiais, existem categorias formais, correspondentes aos seus três graus de pensamento.36

As categorias cenopitagóricas são, sem dúvida, outra tentativa de caracterizar o que Hegel procurou caracterizar como os seus três estágios de pensamento. Eles também correspondem às três categorias de cada uma das quatro tríades da tabela de Kant. Mas o fato de que essas diferentes tentativas eram independentes uma da outra (a semelhança dessas categorias com os estágios de Hegel não foi notada por muitos anos depois que a lista estava em estudo, devido à minha antipatia por Hegel) serve apenas para mostrar que realmente existem três desses elementos.37 A tarefa da Fenomenologia, portanto, é a observação aguda e generalização diretamente da Percepção das experiências que se apresentam imediatamente à nós, identificando os elementos a todo instante, “quer estejamos perseguindo investigações sérias ou passando pelas mais estranhas vicissitudes da experiência, ou estamos ouvindo sonhadoramente as histórias de Sherazade”.38 Ademais, o objetivo de Peirce com a formulação de tais categorias era: 1) mostrar a sua presença nos fenômenos; 2) as suas diferentes formas e aspectos que podem ser assumidos e deixar as suas características claras; 3) mostrá-las em suas formas mais puras e racionais, descrevendo-as em todas as suas mudanças; 4) mostrar que são elementos indispensáveis de todo fenômeno, impossíveis de serem ignorados; e 5) que nenhuma delas pode ser redutível a outra ou sua mistura; com isso Peirce, diz que isso esclarecido, ele colocaria a pedra fundamental do seu arco,

demonstrando que nenhuma quarta categoria poderia ser acrescentada à lista, e então [...] poderia ir para a moral de toda a história mostrando como os principais conflitos entre os diferentes marechais em guerra da metafísica surgem inteiramente do esforço de cada um para omitir de sua conta do universo uma ou até mesmo duas das três Categorias Universais, de modo que há, como fato histórico, apenas sete sistemas, o verdadeiro dando a devida atenção a todas as três categorias ABC; três outros que reconhecem dois cada, e três que reconhecem apenas um cada [conforme a figura abaixo].

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Figura 44 – Os sete sistemas possíveis a partir das três categorias (EP2, p. 149).

Em outras palavras, a Fenomenologia é o fundamento para se compreender essencialmente as experiências humanas diárias, capaz de postular as formas ou propriedades universais dos fenômenos, de toda e qualquer experiência e pensamento,39 uma vez que Peirce não se restringia aos limites do pensamento ou do humano, mas buscava explorar as mais diversas formas presentes no universo40 – essa será a distinção para a fenomenologia de Edmund Gustav Albrecht Husserl (1859–1938) que, apesar de suas intenções semelhantes, atribuía um caráter essencial à consciência na constituição da realidade.41 Para o autor, a Fenomenologia “escrutina as aparências diretas e se esforça para combinar a exatidão minuciosa com a generalização mais ampla possível”,42 compreendendo todas as formas do universo que são, em si, maiores que o homem. Ou seja, a função da Fenomenologia, portanto, é “elaborar um inventário de aparências sem entrar em qualquer investigação de sua verdade”43 ao “olhar bem para o fenômeno e dizer quais são as características que nele nunca estão ausentes”.44 De uma maneira mais poética, Peirce diz que

a Fenomenologia ou Doutrina das Categorias tem por função desenredar a emaranhada meada daquilo que, em qualquer sentido, aparece e a enovela em formas distintas; ou seja, fazer a análise última de todas as experiências é a primeira tarefa a que a filosofia tem de se submeter. É uma das tarefas mais difíceis, talvez a mais difícil, exigindo poderes de pensamento muito peculiares, a habilidade de agarrar nuvens, vastas e intangíveis, organizá- las em disposição ordenada, recolocá-las em processo.45

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Para tal empreitada, Peirce recomendou três “faculdades” como os requisitos necessários para a distinção das propriedades universais dos fenômenos pelos estudantes da fenomenologia.

A primeira e a principal é aquela rara faculdade, a faculdade de ver o que está diante dos olhos, tal como se apresenta, insubstituível por qualquer interpretação, sem sofisticação por qualquer subsídio para esta ou aquela suposta circunstância modificadora. Esta é a faculdade do artista que vê, por exemplo, as cores aparentes da natureza como elas se apresentam. [...] A segunda faculdade com que devemos nos esforçar para nos armar é uma discriminação decidida que se prende como um bulldog a um aspecto específico que estamos estudando, seguindo-o onde quer que ele possa se espreitar, e detectando-o sob todos os seus disfarces. A terceira faculdade que precisamos é o poder generalizador do matemático que produz a fórmula abstrata que compreende a verdadeira essência do aspecto examinado, purificado de toda mistura de acompanhamentos estranhos e irrelevantes.46 Assim, partindo do elementar ao universal, portanto, o estudante de fenomenologia deve-se primeiramente abrir os seus olhos mentais para um fenômeno tal como ele se apresenta – “seja este fenômeno algo que a experiência externa força sobre nossa atenção, ou seja, o mais selvagem dos sonhos ou a mais abstrata e geral das conclusões da ciência”47 –, sem qualquer julgamento ou interpretação, pois “não há nada tão diretamente aberto à observação como os phanerons”,48 seguido da discriminação dos elementos que se relacionam a ele e, por fim, a “purificação” dos elementos de modo a torná-lo algo representativo de generalidade.

Em outras palavras, a Fenomenologia “é o estudo que, apoiado pela observação direta de phanerons e generalizando suas observações, sinaliza várias classes muito amplas de phanerons”;49 compreende uma capacidade de contemplação, distinção e generalização de qualquer experiência, que a torna apta de ser observada e testada, da mesma maneira, por qualquer pessoa. Desta forma, Peirce diz que

o grande esforço do estudante é não ser influenciado por nenhuma tradição, qualquer autoridade, quaisquer razões para supor que tal e tal devam ser os fatos, ou quaisquer fantasias de qualquer tipo, e se limitar à observação honesta e obstinada das aparências. O leitor, ao seu lado, deve repetir as observações do autor para si mesmo e decidir, a partir de suas próprias observações, se o relato do autor sobre as aparências está correto ou não.50

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2.1 AS CATEGORIAS UNIVERSAIS

Visto que a primeira tarefa da Filosofia, como Fenomenologia, é criar concepções gerais de inteligibilidade para a apreensão e descrição de qualquer fenômeno possível, Peirce, aos 28 anos, dá início a essa empreitada discriminando as categorias universais de toda e qualquer experiência, de qualquer modo que se apresente em qualquer tempo e à qualquer maneira à mente, e não a partir de concepções já elaboradas por outros1 – como lembra Rosensohn2 –, assim como deve fazer um estudante de fenomenologia. O filósofo que deseja construir uma teoria grandiosa, deve ser deliberado e rigoroso na criação de seu sistema, de modo a reformar os sistemas anteriores em voga, chegando à revoluções radicais, assim como alguém que planeja a construção da própria moradia3 e não por empréstimo e aplicações das teorias antecessoras, conforma critica no trecho:

Dos cinquenta ou cem sistemas de filosofia que foram desenvolvidos em diferentes épocas da história do mundo, talvez o maior número tenha sido, não tanto os resultados da evolução histórica, como pensamentos felizes que acidentalmente ocorreram a seus autores. Uma idéia que foi considerada interessante e frutífera foi adotada, desenvolvida e forçada a fornecer explicações de todos os tipos de fenômenos.4 Tal empreitada por uma teoria revolucionária se inicia com a publicação de um artigo no sétimo volume dos Proceedings of the American Academy of Arts and Science, intitulado On a New List of Categories (1867),5 posteriormente tido pelo próprio Peirce como um dos seus trabalhos filosóficos mais marcantes (strongest philosophical work), uma conquista capital (central achievement) e menos insatisfatório (the least unsatisfactory).6

Em New List, Peirce pretende formular uma pequena lista de categorias, diferenciando-se das longas listas de Aristóteles, Kant e Hegel7 – sem o materialismo-lógico-gramatical do primeiro, o nominalismo e o julgamento-lógico formal com um princípio transcendental do segundo, que também permanece no terceiro, junto de uma independência8 e restrição ao pensamento das categorias – que inserem inúmeras categorias limitadas às experiências específicas apreendidas apenas pela indução, pela observação da realidade, não contemplando todo e qualquer fenômeno possível, necessário e contingente – i.e., categorias da modalidade –, nem inserindo outras formas de inferências para a apreensão da experiência, como a dedução e a abdução (hipótese). Assim, para Peirce, as

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categorias devem ser, em realidade, condições ou componentes gerais para a formulação de concepções gerais, universais e necessárias unificadas em proposições em relação ao pensamento lógico e não apenas psicológico (processo cognitivo), e à qualquer experiência – pois proposições são “os produtos básicos da articulação do conhecimento”9 –, de modo a “reduzir a multiplicidade de impressões sensuais [– termo kantiano –] à unidade"10 – tendo em vista, como apontamos no início da seção, que todo fenômeno é uma miríade de elementos. Ademais, essas concepções universais também devem seguir uma gradação (gradation), hierárquica e não recíproca, “pois uma dessas concepções pode unir a multiplicidade de sentidos e ainda outra pode ser necessária para unir a concepção e o múltiplo ao qual ela é aplicada; e assim por diante”,11 mas que são interdependentes.

Desta forma, a partir de uma proposição lógica – the stove is black (o fogão é preto) – e da inversão da lógica kantiana do conceito para do entendimento e da análise para a síntese, Peirce extrai, primeiramente, cinco categorias lógicas fundamentais, qualitativamente distintas, mas que se articulam, se integram e se encontram em todo e qualquer fenômeno, em que três delas são as mediadoras entre as outras duas, denominadas 1) Qualidade; 2) Relação; 3) Representação; 4) Substância; e 5) Ser. No entanto, como veremos adiante, somente as três primeiras – mediadoras, denominadas inicialmente como acidentes – foram mantidas como categorias universais,12 enquanto as duas últimas se tornaram parte de seus estudos metafísicos – pois concepções metafísicas, psicológicas e naturalistas não são necessárias para a apreensão dos fenômenos em si mesmos.

Peirce inicia a lista com as concepções de substância e ser, como os extremos inicial e final, respectivamente, de qualquer proposição, em que o primeiro é um presente geral ao qual nenhuma discriminação ou comparação pode ser realizada dentro de uma proposição (uma miríade) – que posteriormente será denominada como fenômeno13 –, enquanto o segundo é a união entre um sujeito e um predicado por meio de uma copula – i.e., verbo – de modo a reduzir um todo múltiplo à unidade (um particular).14 No exemplo já citado do “fogão é preto”, Peirce demonstra como a substância (fogão), em sua multiplicidade, é reduzida à unidade ao ser conectada a um ser (negrura) por meio de um verbo (ser, no presente do indicativo – i.e., é), de modo a qualificá-lo como um fogão preto, bem como a ausência de um predicado de uma substância gera uma determinação sem sentido (A possui as

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características comum a tudo), ou seja, tanto a inaplicabilidade do ser à substância quanto da substância ao predicado.

Assim, por meio de um processo não-recíproco de abstração – i.e., a distinção de um geral em particularidades, por meio da focalização em seus elementos –, entre a discriminação (distinção por significados) e a dissociação (distinção por considerações psicológicas da consciência), denominado por abstração prescisiva ou prescisão (prescision)15 e seguindo a lei da gradação, Peirce distingue logicamente as categorias que mediam o ser e a substância – do múltiplo à unidade –, em que a primeira categoria se distingue da segunda e da terceira, e a segunda categoria da terceira – uma vez que ela já contém a primeira –, enquanto a terceira categoria não é prescindível, já que ela pressupõe e media as duas anteriores. Por meio desse processo, Peirce chega às categorias gerais de qualidade, relação e representação.

Qualidade (quality) é o primeiro termo que distingue e expressa a substância, particularizando-a por intermédio do ser, fazendo referência a um fundamento (ground), ou seja, uma forma meramente pura e abstrata de qualquer coisa encarnada, semelhante – mas não igual, porque não contém o ser ainda – à uma ideia platônica.16 No caso do exemplo do fogão preto, a negrura do fogão, considerada independentemente, ou seja, em si mesma, tomada sem aplicação em nenhuma outra coisa – no caso, o fogão – é meramente hipotética, abstraível, uma vez que a incorporação da qualidade do preto (há negrura no fogão) é o mesmo que dizer que a substância é preta (o fogão é preto). Porém, essa ideia abstrata ou fundamento é necessário para o entendimento da proposição “o fogão é preto”, visto que, assim como enfatizamos anteriormente, a ausência do predicado gera uma ausência de sentido e, consequentemente, de inteligibilidade da proposição; portanto, a qualidade, como uma referência à abstração (fundamento), não pode ser prescindível do ser, pois ela funciona como tal ao incorporar a própria substância no ser, enquanto o inverso – i.e., o ser é prescindível da qualidade – não é verdadeiro. Como explica Hausman

Se esta mudança na identificação da qualidade é comparada com as observações de Peirce sobre a equivalência da incorporação da abstração, a negritude e o predicado, preto, que é a abstração na medida em que é aplicada ao sujeito, podemos discriminar três constituintes que servem como ocasiões de qualidade. Primeiro, há o sujeito, ou signo linguístico,

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que nos remete a uma substância – que resulta da afirmação da condição hipotética ou interpretativa, da qualidade de algumas das impressões confrontadas no presente em geral. Em segundo lugar, há a abstração, que é necessário ser reconhecida para que a afirmação possa ocorrer. Finalmente, há a terceira, a abstração incorporada, que media entre a pura abstração e a substância.17 A relação (relation)18 é simplesmente um fato que pode ser dito como verdade sobre algo expresso numa proposição. Peirce aponta que os estudos de psicologia empírica de seu período demonstraram que o conhecimento de uma qualidade, no entanto, só ocorre quando essa é colocada em relação de contraste ou semelhança à outra coisa, um correlato,19 ou seja, “os objetos cujas designações preenchem os espaços em branco de um relativo completo”.20 Assim, como vimos anteriormente, uma hipótese só pode ser formulada a partir da correlação entre dois termos de modo a ser composta em uma proposição. Peirce dá três exemplos de relação, em que no primeiro, a compara as letras p e b por intermédio de uma imagem que as sobrepõe, cuja rotação do eixo gera uma das imagens à semelhança da outra, mas que ambas estão simultaneamente presentes. Já no segundo, Peirce nos pede para imaginar a relação entre um assassino e uma pessoa assassinada, em que

neste caso, concebemos o ato do assassinato e, nesta concepção, ele é representado tal que, correspondendo a todo assassino (bem como a todo assassinato), há uma pessoa assassinada; e, assim, recorremos novamente a uma representação mediadora [assassinato] que representa o relato [assassino] como representando um correlato [pessoa assassinada] com o qual a representação mediadora é ela mesma em relação.21 Já no terceiro exemplo, Peirce diz que caso alguém se depare com a palavra homme em um dicionário de francês, a encontrará em oposição a palavra homem, que representa tanto a mesma anterior [homme], quanto ambas representam a mesma criatura bípede. Deste modo, uma vez mantida a noção de gradação, “a referência a um correlato não pode ser prescindida da referência a um fundamento; mas a referência a um fundamento pode ser prescindida da referência a um correlato”,22 pois somente assim uma qualidade pode ser diferenciada de outra qualquer, cada qual referente às suas respectivas abstrações (fundamentos).

Por fim, a representação (representation) é a mediação entre qualidades e/ou fundamentos de modo a funcionar como a substância da proposição – nas palavras de Peirce, “uma representação mediadora que representa o relato como sendo uma representação do mesmo correlato que a própria representação mediadora representa”.23 Essa relação instaurada é mediada por um produto de um processo

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interpretativo lógico denominado interpretante, “porque cumpre o ofício de um intérprete, que diz que um estrangeiro diz a mesma coisa que ele mesmo diz”24 – como no exemplo anterior do dicionário. Assim, tendo em vista que a apreensão dos fenômenos é tida em uma multiplicidade, o interpretante cumpre o papel e é o responsável por tornar possível a comparação de modo a prescindir uma forma da outra, para reuni-las novamente em um único ser. Deste modo, o processo de inteligibilidade advinda da apreensão dos fenômenos trata da passagem da abstração presente no fundamento do ser, em sua multiplicidade de impressões, cujas qualidades são relacionadas como correlatos mediante um interpretante, a fim de constituir uma unidade, dada por uma substância, que compõem, em seu conjunto, uma proposição. Portanto, as categorias fundamentais de Peirce, até o momento são divididas em

SER Qualidade (referência a um fundamento) Relação (referência a um correlato) Representação (referência a um interpretante) SUBSTÂNCIA No entanto, somente 18 anos mais tarde, em um artigo intitulado One, Two, Three: Fundamental Categories of Thought and of Nature (1885), que Peirce retoma tais categorias como as condições necessárias e universais para a apreensão de qualquer fenômeno pela experiência. Diferentemente, porém, de seu artigo de 1867, em que o autor explora as categorias confinadas ao fenômeno mental, Peirce começa uma empreitada por identificar também tais categorias nos fenômenos físicos, na natureza e no universo em geral.

Rosensohn aponta dois argumentos que impediram Peirce de formular suas categorias durante esse tempo: 1) uma insatisfação ou descrença inicial com a ideia de que qualquer fenômeno pudesse ser formulado somente segundo as suas três categorias originalmente estabelecidas em sua New List, expresso tanto no início do artigo One, Two, Three, como algo tido inicialmente como fantasioso,25 quanto, mais tarde, em carta à Victoria Lady Welby-Gregory (1837–1912),26 inclusive sugerindo jocosamente aos psiquiatras a nomeação de uma mania por tricotomias como Trichimania, sendo ele próprio uma de suas vítimas;27 e 2) o temperamento científico do autor que exigia uma comprovação empírico para validar a universalidade de sua lista, ou seja, que “cada categoria [inicialmente publicada na

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lista de 1867] tem que se justificar por um exame indutivo que resultará em atribuir- lhe apenas uma validade limitada ou aproximada”.28

Durante o período intermediário de 1879 a 1885 – que Rosensohn reconhece como um ponto de virada no pensamento do autor, no sentido de enriquecimento –, Peirce apresentou uma série de doze palestras no Lowell Institute (1867), além de apresentar seis artigos, publicados na The Popular Science Monthly (1877) sobre a lógica das ciências e os métodos de inferência. Ademais, filiando-se à Johns Hopkins University (1879) durante cinco anos, Peirce estudou lógica, álgebra, metafísica e também explorou o pensamento mecânico psicológico-fisiológico no departamento de filosofia – tendo contato com os trabalhos de John Dewey (1859– 1952) e William James (1842–1910) –, porém não abandonando suas pesquisas de geodésia, astronomia teórica, astrofotometria e espectrometria – período em que o autor também escreveu The Fixation of Belief (1877) e Design and Chance (1884).29 Em 1885, com a publicação de One, Two, Three: Fundamental Categories of Thought and of Nature, Peirce amplia o escopo inicialmente explorado em 1867, apontando as diferentes categorias pelas quais a consciência opera (consciência de qualidade ou sentimento, consciência de interrupção e consciência sintética ou pensamento) – primeiramente explorada em 1866 – e formulando três categorias elementares implícitas na natureza, concluindo que “por tal tipo de síntese, todo o organismo da lógica pode evoluir mentalmente das três concepções de Primeiro, Segundo e Terceiro, ou mais precisamente, Um, Outro, Meio”.30

Ou seja, achamos necessário reconhecer na lógica três tipos de caracteres, três tipos de fatos. Primeiro, existem caracteres singulares que são predicáveis de objetos únicos, como quando dizemos que qualquer coisa é branca, grande etc. Em segundo lugar, há caracteres duais que pertencem a pares de objetos; estes estão implícitos em todos os termos relativos como "amante", "semelhante", "outro" etc. Em terceiro lugar, existem caracteres plurais, que podem ser todos reduzidos a caracteres triplos, mas não a caracteres duplos.31 Com a ampliação de seus estudos sobre linguagem e a sua concepção de lógica, tida como uma lógica das relações, como “o primeiro passo de Peirce em direção a sua teoria fenomenológica desenvolvida das categorias”,32 conforme aponta Hausman, o autor revê a sua classificação de predicados indecomponíveis da lista de 1867 em três tipos de relações (monádica, diádica e triádica). A relação não é mais somente tida em termos de ser e substância como o início e o fim da proposição, ou seja, a relação entre um sujeito qualificado por um predicado,

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conectados por uma cópula, mas o próprio predicado é tido como a relação sobre o que é dito a respeito de um ou mais sujeitos relacionados por meio da cópula.

Assim, a proposição "este fogão é preto" é uma relação monádica, pois tem apenas um sujeito. "É preto" é o predicado monádico que se aplica ao assunto. Assim, a cópula "é" é internalizada. Mas a expressão "A é o pai de B" é uma proposição que é diádica, porque tem dois sujeitos, "A" e "B". E, usando um dos exemplos favoritos de Peirce, "A dá B a C", temos um exemplo de uma relação triádica, porque ela tem três assuntos. Os três tipos de relações, então, podem ser chamados de "mônada", "díade" e "tríade".33 Da publicação do artigo One, Two, Three em diante, Peirce sustenta e amplia cada vez mais as noções de Primeiro, Segundo e Terceiro, que não somente fazem parte de uma empreitada fenomenológica, mas são aplicáveis à qualquer forma de lógica, como aparece em trechos no mesmo ano sobre o protoplasma34 – e novamente em A Guess at the Riddle (1887–8)35 –, no ano conseguinte em One, Two, Three: Kantian Categories (1886) sobre a evolução na cosmogonia física e, em relação à lógica da filosofia, em The Architecture of Theories (1891), por exemplo, respectivamente reproduzidos abaixo.

As propriedades do protoplasma são enumeradas da seguinte forma: contratilidade, irritabilidade, automatismo, nutrição, metabolismo, respiração e reprodução; mas tudo isso pode ser resumido sob as cabeças da sensibilidade, movimento e crescimento. Essas três propriedades são respectivamente primeiro, segundo e terceiro.36

Se o universo está assim progredindo de um estado de nada além de puro acaso para um estado de determinação completa por lei, devemos supor que há uma tendência original, elementar, das coisas adquirirem propriedades determinadas, formarem hábitos. Este é o Terceiro ou o elemento mediador entre o acaso, que produz os Primeiros e os eventos originais e a lei que produz sequências ou Segundos.37

Entre os muitos princípios da lógica que encontram sua aplicação na filosofia, posso aqui apenas mencionar um. Três concepções estão aparecendo perpetuamente em todos os pontos de todas as teorias da lógica, e nos sistemas mais completos elas ocorrem em conexão umas com as outras. São concepções tão amplas e consequentemente indefinidas que são difíceis de serem percebidas e podem ser facilmente esquecidas. Eu as chamo de concepções de Primeiro, Segundo e Terceiro. Primeiro é a concepção de ser ou existir independente de qualquer outra coisa. Segundo, é a concepção de ser relativo a, a concepção de reação com, outra coisa. Terceiro é a concepção de mediação, em que um primeiro e um segundo são colocados em relação.38 Assim, para Peirce, uma vez que tais categorias são universais e elementares, elas podem ser aplicadas à qualquer fenômeno, sendo possível identificá-las na psicologia/consciência (sentimento, sensação de reação ou de fato externo e concepção geral), na fisiologia (sensibilidade, ação reflexa e poder de formação de

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hábitos), na biologia (ação arbitrária, hereditariedade e processo fixação da arbitrariedade), na física cosmogônica (acaso, lei, formação de hábito), ao espaço (ilimitado e imensurável, imensurável e limitado, e ilimitado e finito), na lógica (possível, atual e necessário), na evolução das espécies (evolução por variações acidentais de Darwin, evolução catastrófica por necessidade mecânica de Clarence Rivers King, e evolução por esforço e transmissão de Lamarck), na evolução em geral (tiquismo, sinequismo ou ananquismo e agapismo), nos tipos de formas, nomes, proposições e inferências (afirmativa, negativa e incerta), nos métodos de inferência (abdução ou hipótese, indução e dedução), os tipos de signo (ícone, índice e símbolo, nome ou descrição), por exemplo.

Tendo formulado essas concepções as mais gerais possíveis – assumidas em um ensaio intitulado The List of Categories: A Second Essay, X (1894) –, Peirce, em 1897, declara finalmente ter amadurecido as suas ideias desenvolvidas desde a publicação de On a New List of Categories, que agora poderiam ser colhidas e publicadas.

O desenvolvimento de minhas idéias tem sido a indústria de trinta anos. Eu não sabia como eu deveria publicá-las, o amadurecimento delas parecia tão lento. Mas a tempo da colheita chegou, finalmente, e para mim essa colheita parece selvagem, mas é claro que não sou eu que tenho que julgar. Não é também você, leitor individual; é a experiência e a história.39 Assim, agora podendo observar essas três concepções no “que quer que seja, em qualquer momento, diante da mente de qualquer maneira somente”,40 Peirce pode analisar o mundo de modo puramente lógico, afastando o caráter metafísico da formulação dos elementos básicos para a apreensão e inteligibilidade da experiência, que são denominadas como Categorias41 ou arranjos filosóficos – segundo James Harris (1709–1780) – “uma tabela de concepções extraídas da análise lógica do pensamento e considerada aplicável ao ser”.42 Em 1898, Peirce altera a nomenclatura das categorias iniciais da linguagem de 1) qualidade, 2) relação e 3) representação para 1) qualidade, 2) reação e 3) mediação e, em sua forma científica, mais geral, em 1) Primeiridade, 2) Secundidade e 3) Terceiridade,43 mas que, em realidade, não dependem da nomenclatura e sim de suas concepções gerais.

Talvez eu possa começar notando como diferentes números encontraram os seus defensores. O Dois foi exaltado por Pedro Ramus, o Quatro por Pitágoras, o Cinco por Sir Thomas Browne e assim por diante. De minha

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parte, sou um inimigo resoluto de nenhum número inocente; eu respeito e estimo todos eles de várias maneiras; mas sou forçado a confessar uma inclinação ao número Três na filosofia. De fato, eu uso tanto as três divisões nas minhas especulações, que parece melhor começar fazendo um ligeiro estudo preliminar das concepções sobre as quais todas essas divisões devem repousar. Não quero dizer mais do que as ideias de primeiro, segundo e terceiro – ideias tão gerais que podem ser consideradas como humores ou tons de pensamento, do que como noções definidas, mas que têm grande significado para tudo isso. Vistos como numerais, para serem aplicados a objetos de que gostamos, eles são de fato finos esqueletos de pensamento, se não meras palavras. Se nós quiséssemos apenas fazer enumerações, seria fora de questão perguntar pelas significações dos números que deveríamos ter que usar; mas, então, as distinções da filosofia devem tentar algo muito além disso; elas pretendem ir até a própria essência das coisas e, se quisermos fazer uma única distinção filosófica tripla, cabe a nós perguntar de antemão quais são os tipos de objetos que são primeiro, segundo e terceiro, não sendo assim contados, mas em suas próprias características verdadeiras. Que existem tais ideias de primeiro, segundo e terceiro, nós encontraremos motivos para admitir neste momento.44 Concluindo com a retomada do início dessa seção, nos anos conseguintes, Peirce desenvolve a classificação das ciências e instaura a Fenomenologia ou Doutrina das Categorias, em 1902, como um estudo singular e a primeira das tarefas para o estudo da Filosofia, e cunha os termos Phaneroscopy e phaneron, em 1905, para diferenciar-se da Phänomenologie hegeliana, como expresso em carta a William James.45

Essas três categorias “são concepções tão amplas e, consequentemente, indefinidas, que são difíceis de apreender e podem ser facilmente esquecidas”,46 aparecendo em toda teoria lógica como componentes fundamentais de todo e qualquer fenômeno, e interdependentes na experiência. Peirce as denomina como categorias cenopitagóricas47: 1) Primeiridade, “o modo de ser daquilo que é como tal, positivamente e sem referência a qualquer outra coisa”; 2) Secundidade, “o modo de ser daquilo que é como tal, com respeito a um segundo, mas independentemente de qualquer terceiro”; e 3) Terceiridade, “o modo de ser daquilo que é como tal, ao trazer um segundo e um terceiro em relação um ao outro”.48

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2.1.1 PRIMEIRIDADE

Elucubrar a respeito da experiência já a pressupõe como uma possibilidade. Ou seja, toda forma de experiência possui um estado prévio que é resvalado na sua imediatez (immediacy) ou presentidade (presentness), rompendo com o fluxo do tempo, ao não se inserir num passado determinado, nem num futuro direcionado, ou seja, sem começo, fim ou mudança, mas simultaneamente presente em qualquer momento daquele tempo.1 É a experiência em si mesma, in toto, “que consiste em nada além disto e que é de si mesma tudo o que ela é”,2 sendo independente de qualquer outra coisa e não possuindo referência a qualquer outra coisa; “simples demais para ter qualquer forma degenerada”3 – também chamada de modificação enfraquecida.4 Ela possui uma inocência – naiveté –, em que ao ser nomeada, pensada ou simplesmente identificada, se perde ao se tornar um evento, um acontecimento, uma ocorrência; ela “é tão tenra que não podemos sequer tocá-la sem estragá-la”.5 Como define Peirce:

A ideia do absolutamente primeiro deve ser inteiramente separada de toda a concepção ou referência a qualquer outra coisa; pois o que envolve um segundo é em si mesmo um segundo para esse segundo. O primeiro deve, portanto, estar presente e imediato, de modo a não ficar em segundo lugar para uma representação. Deve ser fresco e novo, pois, se for antigo, é o segundo em relação ao estado anterior. Deve ser iniciativo, original, espontâneo e livre; caso contrário, é o segundo a uma causa determinante. Também é algo vívido e consciente; então, apenas evita ser o objeto de alguma sensação. Ele precede toda síntese e toda diferenciação; não tem unidade nem partes. Não pode ser articuladamente pensado: afirme-o e já perdeu sua inocência característica; pois a afirmação implica sempre uma negação de outra coisa. Pare para pensar nisso e já voou! O que o mundo era para Adão no dia em que ele abriu os olhos para ele, antes de fazer quaisquer distinções ou se tornar consciente de sua própria existência – que é primeira, presente, imediata, fresca, nova, iniciativa, original, espontânea, livre, vívida, consciente e evanescente. Apenas lembre-se de que toda descrição deve ser falsa para isso.6 Essa concepção é o que Peirce denomina como a categoria de Primeiridade (Firstness), que sugere a ideia de mônada, do fenômeno em sua qualidade, sem o estabelecimento de uma relação com um outro qualquer – i.e., talidade (suchness); ou seja, é a categoria da possibilidade, do “pode ser” (may be/might be), do acaso, vagueza, da liberdade autônoma, da originalidade, em que não há um outro que determina as suas ações.7 Como o embrião do ser, as possibilidade – na Lógica dos relativos, corresponde a uma relação medádica, do grego μηδέν (mēdén, “nada”)8 – estão infestadas em que qualquer coisa no universo, mas somente algumas delas se atualizam e passam à existência, como Peirce exemplifica a respeito da

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característica magnética de uma barra de ferro que se encontra como mera possibilidade em uma barra de bronze.9 Como apresentado no texto de 1867, On a New List of Categories, a mônada é uma pura qualidade, indivisível, sem partes ou características, nem existência, pois qualidades em si não resistem – diferente, como veremos a seguir, da segunda categoria. Neste sentido, trata-se de

uma consciência na qual não há comparação, nenhuma relação, nenhuma multiplicidade reconhecida (já que as partes seriam diferentes do todo), nenhuma mudança, nenhuma imaginação de qualquer modificação do que está positivamente ali, nenhuma reflexão – nada além de um simples caráter positivo.10 Esse estado de uma certa “pré-experiência”, no entanto, não pode ser tido como uma ideia retirada do passado mnemônico, mesmo que ocorrida no exato instante, uma vez que ela já se torna uma ocorrência. Peirce, geralmente, une às descrições paradoxais das qualidades um termo que expressa uma ideia da presentidade independente da concepção temporal diacrônica ou espacial, de modo a exemplificar tais qualidades em si mesmas sem a sua necessária ocorrência, pois parece ser a única forma de ilustrar um estado de sentimento puramente monádico o tanto quanto é possível apresentá-lo: “Tal consciência pode ser apenas um odor, digamos um cheiro de essência; ou pode ser uma dor mortal infinita; pode ser o escutar de um apito eterno e penetrante”;11 ou, estando sonolento, “ter uma sensação de vermelhidão vaga, não-objetificada, ainda menos subestimada, ou de gosto salgado, ou de uma dor, ou de tristeza ou alegria, ou de uma prolongada nota musical”;12 ou ainda, “imaginar uma consciência cuja a vida inteira, quando acordada ou quando sonolenta, ou sonhando, não deve consistir em nada além de uma cor violeta ou um fedor de repolho podre”.13

Em seu caráter psíquico, a Primeiridade tem como verdadeira representante a qualidade de sentimento (quality of feelings) – nem sensações, nem pensamentos, respectivamente segundas e terceiros –, ou seja, no modo mais imediato de percepção dos fenômenos, presente nas cores, odores, emoções, tons de humor, sons e sabores, por exemplo, infinitamente variável e que se apresenta numa miríade quando é experienciada; nas palavras de Peirce:

entre os phanerons, há certas qualidades de sentimento tais como a cor de magenta, o odor da rosa, o som do silvo de um trem, o sabor do quinino, a qualidade da emoção ao se contemplar uma bela demonstração matemática, a qualidade de sentimento do amor etc.14

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Como afirma Rosensohn, "é o aspecto pré-predicativo da experiência, a situação pura antes que as categorias sejam aplicadas",15 nem abstrato nem plenamente real,16 mas o fenômeno tal como ele é e se apresenta em sua imediatez, em sua presentidade, cada qual uma e única, sem manter qualquer tipo de relação com um outro e, “assim, se este sentimento está presente durante um lapso de tempo, ele está completa e igualmente presente em qualquer momento daquele tempo”.17 Desta forma, a qualidade de sentimento é uma familiaridade imediata mantida com a categoria que também é atribuída às coisas externas,18 como Peirce apresenta em exemplo sobre a vermelhidão:

Para um exemplo de Primeiridade, olhe para qualquer coisa vermelha. Essa vermelhidão é positivamente o que é. O contraste pode aumentar nossa consciência disso; mas a vermelhidão não é relativa a nada; é absoluta, ou positiva. Se alguém imagina ou se lembra de vermelho, sua imaginação será vívida ou sombria; mas isso não afetará, no mínimo, a qualidade da vermelhidão, que pode ser brilhante ou monótona, em ambos os casos. A vivacidade é o grau de nossa consciência disso, sua reação em nós. A qualidade em si não tem nitidez nem obscuridade. Em si, então, não pode ser consciência. É, de fato, em si mesma, uma mera possibilidade.19 Devido a restrição à poucas propriedades presente nas cores, tomadas em si mesmas como particulares, Peirce geralmente apresenta-as como exemplos de fenômenos predominantemente de Primeiridade, bem como das capacidades dos artistas de enxergar o mundo como uma totalidade de cores20 ou de uma pessoa pensar numa consciência que se resume a uma única cor, sem comparação com outra coisa, mesmo com a sua ausência – como também é a primeira das três faculdades requeridas para um estudo da Fenomenologia, como no exemplo abaixo:

Quando o solo está coberto por neve, onde o sol brilha, exceto onde as sombras caem, se você perguntar a qualquer homem comum qual é a cor que aparenta ser, ele lhe dirá branca, branca pura, mais branca à luz do sol, um pouco acinzentada na sombra. Mas isso não é o que está diante de seus olhos que ele está descrevendo; é a sua teoria do que deveria ser visto. O artista dirá a ele que as sombras não são cinza, mas um azul opaco e que a neve ao sol é de um amarelo rico. O poder de observação desse artista é o mais desejado no estudo da fenomenologia.21 Como no exemplo anterior e no acima, uma cor só pode ser definida segundo as suas próprias propriedades que reduzem-na a ela própria e é inseparável do sentimento ou do pensamento que se tem da cor, visto que qualquer alteração em qualquer uma das suas propriedades (saturação, matiz e brilho), já corresponde a uma nova cor que não a experienciada anteriormente, inclusive do sentimento atribuído à mesma um quarto de segundo após a sensação22 – e uma vez que se

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relacionado com qualquer outra cor, mesmo com outra idêntica, já se mantém uma relação diádica; e se caracterizada com um geral, como pertencente à categoria das cores ou mesmo daquilo que se entende pela própria cor, ela já se torna um terceiro. Peirce apresenta essa mesma noção a respeito da cor amarela:

Veja, por exemplo, qualquer coisa amarela. Essa qualidade amarela não é nada em si mesma, como aquela mera qualidade, a ser explicada por qualquer outra coisa, ou definida em termos de qualquer outra coisa; nem envolve ou implica qualquer outra coisa. Isso é certamente evidente. É verdade que sabemos por experiência que uma cor amarela pode ser produzida misturando luz verde e vermelha. Mas o amarelo, como qualidade de sentimento, não envolve referência a nenhuma outra cor. Toda qualidade de sentimento, como tal, é perfeitamente simples e independente de qualquer outra coisa.23 Relembrando o texto de 1867 – New List –, uma qualidade só pode ser apreendida por meio da sua corporificação em uma substância, caso contrário, ela é mera possibilidade abstrata, um fundamento. Portanto, a Primeiridade é mais uma condição da qualidade do que a própria qualidade corporificada24 ou puramente uma abstração – tal como no hegelianismo. Desta forma, como aponta Hausman, a Primeiridade não pode ser alcançada exceto por um processo de abstração prescisiva, eliminando da miríade dos fenômenos os aspectos que são independentes de quaisquer outros, mas que, simultaneamente, só podem ser apreendidos enquanto tais a partir do estabelecimento de relações com os demais elementos do fenômeno, ou seja, aquilo que não pertence à sua positividade, que é tido como uma negação.

Como as Primeiridades são o que são antes da relação e não podemos articular suas inteligibilidades sem tratá-las como em relação, devemos tratá-las prescindindo-as. Isso é para atingir a condição de qualidade, negligenciando os outros aspectos do fenômeno. Atingir a qualificação potencial determinada que se torna uma qualidade particular enquanto não atinge a qualidade em si. Assim, Primeiridade pura é a condição de determinação qualitativa. É o que é pressuposto ao prescindir das ocasiões das abstrações o que são as suas propriedades particulares, isto é, o que são abstrações corporificadas.25 Por fim, vale ressaltar que a própria Fenomenologia, para Peirce, como parte de uma ciência positiva e filosófica, “trata das Qualidades Universais dos Fenômenos em seu caráter fenomenal imediato, em si mesmos como fenômenos. Ela, assim, trata de Fenômenos em sua Primeiridade”.26

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2.1.2 SECUNDIDADE

Comparar ou mesmo ter uma experiência de uma qualidade de sentimento, interpor algo a ela, ou torná-la factual já é perdê-la em si, transformá-la num segundo, pois “ela acontece apenas uma vez”,1 hic et nunc, tal como no rio heraclitiano.2 Uma vez que um fenômeno ocorre, senão tomado em sua talidade e presentidade tenra do possível, ele já se torna um elemento do passado, delimitado por tempo e espaço específicos e incorporado na realidade – ou seja, “um fato pode ser definido como a Secundidade que consiste entre qualquer coisa e uma possibilidade, ou Primeiridade, realizada naquela coisa”;3 e, esse passado, consequentemente, está em relação a aquilo anterior à ocorrência, que também age sobre o fenômeno subsequente, conectando-o e dependendo-o da sua anterioridade.

Toda a sua vida está no presente. Mas quando ele [o homem] pergunta o que é o conteúdo do presente instante, sua questão sempre chega muito tarde. O presente se foi e o que dele resta está acentuadamente metamorfoseado.4 Ao contrário da originalidade positiva e independente de tempo das qualidades, que não nega e não se relaciona a outro, a individualidade, como uma paridade de elementos existencialmente distintos em momentos únicos, “é uma unidade agressiva, decorrente de uma recusa absoluta de ser, em qualquer grau, responsável por qualquer outra coisa”.5

Daí surge a categoria de Secundidade como “a ideia de outro, de não, torna[ndo]- se o próprio pivô do pensamento”6 e a mais proeminente nos trancos-e-barrancos do mundo.7 Ela possui a ideia de força, de ação e reação e de existência – sua ideia mais genuína e sem limites,8 pois existir é constantemente resistir e reagir ao outro, além de pertencer a um contexto espaço-temporal –, a luta (struggle) entre um ego monádico e inúmeros outros não-egos – o Estranho Intruso (Strange Intruder) – também monádicos, mas que parecem se antepor a sua unidade, revelando tanto uma diferenciação quanto uma alteridade. O ego cria uma relação não somente de oposição ou contrários, mas de contradição, ou seja, a tudo aquilo que não o é – diferente da lógica da dialética hegeliana de dependência existencial entre objetos – e, portanto, a Secundidade também é a categoria da individualidade.

Os fatos também dizem respeito a assuntos que são substâncias materiais. Nós não os vemos como vemos qualidades, isto é, elas não estão na

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própria potencialidade e essência do sentido. Mas sentimos que os fatos resistem à nossa vontade. É por isso que os fatos são proverbialmente chamados de brutos. Agora, meras qualidades não resistem. É a matéria que resiste. Mesmo na sensação real, há uma reação. Agora, meras qualidades, não materializadas, não podem realmente reagir. Então, corretamente entendido, é correto dizer que nós imediatamente percebemos diretamente a matéria.9 Como aponta Ibri, essa concepção prenuncia o afastamento radical de Peirce do cartesianismo, “uma vez que a existência do ego é dada pela negação numa experiência imediata e não através de uma dúvida formulada conceitualmente, solucionável pela mediação do cogito”.10 Em outras palavras, tudo parece estar reagindo sempre contra si mesmo ao existir, antepondo aquilo que não lhe pertence como um outro elemento, agindo como “dois aspectos de uma consciência bilateral”.11 Apesar desse tipo de luta como uma reação à diferenciação, com uma experiência de esforço, como volição, sem uma interpretação ou propósito é o que Peirce determina como a forma genuína de Secundidade, ou ação bruta, há também, na percepção, uma reação sem esforço, uma forma degenerada de Secundidade.

Esse segundo degenerado parece como uma instância psicológica, como uma sensação de resistência, em que haverá sempre um princípio de ação-reação entre supostos agente e paciente, mas que, em realidade, é mera perspectivação em relação ao êxito e a falha, respectivamente, proporcionados pelo resultado da ação. Peirce demonstra tal noção de indiferença entre agentes e pacientes com o exemplo de uma pessoa que faz um esforço muscular contra uma porta entreaberta, que, consequentemente, será igual à resistência da porta contra o corpo, em que “se você achar que a porta está aberta apesar de você, dirá que foi a pessoa do outro lado que agiu e você resistiu, enquanto se você conseguir abrir a porta, dirá que foi você quem agiu e a outra pessoa que resistiu”.12 Ademais, em sequência, Peirce também acrescenta mais três exemplos – um homem segurando uma escada com que atinge uma pessoa, a luz de um relâmpago em meio a escuridão que atinge os olhos de uma pessoa e a formação de uma figura na imaginação a partir de uma demonstração geométrica – para demonstrar que há uma reação, mesmo que no Mundo Interno, contra uma ação. A diferença entre uma reação do Mundo Externo e do Mundo Interno, é que, no primeiro caso, o que é tido como agente provoca um efeito que não é perceptível no paciente, ignorando a sua reação a ele; enquanto no segundo caso, a imaginação tem o poder de reagir prontamente a qualquer ação,

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externa ou interna, de modo a modificá-la a seu “bel-prazer” – como um ego que nega tudo aquilo que não lhe pertence; assim, “os objetos internos oferecem um certo grau de resistência e os objetos externos são suscetíveis de serem modificados em alguma medida por esforço suficiente e inteligentemente direcionado”.13 Dado isso, a Secundidade, em relação à experiência, também é a categoria da surpresa,14 uma vez que ela substitui, filtra ideias falsas ou reage a uma concepção anterior, caso contrário, se o resultado fosse igual a premissa e o estado ulterior fosse idêntico ao anterior, estaríamos na presentidade da Primeiridade,15 conforme Peirce demonstra no exemplo abaixo:

Imagine-se sentada à noite sozinha na cesta de um balão, muito acima da terra, calmamente apreciando a absoluta calma e quietude. De repente, o agudo grito de um assobio de vapor avança sobre você e continua por um bom tempo. A impressão de quietude era uma ideia de Primeiridade, uma qualidade de sentimento. O apito penetrante não permite que você pense ou faça nada a não ser sofrer. Então isso também é absolutamente simples. Outra Primeiridade. Mas a quebra do silêncio pelo barulho foi uma experiência. A pessoa em sua inércia se identifica com o estado precedente de sentimento e o novo sentimento, que vem apesar dele, é o não-ego. Ele tem uma consciência bilateral de um ego e um não-ego. Essa consciência da ação de um novo sentimento na destruição do sentimento antigo é o que chamo de experiência.16 Assim, um elementos segundo indica ou faz referência a presença de um outro, primeiro, estabelecendo uma relação necessária, de modo a conectá-los e prescindida de um terceiro, ou seja, de uma conclusão, um propósito ou de uma generalidade – apesar de poder contribuir para esses –, mas que ainda mantém o caráter monádico de cada elemento, ou seja

É possível prescindir a Primeiridade da Secundidade. Podemos supor um ser cuja vida inteira consiste em um sentimento invariável de vermelhidão. Mas é impossível prescindir a Secundidade da Primeiridade. Pois supor duas coisas é supor duas unidades; e, por mais incolor e indefinido que um objeto possa ser, ele é algo e nele há Primeiridade, mesmo que não tenha nada reconhecível como qualidade. Tudo deve ter algum elemento não relativo; e esta é a sua Primeiridade.17

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2.1.3 TERCEIRIDADE

No entanto, para “pensar precisamos nos deslocar no tempo”,1 para tornar um fenômeno qualquer inteligível é necessário fazer uma mediação interpretativa entre dois relata (termos/elementos), senão o universo seria mera interpelação de uma negatividade diádica sobre uma positividade monádica e não haveria evolução ou continuidade, mas meras quebras de estados presentes. Como vimos anteriormente, em 1867, Peirce aponta a terceira concepção fenomenológica como uma representação mediada por um produto de um processo interpretativo lógico denominado interpretante, que torna o significado consciente, inteligível, numa experiência sintética da substância em um ser.

Dessa maneira, se qualidades podem ser corporificadas ou atualizadas de modo a formar uma proposição lógica, perceber um fenômeno já é media-lo entre a sua existência – mas que não se confina à ela – que é percebida e as qualidades em nós produzidas, resultando em um significado e dando sentido à experiência. Assim, todo fenômeno cognitivo é um processo com “um sentido de aprendizagem, de aquisição, de crescimento mental”,2 que é constantemente traduzido ou representado em outras formas. Portanto, a Terceiridade se instaura como a categoria da mediação ou representação, pois ela “é encontrada sempre que uma coisa provoca uma Secundidade entre duas coisas”.3

Primeiro e segundo, agente e paciente, sim e não, são categorias que nos permitem descrever grosseiramente os fatos da experiência, e eles satisfazem a mente por muito tempo. Mas finalmente eles são considerados inadequados, e o terceiro é a concepção que é então requerida. O terceiro é aquele que atravessa o abismo entre o primeiro e o último absolutos e os coloca em relação.4 Para mais, uma continuidade é criada a partir de uma série de repetições produzidas pela interpelação entre primeiros e segundos, a fim de correlacionar suas características em inúmeras ocorrências, que, por insistência da realidade, tornam possível o reconhecimento de fenômenos como parte de um mesmo grupo ou como o mesmo fenômeno – ou objeto, na semiótica. De uma forma ou de outra, ambos apontam para um crescimento da inteligibilidade, da razão objetificada, uma continuidade e uma generalidade, ao obedecer certas leis.

Em qualquer sucessão de eventos ocorridos, deve haver algum tipo de regularidade. Não, deve haver regularidades estritamente excedendo toda a multidão. Mas, assim que o tempo adicionar outro evento à série, uma

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grande parte dessas regularidades será quebrada e logo indefinidamente. Se, no entanto, houver uma regularidade que nunca será e nunca seria quebrada, que tenha um modo de ser consistindo neste destino ou determinação da natureza das coisas que o futuro sem fim se conformará a ela, isso é o que chamamos de lei.5 Esse caráter geral do fenômeno dado por leis é tanto a base para a previsibilidade de eventos futuros, por meio da observação de tendências ou hábitos, quanto da cognição enquanto uma série de eventos concatenados, que não podem ser subsumidos à causa e efeito, mas somente de modo a construir um conhecimento em direção à uma verdade contínua e autocorretiva ad infinitum, ao “filtrar as falsas idéias, eliminando-as e deixando a verdade verter em sua corrente vigorosa”6 – que desencadeia toda a teoria peirciana do falibilismo.

Dizer que uma previsão tem uma tendência decidida a ser satisfeita é dizer que os eventos futuros são, em certa medida, realmente regidos por uma lei. Se um par de dados virar o número seis cinco vezes consecutivas, isso é uma mera uniformidade. Os dados podem fortuitamente virar o número seis mil vezes consecutivas. Mas isso não permitiria a menor segurança para uma previsão de que eles virariam o número seis na próxima vez. Se a predição tem uma tendência a ser preenchida, deve ser que eventos futuros tenham uma tendência a se conformar a uma regra geral.7 Assim como a Secundidade, a Terceiridade também tem uma forma genuína e duas formas degeneradas, uma vez que, pela abstração prescisiva, o terceiro não pode ser prescindido do segundo e do primeiro, mas esses últimos podem ser prescindidos de um terceiro.

A forma monadicamente degenerada de Terceiridade é o resultado de três mônadas que mantêm alguma relação entre si, “onde nós concebemos uma mera Qualidade de Sentimento, ou Primeiridade, para representar a si mesma como Representação”,8 que pode ser encontrada nas cores secundárias, como Peirce exemplifica com a cor laranja, que, como “intermediária entre vermelho e amarelo é uma tríade monoidalmente degenerada. Então, uma dada qualidade é um composto de duas outras”.9

Já a forma diadicamente degenerada de Terceiridade é resultado de uma relação diádica genuína, em que dois elementos são colocados em relação por intermédio ou de modo a evocar um terceiro, mas sem prescindi-lo, como uma Pluralidade Irracional, “que, como existe, em contraste com a forma de sua representação, é uma mera complicação da dualidade”.10 Deste modo, Peirce descreve dois tipos de tríades diádicas: 1) essenciais, relacionando duas mônadas, como, por exemplo, o

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sabor cítrico e o perfume de água de colônia coexistindo em um limão; e 2) acidentais, que podem ser divididas em a) inerente, conectando sujeito e qualidade, como o caso do “fogão é preto” ou b) relacionais, conectando dois sujeitos, por exemplo, quando “A é pai de B e B é pai de C”; quando “A está ao norte de B e B está a leste de C”; ou quando “A é mãe de B e B é esposa de C”,11 que podem levar respectivamente às conclusões de que tanto A é avô de C quanto C é neto de A, no primeiro caso; no segundo, A forma ou está para C por um ângulo; e, no terceiro caso, tanto A é sogra de C quanto C é genro de A. No entanto, os termos avô, neto, ângulo, sogra e genro são tríades diádicas na medida em que só podem existir a partir de suas relações diádicas.

Em sua forma genuína, a Terceiridade é o próprio pensamento que não é redutível a apenas uma relação diádica. Elas são tríades triádicas – i.e., signo, objeto e interpretante –, na medida em que “envolve a ideia de algo mais do que tudo que pode resultar da adição sucessiva de um para um”,12 um elemento mental, pois somente existe como representação por meio de uma intencionalidade, uma lei, uma regularidade ou uma generalidade. Assim, por exemplo, a proposição “A faz um contrato com C” não pode ser prescindida em duas díades dadas por “A assina um documento D” e “C assina o documento D”, pois o contrato só existe na intencionalidade de que certas regras exercidas por A e C geram um contrato e toda relação triádica, como produtora de significado, não pode ser reduzida ou prescindidas em relações diádicas.13

Em outro exemplo, Peirce mostra que a proposição “A dá B à C”, composta por três elementos indistintos (sujeito nominativo, objeto direto e objeto indireto), pode ser expressa de seis formas diferentes – 1) A dá B à C; 2) B enriquece C às custas de A; 3) C agradece A por B; 4) A beneficia C com B; 5) C recebe B de A; e 6) B deixa A para C –, mas expressam o mesmo e único fenômeno, pois

O sujeito nominativo denota um dos três objetos que no fato triádico simplesmente assume um caráter não relativo de atividade. O objeto direto é aquele objeto que no fato triádico recebe um caráter relativo àquele agente, sendo o paciente de sua ação, enquanto o objeto indireto recebe um caráter que não pode existir nem ser concebido para existir sem a cooperação dos outros dois.14 Assim, somadas as demais categorias de Primeiridade e Secundidade e suas formas genuínas e degeneradas, temos um diagrama tal qual apresentado abaixo

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(figura XX), sendo os três principais ramos (da esquerda para direita), referentes às categorias de I) Primeiridade, II) Secundidade e III) Terceiridade; seguidos dos sete sistemas possíveis – como apresentamos no início da seção (cf. supra, pp. 288-9) – de A) Primeiridade, AB) Fatos de Primeiridade ou Qualia; B) Fatos de Secundidade ou Relações; AC) Signos de Primeiridade ou Sentimento; BC) Signos de Secundidade ou Ações; C) Signos de Terceiridade ou Pensamento; e ABC) Fatos de Terceiridade ou Signos; e suas subdivisões representando as formas genuínas e degeneradas – que também correspondem às dez classes de signos.15

Figura 45 – As categorias e suas formas genuínas e degeneradas (EP2, p. 162). (As letras e números foram acrescentados para uma melhor compreensão do diagrama).

Assim, ao tratar de um fenômeno ou phaneron, deve-se levar em consideração que, na experiência, essas três categorias se apresentam intrincadas umas às outras e possuem vários níveis experienciais que só podem ser obtidos por meio da abstração prescisiva, de modo a isolar uma categoria da outra para depois reuni-las novamente em um único fenômeno, em sua miríade. Assim, de forma resumida,

O primeiro está aliado às ideias de acaso, indeterminação, frescor, originalidade, espontaneidade, potencialidade, qualidade, presentidade, imediaticidade, mônada… O segundo às ideias de força bruta, ação-reação, conflito, aqui e agora, esforço e resistência, díada… O terceiro está ligado

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às ideias de generalidade, continuidade, crescimento, representação, mediação, tríada…16

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3 POR UMA INTRODUÇÃO À FENOMENOLOGIA PEIRCIANA DO MITO

Apesar da vastidão de assuntos percorridos por Peirce, ele não se dedicou precisamente a estudar ou desenvolver uma teoria a respeito da mitologia, nem a analisar mitos. A mitologia, em seus Collected Papers aparece somente 1) ora sob um argumento crítico contra as interpretações mitológicas-comparativas então vigentes, como as teorias evolucionistas de Edward Burnett Tylor (1832–1917) e Herbert Spencer (1820–1903) ou do alegorismo, 2) ora como resultado dos processos de inferências dos homens primitivos, 3) ora como antecessora da filosofia em direção ao amor evolutivo, ou 4) como ilustração de exemplos.

Pelas poucas referências ao mito em sua obra, seria possível deduzir que Peirce aparentemente compartilhava a mesma tese de alguns autores contemporâneos a ele, em que o mito era tido como uma forma de pensamento anterior ao pensamento filosófico, cujo início geralmente era atribuído aos gregos. Não se pode concluir, no entanto, que Peirce não reconhecia uma filosofia do mito, mas que se tomado em si mesmo, o mito não poderia ser tido como uma forma puramente filosófica. Simultaneamente, como veremos adiante, a visão de Peirce também não pode ser meramente igualada às perspectivas de seus contemporâneos, principalmente em suas posições a respeito da teoria da evolução, pois o pensamento de Peirce se encontrava muito além do seu tempo. Assim, uma proposta de formulação teórica do mito não deve levar em consideração somente o desenvolvimento contextual de sua obra, mas todo o edifício filosófico construído pelo autor e as modificações sofridas ao longo do tempo.

Como aponta Peirce, além dos nominalistas, que negam a categoria de Terceiridade, os berkeleyanos enfatizam a Primeiridade e Terceiridade em prol de uma Secundidade de caráter divino, enquanto os cartesianos excluem uma Primeiridade em prol das outras duas e os kantianos e spinozanos minimizam o valor da primeira categoria.1 Da mesma forma, nos estudos dos mitos temos uma situação similar. Há autores que enfatizam um caráter imaginativo criativo e espontâneo do mito, ora tido puramente ora como mediado por uma lógica própria; outros que determinam o mito como um fenômeno puramente empírico e intrinsecamente conectado com a realidade social, determinando suas normas; e outros que colocam o mito em um fluxo constante entre as categorias, vendo tanto

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um aspecto primordial qualitativo que, sob determinadas leis, ganha uma existência que influencia às atividades humanas.

Seguindo, portanto, a proposta peirciana da onipresença das categorias universais, devemos seguir essas últimas propostas, mas também considerando os trabalhos desenvolvidos pelas demais abordagens, que contribuem para uma clarificação de determinadas categorias. Assim, conforme apontamos na seção anterior, a primeira tarefa para um estudo teórico de um conteúdo filosófico e conceitual do mito, em seus aspectos os mais gerais possíveis, deve ser desempenhada pela Fenomenologia, dividida em três aspectos: 1) contemplação do fenômeno – ver o que está diante dos olhos, tal como se apresenta –, 2) decompondo-o suas aparências, de modo a retirar dele as categorias que o constituem – uma discriminação decidida, detectando todos os seus disfarces – e 3) recompô-las, a fim de novamente integrar uma unidade que pode ser generaliza e compreendida por outros – produzir uma fórmula abstrata purificada de toda a sua mistura. Assim, em concordância com Campbell,

A primeira tarefa, em qualquer comparação sistemática dos mitos e religiões da humanidade deve ser, portanto, (pareceu-me) identificar esses elementos universais (ou, como C.G. Jung os chamou, arquétipos do inconsciente) e, tanto quanto possível, interpretá-los. E a segunda deveria ser reconhecer e interpretar as várias transformações, condicionadas local e historicamente, das imagens metafóricas por meio das quais esses elementos universais foram apresentados.2

Para tal, semelhante ao modo com que Peirce iniciou sua empreitada em 1867 em On a New List of Categories para a extração das categorias universais de toda e qualquer experiência, nos utilizaremos da abstração por prescissão para retirar do fenômeno mítico as três categorias universais peircianas – Primeiridade, Secundidade e Terceiridade – das teorias exploradas anteriormente, apontando pontos de contato e pontos de divergência entre os pensamentos. Deste modo, nosso objetivo aqui é utilizar a fenomenologia peirciana como uma ferramenta metodológica para a análise das categorias universais presentes na variedade de sentidos pelos quais o mito passou em diferentes ramos do conhecimento e perspectivas individuais, e não criar mais um sistema interpretativo, pois, conforme lembra Calasso,

O mitógrafo vive em permanente estado de vertigem cronológica, que ele finge querer resolver. Mas enquanto que numa mesa ele dispõe gerações e

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dinastias em ordem, como algum antigo mordomo que conhece a história da família melhor do que seus patrões, você pode ter certeza de que em outra o lodo e o emaranhamento está ficando pior e o fio cada vez mais enrolado. Mitógrafo algum conseguiu algum dia colocar seu material em ordem, em uma sequência coerente e, no entanto, todos se empenham justamente nesse sentido. Assim têm sido fiéis ao mito… [pois] o mito não dá margem a sistemas.3

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3.1 AS CATEGORIAS UNIVERSAIS NA IMAGINAÇÃO MÍTICA

Iniciemos por onde iniciamos a primeira parte de nosso trabalho. Na Grécia Antiga, a palavra μῦθος (mýthos) estava envolve por variados significados no início de seu percurso nas obras literárias de Homero e Hesíodo. O mito não somente denotava um discurso, mas principalmente um discurso que transmitia um pensamento, visto desde a sua raiz do proto indoeuropeia (μῡ), como uma sílaba interjetiva de uma ideia. Assim, desde o início de sua trajetória conceitual, o mito não estava desvinculado de um pensamento lógico, pois ele próprio necessitava de uma estrutura imaginativa para ser expresso de modo inteligível, podendo expressar ora uma verdade, ora uma falácia – dependendo do seu conectivo, geralmente um adjetivo –, ambas necessárias à inteligibilidade; e, sendo assim, como aponta Leenhardt, "na história do pensamento, a racionalidade é tão primária quanto o mito".1

No entanto, conforme se segue a história da sociedade grega, para além dos seus conflitos políticos, ideológicos e religiosos, com o desenvolvimento das ciências, da história e da filosofia, principalmente, por uma necessidade de conceituação e diferenciação dos termos utilizados para se referir a uma forma de pensamento crítico e objetivo, a formar um juízo lógico, e uma forma de pensamento ambíguo, que era transmitido e meramente aceito como parte da tradição, o termo μῦθος (mýthos) foi associado às narrativas literárias tradicionais, que tinham um apelo imaginativo ao sobrenatural, enquanto o termo λόγος (lógos) foi utilizado para designar o pensamento nascente e verdadeiro colocado em um discurso lógico- científico. É a partir do resgate dessa cisão inicial entre as possibilidades de significados de um discurso – μῦθος (mýthos) e λόγος (lógos) –, que os argumentos a respeito da imaginação e da ciência se desenvolveram nas ciências modernas. Porém, como veremos adiante, tal abordagem ambivalente do mito é novamente resgata pelas teorias do mito, colocando novamente o viés imaginativo e lógico de tal fenômeno lado a lado.

Assim em geral, no início do século XIX, na abordagem antropológica evolucionista, o mito é apontado como o estágio inicial ou primordial de um progresso da mentalidade humana ou da civilização, em que lhe são vinculadas características relativas aos desejos humanos, à equivocidade de uma lógica

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explicativa, à imaginação ficcional etc. e que tende a ser substituído por uma lógica coerente, um pensamento crítico que suplementa a ignorância e as fraquezas humanas, encontrando o seu auge na filosofia e na ciência. O homem, portanto, passaria por um crescimento mental, a partir do acúmulo de conhecimento experimental, regido por leis gerais ou princípios norteadores comuns à espécie.

Desse modo, tais abordagens evolucionistas viam nos mitos os mesmos princípios lógicos de natureza racional e intelectual, mas que estavam sendo formulados por mentes não-treinadas, em uma condição de intensa e inveterada ignorância. Deste modo, a ignorância e o equívoco, atribuídos aos mitos, não eram tomados somente como um meio para um fim, ou seja, a busca pelo conhecimento pleno da realidade; mas, como os evolucionistas apontam, é o estágio inicial e necessário para o alcance dessa realidade guiada pela imutabilidade das leis naturais, em que o homem primitivo se utilizaria meramente de conjecturas e hipóteses - cordas às quais nada se ligava – que não são possíveis de serem testadas por meios empíricos e que, quando são, se mostram insatisfatórias e falaciosas, sendo substituídas por um novo sistema de crença e práticas, que, simultaneamente, solucionam e substituem provisoriamente as dúvidas iniciais – porém, vale ressaltar que a ciência, segundo Frazer, não é o último estágio de tal processo do conhecimento, mas que também está fadada à substituição por alguns grandes Ulisses dos reinos do pensamento.

Em relação a esse caráter evolutivo da mentalidade – típico de Terceiridade –, Peirce também aponta a imaginação como parte de tal processo não só de aprendizagem ou da formulação do conhecimento científico, mas como um elemento imprescindível para qualquer processo de construção de conhecimento – uma visão evolutiva e não evolucionista. No entanto, longe de apontar uma distinção entre uma mente primitiva e uma mente racional, principalmente vinculada à distintas formas de cultura e sociedade – tal como os evolucionistas –, Peirce aponta que qualquer conceito assume primeiramente a forma de uma conjectura – em termos peircianos, os primeiros interpretantes lógicos –, em qualquer estágio da vida mental do homem2 – emergem espontaneamente do inconsciente, segundo Jung, ou são consubstanciais ao ser humano, segundo Eliade. A imaginação não seria somente uma faculdade, instância interna e mental, mas também um estado

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inerente a um processo em busca de conhecimento. Apesar de Peirce, por um momento, se colocar no lugar do chamado “homem primitivo”,3 mas diferente do paradigma frazeriano do se-eu-fosse-um-cavalo, ele valoriza a existência de um tipo de conhecimento universal do homem, advindo da experimentação de conjecturas iniciais que não têm qualquer compromisso com a realidade até serem colocadas à prova.4

Quando um homem deseja ardentemente conhecer a verdade, seu primeiro esforço será imaginar o que pode ser essa verdade. Ele não pode processar sua busca por muito tempo sem achar que a imaginação desenfreada certamente o levará para fora da pista. No entanto, continua sendo verdade que, afinal, não há nada além de imaginação que possa fornecê-lo um indício da verdade. Ele pode olhar estupidamente para os fenômenos; mas, na falta de imaginação, eles não se conectarão de maneira racional. Assim como para Peter Bell, uma prímula não era nada mais do que uma prímula, também para milhares de homens, uma maçã que caía não era nada mais do que uma maçã caindo; e compará-la à lua seria considerado "fantasioso".5

Ademais, assim como é apontado no trecho acima, é possível observar, no entanto, um caráter criativo e “fantasioso”, que é atribuído comumente à imaginação, mas que faz parte de um processo natural de crescimento do conhecimento em busca da verdade e que – abstendo o caráter pejorativo – também era reconhecido pelos evolucionistas. Peirce acrescenta que “se o homem primitivo não tivesse tido, desde o início, alguma tendência decidida a preferir hipóteses verdadeiras, nenhum período de tempo – absolutamente nenhum – teria sido suficiente para educá-lo [...]”6 – “educá-lo”, aqui, se refere à noção de crescimento da inteligibilidade e ao desprendimento de hipóteses posteriormente tidas como falsas. Morgan, por exemplo, identifica a interferência de germes primários do pensamento em meio a esse fluxo contínuo da mentalidade, que é regido por uma lógica natural. Para mais, ele aponta a faculdade imaginativa e emocional do homem, produtora de mitos, lendas e tradições, que, apesar de serem considerados grotescos e por vezes ininteligíveis, também atuam como um estímulo a esse mesmo progresso da mentalidade. Peirce ainda reconheceu esse tipo de imaginação artística sem valor na ciência, que não sonham com explicações e leis, mas com oportunidades de lucro – no sentido de ganhos mentais de novas informações –, como parte de uma mentalidade que não desvinculava as magias e os encantamentos do conhecimento científico.7 Para mais, Bachelard, como vimos, foi um dos maiores estudiosos da imaginação em si e nos parece reconhecer

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também tal caráter qualitativo e primordial no funcionamento da mente humana, como no trecho abaixo:

Então, quando a imaginação põe em nós a mais atenta das sensibilidades, nos damos conta de que as qualidades representam para nós mais devires do que estados. Os adjetivos qualificativos vivenciados pela imaginação – e como seriam vivenciados de outro modo? – aproximam-se mais dos verbos que dos substantivos. Vermelho aproxima-se mais de avermelhar que de vermelhidão. O vermelho imaginado ficará escuro ou pálido, conforme o peso de onirismo das impressões imaginárias. Toda cor imaginada torna-se um matiz frágil, efêmero, inapreensível. Ela tantaliza o sonhador que quer fixá-la.8

Além da mera coincidência da cor como expressão de uma qualidade, como nos exemplos de Primeiridade peircianos, neste trecho de Bachelard também é possível tanto observar a capacidade das qualidades de absorverem um contexto como um todo, em seu sentido positivo monádico, que necessita a adesão total do sujeito, envolvido em profundidade, quanto a fragilidade dessa condição – frágil, efêmera, inapreensível – da qualidade que mal pode ser tocada sem que ela seja modificada ou substancializada. Em outro trecho, Bachelard também enfatiza tal caráter qualitativo da imaginação, apontando a necessidade de uma dialética para a sua inteligibilidade, quando dois adjetivos contrários põe um substantivo em sensibilidade, visto que quando há apenas um único adjetivo, ele é absorvido e, portanto, a única opção é fazê-lo calar, colocando um outro adjetivo que o contraste – semelhante ao choque reacional de Secundidade –, ou simplesmente amá-lo, contemplá-lo em sua unicidade.9

Para mais, o próprio processo de desenvolvimento da imaginação bachelardiana parece se assemelhar, em um certo sentido, ao método de precissão inicialmente proposto por Peirce, em que uma substância tende a integrar um ser. Resumidamente, Bachelard enfatiza a imagem como uma totalidade em si mesma (em força, resistência e matéria), mas que parte de um processo de via dupla entre o sujeito e matéria, entre espiritual e orgânico, cujo início, apesar de ser uma mera forma vaga e imprecisa, precisa ser preenchida com uma substância, dada por uma matéria, cuja a força inesgotável entra em embate com o sujeito, ambos resistindo, até que a ambivalência criada seja solucionada e coloca em dinamismo com novos significados, até que esse perca o seu sentido.

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Parece que, de modo semelhante a Peirce, a força inesgotável da matéria que preenche uma forma, à qual Bachelard se refere, se assemelha ao caráter modácio de uma qualidade que se substancializa por um fundamento, em toda a sua positividade e deve ser colocada em relação – no caso, com o homem –, criando uma ambivalência, que por si é uma relação diádica, de modo a ser solucionada e o seu sentido cresça, assim como o caráter dinâmica do interpretante, que cria uma série contínua de traduções de signos ad infinitum. Assim, é possível identificar nesse tipo de construção da imaginação, intermediada por homem e matéria, as três categorias peircianas. Para mais, Bachelard ironiza a noção do homem primitivo como um ser calcado em uma mera pré-lógica científica, atribuindo o caráter tido como “irracional” como parte constituinte da imaginação de todo ser humano:

Queremos sempre que o homem primitivo seja ativamente engenhoso. Queremos sempre que o homem pré-histórico tenha resolvido inteligentemente o problema de sua subsistência. Em particular, admite-se sem dificuldade que a utilidade é uma ideia clara e que ela sempre teve o valor de uma evidência segura e imediata. Ora, o conhecimento útil é já um conhecimento racionalizado. Inversamente, conceber uma ideia primitiva como uma ideia útil é cair numa racionalização ainda mais capciosa na medida em que atualmente a utilidade está compreendida num sistema de utilitarismo muito completo, muito homogêneo, muito material, muito nitidamente fechado. O homem, ai de nós!, não é lá tão racional! Ele tem tanta dificuldade em descobrir o útil como o verdadeiro...10

Ademais, no mesmo ramo do pensamento simbólico, Mircea Eliade, em seu novo humanismo, identifica o conhecimento do real através da revelação – hierofania – das qualidades sacras do objeto, já contidas nele – pois ele é um símbolo que necessita preenchimento –, ao homem, possibilitando a organização da realidade caótica e a cosmização do mundo, bem como saturando a realidade de significado, tornando-a capaz de ser experienciada. Novamente, é possível observar que o campo das qualidades (Primeiro), que primordialmente se encontra numa miríade assignificante, deve receber um significado interpretativo (Terceiro), a fim de ser experimentado como uma realidade inteligível.

Assim a imaginação é “uma afeição da consciência que pode ser diretamente comparada com uma percepção em alguma característica especial e ser pronunciada para concordar ou discordar dela”.11 Ela age num livre jogo surgido da apreensão de objetos reais ou imaginários que, por meio da ação interna em potencial, são colocados à experimentação através da percepção, de modo a formar uma representação icônica do fato – que exibe “características de um estado de

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coisas considerado como puramente imaginário”12 –, até alcançar uma generalidade ilimitada do conhecimento positivo. A imaginação, portanto, não é mera ociosidade encoberta por falácias lógicas, mas parte do processo de construção do próprio pensamento (thought). Apesar de haver um estado ocioso imaginativo – possivelmente como parte da primeira categoria, uma vez que tanto a ação já é segunda e a continuidade, terceira –, onde não há a construção efetiva de um conhecimento, mas somente elaboração conjectural posta à experimentação, tal estado é simultaneamente imprescindível para a formulação de hipóteses, testagem e consequente construção de conhecimento, independente de cultura e sociedade.

As pessoas que constroem castelos no ar, na maioria das vezes, não realizam muito, é verdade; mas todo homem que realiza grandes feitos é dado a construir elaborados castelos no ar e depois copiá-los dolorosamente em terra firme. De fato, todo o processo do raciocínio e tudo o que nos torna seres intelectuais é realizado na imaginação. Homens vigorosos costumam manter a mera imaginação em desprezo; e nisso eles estariam certos se houvesse tal coisa. Como nos sentimos não importa; a questão é o que faremos. Mas esse sentimento que é subserviente à ação e à inteligência da ação é correspondentemente importante; e toda a vida interior é mais ou menos tão subserviente.13

Ademais, para Tylor, o pensamento se desenvolve na capacidade de desenvolver, combinar e derivar fenômenos, em que tais processos imaginativos, por mais limitados que sejam, tornam possível traçar a regularidade de uma lei mental, cuja diferença permanece no plano qualitativo. O que é tido por relações absurdas, arbitrárias, anômalas, ilógicas, grosseiras etc. da imaginação, é sustentada por Tylor por meio de uma doutrina da analogia, como um processo de associação livre da imaginação com a realidade, capaz de gerar fantasias poéticas e metáforas mentais sem a necessidade de uma linguagem gramatical e sem qualquer comprometimento com a realidade empírica. Não muito diferente desse argumento – apesar de não ter uma perspectiva evolucionista –, Campbell também localiza os mitos como produtos espontâneos da imaginação, carregados de significados simbólicos que só podem ser entendidos por meio de metáforas.

Segundo Peirce, a analogia é “a inferência de que uma coleção não muito grande de objetos que concordam em vários aspectos pode muito provavelmente concordar em outro aspecto”,14 por um processo que combina características da indução e da hipótese – i.e., abdução. Porém “quaisquer duas qualidades são o que elas são para si mesmas e não têm relação umas com as outras”.15 Essa relação só é

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possível por meio de uma associação por semelhança, ou seja, associações ou disposições naturais, de particulares para particulares, independente da interferência de uma mente interpretadora, pois a partir do instante em que se estabelece uma conexão, as qualidades serão distintas em valores e entraríamos no domínio da Secundidade.

Para Peirce, essa inferência por semelhança “envolve uma certa atenção constante às qualidades, como tal; e isso deve repousar em uma capacidade, pelo menos, para a linguagem, senão na própria linguagem [e] o homem primitivo é muito diligente nesse tipo de raciocínio”.16 Nesse sentido, Peirce concorda com John Wesley Powell (1834–1902) no sentido de que a mitologia é a filosofia do selvagem, liberta de sua casca dourada,17 funcionando por meio de uma lógica das semelhanças. Porém, vale ressaltar que o conteúdo filosófico, para Peirce, é caracterizado por um trabalho analítico das experiências e a formulação de concepções que funcionam como uma base para a construção do conhecimento.

Diferente, porém, são as considerações lógicas do alegorismo, advindo da corrente comparatista mitológica do solarismo mülleriano que, segundo Peirce, apesar de realizar um surpreendente levantamento de semelhanças entre fenômenos míticos e naturais, consistem do maior ou mais frequente erro da lógica prática ao relacionar as suas propriedades, por indução e atribuir tal coincidência como a justificativa mais provável de sua ocorrência, pois “duas coisas se assemelham tanto quanto quaisquer outras duas, se semelhanças recônditas são admitidas”.18 Uniformidades da Natureza não devem ser tidas como semelhantes exceto quando o conhecimento é colocado em testagem de hipóteses, de modo a sustentar ou negar argumentos iniciais. Ao contrário da analogia, a concepção alegórica reduz hipóteses à conclusões finais, utilizando índices como pressupostos dedutivos. Ao invés de relacionar qualidades semelhantes de modo a compor uma hipótese a ser experimentada, o alegorismo supõem as semelhanças como referentes a um mesmo tipo de fenômeno, seja de natureza empírica, como os fenômenos naturais, seja psíquica, como conceitos abstratos. O “primitivo” perde sua capacidade lógica-filosófica para se tornar um adorador de um único e mesmo deus.

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Em realidade, a questão nas teorias do mito, em relação ao seu caráter imaginativo, se insere numa disputa entre um paradigma que diferencia o poder imaginativo de criação de mitos como algo característico de uma imaginação exclusiva, geralmente pré-lógica e primitiva, em contraste com um pensamento puramente lógico e racional, característico da razão humana e presente nas sociedades “mais evoluídas” – como foi apontado em Nestle, Lévy-Bruhl, Tylor, Morgan, Frazer, Smith – e outro paradigma que enfatiza um pensamento lógico ao passo que também preserva o aspecto emocional-subjetivo do mito, principalmente em contraste com as correntes evolucionistas e difusionistas. Vale ressaltar que, apesar de Tylor, como representante da primeira abordagem, reconhecer um apetite intelectual do primitivo em explicar as causas dos fenômenos, em meio à ignorância imaginativa, a discrepância com a segunda abordagem se encontra na distinção entre essas duas instâncias (imaginativa-emocional-subjetiva e lógica-racional- objetiva) como partes distintas de um mesmo processo que, segundo ele, bem como seus contemporâneos evolucionistas, tende para um pensamento crítico e científico, restrito tanto a algumas sociedades como a alguns membros dela, enquanto aquilo que não é possível de entendimento segundo os moldes da “instância superior”, é tido como parte de uma mentalidade pré-lógica, afetiva, emocional, produtora de fenômenos tão ilógicos quanto às suas capacidades mentais.

Do mesmo modo, nos estudos iniciais de mitologia e religião comparadas, essa onipresença de um caráter afetivo e lógico aparece na maioria dos estudos, inicialmente com as contribuições Max Müller, por um lado, elaborando um método filológico capaz de explicar os mitos como fenômenos alegóricos e Adolf Bastian, por outro, que propõe uma lógica dos mitos baseada em princípios organizadores da mente (Elementargedanken) que adquirem características específicas em grupos diferentes (Völkergedanken) nos seus círculos culturais, mas que ainda tem um foco no elemento criativo da imaginação, advindo da própria tradição de estudos alemães, como nos escritos de Johann Gottfried von Herder (1744–1803), Wilhelm Joseph von Schelling (1775–1854), Johann Christoph Friedrich von Schiller e Johann Christian Friedrich Hölderlin (1770–1843), e reconhecido por Peirce no trecho:

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Os alemães, cuja tendência é olhar tudo subjetivamente e exagerar o elemento da Primeiridade, sustentam que o objetivo é simplesmente satisfazer o próprio sentimento lógico e que a bondade do raciocínio consiste apenas na satisfação estética. [No entanto,] isso poderia ser feito se fôssemos deuses e não estivéssemos sujeitos à força da experiência.19

Porém, na antropologia, dois são os nomes que se destacam na perspectiva que integra esses pólos, do subjetivo e do objetivo. Franz Boas via os mitos como um estímulo imaginativo exagerado às emoções, que não advém da mera contemplação natural da natureza, mas também de uma capacidade inventiva de narrar os eventos da vida humana, criando devaneios, paixões, vícios e virtudes. Ademais, ele aponta que essa imaginação é limitada em sua quantidade de elementos pela regularidade de suas ações conectadas aos seus costumes, desenvolvendo-se em torno de temas ou motivos definidos. Já Lévi-Strauss aponta um pensamento selvagem de caráter híbrido e mediador, dado por um prodigioso apetite de lógica que prossegue pelos caminhos do entendimento, dado por um duplo aspecto, da contingência lógica, atenta e intelectual e a turbulência afetiva, desinteressada e terna, que integra “irracionalidade” e “racionalidade”. O pensamento mítico desempenha um papel de pensamento conceitual, tal como uma ciência primitiva, introduzindo um princípio organizado e formulando uma lógica por meio da inteligibilidade humana. Para mais, Lévi-Strauss não propõe uma anterioridade das emoções e da afetividade em relação ao pensamento lógico e sim, por uma inversão,

pois só essas operações podemos pretender explicar, porque compartilham a mesma natureza intelectual da atividade que busca compreendê-las. Uma afetividade que não derivasse delas seria rigorosamente impossível de conhecer enquanto fenômeno mental. Postulá-las como fundamento das operações intelectuais, em relação às quais gozariam de um privilégio de anterioridade, seria contentar-se com palavras sem sentido (pois este se encontra hipoteticamente além) e substituir por fórmulas mágicas o trabalho do raciocínio.20

Essa segunda perspectiva, em particular, é a grande impulsionadora da união entre os paradigmas “racional” e “irracional” que foi trabalhada pelos estudiosos de Eranos e do Imaginário - inclusive o próprio Boas e Lévi-Strauss, que utiliza o anterior como um de seus fundamentos para estudar os mitos. Gilbert Durand, nesse sentido, apresenta uma grande contribuição para a exploração dessa lógica de uma imaginação por meio do imaginário como o seu modo de operação e atualização. Em outras palavras, o imaginário opera como o conjunto, um tecido conjuntivo de leis que permitem o tracejar da regularidade ou homogeneidade

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ilógica da imaginação, bem como colocá-la em continuidade, através das suas manifestações em representações simbólicas e atividades humanas, mentais ou físicas. Deste modo, tais autores, da mesma forma que Peirce lida com as categorias cenopitagóricas como onipresentes, trabalham o mito como uma questão simultaneamente espontânea-subjetiva-emocional (Primeiridade) e lógica-racional- contínua (Terceiridade), de modo a se revelar em um existente (Secundidade) de caráter narrativo. Assim, cabe apresentar como tais princípios míticos, sustentados pelas categorias de Primeiridade, Secundidade e Terceiridade, operam dentro da dentro da imaginação e dentro do próprio mito.

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3.2 AS CATEGORIAS UNIVERSAIS NA METÁFORA MÍTICA

Frazer, por exemplo, ao explicar os procedimentos lógicos dos tipos fundamentais de magia – homeopática, contagiante e simpática –, distingue essas mesmas formas de associações: similaridade e contiguidade, que também aparece posteriormente no estruturalismo de Jakobson e Lévi-Strauss, cuja a primeira parece evidenciar os aspectos de Primeiridade, uma vez que qualidades só podem criar relações por semelhanças com seus objetos, enquanto o segundo, por meio de uma progressão de sucessivas relações de causa-efeito, um elemento se correlaciona com o seu antecessor (Secundidade) e cria uma série contínua inteligível, característico de Terceiridade. Ambas associações apresentam-se como relevantes nas abordagens do mito, uma vez que garantem tanto a sua originalidade e liberdade, quanto a sua continuidade. É a partir dessa perspectiva que é possível distinguir o mito do ritual, tal como apresentado por Lévi-Strauss, por um caráter metafórico do primeiro, e metonímico do segundo, correspondentes respectivamente às associações por similitude e por contiguidade.

As metáforas, para Peirce, são hipoícones de terceiridade, ou seja, elas colocam a relação de representação entre dois objetos no nível puramente qualitativo, de modo a compor um terceiro que funcionará como um símbolo, um significado convencional. Conforme aponta Anderson, “a metáfora é um símbolo cuja iconicidade domina”,1 possuindo dois níveis, um criativo e outro convencional, formando um isosensismo – diferente do isomorfismo das analogias, pois as qualidades relacionadas podem dizer algo a respeito de seus respectivos objetos representados, mas elas acabam por serem convencionalizadas num novo termo ou proposição. É dessa forma que o mito funciona, relacionando diferentes qualidades que podem ser similares ou distintas e dizem respeito cada qual a um objeto, mas que são convencionalizadas em um novo significado que só existe dentro do próprio mito, onde pode crescer. Por outro lado, os rituais operam no sentido da metonímia, pois eles sintetizam as convencionalizações do mito em ações específicas, de modo a produzir um efeito desejado que soluciona as contradições impostas pelo mito. Deste modo, como já apontamos, o ritual funciona como uma paralinguagem, decompondo o sintagma, enquanto o mito opera como uma metalinguagem, generalizando o paradigma.2 Essa característica generalizante e metafórica presente no mito também é o grande propulsor das inúmeras relações estabelecidas

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entre o mito e a atividade poética e artística, que pode ser observada no seguinte trecho de Peirce:

A generalização do sentimento pode ocorrer em lados diferentes. A poesia é um tipo de generalização do sentimento e, até agora, a metamorfose regenerativa do sentimento. Mas a poesia permanece de um lado não generalizada, e isso se deve ao seu vazio. A completa generalização, a completa regeneração do sentimento é a religião, que é poesia, mas a poesia é completada.3

A primeira dessas correlações é estabelecida entre a poesia e o mito. Nas perspectivas antropológicas evolucionistas, como na abordagem tyloriana, por exemplo, que aponta a poesia como uma criação advinda de estágios anteriores do pensamento, que foram persistidos e mantidos vivos na mente, também é estabelecida uma relação entre as poesias e as narrativas míticas, em que as primeiras continuam o que antes era executado pelas segundas, sendo essencial para a sua compreensão. Smith, do mesmo modo que Raglan e Boas, identifica a imaginação artística expressa pela poesia, escultura e pintura, como um atrativo das concepções religiosas e associadas a rituais, sendo a primeira – juntamente como a filosofia e a política – próxima a própria religião; e Morgan, ainda, coloca tais produções artísticas como restos de um período em que os mitos inspiravam e entusiasmaram o homem na construção de seus templos. Já a perspectiva ritualística, mudará tal foco, separando uma “forma pura de mito” que diz mais respeito ao âmbito social e cultural do que artístico, apesar de manter as semelhanças literárias entre alguns tipos de narrativas, romances e poesias. Raglan, por exemplo, subsume todas as formas narrativas – sagas, contos de fadas, contos folclóricos, poesias, romances, novelas, a épica, epopeia, a balada e canções de ninar – numa única categoria, i.e., mito, que, apesar de ilustrar crenças e ideias religiosas, têm como princípio o ritual. Já Lévi-Strauss acredita que diferente do mito, que preserva sua matriz independente da forma em que aparece, a poesia tem o seu significado distorcido quando é traduzida para uma outra linguagem.

Uma abordagem diferente aparece com as perspectivas mitológica e religiosas. Max Müller vincula profundamente mito e poesia, conectados pela própria metaforicidade que distorce a linguagem, permitindo uma “concepção poética e filosófica da natureza e de seus fenômenos mais proeminentes”.4 Joseph Campbell

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enfatiza que todo mito deve ser lido em termos ou a semelhança de uma poesia e não da prosa, caso contrário, sua mensagem é perdida em meras interpretações denotativas, assim como Eliade enfatiza que a linguagem poética é parte do meio sagrado, enquanto a linguagem utilitária, cotidiana pertence ao ambiente do profano. Ademais, conforme explicitamos, ao lado das perspectivas estéticas, John Symonds aponta que os criadores de mitos são como artistas, cujo “o trabalho desses primeiros artífices é mais espantoso em sua inconsciência, mais eficaz em sua espontaneidade, do que as artes deliberadas e calculadas do escultor, pintor, poeta, filósofo e legislador dos períodos históricos”.5 Mais intimamente relacionados ainda, mito e poesia aparecem como semelhantes na teoria bachelardiana, ambos criados espontaneamente pela imaginação humana em contato com o universo e rompendo o tecido da realidade, cuja atividade do poeta é restaurar por meio das imagens literárias esse onirismo profundo que estava presente nos mitos antigos. Por fim, ao mesmo modo que Lévi-Strauss, Gilbert Durand aponta mito e poesia como metalinguagens, mas que o primeiro se dá através de homologias ou analogias qualitativas, operando por um excesso semântico e defeito linguístico, enquanto a poesia possui um excesso linguístico e uma desorientação semântica, dados pelas metáforas.

Uma segunda correlação entre o mito e a atividade artística é suscitada pela sua relação próxima à música, em que nos escritos gregos, por vezes, a palavra μῦθος (mýthos) já aparece como sinônimo de ἔπος, relacionado aos poemas épicos que eram transmitidos em forma musical pelos ἀοιδᾰ́.

Lévi-Strauss identifica o mito como o irmão gêmeo da música, ambos filhos da linguagem – argumento também defendido por Gilbert Durand. Segundo o autor, elas, ao passo que se desenrolam no tempo, elas funcionam como máquinas de supressão do tempo, desmentindo-o, ultrapassando-o, dobrando-o. Elas não só ocorrem em sequências lineares, mas também se formulam em esquemas sincrônicos – similitude e contiguidade, respectivamente. O mito, após a sua negligência frente ao racionalismo e intelectualismo iluminista, foi reencarnado na música, que mitizou-se, descartando o aspecto do sentido/significado e preservando a sonoridade, pois a música foi preservada nos textos míticos, muito além do seu ritmo e harmonia, em uma significação secreta, “camuflada no fundo de uma floresta

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de imagens e de signos, e ainda imbuída dos sortilégios graças aos quais ela pode emocionar, já que assim permanece incompreendida”.6

Santaella, utilizando a noção peirciana de qualisigno-icônico-remático – o signo mais puro em aspecto de Primeiridade –, coloca a música como predominantemente qualitativa, onde a Primeiridade reina soberana, pois as características qualitativas da sonoridade se impõem por si mesmas, elas nos atravessam e “por isso mesmo, a música é o único tipo de manifestação sígnica que pode se apresentar dominantemente como mera qualidade monádica, simples imediaticidade qualitativa, presença pura, movente e fugidia”.7 Ademais, tal iconicidade também já foi apontada na metáfora, na representação por semelhança, que permitiu Santaella também reconhece que outras formas de arte também podem chegar a essa mesma condição, apontando uma semelhança entre a música e a poesia:

Ao mesmo tempo, a música também tem uma sintaxe diagramática, homóloga à da poesia. Esta sintaxe se desenha nas repetições, paralelismos, variações, espelhamentos, retrogradações etc. que podem se dar tanto em texturas sonoras monofônicas, quando só há uma linha melódica desacompanhada, quanto nas homofônicas, quando o material harmônico adensa o desenvolvimento da música. Podem ainda se dar nas texturas polifônicas, quando duas ou mais melodias com maior ou menor proeminência soam ao mesmo tempo.8

Por fim, vale lembrar que não somente a primeira tarefa da Fenomenologia peirciana é artística, vendo “as cores aparentes da natureza como elas se apresentam”,9 admirando a atmosfera poética de uma poesia que não tem nada de incolor e abstrato10. Porém, se o mundo da arte é feito de cores e o mundo da música é feito de sons, qual a materialidade que compõe o mundo dos mitos? Kárl Kerényi parece formular uma possível resposta para tal questionamento no trecho abaixo:

O que é música? O que é poesia? O que é mitologia? Todas as perguntas sobre as quais nenhuma opinião é possível, a menos que alguém já tenha um verdadeiro sentimento por essas coisas. Isso é natural e óbvio o suficiente. Não é assim, no entanto, o nosso sentimento no caso do último. Apenas as maiores criações da mitologia propriamente dita poderiam deixar claro ao homem moderno que aqui ele está frente a frente com um fenômeno que "em profundidade, permanência e universalidade é comparável apenas à própria natureza".11

Ademais, o mito, tal como a arte, é sempre contemporâneo, apesar de ser histórico. Ou seja, apesar de ser possível atribuir uma historicidade para o mito, seja como pertencente a um contexto não mais existente de uma civilização extinta, dos indo-europeus, dos aborígenes, do homem pré-histórico ou mesmo como algo presente somente in illo tempore, o mito continua ainda a agir no homem, independente da época a qual ele pertença. Conforme aponta Jung,

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Se o mito fosse simplesmente um resíduo histórico, teríamos que indagar a razão pela qual já não desapareceu há muito tempo no depósito de lixo do passado, continuando a influenciar através de sua presença até os mais altos cumes da civilização.12

No entanto, para que essas metáforas atuem efetivamente, elas precisam se atualizar, entrar no domínio de uma Secundidade, por meio de leis que possam formular estruturas de modo a se tornar inteligíveis, caso contrário, o mito se encontraria apenas em mero domínio contemplativo e não teria ação ou efetividade alguma na sociedade ou no indivíduo. Assim, a metáfora do mito toma uma forma, que irá se estruturas ora em uma narrativa individual e interna, da lógica inconsciente, ora em uma narrativa coletiva e externa, seja ela textual ou prática (rituais), como veremos adiante.

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3.3 CATEGORIAS UNIVERSAIS NOS PRINCÍPIOS E NA MATERIALIDADE MÍTICOS

Nos seus mais diversos tratamentos ao longo da história, o mito não foi somente tido como uma etapa ou parte de uma imaginação criativa e evolutiva, que segue determinados princípios ou leis, mas também como em si constituído por princípios regulares, tal como é apontado por Bachofen no trecho abaixo:

Tem sido dito que o mito, como areia movediça, nunca pode fornecer uma base firme. Esta reprovação não se aplica ao próprio mito, mas apenas à maneira como ele foi manipulado. Multiforme e inconstante em sua manifestação externa, o mito, entretanto, segue leis e pode fornecer como resultados definitivos e seguros como qualquer outra fonte de conhecimento histórico. Produto de um período cultural em que a vida ainda não rompeu com a harmonia da natureza, ele compartilha com a natureza o regulamento inconsciente que está sempre ausente nas atividades de livre reflexão. Em todos os lugares há sistema, em toda parte, coesão; em todos os detalhes, a expressão de uma grande lei fundamental cujas abundantes manifestações demonstram sua verdade interior e necessidade natural.1

Campbell, por exemplo, para além de uma matriz narrativa do monomito – assim como Propp fez anos antes com a morfologia do conto maravilhoso –, também identifica no mito regras que são importantes tanto no nível coletivo quanto individual. Para o autor, a mitologia, dada por suas quatro funções – metafísica, cosmológica, social e individual – é um sistema de controle2, pertencente à maneira da arte, que servirá tanto como estruturadora da sociedade em que atua, quanto condutora dos indivíduos por meio de seus ritos simbólicos e pedagógicos. Ou seja, o mito, em sua dinamicidade, é capturado pela sociedade e transformado em um sistema que atuará ora como determinador das condutas socioculturais ora como guia pessoal pela vida. Inclusive, Campbell comenta que “o mito é o sonho público, e o sonho é o mito privado”.3 Esse último aspecto também aparece nos trabalhos de Jung, que possibilita falar de sonhos como mitos pessoais, visto que a sua matriz arquetípica está além do nível consciente ou da individualidade, obedecendo leis e associações inconscientes. Eles somente se manifestam em símbolos conforme as nossas próprias experiências apreendidas – experiências colaterais, em termos peircianos –, de modo a compor uma narrativa que guarda rastros desde os primórdios da humanidade.

Assim, em uma metáfora, se pensarmos no inconsciente como o universo, não só da linguagem verbal, mas como de todas as linguagens, o mito, assim como as estrelas, os planetas e toda a matéria que o constitui, emerge desse inconsciente

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naturalmente, conforme partículas mínimas e assignificantes se agrupam, como que naturalmente, e começam a formar corpos, objetos físicos, densos, palpáveis que, por sua vez, exercem uma ação aglutinadora (gravitacional) nas partículas vizinhas, terminando por se organizar em estrelas, sistemas planetários, galáxias, clusters. As interações entre os mitos, quaisquer que sejam, mimetizam e realizam as próprias forças do inconsciente (universo), como se, na gênese do universo, toda a potência de todos os mitos já estivesse inscrita. Inscrita, mas indeterminável e imprevisível, posto que as leis do acaso se encontram amalgamadas na estrutura mais íntima do universo e do inconsciente – daí a propriedade da analogia. Dessa forma, conforme se destaca nos estudos de Jung, estudar o mito é conhecer ou dar luz à lógica do inconsciente.

Já para Lévi-Strauss, as estruturas que regem o mito se dão por variações temáticas e se assemelham às regras fonéticas e morfológicas da língua, que ele denomina como mitemas, que Durand denomina também por metábole ou repetições insólitas. Este último também aponta uma escala de amplitude dessas estruturas homólogas do imaginário, que podem se tornar obsessivas, formando redundâncias em imagens emblemáticas, que resumem o próprio mito; ou empobrecidas, ampliando-se espaço-temporalmente em mitologemas. Além da mutabilidade do mitema, Durand também identifica a variante como uma estrutura dividida em três grupos – lições, derivações e constelações de afinidades – que corroboram nos desdobramentos culturais de um mito, passando desde um ambiente controlado, delimitado por um autor, por exemplo, até ultrapassar a escala temporal e se desdobrar para além da história, adquirindo uma universalidade. Da mesma forma, conforme aponta Dumézil, os chamados povos primitivos “não exibem seu mundo social sem mostrar ao mesmo tempo, em sistemas homólogos e conectados, outros organismos reais ou conceituais de sua experiência”.4

Malinowski, por outro lado, apesar de determinar as necessidades humanas básicas como a base fundante de toda a produção cultural, inclusive dos mitos – que, semelhante aos paradigmas antropológicos iniciais, remonta a sua origem às reações emocionais –, o autor aponta o mito como um codificar das crenças, contendo normas práticas para a orientação e conduta humanas e, portanto, como um produto vivo da realidade social, constituindo a sua espinha dorsal e não por

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conjunto de conhecimento empírico que são moldados racionalmente, tal como faz a ciência, segundo o autor. Como pertencente ao domínio do sagrado, faz parte de um princípio dinâmico norteador tanto da trama religiosa quanto mágica, do qual a sociedade toda participa e tem conhecimento. O mito, nesse sentido, serve com o propósito de manter a ordem, a coesão e a sobrevivência da sociedade e sua cultura; e, portanto, o mito é “ingrediente vital da civilização humana”.5 Diferente, por exemplo, de Kluckhohn, que vê também nos mitos e rituais, processos de simbolização das necessidades básicas humanas, com uma base psicológica comum, mas enquanto os primeiros são meras racionalizações, os segundo consistem em práticas obsessivas e repetitivas, advindos de rituais pessoais, surgidos de formações idiossincráticas de hábitos (semelhantes às dos neuróticos obsessivos em nossa cultura) ou em sonhos ou devaneios.

Tal ideia do sagrado também é evidenciada por Mircea Eliade, como algo que se revela ao homem e delimita a sua área de atuação, evitando a penetração da esfera profana, onde são executadas as atividades cotidianas e rotineiras – caça, pesca, colheita, agricultura etc. –, transformando todos objetos em seu domínio como significantes. O mito, nesse meio, surge como um modelo exemplar, advindo de uma atividade criadora exercida por Entes Sobrenaturais nos primórdios do tempo, que deve ser executada do mesmo modo, seguindo as mesmas leis, a fim de qualificar novamente a realidade, criando, assim, uma nostalgia da eternidade e uma presentidade eterna – características de Primeiridade – que a regenera, resgatando-a e dando continuidade na sociedade ad infinitum. Por outro lado, a esfera do profano, para o autor, predominante nas sociedades do homem moderno, atua numa sequência linear de causas e efeitos de um tempo histórico, característico de Secundidade, onde não há renovação pela espontaneidade qualitativa, mas apenas um caminho a ser trilhado em direção à morte – nas palavras de Peirce, “o estado das coisas no futuro infinito é a morte, cujo nada consiste no completo triunfo da lei e na ausência de toda a espontaneidade”.6 Assim, os mitos se apresentam como modelos que fixam e determinam a realidade em meio a um historicismo assignificante, devendo ser ritualizados para dar continuidade na história.

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Lévi-Strauss também aponta a continuidade da história como advinda da interferência da mitologia, em que a primeira é tida como um sistema aberto, cujos eventos em uma série sucessiva diacrônica (Secundidade) são compostos e recompostos por células mitológicas de um sistema estático, introduzidas em seu fluxo, de acordo com as escolhas do narrador, em infinitas maneiras, visto que a combinação entre os elementos míticos é infinita.

Ademais, o antropólogo também nota o caráter contínuo da própria mitologia, caráter norteado por uma lei, que só é possibilidade devido a sua natureza anaclástica, composta por um conteúdo heteróclito de fragmentos, sobras e pedaços de vestígios psicológicos ou históricos, que o autor assemelha à lógica do bricolage, do caleidoscópio ou do acaso objetivo do surrealismo. Apesar da composição lógica do mito só ser possibilitada por meio de uma lei que cria arranjos de combinações possíveis entre os resíduos, a própria definição dessa lei do mito é indeterminável, visto que a contingência do seu conteúdo impede uma definição de verdade em sua natureza. O movimento transformador do corpo mítico, seja para o seu progresso ou regresso, é garantido por sua realidade instável, que cria tantas distorções, afetando “ora a armação, ora o código, ora a mensagem do mito, mas sem que este deixe de existir enquanto tal”7 e obrigando-o a se transformar.

Da mesma forma, Gilbert Durand enfatiza tal caráter contínuo de um fluxo do mito por meio do processo de mitogênese ou desenvolvimento do mito. Como o imaginário apresenta movimentos de transformações e atualização e as estruturas míticas se transformam, os mitos também devem passar por um processo semelhante, dividido em quatro fases – 1) latência 2) denominação do mito 3) integração mitológica e 4) filosofia do mito –, que parte de um nível fundador em latência no inconsciente do μῦθος (mýthos), onde o mito adormece, à emergência na consciência do λόγος (lógos), onde outro mito emerge ou um mesmo retorna. Assim sendo, o mito se encontra num jogo duplo de sístoles e diástoles, semelhante à lógica arquetípica de Jung e von Franz, cujos arquétipos passam por períodos de decaimento e transformação ou substituição e o mitos, por consequências, têm as suas estruturas degeneradas e expandidas até se tornarem a-históricos e a-culturais nos contos de fadas. Esse processo é o que Lévi-Strauss reconhece como a morte dos mitos.

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Apesar de toda essa plasticidade do mito, que o fazem nunca permanecer num estado puro, ele se mantém por um núcleo coriáceo – tal como a mensagem no mito lévi-straussiano que nunca se altera, independente das suas mudanças de linguagem –, uma lei que norteia todos os processos de transformação e substituição na imaginação que simultaneamente conserva a matéria mítica, “segundo o qual, de qualquer mito sempre pode sair outro mito”.8 Assim, os mitos operam em círculos: quando um mito desaparece, imergindo para a latência inconsciente, ele dá espaço para um outro mito o substituir na consciência.

Tanto o objetivo da análise estrutural levistraussiana, da psicologia arquetípica quanto da mitodologia durandiana é apenas extrair as operações lógicas que se encontram na base do pensamento mítico que, no primeiro caso, aponta para as antinomias presentes entre os elementos míticos a serem solucionados numa narrativa ambivalente que norteia todo um núcleo de narrativas; no segundo, para um processo de equilíbrio psicológico numa forja constante de um individuum; ou, no terceiro, como um método interdisciplinar de investigação dos rastros míticos de modo a conciliar os níveis micro e macro num sensorium commune, que constituem uma determinada obra ou obras de um autor, o pensamento de período histórico ou uma estrutura que ultrapassa as vicissitudes do tempo.

À semelhança desses métodos anteriores, há também autores que identificam os rituais como os mediadores dos mitos. René Girard, por exemplo, também propõe um método comparativo transcultural, de modo a identificar uma desordem inicial, gerada por um desejo mimético, que só pode ser solucionada via rituais de sacrifícios, a fim de eliminar ou apaziguar uma violência intestina que se instaura na sociedade. Girard é um dos grandes representantes de uma teoria que enfatiza a Terceiridade, visto que tanto o desejo mimético é criado a partir de uma mediação por um modelo inalcançável entre um sujeito e um objeto, separados por uma lacuna espiritual ou física, quanto o ritual é a mediação solucionadora de modo a colocar fim à crise social e constituir um posterior mito.

Porém, essa característica mediadora do ritual não é exclusiva da abordagem girardiana, encontrando também uma complementaridade nas teorias ritualísticas do mito. Além dos autores que preferem se ausentar da questão, três perspectivas

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genealógicas da relação entre mito e ritual parecem dominar a discussão das teorias mito-ritualísticas, principalmente concernentes ao Grupo de Cambridge.

A primeira teoria, defendida por alguns autores como Mannhardt, Smith, Raglan e Girard, diz respeito aqueles que não compartilham a mesma opinião advertida por Frazer ao lidar com o estudo de rituais, que ceifam com suas foices as flores da fantasia, transformando os mitos em pó, ao determinar um ritual por trás de toda narrativa. Ou seja, os mitos são elaborações secundárias, cuja função é a explicação das práticas rituais – mas que para Frazer são em número muito pequeno. A segunda teoria, ao revés, defende que os rituais que são produtos de mitos, como uma narrativa fornecedora de modelos ou uma cópia de ações e práticas de seus antecedentes – geralmente, deuses, heróis ou entes sobrenaturais. Por fim, a terceira perspectiva, aponta mito e ritual como surgidos pari passu.

Ainda, apesar dessas distinções genealógicas, como tais autores apontam, mito e ritual lidam com qualquer situação da realidade do mesmo modo afetivo. O mito, como um sistema de símbolos de palavras, ou seja, a coisa dita (τò λεγόμενον), funciona como a expressão de uma emoção em palavras ou pensamentos, enquanto o ritual, como um sistema de símbolos de objetos e atos, ou seja, a coisa feita (τò δρώμενον), funciona como a expressão de uma emoção em ação. Mas, ao mesmo tempo que, como aponta Harisson, quando essa emoção do ritual se extingue, uma razão é procurada no mito,9 as situações de significado profundo e emocional expressas pelo mito também exigem a sua repetição por meio do ritual, tal como é apontado por Hooke.10

No entanto, como apontamos em Kluckhohn, ao mesmo tempo que “toda a questão da primazia do cerimonial ou da mitologia é tão sem sentido quanto todas as questões ‘do ovo e a galinha”, parece que todos os autores – ao menos os desenvolvidos durante o trabalho, com exceto do intelectualismo tyloriano – evidenciam uma relação e um reforçamento entre mitos e rituais, mesmo quando eles são estabelecidos como parte de um processo em uma única direção. Ademais, em sua etimologia, a palavra mito (μῦθος, mýthos) compartilha a mesma raiz com mistério (μυστήριον, mustḗrion), no sentido ritualístico de uma prática que é confinada a apenas alguns membros e, como Lévi-Strauss apontou, não há como

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determinar uma precedência histórica de uma forma narrativa sobre outra e o mesmo deve também valer para a relação entre mito e ritual.

Portanto, é possível identificar tanto uma dimensão ritual no mito, quanto uma dimensão mítica no ritual, bem como não é possível prescindir o ritual do mito ou vice-versa, a menos que seja comprovada uma vinculação temporal entre ambos que garanta a primazia de uma forma sobre a outra.

Dessa forma, levando em consideração essas três perspectivas, os mitos podem ser objetos (segundos) que inspiram o homem à ação – mito como encenação do ritual –, como podem fornecer subsídios, ao dar razão ou uma interpretação (terceiros), às suas práticas – mito como descrição do ritual. Ao mesmo tempo, no primeiro argumento, é possível identificar tanto as categorias da Primeiridade, pois inspirações encontram suas forças nas qualidades, quanto da Terceiridade, visto que, ao incitar um efeito (terceiro), o mito produz uma ação (segundo), bem como, ao fornecer modelos, ele estabelece uma lei que deve ser cumprida, a fim de que a eficácia seja garantida; enquanto no segundo argumento, o mito funciona como o mediador (terceiro) que justifica os motivos inerentes (primeiro) do homem, que levam às suas práticas (segundo). Assim, semelhante ao argumento de Hocart, que aponta nos rituais tanto uma característica lógica como emocional, mas que nenhuma delas pode também ser tida como prioritária, pois os rituais são infinitamente variáveis.

Ademais, o ritualismo que enfatiza a posterioridade do mito em relação ao ritual, como um mito etiológico, uma narrativa explicativa para ações pré-existentes, também o coloca como característico de Terceiridade, visto que é somente na relação de similaridade criada entre os elementos executadas nas práticas rituais com os elementos reais ou imaginativos, que um mito preenche o vazio significativo das ações, encaixando-se às suas engrenagens. Essa mesma função de preenchimento com um valor simbólico do mito também é a responsável pela inserção e readaptação de rituais estrangeiros/vizinhos, visto que o significado atribuído a um determinado ritual é estabelecido entre os elementos que entram em contraste, seja da realidade coletiva ou individual de um grupo específico e seus membros, que não corresponde essencialmente à mesma realidade de seus vizinhos.

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Cada grupo coloca as qualidades que lhes aparecem como contrastantes em sua realidade particular, gerando o que Lévi-Strauss denomina por mudanças discretas. Malinowski aponta também essas diferenças como resultado de um incompatibilidade entre os acontecimentos históricos, cuja narrativa entra como um modelo harmônico, que preenche uma função sociológica, servindo ora para o ocultamento ou para a legitimidade hierárquica de um grupo. De um modo ou outro, neste caso, o ritual age como um atribuidor de significado às práticas sociais, tanto criando distinções entre grupos, preservando as suas identidades, quanto conectando-os por meio de um mesmo problema proposto pelo mito, que coloca elementos em descontinuidade, e compartilhado por diferentes sociedades, que encontrarão cada qual uma determinada solução de acordo com às suas realidades individuais, mesmo que esses compartilhem os mesmos rituais, pois os elementos colocados em jogos são outros – ademais, esses elementos colocados para compor o ritual (palavras, gestos, objetos), segundo Lévi-Strauss, também não possuem qualquer valor intrínseco, mas ganham significado dentro da ação ritual. Assim como aponta Campbell, “os mitos são os suportes mentais dos ritos; e os ritos, a ratificação física dos mitos”.11 O caráter dessa incompatibilidade, porém, é variável. Para van Gennep, assim como para Hubert e Mauss, que compartilham o pensamento sociológico durkheimiano, assim como para Eliade, tal conflito é resultado da incongruência entre as esferas do sagrado e do profano. Para Max Müller, essas contradições são resultado das próprias dificuldades da linguagem de exprimir eventos impactantes. Já para Jung, é somente um meio de criar pares complementares na corroboração do processo de individuação do homem, enquanto para Campbell, de maneira mais geral, é uma maneira do homem alcançar a transcendência do seu pensamento e da sua condição, resolvendo uma deficiência simbólica.

No entanto, ao mesmo tempo que as contradições presentes no mito – que são pertencentes a um caráter de Secundidade – somente poderão ser solucionadas por via de um terceiro elemento, ou seja, de acordo com os significados atribuídos por cada grupo, de modo a sintetizar a relação diádica em uma resolução satisfatória, uma mesma lei percorre as distintas formas de resolução ao apontar para um mesmo objeto, que é um mito em comum transmitido em uma determinada região. Como consequência, as soluções se assemelham por insistência de uma própria

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realidade mítica e se torna possível afirmar, inclusive, como Lévi-Strauss, a existência de um mito único, metamito ou arquimito – que também alude ao monomito campbelliano.

Em suma, é esse caráter de semelhança que leva tanto ao método comparativo antropológico, mesmo que carente de uma base histórica concreta, possibilitando conjecturas a respeito de uma mesma lei que integra mitos de regiões díspares, de modo a apontar uma lei de continuidade do pensamento (Tylor, Morgan, Frazer e Smith), compor complexos culturais (Bastian e Boas) ou determinando o ritual como o princípio norteador (Raglan e Girard) ou como contribuidor (Harrison e Hooke), às abordagens que restringem o mito a um único tipo (Müller), quanto autores que evidenciam o inconsciente como um compósito de leis que regulam a imaginação e permitem classificar os mitos em categorias, seja por arquétipos (Jung, von Franz, Campbell e Eliade), por princípios oníricos (Bachelard) ou por regimes de imagem (Durand). Simultaneamente, algumas abordagens também enfatizam uma estrutura narrativa dentro do mito, que mesmo seguindo um princípio diacrônico linear, apontam também recorrências, fatos que podem ser organizados de modo sincrônico, permitindo a estruturação da narrativa e a identificação de temas, dividindo-os ora pelas funções dos personagens (Propp), por uma metaestrutura ritualística (van Gennep, Rank e Campbell) ou uma metaestrutura linguística (Lévi- Strauss).

Por fim, vale ressaltar que também é possível apontar a característica da previsibilidade, associada à Terceiridade, nos mitos e rituais. Ambos garantem a integridade do grupo, a solidariedade e estabilidade social e individual, antecipam as ameaças desintegradoras de um mundo - Interno ou Externo, em termos peircianos – de mudanças, desapontamentos desconcertantes e conflitos intoleráveis (terceiro, previsibilidade), garantem a continuidade da cultura por meio da tradição, apesar dessa bloquear a velocidade das mudanças (Secundidade), assim como é defendido por Raglan. Malinowski também apontará esse caráter de antevisão na magia, como um conjunto de práticas – fórmula, estado do executante e ritos – de fundo psicofisiológico, que transfere uma determinada força a um objeto ou pessoa, tendo como suporte um mito consolidado pela tradição – que são a garantia e o suporte da autenticidade e eficácia da magia. O mito é a garantia, um penhor da

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sociedade, além de um guia prático para a efetividade do propósito ritual. Já Frazer, por exemplo, retira da mitologia a ação prática que é parte integrante das superstições, visto que as últimas necessitam de uma ação contra um efeito indesejado, enquanto a primeira não tem consequências, pois estão além dos limites do homem – porém colocando ambas como elementos de uma mesma imaginação produtora de falácias. Assim, uma vez que a imaginação criativa é característica de Primeiridade e as superstições, apesar de compartilhar os mesmos elementos que os mitos, necessitam de uma prática com fim previsível – característico de Terceiridade –, os mitos, como produto imaginativo, estão mais próximos do nível das qualidades do que das ações.

Assim, se o mito está intrinsecamente conectado ao ritual, então o mesmo pode ser dito a respeito das práticas ritualísticas. Raglan, por exemplo, reconhece duas formas de interferência no fluxo contínuo e repetitivo da tradição como estímulos ao progresso da civilização. O primeiro diz respeito à capacidade de uma inventividade do homem, mas que é rara – assim como a capacidade do artista de ver as cores aparentes da natureza como elas se apresentam – devido aos inúmeros obstáculos que se interpõem à sua exploração, sejam hábitos cristalizados que tendem a ser meras reproduções de ações passadas que garantem a manutenção da coesão social (crenças religiosas e conservadorismo sociais), sejam ações que garantem a manutenção da própria vida (atividades para a saciação de necessidades básicas) – assim como também identificado por Malinowski. Ela só pode ser exploradas se houverem “governantes iluminados o suficiente para acolher novas idéias e contatos externos para estimulá-las”12 e, desse modo, às sociedades que se limitam à mera repetição de ações, como ele associa aos povos tradicionais, tendem à degeneração. A segunda interferência são as formas de difusão da cultura como eventos repentinos numa sociedade cuja ordem prevalece, tais como guerras, pragas, fomes, incêndios e inundações, que ao mesmo tempo em que rompe com a previsibilidade das ações esperadas, funciona como o estímulo à construção de novos eventos ao conhecimento já adquirido. Ademais, Campbell também aponta esse caráter nos ritos, como modelos estruturantes dos indivíduos nas sociedades, como símbolos paternais, que eliminam toda espontaneidade criadora, mas que se liberta no campo artístico.

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Segundo Peirce, tal processo de estruturação e desestruturação é intrinsecamente correlacionado, em que “é essencial que haja um elemento do acaso” de modo a manter a regularidade de um hábito, desde que “essa chance ou incerteza não [seja] totalmente obliterada pelo princípio do hábito, mas apenas um pouco afetada”,13 uma vez que um hábito levado às suas últimas consequências, como um padrão repetitivo ad infinitum, eliminaria qualquer possibilidade de alteração, tendendo o universo a própria realidade e a rigidez dos elementos, em que, como aponta Hocart, no caso específico do mito, quando este perde o seu contato com a realidade social, se tornando mera narrativa de eventos, “como membros, atrofiam e perecem quando não funcionam mais”. Ademais, vale ressaltar que apesar da quebra em si de qualquer padrão ou hábito, como uma destruição de uma ordem anterior e a instauração de uma nova situação, constituir um fenômeno em especial de Secundidade, como um elemento de surpresa - principalmente nos casos de desastres naturais –, as demais formas de quebra de padrões apontadas, que resultam em mitos posteriores, possuem características primordialmente de

Primeiridade, vinculadas à inventividade, criatividade, espontaneidade artísticas.

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CONSIDERAÇÕES FINAIS

Após um extenso caminho percorrido ao longo de uma jornada pelas trilhas da história do conceito de mito, chegamos às conclusões. Conclusões tão provisórias como o mito que escapa das amarras das leis que tentam contê-lo, mas tão norteadoras como as leis que guiam o mito através da história da humanidade e do conhecimento. Contradições como essa são comuns e próprias do mito.

O mito não é uma mera narrativa, tampouco pode ser tido como falso ou verdadeiro. O mito é totalmente plástico e integrador. Ele comporta as antinomias da imaginação criativa do μῦθος (mýthos) e da racionalidade do λόγος (lógos). Ele responde as perguntas da realidade não com as respostas que se espera, e sim com as respostas que ele deseja expressar. Úteis ou fúteis, o mito não se preocupa com os valores a priori, mas com as transmutações de seus signos e o crescimento de seu significado.

O mito se constrói dentro de um processo dinâmico e infinito de semiose. Ele brota da mera possibilidade; ganha vida nas suas metáforas narrativas e rituais; cresce em um movimento transformador que legisla sobre a sociedade; e definha nas profundezas de uma possibilidade pronta para se atualizar, assim que corresponder novamente à realidade individual ou coletiva.

Assim, como espontaneidade positiva e criativa, o mito é uma possibilidade qualitativa pronta para tomar conta da imaginação de um indivíduo ou do coletivo. Ele supera as definições do tempo e do espaço, pois está além dos contextos, sendo eternamente presente no mundo dos sonhos e dos devaneios; eternamente contemporâneo, como a arte. Ele não é uma pré-lógica, mas meramente conjectural, não obedecendo nenhuma lei exceto a sua própria força positiva soberana que dá asas à imaginação, capaz de formar metáforas mentais, qualidades que remetem a outras qualidades, sem o compromisso de estarem vinculadas a uma linguagem. O mito se comunica poeticamente sem uma poesia. Ele é frágil e efêmero, pois todos os castelos de areia criados por ele também são desmoronados por ele. Ele não quer significar; quer ser contemplado em sua natureza como as cores são pelos artistas e as músicas são pelos músicos, sendo ele próprio a natureza.

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Como reativo e existencial, o mito caminha conjuntamente com a diacronia da história, sucedendo eventos e acontecimentos em uma sequência sem ainda um propósito claro, exceto a imaginação que o coloca em conflito entre o sujeito e o meio. São os germes de uma imaginação que deseja constantemente por os elementos do mundo em contradição, em uma dialética que tende a compor uma narrativa assignificante. O mito ainda não reconhece leis, somente age. Age sobre o homem e sobre o mundo, exigindo uma substância para materializar-se.

Por fim, como regularidade e continuidade infinita, o mito transforma a dialética em uma ambivalência inteligível. Ele inspira homens à ação e oferece uma solução para os conflitos impostos pela realidade. Ele é um sistema de normas que garantem a sobrevivência através da previsibilidade. Ele preserva a sua dialética, sendo zeloso ao sustentar uma tradição, retornando a cada momento em que é clamado em um ritual que renova as potências da realidade, mas perigoso quando encobre a rispidez da realidade com uma casca dourada, privilegiando, reforçando ou impondo hierarquias. Um modelo exemplar, um conhecimento comum a todos, cujo coletivo deve conhecer e manter, pois ele é a sua espinha dorsal. Ao mesmo tempo, o mito se compõe em uma estrutura tensiva porque transformadora; um bricolage daquilo que a imaginação e a realidade empírica lhe oferecem para se construir. Caleidoscópico, o mito modela e remodela os seus elementos em torno de homologias, em um processo constante de reconstrução e adaptação às mudanças. Guiado por uma lei indeterminável ao descontrole dos ventos e tremores da imaginação, como ondas do mar, o mito rebenta nas areias da praia da razão e é puxado novamente para as profundezas, dando continuidade numa gênese sem fim. Ele constrói e destrói, progride e regride, mas nunca altera a sua mensagem peculiar. Mensagem que somente aqueles tocados pelo mito poderão experimentar.

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NOTAS

INTRODUÇÃO (pp. i-ix)

1 LINCOLN, Bruce. Theorizing myth: narrative, ideology, and scholarship. University of Chicago Press, 1999, p. ix.

2 CSAPO, Eric. Theories of mythology. Malden: Blackwell Publishing, 2005, p. 1.

3 HONKO, Lauri. The problem of defining myth. Sacred narrative: Readings in the theory of myth, p. 41-52, 1984.

4 BRONNER, Simon, J. The Early Movements of Anthropology and Their Folkloristic Relationships. Folklore, v. 95, n. 1, pp. 57-73, 1984.

5 BURNS, Thomas A. Folkloristics: A Conception of Theory. Western Folklore, v. 36, n. 2, pp. 109- 134, 1977.

6 THOMPSON, Stith. Myths and folktales. The Journal of American Folklore, v. 68, n. 270, pp. 482- 8, 1955. p. 487.

7 DUMÉZIL, Georges. Prefácio, in: ELIADE, Mircea. Tratado de história das religiões. São Paulo: Martins Fontes, 1993, p. xiii.

8 SEGAL, Robert A. Myth: A very short introduction. New York: OUP Oxford, 2004, pp. 2-3.

1 O CONCEITO DE MITO NA GRÉCIA ANTIGA (pp. 1-15)

1 CALAME, Claude. The Rhetoric of Muthos and and Logos, p. 121, in: BUXTON, Richard. From Myth and Reason: Studies in the Development of Greek Thought. Oxford: Oxford University Press, 1999. 2 VIDAL-NAQUET, Pierre. Prefácio, 1967, in: DETIENNE, Marcel. Mestres da verdade na Grécia arcaica: como abertura de volta à boca da verdade. São Paulo: Editora WMF Martins Fontes, 2013, p. xxxvi. 3 NESTLE, Wilhelm Albrecht. Vom Mythos zum Logos. Die des griechischen Denkens Selbstentfaltung Homer bis auf die von und Sokrates Sophistik, Stuttgart: Alfred Kroner Verlag, 1940, p 1. Do original: “Mythos und Logos - damit bezeichnen wir die zwei Pole, zwischen denen das menschliche Geistesleben schwingt. Mythisches Vorstellen und logisches Denken sind Gegensätze. Jenes ist - unwillkürlich und aus dem Unbewußten schaffend und gestaltend - bildhaft, dieses - absichtlich und bewußt zergliedernd und verbindend - begrifflich.” 4 DETIENNE, 2013, p. xxii. 5 Ibid., xi. 6 LINCOLN, Bruce. Theorizing myth: narrative, ideology, and scholarship. University of Chicago Press, 1999, pp. 17-8. 7 HESÍODO. Teogonia, 24. 8 DETIENNE, 2013, p. 48. 9 MARTIN, Richard P. The Language of Heroes: speech and performance in the Iliad. Ithaca, New York: Cornell University Press, 1989, p. 22. 10 Ibid. 11 Ibid., p. 14.

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12 DURAND, Gilbert. Campos do imaginário. Lisboa: Instituto Piaget, 1996, p. 47. 13 GADAMER, Hans-Georg. Mito y razón. Barcelona: Paidós, 2005, p. 25. 14 HOMERO. Ilíada, I.326; I.379 15 Ibid., I.388. 16 Ibid., VI.382. 17 HESÍODO. Os trabalhos e os dias, 10. 18 EURÍPIDES. Íon, 1488. 19 HESÍODO. Os trabalhos e os dias, 194. 20 VEYNE, Paul. Acreditavam os gregos em seus mitos?: ensaio sobre a imaginação constituinte. São Paulo: Brasiliense, 1984, p. 40. 21 MARTIN, 1989, p. 13. 22 Cf. TRENCH, Richard Chenevix. Synonyms of the New Testament. General Books, 2010; SCHLESIER, Renate. Mito, in: WULF, Christoph; BORSARI, Andrea (Ed.). Cosmo, corpo, cultura: enciclopedia antropologica. Bruno Mondadori, 2002. pp. 1106-13. 23 WALDE, Alois. Vergleichendes Wörterbuch der indogermanischen Sprachen II. Walter de Gruyter, 1973, p. 255. 24 MIKLOSICH, Franz Ritter von. Etymologisches Wörterbuch der slawischen Sprachen. Wien: Wilhelm Braumüller, 1886, p. 208. 25 FRISK, Hjalmar. Griechisches Etymologisches Wörterbuch. Bd. I-II. Heidelberg: Winter, v. 1-2, 1972, 1960, v. 2, p. 262. 26 BARRETT, Charles K. Myth and the New Testament: The Greek Word μυθoς. The Expository Times, v. 68, n. 11, pp. 345-8, 1957; SCHLESIER, 2002, p. 1107; HOMERO. Odisséia, I.356-359; DURAND, 1996, p. 41. 27 CALAME, 1999, p. 123. 28 Ibid., p. 127. 29 Ibid., p. 142. 30 Ibid., pp. 123, 126. 31 VERNANT, Jean-Pierre. Mito e sociedade na Grécia antiga. Rio de Janeiro, José Olympio, 1999, p. 172. 32 XENÓFANES. Fragmentos, 5. 33 Ibid., 15. 34 Ibid., B 10. 35 Ibid., 11;12;26. 36 Ibid., 23. 37 ELIADE, Mircea. Mito e realidade. São Paulo: Perspectiva, 2013, p. 131. 38 “χρὴ δὲ πρῶτον μὲν θεὸν ὑμνεῖν εὔφρονας ἄνδρας εὐφήμοις μύθοις καὶ καθαροῖσι λόγοις”. F1,13-4 DK. 39 CONTE, Bruno Loureiro. Mythos e logos no poema de Parmênides. Dissertação (Mestrado em Filosofia) - Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, São Paulo, 2010, p. 33. 40 XENÓFANES. Fragmentos, 1, 21-2 DK. 41 VEYNE, 1984, p. 40. 42 Por exemplo, em: PÍNDARO. Odes. Olímpicas, I.35. 43 Ibid., I.28-9.

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44 Também visto em: Ibid., VII.38; IX.54; Id. Píticas, II.123; Id. Neméias, I.51-2; III.49; IV.51; 116. 45 Ibid., VII.23; VIII.33; 46 HERÓDOTO. Histórias, II.23.1; II.45.1. 47 Ibid., II 48.3; II.51.4; II.62.2; II.81.2. 48 Ibid., II, 45.1. 49 Ibid., II.23.1. 50 DETIENNE, Marcel. A invenção da mitologia. Rio de Janeiro: José Olympio; Brasília: UnB, 1998, p. 101. 51 Ἐκαταῖος Μιλήσιος ὣδε μυθῆται. τάδε γράφω, ὥς μοι δοκεῖ ἀληθέα εἶναι. οὶ γὰρ Ἑλλήνων λόγοι πολλοί τε καὶ γελοῖοι, ὡς ἐμοὶ φαίνονται, εἰσίν (Cf. FGrHist. 1 F 1 a Jacoby). 52 DETIENNE, Marcel. Os gregos e nós: uma antropologia comparada da Grécia antiga. São Paulo: Edições Loyola, 2014, p. 41. 53 Id., 1998, p. 102. 54 Ibid., p. 103; Id., 2014, p. 42. 55 Id., 1998, p. 109. 56 Id., 2013, p. 64. 57 TUCÍDIDES. História da Guerra do Peloponeso, I.21.1. 58 DETIENNE, 1998, p. 63. 59 VEYNE, 1984, p. 57. 60 LÉVI-STRAUSS, Claude. A estrutura dos mitos, in: Id. Antropologia estrutural. São Paulo: CosacNaify, 2012, pp. 221-48. Originalmente publicado em: Id. The structural study of myth. The journal of American folklore, v. 68, n. 270, p. 428-44, 1955. 61 Cf. DETIENNE, 2013, p. 65 et. seq. 62 HESÍODO. Teogonia, 26-28. 63 VEYNE, 1984, p. 30. 64 Ibid., p. 47. 65 Ibid., p. 64. 66 DEMÓCRITO. Fragmentos, B297. 67 DETIENNE, Marcel. Processo de laicização, in: Id., 2013, pp. 87-112. 68 HOMERO. Ilíada, I.126; IX.328, 335; XIX.173-4;242,277; XXIII.624,537,565, por exemplo. 69 DETIENNE, 2013, p. 99. 70 Ibid., p. 108. 71 Ibid., p. 87. 72 VERNANT, Jean-Pierre. Mito e pensamento entre os gregos: estudos de psicologia histórica. São Paulo: Paz e Terra, 2008, p. 449. 73 Ibid., p. 472. 74 ARISTÓTELES. Metafísica. 1.983b, 20. 75 “καὶ ἐν τῷ ὅλῳ δή τινες αὐτὴν μεμῖχθαί φασιν, ὅθεν ἴσως καὶ Θαλῆς ᾠήθη πάντα πλήρη θεῶν εἶναι” (Id., de Anima, I.V. 411a). 76 ELIADE, 2013, p. 133. 77 Cf. VERNANT, Jean-Pierre. Do mito à razão, in: Id., 2008, pp. 439-84.

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78 VEYNE, 1984, p. 42. 79 SOUZA, Cavalcante de. Os Pré-Socráticos: fragmentos, doxografia e comentários. Tradução de Cavalcante de Souza. São Paulo: Nova Cultural, 1996 (Os Pensadores), p. 19. 80 DETIENNE, 1998, p. 192. 81 PARMÊNIDES. Fragmentos, B 2.1-2 DK. 82 Id. 242 b4. 83 HERÁCLITO. Fragmentos, 39. 84 Ibid., 5, 68; 14, 22, 2. 85 Ibid., 93. 86 Ibid., 15, 34, 5. 87 Ibid., B56, IX, 9, 6; 42: IX, 1. 88 Ibid., 57, IX, 10, 2; 40, IX, 1. 89 Ibid., 14; 15; 81; 92; 93; 129. 90 Cf. CORNFORD, F. M. De la Religión a la Filosofía. Barcelona: Ariel, 1984; Id. Principium Sapientiae. Lisboa: Calouste Gulbekian, 1989. 91 GRIMAL, Pierre. A mitologia grega. São Paulo: Brasiliense, 1985, pp. 8-9. 92 Ibid. 93 TRENCH, Richard Chenevix. Synonyms of the New Testament. London, Macmillan and Co., 1880, p. 339. 94 LINCOLN, 1999, p. 3. 95 VERNANT, 2008, p. 476. 96 DETIENNE, 2014, p. 152. 97 DURAND, 1996, p.47-8 98 DES BOUVRIE, Synnøve. The definition of myth, in: Id. (Ed.). Myth and Symbol I: Symbolic phenomena in ancient Greek culture: Papers from the first international symposium on symbolism at the University of Tromsø, June 4-7, 1998. Bergen: The Norwegian Institute at Athens, 2002, p. 14. 99 ELIADE, 2013, p. 130. 100 DETIENNE, 2013, p. 86. 101 LINCOLN, 1999, p. 18.

2 ESTUDOS ANTROPOLÓGICOS (pp. 17-23)

1 BOAS, Franz. Antropologia cultural. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Ed., 2004, p. 88. 2 LÉVI-STRAUSS, Claude. Antropologia estrutural dois. São Paulo: Cosac Naify, 2013, p. 12. 3 CASTRO, Celso (Org.). Evolucionismo cultural. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Ed., 2014, p. 103. Originalmente publicado em: FRAZER, James George. The scope of social anthropology. London: Macmillan and Co., Limited St. Martin's Street, 1908, p. 3; Id. The scope of social anthropology, in: Id. Psyche’s task and the scope of social anthropology. Macmillan and Co., Limited St. Martin's Street, 1913c, p. 159. 4 VERMEULEN, Han F. Before Boas: the genesis of ethnography and ethnology in the German Enlightenment. Lincoln & London: University of Nebraska Press, 2015, p. 1. 5 Cf. Ibid.

353

6 HOORN, Tanja van. Das anthropologische Feld der Aufklärung. Ein heuristisches Modell und ein exemplarischer Situierungsversuch, in: HOORN, Tanja van; GARBER, Jörn (Ed.). Natur–Mensch– Kultur: Georg Forster im Wissenschaftsfeld seiner Zeit, Hanover: Wehrhahn Verlag, pp. 125–41, 2006. 7 STOCKING Jr., George W. Victorian anthropology. New York: The Free Press, 1987, p. 49. 8 Ibid., p. 67. 9 DETIENNE, Marcel. Os gregos e nós: uma antropologia comparada da Grécia antiga. São Paulo: Edições Loyola, 2014, p. 26. 10 Id., A invenção da mitologia. Rio de Janeiro: José Olympio; Brasília: UnB, 1998, p. 20. 11 STOCKING Jr., 1987, p. 20. 12 VERMEULEN, 2015, p. 324. 13 LOWIE, Robert H. The History of Ethnological Theory. New York: Farrar & Rinehart, 1937, p. 50. 14 Ibid., p. 43. 15 CAMPBELL, Joseph. Introduction, in: BACHOFEN, Johann Jakob. Myth, religion, and mother right: selected writings of J. J. Bachofen. New Jersey: Princeton University Press, 1992, (Bollingen Series LXXXIV), p. iv. 16 BACHOFEN, 1992, p. 48. 17 Ibid., pp. 49-50. 18 Ibid., p. 48.

2.1 EVOLUCIONISMO (pp. 25-31)

1 ACKERMAN, Robert. The Myth and Ritual School: J. G. Frazer and the Cambridge Ritualists. New York, London: Routledge, 2013, p. 17. 2 BURROW, J. W. Evolution and Society: a study in Victorian social theory. London, New York, New Rochelle, Melbourne, Sydney: Cambridge University Press, 1966, p. 114. 3 Cf. DUNCAN, David. The Life and Letters of Herbert Spencer. London: Methuen & Co., 1908, p. 62. 4 ACKERMAN, 2013, p. 18. 5 Ibid., p. 22. 6 Ibid., p. 25. 7 Ibid., p. 29. 8 CASTRO, Celso (Org.). Evolucionismo cultural. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Ed., 2014, p. 70; TYLOR, Edward Burnett. Primitive culture: researches into the development of mythology, philosophy, religion, language, art and custom. Mineola, New York: Dover Publications, v. 1, 2016, p. 2. 9 STOCKING Jr., George W. Victorian anthropology. New York: The Free Press, 1987, p. 69. 10 Ibid., p. 187. 11 Ibid, p. 76. 12 ACKERMAN, Robert. J. G. Frazer, his life and work. New York, Port Chester, Melbourne, Sydney: Cambridge University Press, 1987, p. 73. 13 Ibid., p. 75. 14 Ibid., p. 35.

354

15 lowie, pp. 23-4. 16 TYLOR, 2016, v. 1, p. 16. 17 LOWIE, Robert H. The History of Ethnological Theory. New York: Farrar & Rinehart, 1937, p. 19. 18 LEACH, Edmund. Claude Lévi-Strauss. London: Fontana Press, 1996, p. 15 19 RADCLIFFE-BROWN, Alfred Reginald. Estrutura e função nas sociedades primitivas. Rio de Janeiro: Edições 70, 1989, p. 300. 20 KISSANE, James. Victorian Mythology. Victorian Studies, v. 6, n. 1, pp. 5-28, 1962, p. 6. 21 SYMONDS, John Addington. Studies of the Greek Poets. London: Smith, Elder & Co., 15, Waterloo Place, 1873, p. 2. 22 Ibid., p. 3.

2.1.1 LEWIS HENRY MORGAN (pp. 33-7)

1 TRAUTMANN, Thomas R.; KABELAC, Karl Sanford. The Library of Lewis Henry Morgan and Mary Elizabeth Morgan. Transactions of the American Philosophical Society, v. 84, n. 6/7, pp. i-336, 1994, p. 11. 2 POWELL, John Wesley. Sketch of Lewis H. Morgan: President of the American Association for the Advancement of Science, Boston: D. Appleton and Company, pp.114-21, 1880, p.115. 3 KUPER, Adam. A reinvenção da sociedade primitiva: transformações de um mito. Recife: Editora Universitária UFPE, 2008, p. 95. 4 TRAUTMANN; KABELAC, 1994, p. 16. 5 POWELL, 1880, p. 117. 6 MORGAN, Lewis Henry. Ancient Society: or, researches in the lines of human progress from savagery, through barbarism to civilization. Chicago: Charles H. Kerr & Company, 1877, pp. 567-8. 7 CASTRO, Celso (Org.). Textos básicos de antropologia: cem anos de tradição: Boas, Malinowski, Lévi-Strauss e outros. Rio de Janeiro: Zahar, 2016, p. 12; Id., Evolucionismo cultural. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Ed., 2014,, p. 44; MORGAN, 1877, p. vi. 8 MORGAN, 1877, p. 60; Ibid., p. 561. 9 CASTRO, 2016, p. 22; Id., 2014, p. 61; MORGAN, 1877, p. 18. 10 CASTRO, 2016, p. 18; Id., 2014, p. 55; MORGAN, 1877, p. 8. 11 CASTRO, 2016, p. 13; Id., 2014, p. 44; MORGAN, 1877, p. vi. 12 KUPER, 2008, p. 91. 13 MORGAN, 1877, p. 568. 14 CASTRO, 2016, p. 16; Id., 2014, p. 52. 15 MORGAN, 1877, p. 542. 16 Ibid., pp. 246-7.

2.1.2 EDWARD BURNETT TYLOR (pp. 39-51)

1 STOCKING Jr., George W. Matthew Arnold, E. B. Tylor, and the Uses of Invention. American Anthropologist, v. 65, n. 4, pp. 783-99, 1963, p. 790.

355

2 CASTRO, Celso (Org.). Evolucionismo cultural. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Ed., 2014, p. 17, 69; TYLOR, Edward Burnett. Primitive culture: researches into the development of mythology, philosophy, religion, language, art and custom. Mineola, New York: Dover Publications, v. 1, 2016, p. 1. 3 ACKERMAN, 2013, p. 36; STOCKING, 1963, p. 796. 4 CASTRO, 2014, p. 82; TYLOR, 2016, v. 1, p. 12. 5 CASTRO, 2014, p. 89; TYLOR, 2016, v. 1, p. 17. 6 TYLOR, Edward Burnett. Researches into the Early History of Mankind and the Development of Civilization. London: John Murray, 1865, p. 365. 7 CASTRO, 2014, p. 97; TYLOR, 2016, v. 1, p. 24. 8 LANG, Andrew. Edward Burnett Tylor, in: BALFOUR, Henry. et al. Anthropological Essays Presented to Edward Burnett Tylor: In Honour of His 75th Birthday, Oct. 2, 1907. Oxford: Clarendon Press, 1907, p. 6. 9 CASTRO, 2014, p. 87; TYLOR, 2016, v. 1, p. 16. 10 LOWIE, Robert H. Edward Tylor. American Anthropologist, v. 19, n. 2, pp. 262-8, 1917, p. 266. Cf. TYLOR, Edward B. On a method of investigating the development of institutions; applied to laws of marriage and descent. The Journal of the Anthropological Institute of Great Britain and Ireland, v. 18, pp. 245-72, 1889. 11 CASTRO, 2014, p. 76; TYLOR, 2016, v. 1, p. 14. 12 CASTRO, 2014, p. 77; TYLOR, 2016, v. 1, p. 8 13 TYLOR, 2016, v. 1, pp. 26-7. 14 KROEBER, Alfred Louis. The nature of culture. Chicago: University of Chicago Press, 1952, p. 145. Originalmente publicado como Id. The history and Present orientation of cultural anthropology (28-30 dezembro, 1950) 50ª edição do Meeting of the American Anthropological Association at Berkeley, University of California. 15 ROSA, Frederico Delgado. Edward Tylor e a extraordinária evolução religiosa da humanidade. Cadernos de Campo (São Paulo, 1991), São Paulo, v. 19, n. 19, pp. 297-308, 2010, p. 302. 16 LOWIE, 1917, p. 265. Cf. TYLOR, Edward Burnett. On the Game of Patolli in Ancient Mexico, and its Probably Asiatic Origin. The Journal of the Anthropological Institute of Great Britain and Ireland, v. 8, pp. 116-31, 1879. 17 STOCKING, 1963, p. 788. 18 TYLOR, 2016, v. 1, pp. 273-4. 19 Ibid., p. 274. 20 Cf. TYLOR, Edward B. On the limits of savage religion. The Journal of the Anthropological Institute of Great Britain and Ireland, v. 21, pp. 283-301, 1892. 21 TYLOR, 2016, v. 1, pp. 283-4. 22 Ibid., p. 284. 23 Ibid., pp. 501-2. 24 Ibid., pp. 282-3. 25 CASTRO, 2014, p. 90; TYLOR, 2016, v. 1, p. 18. 26 TYLOR, 2016, v. 1, p. 415. 27 CASTRO, 2014, pp. 90-1; TYLOR, 2016, v. 1, pp. 18-9. 28 TYLOR, 2016, v. 1, p. 445. 29 Ibid., p. 31.

356

30 CASTRO, 2014, p. 94; TYLOR, 2016, v. 1, p. 22. 31 TYLOR, 2016, v. 1, p. 283. 32 Ibid., p. 447. 33 CASTRO, 2014, p. 95; TYLOR, 2016, v. 1, pp. 22-3. 34 TYLOR, Edward Burnett. Primitive culture: researches into the development of mythology, philosophy, religion, language, art and custom. Mineola, New York: Dover Publications, v. 2, 2016, p. 359. 35 Id., 2016, v. 1, p. 369. 36 Ibid., p. 477. 37 Ibid., p. 308. 38 Cf. TYLOR, Edward B. Remarks on totemism, with especial reference to some modern theories respecting it. The Journal of the Anthropological Institute of Great Britain and Ireland, v. 28, n. 1/2, pp. 138-48, 1899. 39 Id., 2016, v. 1, p. 285. 40 Ibid., pp. 298-9. 41 Ibid., p. 298. 42 Id. Anthropology: An introduction to the study of man and civilization. New York: D. Appleton and Company, 1896, p. 395. 43 Id., 2016, v. 1, p. 299. 44 Ibid., p. 426. 45 Ibid., p. 287. 46 Ibid., p. 501. 47 Ibid., p. 429. 48 MALINOWSKI, Bronisław. Magia, ciência e religião. Lisboa: Edições 70, 1988, p. 20 49 SEGAL, Robert A. Tylor's anthropomorphic theory of religion. Religion, v. 25, n. 1, pp. 23-30, 1995, pp. 27-9. 50 TYLOR, 2016, v. 1, p. 502. 51 Ibid., p. 292. 52 Id., 1896, p. 378. 53 Id., 2016, v. 1, p. 305. 54 Ibid., p. 327. 55 Id., 2016, v. 2. p. 447. 56 PLATÃO. Teeteto, 152a. 57 TYLOR, 1896, p. 387. 58 Id., 2016, v. 1, p. 378. 59 Ibid., p. 357. 60 Id., 1896, p. 396. 61 Id., 2016, v. 1, p. 416. 62 Id., 1896, p. 379. 63 Id., 2016, v. 1, p. 278. 64 Ibid., p. 395.

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65 Ibid., p. 282. 66 CASTRO, 2014, p. 94; TYLOR, 2016, v. 1, p. 22 67 TYLOR, 2016, v. 1, pp. 415-6. 68 Ibid., p. 284. 69 SEGAL, Robert A. Myth: A very short introduction. New York: OUP Oxford, 2004, p. 14. 70 TYLOR, 2016, v. 1, p. 317. 71 Id., 2016, v. 2, p. 443.

2.1.3 WILLIAM ROBERTSON SMITH (pp. 53-8)

1 Cf. BEIDELMAN, Thomas Owen. W. Robertson Smith and the Sociological Study of Religion. Chicago, London: The University of Chicago Press, 1974, pp. 3-27. 2 JONES, Robert Alun. Robertson Smith and James Frazer on Religion: Two Traditions in British Social Anthropology, in: STOCKING Jr., George W. (Ed.). Functionalism Historicized: Essays on British Social Anthropology. Madison: University of Wisconsin Press, v. 2, pp. 31-58, 1984 (History of Anthropology), p. 36. 3 HUBERT, Henri; MAUSS, Marcel. Sobre o sacrifício. São Paulo: Cosac Naify, 2005, p. 13. 4 JONES, 1984, p. 37. 5 SMITH, William Robertson. Lectures on the religion of the semites. New York: D. Appleton and Company, 1889, p. 21. (First series: The fundamental institutions). 6 Ibid., p. 18. 7 Ibid., pp. 85-6. 8 Ibid., p. 86. 9 Ibid., p. 88. 10 BEILDEMAN, 1974, p. 61. 11 SMITH, 1889, p. 144. 12 Ibid., p. 419. 13 BEILDEMAN, 1974, p. 38. 14 SMITH, 1889, p. 73. 15 Ibid., pp. 31-32. 16 Ibid. 17 Ibid., p. 399. 18 Ibid., p. 19. 19 Ibid., p. 20. 20 Ibid., p. 18. 21 Ibid., p. 399.

2.1.4 JAMES GEORGE FRAZER (pp. 59-73)

1 DOWNIE, Robert Angus. James George Frazer: the portrait of a scholar. London: Watts & Company, 1940, p. 7.

358

2 JONES, Robert Alun. Robertson Smith and James Frazer on Religion: Two Traditions in British Social Anthropology, in: STOCKING Jr., George W. (Ed.). Functionalism Historicized: Essays on British Social Anthropology. Madison: University of Wisconsin Press, v. 2, pp. 31-58, 1984 (History of Anthropology), p. 53. 3 CASTRO, Celso (Org.). Evolucionismo cultural. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Ed., 2014, p. 19. 4 DOWNIE, 1940, p. 15. 5 Ibid., p. 12. 6 CSAPO, Eric. Theories of mythology. Malden: Blackwell Publishing, 2005, p. 33. 7 MALINOWSKI, Bronisław. Magia, ciência e religião. Lisboa: Edições 70, 1988, p. 20. 8 ACKERMAN, Robert. The Myth and Ritual School: J. G. Frazer and the Cambridge Ritualists. New York, London: Routledge, 2013, p. 50. 9 FRAZER, James George. Carta para Henry Jackson (22 de agosto de 1888), in: ACKERMAN, Robert. J. G. Frazer, his life and work. New York, Port Chester, Melbourne, Sydney: Cambridge University Press, 1987, p. 88. 10 ACKERMAN, 1987, p. 101. 11 FRAZER, James George. The golden bough: a study in magic and religion. 2 ed. London: Macmillan and Co., v. 3, 1900, pp. 459-60; Id. Balder the beautiful: the fire-festivals of and the doctrine of the external soul. 3 ed. London: Macmilland and Co., v. 7, 2, 1913a. (The golden bough: a study in magic and religion), p. 306. 12 Id., 1920, p. 53. 13 Ibid., p. 221-2. 14 Ibid., p. 53. 15 Ibid., p. 238. 16 Ibid., p. 222. 17 Ibid., p. 234. 18 Ibid., 1920, v.1, 1, p. 226n2. 19 FRAZER, 1900, v. 3, p. 459. 20 Ibid., p. 459. 21 Ibid., p. 461. 22 Id. Totemism. Edinburg: Adam & Charles Black, 1887, p. 1. 23 JONES, 1984, p. 44. 24 FRAZER, 1887, p. 2. 25 Id. The golden bough: a study in magic and religion. 2 ed. London: Macmillan and Co., v. 1, 1900, p. 3. 26 Id., 1900, v. 3, p. 196. 27 Id. The golden bough: a study in comparative religion. 1 ed. New York, London: Macmillan and Co., v. 1, 1894, pp. 347-8. 28 ACKERMAN, 2013, pp. 53-4; Id. Frazer on Myth and Ritual. Journal of the History of Ideas, v. 36, n. 1, pp. 115-134, 1975, pp. 116, 123. 29 ACKERMAN, 1975, p. 133. 30 SEGAL, Robert A. Myth: A Very Short Introduction. Oxford: Oxford University Press, 2004, pp. 23- 4. 31 Id., The Frazerian roots of contemporary theories of religion and violence. Religion, v. 37, n. 1, pp. 4-25, 2007.

359

32 Ibid., p. 5. 33 FRAZER, 1888, in: ACKERMAN, 1987, p. 89. 34 FRAZER, 1920, p. 21. 35 FRAZER, James George. The scapegoat. 3 ed. London: Macmillan and Co., v. 6, 1913b. (The golden bough: a study in magic and religion), p. 374. 36 FRAZER, James George. et al. (Ed.). Apollodorus: The Library. London: W. Heinemann, New York: Putnam’s sons, 1921, v. 1, pp. xxvii-xxviii. 37 FRAZER, James George. Myths of the origin of fire. London: Macmillan and Co., 1930, p. 1. 38 Id., 1921, p. xxviii, nota 1. 39 ACKERMAN, 1987, p. 1. 40 LIENHARDT, GODFREY. Frazer's Anthropology: Science and Sensibility. Journal of the Anthropological Society of Oxford, v. 24, n. 1, pp. 1-12, 1993, p. 3. 41 LOWIE, Robert H. The History of Ethnological Theory. New York: Farrar & Rinehart, 1937, p. 102. 42 ACKERMAN, 2013, p. 46. 43 FRAZER, James George. Man, God and immortality: thoughts on human progress. London: Macmillan, 1927, p. 280. 44 Id., 1900, v. 1, pp. xv-xvi. 45 Id., 1900, v. 3, p. 460. 46 ACKERMAN, 2013, p. 46. 47 WITTGENSTEIN, Ludwig. Observações sobre o Ramo de ouro de Frazer. Revista Digital Ad Verbum, v. 2, n. 2, pp. 186-231, 2007, p. 200; WITTGENSTEIN, Ludwig. Datiloscrito do Nachlass. The Bergen Electronic Edition. Oxford University Press, 2000, 211, p. 321. 48 DOWNIE, 1940, p. 83.

2.2 RITUALISMO (pp. 75-81)

1 No entanto, a relação entre mito e ritual já havia sido estabelecida por inúmeros outros autores, entre eles, Pierre Daniel Huet (1630-1721), Pierre Bayle (1647-1706), Bernard Le Bovier de Fontenelle (1657-1757), Giambattista Vico (1668-1744), Johann Gottfried von Herder (1744-1803), Karl Otfried Müller (1797-1840), Johann Wilhelm Emanuel Mannhardt (1831-1880), Edward Burnett Tylor (1832-1917), Edward Clodd (1840-1930), Andrew Lang (1844-1912), Edwin Sidney Hartland (1848-1927), por exemplo.

2 ACKERMAN, Robert. Frazer on Myth and Ritual. Journal of the History of Ideas, v. 36, n. 1 , pp. 115-134, 1975, p. 115.

3 FRAZER, James George. et al. (Ed.). Apollodorus: The Library. London: W. Heinemann, New York: Putnam’s sons, v. 1, 1921 (The Loeb Classical Library), p. xviii nr1.

4 Ibid., p. xix.

5 STRENSKI, Ivan. The rise of ritual and the hegemony of myth Sylvain Lévi, the Durkheimians, and Max Müller, in: PATTON, Laurie L.; DONIGER, Wendy (Ed.). Myth and Method. Charlottesville and London: University of Virginia Press, pp. 52-81, 1996.

6 Do original: “Der Mythus ist eine Erzählung, die allgemeine und regelmäßig wechselnde und sich wiederholende Erscheinungen darstellt und deren Bestaudteile sich in gleicher Sequenz durch religiösmagische Handlungen (Riten) äußern”. GENNEP, Charles-Arnold van. Was ist Mythus?

360

Internationale Wochenschrift fur Wissenschaft, Kunst und Technik, pp. 1167-74, 1910, p. 1167.

7 SEGAL, Robert A. The Myth-Ritualist Theory of Religion. Journal for the Scientific Study of Religion, v. 19, n. 2, pp. 173-85, 1980, p. 173.

8 Ibid., pp. 176-7.

9 SEGAL, Robert A. (Ed.). The myth and ritual theory: an anthology. Oxford: Blackwell Publishing, 1998a.

10 ACKERMAN, Robert. The Myth and Ritual School: J. G. Frazer and the Cambridge Ritualists. New York, London: Routledge, 2013.

11 William Robertson Smith (1846-1894), James George Frazer (1854-1941), Jane Ellen Harrison (1850-1928), Samuel Henry Hooke (1874-1968), Lord Raglan (Fitzroy Richard Somerset, Barão Raglan IV, 1885-1964), Bronisław Kasper Malinowski (1884–1942), Mircea Eliade (1907 – 1986), Claude Lévi-Strauss (1908 – 2009) e René Noël Théophile Girard (1923 – 2015).

12 SEGAL, 1998, p. 1.

13 KLUCKHOHN, Clyde. Myths and Rituals: A General Theory. Harvard Theological Review, v. 35, pp. 45-79, 1942, p. 78.

14 Ibid., p. 58.

15 Ibid., p. 54

16 Ibid, p. 50.

17 Ibid., p. 55.

18 HOCART, Arthur Maurice. The life-giving myth and other essays. New York: Grove Press, 1953, p. 22.

19 Ibid., p. 61.

20 Ibid., p. 53.

21 Ibid., p. 64.

22 Ibid., p. 25

23 Ibid.

24 HYMAN, Stanley Edgar. Myth, ritual and nonsense. The Kenyon Review, v. 11, n. 3, pp. 455-75, 1949, p. 471.

25 Ibid., p. 463.

26 Id. The ritual view of myth and the mythic, in: SEBEOK, Thomas A. (Ed.). Myth: A Symposium. Philadelphia: American Folklore Society, v. 5, pp. 84-94, 1955, p. 84.

27 Ibid., p. 86.

28 Id., 1949, pp. 467-9.

29 SEGAL, 1980, p. 174.

361

30 HYMAN, 1955, p. 86-9; Id., 1949, pp. 464-6.

31 Id., 1955, p. 88.

2.2.1 JANE ELLEN HARRISON (pp. 83-4)

1 HARRISON, Jane Ellen. Themis: a study of the social origins of greek religion. Cambridge: Cambridge University Press, 1912, p. 13. 2 Ibid., p. 486. 3 No sentido grego, θέμιστες (themistes) é o plural dos casos nominal e vocativo de θέμισ (Têmis), homônimo da titânide que personifica a ordem, os juramentos, às leis, os hábitos/costumes e as regras de conduta, resguardos e advindos de caráter divino, das palavras proferidas (θέμιστες) pela deusa - ao contrário de νόμος, que tem caráter humano - e transmitidos através do poder oracular ou jurídico; advindo do verbo τίθημι (pôr, colocar no lugar). 4 HARRISON, 1912, p. 534. 5 Ibid., p. 16 6 Ibid., p. 330. 7 ARISTÓTELES, Poética, VI, 1450a. 8 HYMAN, Stanley Edgar. The ritual view of myth and the mythic, in: SEBEOK, Thomas A. (Ed.). Myth: A Symposium. Philadelphia: American Folklore Society, v. 5, pp. 84-94, 1955, p. 85.

2.2.2 SAMUEL HENRY HOOKE (pp. 85-7)

1 JAMES, Edwin Oliver. Obituaries: Professor S. H. Hooke. Folklore, v. 78, n. 4, pp. 304-5, 1967, p. 304. 2 HOOKE, Samuel Henry. Middle eastern mythology. Harmondsworth: Penguin Books, 1963, p. 12. 3 Ibid., pp. 12-3. 4 Id. Myth, Ritual and History. Folklore, v. 50, n. 2, pp. 137-47, 1939, p. 139. 5 Id. The Labyrinth. London: Society for Promoting Christian Knowledge, 1935, p. ix. 6 Id., 1963, p. 16. 7 Id. The myth and Ritual Pattern of the Ancient East, in: ___. Myth and Ritual. London: Oxford University Press, pp. 1-14, 1933, in: SEGAL, Robert A. (Ed.). The myth and ritual theory: an anthology. Oxford: Blackwell Publishing, 1998a, p. 86.

2.3 DIFUSIONISMO (pp. 89-96)

1 LOWIE, Robert H. The History of Ethnological Theory. New York: Farrar & Rinehart, 1937, p. 157 2 SPINDEN, Herbert J. The Prosaic vs. the Romantic School in Anthropology, in: SMITH, G. Elliot et al. Culture: The Diffusion Controversy. New York: W.W. Norton & Company, pp. 47-98, 1927, pp. 47-9 3 MALINOWSKI, Bronisław. The Life of Culture, in: SMITH. et. al., 1927, pp. 26-46, p. 31. 4 SMITH, G. Elliot. The Diffusion of Culture, in: SMITH. et al., 1927, pp. 9-25, p. 10. 5 BOAS, Franz Uri. Race, language and culture. New York: The Macmillan Company, 1940, p. 291. 6 Ibid., p. 13.

362

7 LOWIE, 1937, p. 184. 8 SMITH, Grafton Elliot. In the Beginning: The Origins of Civilization. New York: William Morrow and Company, 1928, pp. 20-31. 9 LOWIE, 1937, p. 178. 10 HEINE-GELDERN, Robert. One Hundred Years of Ethnological Theory in the German-Speaking Countries: Some Milestones. Current Anthropology, v. 5, n. 5, pp. 407-18, 1964, p. 417. 11 Cf. FROBENIUS. Die Kulturformen Ozeaniens. Gotha: Justus Perthes Verlag, 1900. 12 SYLVAIN, Renée. Leo Frobenius. From “Kulturkreis to Kulturmorphologie”. Anthropos, Bd. 91, H. 4/6, pp. 483-94, 1996, p. 485. 13 ITA, J. M. Frobenius in West African History. The Journal of African History, v. 13, n. 4, pp. 673- 88, 1972, pp. 676-7. 14 SYLVAIN, 1996, p. 485. 15 Para uma maior discussão do tema, bem como dos métodos utilizados por Frobenius. Cf. ITA, 1972. 16 SYLVAIN, 1996, p. 489 17 Do original: “Kultur ihren menschlichen Trägern gegenüber als selbständigen Organismus aufzufassen, jede Kulturform als ein eignes Lebewesen zu betrachten, das eine Geburt, ein Kindes-, ein Mannes- und ein Greisenalter erlebt. Die Kulturformen sind eigenen Wachstumsprozessen unterworfen, die dem Entwicklungsgänge des menschlichen Individuums entsprechen. Plump und unbeholfen gebärden sie sich in ihrer Jugend, energisch und zielbewußt im Männesalter, kindisch sind die Greisenkulturen usw. Vor allem: nicht der Wille des Menschen bringt die Kulturen hervor, sondern die Kultur lebt „auf" den Menschen. (Heute möchte ich sagen: sie durchlebt den Menschen.) Die Kultur ist ihren Formen nach an bestimmte Gebiete gebunden, die Kulturkreise; die Formen bilden sich bei der Verpflanzung um und bringen in der Vermählung neue Formen hervor.” FROBENIUS, Leo. Paideuma: Umrisse einer Kultur- und Seelenlehre. München: C. H. Beck'sche Verlagsbuchhandlung, 1921, pp. 3-4. 18 HEINE-GELDERN, 1964, p. 413. 19 LIPS, Julius E. Fritz Graebner: March 4, 1877 to July 13, 1934. American Anthropologist, v. 37, n. 2, 1, pp. 320-6, 1935, p. 323. 20 LOWIE, 1937, p. 159; GUSINDE, Martin. Wilhelm Schmidt, S.V.D., 1868-1954. American Anthropologist, v. 56, n. 5, 1, pp. 868-70, 1954, p. 869. 21 HEINE-GELDERN, 1964, p. 414. 22 LOWIE, 1937, p. 192.

2.3.1 LORD RAGLAN (pp. 97-108)

1 MACCLANCY, Jeremy. Transcending the academic/public divide in the transmission of theory: Raglan, diffusionism, and mid-century anthropology. History and Anthropology, v. 28, n. 2, pp. 235-53, 2017, p. 238. 2 RAGLAN, Lord. How came civilization?. London: Methuen & Co., 1939, p. 58. 3 FORDE, DARYLL. 'Lord Raglan: 1885-1964'. Man, v. 64, pp. 181-2, 1964; JAMES, Edwin Oliver. Lord Raglan: 1885-1964. Folklore, v. 75, n. 4, pp. 276-7, 1964. 4 RAGLAN, 1939, pp. 3-4. 5 Id. The hero: a study in tradition myth, and drama. New York, London and Scarborough: Meridian Books, 1979, p. 4. 6 Ibid., pp. 11-2.

363

7 Id. Some Aspects of Diffusion. The Journal of the Royal Anthropological Institute of Great Britain and Ireland, v..87, n. 2, pp. 139-48, 1957b, p. 147. 8 Id., 1979, p. 8. 9 Ibid., p. 13. 10 Id., 1957, p. 146. 11 Id., 1979, p. 17. 12 Ibid., p. 29. 13 Ibid., pp. 35, 43, 14 FORDE, 1964, p. 182. 15 RAGLAN, 1939, p. 42. 16 Ibid., p. 45. 17 Ibid., p. 29. 18 Id., 1957, p. 144. 19 Id., 1939, p. 58. 20 Id., 1957, p. 139. 21 Id., 1939, p. 60 et. seq. 22 Id., 1979, p. 278. 23 Ibid., pp. 145, 147; Id., 1957, p. 139. 24 Ibid., p. 14. 25 Id. Myth and Ritual, in: SEBEOK, Thomas Albert (Ed.). Myth: a symposium. Philadelphia: American Folklore Society, pp. 76-83, 1955, p. 83; RAGLAN, Lord. Myth and Ritual. The Journal of American Folklore, v. 68, n. 270, pp. 454-61, 1955, p. 461. 26 Id. More on Myth and Ritual. The Journal of American Folklore, v. 70, n. 276, p. 173, 1957a, p. 173. 27 Id., 1979, p. 117 et seq. 28 Ibid., p. 122. 29 Ibid., p. 126. 30 Ibid., p. 147. 31 Ibid., p. 41. 32 Id. What is a myth? In: ___. Jocasta’s Crime: an anthropological study. London: Watts & Co., pp. 103-13, 1933. 33 SEBEOK (Ed.), 1955, p. 77; RAGLAN, 1955, p. 455. 34 RAGLAN, 1979, pp. 142, 172. 35 Ibid., pp. 157, 159. 36 Ibid., p. 65. 37 SEBEOK (Ed.), 1955, p. 80; RAGLAN, 1955, p. 458. 38 RAGLAN, 1979, p. 141 et seq. 39 Ibid., pp. 147-8. 40 Ibid., p. 156. 41 Ibid., p. 127. 42 Ibid., p.127.

364

43 BASCOM, William. The Myth-Ritual Theory. The Journal of American Folklore, v. 70, n. 276, pp. 103-14, 1957, p. 103. 44 Ibid., pp. 113-4. 45 RAGLAN, 1979, p. 127. 46 Ibid., p. 147. 47 Ibid., p. 127-8. 48 Para um maior aprofundamento do tema do folclore em Raglan cf. RAGLAN, Lord. The Origins of Folk-Culture: Presidential Address delivered before the Society at the Annual Meeting on March 5th, 1947, Folklore, v. 58, n. 2, pp. 250-60, 1947; Id. The Scope of Folklore: Presidential Address delivered before the Society at the Annual Meeting on March 20th, 1946, Folklore, v. 57, n. 3, pp. 98-105, 1946. 49 RAGLAN, 1979, p. 130 et seq. 50 Ibid., p. 132. 51 Ibid., p. 148. 52 Ibid., p. 144; SEBEOK (Ed.), 1955, pp. 80-1; RAGLAN, 1955, pp. 458-9. Cf. GRUFFYDD, William John. Math vab Mathonwy: an inquiry into the origins and development of the fourth branch of the Mabinogi with the text and a translation. Cardiff: The University of Wales Press Board, 1928, p. 81. 53 RAGLAN, 1979, pp. 174-5. 54 Ibid., pp. 184-5. 55 Ibid., p. 214. 56 Ibid., p. 223 57 Ibid., p. 215. 58 Ibid., p. 203. 59 Ibid., p. 186 et seq. 60 Ibid., p. 173.

2.4 FRANZ BOAS E A ESCOLA AMERICANA (pp. 109-18)

1 LÉVI-STRAUSS, Claude. Antropologia Estrutural. São Paulo: Cosac Naify, 2008, p. 21. 2 STOCKING Jr., George W. Delimiting Anthropology: Occasional Inquiries and Reflections. Madison: University of Wisconsin Press, 2001, p. 46. 3 Ibid., p. 35. 4 KUPER, Adam. A reinvenção da sociedade primitiva: transformações de um mito. Recife: Editora Universitária UFPE, 2008, p. 162. 5 STOCKING, 2001, pp. 37-9. 6 BOAS, Franz. Antropologia cultural. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Ed., 2004, p. 109 7 Ibid., p. 88. 8 Id. Letter to the Editor: Museums of Ethnology and Their classification. Science, v. 9, n. 229, pp. 587-9, 1887b, p. 589. 9 Id. The occurrence of similar inventions in areas widely apart. Science, v. 9, n. 224, pp. 485-6, 1887a, p. 485. 10 Id., 2004, p. 34. 11 Ibid., p. 89.

365

12 Ibid., p. 65. 13 Id. The growth of Indian mythologies: a study based upon the growth of the mythologies of the North Pacific coast. The Journal of American Folklore, v. 9, n. 32, pp. 1-11, 1896, p. 5. 14 Id. Psychological problems in anthropology. Lecture delivered at the celebration of the twentieth anniversary of the opening of Clark University, pp. 371-84, 1909, pp. 375-6. 15 Id., 2004, pp. 50-1. 16 Id., 2004, p. 51. 17 Id. Some traits of primitive culture. The Journal of American Folklore, v. 17, n. 67, pp. 243-54, 1904, p. 246. 18 Ibid., p. 247. 19 Ibid., p. 250. 20 Id., 1909, pp. 379-80. 21 Id., The mind of primitive man: a course of lectures delivered before the Lowell Institute, Boston, Mass., and the National University of Mexico, 1910-1. New York: The Macmillan Company, 1922, p. 196. 22 Id. Race, language and culture. New York: The Macmillan Company, 1940, p. 335. 23 Id., Mythology and folklore, in: Id. General anthropology. Boston: DC Heath, 1938, p. 612. 24 Id., 1940, p. 338. 25 Id., Introduction, in: TEIT, James Alexander. Traditions of the Thompson River Indians of British Columbia. Cambridge: The Riverside Press, v. 6, 1898, p. 18. (Memoirs of the American Folk-lore Society). 26 Id., 1940, p. 342. 27 Id., 1909, p. 379. 28 Id., 1938, p. 609. 29 Ibid., p. 615. 30 Id., 1909, pp. 383-4. 31 Id., 1938, p. 616. 32 Id., 1940, p. 340. 33 Ibid., p. 609. 34 Ibid., p. 621. 35 Id., 2004, p. 45.

2.5 O FUNCIONALISMO DE BRONISŁAW MALINOWSKI (pp. 119-31)

1 MALINOWSKI, Bronisław. Psychoanalysis and anthropology. Nature, v. 112, n. 2818, pp. 650-1, 1923, p. 650. 2 MALINOWSKI, Bronisław. The Life of Culture, in: SMITH. et. al., 1927, p. 37. 3 KLUCKHOHN, Clyde. Bronisław Malinowski 1884–1942. The Journal of American Folklore, v. 56, n. 221, pp. 208-19, p. 216, 1943. 4 LÉVI-STRAUSS, Claude. Antropologia Estrutural. São Paulo: Cosac Naify, 2008, p. 29. 5 DURHAM, Eunice Ribeiro. Introdução, in:__. (org.). Antropologia. São Paulo: Ática, 1986. (Grandes Cientistas Sociais), p. 11. 6 MALINOWSKI, 1927, p. 40.

366

7 DURHAM, 2008, pp. 171-2. Originalmente publicado em: MALINOWSKI, Bronisław. The functional theory, in:__. A scientific theory of culture and other essays. New York: Galaxy Book, Oxford University Press, 1960, p. 150. 8 DURHAM, p. 177; MALINOWSKI, 1960, p. 159. 9 DURHAM, p. 174; MALINOWSKI, 1960, p. 153. 10 DURHAM, p. 171; MALINOWSKI, 1960 p. 149. 11 DURHAM, p. 173; MALINOWSKI, 1960, p. 151. 12 MALINOWSKI, 1960, p. 48. 13 DURHAM, 1986, p. 188; MALINOWSKI, 1960, p. 175. 14 DURHAM, 1986, p. 26. Originalmente publicado em: MALINOWSKI, Bronislaw; MENDONÇA, Lígia Aparecida; CARR, Anton P. Argonautas do Pacífico Ocidental: um relato do empreendimento e da aventura dos nativos nos arquipélagos da Nova Guiné Melanésia. 3. ed. [S.l.]: Abril, 1984. (Os Pensadores), p. 18. 15 MALINOWSKI, 1927, pp. 35-6. 16 Ibid., pp. 35-6, 40, 42. 17 Ibid., p. 46. 18 DURHAM, 1986, p. 29. et seq; MALINOWSKI, 1984, p. 20 et. seq. 19 DURHAM, 1986, p. 26; MALINOWSKI, 1984, p. 18. 20 DURHAM, 1986, p. 35; MALINOWSKI, 1984, p. 24. 21 DURHAM, 1986, p. 47; MALINOWSKI, 1984, p. 33. 22 ROLDÁN, Arturo Alvarez. Malinowski and the origins of the ethnographic method, in: ROLDÁN, Arturo Alvarez; VERMEULEN, Han F. (Ed.). Fieldwork and Footnotes: Studies in the History of European Anthropology. London, New York: Routledge, pp. 143-55, 2013. 23 MALINOWSKI, Bronisław. Magia, ciência e religião. Lisboa: Edições 70, 1988, p. 19. 24 Ibid., p. 28. 25 Id. Sex, culture, and myth. New York: Harcourt, Brace & World, 1962, p. 291. 26 Id., 1988, p. 61. 27 Ibid., p. 49. 28 Ibid., pp. 144-145 29 Ibid., p. 145. 30 Ibid., pp. 89-90. 31 Id., 1927, p. 40. 32 Id., 1988, p. 91. 33 Ibid., p. 87. 34 Id. Myth in primitive psychology, in: STRENSKI, Ivan (Ed.). Malinowski and the Work of Myth. New Jersey: Princeton University Press, pp. 77-130, 2014, p. 80. 35 Id., 1988, pp. 100-1. 36 Ibid., p. 104. 37 Id., 1962, p. 289. 38 Id., 1988, p. 104. 39 Ibid., p. 110. 40 Ibid., p. 103.

367

41 Ibid., p. 110. 42 Ibid., p. 107. 43 Ibid., p. 113. 44 Ibid., p. 128. 45 Ibid., p. 128. 46 Id., 1962, p. 254. 47 Ibid., pp. 291-2. 48 Id., 1988, p. 149. 49 Ibid., p. 152. 50 Ibid., p. 153. 51 Id., 2014, p. 81. 52 DURHAM, 1986, p. 48.

2.6 O ESTRUTURALISMO DE CLAUDE LÉVI-STRAUSS (pp. 133-62)

1 LEACH, Edmund. Claude Lévi-Strauss. London: Fontana Press, 1996, p. 16. 2 LÉVI-STRAUSS, Claude. Tristes trópicos. São Paulo: Companhia das Letras, 2017, p. 55. 3 Id. Mito e significado. Lisboa: Edições 70, 1998, p. 23. 4 Id. A origem dos modos à mesa. São Paulo: Cosac Naify, v. 3, 2006. (Mitológicas), p. 205. 5 Id. Antropologia estrutural dois. São Paulo: Cosac Naify, 2013, p. 42. 6 Ibid., p. 69. 7 Ibid., p. 70. 8 Id. Antropologia estrutural. São Paulo: Cosac Naify, 2008, p. 374. 9 Ibid., p. 384. 10 Id., 2013, p. 20. 11 Id., 2008, pp. 177-8. 12 DURKHEIM, Émile. As regras do método sociológico. 3.ed. São Paulo: Martins Fontes, 2007, p. xxv. Cf. LÉVI-STRAUSS, 2013, p. 34. 13 MAUSS, Marcel. Sociologia e antropologia. São Paulo: Cosac Naify, 2005, p. 332. Cf. LÉVI- STRAUSS, 2013, p. 15. 14 LÉVI-STRAUSS, 2013, p. 23. 15 Ibid., p. 78. 16 Id., 2008, p. 78. 17 Id. O cru e o cozido. Editora Cosac Naify, v. 1, 2004. (Mitológicas), p. 32. 18 Id., 2008, p. 78. 19 Ibid., p. 92. 20 Id., 2017, p. 61-2. 21 RICOEUR, Paul. Symbole et Temporalité. Archivio di Filosofia, Roma, n. 1-2, pp. 5-41, 1963, p. 9. 22 LÉVI-STRAUSS, Claude. O pensamento selvagem. Campinas: Papirus, 1997, p. 82.

368

23 Id., 2008, p. 223. 24 Id. O olhar distanciado. Lisboa: Edições 70, 1983, p. 255. 25 Id. O feiticeiro e sua magia, in: ___., 2008, pp.181-200; Id. A eficácia simbólica, in: Ibid., pp. 201- 20. 26 WERNECK, Mariza Martins Furquim. O trabalho do mito: diálogos entre Freud e Lévi-Strauss. Ciência e Cultura, v. 64, n. 1, pp. 45-7, 2012, p. 46. 27 LÉVI-STRAUSS, 2008, p. 219. 28 Ibid., p. 219. 29 Ibid., p. 35. 30 Ibid., p. 131. 31 Id., 2013, p. 231. 32 Id., 2008, p. 220. 33 Ibid., p. 23. 34 Ibid., p. 35 35 Ibid., p. 39. 36 Ibid., p. 30. 37 Id., 2013, p. 38. 38 Ibid., p. 39; Id., 1997, pp. 259-60. 39 Id., 1998, pp. 56-7. 40 Ibid., p. 60. 41 Ibid., p. 61. 42 Id., 2013, p. 37. 43 Id., 1997, p. 155. 44 Ibid., p. 93. 45 Ibid., p. 156. 46 Id., 2013, pp. 353-4. 47 Id., 1997, p. 150. 48 Ibid., p. 80 et. seq. 49 Ibid., p. 270. 50 LÉVI-STRAUSS, Claude. Valemos nós mais que os selvagens? texto transcrito de Realités (XX, 1965), in: Id. et al. Mito e linguagem social: ensaios de antropologia estrutural. Rio de Janeiro: Tempo Brasileiro, 1970, p. 144. 51 Id., 1998, p. 22. 52 Id., 2013, p. 24. 53 Ibid., p. 27. 54 Id., 1998, p. 20 55 Id., 1997, p. 194. 56 Id., 1998, p. 25. 57 Id., 2008, pp. 301-2. 58 Id., 2013, p. 27.

369

59 Id., 2004, p. 30. 60 Id. O homem nu. São Paulo: Cosac Naify, v. 4, 2011. (Mitológicas), p. 623. 61 LEACH, 1996, p. 24. 62 LÉVI-STRAUSS, 2013, p. 285. 63 Id., 2004, pp. 23-4. 64 Id., 2008, p. 223. 65 Id., 2004, p. 31. 66 Id., 2011, pp. 606, 609. 67 Id., 2004, p. 19. 68 LÉVI-STRAUSS, Claude; ERIBON, Didier. De perto e de longe. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1990, p. 178. 69 LÉVI-STRAUSS. et al., 1970, pp. 140-1. 70 WERNECK, 2012, p. 46. 71 LÉVI-STRAUSS, 1997, p. 109. 72 Ibid., p. 41. 73 Id., 2008, pp. 247-8. 74 Id. A oleira ciumenta. São Paulo: Brasiliense, 1986, p. 215. 75 Id., 2011, p. 616. 76 Ibid., p. 621. 77 Id., 1990, p. 180. 78 Id., 2011, p. 604. 79 Id., 2013, p. 14. 80 LÉVI-STRAUSS et al., 1970, p. 136. 81 LÉVI-STRAUSS, 2008, p. 220. 82 Id., 1998, p. 25. 83 Ibid., p. 38. 84 Ibid., p. 32. 85 Id., 1997, p. 58. 86 Ibid., p. 24; Id., 2004, p. 29. 87 Id., 1998, p. 31. 88 Id., 2008, p. 199. 89 Id., 1997, p. 247. 90 Id., 2017, p. 60. 91 Id., 1997, p. 30. 92 Ibid., p. 37. 93 Ibid., p. 41. 94 DURAND, Gilbert. Campos do imaginário. Lisboa: Instituto Piaget, 1996, p. 52. Cf. seq. p. XX. 95 LÉVI-STRAUSS et al., 1970, p. 140. 96 LÉVI-STRAUSS, 1998, p. 13.

370

97 Id., 1997, p. 52. 98 Id., 1990, p. 170. 99 Id., 1997, p. 33. 100 Ibid., p. 34. 101 Id., 1983, pp. 341-2; Id., 1990, p. 50. 102 Id., 2004, p. 20. 103 Id. Do mel às cinzas. São Paulo: Cosac Naify, v. 2, 2005. (Mitológicas), pp. 9, 219, 236. 104 Id., 2013, p. 147. 105 Id., 2004, pp. 19-20. 106 Id., 2011, p. 610. 107 Id., 2004, p. 24. 108 Id., 2008, p. 236. 109 Id., 2011, p. 542. 110 Ibid., pp. 34-5. 111 Id., 1998, p. 60. 112 Id., 2011, p. 606. 113 Id., 2005, p. 355. 114 Id., 2011, p. 646 et. seq. 115 Id., 1998, pp. 55-6. 116 Id., 2004, p. 21. 117 Id., 2013, p. 295. 118 Ibid., p. 287. 119 LEACH, 1996, p. 75. 120 LÉVI-STRAUSS, 2011, p. 620. 121 Id., 1983, p. 241 122 Id., 2008, p. 241. 123 Id., 2004, p. 21. 124 MELETINSKI, Eleazar Moissevich. A poética do mito. Forense, 1987, p. 274. 125 LEACH, 1996, p. 98. 126 GEERTZ, Clifford. A interpretação das culturas. Rio de Janeiro: LTC, 2014, p. 210n38. 127 LÉVI-STRAUSS, 2004, p. 46. 128 Id., 2006, p. 172. 129 Id., 2008, p. 224. 130 Ibid., p. 80. 131 Id., 2004, pp. 30-1. 132 Id., 1983, p. 211. 133 Ibid., p. 201 134 Id., 2011, p. 207. 135 Id., 2008, p. 225.

371

136 Ibid., p. 225. 137 Id., 2011, p. 622. 138 Id., 2008, p. 226 139 Ibid., p. 226. 140 Id., 2011, p. 429 et seq. 141 Id., 2008, p. 234. 142 Id., 2013, p. 231. 143 Ibid., p. 228 et. seq. 144 Ibid., p. 247. 145 Id., 2011, p. 626. 146 Id., 2008, p. 248. 147 Ibid., p. 246. 148 MARANDA, Elli Köngäs; MARANDA, Pierre. Structural Models in Folklore and Transformational Essays. The Hague, Paris: Mouton, 1971, p. 26. 149 LÉVI-STRAUSS, Claude. Do mel às cinzas. São Paulo: Cosac Naify, v. 2, 2005. (Mitológicas), p. 231. 150 Id. A estrutura e a forma: reflexões acerca de uma obra de Vladimir Propp, in: ___., 2008, pp. 133- 166. 151 Id., 2011, p. 580. Cf. BUCHLER, Ira R.; SELBY, Henry A. A Formal Study of Myth. Austin: The University of Texas (Center for Intercultural Studies in Folklore and Oral History), 1968. (Monograph Series, I). 152 LÉVI-STRAUSS, 2011, p. 646. 153 Id., 1998, p. 76. 154 LÉVI-STRAUSS et al., 1970, p. 142. 155 LÉVI-STRAUSS, 2004, p. 35. 156 Id., 1998, p. 69. 157 Id., 2004, p. 34. 158 Id., 1998, p. 77; Id., 2011, p. 636. 159 Id., 1983, p. 313. 160 Id., 2004, p. 35. 161 Ibid., p. 48. 162 Id., 2011, p. 631. 163 Ibid., pp. 622-3. 164 Ibid., p. 624. 165 Id. Mito e Música, in: ___. Mito e significado. Lisboa: Edições 70, pp. 65-77, 1998. 166 Id., 2011, p. 625. 167 Cf. LÉVI-STRAUSS, Claude. Abertura, in: Id., 2004, pp. 33-51. 168 Ibid., p. 37. 169 Id., 1998, p. 75. 170 Id., 2008, p. 249. 171 Id., 2011, p. 647.

372

172 Ibid., p. 648 et. seq. 173 Ibid., p. 650. 174 Ibid., p. 655. 175 Ibid., p. 656. 176 Id., 2008, p. 257. 177 Id., 1983, p. 158. 178 Ibid., pp. 232-3. 179 Id., 2013, pp. 81-2. 180 LEACH, 1996, p. 70 et seq. 181 Ibid. 182 LÉVI-STRAUSS, 2013, p. 80. 183 Id., 2008, p. 222.

3 ESTUDO DE MITOLOGIA E RELIGIÃO COMPARADAS (pp. 163-5)

1 Cf. DIÓSCORO, V.41-6; VI, 1-9, in: PAGE, T. E. (Ed.). Diodorus of Sicily: Books IV (continued) 59- VIII. London: William Heinemann, v. 3, 1939. (The Loeb Classical Library).

2 BROWN, Truesdell S. Euhemerus and the Historians. The Harvard Theological Review, v. 39, n. 4, pp. 259-74, 1946, p. 265.

3 Ibid., p. 331-2

4 RAGLAN, Lord. The hero: a study in tradition myth, and drama. New York, London and Scarborough: Meridian Books, 1979, p. 200.

5 HYMAN, Stanley Edgar. Myth, ritual and nonsense. The Kenyon Review, v. 11, n. 3, pp. 455-75, 1949, p. 459.

6 Id. Discent on a Dictionary. The Kenyon Review, v. 12, n. 4, pp. 721-722+724-726+728-730, 1950, p. 726.

7 HONKO, Lauri. The Problem of Defining Myth, in: DUNDES, Alan. Sacred Narrative: Readings in the Theory of Myth. Berkeley, Los Angeles, London: University of California Press, 1984, p. 45.

8 SMITH, William Robertson. Lectures on the religion of the semites. New York: D. Appleton and Company, 1889, p. 20-1. (First series: The fundamental institutions). 9 SEGAL, Robert A. Myth: A Very Short Introduction. Oxford: Oxford University Press, 2004, p. 19.

10 MALINOWSKI, Bronisław. Sex, culture, and myth. New York: Harcourt, Brace & World, 1962, p. 251.

11 MÜLLER, Friedrich Max. Contributions to the Science of Mythology. London: Longmans, Green, and Co., v. 1-2, 1897, v. 1, p. 44.

12 DETIENNE, Marcel. A invenção da mitologia. Rio de Janeiro: José Olympio; Brasília: UnB, 1998, p. 17.

13 Id.. Os gregos e nós: uma antropologia comparada da Grécia antiga. São Paulo: Edições Loyola, 2014, p. 30.

373

14 Id., 1998, p. 28.

3.1 FRIEDRICH MAX MÜLLER (pp. 167-72)

1 DORSON, Richard M. History of British Folklore. London and New York: Taylor & Francis Group, v. 1, 1999, p. 161.

2 STOCKING Jr., George W. Victorian anthropology. New York: The Free Press, 1987, p. 56.

3 muller, contributions, vol I, p. 25.

4 Theodor Benfey (1809-1881), August Friedrich Pott (1802-1887), Franz Felix Adalbert Kuhn (1812- 1881), Wilhelm Mannhardt (1831-1880), Hermann Günther Grassmann (1809-1877), Michel Jules Alfred Bréal (1832-1915), Arsène Darmesteter (1846-1888), Hermann Osthoff (1847-1909), Wilhelm Heinrich Roscher (1845-1923), Christian Gustav Mehlis (1850-1933), Marie-Paul-Hyacinthe Meyer (1840-1917), Paul Decharme (1839-1905), Victor Henry (1850-1907), Auguste Barth (1834-1916), Leopold von Schroeder (1851-1920), Maurice Bloomfield (1855-1928), Edward Washburn Hopkins (1857-1932) e Edwin Whitfield Fay (1865-1920).

5 MÜLLER, Friedrich Max. Contributions to the Science of Mythology. London: Longmans, Green, and Co., v. 1-2, 1897, v. 1, p. 177 et. seq.

6 Ibid., v. 1, p. 287.

7 Ibid., v. 2, p. 501.

8 Ibid., v. 1, p. 7.

9 Ibid., v. 1, p. 14.

10 Ibid., v. 1, p. 38-9.

11 KUPER, Adam. A reinvenção da sociedade primitiva: transformações de um mito. Recife: Editora Universitária UFPE, 2008, p. 66.

12 STOCKING, 1987, p. 59.

13 MÜLLER, 1897, p. 54-5.

14 DETIENNE, Marcel. A invenção da mitologia. Rio de Janeiro: José Olympio; Brasília: UnB, 1998, p. 28.

15 STOCKING, 1987, p. 61.

16 MÜLLER, 1897, v. 1, p. 113.

17 Id. Comparative Mythology: an essay. London: George Routledge and Sons, 1856, p. 101.

18 Id., 1897, v. 1, p. 51.

19 Id., 1856, pp. 82-3.

20 DETIENNE, 1998, p. 30.

21 MÜLLER, Friedrich Max. Chips from a German Workshop: Essays on Mythology and Folk-lore. London: Longsman, Green, and Co., v. 4, 1900, p. 194.

374

22 ACKERMAN, Robert. The Myth and Ritual School: J. G. Frazer and the Cambridge Ritualists. New York, London: Routledge, 2013, p. 34.

23 MÜLLER, 1897, v. 1, p. 11.

24 FRAZER, James George. The golden bough: a study in magic and religion. 2 ed. London: Macmillan and Co., v. 1, 1900, p. viii.

25 MÜLLER, 1900, p. 323.

26 Id., 1897, v. 2, p. 830.

27 Ibid., v. 1, p. 21.

3.2 GEORGES DUMÉZIL (pp. 173-7)

1 DUBUISSON, Daniel. Twentieth century mythologies: Dumézil, Lévi-Strauss, Eliade. London: Equinox, 2006, p. 17.

2 LITTLETON, C. Scott. The new comparative mythology: an anthropological assessment of the theories of Georges Dumézil. Univ of California Press, 1973, p. 1; LITTLETON, C. Scott. The Comparative Indo-European Mythology of Georges Dumézil. Journal of the Folklore Institute, pP. 147-66, 1964, p. 147; Ibid. in: SEGAL, Robert Alan (Ed.). Structuralism in myth: Lévi-Strauss, Barthes, Dumézil, and Propp. Taylor & Francis, 1996, p. 183.

3 DUBUISSON, 2006, p. 1.

4 Ibid., Pp. 13-5.

5 DUMÉZIL, Georges. Jupiter, Mars, Quirinus: Essai sur la conception indo-européenne de la société et sur les origines de Rome. Paris: Gallimard, v. 1, 1941, p. 246.

6 GERSCHEL, Lucien; TAYLOR, Archer. Georges Dumézil's Comparative Studies in Tales and Traditions. Midwest Folklore, pp. 141-8, 1957, p. 147.

7 Levi-Strauss, de perto e de longe, p. 169.

8 DE BENOIST, Alain. Priests, Warriors, and Cultivators: An Interview with Georges Dumézil. Tyr: Myth, Culture, Tradition, v. 1, pp. 41-50, 2002, p. 42. Cf. DUBUISSON, Daniel Dubuisson. The notion of ideology in the work of Georges Dumézil: A contribution to a Dumézilian epistemology. Journal of the Anthropological Society of Oxford, vol. 21/3, pp. 269-78.

9 DUMÉZIL, 1941, p. 16.

10 DUBUISSON, 2006, p. 50.

11 Ibid., p. 24.

12 GERSCHEL; TAYLOR, 1957, p. 141.

13 GROTTANELLI, Cristiano. Dumézil, the indo-europeans, and the third function. In: PATTON, Laurie L.; DONIGER, Wendy (Ed.). Myth and Method. Charlottesville and London: University of Virginia Press, pp. 128-46, 1996, p. 141.

14 GERSCHEL; TAYLOR, 1957, p. 142.

375

15 DUMÉZIL, Georges. La préhistoire des flamines majeurs. Revue de l'histoire des religions, v. 108, 1938, pp. 188-220; Id. Mariages indo-européens, suivi de Quinze Questions romaines. Paris: Payot, 1979, p. 89; DE BENOIST, Alain. Priests, 2002, p. 43-5.

16 GROTTANELLI, 1996, p. 130

17 Ibid., p. 131.

18 LITTLETON, 1973, p. 6; Littleton, 1964, p. 148.

3.3 ADOLF BASTIAN (pp. 179-81)

1 LOWIE, Robert H. The History of Ethnological Theory. New York: Farrar & Rinehart, 1937, p. 31.

2 RADIN, Paul. History of Ethnological Theories. American Anthropologist, v. 31, n. 1, pp. 9-33, 1929, p. 14.

3 TYLOR, Edward Burnett. Obituary: Professor Adolf Bastian: Born June 26, 1826; Died February 3, 1905. Man, v. 5, pp. 138-143, 1905, p. 141.

4 Cf. BASTIAN, Adolf. Elementargedanken und Entlehnungen. Globus, v. 74, pP. 322-3, 1898.

5 LOWIE, 1937, p. 36.

6 BALDUS, Herbert. Adolf Bastian. Revista de Antropologia, v. 14, pp. 125-P130, 1966, p. 128.

7 TYLOR, 1905, p. 141-2.

8 Cf. KREINATH, Jens. Adolf Bastian, in: MCGEE, R. Jon; WARMS, Richard L. (Ed.). Theory in social and cultural anthropology: an encyclopedia. Sage Publications, pp. 52-6, 2013.

9 BOAS, Franz. The mind of primitive man: a course of lectures delivered before the Lowell Institute, Boston, Mass., and the National University of Mexico, 1910-1. New York: The Macmillan Company, 1922, p. 171.

10 Cf. BASTIAN, Adolf. Ethnologisches Notizblatt. Berlin: Königliches Museum für Völkerkunde, v. 3, 1901, p. 9.

11 Cf. KOEPPING, Klaus-Peter. Adolf Bastian and the Psychic Unity of Mankind: The Foundations of Anthropology in Nineteenth Century Germany. St. Lucia: University of Queensland Press, 1983.

12 MÜHLMANN, Wilhelm E. Geschichte der Anthropologie. Bonn: Universitäts-Verlag, 1948, p. 97.

13 CAMPBELL, Joseph. As máscaras de Deus: mitologia primitiva. São Paulo: Palas Athena, v. 1, 1992, p. 40.

3.4 AS CONFERÊNCIAS DE ERANOS (pp. 183-4)

1 Não confundir o Eranos-Jahrbuch com o Eranos-Kreis (Círculo de Eranos de Heidelberg), criado por Albrecht Dieterich (1866-1908) e Gustav Adolf Deißmann (1866-1937), dos quais eram membro Maximilian Carl Emil Weber (1864-1920), Ernst Troeltsch (1865-1923), Georg Jellinek (1851-1911), Eberhard Gothein (1853-1923), Erich Marcks (1861-1938) e Karl Rathgen (1856-1921), que também focavam em estudos religiosos, mas a partir dos conceitos weberianos.

2 HOMERO. Odisséia, I.226.

376

3 HANS, Thomas Hakl. Eranos: An Alternative Intellectual History of the Twentieth Century. London: Routledge, 2014, p. 11.

4 JAFF, Aniela. Eranos Jahrbuch, v. 44, 1975, p. 5.

5 PORTMANN, Adolf. Eranos Jahrbuch, v. 30, 1961, pp. 25–7. in: HANS, 2014, p. 11.

6 O grupo contou, por exemplo com orientalistas, como Mircea Eliade (1907-1986), Richard Wilhelm (1873-1930), Giuseppe Vincenzo Tucci (1894-1984), Alain Daniélou (1907-1994), Daisetsu Teitaro Suzuki (1870-1966), Toshihiko Izutsu (1914-1993), Henry Corbin (1903-1978), Paul Masson-Oursel (1882-1956), Hellmut Wilhelm (1905-1990), Annemarie Schimmel (1922-2003), Antoine Faivre (1934-), Heinrich Robert Zimmer (1890-1943), Stephen Karcher (1946-) e Gershom Gerhard Scholem (1897-1982); Carl Gustav Jung (1875-1961) e seus discípulos, Joseph John Campbell (1904-1987), James Hillman (1926-2011), Erich Neumann (1905-1960), Károly (Karl) Kerényi (1897- 1973), Michiyoshi Hayashi (1937-), Ira Progoff (1921- 1998) , Marie-Louise von Franz (1915-1998), Claudio Risé (1939-) e Bruno Rhyner (1956-); teólogos, como Paul Johannes Oskar Tillich (1886- 1965), Rudolf Otto (1869-1937), Ernst Wilhelm Benz (1907-1978), Gilles Quispel (1916-2006), Hugo Karl Erich Rahner (1900-1968) e Leo Baeck (1873-1956); historiadores da religião, como Gerardus van der Leeuw (1890-1950), David Leroy Miller (1936-), Raffaele Pettazzoni (1883-1959), Ernesto Buonaiuti (1881-1946), Henri-Charles Puech (1902-1986), Robert Charles Zaehner (1913- 1974), Raphael Judah Zwi Werblowsky (1924-2015), Davíd Lee Carrasco (1944-), Moshe Idel (1947-) e Elémire Zolla (1926-2002); filólogos e linguístas, como Walter Friedrich Gustav Hermann Otto (1874-1958), Jean Przyluski (1885-1944) e Reinhold Merkelbach (1918-2006); antropólogos, como Gilbert Durand (1921-2012), Frederik Jacobus Johannes Buytendijk (1887-1974) e Paul Radin (1883-1959); etnólogos, como Dominique Dimitri Zahan (1915-1991); historiadores, como Noel Joseph Terence Montgomery Needham (1900-1995) e Jean Servier (1918-2000); biólogos, como Adolf Portmann (1897-1982) e Jakob Johann Barão von Uexküll (1864-1944); historiadores da arte, como Sir Herbert Edward Read (1893-1968), René Huyghe (1906-1997), Rudolf Bernoulli (1880- 1948) e Robert Eisler (1882-1949); físicos, como Erwin Rudolf Josef Alexander Schrödinger (1887- 1961), Max Knoll (1897-1969), Gerald James Holton (1922-1948), Wolfgang Ernst Pauli (1900- 1958), Niels Henrick David Bohr (1885-1962), Viscount Ilya Romanovich Prigogine (1917-2003) e Herbert Pietschmann (1936-); filósofos, como Karl Löwith (1897-1973), Hans Leisegang (1890- 1951), Jean Brun (1919-1994), Martin Buber (1878-1965), Andrés Ortiz-Osés (1943-), Jean Gebser (1905-1973), Remo Bodei (1938-) e Claudio Bonvecchio (1947-); musicólogos, como Viktor Zuckerkandl (1896-1965); arqueólogos, como Sir Austen Henry Layard (1817-1894) e Charles Picard (1883-1965); sociólogos, como Helmuth Plessner (1892-1985) e egiptólogos, como Erik Hornung (1933-) e Johann Christoph Assmann (1938-).

7 CARVALHO, José Carlos de Paula. Imaginário e mitodologia: hermenêutica dos símbolos e estórias de vida. Londrina, PR: UEL, 1998, pp. 24-6; Cf. ORTIZ-OSÉS, Andrés. El Círculo de Eranos: uma hermenêutica simbólica del sentido. Anthropos: Revista de Documentación Cientifica de la Cultura, v. 153, 1994.

3.4.1 CARL GUSTAV JUNG (pp. 185-92)

1 JUNG, Carl Gustav. Os arquétipos e o inconsciente coletivo. Petrópolis: Vozes, 2012, § 522, p. 288.

2 Id. On the Nature of the Psyche. In: JUNG et al. The structure and dynamics of the psyche. Abingdon-on-Thames: Routledge, 2014, p. 227.

3 Id. The Aims of Psychotherapy. In: READ, Sir Herbert (Ed.). The Collected Works of C. G. Jung: The Practice of Psychotherapy. Princeton: Princeton University Press, v. 16, 1966a, §96, p. 73.

377

4 Id. The Psychological Aspects of the Koré, in: JUNG, Carl Gustav; KERÉNYI, Karl. Essays on a Science of Mythology: The Myth of the Divine Child and The Mysteries of Eleusis. Princeton: Princeton University Press, 1969, p. 227.

5 Id., 2012, § 42, p. 28.

6 Cf. Ibid., § 3-4, p. 12; Ibid., § 88-90, pp. 51-2.

7 Hereditariedade, nesse contexto, diz respeito às possibilidades que um arquétipo pode assumir na psique do indivíduo e não a existência necessariamente de uma relação hereditária evolutiva, o quê fez com que a teoria do inconsciente coletivo fosse relacionada ao lamarckismo, mas que, por sua vez, seus meios de transmissão também se justificam pela teoria darwinista.

8 JUNG, 2012, § 89, p. 51, grifos do autor.

9 JUNG, Carl Gustav. On the Psychology of the Unconscious, in: READ, Sir Herbert (Ed.). The Collected Works of C. G. Jung: Two Essays on Analytical Psychology, v. 7, London: Routledge, 1966b, § 109, p. 69.

10 Id., 2012, § 99, p. 57.

11 Ortiz-Osés, A. (Org.). Las Escuelas de Eranos: Los Anuarios, in: El Círculo de Eranos: uma hermenêutica simbólica del sentido. Anthropos: Revista de Documentación Científica de la Cultura, v. 153, pp. 65-128, 1994.

12 HANS, Thomas Hakl. Eranos: An Alternative Intellectual History of the Twentieth Century. London: Routledge, 2014, p. 48.

13 JUNG, Carl Gustav. On Psychic Energy, in: READ, Sir Herbert (Ed.). The Collected Works of C. G. Jung: The Structure and Dynamics of the Psyche, v. 8, 1975, § 71, p. 58; Ibid. § 330, p. 207; Id., in: JUNG; KERÉNYI, 1969, p. 101-2, 240.

14 Ibid., § 228, p. 153.

15 JUNG, 2012, § 120, p. 68.

16 Ibid., § 47, p. 30-1.

17 Id. On Psychic Energy, in: READ (Ed.), 1975, § 71, p. 58.

18 Id. The Archetypes of the Collective Unconscious, in: READ (Ed.), 1966, § 158, p. 98.

19 Id. The Structure of the Psyche, in: READ (Ed.), 1975, § 325, p. 205.

20 Ibid., § 261, p. 155.

21 SEGAL, Robert A. Jung on mythology. Princeton, NJ: Princeton University Press, 1998b, p. 8.

22 JUNG, 2012, p. 156.

23 Ibid., § 143, p. 80.

24 Id. Introduction to the Religious and Psychological Problem of Alchemy, in: in: READ, Sir Herbert (Ed.). The Collected Works of C. G. Jung: Psychology and Alchemy, Collected Works, v. 12, Princeton: Princeton University Press, 1968, § 1, p. 25.

25 Id. et al. O homem e seus símbolos. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 2008, p. 122.

378

26 Id., 2012, p. 154.

27 CAMPBELL, Joseph. O poder do mito. São Paulo: Palas Athena, 2012, p. 42.

28 JUNG, 2012, § 260, p. 154.

3.4.2 MARIE-LOUISE VON FRANZ (pp. 193-5)

1 EDINGER, Edward F. Obituary: Marie-Louise von Franz, 1915-1998. Journal of Analytical Psychology, v. 43, pp. 409-11, 1998, p. 409.

2 FRANZ, Marie-Louise von. A interpretação dos contos de fada. São Paulo: Paulus, 1990, p. 25.

3 Ibid., p. 34.

4 Cf. THOMPSON, Stith. Myths and folktales. The Journal of American Folklore, v. 68, n. 270, pp. 482-8, 1955.

5 MELETINSKI, Eleazar. A poética do mito. Forense, 1987, p. 307 et. seq.

6 MILLER, David LeRoy. Fairy Tale or Myth? Spring 1976: An Annual of Archetypal Psychology and Jungian Thought, pp. 157–64, 1976, p. 158.

7 BETTELHEIM, Bruno. A psicanálise dos contos de fadas. São Paulo: Paz e Terra, 2002, p. 38.

8 CAMPBELL, Joseph. O herói de mil faces. São Paulo: Cultrix/Pensamento, 1995, p. 41.

9 BOAS, Franz. Race, language and culture. New York: The Macmillan Company, 1940, p. 342.

10 Além de alguns autores citados durante o trabalho, podemos citar ainda Otto Rank (1884 – 1939), Géza Róheim (1891 – 1953), Johannes Andreas Jolles (1874 – 1946), William Russel Bascom (1912 – 1981), Alan Dundes (1934 – 2005), Elli-Kaija Köngäs-Maranda (1932 – 1982), Pierre Maranda (1930 – 2015) e Friedrich von der Leyen (1873 – 1966). Para uma maior discussão a respeito do assunto, cf. VRIES, Jan de. Betrachtungen zum Märchen, besonders in seinem Verhältnis zu Heldensage und Mythos. FF Communications, n. 150, 1967.

11 MELETINSKI, Eleazar. Mito e conto de fadas (Миф и сказка), 1970. Disponível em: http://www.ruthenia.ru/folklore/meletinsky11.htm. Acesso em: 17/07/2018.

12 FRANZ, Marie-Louise von. O gato: um conto da redenção feminina / Marie-Louise Von Franz; tradução de Euclides Luiz Calloni. – São Paulo: Paulus, 2000, p. 55.

13 Ibid., p. 33.

3.4.3 JOSEPH CAMPBELL (pp. 197-210)

1 CAMPEBLL apud LARSEN, Stephen; LARSEN, Robin. Joseph Campbell: A Fire in the Mind: The Authorized Biography. Rochester: Simon and Schuster, 2002, p. 3.

2 Apesar das inúmeras comparações e/ou acusações, é importante lembrar que o próprio Campbell não se via como um junguiano, como deixa claro no trecho a seguir: "Você sabe, para algumas pessoas, 'junguiano' é uma palavra desagradável e ela tem sido usada contra mim por certos críticos como se dissesse: 'Não se incomode com Joe Campbell; ele é um junguiano'. Eu não sou um junguiano! No que diz respeito a interpretar mitos, Jung me dá as melhores pistas que eu tenho. Mas estou muito mais interessado em difusão e relacionamentos historicamente do que Jung, de modo que os junguianos me veem como um tipo de pessoa questionável. Eu não uso aquelas fórmulas de palavras frequentemente na minha interpretação de mitos, mas Jung me dá o pano de

379

fundo a partir do qual deixa o mito falar comigo". (MAHER, John M; BRIGGS, Dennie (Ed.). An open life: Joseph Campbell in conversation with Michael Toms. New York: Harper & Row, 1989, p. 123).

3 Myths and Symbols in Indian Art and Civilization (1946), The King and the Corpse: Tales of the Soul's Conquest of Evil (1948), Philosophies of India (1951) e The Art of Indian Asia: Its Mythology and Transformations (1955).

4 COUSINEAU, Phil. Introdução, in: CAMPBELL, Joseph. A jornada do herói: Joseph Campbell: vida e obra. São Paulo: Ágora, 2003b, p. 15.

5 CAMPBELL, Joseph. O herói de mil faces. São Paulo: Cultrix/Pensamento, 1995, p. 12.

6 MURDOCK, Maureen. The Heroine’s Journey. Boulder: Shambhala, 1990, p. 2.

7 CAMPBELL, 1995, p. 368.

8 Id., 2003b, p. 75.

9 Id., 1995, p. 11.

10 Id. As máscaras de Deus: mitologia primitiva. São Paulo: Palas Athena, v. 1, 1992, p. 22.

11 Id. A extensão interior do espaço exterior: a metáfora como mito e religião. Rio de Janeiro: Campus, 1991, p. 2.

12 Ibid., p. 49.

13 Id. As transformações do mito através do tempo. São Paulo: Cultrix, 1997b, p. 91, et. seq.

14 Ibid., p. 153.

15 Id., 2003b, p. 166.

16 Id., 1991, p. 56.

17 Id., 2003b, p. 72.

18 Id., 1997b, p. 93.

19 Para um aprofundamento do tema, cf. CAMPBELL, Joseph. Tu és isso: transformando a metáfora religiosa. São Paulo: Madras, 2003a.

20 Id. O poder do mito. São Paulo: Palas Athena, 2012, p. 59.

21 Id., 2003b, p. 168.

22 Ibid., p. 198.

23 Id., 1997b, p. 93.

24 Id., 2003b, p. 165.

25 Id., 1995, 20-1.

26 Id. Para viver os mitos. São Paulo: Cultrix, 2000, p. 163.

27 Id., 1995, p. 41.

380

28 Id., 2000, p. 43.

29 , Stanley Edgar. Myth, ritual and nonsense. The Kenyon Review, v. 11, n. 3, pp. 455-75, 1949, p. 470.

30 CAMPBELL, 2000, p. 52.

31 Ibid., p. 42.

32 Id. As máscaras de Deus: mitologia criativa. São Paulo: Palas Athena, v. 4, 2010, p. 19.

33 Id., 1992, p. 374.

34 Id. As máscaras de Deus: mitologia oriental. São Paulo: Palas Athena, v. 2, 1994, p. 109.

35 Id. As máscaras de Deus: mitologia ocidental. São Paulo: Palas Athena, v. 3, 2004., p. 421.

36 Id., 2010, p. 20.

37 Id., 1992, p. 13.

38 Id., 2003b, p. 192.

39 Id., 1992, p. 516.

40 Id., 2004, p. 419.

41 Id., 1991, p. 9.

42 Id., 1992, p. 380.

43 Id., The function of mythology, in: The World Mythology Series, Big Sur Tapes: World mythology and the individual adventure (v. 1), 1990.

44 Id., 1991, p. 35.

45 Id., 2010, p. 518.

46 Id., 2003b, p. 194.

47 Id., The function of mythology, in: op. cit.

48 Id., 2003b, p. 196.

49 Id., 2004, p. 419.

50 Id., 2010, p. 20.

51 Ibid., p. 420.

52 Ibidem.

53 Id., 2003b, p. 196.

54 Cf. RADIN, Paul. The trickster: A study in American Indian mythology. Pickle Partners Publishing, 2015.

55 Id., 2010, p. 22.

381

56 Id., 2003b, p. 192.

57 Existem diversas traduções para o termo bliss, sendo as mais comuns bem-aventurança ou felicidade. A origem do termo vem da narrativa Os Cinco Receptáculos, da cultura indiana anandamaya. Esses receptáculos – Alimento ou anamayakosha, Respiração ou pranamayakosha, Mente ou monamayakosha, Sabedoria ou vigyaanamayakosha, e Bem-Aventurança ou anandamayakosha – são metáforas dos processos de conexão do sujeito consigo mesmo, de entrar em harmonia, acorde com a natureza.

58 Id. Psyche and Symbol. In: Mythos I: The Shaping of Our Mythic Tradition (1999) (v. 1), Silver Springs: Athena/Acorn Media, 2012.

59 SEGAL, Robert A. Joseph Campbell's Theory of Myth: An Essay Review of His Oeuvre. Journal of the American Academy of Religion, v. 46, n. 1, 1978, p. 67.

3.4.4 MIRCEA ELIADE (pp. 211-9)

1 ELIADE, Mircea. Les Danseurs Passent, La Danse Reste. Du, v. 15, n. 4, 1955, p. 60.

2 Id. Origens: história e sentido na religião. Lisboa: Edições 70, 1989, p. 24.

3 Id. Imagens e símbolos: ensaios sobre o simbolismo mágico-religioso. São Paulo: Martins Fontes, 2012, p. 12.

4 Ibid., p. 26.

5 Ibid., p. 31.

6 Ibid., pp. 8-9.

7 Id. O sagrado e o profano: a essência das religiões. São Paulo: Editora WMF Martins Fontes, 2010, p. 17.

8 Id. Mito do eterno retorno. São Paulo: Mercuryo, 1992, p. 11.

9 Id., 2010, p. 17.

10 JUNG, Carl Gustav. et al. O homem e seus símbolos. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 2008, p. 314 et seq.

11 ELIADE, 2010, p. 18.

12 Id. Mitos, sonhos e mistérios. Lisboa: Edições 70, 2000, p.138.

13 MELETINSKI, Eleazar. A poética do mito. Forense, 1987, p. 206.

14 ELIADE, 1992, p. 18.

15 BOAS, Franz. Mythology and folklore. In: Id. General anthropology. Boston: DC Heath, 1938, p. 617.

16 ELIADE, 2010, p. 137.

17 Id. Tratado de história das religiões. São Paulo: Martins Fontes, 1993, p. 295.

18 Cf. NEIHARDT, John. Black Elk speaks. New York: William Morrow and Company, 1932.

382

19 ELIADE, Tratado de história das religiões. São Paulo: Martins Fontes, 1993. - (Ensino Superior), pp. 308-9.

20 Ibid., p. 317.

21 Id., 2010, p. 64.

22 Id., 1993, p. 318.

23 Ibid., p. 321.

24 Id., 2012, p. 14.

25 Id., 1993, p. 340.

26 Id., 2012, p. 10.

27 Id., 2010 p. 171.

28 Id., Mito e realidade. São Paulo: Perspectiva, 2013, p. 11.

29 Ibid., p. 11.

30 Ibid., p. 8.

31 Id., 2010, p. 87; Id., 2013, p. 13.

32 Ibid., p. 77.

33 Id., 2010, p. 70.

34 Id., 2012, p. 54.

35 Id., 2013, p. 172.

36 Id., 2012, p. 7.

3.5 O IMAGINÁRIO (pp. 221-3)

1 WUNENBURGER, Jean-Jacques. O imaginário. São Paulo: Loyola, 2007, p. 7.

2 BACHELARD, Gaston. O ar e os sonhos: ensaios sobre a imaginação do movimento. São Paulo: Martins Fontes, 2001, p. 1

3 WUNENBURGER, 2007, p. 11.

4 Ibid., p. 25.

5 Cf. WUNENBURGER, 2007, pp. 11, 23-5.

6 RICŒUR, Paul. A metáfora viva. São Paulo: Loyola, 2005, pp. 74-5

7 WUNENBURGER, 2007, p. 20.

383

3.5.1 GASTON BACHELARD (pp. 225-32)

1 DURAND, Gilbert. Campos do imaginário. Lisboa: Instituto Piaget, 1996, p. 44.

2 Alexandre de Freitas aponta que as seis principais obras de Bachelard referentes ao pólo epistemológico são Le Nouvel Esprit scientifique (1934), La Formation de l'esprit scientifique: Contribution à une psychanalyse de la connaissance objective (1938), La Philosophie du non: essai d'une philosophie du nouvel esprit scientifique (1940), Le Rationalisme appliqué (1949), L'Activité rationaliste de la physique contemporaine (1951) e Le Matérialisme rationnel (1953); enquanto no pólo da metafísica poética, as obras de maior destaque são La Psychanalyse du feu (1938), L'Eau et les rêves (1941), L'Air et les Songes (1943), La Terre et les Rêveries de la volonté (1948), La Terre et les Rêveries du repos (1946), La Poétique de l'espace (1957), La Poétique de la rêverie (1960), La Flamme d'une chandelle (1961) e a obra póstuma, publica por sua filha, Suzanne Bachelard (1919-2007), Fragments d'une Poétique du Feu (1988). Cf. FREITAS, Alexander de. Apollo-Prometheus and : two mythological profiles of Gaston Bachelard's "24-hour man". Educação e Pesquisa, v. 32, n. 1, p. 103-116, 2006.

3 BACHELARD, Gaston. A psicanálise do fogo. São Paulo: Loyola, 1994, p. 2.

4 Id. A terra e os devaneios da vontade: ensaio sobre a imaginação das forças. São Paulo: Martins Fontes, 2001a, pp. 243-4.

5 Id. O materialismo racional. Lisboa: Edições 70, 1990a, p. 28

6 Id., 2001a, p. 62.

7 Bachelard lista uma série de 65 complexos da imaginação ao longo de suas obras. Em artigo, Luiza Batista de Oliveira Silva coloca a lista completa com uma breve descrição de cada complexo. Cf. SILVA, Luiza Batista de Oliveira. Os complexos imaginários na obra de Gaston Bachelard. IDEAÇÃO, n. 25, v. 2, pp. 71-89, 2012.

8 FREITAS, 2006, p. 111.

9 BACHELARD, Gaston. A poética do espaço. São Paulo: Martins Fontes, 2000, p. 189.

10 Id. A terra e os devaneios do repouso: ensaio sobre as imagens da intimidade. São Paulo: Martins Fontes, 1990b, p. 101.

11 Ibid., p. 17.

12 Id., 2000, p. 2.

13 Id., 1990b, p. 232.

14 Id., 2001a, p. 147

15 Id. A chama de uma vela. Rio de Janeiro: Bertrand Brasil, 1989a, p. 31.

16 Id., 2001a, p. 309.

17 Id., 1990b p. 2.

18 Id. O ar e os sonhos: ensaios sobre a imaginação do movimento. São Paulo: Martins Fontes, 2001b, p. 153.

19 Ibid., p. 1.

384

20 Id. A água e os sonhos: ensaio sobre a imaginação da matéria. São Paulo: Martins Fontes, 1989b, p. 1.

21 Ibid., p. 97.

22 Ibid., p. 166

23 Id., 2001b, p. 65.

24 Id., 2001a, p. 81.

25 Id., 2001b, p. 190.

26 Id., 1990b, p. 3.

27 Id., 1989b, p. 34.

28 Id., 2001a, p. 261

29 Ibid., p. 189.

30 Ibid., p. 239

31 Ibid., p. 162

32 Id., 1989b, p. 99-100.

33 Id., 2001b, p. 93.

34 Id., 2001a, p. 44.

35 Ibid., pp. 253-4.

36 Id., 1990b, p. 48.

37 Id., 2001a, p. 187

38 Ibid., p. 201

39 Cf. ELIADE, Mircea. O sagrado e o profano. São Paulo: Martins Fontes, 1992, p. 13.

40 BACHELARD, 2001a, p. 240

41 Ibid., p. 21.

42 Id. 2001b, p. 13.

43 Ibid., pp. 61-2.

44 Id., 1990b, p. 153.

45 Id., 1989b, p. 190.

46 Id., 1990b, p. 245.

47 Id., 2001a, p. 5.

48 Id., 1990b, p. 214.

385

49 Ibid., p. 202.

50 Ibid., p. 37.

51 Id., 2001b, p. 105.

52 Id., 1990b, p. 142.

53 Id., 2001a, p. 290.

54 Id., 2001b, p. 257.

55 Id., 2001a, p. 148

56 Id., 1990b, p. 135.

57 Id., 2001a, p. 230.

58 Ibid., p. 139

59 Ibid., p. 252

60 Ibid., p. 189.

61 Ibid., 150

62 Id., 1990b, p. 250.

63 Id., 2001a, p. 156

64 Ibid., p. 287.

65 Id., 1990b, p. 122

66 Ibid., p. 173.

67 Ibid., p. 138.

68 Id., 2001a, p. 134.

69 Ibid., p. 308.

70 Ibid., 287.

71 Ibid., p. 129

3.5.2 GILBERT DURAND (pp. 233-51)

1 STRÔNGOLI, Maria Thereza de Queiroz Guimarães. Encontros com Gilbert Durand: cartas, depoimentos e reflexões sobre o imaginário. In: PITTA, Danielle Perin Rocha (org). Ritmos do imaginário. Recife: Ed. Universitária da UFPE, pp. 145-72, 2005, p. 147.

2 DURAND, Gilbert. O imaginário: ensaio acerca das ciências e da filosofia da imagem. Rio de Janeiro: DIFEL, 2004. p. 6; Id., Campos do imaginário. Lisboa: Instituto Piaget, 1996, p. 231.

3 Id., 2004, p. 117.

386

4 Id., 1996, p. 231.

5 Id., As estruturas antropológicas do imaginário: introdução à arquetipologia geral. são Paulo: Martins Fontes, 2012, p. 18.

6 Id., 1996, p. 67.

7 Ibid., pp. 98-9.

8 Ibid., p. 63.

9 Cf. BETCHEREV V.M., BERITOFF I.S., OUFLAND J.M., OUKHTOMSKY A., VINOGRADOV M. Novoïé Reflexologuii i Fisiologuii Nervnoï Systemi, Leningrad-Moskva (2 vol.) Léningrad - Moscou, 1925–1926.

10 Autores como Konrad Lorenz (1903–1989), Eino Kaila (1890–1958), Nikolaas Tinbergen (1907– 1988), Adolf Portmann (1897–1982), Irenäus Eibl-Eibesfeldt (1928–), René Spitz (1887–1974) e Jakob von Uexküll (1864–1944), por exemplo.

11 Id., 2012, p. 60.

12 Ibid., p. 54; Cf. LEROI-GOURHAN, André. L'homme et la matière: évolution et techniques. Paris: Albin Michel, 1943.

13 Id., 2012, p. 54.

14 Id., 1996, p. 253.

15 Id., 2012, pp. 60-1.

16 STRÔNGOLI, 2005, p. 159.

17 Id., 1996, p. 76.

18 Id. A imaginação simbólica. São Paulo: Editora da Universidade de São Paulo, Cultrix, 1988, p. 15.

19 Id., 1996, p. 74.

20 Id., 1988, p. 13.

21 Ibid., p. 13.

22 Id. Mito, símbolo e mitodologia. Lisboa: Presença, 1982, p. 75.

23 Id., 1996, p. 62.

24 Cf. FERREIRA SANTOS, Marcos. O Espaço Crepuscular: Mitohermenêutica e Jornada Interpretativa em Cidades Históricas, in: PITTA, 2005, pp. 59-99; STRÔNGOLI, 2005, pp. 145-72.

25 DURAND, 1996, p. 64.

26 Ibid., p. 188.

27 Ibid., p.193.

28 Ibid., p. 282.

387

29 STRONGOLI, 2005, p. 163.

30 Ibid., p. 165.

31 Ibid., pp. 165-6.

32 FERREIRA SANTOS, 2005a, pp. 69-70.

33 Ademais, Ferreira Santos também propõe estâncias mitohermenêuticas como miradores privilegiados desse percurso, como uma adaptação do espírito herdeiro das Conferências de Eranos a um quadro mais filosófico do questionamento hermenêutico, que não cedem tanto às amarras metodológicas acadêmicas e não são lineares, divididas em: "1) Ressonância - trata-se do arranjo pré-compreensivo dos símbolos na medida em que temos uma apreensão intuitiva do fenômeno ou obra dada pela ressonância profunda de seus símbolos e imagens em nossa estrutura de sensibilidade naquele momento mítico de leitura. 2) Estesía - diz respeito ao arranjo estético-narrativo das imagens na sua contemplação tal como se apresenta ao campo perceptivo do hermeneuta usufruindo do gozo sensível do movimento das imagens e símbolos em sua dinamicidade e materialidade. 3) Diacronia - é o cotejamento do arranjo lógico interno da narrativa, tal como se apresenta, na sequência temporal de sua própria constituição, no fio cronológico da narrativa, apreendendo seu modo de acontecimento [...]. 4) Etimologia - é o correlato das perguntas infantis sobre a origem dos nomes [...], ou seja, investigar o arranjo semântico captado na nomeação dos personagens, lugares, deidades que deixam captar sentidos mais profundos em sua função apalavreadora: o diálogo com a palavra-alma [...] 5) Núcleos mitêmicos e arquetipais - se refere ao tratamento sincrônico das redundâncias e recorrências captadas na narrativa, como constelações de imagens e símbolos no leit motiv do fenômeno ou obra. É o equivalente do trabalho mitodológico de Gilbert Durand na mitocrítica [...] e mitanálise [...]" [cf. seq., p. XX] (FERREIRA SANTOS, 2005a, pp. 73-4)

34 Id. Crepusculário: conferências sobre mitohermenêutica e educação em Euskadi. São Paulo: Zouk, 2005b, p. 91.

35 DURAND, 1996, p. 62.

36 Id., 2012, p. 41.

37 Id. Mito e sociedade: a mitanálise e a sociologia das profundezas. Portugal: A Regra do Jogo, 1983, p. 7 et. seq.

38 Id., 1996, p. 137.

39 Id., 2012, pp. 62-3.

40 Id., 1996, pp. 94-5.

41 Ibid., p. 85.

42 Ibid., p. 87.

43 Ibid, p. 115.

44 Ibid, p. 116.

45 Id., 1988, p. 18.

46 Id., 2004, p. 60.

47 Id., 2012, p. 43.

388

48 “Não apenas cada parte do mundo faz cada vez mais parte do mundo, mas o mundo enquanto todo está cada vez mais presente em cada uma de suas partes. Isso se verifica não só para as nações e os povos, mas também para os indivíduos. Da mesma forma que cada ponto do holograma contém a informação do todo de que faz parte, doravante cada indivíduo também recebe ou consome as informações e as substâncias vindas de todo o universo.” MORIN, Edgar. Terra- Pátria. Porto Alegre: Sulina, 1995, p. 35. Tal conceito também encontra semelhança à perspectiva da Rede de Indra ou Rede de Gemas adotada por Campbell, apresentada anterior (cf. supra, p. XX), em que uma gema reflete todas as outras, conectando-as em todos os níveis infinitamente.

49 Id., 1996, p. 250; Id., 2004, p. 87; Id., 2012, p. 361 et seq.

50 Id., 1996, p. 250.

51 Ibid., 43.

52 Ibid., p. 45.

53 Ibid., p. 45.

54 Id., 1996, p. 52.

55 Id., 1983, p. 33.

56 Id., 1996, p. 115.

57 Id., 1983, p. 35 et. seq.

58 Diversos dos termos que aparecerão a partir deste momento durante o texto são empréstimos de outros autores que G. Durand realiza em seus estudos, como Vilfredo Pareto (1848–1923), Abraham Moles (1920–1992), Jean Rudhardt (1922–2003) e Roger Bastide (1898–1974), por exemplo.

59 Id., 1983, p. 35.

60 Ibid., p. 48 et. seq.

61 Ibid., p. 52.

62 Id., 1996, p. 111.

63 Id. 1983, p. 47.

64 Ibid., p. 55 et. seq.

65 Ibid., p. 58.

66 Id., 1996, p. 97.

67 Ibid., p. 105.

68 Ibid., p. 97.

69 Ibid., p. 111.

70 Id., 2004, p. 116.

389

71 BACHELARD, Gaston. As águas profundas — As águas dormentes — As águas mortas. "A água pesada" no devaneio de Edgard Poe, in: Id. A água e os sonhos: ensaio sobre a imaginação da matéria. São Paulo: Martins Fontes, pp. 47-72, 1997.

72 Cf. MAFFESOLI, Michel. O tempo das tribos: o declínio do individualismo nas sociedades de massa. São Paulo: Forense Universitária, 2014.

73 DURAND, 2004, 105.

74 Id., 1996, p. 165.

75 Ibid., p. 164.

76 Ibid., p. 250.

77 Id., 2004, p. 61.

78 Id., 1982, p. 110.

79 Ibid., p. 64.

80 Apesar de apontar outros métodos de análise crítica de textos literários, Durand atribui as primeiras abordagens mitocríticas a Léon Cellier (1911–1976) e Pierre Albouy (1920–1974).

81 DURAND, 1996, p. 246.

82 Ibid., pp. 247-8.

83 Ibid., p. 251.

84 Ibid., p. 248.

85 Cf. SOLIÉ, Pierre. Mitanálise junguiana. São Paulo: Nobel, 1985.

86 DURAND, 1983, p. 46.

87 Id., 1982, p. 89.

88 COELHO, Teixeira. Dicionário crítico de política cultural: cultura e imaginário. São Paulo: Iluminuras, 2012, p. 253.

3.6 RENÉ GIRARD E A VIOLÊNCIA MÍTICA (pp. 253-64)

1 GOLSAN, Richard Joseph. René Girard and myth: an introduction. New York-London: Routledge, 2002, p. 61.

2 Cf. GIRARD, René; WILLIAM, James. Epilogue: The Anthropology of the Cross: A Conversation with René Girard, in: GIRARD, René. The Girard Reader. New York: Crossroad Herder, pp. 262- 88, 2000.

3 GIRARD, René. O bode expiatório. São Paulo: Paulus, 2004, p. 53.

4 Id. A violência e o sagrado. São Paulo: Editora Universidade Estadual Paulista, 1990, p. 134.

5 Id., 2004, p. 29.

390

6 Id. Origins: a view from the literature, In: Understanding Origins. Dordrecht: Springer Science+Business Media BV, v. 130, pp. 27-42, 1992, p. 28.

7 Cf. Id. Things hidden since the formation of the world. Stanford: Stanford University Press, 1897, p. 283

8 Id. A voz desconhecida do real: uma teoria dos mitos arcaicos e modernos. Lisboa: Instituto Piaget, 2007, p. 49.

9 Id. Deceit, Desire and the Novel: Self and Other in Literary Structure. Baltimore, Maryland: The Johns Hopkins Press, 1965, p. 17.

10 Ibid., p. 28.

11 Ibid., p. 11.

12 Ibid., p. 9.

13 Id., 2004, p. 31.

14 Ibid., p. 19.

15 Ibid., p. 19.

16 Ibid., p. 24.

17 Id., 1990, p. 31.

18 Ibid., p. 31.

19 Id., 2004, p. 61.

20 Depois disse o SENHOR a Moisés: Fala aos sacerdotes, filhos de Arão, e dize-lhes: O sacerdote não se contaminará por causa de um morto entre o seu povo, / Salvo por seu parente mais chegado: por sua mãe, e por seu pai, e por seu filho, e por sua filha, e por seu irmão. / E por sua irmã virgem, chegada a ele, que ainda não teve marido; por ela também se contaminará. / Ele sendo principal entre o seu povo, não se contaminará, pois que se profanaria. / Não farão calva na sua cabeça, e não raparão as extremidades da sua barba, nem darão golpes na sua carne. / Santos serão a seu Deus, e não profanarão o nome do seu Deus, porque oferecem as ofertas queimadas do Senhor, e o pão do seu Deus; portanto serão santos. / Não tomarão mulher prostituta ou desonrada, nem tomarão mulher repudiada de seu marido; pois santo é a seu Deus. / Portanto o santificarás, porquanto oferece o pão do teu Deus; santo será para ti, pois eu, o Senhor que vos santifica, sou santo. / E quando a filha de um sacerdote começar a prostituir-se, profana a seu pai; com fogo será queimada. / E o sumo sacerdote entre seus irmãos, sobre cuja cabeça foi derramado o azeite da unção, e que for consagrado para vestir as vestes, não descobrirá a sua cabeça nem rasgará as suas vestes; / E não se chegará a cadáver algum, nem por causa de seu pai nem por sua mãe se contaminará; / Nem sairá do santuário, para que não profane o santuário do seu Deus, pois a coroa do azeite da unção do seu Deus está sobre ele. Eu sou o Senhor. / E ele tomará por esposa uma mulher na sua virgindade. / Viúva, ou repudiada ou desonrada ou prostituta, estas não tomará; mas virgem do seu povo tomará por mulher. / E não profanará a sua descendência entre o seu povo; porque eu sou o Senhor que o santifico. / Falou mais o Senhor a Moisés, dizendo: / Fala a Arão, dizendo: Ninguém da tua descendência, nas suas gerações, em que houver algum defeito, se chegará a oferecer o pão do seu Deus. / Pois nenhum homem em quem houver alguma deformidade se chegará; como homem cego, ou coxo, ou de nariz chato, ou de membros demasiadamente compridos, / Ou homem que tiver quebrado o pé, ou a mão quebrada, / Ou corcunda, ou anão, ou que tiver defeito no olho, ou sarna, ou impigem, ou que tiver testículo mutilado. / Nenhum homem da descendência de Arão, o sacerdote, em quem houver alguma deformidade, se chegará para oferecer as ofertas queimadas do Senhor; defeito nele há; não se

391

chegará para oferecer o pão do seu Deus. / Ele comerá do pão do seu Deus, tanto do santíssimo como do santo. / Porém até ao véu não entrará, nem se chegará ao altar, porquanto defeito há nele, para que não profane os meus santuários; porque eu sou o Senhor que os santifico. / E Moisés falou isto a Arão e a seus filhos, e a todos os filhos de Israel.

21 Id., 2004, p. 36.

22 Id., 1990, pp. 55-6.

23 Id., 1992, p. 36.

24 Id., 2004, p. 43.

25 Ibid., p. 73.

26 Id., 1990, p. 46.

27 Ibid., p. 132.

28 Ibid., p. 142.

29 Id., 2004, p. 63.

30 Ibid., p. 52.

31 Id., 1990, p. 86.

32 Id., 2004, 76.

33 Ibid., p. 69.

34 Ibid., p. 34.

35 Id., 1992, p. 38.

36 O termo foi cunhado por Girard em 1987. Cf. GIRARD, René. Job, the Victim of his People. Stanford: Stanford University Press, 1987.

37 GIRARD, René. An interview with René Girard, in: GOLSAN, 2002, p. 132.

38 Id., 1992, p. 27.

39 Id. An interview with René Girard, in: GOLSAN, op. cit.

40 Id. 2007, p. 23. Originalmente publicado em GIRARD, René. Violence and representation in the mythical text. MLN, v. 92, n. 5, pp. 922-44, 1977, p. 922.

41 Cf. Id. Diferenciação e reciprocidade em Lévi-Strauss e na teoria contemporânea. In: __. 2007, pp. 51-81. Originalmente publicado em: __. Differentiation and Undifferentiation in Lévi-Strauss and Current Critical Theory, in: KRIEGER, Murray; DEMBO, Lawrence Sanford (ed.). Directions for criticism: structuralism and its alternatives. University of Wisconsin Press, 1977, pp. 111-36.

42 Id., 2007, p. 31.

43 Id., 2004, 97.

44 Ibid., p. 97.

392

45 Para uma breve compreensão das críticas a René Girard, cf. GOLSAN, Richard Joseph. Girard’s Critics and the Girardians, in: Id., 2002, pp. 107-28.

46 GIRARD, 2004 p. 95.

47 GOLSAN, 2002, p. 83.

48 GIRARD, 2004, p. 46.

49 Ibid., p. 24.

50 TRAUBE, Elizabeth. Incest and mythology: anthropological and Girardian perspectives. Berkshire Review, v. 14, pp. 37-54, 1979, p. 45.

1 UMA INTRODUÇÃO AOS ESTUDOS DO MITO NA SEMIÓTICA (pp. 267)

1 SANTAELLA, Lucia; NÖTH, Winfried. Introdução à semiótica: passo a passo para compreender os signos e a significação. São Paulo: Paulus, 2017, p. 7.

2 MORRIS, Charles William. Foundations of the Theory of Signs. Chicago: Univ. Press (Foundations of the Unity of Science: Towards an International Encyclopedia of Unified Science, v. 1.2), 1938, p. 1.

1.1 A SEMIÓTICA FRANCESA (pp. 269-72)

1 SAUSSURE, Ferdinand de. Curso de linguística geral. São Paulo: Cultrix, 1969, p. 24.

2 BARTHES, Roland. O grau zero da escrita: seguido de novos ensaios críticos. São Paulo: Martins Fontes, 2004, pp. 27-33.

3 MELETINSKI, Eleazar. Mito y el siglo veinte. Entretextos: Revista Electrónica ectrónica Semestral de Estudios Semióticos de la Cultura, n. 8, 2006. Originalmente publicado em: МЕЛЕТИНСКИЙ, Е. М. Миф и двадцатый век. Избранные статьи. Воспоминания. М, 1998, p. 36.

4 BARTHES, Roland. Mitologias. Rio de Janeiro: Bertrand Brasil, 1999, p. 7.

5 Ibid., p. 131

6 Ibid., p. 136.

7 Ibid., p. 139.

8 Ibid., p. 145.

9 Ibid., p. 143.

1.2 A SEMIÓTICA SOVIÉTICA (pp. 273-5)

1 SANTAELLA, Lucia. O que é semiótica. São Paulo: Brasiliense, 1983, p. 75.

2 VOLKOVA AMÉRICO, Ekaterina. Iúri Lotman e a Escola de Tártu-Moscou. Galáxia, n. 29, pp. 123- 40, 2015, p. 127.

393

3 SANTAELLA, Lucia; NÖTH, Winfried. Introdução à semiótica: passo a passo para compreender os signos e a significação. São Paulo: Paulus, 2017, p. 215.

4 MELETINSKI, Eleazar. A poética do mito. Forense, 1987, p. 5.

5 Id., La organización semántica del relato mitológico y el problema del índice semiótico de motivos y ‘sujets’. Entretextos, Revista Electrónica Semestral de Estudios Semióticos de la Cultura, 2003, p. 4.

6 Id. Mito y el siglo veinte. Entretextos: Revista Electrónica Semestral de Estudios Semióticos de la Cultura, n. 8, 2006. Originalmente publicado em: МЕЛЕТИНСКИЙ, Е. М. Миф и двадцатый век. Избранные статьи. Воспоминания. М, 1998, p. 34. Há um erro na tradução espanhola do artigo, em que a autora repete duas vezes consecutivas o termo religião (религии), enquanto o último se refere, em verdade, à ciência (науки). Cf. no original: “Миф — один из центральных феноменов в истории культуры и древнейший способ концепирования окружающей действительности и человеческой сущности. Миф — первичная модель всякой идеологии и синкретическая колыбель различных видов культуры — литературы, искусства, религии и, в известной мере, философии и даже науки.”

7 Id., 1987, p. 331.

8 Ibid., p. 3.

9 Ibid., p. 333.

10 FERREIRA, Jerusa Pires. A febre mitológica e a poética de Mieletínski. Revista USP, Brasil, n. 2, pp. 149-56, 1989, p. 150.

11 MELETINSKI, 1987, p. 269.

1.3 A SEMIÓTICA AMERICANA (pp. 277-82)

1 SANTAELLA, Lucia. O que é semiótica. São Paulo: Brasiliense, 1983, p. 16.

2 HARDWICK, Charles Santiago. Charles S. Semiotic and significs. The Correspondence between Charles S. Peirce and Victoria Lady Welby. Bloomington, London: Indiana University Press, 1977, p. 85-6.

3 CP 5.448, 1908, in: WEISS, Paul; HARTSHORNE, Charles; BURKS, Arthur W. (Ed.). Collected Papers of Charles Sanders Peirce. Cambridge, Massachusetts: Harvard University Press, v. 1-8, 1931-5, 1958. (as referências serão feitas indicando os Collected Papers por CP, seguidas dos números dos volumes e dos parágrafos, respectivamente, separados por ponto e ano).

4 LISZKA, James Jokób. The Semiotic of Myth: A Critical of the Symbol. Bloomington: Indiana University Press, 1989, pp. 1-2.

5 Ibid., p. 2.

6 Ibid., p. 4.

7 Ibid., p. 14.

8 Ibid., p. 6.

9 Ibid.

10 CP 8.191, 1904.

394

11 CP 2.94, 1902.

12 EP2, p. 323.

13 LISZKA, 1989, pp. 70-1.

14 lbid., p. 71.

15 Ibid., p. 14.

16 Id. Mythic violence: Hierarchy and transvaluation. Semiotica, v. 54, n. 1-2, pp. 223-50, 1985, p. 223.

17 Id., 1989, p. 15.

2 A FENOMENOLOGIA DE CHARLES SANDERS PEIRCE (pp. 283-90)

1 Cf. HALL, Granville Stanley. Philosophy in the United States. Mind, v. 4, pp. 89-105, 1879. 2 HAUSMAN, Carl R. Charles S. Peirce's Evolutionary Philosophy. Cambridge: Cambridge University Press, 1993, p. 1. 3 SANTAELLA, Lucia. Matrizes da linguagem e do pensamento: sonora, visual, verbal: aplicações na hipermídia. São Paulo: Iluminuras, 2005, p. 30. 4 CP 1.1, 1890. 5 CP 1.183, 1903. 6 EP2, p. 372. HOUSER, Nathan; KLOESEL, Christian (Ed.). The Essential Peirce: Selected Philosophical Writings. Bloomington, Indiana: Indiana University Press, v. 1-2, 1992, 1998. (as referências serão feitas indicando The Essential Peirce por EP, seguidas do número do volume e a página). 7 CP 1.182, 1903. 8 CP 1.256, 1902. 9 EP2, p. 458. 10 CP 1.243, 1092. 11 EP2, p. 144. 12 EP2, p. 196. 13 MS [R] 339:268r, 1905, in: ROBIN, Richard (Ed.). Annotated Catalogues of the Manuscripts of Charles S. Peirce. Amherst: University of Massachusetts Press, 1967. (a referência indica os Annotated Catalogues of the Manuscripts por MS, seguida do número do manuscrito e da página. Numerações feitas por Don D. Robertson são referidas por [R] e r). 14 CP 5.265, 1868. 15 EP2, p. 372. Para Peirce, a Matemática é uma arte do raciocínio que não se preocupa especialmente com a teoria da validade dos seus argumentos, uma vez que eles são evidentes por si mesmos (CP 2.120, 1902); ela estuda “o que é e o que não é logicamente possível, sem se responsabilizar pela sua existência real” (CP 1.184, 1093). 16 EP2, p. 146. 17 CP 5.39, 1903; CP 1.186, 1093. 18 CP 5.121, 1903. 19 CP 8.298, 1904.

395

20 CP 8.301, 1897-1909. 21 CP 1.186, 1903. 22 CP 1.284, 1905. 23 EP2, p. 362. 24 SANTAELLA, Lucia. A teoria geral dos signos: como as linguagens significam as coisas. São Paulo: Pioneira, 2000, p. 7. 25 EP2, p. 389. 26 EP2, p. 390; Cf. HOOPES, James (Ed.). Peirce on Signs: Writings on Semiotic. Chapel Hill and London: The University of North Carolina Press, 1991, p. 182. 27 CP 1.287, 1904. 28 Hausman ainda sugere que a Matemática por ser prescindida da Fenomenologia, para comprovar a relação de precedência da primeira à segunda, advinda de uma conversa com Nathan Houser e Andre DeTienne no Peirce Edition Project, em 1988: “Deixe-me sugerir aqui que, como uma maneira de separar as relações entre os papéis fundamentais da matemática e da fenomenologia a respeito da derivação das categorias, podemos explorar o método de prescisão de Peirce, que, como visto na ‘New List’, mostrou a interdependências relativa das categorias. Se a matemática é a mais abstrata das ciências por ser a mais hipotética e afastada das considerações existenciais, então é razoável supor que a matemática possa ser prescindida da fenomenologia, que em si mesma é prescindível das ciências normativas. Isso, é claro, é consistente tanto com a insistência de Peirce de que a fenomenologia é dependente da "ciência condicional ou hipotética da Matemática Pura" (5.40) quanto com a ideia de Peirce de que as ciências normativas são dependentes da fenomenologia. A sugestão de prescindir a matemática da fenomenologia pode ser suposta na medida em que Peirce pensava as suas categorias em termos de relações abstratas apropriadas à lógica dos relativos. Ademais, a fenomenologia pode ser suposta sem as considerações normativas. Mas, então, presumivelmente, a matemática pode ser suposta sem recorrer às observações reais (embora não necessariamente sem possíveis observações de atualidades). Se isso estiver correto, então a matemática é fundamental como a fundação mais abstrata ou hipotética; a fenomenologia é fundamental como a fundação mais puramente observacional. Além disso, deve ser acrescentado que a matemática, uma vez que se sobrepõe aos aspectos da lógica, é fundamental no fornecimento de técnicas e procedimentos para o pensamento apropriado à fenomenologia e, por sua vez, a todas as ciências”. (HAUSMAN, 1993, pp. 115-6). 29 EP2, p. 144. 30 CP 5.122, 1903; EP2, p. 197. 31 CP 5.50, 1903; EP2, p. 153. 32 CP. 7.527, sem data. 33 Ibid. 34 Cf. CP 1.40; 1.42; 2.33. 35 EP2, p. 143, 148. 36 Carta a Lady Welby, julho de 1905, in: HARDWICK, Charles Santiago; COOK, James (Ed.). Semiotic and significs. The Correspondence between Charles S. Peirce and Victoria Lady Welby. Bloomington, London: Indiana University Press, 1977, p. 189. 37 Carta a Lady Welby, 12 outubro de 1904, in: HARDWICK, 1977, p. 25; CP 8.329, 1904. 38 EP2, p. 147. 39 SANTAELLA, Lucia. O que é semiótica. São Paulo: Brasiliense, 1983, p. 29. 40 CP 2.33, 1902. 41 Cf. ROSENSOHN, William L. The Phenomenology of Charles S. Peirce: From the Doctrine of Categories to Phaneroscopy. Grüner: Amsterdam, 1974, p. 78-9; HAUSMAN, 1993, p. 118-9.

396

Ademais, Spiegelberg tentou fazer uma comparação ou aproximação entre as fenomenologias de Peirce e Husserl, apesar de reconhecer a anterioridade da concepção fenomenológica do primeiro sobre o segundo. Cf. SPIEGELBERG, Herbert. Society Husserl's and Peirce's Phenomenologies: Coincidence or Interaction. Philosophy and Phenomenological Research, v. 17, n. 2, pp. 164-85, 1956. 42 CP 1.287, 1904. 43 CP 2.120, 1902. 44 CP 5.41, 1903; EP2, p. 148. 45 CP 1.280, 1902. 46 CP. 5.42, 1903; EP2, p. 147-8. 47 CP. 5.41. Tradução de Ibri (2004, p. 14). 48 CP 1.286, 1904. 49 CP 1.186, 1903. 50 CP 1.287, 1903.

2.1 AS CATEGORIAS UNIVERSAIS (pp. 291-9)

1 MS L75, 1902. 2 ROSENSOHN, William L. The Phenomenology of Charles S. Peirce: From the Doctrine of Categories to Phaneroscopy. Grüner: Amsterdam, 1974, pp. 25, 30, 36-7n54-5; Cf. MS L75 (Carnegie Application, ‘“Statement,” pp. 3-4) 3 EP 1, p. 286; CP 6.8, 1891. 4 EP1, p. 285; CP 6.7, 1891. 5 No mesmo artigo, On a New List of Categories (1867), encontrado também nos CP 1.545-59, 1867, Peirce também faz algumas considerações a respeito da sua semiótica ou teoria dos signos, que, aqui, deverão ser distanciadas, a fim de focar somente na construção de sua Fenomenologia, mas que não podem ser desconsideradas e são imprescindíveis para o entendimento de sua arquitetura filosófica como um todo. 6 ROSENSOHN, 1974, p. 32; CP 2.340, 1895. 7 As categorias universais (κᾰτηγορῐ́αι) de Aristóteles a que Peirce se refere são as 5 classes de predicáveis: género (γένος), próprio (ἴδιος), definição (ὁρισμός), diferença (διαφορά) e acidente (συμβεβηκός); e os predicados, divididos em 10 categorias: substância (οὐσία), quantidade (ποσόν), qualidade (ποιόν), relação (πρός τι), lugar (ποῦ), tempo (ποτέ), estado (κεῖσθαι), hábito (ἔχειν), ação (ποιεῖν) e paixão (πάσχειν). Já em relação a Kant, há quatro grandes categorias (Categorien) subdivididas em tríades: quantidade (Der Quantität), divididade em unidade (Einheit), pluralidade (Vielheit) e totalidade (Allheit); qualidade (Der Qualität), dividida em essência (Realität), negação (Negation) e limitação (Limitation); relação (Der Relation), dividida em substância (der Inhärenz und Subsistenz), causalidade (der Causalität und Dependenz) e ação recíproca (der Gemeinschaft); e modalidade (Der Modalität), dividida em possibilidade (Möglichkeit), existência (Dasein) e necessidade (Nothwendigkeit); Em Hegel as categorias se dividem em ser/espírito (Sein), essência/matéria (Wesen) e conceito/ser aí (Begriff). Cf. EP2, p. 148. 8 EP2, p. 177. 9 HAUSMAN, Carl R. Charles S. Peirce's Evolutionary Philosophy. Cambridge: Cambridge University Press, 1993, p. 96. 10 EP1, p. 1; CP 1.545, 1867. 11 EP1, p. 1; CP 1.546, 1867.

397

12 Em 1903, Peirce escreve: “Acho que há pelo menos duas ordens distintas de categorias, que chamo de particular e universal. As categorias particulares formam uma série, ou conjunto de séries, estando apenas uma de cada série presente ou, pelo menos, predominante em qualquer fenômeno. As categorias universais, por outro lado, pertencem a todos os fenômenos, sendo um talvez mais proeminente em um aspecto desse fenômeno do que outro, mas todos eles pertencentes a todos os fenômenos”. (EP2, p. 148; CP 5.43, 1903) 13 ROSENSOHN, 1974, p. 42. 14 EP1, p. 2; CP 1.547-8, 1903. 15 “A abstração ou prescisão, portanto, supõe uma separação maior do que a discriminação, mas uma separação menor do que a dissociação. Assim, posso discriminar o vermelho do azul, o espaço da cor e a cor do espaço, mas não o vermelho da cor. Posso prescindir o vermelho do azul e o espaço da cor (como se manifesta pelo fato de eu realmente acreditar que há um espaço incolor entre o meu rosto e a parede); mas não posso prescindir a cor do espaço, nem o vermelho da cor. Eu posso dissociar o vermelho do azul, mas não o espaço da cor, a cor do espaço, nem o vermelho da cor [,ou seja,] enquanto A não pode ser prescindido de B, B pode ser prescindido de A” (CP 1.549, 1867). Ademais, em 1903, Peirce denomina a dissociação também por Separação de Primeiridade ou Separação Primária, a precisão por Separação por Secundidade ou Separação Secundária, e a discriminação por Separação por Terceiridade ou Separação Terciária, bem como outros modos de separação do pensamento, como a precisão definida e indefinida (Cf. EP2, p. 270). 16 EP1, p. 4; CP 1.551, 1867. 17 HAUSMAN, 1993, p. 104. 18 Peirce posteriormente reformula esse termo, em que relação pode se dar por predicados 1) monádicos, 2) diádicos, ou 3) triádicos. Cf. CP 3.45-149, 1870. 19 EP1, p. 5; CP 1.552, 1867. 20 CP 3.466, 1896. 21 EP1, p. 5; CP 1.553. 22 EP1, p. 5. 23 EP1, p. 5. 24 EP1, p. 5; CP 1.552, 1867. 25 HOOPES, James (Ed.). Peirce on Signs: Writings on Semiotic. Chapel Hill and London: The University of North Carolina Press, 1991, p. 180. 26 “Ao prosseguir este estudo [da Fenomenologia e da Ideoscopia], há muito tempo atrás (1867) fui levada, após apenas três ou quatro anos de estudo, a lançar todas as ideias nas três classes de Primeiridade, de Secundidade e de Terceiridade. Esse tipo de noção é tão desagradável para mim quanto para qualquer um; e por anos, eu tentei desprezar e refutar isso; mas há muito tempo me conquistou completamente. Por mais desagradável que seja atribuir tal significado a números, e a uma tríade acima de tudo, é tão verdadeiro quanto desagradável”. (CP 8.328, 1904; HARDWICK, Charles Santiago; COOK, James (Ed.). Semiotic and significs. The Correspondence between Charles S. Peirce and Victoria Lady Welby. Bloomington, London: Indiana University Press, 1977, p. 24) 27 CP 1.568, 1910. 28 CP 1.301, 1894. 29 ROSENSOHN, 1974, p. 65-9. 30 MS 901, in: HOOPES, 1991, p. 184. 31 Ibid., p. 182. 32 HAUSMAN, 1993, p. 109. 33 Ibid., pp. 110-1.

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34 CP 1.393, 1890. 35 “As propriedades do protoplasma em geral são três, primeiro, a sua capacidade de ser lançado em um estado no qual é mais líquido e, ao mesmo tempo, tem uma coesão e uma tensão de superfície mais fortes; segundo, a tendência dessa condição se espalhar por toda a massa; e três, o seu poder, ao passar para fora dessa condição, de assimilar um novo material, desde que isso seja apresentado de modo a estar sujeito às mesmas forças que aquela que o perturbou - em outras palavras, o poder de crescimento com tudo aquilo que implica.” (EP1, p. 284). 36 CP 1.393, 1890. 37 EP 1, p. 243. 38 EP 1, p. 296; CP 6.32, 1891. 39 CP 1.12, 1897. 40 CP 1.23, 1903. 41 CP 2.84, 1902. 42 CP 1.300, 1894. 43 CP 4.3, 1898. 44 CP 1.355, 1890. 45 CP 8.298, 1904. 46 CP. 6.32; EP1, p. 296. 47 Ceno-, do grego καινός (kainós, “novo”), como as “novas categorias pitagóricas”. 48 CP 8.328, 1904; EP2, p. 267.

2.1.1 PRIMEIRIDADE (pp. 301-4)

1 CP 1.306, 1905. 2 Ibid. 3 EP2, p. 269. 4 Cf. EP2, p. 160. 5 SANTAELLA, Lucia. O que é semiótica. São Paulo: Brasiliense, 1983, p. 43. 6 CP 1.357, 1890. 7 CP 1.302, 1894. 8 Para uma maior discussão da relação entre Primeiridade e a medada, cf. HAUSMAN, Carl R. Charles S. Peirce's Evolutionary Philosophy. Cambridge: Cambridge University Press, 1993, p. 120 et. seq. 9 EP2, p. 269. 10 CP 5.44, 1903; EP2, p. 150. 11 CP 5.44, 1903. 12 CP 1.300, 1894. 13 CP 1.304,1904. 14 Ibid. Tradução de Ibri (2004, p. 21) 15 ROSENSOHN, William L. The Phenomenology of Charles S. Peirce: From the Doctrine of Categories to Phaneroscopy. Grüner: Amsterdam, 1974, p. 82.

399

16 Stearns sugere uma materialidade além de uma formalidade nas concepções fenomenológicas de Peirce, como reproduzido no trecho adiante. No entanto, matéria, assim como mente - a dualidade cartesiana - são questões metafísicas e ontológicas que dizem respeito somente ao terceiro ramo da Cenoscopia (CP 1.186) que também estão subsumidas às categorias fenomenológicas. Cf. “O exame da Primeiridade confirma, assim, a sugestão de que as categorias de Peirce têm em funcionamento tanto uma referência formal quanto uma referência material. Muitas vezes, na verdade, o próprio Peirce parece não ter percebido isso completamente, já que ele se refere às categorias como formais e não como fatores materiais. No entanto, é claro que a Primeiridade como uma forma é uma ideia reguladora ou uma concepção limitadora, enquanto a Primeiridade como um fenômeno empírico está presente em termos das características sensoriais que permeiam nossa experiência, mas que nunca podem ser obtidas com a máxima pureza, livres de contraste e mistura, que Peirce parece às vezes ter previsto hipoteticamente. Assim obtidas, seriam de fato inefáveis e irreconhecíveis. O absoluto "o quê" da qualidade e do sentimento se tornaria um "aquilo" sem sentido, que não poderia ser nem mesmo um objeto de referência. Peirce, claro, não pretendia tal resultado. Como, no entanto, ele nem sempre percebeu que sua categoria possuía uma referência tanto formal quanto material, ele tendia a separar os dois em seu tratamento do phaneron, de modo que às vezes parecemos estar lidando com a Primeiridade como um instrumento sugestivo de aproximação e, em outros momentos, com a Primeiridade como o objeto que se torna a coisa em si. O paralelismo metafísico a esse dilema deve ser encontrado na união em Primeiridade das características tanto de um particular quanto de uma essência ou intenção que é, em certo sentido, universal. O paralelo metodológico encontra-se nos diferentes níveis de discussão, lógicos e psicológicos, que encontramos na exposição da Primeiridade. Acredito que esse tríplice dilema é mais aparente do que real e que Peirce poderia tê-lo resolvido, se ele tivesse compreendido plenamente as implicações do funcionamento dual das categorias como fatores formais e materiais”. (STEARNS, Isabel. Firstness, Secondness, and Thirdness, in: WIENER, Philip P.; YOUNG, Frederic H. (Ed.). Studies in the Philosophy of Charles Sanders Peirce. Cambridge: Harvard University Press, pp. 195-208, 2014, pp. 200-1) 17 CP 1.306, 1905. 18 EP2, p. 269. 19 EP2, p. 268. 20 “Vá sob a abóbada azul celeste e olhe para o que está presente tal como aparece aos olhos do artista. A atmosfera poética aproxima o estado no qual o presente surge como presente. A poesia é tão abstrata e incolor? O presente é apenas o que é, independente do ausente, sem relação com o passado e o futuro”. (CP 5.44, 1903; EP2, p. 149-50). 21 EP2, p. 147. 22 CP 1.308, 1905. 23 CP 7.538, sem data. 24 HAUSMAN, 1993, p. 125. 25 Ibid., p. 125. 26 CP 5.122, 1903.

2.1.2 SECUNDIDADE (pp. 305-7)

1 CP 7.538, sem data. 2 “In idem flumen bis descendimus et non descendimus. Manet enim idem fluminis nomen, aqua transmissa est.” (no mesmo rio, pisamos e não pisamos duas vezes; pois o nome do rio continua o mesmo, mas a água já fluiu). SÊNECA. Epistles (VI, 58, 23). Cambridge: Harvard University Press, 2006. (v.1. 1-65): 400-1 (Loed classical library 75-77), que Peirce se refere como “ποταμώ γαρ ουκ έστιν εμβήναι δις τω αυτώ” (EP2, p. 268). 3 EP2, p. 271. 4 CP 1.310, 1905. Tradução de Ibri (2004, p. 21)

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5 CP 7.538, sem data. 6 CP 1.324, 1903. 7 EP2, p. 268. 8 EP2, p. 271. 9 CP 1.419, 1896. 10 IBRI, Ivo Assad. Kósmos Noetós: a arquitetura metafísica de Charles S. Peirce. São Paulo: Perspectiva, 1992, p. 18. Também Cf. SANTAELLA, Lucia. O método anticartesiano de C. S. Peirce. São Paulo: Unesp, 2004. 11 EP2, p. 268. 12 EP2, p. 150; CP 5.45, 1903. 13 EP2, p. 151. 14 EP2, p. 154. 15 “Essa consciência da ação de um novo sentimento na destruição do sentimento antigo é o que chamo de experiência” (CP 8.330, 1904; HARDWICK, Charles Santiago; COOK, James (Ed.). Semiotic and significs. The Correspondence between Charles S. Peirce and Victoria Lady Welby. Bloomington, London: Indiana University Press, 1977, p. 26). 16 CP 8.330, 1904; HARDWICK, 1977, p. 26. 17 EP2, p. 270.

2.1.3 TERCEIRIDADE (pp. 309-13)

1 SANTAELLA, Lucia. O que é semiótica. São Paulo: Brasiliense, 1983, p. 43. 2 CP 1.381, 1890. 3 EP2, p. 269. 4 CP 1.359, 1890. 5 EP2, p. 269. 6 CP 5.50, 1903; EP2, p. 154. 7 CP 1.26, 1903. 8 EP2, p. 161. 9 CP 1.473, 1896. 10 EP2, p. 161. 11 CP 1.473, 1896. 12 CP 1.477, 1896. 13 CP 1.475, 1896. 14 EP2, 170-1. 15 As dez classes de signos são: 1) qualisigno-icônico-remático; 2) sinsigno-icônico-remático; 3) sinsigno-indicial-remático; 4) sinsigno-indicial-dicente; 5) legisigno-icônico-remático; 6) legisigno- indicial-remático; 7) legisigno-indicial-dicente; 8) legisigno-simbólico-remático; 9) legisigno- simbólico-dicente; e 10) legisigno-simbólico-argumental. 16 SANTAELLA, Lucia. A teoria geral dos signos: como as linguagens significam as coisas. São Paulo: Pioneira, 2000, p. 8.

401

3 POR UMA INTRODUÇÃO À FENOMENOLOGIA PEIRCIANA DO MITO (pp. 315-7)

1 EP2, p. 165.

2 CAMPBELL, Joseph. A extensão interior do espaço exterior: a metáfora como mito e religião. Rio de Janeiro: Campus, 1991, p. 104.

3 CALASSO, Roberto. The Marriage of Cadmus and Harmony. New York: Alfred A. Knopf, 1993, p. 281.

3.1 AS CATEGORIAS UNIVERSAIS NA IMAGINAÇÃO MÍTICA (pp. 319-28)

1 LEENHARDT, Maurice. Do Kamo: La personne et le mythe dans le monde mélanésien. Paris: Gallimard, 1947, p. 241.

2 CP 5.480, 1907.

3 CP 5.480, 1907.

4 Cf. CP 5.498, 1905.

5 CP 1.46, 1896.

6 CP 7.680, 1895

7 CP 1.48, 1896.

8 BACHELARD, Gaston. A terra e os devaneios do repouso: ensaio sobre as imagens da intimidade. São Paulo: Martins Fontes, 1990b, p. 68.

9 Ibid., p. 64.

10 Id. A água e os sonhos: ensaio sobre a imaginação da matéria. São Paulo: Martins Fontes, 1989b, p. 75-6.

11 CP 2. 147, 1902; 2.148, 1902.

12 CP 4.448, 1903.

13 CP 6.286, 1893.

14 CP 1.69, 1896.

15 CP 7.498, 1898.

16 CP 7.446, 1893; CP 7.455, sem data.

17 CP 6.287, 1891.

18 CP 2.634, 1877.

19 EP2, p. 211

20 LÉVI-STRAUSS, Claude. O homem nu. São Paulo: Cosac Naify, v. 4, 2011. (Mitológicas), p. 643.

402

3.2 AS CATEGORIAS UNIVERSAIS NA METÁFORA MÍTICA (pp. 329-33)

1 ANDERSON, Douglas. Peirce on Metaphor. Transactions of the Charles S. Peirce Society, v. 20, n. 4, pp. 453-68, 1984, p. 456

2 LÉVI-STRAUSS, Claude. Antropologia estrutural dois. São Paulo: Cosac Naify, 2013, pp. 81-2.

3 CP 1.676, 1898.

4 MÜLLER, Friedrich Max. Contributions to the Science of Mythology. London: Longmans, Green, and Co., v. 1-2, 1897, v. 1, p. 51.

5 SYMONDS, John Addington. Studies of the Greek Poets. London: Smith, Elder & Co., 15, Waterloo Place, 1873, p. 3.

6 LÉVI-STRAUSS, Claude. O cru e o cozido. Editora Cosac Naify, v. 1, 2004. (Mitológicas), p. 52.

7 SANTAELLA, Lucia. Matrizes da linguagem e do pensamento: sonora, visual, verbal: aplicações na hipermídia. São Paulo: Iluminuras, 2005, p. 105.

8 Ibid., p. 115.

9 CP 5.42, 1903.

10 CP 5.44, 1903.

11 JUNG, Carl Gustav; KERÉNYI, Karl. Essays on a Science of Mythology: The Myth of the Divine Child and The Mysteries of Eleusis. Princeton: Princeton University Press, 1969, p. 1.

12 JUNG, Carl Gustav. Os arquétipos e o inconsciente coletivo. Petrópolis: Vozes, 2012, § 469, p. 522.

3.3 CATEGORIAS UNIVERSAIS NOS PRINCÍPIOS E NA MATERIALIDADE MÍTICOS (pp. 335-45)

1 BACHOFEN, Johann Jakob; CAMPBELL, Joseph. Myth, religion, and mother right: selected writings of J.J. Bachofen. New Jersey: Princeton University Press, 1992, (Bollingen Series LXXXIV), p. 76.

2 CAMPBELL, Joseph. A extensão interior do espaço exterior: a metáfora como mito e religião. Rio de Janeiro: Campus, 1991, p. 12.

3 Id. O poder do mito. São Paulo: Palas Athena, 2012, p. 42.

4 DUMÉZIL, Georges. Jupiter, Mars, Quirinus: Essai sur la conception indo-européenne de la société et sur les origines de Rome. Paris: Gallimard, v. 1, 1941, p. 57-8.

5 MALINOWSKI, Bronisław. Magia, ciência e religião. Lisboa: Edições 70, 1988, p. 104.

6 CP 8.317.

7 LÉVI-STRAUSS, Claude. Antropologia estrutural dois. São Paulo: Cosac Naify, 2013, p. 287.

8 Ibid.

403

9 HARRISON, Jane Ellen. Themis: a study of the social origins of greek religion. Cambridge: Cambridge University Press, 1912, p. 16.

10 HOOKE, Samuel Henry. The Labyrinth. London: Society for Promoting Christian Knowledge, 1935, p. ix.

11 Id., 2000, p. 43.

12 RAGLAN, Lord. Some Aspects of Diffusion. The Journal of the Royal Anthropological Institute of Great Britain and Ireland, v.87, n. 2, pp. 139-48, 1957b, p. 144.

13 CP 1.390, 1890.

REFERÊNCIAS

404

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REFERÊNCIAS

ACKERMAN, Robert. Frazer on Myth and Ritual. Journal of the History of Ideas, v. 36, n. 1, pp. 115-134, 1975.

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