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Cleber Araújo Cabral

Aos leitores, as cartas: proposta de edição anotada da correspondência de Murilo Rubião com Fernando Sabino, Mário de Andrade e Otto Lara Resende

Belo Horizonte Faculdade de Letras da UFMG 2016 2

Cleber Araújo Cabral

Aos leitores, as cartas: proposta de edição anotada da correspondência de Murilo Rubião com Fernando Sabino, Mário de Andrade e Otto Lara Resende

Tese de Doutorado apresentada ao Programa de Pós-Graduação em Estudos Literários da Faculdade de Letras da Universidade Federal de Minas Gerais como requisito parcial à obtenção do título de Doutor em Estudos Literários.

Área de concentração: Teoria da Literatura e Literatura Comparada

Linha de pesquisa: Literatura, História e Memória Cultural

Orientadora: Profª. Dra. Eneida Maria de Souza

Belo Horizonte Faculdade de Letras da UFMG 2016 3

Ficha catalográfica elaborada pelo bibliotecário Leonardo B. Almeida Assumpção - CRB 2046

C117 Cabral, Cleber Araújo, 1980 - Aos leitores as cartas [manuscrito]: proposta de edição anotada da correspondência de Murilo Rubião com Fernando Sabino, Maria de Andrade e Otto Lara Resende./Cleber Araújo Cabral. – 2016. 360 f. : il

Orientação: Eneida Maria de Souza.

Área de concentração: Teoria da Literatura Literatura Comparada.

Linha de Pesquisa: Literatura, História e Memória Cultural.

Tese (doutorado) - Universidade Federal de Minas Gerais, Faculdade de Letras.

Bibliografia: f. 290 – 312

1. Rubião, Murilo, 1916-1991 – Crítica e interpretação. 2. Escritores brasileiros – correspondência. 3. Teoria da Literatura. I. Souza, Eneida Maria de II. Universidade Federal de Minas Gerais. Faculdade de Letras. III Título.

CDU: 869.0(81)-6 4 5

A meus pais, Miguel e Veilma (in memoriam). De sua cor(dis)respondência resultou minha inscrição na vida e na história – por não ter lido as de vocês, aqui estou, escrevendo sobre cartas alheias.

A Adriana, destinatária e destino. 6

Esta carta não se destina à posteridade nem é simbólica. Murilo Rubião. Carta a Otto Lara Resende. Belo Horizonte, 05 de agosto de 1948.

Quanta verdade tristonha Ou mentira risonha uma carta nos traz Isaurinha Garcia. Mensagem (1946).

Raspas e restos Me interessam Pequenas porções de ilusão Mentiras sinceras me interessam Me interessam... Cazuza. Maior abandonado.

Esta é minha carta ao Mundo. Emily Dickinson. 7

AGRADECIMENTOS

A Murilo Rubião, Mário de Andrade, Fernando Sabino e Otto Lara Resende, por incitarem a pensar (de maneiras outras) o mundo, o olhar e a linguagem com seus textos. Sem os gestos de se corresponderem e, principalmente, de preservarem e destinarem os rastros de suas vivências para leitores futuros, este trabalho (assim como outros) não seria possível.

À Sílvia Rubião e às famílias Andrade e Lara Resende, por tornarem possível o reencontro de Murilo com Mário e Otto, ao facultarem o acesso e a reprodução das cartas para a tese.

À minha orientadora Eneida Maria de Souza, pelas conversas, sensibilidade e, sobretudo, por acreditar na proposta da tese e propiciar liberdades à elaboração da pesquisa.

Aos membros da banca: Reinaldo Martiniano Marques, anarquivista e espelho na prática docente, pela convivência, desde 2007 e, principalmente, por me apresentar as ficções dos arquivos literários; Myriam Corrêa de Araújo Ávila; Maria do Rosário Alves Pereira; Haydée Ribeiro Coelho; e Marcos Antonio de Moraes, pela gentileza e generosidade com que leram e fizeram apontamentos e sugestões.

Ao João Nilson, querido amigo, correspondente. Acasos rubianos fizeram com que você estivesse em Belo Horizonte nas primeiras horas da tese. Com você, aprendi um pouco sobre vidências.

Ao Acervo de Escritores Mineiros (AEM/CELC/UFMG), em especial aos funcionários Antônio Afonso Pereira Júnior, Márcio Flávio Tôrres Pimenta e Maria Madalena P. A. Rocha, pelo auxílio e prestatividade.

À equipe do Instituto Moreira Salles, no (Coordenadoria de Literatura), especialmente a Manoela Purcell Daudt d’Oliveira, pela solicitude com que me recebeu nas dependências do IMS, bem como pela agilidade com que respondeu meus e-mails no curso dos útlimos quatro anos.

Aos funcionários do Instituto de Estudos Brasileiros (IEB-USP), pela agilidade no contato e no envio das reproduções das cartas de Mário de Andrade. 8

Aos amigos, família eletiva que há muito me acompanha nesta jornada: Aline Sobreira, Diogo Borges, Guilherme Zubaran, Josué Godinho, Maria Zilda, Mariana Dutra, Marco Mota, Paulo Caetano, Rafael “Lobão” Carneiro, Rafael Lovisi, Rafael Mourão, Ricardo Alkmim, Rogério e Renato Gontijo, Sérgio (blue voice) Lima, Tatiana Sena, Thiago Costa e os muitos que aqui se reconhecerem: sou grato a cada um pelo conviver, pela disponibilidade, pelas leituras atentas, a partilha sempre interessante e interessada e, sobretudo, por compreenderem a distância inerente a vários momentos do processo.

Aos companheiros com quem participei da editoria da revista Em Tese (biênio 2013-2015): Felipe de Paula, Gustavo Cerqueira, João Rocha, Josué Godinho e Rafael Fares, por todo o aprendizado no cuidado com o texto – o próprio e o alheio.

Às famílias Araújo (vó Maria, tias Vera, Vicentina, Virgínia, Vilma) e Cabral (tios Ana, Henrique, Leide, João, Maria, Oto, Rômulo, Tarcísio), pelo carinho e incentivo.

A meu pai, Miguel, e meu irmão Pablo, por ainda sermos quatro, apesar de estarmos em três.

À Silvana e ao(s) Ricardo(s), o amor e o constante apoio.

Por fim, mas nem de longe por último, à minha família, Adriana, Bruma e Chuvisco: por acolherem, auxiliarem, cuidarem, estarem e compartilharem (carinhos, olhares, palavras, pelos ou ronronares). A vocês, meus melhores afetos e sorrisos — sempre.

A CAPES agradeço pela bolsa, que possibilitou a realização desta pesquisa. 9

SUMÁRIO

ESTIMADO LEITOR...... 15 Carta-náutica ...... 18 Rotas de navegação ...... 20 Desvios ...... 24 Ecce thésis, ou tese à vista ...... 26

1. LABORATÓRIO DE ARTIFÍCIOS: PROPOSTAS, RUMOS E TRAÇOS ...... 31 1.1. Ler os rastros: uma proposta, uma parábola e a trama de um bordado ...... 32 1.2. Arquivos literários: postscriptum de uma vida ...... 47 1.3. Escutar os mortos com os olhos: leitura espectral e sobrevida da literatura ...... 55

2. DESTINATÁRIO: POSTERIDADE ...... 61 2.1. Crítica epistolográfica: notas remissivas para uma história ...... 62 2.2. Correspondências, modos de usar (questões de método) ...... 64 2.3. (H)Antologia - ou como reunir fragmentos postais ...... 68 2.4. Tarefas da edição e da anotação: notas sobre os critérios da (h)antologia ...... 69 2.5. Aos leitores, as cartas: prólogo às correspondências ...... 74

3. IRMÃO MAIOR, IRMÃO PEQUENO: correspondência Mário de Andrade & Murilo Rubião ...... 77

4. “MARES INTERIORES”: correspondência Murilo Rubião & Otto Lara Resende. 116

5. “CARTAS PIROTÉCNICAS”: cartas de Fernando Sabino a Murilo Rubião ...... 214

P. S. – NÃO SE ESQUEÇA DE LER ESSE DIÁRIO DE BORDO ...... 286

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS ...... 292

ANEXOS ...... 315 Perfis biográficos ...... 316 Cartas ...... 323 Fotos ...... 335 Artigos e recortes de jornal ...... 343 Reflexões sobre o conto ...... 351 10

LISTA DE ABREVIATURAS E SIGLAS

Cf. - Confira

AEM/CELC/UFMG – Acervo de Escritores Mineiros / Centro de Estudos Literários e Culturais / Universidade Federal de Minas Gerais

AMA/IEB-USP – Acervo Mário de Andrade / Instituto de Estudos Brasileiros - Universidade de São Paulo

AOLR/IMS-RJ – Acervo Otto Lara Resende / Instituto Moreira Salles – Rio de Janeiro

FS – Fernando Sabino

MA – Mário de Andrade

MR – Murilo Rubião

OLR – Otto Lara Resende

S.d. – sine data [sem indicação de data]

S.l. – sine loci [sem indicação de local]

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RESUMO

Esta tese apresenta a correspondência de Murilo Rubião (1916-1991) com três escritores – Mário de Andrade (1893-1945), Fernando Sabino (1923-2004) e Otto Lara Resende (1922- 1992) – em uma proposta de edição anotada (transcrição com notas) de documentação arquivística inédita. Como hipótese principal, propõe-se que o arquivo e que a correspondência de Rubião sejam lidos como uma (h)antologia de narrativas de formação, na qual se pode observar a construção das trajetórias do escritor e da obra. Tal proposta leva a uma hipótese secundária: a de que esse corpus (a correspondência, mas, sobretudo, o acervo de Rubião), ao ser mobilizado como fonte de conhecimento, possibilita a elaboração de ficções crítico-teóricas que podem fomentar condições para outras leituras do conto rubiano.

PALAVRAS-CHAVE: Murilo Rubião, correspondência, crítica, edição, interpretação, representações do escritor, poética.

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ABSTRACT

This thesis presents correspondences shared among Murilo Rubião (1916-1991) and three writers – Mário de Andrade (1893-1945), Fernando Sabino (1923-2004) e Otto Lara Resende (1922-1992) – proposes an annotated edition (a transcription with notes) of this unpublished archival documentation. As the main hypothesis, we propose that the Rubião archive and correspondences must be read as an (h)anthology of narrative constructions, which allow the observation of the writer trajectories and works. This last proposal leads to a second hypothesis: the corpus (the analyzed correspondences and, especially, the Rubião archive) once mobilized as a source of knowledge, enables the elaboration of critical and theoretical fictions, which can serve as conditions to foment other interpretations of Rubião’s short stories.

KEY WORDS: Murilo Rubião, correspondence, critic, edition, interpretation, writer representations, poetics

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RÉSUMÉ

Cette thèse présente la correspondance entre Murilo Rubião (1916-1991) et trois écrivains – Mário de Andrade (1893-1945), Fernando Sabino (1923-2004) et Otto Lara Resende (1922- 1992) – et propose une édition notée (transcription avec notes) de documentation archivistique inédite. Comme hypothèse principale, on propose que l’archive et la correspondance de Rubião soient lus commme une (h)anthologie de récit de formation, dans laquelle on peut observer la construction des trajectoires de l’écrivain et de l’oeuvre. Cette proposition conduit a l’hypothèse secondaire : que ce corpus (la correspondance travaillée dans la thèse, mais, surtout, l’archive litteraire de Rubião) quand est mobilizé comme une source de connaissance, il possibilite l’élaboration de fictions critique-théoriques qui peuvent fomenter conditions pour autres lectures du conte rubiano.

MOTS-CLÉS : Murilo Rubião, correspondance, critique, édition, interprétation, représentations de l’écrivain, poéthique.

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RESUMEN

En esta tesis se presenta la correspondencia de Murilo Rubião (1916-1991) con tres escritores – Mário de Andrade (1893-1945), Fernando Sabino (1923-2004) y Otto Lara Resende (1922- 1992) – en una propuesta de edición anotada (transcripción con notas) de documentación de archivo inédita. Como hipótesis principal, se propone leerse el archivo y la correspondencia de Rubião como una (h)antología de narrativas de formación, en la que se puede observar la construcción de las trayectorias del escritor y de la obra. Esa propuesta conduce hasta la hipótesis secundaria: de que ese corpus (la correspondencia desarrollada en la tesis, pero, sobre todo, el acervo de Rubião), cuando movilizado como fuente de conocimiento, posibilita la elaboración de ficciones crítico-teóricas que pueden fomentar condiciones para otras lecturas del cuento rubiano.

PALABRAS-CLAVE: Murilo Rubião, correspondencia, crítica, edición, interpretación, representaciones del escritor, poética.

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ESTIMADO LEITOR

Livros (...) são cartas dirigidas a amigos, apenas mais longas.1

(...) vou escrever cartas sobre cartas cartas sobre cartas nas quais irrompe às vezes uma história de exílio uma parábola antiga2

Talvez, daqui por diante, passe a utilizar o recurso das cartas-circulares.3

Toda pesquisa consiste, de certa maneira, em um protocolo de intenções hermenêuticas que traduz uma proposta de leitura. Daí que, em eco ou ressonância às epígrafes acima, este trabalho se apresenta como uma carta sobre cartas dirigida a circular entre amigos e (des)conhecidos, um tipo de ensaio que se vale da carta não só como forma, mas enquanto procedimento compositivo e construtivo. Explico-me. No ensaio “Sobre el procedimento epistolar”, o escritor argentino Juan José Saer discorre brevemente acerca da experiência epistolar na história da filosofia e da literatura. Na opinião do autor de La pesquisa,

El epistolar no es un género. Es más bien un procedimiento. Novela de género epistolar está mal dicho: hay una novela narrada en forma de correspondencia para lograr de ese modo una organización peculiar de los acontecimientos. La filosofía también se ha valido del procedimiento epistolar: Séneca, Pascal, Schiller, entre otros, han filosofado sobre moral, religión, estética, en forma de cartas.4

Como mostra Saer, a elaboração ou o uso da carta (ou do epistolar) não se constituiriam como um gênero, mas como um procedimento ou uma técnica expressiva de organização dos acontecimentos – que, empregada na composição de textos que atravessam a história da escrita literária e dos pensamentos filosófico e teológico. Posicionamento não muito distante é o do filósofo alemão Peter Sloterdijk, que ao iniciar sua resposta à Carta sobre o humanismo, de Heidegger, aponta para o recurso ao epistolar como artifício empregado na disseminação do discurso humanista na filosofia ocidental. De certa maneira, o crítico literário argentino Daniel Link remete a mesma questão, ao sugerir uma leitura da experiência do pensar e da história da filosofia (à qual, acrescente-se, a experiência do escrever e a história da literatura)

1 SLOTERDIJK, 2000, p. 07. 2 MARQUES, 2015, p. 97-98. 3 SABINO, Carta a Murilo Rubião, Belo Horizonte, 23 de março de 1949. 4 SAER, 2014, p. 233. Grifos de minha autoria. 16

“como um longo intercâmbio epistolar”.5 Trazendo essa reflexão para o contexto brasileiro, vê-se que tais gestos não se distanciam muito do protagonizado por Mário de Andrade, que recorreu à carta para divulgar suas ideias estéticas e políticas, contribuindo para o estabelecimento, entre nós, do que podemos chamar de uma cultura do pensamento postal. A partir dessas ideias, parece-me uma boa opção performatizar(-me) (n)o processo expressivo que constitui objeto desta investigação como meio de apresentá-lo reflexivamente. Mas quem dirá se a proposta é interessante ou não, ao fim, será você, caro leitor.

Tendo essas premissas por horizonte, este trabalho foi elaborado como um amálgama de três técnicas da escrita epistolar: a carta-aberta (pois destinada a expor ideias e questões sobre um assunto que, assim espero, seja de interesse daquele que ler este texto), a carta de intenções (visto ser uma mensagem que firma uma proposta para o ato de editar cartas alheias) e a carta de leitor (já que é o relato de uma experiência de exploração ou leitura de textos). Outro elemento que relaciona esta conversa ao gênero carta é minha busca em construir, com você que me lê, pacto semelhante ao que se estabelece entre os interlocutores nas correspondências – o desejo de partilhar alguns de meus pensamentos e de provocar reciprocidade naquele que me lê.

Antes de prosseguir, cabe lembrar outra questão sobre a carta igualmente explorada na composição desta tese – a ambiguidade semântica, uma vez que carta também porta outra acepção que interessa de perto ao presente (con)texto, a de mapa. Além da função de apresentar uma “representação gráfica e convencional em papel (...) dos dados referentes à superfície do globo terrestre, [ou] a uma região”,6 os mapas fornecem condições de traçar caminhos ou percursos passíveis de exploração. Como se sabe, existem vários tipos de mapas mas, dentre eles, há um para o qual chamo sua atenção: os portulanos, cartas náuticas de exploração elaboradas nos séculos XIII e XIV. Para você ter ideia acerca do que falo, veja um belo exemplo.

5 LINK, 2002, p. 12 6 COSTA, 2009, p.146. 17

Imagem: [Carte marine de la mer Baltique, de la mer du Nord, de l'océan Atlantique Est, de la mer Méditerranée, de la mer Noire et de la mer Rouge] / Hoc opus fecit angelino dulcert/ ano MCCCXXXVIIII. Fonte: Gallica digital library - Bibliothèque nationale de France. Disponível em: . Acesso em 25 de Out. de 2015.

Como se pode ver nessa imagem, os portulanos apresentavam rotas com direções e distâncias aproximadas entre os principais portos dos continentes europeu e africano. Os caminhos eram traçados utilizando as linhas que eram interligadas, formando desenhos semelhantes a redes ou teias de aranha. Por se configurarem como mapas de deslocamento, não possuíam versão acabada, sendo reelaborados e redesenhados pelos próprios pilotos dos barcos ou por cartógrafos, à medida que se faziam uniões entre os pontos de partida e os novos destinos.

Ao trazer para nossa conversa (mais) essa possibilidade de leitura do discurso epistolar, faço-o não para dizer que vou apresentar uma cartografia exaustiva – mas para sugerir a carta como meio que auxilia a (pensar como) atravessar distâncias espaciais e/ou temporais que também se apresentam como convite a traçar outras leituras, mapas provisórios em constante processo de reescrita. Tal como no portulano, o curso desta tese foi traçado mediante o cruzamento de muitos pontos, cada um correspondendo a uma voz vinda de destinos e rumo a trajetórias específicas: as de Rubião e as de seus interlocutores epistolares, mas também as vozes de críticos literários, filósofos, historiadores e escritores, todos convocados para compor um diálogo em tom de concerto. 18

Carta-náutica

Agitado, compulsava mapas7

Este é o mapa. Onde quer que você se encontre onde quer que você se perca. Este é o mapa. O que você diz e pensa é o mapa. O mapa é maleável sujeito a invasões bloqueios ou decisões políticas a graves extravios. O mapa está contido em suas incontinências. Aqui e em toda a parte.8

Você já deve ter percebido que temos muito que conversar. Contudo, deixarei outros assuntos de lado (pois serão desenvolvidos nas páginas que se seguem) para expor uma questão que me inquieta há alguns anos, mais precisamente desde 2009, quando comecei minha dissertação sobre Rubião.9 Trata-se de uma provocação feita por Davi Arrigucci Jr. ao fim de um texto hoje canônico para os interessados na ficção de Murilo Rubião:

É possível falar dos contos fantásticos de Murilo sem se repetir? Parece que não. Anos atrás comecei a interpretação que hoje retorna, multiplicada em páginas e 10 páginas, e talvez ainda não termine: ensaio recorrente.

Convido-o a pensar um instante sobre esse apontamento. Em um primeiro momento, logo que responde à sua pergunta (retórica) com um “parece que não”, Arrigucci dá a impressão de estar resignado ao fato de que a leitura dos contos rubianos seria fadada à repetição e à reescrita – sendo esta última o traço da poética de Rubião mais explorado pela crítica literária brasileira. Mas é preciso questionar: essa repetição seria mera reprodução idêntica de hipóteses anteriormente formuladas, repetição estéril ou, nesse processo de multiplicação das páginas, haveria alguma transformação das interpretações elaboradas anteriormente? Parece que o adjetivo escolhido (recorrente) pelo crítico para qualificar o próprio texto ocasiona um pequeno (mas significativo) deslocamento na resposta que deu a própria indagação: ensaio recorrente. Curiosa escolha, essa, do termo recorrente. A princípio, parece tratar-se de uma tentativa de leitura que, para avançar, move-se para trás, recua (às origens?) como que para ganhar impulso para se lançar adiante, alterar-se, escapar à repetição cíclica. Mas seria isso mesmo? Difícil dizer, inclusive pelo fato de ser o último texto escrito pelo crítico sobre Murilo Rubião. Em todo caso, ao classificar seu texto dessa maneira,

7 RUBIÃO, 1996, p.116. 8 SISCAR, 2015, p. 93 9 CABRAL, 2011. 10 ARRIGUCCI JR., 1987, p. 165. 19

Arrigucci me propiciou uma pista que aponta para um debate que precisa ser colocado: a necessidade de retomar os contos rubianos para deslocar e para reelaborar as categorias empregadas quando os lemos.

Tal constatação, além de motivar minhas pesquisas, fez com que eu me colocasse a seguinte pergunta: como viabilizar uma abordagem que auxilie a renovar as condições de leitura da obra de Rubião para além dos lugares-comuns e das conceituações (hoje) tradicionais (e cristalizantes), como fantástico, insólito, mágico e maravilhoso, ainda adotadas para ler sua produção ficcional?

Durante meu mestrado, no qual efetuei uma leitura das noções de narrador, personagem, espaço e tempo presentes nos contos rubianos, percebi que Murilo não publicou artigos ou textos teóricos em que formalizasse sua poética ou refletisse acerca do gênero conto. Afora poucas menções feitas em entrevistas sobre autores de sua preferência ou de suas opiniões (ora evasivas, ora conclusivas) acerca de sua filiação à literatura fantástica, chamou minha atenção o fato de Rubião não expressar pontos de vista concernentes a seu processo de escrita – afora a já mencionada questão da reescrita como busca pelo aprimoramento do texto.

Diante dessa ausência de prefácios interessantíssimos11 ou desinteressantes, coloquei- me a vasculhar a fortuna crítica de Rubião, a fim de averiguar se já havia sido feito algum trabalho a partir de seu arquivo,12 alocado no Acervo de Escritores Mineiros, órgão vinculado ao Centro de Estudos Literários e Culturais da UFMG.13 Nesse levantamento bibliográfico, constatei que, à exceção de alguns poucos artigos e comentários,14 do volume Mário e o pirotécnico aprendiz: cartas de Mário de Andrade e Murilo Rubião,15 da dissertação Murilo Rubião: uma aventura solitária na literatura16 e das teses Histórias do Grão Mogol: edição e

11 Referência ao “Prefácio interessantíssimo”, publicado em Paulicéia desvairada (1922), texto no qual Mário de Andrade lança as bases estéticas do Modernismo brasileiro. 12 Conforme se lê no Dicionário brasileiro de terminologia arquivística (BRASIL, 2005, p. 27), há duas acepções para o termo arquivo: “1. Conjunto de documentos produzidos e acumulados por uma entidade coletiva, pública ou privada, pessoa ou família, no desempenho de suas atividades, independentemente da natureza do suporte. 2. Instituição ou serviço que tem por finalidade a custódia, o processamento técnico, a conservação e o acesso a documentos”. No capítulo 1, será abordado o processo de transformação do arquivo do escritor em arquivo literário – a passagem do espaço privado à custódia em uma instituição pública. 13 Doravante mencionado como AEM-UFMG ou AEM/CELC/UFMG. 14 Para mais informações acerca dos artigos, dissertações, resenhas e teses publicados sobre a obra e a correspondência de Murilo Rubião, ver as seguintes referências na bibliografia, ao fim deste trabalho: ANDRADE (1995), CABRAL (2014), CANOVAS (2008), MENEZES (2010) e SANTOS (1996). 15 ANDRADE; RUBIÃO, 1995. 16 TEIXEIRA, 2006. 20 estudo crítico dos textos esparsos de Murilo Rubião,17 Para uma história do intelectual: Mário de Andrade através de sua correspondência,18 Literatura portuguesa no Suplemento Literário do Minas Gerais: relações Brasil/Portugal,19 não havia trabalhos desenvolvidos a partir da documentação legada à posteridade pelo autor de O convidado. Tal evidência me fez perceber duas questões: que os documentos presentes no arquivo de Rubião se apresentavam como um campo potencial de investigações acerca de suas visões do conto moderno e de seu processo criativo; e que a correspondência rubiana permanecia praticamente inédita e inexplorada no campo dos estudos literários.

Foi assim que vislumbrei no trabalho de exploração do acervo rubiano uma oportunidade de tentar formular uma resposta à pergunta de Arrigucci Jr..

Rotas de navegação

Todo abismo é navegável a barquinhos de papel.20

O próximo passo de minha pesquisa foi a consulta ao Acervo Murilo Rubião. O conjunto, composto por 9600 peças, dentre móveis, obras de arte, livros, periódicos, documentos pessoais, manuscritos e correspondência, possui por datas limite 1916 (ano de nascimento de Rubião) e 1991 – ano de sua morte. Decorrido pouco mais de um mês da morte de Rubião, seu arquivo, que havia sido doado ainda em vida pelo próprio escritor, chegou à sua nova casa, o Centro de Estudos Literários da Faculdade de Letras da UFMG. A pesquisadora Vera Lúcia Andrade, em relato intitulado “A fantástica biblioteca de Murilo Rubião”, menciona que tanto a biblioteca como a documentação haviam sido organizadas pelo autor em pastas e arquivos, sendo tal ordenação original registrada, a fim de que se

17 Fábio Dobashi Furuzato estudou crônicas e narrativas publicadas por Murilo Rubião na imprensa mineira e carioca entre 1940 e 1945, propondo, como hipótese, que esses textos seriam laboratórios de elaboração da linguagem ficcional observada no livro O ex-mágico (1947). Para mais informações, ver FURUZATO, 2009. 18 KOENEN, 1992. Cabe aqui um comentário. Mais acima, ao mencionar os estudos desenvolvidos a partir da correspondência de Murilo Rubião, citei a tese de Arlete Koenen. No arquivo de MR além de um recorte da matéria “O Diálogo com Mário de Andrade”, publicada por Koenen no Estado de Minas em 31 de maio de 1986, há três cartas dela para o escritor, datadas de outubro de 1985 a janeiro de 1986, nas quais além de informar sobre o desenvolvimento da tese, orientada por Silviano Santiago, a pesquisadora agradece a Rubião pela colaboração. Entretanto, apesar dos esforços empreendidos junto a bibliotecas e a pesquisadores, não foi possível conseguir acesso a este trabalho pioneiro, que permanece, lamentavelmente, desconhecido dos pesquisadores que trabalham com cartas. 19 TOLENTINO, 2006. 20 ROSA, 1976, p. 38. 21 observassem os critérios utilizados pelo escritor.21 O arquivo se encontra organizado em 16 séries: Coleção bibliográfica, Atividades alheias à literatura, Atividades jornalísticas Folha de Minas, Contos publicados, Correspondência burocrática, Correspondência sobre as obras, Correspondência com amigos, Crônicas de Sérvulo Tavares, Diversos, Entrevistas, Fotografia, Iconografia, Noticiário, Objetos, Produção Intelectual do Titular, Suplemento Literário do Minas Gerais.22

Face montante tão expressivo de documentos, de imediato uma questão se colocou a mim: que rumo escolher nesse mar de documentos, ou o que privilegiar como fonte para conduzir minha pesquisa?23 Assim, o próximo passo consistiu na delimitação e escolha do corpus a ser mobilizado. Inicialmente, optei por pesquisar as séries de correspondências para, em seguida, voltar atenção para as anotações, textos de conferências, depoimentos e entrevistas.

A primeira dificuldade ao se tomar como objeto de pesquisa a correspondência de Murilo Rubião foi sua extensão. Após quantificá-la, verifiquei que totalizava 6031 documentos – espantosos 63% do corpus arquivístico (composto de fotos, manuscritos, álbuns de recortes de jornal etc). As datas limites da correspondência rubiana são 1935 (período em que Rubião ingressa no curso ginasial) e 1991, ano de sua morte. As cartas se encontram organizada em quatro séries:24 “Correspondência burocrática”,

21 ANDRADE, 1995, p. 49. A pulsão arquivística de Rubião, seu vínculo com a construção identitária, bem como a consciência da dimensão histórica da própria obra e da sua relação com um projeto de posteridade serão tratados no capítulo 1, na seção “Dos arquivos literários como cartas”. 22 Para conhecimento mais detalhado do Arquivo de Murilo Rubião, recomendo uma leitura de seu inventário disponível em: . Acesso em 11 de Junho de 2011. 23 Cabe estabelecer uma distinção entre documento histórico e fonte histórica. Em conformidade com a historiadora Tânia de Luca (LUCA, 2012, p. 19), entende-se por “documentos históricos os vestígios do passado, longínquo ou muito próximo, independentemente do seu suporte e/ou natureza. Já os termos fontes históricas são reservados ao conjunto de documentos mobilizados pelo historiador no decorrer de uma pesquisa”. 24 Cada uma dessas séries se encontra organizada da seguinte maneira: Correspondência burocrática (Subsérie Associação Brasileira de Escritores, Subsérie Fundação de Arte de Ouro Preto Subsérie Conselho Estadual de Cultura , Subsérie Funções Públicas); Correspondência sobre as obras (Subsérie sobre O ex-mágico, Subsérie sobre Os dragões, Subsérie sobre O convidado, Subsérie sobre O pirotécnico Zacarias, Subsérie sobre A casa do girassol vermelho); Correspondência com amigos (Subsérie Mário de Andrade, Otto Lara Resende, Jair Rebêlo Horta e Paulo Mendes Campos, Subsérie Fernando Sabino , Subsérie Vanessa Neto, Subsérie Nelo Nuno, Subsérie Nelly Novaes Coelho, Subsérie Colegas, Subsérie Amigos e conhecidos, Subsérie Feminina); Correspondência com escritores (Subsérie com escritores e intelectuais, Subsérie Com escritores e diversos, Subsérie Com escritores (opiniões sobre o Suplemento Literário), Subsérie Correspondência com escritores, suplemento e diversos, Subsérie Com escritores, Subsérie Diversos, Subsérie Rádio Inconfidência, Subsérie Madri, Subsérie Madri cartões postais).

22

“Correspondência sobre as obras”, “Correspondência com amigos” e “Correspondência com escritores”.

Mais significativas para os estudos literários são as séries “Correspondência sobre as obras’ e “Correspondência com escritores’. Essas não só ocasionam reflexões acerca de aspectos da ficção rubiana, como também propiciam observar a inserção e a trajetória de Rubião na vida literária da República das Letras do século XX. Dentre os vários interlocutores, encontram-se importantes nomes dos campos artístico e intelectual brasileiro das décadas de 1920 a 1970: , Pedro Nava, Abgar Renault, Emílio Moura, Murilo Mendes, Autran Dourado, Guilhermino César, Alphonsus de Guimaraens Filho, Paulo Mendes Campos, , Lêdo Ivo, José Paulo Paes, Affonso Romano de Sant’Anna, Oneyda Alvarenga, Henriqueta Lisboa, Rachel Jardim, Lucy Teixeira, Clarice Lispector, , Nelida Piñon, Edla van Steen, Laís Corrêa de Araújo, Vanessa Neto, Cândido Portinari, Inimá de Paula, Chanina, Nelo Nuno, Márcio Sampaio, Petrônio Bax, Guimarães Rosa, Osman Lins, , , Vinícius de Moraes, Augusto de Campos, Haroldo de Campos, Décio Pignatari, Geir Campos, José Carlos Lisboa, Caio Fernando Abreu, Edilberto Coutinho e Luiz Vilela. Dentre os escritores estrangeiros, figuram os portugueses Ana Hatherly, Ernesto Manuel de Mello e Castro e Fernando Namora.

Ainda na série “Correspondência com escritores”, também se mostra significativa a subsérie “Correspondência com escritores e intelectuais", que apresenta um conjunto de cartas recebidas de críticos e intelectuais como Antonio Candido, Silviano Santiago, Bella Jozef, Eliane Zagury, Mário da Silva Brito, Otto Maria Carpeaux, Mário Pedrosa, Assis Brasil, Alexandre Eulálio, Lélia Coelho Frota, Hernani Cidade, José Mindlin, Rodrigo Melo Franco de Andrade, João Dornas Filho, Francisco Iglésias, Francisco Curt Lange, José Guilherme Merquior, Josué Montello e Eduardo Prado Coelho. Neste conjunto, chamam atenção as conversas que Murilo manteve com estudiosos de sua obra, sobressaindo-se os diálogos com os críticos Jorge Schwartz (autor da primeira dissertação sobre a obra de Rubião, orientada por Antonio Candido) e Nelly Novaes Coelho – que atuou como editora de Rubião, tendo publicado pela casa editorial Quíron o volume O convidado (1974).

Ainda na subsérie “Correspondência com escritores e intelectuais", destaca-se outro conjunto interessante para observar a projeção da obra rubiana para além do Brasil. Trata-se 23 das cartas de agentes literários e tradutores, como Thomas Colchie,25 Ray-Güde Martin (agente e tradutora de Murilo para o alemão), com destaque para a extensa conversa com Pavla Lidmilová26 – tradutora de Murilo para o tcheco.

Outra vertente do epistolário rubiano é aquela com personalidades do campo político brasileiro, que conforma a “Correspondência Burocrática”. Rubião, como funcionário público de carreira, trabalhou em praticamente (exceto entre 1956 e 1959, quando segue para Madri como adido cultural) todas as gestões dos governadores de Minas Gerais entre 1942 e 1985, quando se aposenta. Dentre os remetentes das cartas da subsérie “Funções públicas”, constam políticos, ministros e chefes de gabinete ou de repartições, destacando-se nomes como Abgar Renault, Gustavo Capanema, Benedito Valadares, João Tavares Correia Beraldo, Milton Campos, Juscelino Kubitschek, Clóvis Salgado, José de Magalhães Pinto, Israel Pinheiro, Rondon Pacheco, Aureliano Chaves, Francelino Pereira, Tancredo Neves e Hélio Garcia. Ainda sobre essa correspondência de trabalho, cabe assinalar um fato curioso: em contraste com a quase ausência de rascunhos de cartas enviadas a escritores,27 há vários esquemas e rascunhos de cartas remetidas por Rubião quando do exercício de funções públicas. Esses documentos compreendem as décadas de 1960 a 1980, época em que Rubião exerceu diversas atividades, notadamente como Secretário do Suplemento Literário do Minas Gerais (SLMG), membro do Conselho Estadual de Cultura de Minas Gerais, Diretor da Escola Guignard, Diretor da Fundação de Arte de Ouro Preto (FAOP) e Diretor da Imprensa Oficial. São cartas endereçadas a secretários de Estado ou chefes de repartições públicas solicitando recursos financeiros, informando idoneidade de funcionários ou dando ciência de acontecimentos ou fatos de trabalho. Dentre essas cartas, chama atenção aquelas enviadas por Rubião para comunicar sua demissão da FAOP e da Imprensa Oficial, no início da década de 1980. Tal gesto de preservar os rascunhos talvez se explique como uma espécie de salvaguarda, por

25 Thomas Colchie é dono da The Colchie Agency com sede em Nova York. Além de atuar como mediador entre autores e o mercado editorial, Colchie traduziu autores brasileiros como Wander Piroli, Clarice Lispector e Murilo Rubião para o inglês e o espanhol no decorrer da década de 1970. 26 Renomada tradutora de literatura brasileira e portuguesa, a tcheca Pavla Lidmilová traduziu vários autores brasileiros e portugueses, tais como: Camões, Fernando Pessoa, Graciliano Ramos, Érico Veríssimo, Clarice Lispector, João Guimarães Rosa, , Murilo Rubião, Sérgio Sant’Anna, Luiz Vilela, José J. Veiga, Ildeu Brandão, João Antônio, Rubem Fonseca e Lygia Fagundes Telles. Em entrevista concedida à tradutora Sarka Grawova (GRAWOVA, 2006, p.180), intitulada “Traduzindo a literatura brasileira para o tcheco”, Lidmilová menciona ter se correspondido com vários escritores brasileiros entre as décadas de 1960 a 1990, dentre os quais Murilo Rubião. 27 O único rascunho localizado é do último telegrama enviado por Rubião a Otto Lara Resende, no qual Murilo lamenta o falecimento da mãe de Otto – ver carta 94 da correspondência MR & OLR, publicada nesta tese. 24 parte do escritor, uma vez que Rubião manteve cópias apenas de algumas cartas de trabalho que tratam de assuntos delicados.

No conjunto da correspondência de Murilo, alguns signatários foram mais assíduos que outros. , por exemplo, escreveu sessenta cartas entre 1940 e 1970; Otto Lara Resende, cinquenta e três, de 1947 a 1976; Fernando Sabino, quarenta e sete de 1942 a 1983; Nelly Novaes, oitenta e cinco de 1966 a 1983; Pavla Lidmilová, sessenta de 1969 a 1991; Jorge Schwartz, quarenta e quatro de 1972 a 1988; João Cabral de Melo Neto, vinte e três de 1957 a 1966. Outros correspondentes trocaram apenas poucas missivas, como Carlos Drummond de Andrade, quinze cartas, de 1940 a 1945; Mário de Andrade, dez, de 1940 a 1945; Osman Lins, treze de 1965 a 1969; Murilo Mendes, oito de 1945 e 1967; Paulo Mendes Campos, seis entre 1947 e 1970; ou mesmo um único exemplar, como (1947), Guimarães Rosa (1967), Jorge Amado (1968) e Cândido Portinari (1945).

Após navegar pelas correspondências de Murilo Rubião e mapear rotas possíveis, decidi-me que estes mares interiores28 seriam o objeto da tese. Mas ainda faltava delimitar quais territórios explorar nesse oceano de materiais disponíveis e, principalmente, como abordar (nos sentidos tanto de aproximar como de entrar para navegar) estes barcos de papel. Mal fazia eu ideia dos desvios e errâncias pelos quais navegaria para que a tese fosse remetida a seu porto de destino.

Desvios

Retornou várias vezes ao ponto de partida e tinha a impressão de que não saíra do lugar.29

A princípio, a pesquisa consistia na edição e na análise da correspondência recíproca de Murilo com escritores, críticos e tradutores. Tal arranjo partia da hipótese, embasada por uma leitura apressada de algumas cartas, de que os conjuntos selecionados permitiriam constituir três lentes a partir das quais se poderia ler a poética do escritor: no diálogo com os pares (escritores), haveria uma apreciação intuitiva dos procedimentos de criação, que seriam debatidos mais com vistas a seu aprimoramento do que à formalização de conceitos; com os

28 Ver cartas 08 e 16 da correspondência de Rubião e Lara Resende, nas quais essa expressão é mencionada. 29 RUBIÃO, 1998, p. 262. 25 críticos, o escritor passaria a se familiarizar com um repertório conceitual, próprio à teoria literária, a fim de dialogar com seus interlocutores, de modo a contribuir com a leitura de sua obra; por fim, as cartas com os tradutores apresentariam o esforço do escritor em explicar sua poética para que esta fosse transposta para um universo linguístico com o qual não possuía familiaridade.

Dessa maneira, optei, como estratégia crítico-operativa, pela composição de três conjuntos, constituídos por duas séries cada: escritores (séries Fernando Sabino e Otto Lara Resende), críticos (séries Jorge Schwartz e Nelly Novaes Coelho) e tradutores (séries Pavla Lidmilová e Thomas Colchie). Os critérios utilizados na elaboração dos conjuntos e na escolha dos destinatários/remetentes foram os seguintes: presença de elementos estéticos que caracterizam o debate crítico sobre a criação literária, inserção e reconhecimento na história da literatura brasileira, pertencimento geracional, afinidades intelectuais e relações pessoais; relevância acadêmica e crítica no âmbito dos estudos literários; interesse editorial e reflexões sobre o processo criativo de Rubião por meio da prática tradutória.

Mas esse projeto inicial de pesquisa passou por derivas e por reformulações no correr dos dois primeiros anos de escrita da tese. Elas foram motivadas por dois fatores: a necessidade de diminuir o volume de cartas a ser trabalhado (que, ao início da pesquisa, totalizavam 290 documentos, considerando-se que se tratava apenas das cartas recebidas por Murilo); e, principalmente, as tentativas frustradas de reunir a correspondência ativa e passiva, de modo a recompor os diálogos do escritor com os interlocutores selecionados – desafio que os pesquisadores interessados por correspondências não podem deixar de considerar como possível tormenta que pode surgir no horizonte da pesquisa.

Diante dos percalços mencionados, tomei duas decisões: reduzir o escopo do corpus documental e centrar a pesquisa na correspondência de Rubião com escritores – no caso Otto e Sabino, a quem se juntaria, posteriormente, Mário de Andrade. Sobre a inclusão da correspondência de Murilo e Mário de Andrade, cabe um pequeno excurso – que, enfim, irá nos colocar no curso dos rumos seguidos.

26

Ecce thésis, ou tese à vista

Quem chegar a ler estas páginas poderá pensar que estou exagerando.30

Enquanto refletia acerca dos rumos do trabalho, reli a edição de Mário e o pirotécnico aprendiz: cartas de Mário de Andrade e Murilo Rubião, publicada em 1995, que apresentava um conjunto de 13 missivas – nove cartas de Mário e apenas quatro de Murilo. Incomodado diante dos longos intervalos observados nesse diálogo de cartas esparsas,31 resolvi consultar o Catálogo Eletrônico do Instituto de Estudos Brasileiros (IEB-USP) a fim de verificar se existiria alguma carta de Murilo que porventura não houvesse sido incorporada ao livro e que pudesse ser relevante para a pesquisa. Para minha (nossa, em verdade) felicidade, ao cotejar o epistolário reunido no livro com as informações presentes na base de dados do IEB, percebi que havia sete cartas que “extraviaram” da edição mencionada. Animado por essa descoberta, fiz novas escavações no Acervo de Murilo Rubião. Outra vez, mais uma surpresa: em meio aos 127 documentos que compõem a subsérie “Associação Brasileira de Escritores”, existia um telegrama enviado de São Paulo, datado de 18 de janeiro de 1945, por um remetente de nome Mário, no qual se lê “Tudo pronto abraços Mário”. Ao cruzar data e teor desse telegrama com a data da última carta enviada por Murilo (15/01/1945), que comunicava a ida da delegação mineira ao 1º Congresso da Associação Brasileira de Escritores e solicitava providências de hospedagem ao escritor paulista, então vice-presidente da Associação, constatei que se tratava de Mário de Andrade. Assim, com a localização dessas cartas foi possível suplementar o conjunto editado em 1995, que de 13 cartas, passa a 21 missivas – 10

30 RUBIÃO, 1998, p. 107. 31 A observância de descontinuidades ou de lapsos temporais em diálogos epistolares pode indicar a ausência de documentos em uma coletânea, mas isso não necessariamente aponta falha ou omissão do editor ou do pesquisador, uma vez que toda correspondência apresenta lacunas e silêncios. Sobre isso, cabe lembrar as instigantes e pertinentes observações feitas por Luiz Felipe Baêta Neves no texto “Para uma teoria da carta – notas de pesquisa”, especialmente a nota 23, com a qual encerra o texto: “A cronologia da carta deve considerar seus ritmos (de emissão e de resposta); suas condensações e esgarçamentos; suas nucleações e silêncios”. (NEVES, 1988, p; 195). A propósito da edição Mário e o pirotécnico aprendiz, há uma resenha sobre o livro, intitulada “O falastrão e o silente”, que coloca uma questão que vai de encontro ao que pensei quando localizei as cartas de Rubião a Mário: “Há uma pergunta inevitável cuja resposta o livro não oferece. Por que publicar, exatamente em 1995 – ou seja, completados os cinquenta anos exigidos por Mário para a abertura de sua correspondência passiva –, um livro incompleto? Incompleto por trazer apenas ‘duas cartas, um bilhete e um cartão’ do escritor Murilo Rubião – material encontrado fora dos pacotes lacrados” (BRANDÃO, 1996, p. 280- 281). 27 de Mário e 11 de Murilo. Dessa maneira, propicia-se, enfim, condições de se “ouver”32 a voz de Murilo, que até o momento era “moço quase ausente”33 nesse diálogo epistolar.

Feita esta correção de rumo na pesquisa, o corpus a ser trabalhado na tese passou a ser composto por um total de 160 documentos que abarcam os anos de 1939 a 1991. A correspondência recíproca de Rubião e Lara Resende é composta por 94 cartas, todas (até o presente) inéditas, que se estendem de 1943 a 1991, sendo 43 do primeiro, alocadas no Acervo de Escritores Mineiros, na UFMG, e 51 do segundo, no Acervo Otto Lara Resende, custodiado no Instituto Moreira Salles, no Rio de Janeiro. No tocante às cartas de Sabino para Rubião, alocadas no arquivo deste último, trata-se de um montante de 45 mensagens, também inéditas, que abrangem os anos de 1942 a 1983. Quanto ao destino das cartas de Murilo a Fernando, este permanece, até o momento, no campo da especulação, pois apesar dos esforços empreendidos junto a herdeiros e a instituições de guarda e pesquisa de arquivos de escritores,34 ainda não obtive êxito em encontrá-las. No entanto, não desisti de localizar essas hipotéticas “cartas fantasmas”.35

Foi assim, em meio a desvios de rota e a encontros inesperados que, ao trabalhar com essas cartas, percebi uma oportunidade e um argumento consistente para formular uma dupla resposta à pergunta de Davi Arrigucci Jr., solução que sintetiza a tese: elaborar uma proposta de edição de conjuntos inéditos da correspondência de Murilo Rubião com Mário de Andrade, Otto Lara Resende e Fernando Sabino; e também conceber o arquivo de Rubião como um conjunto de narrativas com formulações acerca de sua poética e de sua persona.

32 Neologismo desenvolvido por mim a partir da junção das palavras ouvir e ver. Essa sinestesia, no caso, é proposta como uma modalidade de leitura/escuta. 33 Referência ao texto “O sequestro da dona ausente”, de Mário de Andrade, apresentado em uma conferência realizada em Belo Horizonte, em 11 de novembro de 1939. 34 Foram empreendidas pesquisas no Acervo de Escritores Mineiros e no Arquivo-Museu de Literatura Brasileira, da Fundação Casa de , no Rio de Janeiro, locais em que estão presentes partes de seu espólio – mas a correspondência de Murilo a Fernando não se encontra em nenhuma dessas instituições. Também foi feito contato com Pedro Sabino, tutor por disposição testamentária do espólio, que confirmou manter sob sua guarda parte dos arquivos de Fernando, nos quais, segundo informou, não consta a correspondência enviada por Murilo Rubião. Em todo caso, a busca deve continuar. 35 Termo proposto pelo estudioso do discurso epistolar José-Luis Diaz para se referir às cartas perdidas “que não possuem senão uma existência hipotética, mas cuja presença virtual se deduz, certamente, através de outras cartas que fundamentam sua existência”. Para mais informações, consultar DIAZ, 2007, p.129. 28

Desse modo, a tese foi de uma arqueologia36 da poética rubiana, elaborada a partir da leitura das cartas, a uma proposta de edição anotada da correspondência de Murilo Rubião e Mário de Andrade, de Rubião e Otto Lara Resende e de Fernando Sabino a Rubião. Esse trabalho é precedido por reflexões críticas acerca dos arquivos literários e dos conjuntos epistolares, nos quais são apresentadas categorias de leitura desses. Como hipótese principal, proponho que o arquivo e que a correspondência de Rubião sejam lidos como uma (h)antologia37 de narrativas de formação,38 na qual se pode observar a construção39 das trajetórias do escritor e da obra. Tal proposta leva à minha hipótese secundária: a de que esse corpus (a correspondência trabalhada na tese, mas, sobretudo, o acervo de Rubião), ao ser mobilizado como fonte de conhecimento, possibilita a elaboração de ficções40 crítico-teóricas que podem fomentar condições para outras leituras do conto rubiano.

***

Feita a contextualização das questões, das linhas gerais e das hipóteses que propulsionam esta pesquisa, passemos à estrutura da tese, que se desenvolverá de acordo com a seguinte organização dos capítulos.

O primeiro capítulo é dividido em três partes. Na primeira, apresenta-se o arquivo de Murilo Rubião a partir de uma poética dos rastros, elaborada a partir de dois textos e alguns retratos do escritor. Em seguida, tem-se uma reflexão sobre a relação entre arquivos de

36 Emprego este termo a partir da acepção proposta por Michel Foucault de um procedimento analítico de escavação das camadas de discursos (do passado e do presente) que conformam a história, a fim de trazer à tona fragmentos de conceitos e de ideias rasurados pelas relações entre memória e esquecimento. Esse exercício de arqueologia visaria a uma investigação que articula as partes do arquivo rubiano de modo a compreender as condições de aparecimento e de transformação do conhecimento de Rubião sobre sua linguagem e poética. 37 Conceito elaborado por mim. Por (h)antologia proponho a articulação entre a ideia de antologia, compreendida como procedimento que visa à montagem intencional, por um organizador, de um conjunto de textos, e a noção de hantologie (obsdiologia ou espectrologia), proposta por Jacques Derrida. Os fundamentos e a proposta da (h)antologia como categoria para uma leitura espectral de arquivos literários e de correspondências serão apresentados criticamente no capítulo 2. 38 Essa proposta, de ler os arquivos de escritores e seus conjuntos documentais como um romance de formação será contextualizada no capítulo 2. 39 Ao enfatizar esse aspecto de construção, chamo atenção para o fato de que toda operação que visa a determinar os contornos do que seria a “vida” ou a “obra’ de um autor (como o arquivamento, ou mesmo a leitura e a recepção), não se oferecem naturalmente, sendo, antes, construções culturais motivadas por interesses específicos. 40 Uso o termo ficção na acepção proposta por Jacques Rancière, como intervenções que visam a reordenar e a rearranjar os signos empregados pelo escritor, por seus interlocutores e pela crítica dedicada a seus escritos. No capítulo 1 tal proposta será articulada às proposições da crítica biográfica, desenvolvida por Eneida Maria de Souza. 29 escritores e cartas, lidos a partir das noções de escrita de si e de edições de si – procedimentos que visam a narrar o processo de formação do escritor. Tanto o arquivo literário como a correspondência são pensados como projetos de futuro, como construções da trajetória do escritor e de sua obra destinadas à posteridade. Por fim, sugere-se, a partir da associação dos conceitos de espectro e sobrevida, a noção de leitura espectral, relacionada à poética dos rastros desenvolvida ao início do capítulo.

No segundo, apresento uma breve história da crítica epistolográfica e dos pressupostos adotados para pensar as correspondências. Em seguida, passa-se à exposição do conceito de (h)antologia e a aproximação da tarefa do tradutor, elaborada por Walter Benjamin, ao trabalho da edição (e anotação) de correspondências. Além disso, são expostos os critérios que nortearam a organização, a transcrição e a anotação das cartas, a que se segue um prólogo aos conjuntos editados.

No terceiro, o leitor começa a navegar pelo território das cartas, tendo, como porta de entrada, a correspondência de Mário de Andrade e Murilo Rubião. Neste conjunto é possível notar o aprendizado das regras do jogo epistolar, além das dificuldades de Murilo em compreender os instrumentos de sua poética ficcional. Outro aspecto relevante dessa correspondência são as dificuldades do autor de Macunaíma em compreender e em explicar, a seu interlocutor, os parâmetros da linguagem ficcional na qual se aventurava o escritor de “Marina, a intangível”.

No quarto, tem-se acesso ao diálogo epistolar de Rubião e Otto Lara Resende. Além da recepção da obra de Murilo por Otto, são abordadas as relações entre literatura e melancolia (um topos que perpassa parte significativa do conjunto), bem como as discussões sobre o ato de criação ficcional e os laços de amizade que uniram a autodenominada “comunidade kafkiana”41 (Murilo, Otto, Sabino, Paulo Mendes Campos e Hélio Pellegrino).

No quinto, são apresentadas as missivas de Fernando Sabino enviadas a Murilo Rubião. O leitor poderá perceber a verve espirituosa de Sabino, a agudeza de alguns comentários críticos do autor de O menino no espelho aos contos de Murilo. Conforme proponho, estes apontamentos apresentam ecos (ou espectros) dos conselhos de Mário de

41 Termo empregado por Otto Lara Resende em carta a Murilo Rubião. No capítulo 4, dedicado à correspondência de Otto e Murilo, será feito comentário acerca desta “comunidade literária”. 30

Andrade, sobretudo no que concerne ao cuidado com a técnica ficcional. Outro aspecto trabalhado neste conjunto é a escuta das cartas fantasmas enviadas por Rubião em resposta a Sabino.

Logo depois dos conjuntos epistolares, passo às considerações finais, nas quais o leitor encontrará algumas propostas vislumbradas ao longo da pesquisa para desdobramentos em trabalhos críticos posteriores.

Após as referências bibliográficas o leitor irá encontrar um caderno de anexos, no qual além de constar perfis biográficos de Fernando, Murilo e Otto, constam reproduções de alguns documentos empenhados neste trabalho, tais como cartas, fotografias e recortes de jornais e a transcrição de dois documentos em que Murilo Rubião desenvolve reflexões de cunho teórico sobre o conto.

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1. LABORATÓRIO DE ARTIFÍCIOS: PROPOSTAS, RUMOS E TRAÇOS

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1.1.Ler os rastros: uma proposta, uma parábola e a trama de um bordado

Seguindo os rastros produzidos pelo artista no seu processo de criação nas anotações, nos planos e rascunhos, na correspondência, na marginália, nas variantes, nas rasuras, o crítico também deixa os seus rastros, as suas marcas. No sentido poético, a etimologia da palavra leitura nos remete a “seguir as pegadas de alguém”. E quem segue pegadas, também deixa as suas. Maria Zilda Cury42

Como todo scriptor é leitor antes de pegar da pena, todo leitor que procura compreender e interpretar um processo escrito enfia-se, sem perceber, na roupa do scriptor a fim de melhor reconstruir os caminhos e a 43 direção da escrita.

Ao escrever a respeito de uma vida, é inevitável que nos perguntemos: o que se pode saber sobre uma pessoa? Como apresentar as muitas faces do rosto do outro ou de um texto? De que modo os fragmentos dessa vida, que se encontram organizados em um arquivo, podem ser reestruturados, a fim de que sejam reintroduzidos na contemporaneidade?

A partir destas questões, foi composto o roteiro de leitura que se segue, no qual a figura do pesquisador, apresentado como lector, busca sondar as estratégias de construção da pessoa e da obra de um scriptor. Para tanto, o pesquisador se apropria de fragmentos de vários discursos44 proferidos por (mas também feitos sobre) Murilo Rubião, presentes no arquivo deste, de modo a reordená-los, deslocá-los e expandi-los, de maneira a compor narrativas teóricas. Assim, da tentativa de fixar a poética implícita de uma obra (mas também a do arquivo pessoal de Rubião), delineiam-se traços de uma poética da leitura – que pode ser vista como poética (de escuta) dos rastros.

Esta proposta foi elaborada a partir das reflexões de Carlo Ginzburg sobre o paradigma indiciário e de Jacques Derrida a propósito da gramatologia (ou ciência do rastro). No que concerne à noção de paradigma indiciário, o trabalho de Ginzburg se mostra fundamental. No texto “Sinais: raízes de um paradigma indiciário”, o historiador reflete sobre um modelo epistemológico indiciário que emerge ao fim do século XIX na Europa Ocidental.

42 CURY, 1995, p. 54. Grifos de minha autoria. 43 GRÉSILLON, 2011, p. 08. 44 Para uma relação dos discursos a partir dos quais este texto foi elaborado (e com os quais estabelece diálogos), consultar a bibliografia sobre Murilo Rubião e sobre arquivos literários, ao fim da tese. 33

Tendo, como ponto de partida, a questão de “como trabalhar os indícios ou traços que chegaram desde o passado”,45 Enrique Espada Lima analisa e constata que, no século XIX

em disciplinas distintas, em diferentes áreas de conhecimento e a partir de referências diversas, surge um conjunto de discussões e procedimentos que colocavam o saber indireto, por meio da leitura de indícios, como elemento central de sua interrogação.46

Da história da arte à psicanálise, da medicina à semiótica, emergia um método de análise baseado na atenção a vestígios e a dados aparentemente negligenciáveis. Esse procedimento de pesquisa, fortemente conjectural, baseado em hipóteses e suposições, pautado em uma “análise de casos individuais, reconstrutíveis por meio de pistas, sintomas, indícios”,47 tinha suas raízes, conforme a genealogia traçada por Ginzburg, no “gesto talvez mais antigo da história intelectual do gênero humano: o do caçador agachado na lama, que escuta as pistas da presa”.48 Seguir as pistas para encontrar a presa: este é o gesto que sintetiza o ato de leitura do intérprete que busca construir um saber (ou narrativa) acerca de objetos cujo acesso direto se encontra sob o signo da impossibilidade (como a história e o inconsciente/subjetividade). Assumidos como “elementos reveladores de fenômenos mais gerais: [como] a visão de mundo de uma classe social [ou] de um escritor”,49 os documentos não seriam senão “vestígios, isto é, a marca, perceptível pelos sentidos, deixada por um fenômeno impossível de captar em si mesmo”.50

Ainda sobre a ideia de indício, tenho percebido afinidades desta com a noção de rastro, proposta por Derrida. O filósofo franco-argelino, em sua crítica à compreensão fenomenológica do signo como suporte e manifestação da consciência do sujeito, propõe uma “ciência do rastro” (ou Gramatologia). Conforme menciona Rafael Haddock-Lobo, para Derrida

a relação de significação aproxima-se muito mais, em vez de um acesso às coisas em si mesmas, a uma espécie de rastreamento, como se trilhássemos as pistas de um animal, sem saber nem quando nem se, de fato, ele esteve presente em tal sulcamento da terra.51

45 PESAVENTO, 2008, p. 63. 46 LIMA, 2006, p. 333-334. 47 GINZBURG, 2002, p. 154. 48 GINZBURG, 2002, p. 154. 49 GINZBURG, 2002, p. 178. 50 LIMA, 2006, p. 340. 51 HADDOCK-LOBO, 2014, p. 27. 34

Tendo por operador o conceito sem limite de rastro, Derrida propõe que nossas experiências (não só a da escrita, pois a noção é coextensiva “à experiência do vivo em geral”)52 se manifestam como vestígios. Somos animais rastreadores que, a cada ato, a cada gesto, produzimos um rastro, “algo que parte de uma origem [um sujeito ou objeto] mas que logo se separa d[ess]a origem e resta como rastro”.53 Dessa maneira, “onde quer que haja experiência, há rastro, e não há experiência sem rastro”.54 Outro aspecto pertinente desse conceito diz respeito ao vínculo entre arquivo e rastro, pois de acordo com Derrida, “não há arquivo sem rastro, mas nem todo rastro é um arquivo”, uma vez que a constituição de arquivos mnésicos se processa mediante a apropriação e o controle (políticos) dos indícios – “onde há economia, seleção dos rastros, interpretação, rememoração”.55

Ao cotejarmos as reflexões da proposta de conhecimento por indícios, feita por Ginzburg, com a noção derridiana de rastro, não me parece absurdo relacioná-las para, a partir delas, operar leituras/rastreamentos de elementos (menções a autores, obras, reflexões sobre estética ou procedimentos ficcionais) nos materiais presentes no arquivo de Murilo Rubião. Com tal gesto de aproximação, não viso a definir ou a precisar melhor as noções de rastro ou de indício, mas a sugerir uma poética do rastro, um ato de leitura em que cada vestígio seja colocado em relação a outros, formando uma cadeia na qual os fragmentos se desloquem mutuamente, expandindo as possibilidades interpretativas.

Antes de passar ao exercício de escuta do arquivo, gostaria de fazer dois comentários. O primeiro concerne ao jogo de vozes que se poderá perceber ao confrontar esta parte do capítulo com as posteriores. Busquei criar um atrito entre a proximidade do sujeito afetado pelo objeto de sua pesquisa, em contraponto à voz distanciada, própria ao discurso científico. Já o outro comentário diz respeito ao tom descritivo da narrativa que se segue. Não se trata de “dar a ouver” o arquivo literário pesquisado em sua totalidade; pelo contrário, intento mostrar não só a impossibilidade de um mapa definitivo, como dito na introdução, mas, sobretudo, de aludir aos inúmeros percursos de leitura – seja da teoria literária, da história da literatura, da obra de um escritor, da sua fortuna crítica etc. O que proponho, no experimento a seguir, consiste em sugerir mais de uma figuração do (i)legível que se insinua no (mal de) arquivo literário.

52 DERRIDA, 2012, p. 129. 53 DERRIDA, 2012, p. 121. 54 DERRIDA, 2012, p. 129. 55 DERRIDA, 2012, p. 131. 35

***

Aqui, uma voz, adentrando territórios de silêncio, tenta ser mais de uma.56

Atraído pelos rumores das páginas, aventuro-me em meio à ordem do arquivo literário de Murilo Rubião. Antes de iniciar minha jornada, lembro que, certa vez, elaborei um mapa do local no qual está situado. Consulto as anotações e encontro o esboço da planta-baixa que fizera para me orientar.

Figura: Planta-baixa do Acervo de Escritores Mineiros / UFMG. Fonte: Elaboração de minha autoria.

Mesmo que o desenho não coincida exatamente com a geografia atual do espaço, parece-me que, ao menos, poderá auxiliar você a visualizá-lo. Por instantes, leio os traços na folha à minha frente, até que escolho uma dentre as várias entradas do labirinto. Nesse momento, ocorrem-me versos que altero para que fiquem de acordo com a situação: conheço essa cidade/como a palma da minha mão/cujos traços desconheço.57 Enquanto caminho, penso que a contiguidade das salas estabelece relações de vizinhança, o que confere ao lugar o aspecto de uma pequena cidade literária habitada por espectros.

56 BRANDÃO, 2005b, p. 03. 57 Releitura do poema visual “conheço o Rio de Janeiro/como a palma da minha mão/cujos traços desconheço”, de Waly Salomão, publicado como anexo na segunda edição do Me segura qu’eu vou dar um troço, 2003.

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Não demora até que chego à encenação de como poderia ter sido o laboratório de trabalho de Rubião.

Fotografia: Sala Murilo Rubião. Fonte: AMR/AEM/CELC/UFMG.

Examino à minha volta, em busca de algo na montagem que capture meu olhar, até que percebo, ao fundo da sala, um quadro parcialmente oculto pela porta aberta de um armário. Dirijo-me a ele e me coloco a observá-lo.

Fotografia: Retrato de Murilo Rubião, por Aurélia Rubião, 1937. Fonte: AMR/AEM/CELC/UFMG. 37

Um retrato de feição clássica, tanto na escolha da paleta de cores sóbria como no tipo da composição, quando comparado aos outros quadros em que a imagem do escritor é reproduzida. Vejo projetado um homem jovem, de calvície acentuada e bigode bem talhado. Sua expressão, aparentemente tranquila, contrasta pouco com a tensão insinuada pelas sobrancelhas arqueadas. O terno escuro, somado ao cinza esfumaçado, que compõe o plano de fundo, contribui para atribuir certo ar de solenidade à figura presente na tela. Os olhos semicerrados e a cabeça ligeiramente inclinada para baixo apontam para o foco do olhar: um livro, no qual não se notam título ou autor. Seria o Livro dos livros, objeto de constante releitura, espécie de biografia dos homens em que, segundo Rubião diria anos depois, estariam todas as histórias conhecidas? Talvez a obra daquele em que Murilo reconhecia como seu único mestre, ? Ou, ainda, o esboço do arquilivro das reescrituras, a obra hipotética, sempre refeita, que ele passou a vida a elaborar? Deixemos essas questões em suspenso e voltemos ao quadro. A pose do leitor e a expressão compenetrada do retratado me remetem a outra imagem, “Jovem moça lendo”, de Jean-Honoré Fragonard. No entanto, diferente da tematização pitoresca de uma cena doméstica de leitura, feita pelo pintor francês, a retratista de Rubião, ao fixá-lo nessa pose, parece tentar prenunciar seu destino literário – pois o vincula a uma herança, uma prática e um objeto que irão modelar as condições de narração de sua história futura: a tradição letrada, a leitura, o livro.

Continuo a ler a tela. Noto que, abaixo de uma das mãos, há uma assinatura e uma data: Aurélia Rubião, 1937. As informações trazem à tona a lembrança de alguns dados e do vínculo entre a retratista e o retratado. Primos por parte de pai, ela, neste período, formada pela Escola de Belas Artes de São Paulo, contava seus 36 anos, e já tinha certo reconhecimento no meio artístico de Minas Gerais, tendo participado de exposições importantes, como a 1ª Exposição de Arte Moderna de Belo Horizonte em 1936; ele, iniciando o curso de Direito, tinha entre 20 e 21 anos, mas já tateava sua poética, publicando narrativas e poemas em jornais e revistas de Belo Horizonte. O “rapaz moreno, calvo, de bigode”58 ainda não era amigo de Fernando Sabino e de Otto Lara Resende, nem sequer conhecia pessoalmente Mário de Andrade – tudo isso ocorreria apenas alguns anos depois, em 1939. É impossível, ao olhar o quadro, não indagar se o retratado não via a tela como um espelho de tinta que anunciava sua imagem como homem de letras, como futuro escritor. Tal

58 Ver a carta 01 de Murilo Rubião a Mário de Andrade. 38 ideia faz pensar que, caso não tivesse título, este poderia ser “retrato do homem de letras quando jovem”.

Após tomar minhas notas, lembro-me de que ainda há mais locais para percorrer. Olho ao redor, a fim de prosseguir a busca, e sou atraído por um corredor. Neste há uma galeria em que fotografias e quadros arranjados compõem uma narrativa visual, semelhante a um túnel do tempo, no qual momentos da vida privada e pública do escritor são exibidos ao visitante.

Fotografia: Montagem museográfica do Acervo Murilo Rubião. Fonte: AMR/AEM/CELC/UFMG.

Neste espaço, em que diferentes temporalidades de uma vida se cruzam, outros retratos convocam a atenção, propiciando ao leitor que nele se aventurar a elaboração de montagens a partir da repercussão que há entre as telas que se apresentam ao olhar. Como esta que se segue, por exemplo, que ora vemos, mas que também parece olhar para outras imagens da sala, como que a dialogar com elas.

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Fotografia: Retrato de Murilo Rubião, por Petrônio Bax, 1987. Fonte: AMR/AEM/CELC/UFMG.

Se o primeiro quadro apresentava um jovem em 1937, neste, vemos um homem 50 anos depois. Aqui, o pintor Petrônio Bax opta por uma figuração mais próxima do desenho que propriamente do retrato, apresentando Murilo Rubião como criador imerso em uma atmosfera surrealista, entre marinha e onírica, ambas remetendo ao universo da ficção do retratado – em outros termos, vemos o criador em meio a suas criaturas. No centro da tela, o escritor, então homem de letras canonizado, com seu indefectível bigode, posicionado em meio a uma montagem de elementos que figuram em seus contos. À esquerda, livros em que o espectador pode ler os títulos que conformam sua obra, os quais se mesclam a um girassol vermelho. Logo abaixo desses, uma flor (de vidro?), um tinteiro e uma caneta, sendo que nesta última o nome do escritor se faz visível. À direita, a cartola, ícone que caracteriza o personagem de seu conto mais emblemático (“O ex-mágico da taberna minhota)” que também é o título de seu primeiro livro. Dos vários detalhes, dois despertam minha atenção: o olhar enviesado, por trás das lentes grossas, como que a fugir da atenção do espectador pela direita ou a observar algo que talvez se aproxime; e o que aparentam ser nuvens, a envolver, como uma auréola, a cabeça de Rubião, leitor nefelibata da tradição literária e do Velho Testamento. Imagino a cena de Murilo vendo a tela pronta: “E Bax fez Murilo em meio às suas criaturas; e viu Murilo que o quadro era bom”.

Resolvo acompanhar o olhar em fuga do retrato feito por Bax. Ele se dirige à direita, onde se encontra a tela abaixo. 40

Fotografia: Retrato de Murilo Rubião, por Inimá de Paula, 1989. Fonte: AMR/AEM/CELC/UFMG.

Neste retrato, feito pouco depois daquele pintado por Bax, vemos a imagem do escritor sozinho, sem criaturas ou livros. Se a pintura correspondesse à idade, ele seria um senhor combalido pela doença, aos 73 anos. Mas Inimá de Paula oferece outra imagem. Recorrendo a tonalidades claras, como os tons de verde do fundo, que emolduram o rosto e o rosa da camisa, Inimá confere expressividade e vigor à figura do retratado. Curiosamente, como nos retratos de Aurélia Rubião e Petrônio Bax, também aqui Murilo não dirige o olhar para nós, mas para fora da tela, a um ponto que não temos alcance. Para onde você olha que não vemos, Rubião? Para seu passado, como que em retrospecto? Ou a um futuro que se avizinha?

Ainda no corredor do tempo, há um mostruário de vidro com alguns objetos que pertenceram ao escritor e, por isso mesmo, contam um pouco de sua vida. Entre eles, figura um que, sem dúvida, apresenta a mais natural das imagens do escritor presentes no arquivo. 41

Fotografia: Máscara mortuária de Murilo Rubião, 1991. Fonte: AMR/AEM/CELC/UFMG.

O derradeiro retrato: a máscara mortuária. Se uma máscara escamoteia o rosto de quem a utiliza, o que se vê, aqui, é o contrário dessa ideia – uma vez que o retratado já não mais performa uma pose. Ao observar os contornos, as marcas, as sinuosidades e os vincos que delineiam o que já foi o rosto, é impossível não se perguntar: o que se pode saber dessa vida? Diante da nudez dessa face, não posso deixar de notar um detalhe: à semelhança do primeiro retrato, não há sinal dos óculos, elemento icônico da imagem canonizada desse homem de letras – o homem atrás dos óculos e do bigode.59 Como a ausência dessas lentes afeta nossa percepção de seu rosto – ou do rosto de sua escrita?

Após esse encontro com a face lívida,60 sigo minha caminhada, chego à biblioteca e ao arquivo construídos por Rubião ao longo de sua vida. Por um instante, observo o lugar. Livros, cerâmicas, garrafas, fotografias e estantes de madeira dividem espaço com arquivos e estantes de metal. Resisto a consultar o índice de documentos que tenho comigo e me lanço, como que às cegas, à procura de alguns fios para esta narrativa.

59 Alusão ao último verso da quarta estrofe do “Poema de sete faces”, de Carlos Drummond de Andrade. 60 Referência ao título do livro publicado por Henriqueta Lisboa em 1945. 42

Fotografia: Reserva técnica do Acervo Murilo Rubião. Fonte: AMR/AEM/CELC/UFMG.

Percorro prateleiras, passando de uma estante a outra. Abro gavetas, repletas de pastas meticulosamente organizadas, das quais retiro e folheio inúmeros documentos sem, contudo, encontrar nenhum traço que testemunhe possíveis segredos da escrita. Após percorrer quase todo o cômodo, olho para o único lugar que não investiguei ainda: um armário de metal. Ao abri-lo vejo, em seu interior, várias pastas, dispostas de maneira caótica, sem ordem aparente. Observo o conjunto, sem saber por onde começar. Por fim, decido-me a consultar todas, uma a uma. Recortes de jornal repetidos, agendas antigas, cadernetas, recibos, carteiras de trabalho, diplomas... Sei que um arquivo se compõe de restos, mas a certeza não afasta a impressão de buscar vestígios (do escritor? da escrita? da “vida escrita”?) em meio a destroços. Nesse momento, deparo-me com algo que provoca minha atenção. Trata-se de uma pasta cinza, de fecho elástico, marcada pela ação dos tempos. Em sua capa, há um pedaço de papel fixado com fita adesiva, no qual se lê “Anotações Antigas para Contos Improváveis 08”.

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Fotografia: Pasta Anotações Antigas para Contos Improváveis. Fonte: AMR/AEM/CELC/UFMG.

Enquanto olho para a pasta, imagino os conteúdos que estariam em seu interior, à espera de minha leitura. Por um instante, divago: e se as anotações que se encontram ali forem as necessárias para comprovar minhas hipóteses sobre o improvável dos contos do escritor? Movido pela possibilidade de desvendar esse e outros mistérios, abro a pasta.

Dentro, folhas de tamanhos variados, dispostas sem ordem aparente, exibem manuscritos e datiloscritos que se assemelham a rascunhos de narrativas. Alguns estão “limpos”, outros possuem rasuras. No conjunto, os textos apresentam datas que vão de 1937 a 1957; no entanto, também há outros, sem data. Estranho, penso, as outras pastas, as que se localizam nos arquivos, encontram-se organizadas cronologicamente. Já esta, escapa à regra – como o tempo fragmentado, “desloucado” e fora dos eixos que se manifesta nos contos do escritor.

Coloco-me a folhear o material ali mesmo, de pé. Em meio aos papéis encontro um conjunto de quatro folhas manuscritas, datado “Rio, 29 de novembro de 1949”. Nessa espécie de índice, podem-se ler 15 títulos de estórias seguidos de sinopses – se esboçadas ou se improváveis, ainda não tenho ideia. Ao lado de cada inscrição, há o que parecem ser os argumentos de cada uma das narrativas. Dentre todas, uma chama minha atenção, a de número 8: “‘O documento’ (história de um homem que leva a vida toda decifrando um documento)”. Ao ler estas linhas, sinto-me tomado pela febre do arquivo, volto a folhear 44 freneticamente as páginas da pasta em busca desta narrativa. Após algum tempo, localizo uma folha sem data, na qual leio:

Figura: O documento (parábola). Fonte: AMR/AEM/CELC/UFMG.

O DOCUMENTO (Parábola)

Levou a vida toda decifrando um documento. Palavra por palavra. Cinquenta anos em cima do documento. Um dia, alguém [xxxxxxxxxxxx] lhe diz: — Sabes que levaste a vida toda em cima deste papel, que estás velho e morrerás dentro em pouco. O ancião olha o rosto no espelho, acaricia os cabelos brancos. Pega no documento, sacode-o[,] e volta a decifrá-lo. (RUBIÃO, s.d.)61

Nesta breve narrativa, três aspectos despertam minha atenção. Primeiro, o texto ilegível, que o personagem não consegue compreender ou “fazer falar” – pesadelo materializado de todo pesquisador (principalmente o que lida com arquivos, literários ou não). Segundo, um leitor não identificado (de que tipo de leitor se trata? seria um escritor, um pesquisador ou alguém que tenta entender a si mesmo?) que dedica sua vida a decifrar algo que escapa à sua (e à nossa) compreensão. Terceiro, o tipo de leitura que este leitor empreende, que é designada como um procedimento de decifração – termo fugidio, pois

61 RUBIÃO, [datiloscrito sem data]. Os trechos entre colchetes visam a transcrever rasuras, tal como presentes nos manuscritos. Quanto às marcações em itálico, estas são de minha autoria. 45 remete tanto à escrita como à interpretação, mas também, à solução de um enigma. Dessas, outras questões emergem: não sabemos se o ancião sabe ler, assim como a finalidade que o faz se dedicar com afinco à sua tarefa; não é mencionado em que língua o documento é escrito (nem se é um texto ou se nele há, de fato, algo escrito); a origem do objeto não é revelada (não sabemos se é público ou privado, se antigo ou recente); tampouco sabemos detalhes acerca de suas características (se literário, sagrado ou prosaico).

Mas há outro elemento do texto que convoca minha atenção, a indicação “parábola”, colocada entre parênteses, abaixo do título. Ela lembrou-me do que disse um crítico, ao discorrer acerca da relação entre as narrativas kafkiana e rubiana com a parábola: “a parábola traz em si a relação com outra estória – quando não com a história em sentido estrito”.62 Mas a que narrativa este documento se vincularia? À história de Rubião, empenhado em decifrar sua própria linguagem? Estaria o escritor, ao dramatizar a leitura no texto, propondo uma teoria (ou alegoria) sobre sua própria escrita? Ou, ainda, insinuaria, a partir de sua vivência, a impossibilidade de apreensão de todo o sentido de um texto qualquer, condição de possibilidade de todo trabalho de escrita (e de pesquisa)?

Diante das várias possibilidades interpretativas que o texto oferta, leio a página outra vez, palavra por palavra. Ao passo que o olho se acomoda às linhas, as poucas rasuras presentes na folha interpelam o olhar, sacudindo-o. Incomodado pelos abalos, que inquietam a leitura, viro a página. Para meu espanto e surpresa, vi que, no avesso do documento (trama do bordado?), há outra estória, manuscrita, com o título sugestivo de “O mistério”.

62 ALCIDES, 2008, p. 83. 46

Figura: O mistério. Fonte: AMR/AEM/CELC/UFMG.

O mistério

Devia ser uma coisa sutil. Um mistério. Todos a entendiam e pouca importância [xxx] davam. [xxxxxx]. a ela. Somente a mim incomodava não decifrá-la. Não perguntaria a ninguém, como seria [ ] lógico, porque sabia, de ante-mão, que não me falariam. Tinha que ser mistério apenas para mim. [xxx] Pens[o?] em mil maneiras de descobrir o sentido daquilo tudo, sem [t?]ardar, ou melhor, indagando de tão sutil 63 maneira que ninguém percebesse o que eu desejava

Outra vez, um narrador-personagem a quem é vedado o entendimento de um segredo. Ao contrário da aparente resignação do personagem de “O documento”, o narrador de “O mistério” se mostra incomodado por não conseguir decifrar “o sentido oculto” – que, paradoxalmente, é acessível a “todos os outros”, que não atribuem importância a isto. Além desses detalhes, outros pontos da narrativa convocam minha atenção: o aspecto sutil do mistério; o fato de o narrador ser o único membro de uma comunidade que não é iniciado nos ritos que permitem conhecer a revelação do mistério; a vontade de saber do protagonista, que tenta se valer do ardil de indagar sutilmente “os outros” sem que percebessem seu intento; e, sobretudo, a constatação de que “tinha que ser mistério apenas para mim”.

63 RUBIÃO, [manuscrito sem data]. Os trechos entre colchetes que possuem interrogação, tais como “Pens[o?]” e “[t?]ardar” visam a informar quanto a dúvidas sobre a grafia dos trecho assinalados. Quanto às marcações em itálico, estas são de minha autoria.

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Em comum, estes textos apresentam duas cenas de leitura que têm, por objeto, algo ilegível ou que resiste à apreensão. O personagem de “O documento” dedica sua vida à tarefa de ler um texto que, por sua vez, resiste à interpretação ou tradução de seu sentido. Já o narrador de “O mistério” busca “mil maneiras de descobrir o sentido daquilo” que, por algum motivo, escapa ao seu entendimento. No primeiro, a leitura se repete sem se concluir, como se a inscrição no papel fosse portadora de significados abertos e ocultos (ao modo das parábolas bíblicas, tão caras ao escritor) – ou, ainda, como se a trama, aparentemente fechada e calculada, apenas indicasse, paradoxalmente, a lógica de um mundo precário (o nosso?). No segundo, o mal-estar da personagem parece ocasionado tanto pela impossibilidade de desvendar o mistério, de ler “uma coisa sutil”, como pela pouca importância atribuída pelos outros a esse segredo.

Eis que algumas hipóteses se esboçam. Seriam estas narrativas rubianas figurações de sua escrita, a “coisa sutil”, um esforço de refletir acerca de sua linguagem mediante recurso à própria ficção? Como essas figurações do escritor, da escrita e do leitor podem contribuir para os estudos literários? E quanto ao protagonista d’“O documento”, esse leitor “que morrerá dentro em pouco”64 – de que maneira ele poderia ser relacionado ao trabalho de pesquisa e à questão da sobrevida de traços do passado no presente, que perpassam os estudos elaborados em arquivos literários?

Vejamos algumas possibilidades de desdobrar teoricamente tais questões.

1.2. Arquivos literários: postscriptum de uma vida

Todo crítico escreve a partir de uma concepção da literatura (e não só da literatura), e frequentemente seu esforço consiste em mascarar a trama de interesse que sustenta suas análises.65

64 Penso na metáfora proposta por Ricardo Piglia ao início do primeiro capítulo de O último leitor. A partir da leitura de uma fotografia em que Jorge Luis Borges é flagrado na tentativa de decifrar as letras de um livro que segura próximo ao rosto, o crítico argentino propõe a primeira (de várias) figura do leitor: “Essa poderia ser a primeira imagem do último leitor, aquele que passou a vida inteira lendo, aquele que queimou os olhos na luz da lâmpada” (2006, p. 11). 65 PIGLIA, 1994, p. 85. 48

(...) a memória não é um instrumento para a prospecção do passado; é, antes, o meio. É o meio onde se deu a vivência, assim como o solo é o meio no qual as antigas cidades estão soterradas. Quem pretende se aproximar do próprio passado soterrado deve agir como um homem que escava.66

O arqiuvo não trata do passado, ele trata do futuro. Seleciono violentamente o que considero que é preciso que se repita, que se guarde, que se repita no futuro.67

A memória é uma ilha de edição.68

Em resposta às epígrafes acima, explicito algumas concepções teóricas que balizam minha tese – pois sobre a trama de interesses que move esta pesquisa já o informei na introdução. Como este é um trabalho do campo dos Estudos Literários, que se inscreve na área de concentração Literatura, História e Memória Cultural, começo pelo primeiro termo (literatura). Proponho um deslocamento metafórico, no qual esta seja lida como sendo um laboratório,69 um modo de olhar composto por um repertório de formas e de imagens potenciais, como sugere Italo Calvino.70 Vista desse modo, a literatura adquire a feição de uma ferramenta especulativa capaz de tensionar os limites de nossa cognição e de nossas necessidades de compreensão da realidade por (e sobre) nós mesmos.

Dessa maneira, considerando o texto ficcional não apenas enquanto representação, mas como usina geradora de possibilidades especulativas, estabelece-se outra premissa, a de que ele traz, em si, uma potência de teorização, um tipo de teoria imaginária. Esse “tipo equívoco de teoria possui um especial interesse, pois traduz o fato de que as obras literárias são, pelos mais diferentes recursos, (...) capazes de configurar algum saber”.71 Lida por esta via, a obra ficcional se apresenta como um saber crítico que não só aponta para as bases ficcionais das teorias do conhecimento que se constituem com o advento da modernidade (dentre elas, a teoria da literatura), mas também auxilia no processo de desfamiliarização dos saberes instituídos.

66 BENJAMIN, 2012, p. 245. 67 DERRIDA, 2012, p. 132. 68 SALOMÃO, 2007, p. 43. 69 Em alusão ao elogio do texto ficcional, feito pelo filósofo alemão Ernst Bloch, de que “A literatura é uma festa, um laboratório do possível”. Ver PIGLIA, 1994, p. 68. 70 CALVINO, 1990, p. 106. Cabe ressaltar que Calvino, neste texto, refere-se à imaginação (ou à fantasia criadora), concebida como uma máquina de fabulação. 71 BRANDÃO, 2005a, p. 17. 49

Quanto aos outros dois vocábulos (História e Memória Cultural), esses são compreendidos concomitantemente: a História é lida como sendo uma forma de escrita elaborada a partir do resgate de traços ou indícios materiais do passado – ao passo que a Memória Cultural, dimensão indissociável daquela, é o meio no qual ocorrem escavações de experiências, relatos e modos de vida do passado a serem evocados mediante o ato da escrita.72

Mas qual a relação entre arquivo, laboratório, literatura e carta? Antes de prosseguir, passo à caracterização dos arquivos literários (ou arquivos de escritores), bem como de aspectos teórico-metodológicos que envolvem o trabalho com os materiais de que estes se compõem.

Os arquivos73 pessoais de escritores, ao serem tornados arquivos literários,74 não são apenas um espaço constituído pelo processamento de objetos e registros documentais que permitem compor um perfil biográfico de seu titular. Para além da condição de “lugares de memória”,75 tais locais atuam, antes, como usinas a partir das quais se (re)produzem este “eu que se dá a ver”, projetando representações de memórias da cultura letrada, além de versões pessoais acerca de fatos concernentes à história dos campos cultural e político.76

Noção fundamental para a leitura dos documentos de arquivos pessoais é a da escrita de si. Desde a publicação do célebre texto de Michel Foucault “A escrita de si”, em 1983, no

72 Essas conceituações dos termos História e Memória Cultural foram desenvolvidas a partir da leitura dos trabalhos de Sandra Jatahy Pesavento (2008) e Jacques Le Goff (2003), historiadores vinculados ao campo de estudos da História Cultural. 73 Por arquivo entendo um “conjunto de documentos, criados ou recebidos por uma instituição ou pessoa, no exercício de sua atividade, preservados para garantir a consecução de seus objetivos”. Para mais informações, consultar BRASIL, 2005 e 2006, p. 25 e 14, respectivamente. Acerca dos arquivos de vida de escritores, ver bibliografia na seção específica das referências bibliográficas. 74 Conforme elucida Reinaldo Marques (2015, p. 18-19), a transformação dos arquivos pessoais de escritores em arquivos literários ocorre no deslocamento daqueles do âmbito privado para sua alocação no espaço público, “sob a guarda de centros de documentação e pesquisa de universidades, de bibliotecas públicas, de fundações culturais”. Nesse processo, os arquivos pessoais são drasticamente afetados, tanto no sentido da acomodação dos materiais como no tratamento documental, pois estes passam a ser manipulados por diversos sujeitos e saberes especializados, que acarretam a revalorização dos materiais que compõem os arquivos. 75 Em referência à noção formulada pelo historiador francês Pierre Nora. Conforme Nora, os lugares de memória são ambientes compostos pela reunião, pela salvaguarda e pela exposição de objetos que pertenceram a indivíduos e a comunidades do passado, como arquivos e museus. Ao reunir e apresentar aspectos materiais e imateriais de certo grupo social, os lugares de memória buscam não só propiciar acesso às experiências e às lembranças vividas, mas atuar como matriz simbólica de narrativas. Para mais informações, ver NORA, 1993. 76 MARQUES, 2015, p. 91. 50 qual o pensador empreende uma história das técnicas que fundamenta as formas de entendimento que o sujeito cria sobre si na cultura da antiguidade clássica, sua presença é quase que unânime em estudos dedicados a arquivos, a autobiografias, a correspondências e a diários. Conforme propõe Foucault, as técnicas de si eram compostas por várias modalidades de exercícios de introspecção (o exame das leituras, motivações, pontos de vista e vivências cotidianas) desenvolvidas a partir da meditação, da ginástica e, sobretudo, da escrita de diários e de correspondências. Tais atividades visavam não ao deciframento do eu, mas à auto-observação, ao estudo das formas pelas quais os sujeitos criam modos de vida singulares para si próprios.77

Ainda sobre a noção de escrita de si, uma reelaboração proveitosa desta consiste na ideia de “edições de si”, proposta por Ângela de Castro Gomes. Conforme sugere a historiadora, tal formulação parte da premissa de conceber “a escrita de si [como sendo] um trabalho de ordenar, rearranjar e significar o trajeto de uma vida no suporte do texto, criando- se, através dele, um autor e uma narrativa”.78 Tal proposição se enriquece ainda mais quando confrontada aos argumentos de Philippe Artières acerca da intencionalidade que preside a acumulação e a elaboração das “provas de mim”,79 de que se compõem os arquivos. Conforme o historiador francês, o arquivamento do eu

não é uma prática neutra, é muitas vezes a única ocasião de um indivíduo se fazer ver tal como ele se vê e tal como desejaria ser visto. Arquivar a própria vida é simbolicamente preparar o próprio processo: reunir peças necessárias para a própria defesa, organizá-las para refutar a representação que os outros têm de nós.80

Outro aspecto a se considerar acerca dos “documentos de si” consiste em estes apresentarem um estatuto problemático como indício histórico. Isso decorre da convivência conflituosa entre a “verdade” dos fatos filtrada pela “sinceridade” do indivíduo que os produziu, que implica um cuidado redobrado ao utilizá-los. O trabalho com materiais de arquivos pessoais coloca em primeiro plano a necessidade de crítica às fontes, como lembra a historiadora Ângela de Castro Gomes, de modo que o pesquisador, ao trabalhar com arquivos, deve ter sempre em mente que

77 Cf. FOUCAULT, 1992; GOMES, 2004, p. 09-12; GROS, 2008; OKSALA, 2011. 78 GOMES, 2004, p. 16. 79 MCKEMMISH, 2013, p. 23. 80 ARTIÈRES, 1998, p. 31. 51

está descartada a priori qualquer possibilidade de saber ‘o que realmente aconteceu’ (a verdade dos fatos), pois não é essa a perspectiva do registro feito, (...) [uma vez que] o documento não trata de ‘dizer o que houve’, mas de dizer o que o autor diz que viu, sentiu e experimentou, retrospectivamente, em relação a um acontecimento.81

Ao colocar o problema da veracidade das narrativas ou registros de si, em seu estatuto de prova, outra questão se apresenta: a das dinâmicas entre o texto e o seu “autor”. Ao enfatizar o aspecto de construção intencional, tal gesto acarreta a descontinuidade de um “processo de subjetivação natural”, “sincero”, por parte do titular do arquivo trabalhado, uma vez que esse, ao intervir deliberadamente na seleção, na classificação e no ordenamento das circunstâncias de sua vida, ocasiona uma desnaturalização da ideia do arquivo como narração sincera de vida. Assim, concordo com a proposta de Gomes, de que se mostra mais profícuo considerar que o indivíduo/autor não é anterior (uma essência refletida por um objeto de sua vontade) ou posterior ao arquivo que o documenta (uma invenção do discurso que constrói) – pois ocorre concomitantemente à sua produção, já que a escrita de si é espaço de uma etopoiética,82 no qual se criam, simultaneamente, a identidade de seu autor e texto, de sua vida e obra.83

Construído sob os signos do artifício e da manipulação, o arquivo de Murilo Rubião é lido na condição de monumento:84 como “livro da própria vida que [sobreviveu] ao tempo e à morte”85 manufaturado com a finalidade de transmitir à posteridade um conjunto de relatos selecionados para contar (ou legitimar) como seu autor/editor gostaria que sua vida fosse lida.86 Ou seja, é na perspectiva de dossiês fabricados intencionalmente que os documentos presentes em arquivos de escritores são abordados neste trabalho: não como um tipo de “espelho da alma”, que retrata fidedignamente as experiências e a vida de quem os produziu – mas, como ilha de edição em que se reelaboram a história e a memória cultural. Antes, estes

81 GOMES, 2004, p. 15. 82 FOUCAULT, 1992, p. 134. 83 GOMES, 2004, p. 16. 84 Em sua proposta de questionamento crítico da intencionalidade produtora que subjaz às fontes documentais, o historiador francês Jacques Le Goff assevera que “O documento é monumento. Resulta do esforço das sociedades históricas para impor ao futuro – voluntária ou involuntariamente – determinada imagem de si própria. No limite, não existe documento-verdade. Todo documento é mentira. Cabe ao historiador não fazer papel de ingênuo.” LE GOFF, 2003, p. 497. 85 ARTIÈRES, 1998, p. 32. 86 Em alusão à obra A vida como ela é, de Nelson Rodrigues, concebo tanto o arquivo do escritor como os documentos que o conformam enquanto espaço de edição e de determinação das formas de leitura de sua obra e de sua atuação enquanto agente sócio-cultural. Desta maneira, considero que os arquivos literários funcionam como local no qual o escritor lega à posteridade representações nas quais ele figura “não como sua vida e obra de fato ocorreram”, mas “como gostaria que sua vida e obra fossem lidos”. 52

“teatros da memória”, nos quais múltiplos papéis sociais e temporalidades convergem e se encontram, propiciando ao crítico possibilidades de editar versões outras das narrativas elaboradas pelo autor do “arquilivro”.

Para operar as edições críticas desse monumento de papel, tomo de “usufurto” o enfoque biográfico desenvolvido por Eneida Maria de Souza em Janelas indiscretas, no qual a autora se vale do estabelecimento de “associações entre texto e contexto, obra e vida, arte e cultura”87 por intermédio da aproximação (ou contágio) entre os discursos teórico e ficcional. Para tanto, Souza parte do conceito de ficção proposto por Jacques Rancière em A partilha do sensível, que consiste em “rearranjos materiais dos signos e das imagens, das relações entre o que se vê e o que se diz”.88 Com tal gesto, ao invés de um discurso crítico e conceitualizante acerca dos signos ficcionais, ficcionaliza-se ou narra-se o processo de conceituação que, dramatizado, torna-se um saber narrativo.

Tal entendimento da ficção viabiliza meios de recuperar dados da vida do escritor que se depreendem da leitura dos materiais alocados nos arquivos literários, criando condições de metaforizar e de rearranjar tais rastros da experiência e da escrita de si em ficções do escritor e de sua escrita. Com o estabelecimento de tais pontes metafóricas,89 torna-se possível inverter a equação vida-obra para, a partir da obra, interpretar as cartas como índices que facultam ler a vida como texto, oportunizando, assim, movimentos “de proximidade e distanciamento entre literatura e vida, ficção e documento”90 sem incorrer no risco de aproximações ingênuas ou causalistas.

Ainda no plano das relações entre os arquivos literários e a crítica biográfica, outra noção fecunda para o trato com “documentos de si” é a de biografema. Em sua obra “autobiografemática” Roland Barthes por Roland Barthes (2003) descreve este quase conceito como uma espécie de “anamnese factícia”. Já em A câmara clara, o biografema é apresentado enquanto “traço biográfico”. De acordo com Leyla Perrone-Moisés (1983), ao

87 SOUZA, 2011, p. 09. 88 RANCIÈRE, 2005, p. 59; RANCIÈRE apud SOUZA, 2011, p. 11. 89 O termo “pontes metafóricas” remete ao uso de figuras de linguagem tomadas de empréstimo à obra do escritor com que se trabalha. Essas figuras são empregadas como conceitos operatórios para pensar aspectos de uma obra de ficção. No caso da obra rubiana, considero os personagens em constante estranhamento com um mundo tido por fora dos eixos, tal como os protagonistas dos contos “O ex-mágico da taberna Minhota” e “O pirotécnico Zacarias” enquanto imagens que propiciam condições de se refletir tanto acerca da ficção de Rubião como das representações que esse escritor constrói de si em suas cartas. 90 SOUZA, 2011, p. 13. 53 formular aquilo que chama de biografemática, Barthes aponta para duas possibilidades de ficções biográficas possíveis: a biografia-destino, em que todos os dados e os acontecimentos históricos parecem se ligar, fazendo sentido; e um segundo tipo, a biografia-descontínua, atenta ao aspecto fragmentário e não linear da vida, tomando para si a própria potência dispersiva dos traços biografemáticos para criar uma ordenação outra. Ao rejeitar a ilusão biográfica encerrada na primeira proposta, que revela uma crença (ingênua) na existência de um eu coerente e contínuo, a crítica biográfica busca constituir outro olhar para o método biográfico. Esse consiste na tentativa de conferir outro tratamento para aquilo que a cultura nos oferece acerca de um escritor por meio de seu arquivo, a fim de traçar retratos caleidoscópicos, cambiantes, nunca acabados, mediante a seleção de determinados resíduos, depoimentos, entrevistas, fotos, livros, manuscritos, retratos etc.

Assim, tendo em vista essas reflexões sobre “bio-grafias”, quais seriam os traços para a elaboração de possíveis perfis de Murilo Rubião? As características visíveis nas fotos de seu arquivo, como a calva, o chapéu, os óculos, o bigode, o cigarro sempre aceso, o usar terno com tênis e a voz rouca (na velhice)? A discrição, certo fatalismo tardo-romântico, a solicitude, a timidez e a melancolia, que se insinuam nas cartas com Mário e Otto? A esses elementos é interessante juntarmos as imagens elaboradas pela crítica literária e pela imprensa, selecionadas por Murilo para compor seu arquivo. Nestas, atributos de sua obra se mesclam à sua pessoa, moldando personagens: escritor mágico, mágico da palavra, escritor perfeccionista, pirotécnico da palavra, fazedor de fogos, artesão do irreal, mestre do absurdo, mestre do conto surrealista, burocrata desencantado, brazilian Kafka, discípulo de Machado, solitário da Rua do Ouro.

Mas há outros traços que considero pertinentes por remeterem à composição do arquivo rubiano. Solicitado a responder a questão “como você é” a “Uma enquete entre os escritores”, o autor de O ex-mágico revela, dentre outros hábitos, a prática do colecionismo: “Gosto de colecionar cartas, retratos e recortes de jornais velhos”.91 Ao seguir o rastro dessa pulsão de colecionar, deparo-me com um perfil de Murilo Rubião, elaborado por Hélio Pellegrino para a Revista da Semana, no qual o psicanalista aponta, dentre outras características do amigo, que este “Tem várias pequenas manias, entre as quais avulta o seu hábito de colecionar cartas, mesmo as mais insignificantes, e tudo o que se relaciona à sua

91 RUBIÃO, 1945, s.p. 54 pessoa”.92 Nos trechos citados, flagramos indícios do projeto de arquivar a própria vida. Esse gosto e hábito de se colecionar indica, como veremos adiante, uma aposta e um gesto de se dirigir à posteridade.

Após caracterizar o arquivo literário como processo de edição da própria história direcionado ao futuro, retorno à figura do laboratório, a fim de evidenciar as relações entre arquivo, carta e texto literário. O laboratório é deslocado metaforicamente: de local provido de instalações, de aparelhagem e de produtos necessários a manipulações para, nesta tese, ser compreendido como lugar de experimentação, de aprendizado e de manuseio do artifício que nomeei como sendo a literatura – tanto por parte do escritor como também do crítico.

Relacionando a proposição “arquivamos as nossas vidas em função de um futuro leitor”93 à perspectiva de ler os arquivos literários como edições de si, considero que aqueles são preparados à maneira de um postscriptum – comentário elaborado pelo escritor como carta destinada a ser lida a posteriori.94 Este recado sobrevivente, que se apresenta na condição de legado espectral, não deixa de ser uma estratégia empregada pelo escritor para controlar (mas também, e paradoxalmente, fomentar e resistir) a disseminação de interpretações que possam vir a ser feitas sobre sua obra e sobre sua vida. Nessa condição de carta destinada ao tempo que vem, os arquivos de escritores se apresentam enquanto heranças literárias95 não apenas a serem revividas mas, sobretudo, deslocadas, reinventadas e reenviadas a outros destinos.

92 PELLEGRINO, 1987, p. 5 93 ARTIÈRES, 1998, p. 32. 94 Referência à noção psicanalítica de a posteriori (ou après-coup), segundo a qual os acontecimentos adquirem significação para o sujeito apenas em um contexto posterior, de maneira que o sujeito “constitui seu passado reconstruindo-o em função de um futuro ou de um projeto” (ROUDINESCO; PLON, 1998, p. 32). Tal concepção favorece pensar o arquivo do escritor como construção deliberada de uma memória como projeto dirigido ao futuro. 95 O termo herança é empregado na acepção que Derrida lhe atribui. Para o filósofo, a herança está relacionada a uma experiência de um passado que ronda o presente e o futuro. Mas a herança não se relaciona apenas ao gesto passivo de receber algo. De acordo com o filósofo, “não existe herança (...) sem um chamado à responsabilidade” (DERRIDA, 1994, p. 91), pois assumir uma herança implica um duplo gesto de responsabilidade e de ação, de preocupação com os interesses e as causas do outro, esteja vivo ou morto. Assim, ao herdarmos, ou ao decidir nos assumir como destinatários de um legado, como sendo responsáveis pelo destino teórico de suas ideias, coloca-se a questão da escolha de como ler essa imagem ou figura, de que modo reanimá- la ou reafirmá-la criticamente, de maneira a afiançar sua pervivencia (palavra espanhola que designa a permanência, sobrevivência ou duração de algo) no contemporâneo. 55

1.3. Escutar os mortos com os olhos: leitura espectral e sobrevida da literatura

(...) arquivar a própria vida é definitivamente uma maneira de publicar a própria vida, é escrever o livro da própria vida que sobreviverá ao tempo e à morte.96

Nessa hora os homens compreenderão que, mesmo à margem da vida, ainda vivo, porque a minha existência se transmudou97

Esta é a lição que nos fica, como uma herança, para ser vivida até que chegue a nossa vez. 98

Uma das indagações dos pesquisadores que desenvolvem pesquisas a partir de fontes documentais consiste nas táticas de abordagens do corpus. Na busca por modos de leitura dos arquivos literários, os seguintes versos de Quevedo colocam o problema sob os signos da conversa e da escuta: “Vivo en conversación con los difuntos, / Y escucho con mis ojos a los muertos”.99 Nestas poucas linhas, perscruta-se a sugestão da leitura como forma de escuta. Assim o pesquisador se encontra investido não só no papel de ouvinte e de intérprete ao ler e ao manusear registros de ausentes que se fazem presentes em arquivos, mas também, na condição de narrador a ficcionalizar imagens e narrativas a partir de histórias “ouvistas” nos arquivos.

Como dito anteriormente, não busco, aqui, apenas pensar os arquivos literários como lugares de memória, mas, antes, interrogar como a pessoa que elabora o próprio arquivo organiza as projeções de si que irão aparecer e permanecer após sua morte. Em outros termos, trata-se de indagar em que condições o arquivo literário constitui as circunstâncias para a reprodução póstuma das imagens da obra e do escritor como aparições espectrais? Com essas questões, viso não só a retomar o arquivo literário como carta/postscriptum, mas a explicitar a relação entre a poética dos rastros (apresentada na primeira parte deste capítulo), a noção de sobrevivência das formas artístico-culturais (postulada por Aby Warburg) e a lógica da espectralidade (elaborada por Jacques Derrida). Da conjunção dessas ideias, formulo o que chamo de leitura espectral – uma escuta com os olhos dos rastros do passado, a fim de propiciar sua sobrevida nos presentes ainda por vir.

96 ARTIÈRES, 1998, p. 32. 97 RUBIÃO, 1998, p. 32. 98 SABINO, Carta a Murilo Rubião. Rio de Janeiro , 07 de Março de 1949. 99 QUEVEDO apud ROCHA, 2011, p. 17 56

A noção warburguiana de sobrevivência (Nachleben) das formas artísticas, que embasa sua ciência da arte, foi desenvolvida a partir da noção de sobrevivência (survival) das formas culturais, ponto nodal da ciência da cultura formulada pelo antropólogo britânico Edward B.Tylor em seu livro Primitive Culture (1871).

O historiador da arte George Didi-Huberman, em sua leitura da antropologia do tempo warburguiana, mostra que a Nachleben problematiza o conceio evolucionista e linear de história, sendo tributária de uma concepção heterogênea de tempo histórico. Esse é compreendido como um tempo fantasmal, em que o presente é visto como tempo em devir, composto por “múltiplos [saberes] passados”100 que ressitem e constantemente emergem e se manifestam na “‘superfície’ presente de uma cultura”.101 Essa permanência dos rastros da cultura, ou da “tenacidade das sobrevivências”, expressar-se-ia a partir da análise de restos ou de vestígios materiais “do rumor dos mortos”102 (afrescos, esculturas ou objetos do cotidiano) ou imateriais (discursos ou práticas sociais como brincadeiras, festividades e rituais) de uma cultura em um dado momento de sua história. De acordo com Warburg (e Didi-Huberman), ao analisar os rastros no arquivo de cada época, não apenas se observa a persistência de aspectos desaparecidos de uma sociedade, como seus modos de agir e suas formas de saber – mas também “elimina-se a certeza de o que vem depois seria influenciado pelo que veio antes, ou que o progresso cultural dependeria de novas descobertas do presente”.103 Contudo, os rastros se manifestariam deslocadados em seu estatuto ou seu significado – Didi-Huberman menciona, como exemplo, a permanência do arco e flecha como brinquedos infantis em nossa sociedade, evidenciando a modificação de seu status e sua significação.104

As noções de tempo fantasmal e de sobrevida warburguianas são, aqui, associadas à lógica da sobrevida e da espectralidade do pensamento derridiano.105 Contudo, como lembra Eneida Maria de Souza, há uma diferença entre ambas. Se para Warburg “a sobreposição de tempos artísticos e de valores culturais responderia pela construção do arquivo/biblioteca

100 DIDI-HUBERMAN, 2013, p. 46. 101 DIDI-HUBERMAN, 2013, p. 45. 102 DIDI-HUBERMAN, 2013, p. 35. 103 SOUZA, 2014, p. 114. 104 Cf. DIDI-HUBERMAN, 2013, p. 49. Cabe mencionar que é difícil, ao lermos tal passagem, não relacionarmos as leituras empreendidas por Walter Benjamin em textos como “História cultural do brinquedo” ou “Brinquedo e brincadeira” aos trabalhos de Tylor e Warburg. 105 Para o rastreamento da noção de espectro/espectralidade no pensamento de Derrida, sugiro a leitura DERRIDA (1994, 2001, 2012) e SKINNER (2004). 57 como montagem de livros e de formas distintas”,106 para Derrida o conceito de sobreviência responde “por uma indagação filosófica da existência, ampliando-se para a construção da obra como legado espectral, a partir da ponte entre obra e vida, justanpondo morte e vida”.107 De acordo com esse raciocínio, problematiza-se a dimensão temporal da existência, de modo a romper “com as oposições entre antes e depois, entre vida e morte, pelo aspecto anacrônico conferido às categorias relativas ao passado e ao futuro”.108

Quanto à noção de espectro, este consiste em um “ente que sobrevive (mesmo que sob a forma de um postulado) à sua própria morte,”109 apresentando-se como manifestação de um ausente que persiste no imaginário de um contexto histórico (como os espectros de Marx, rastreados no inconsciente teórico do século XX por Derrida). Essa meia-presença, aparição visível-nãovisível, que não remete nem à aparência nem à essência, nem ao presente, nem ao passado, relaciona-se a outros termos do pensamento derridiano, como arquivo, herança, (trabalho de) luto, (guarda da) memória, (figuração do) Outro e sobrevida. Para Derrida, a espectralidade110 constitui o fundamento da experiência da memória e do arquivamento. Como “todo rastro é finito (...) [e] sempre pode ser apagado (...) [caso contrário] não seria um rastro”,111 por isso há arquivo, para selecionar para guardar ou deixar desaparecer, “para organizar a sobrevivência (...) de certos rastros deliberamente escolhidos”.112 Ler esses rastros arquivados consiste não só a tarefa do arquivista, mas o trabalho do herdeiro de elaborar o luto, que pressupõe em determinar que rastros (aspectos, imagens ou identidades) da história preservarmos e rejeitamos, a fim de decidir quais serão conservados, reelaborados e reafirmados criticamente em nossa atualidade. Assim, arquivo, rastro, espectro, luto e sobrevida são noções que se associam e, de acordo com o filósofo franco-argelino, não só constituem o a priori da experiência mnésica e histórica, mas engendram as condições de possibilidade do ato de leitura/rastreamento de toda experiência – seja as nossas ou aquelas de contextos passados que permanecem transformadas no presente.

Quatro são os motivos que me levaram a considerar a ideia de espectro como sendo propícia para refletir tanto acerca das aparições (do escritor, da escrita e da literatura) como a

106 SOUZA, 2014, p. 114. 107 SOUZA, 2014, p. 114. 108 SOUZA, 2014, p. 111. 109 ROMANDINI, 2012, p. 13. 110 DERRIDA, 2001, p. 110. 111 DERRIDA, 2012, p. 131. 112 DERRIDA, 2012, p. 131. 58 propósito da sobrevida desses fantasmas elaborados e editados por Rubião e seus correspondentes. Primeiro, a hipótese de que a ficção rubiana é um painel de almas errantes. Kafka, Machado de Assis, os profetas do Velho Testamento: estas são alguns dos rastros que ecoam e frequentam o universo do texto rubiano. Mas há outros – afinal, sempre “há mais de um, deve haver mais de um”.113 Em uma espécie de etnografia das almas penadas que rondam a modernidade, encontram-se a dama ausente andradina, a ironia (machadiana), a burocracia, o duplo, mas também (ou sobretudo) a melancolia. Espectros que rondam o mundo de um escritor cético e seus personagens (seus daímons) obsediados.

Essa recorrência de sobreviventes da morte (ou de viventes que não podem morrer), de mortos que persistem em vida, torna a leitura dos contos de Rubião semelhante a uma demografia espectral. Vejamos alguns exemplos desses corpos paradoxais em que as palavras vida e morte já não são aplicáveis: a não-morte do pirotécnico Zacarias, morto-que-está-vivo; o “ex-Mágico”, (não-)ser surgido de um espelho, que lamenta não ter nascido e não poder morrer; o velho Simeão, que assombra a memória dos jovens sobreviventes de ’“A casa do girassol vermelho”; as (ex-)esposas assassinadas que retornam em os “Três nomes de Godofredo”; o retrato da mãe que necessita ter a maquiagem retocada todas as noites em “Petúnia”; a aparição de “Marina, a intangível” no conto de mesmo título; ou, ainda, a reelaboração ficcional das experiências de antepassados da família de Murilo em “Memórias do contabilista Inácio”.114

O segundo motivo diz respeito às “duas vidas da correspondência”:115 sua “vida original”, como comunicação privada, dirigida a um destinatário específico, e sua “vida virtual” (ou espectral), como comunicação reestabelecida e tornada pública postumamente por pesquisadores ou por editores.

O terceiro são as “cartas fantasmas” de Murilo a Fernando, situação que me estimula a pensar uma poética indicial que auxilie a fazer ouvir, ainda que por vias indiretas, as respostas às questões e aos apontamentos elaborados por Fernando nas cartas ausentes de Murilo.

113 DERRIDA, 1994, p. 30. 114 Cf. RICCIARDI, 2006, p. 303. Cabe mencionar que, dos trinta e três contos editados em livro por Rubião, ao longo de sua vida, este foi publicado apenas em O ex-mágico (1947) e na coletânea Literatura Comentada (1982). O motivo de tal decisão nunca foi mencionado. 115 DIAZ apud MORAES, 2014a, p. 01. 59

Por fim, o quarto motivo se refere aos espectros do escritor Mário de Andrade que povoam os diálogos dos “jovens moços de Minas”. A figura do “mestre pedagogo” é evocada de várias maneiras nas cartas, seja nas menções às regras do pacto epistolar por ele formalizado, que deram as balizas de uma comunidade epistolar, na rememoração do amigo morto que sobrevive como lembrança, ou, ainda, como legado que se insinua nos conselhos e comentários de Otto e Fernando aos contos de Murilo. Outros exemplos são os fantasmas da obra de Kafka, que frequentam tanto as conversas de Murilo com seus interlocutores quanto os textos críticos acerca de O ex-mágico, ou, ainda, a retomada, por Rubião, da parábola como gênero,116 a revivência dos mitos da antiguidade clássica (Proteu em “Teleco, o coelhinho”)117 ou, ainda, do discurso bíblico na obra de um escritor moderno autodenominado agnóstico.

Para encerrar este capítulo e continuarmos nosso curso rumo às correspondências de Murilo Rubião, convoco um fragmento de uma carta enviada por este a Otto Lara Resende em 05 de agosto de 1948. Neste breve trecho, Rubião dissimula seu projeto de endereçar sua obra e seu arquivo ao futuro, dizendo ao amigo que “Esta carta não se destina à posteridade”.118 Mas, anos depois, o próprio Rubião desmascara seu intento ao mencionar, em outra carta endereçada a Otto, que uma entrevista de Paulo Mendes Campos119 confere a ambos “uma pequena chance de entrarmos na posteridade”.120 Em sua resposta, Otto diz ao amigo

Quanto ao recorte do “Correio da Manhã”, devolvo-o a você. Recebi um igual do Rio, mandado pelo meu irmão. Contemplei longamente a fotografia, lembrei-me das circunstâncias, do dia em que a tiramos, lembra-se? (...) Grande retrato! Fiquei pensando como surgiu a ideia de fazê-lo, me ocorreu que só você poderia ter tido ideia tão sensata e rica e, ao mesmo tempo, poderia ter levado a turma a concretizar essa ideia, que hoje nos permite voltar, à vista de um documento, os olhos para aquele tempo, ainda ontem e já tão distante! Muito obrigada, pois. É como você diz: a entrevista do Paulusca é uma chance de posteridade...121

116 Conforme propõe Sérgio Alcides no texto “A parábola inconformada” (ALCIDES, 2006), citado na primeira parte deste capítulo quando da leitura da narrativa “O documento”, em que o crítico aproxima o recurso à forma parabólica por Kafka e Rubião. 117 Murilo Rubião, ao comentar o parentesco de sua ficção com a de Franz Kafka, em diversas entrevistas, menciona que tanto “A metamorfose” quanto as transformações do protagonista de “Teleco, o coelhinho” seriam, em sua opinião, releituras do mito grego de Proteu. 118 RUBIÃO, Carta a Otto Lara Resende. Belo Horizonte, 05 de agosto de 1948. 119 Menção à reportagem de Renard Perez “Escritores Brasileiros Contemporâneos – n. 52 – Paulo Mendes Campos”, publicada no Correio da Manhã, em que consta uma fotografia, feita em um estúdio de Belo Horizonte, no ano de 1948, quando aparecem reunidos em um “retrato de geração” Otto Lara Resende, Fernando Sabino, Paulo Mendes Campos, Murilo Rubião e Emílio Moura. 120 RUBIÃO, Carta a Otto Lara Resende. Madri, 30 de julho de 1957. 121 RUBIÃO, Carta a Otto Lara Resende. Belo Horizonte, 05 de agosto de 1948. 60

Mais por terem elaborado suas obras do que por colecionarem suas vidas, formando seus arquivos, Rubião e Otto conseguiram a almejada chance de se inscreverem no por vir da história literária. Talvez agora, com a edição de suas cartas, estas mensagens tenham chance de se endereçarem ao “tempo de compreender”:122 a posteridade – não (só) a nossa, mas aquela ainda por acontecer.

A partir dessa concepção do arquivo e das cartas como “um vestígio material do rumor dos mortos”,123 dá-se a leitura/escuta espectral, gesto de escutar esses corpora documentais, a fim de evocar os rumores das vozes daqueles que não mais possuem corpos, fazendo com que retornem e sejam “ouvistos” no presente.

Prossigamos nossa jornada rumo às cartas, caro leitor, pois estas já se avizinham.

122 Referência à noção psicanalítica de a posteriori mencionada anteriormente. 123 DIDI-HUBERMAN, 2013, p. 35. 61

2. DESTINATÁRIO: POSTERIDADE

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2.1. Crítica epistolográfica: notas remissivas para uma história

(...) nós ainda não temos uma teoria da carta, precisamos acumular mais estudos sobre cartas, para chegar a uma teoria.124

Como ler (ou como dar a ler), hoje, uma carta que não foi enviada a nós, mas destinada a outra pessoa, de outro tempo? Haveria um método próprio ao estudo de correspondências editadas ou inéditas? Qual procedimento crítico seria mais adequado para analisar e para interpretar essas cartas enquanto discursos, fontes históricas, teóricas ou testemunhais? Essas parecem ser algumas indagações que perpassam e fundamentam as várias edições e pesquisas sobre correspondências de artistas, de escritores, de intelectuais e de políticos que compõem os estudos epistolográficos brasileiros, atualmente.

A breve história (ainda por fazer) da constituição da crítica epistolográfica no Brasil tem suas condições de emergência vinculadas a pelo menos duas voltas no parafuso das ciências humanas, ambas ocorridas entre as décadas de 1960 e de 1980. O historical turn, fruto da recepção de teorias da nova história cultural francesa e da micro-história italiana entre pesquisadores brasileiros; e a archival turn, ou descoberta/encontro dos pesquisadores de literatura com os arquivos privados de escritores, fruto da instalação de centros de documentação literária.125

De acordo com a historiadora Ângela de Castro Gomes,126 as duas viradas mencionadas são processos recentes, datados dos anos de 1970 na França e de 1960 no Brasil com a criação do Instituto de Estudos Brasileiros (IEB) da Universidade de São Paulo. A este segue a implementação de outros centros de documentação – como o Arquivo-Museu de Literatura Brasileira (AMLB) da Fundação Casa de Rui Barbosa (FCRB), em 1972, dentre outros espaços de guarda e de preservação de fontes históricas para o estudo da literatura.127

124 MORAES, 2008b, p. 24. 125 Desconheço a existência de uma história dos estudos de cartas, de recepção da história nova cultural ou de micro-história italiana no Brasil. O que apresento são conjecturas elaboradas a partir dos trabalhos de GOMES (1998), MARQUES (2015), MORAES (2008b) e ROCHA (2008). 126 Ver GOMES, 1998, p. 122-125. 127 Para uma genealogia dos centros de documentação literária no contexto brasileiro, consultar o trabalho pioneiro de Reinaldo Marques, Arquivos literários: teorias, histórias, desafios (2015), especialmente os textos “Arquivos literários entre o público e o privado” e “Memória literária arquivada”. 63

No contexto que perfaz o início de 1970 ao final de 1980, observa-se o deslocamento de paradigmas hermenêuticos tanto no campo historiográfico como nos estudos literários. Este período de crise dos paradigmas e dos modelos interpretativos da realidade é caracterizado, no campo da História, pela emergência de novas abordagens, como as “novas” histórias política, social e cultural. No campo da história cultural, nota-se a elaboração de abordagens como a história de intelectuais, centrada nas elites culturais e em suas dinâmicas de sociabilidade. Já no campo dos estudos literários, constata-se, de acordo com João Cezar de Castro Rocha,128 o esgotamento de pesquisas embasadas em concepções como nacionalidade e literariedade. Como resposta a esse cenário, ocorre a “pluralização do conceito de literatura”, responsável pela (re)valorização de documentos pessoais de escritores, pelo “retorno do escritor”, e pela retomada do interesse no cruzamento da vida com a obra de escritores. Somemos a essas situações a recepção no Brasil, durante a década de 1980, dos trabalhos da micro-história de Carlo Ginzburg (O queijo e os vermes) e de Natalie Zemon Davis (O retorno de Martin Guerre), além da arqueologia dos saberes foucaultiana, da história cultural de Roger Chartier e da crítica genética francesa – esta introduzida por Philippe Willemart. Da conjunção desses fatores resultaria, ao fim de 1980, nos estudos dedicados a cartas e a manuscritos de escritores.

Outros indícios do processo de consolidação da crítica epistolográfica no Brasil são: a criação da Associação dos Pesquisadores do Manuscrito Literário129 em 1985 e da revista Manuscrítica em 1990, e o crescente número de dissertações, de teses e de livros dedicados a cartas. Destaco quatro publicações: o livro Prezado senhor, prezada senhora,130 coletânea que apresenta uma amostra significativa da pluralidade de abordagens teóricas dedicadas à escrita epistolar no Brasil; a obra Escrita de si, Escrita da História,131 que reúne estudos, no campo da historiografia, dedicados a correspondências de escritores e de intelectuais; a edição dos números 7 e 8 da revista Teresa, que além de estudos acurados, oferta um painel bibliográfico sobre o assunto para os interessados em epistolografia; e, por fim, a “Coleção Correspondência de Mário de Andrade” iniciada em 2001 pela Edusp. Esta coleção pode ser vista como a “certidão de maioridade” da crítica epistolográfica no Brasil, uma vez que, ao estabelecer critérios para a preparação de edições de cartas, fixou diretrizes para a elaboração de vários trabalhos congêneres desenvolvidos no país de 2001 ao presente.

128 Ver ROCHA, 2008, p.147-152. 129 Atual Associação de Pesquisadores de Crítica Genética – APCG. 130 GALVÃO; GOTLIB, 2000. 131 GOMES, 2004. 64

Após o escorço histórico desse campo, cujo instrumental teórico se encontra em desenvolvimento, passo à questão dos operadores empregados no trato com os conjuntos epistolares trabalhados nesta tese.

2.2. Correspondências, modos de usar (questões de método)

O que as cartas ‘favorecem como tema’?132

A correspondência de um escritor suscita de imediato a questão: que tipo de leitura ela propõe?133

Úteis aos biógrafos, que querem se assegurar de um fato ou que procuram o “homem” por detrás de seus rascunhos, úteis aos “bisbilhoteiros históricos” (Barbey d’Aurevilly) em busca de “informações”, as cartas sempre foram resguardadas como preciosos arquivos da criação.134

João Cezar de Castro Rocha, em uma resenha do livro Prezado senhor, prezada senhora (Estudos sobre cartas), adverte aos leitores que, na obra citada, não há um método de análise e de interpretação do gênero epistolar – mas a “impossível ‘teoria da carta’”. Nas palavras do crítico,

(...) o leitor não encontrará uma “teoria da carta” na “Apresentação”. Pelo contrário, o que ali se oferece é uma descrição da origem e da consecução do projeto. Como articular conceitos e abordagens gerais para tratar de objetos irredutivelmente particulares? Como estabelecer um único método se os caminhos são tão vários quanto numerosos os missivistas?135

No entanto, após esse banho d’água fria, Rocha menciona a possibilidade de se conceber uma “teoria pelo avesso”, que consiste não “propriamente [em] uma ‘teoria da carta’, mas em uma ‘fenomenologia de cartas’”.136 Tal abordagem se constitui em uma leitura

132 NEVES, 1988, p. 193. 133 ANGELIDES, 2001, p. 15. 134 DIAZ, 2007, p. 123. 135 ROCHA, 2008, p.153. 136 Idem. 65 atenta às “circunstâncias de sua produção e recepção”,137 a fim de averiguar como e sob que condições se construíram as estratégias enunciativas adotadas pelos participantes de cada intercâmbio epistolar. Entendo que tal gesto implica a cada pesquisador colocar em questão os pressupostos que adotar no decorrer de seu percurso, o que favorece uma ampla gama de direções de reflexão acerca do pacto epistolar, dos sujeitos envolvidos, das práticas de escrita, de leitura e de guarda das cartas.

Tendo em mente a ausência de uma teoria e a variedade de estudos desenvolvidos sobre correspondências, elaborarei uma abordagem teórica. Para tanto, adotei como norteadoras as formulações de Sophia Angelides e de Marcos Antonio de Moraes. Em Angelides, vislumbrei a possibilidade de editar conjuntos de cartas e a constituição de um vínculo plausível entre as tarefas do tradutor benjaminiano e a do editor de correspondências. Já nos textos de Moraes, encontrei formulações acerca das cartas como fonte de pesquisa (arquivo em que se podem vislumbrar etapas da criação ficcional) e como objeto portador de dinâmica e de significados específicos, além de parâmetros para compor o trabalho de edição.

O contato com o trabalho de Sophia Angelides se deu a partir da leitura dos livros Carta e literatura: correspondência entre Tchékhov e Górki (2001) e A. P. Tchékhov: cartas para uma poética (1995), dissertação e tese, respectivamente.

Em Carta e literatura, verifica-se o “problema da carta de um escritor de literatura”, ampliando a noção de literariedade138 e colocando a questão: “a carta é apenas um documento extraliterário, ou pode ser também obra ou fragmento de literatura?”139 Centrada no reexame da carta enquanto forma literária, Angelides observa que o documental e o estético se encontram imbricados tanto na visão de mundo como nas formulações acerca do fazer literário dos participantes do intercâmbio epistolar. Essa ambivalência entre documento histórico e forma literária pode ser considerada por alguns como produtiva, mas, para outros, dificulta delimitar se a correspondência entre escritores pode ser lida como obra de literatura ou se constitui “apenas [como] um material auxiliar para o conhecimento de seu autor, de problemas relacionados com a sua obra, de suas concepções e de seu ambiente social”.140 Para

137 Idem. 138 Sobre o assunto, ver ANGELIDES, 2001, p. 15-26 e MORAES, 2008, p. 21 e 23. 139 ANGELIDES, 2001, p. 14. 140 ANGELIDES, 2001, p. 15. 66

Angelides, o texto epistolar de escritores apresenta a particularidade de ser um “misto de documento informativo e texto literário”.141

Já em A. P. Tchékhov: cartas para uma poética, a crítica e tradutora retoma o trabalho com o epistolário do autor de Tio Vânia de outra maneira. Tendo como eixo a leitura da poética tchekhoviana, expressa e formalizada em cartas a vários interlocutores entre 1880 e 1890, Angelides selecionou, traduziu e organizou 63 fragmentos da correspondência de Tchekhov. No ensaio “Cartas e poética”, Angelides explicita a importância do epistolário theckhoviano como a única “fonte teórica de conhecimento das tendências e princípios estéticos do escritor”.142 Com tal afirmação, a autora deixa de lado o problema da carta como construção literária para voltar sua atenção para o aspecto (e o valor) documental das correspondências. Essas são vistas como arquivo e documentos históricos a partir dos quais é possível rastrear subsídios seja para “traçar o esboço de sua poética”143 ou para vislumbrar as posições do escritor em relação às ideias ou às doutrinas estéticas e políticas de sua época. Assim, tomei duas ideias de empréstimo de Angelides: a de editar conjuntos de cartas de Rubião com outros escritores, no formato de uma antologia; e, a partir desse corpus epistolar, tentar rastrear indícios para esboçar os traços da poética do conto rubiano.

Dos trabalhos de Marcos Antonio de Moraes advieram várias contribuições teórico- metodológicas, como a que se relaciona à proposta de ler correspondências como peças ficcionais. Tal proposição foi elaborada pelo crítico a partir de um comentário feito por Manuel Bandeira em uma carta enviada a Mário de Andrade. Certo dia o poeta de Libertinagem, ao ler seu arquivo pessoal de correspondências recebidas de Mário, Ribeiro Couto e outros amigos, comenta ao autor de Macunaíma que esse material “tão rico em substância humana”, deu-lhe “a impressão de ter lido um romance do tipo do Contraponto de [Aldous] Huxley ou do Manhattan transfer do [John] dos Passos”.144 Ao aproximar dois romances de vanguarda aos diálogos epistolares mantidos com amigos, Bandeira abre “perspectivas para se trilhar também a correspondência (...) como um “romance””.145

141 ANGELIDES, 2001, p. 24. 142 ANGELIDES, 1995, p. 184. 143 ANGELIDES, 1995, p. 185. 144 MORAES, 2001, p. 555-556. 145 MORAES, 2001, p. 13. 67

A partir da sugestão de Moraes, de ver a carta como “espaço ficcional privilegiado para onde convergem personagens, situações, confrontos e ambiência histórica”,146 parece-me pertinente relacionar a leitura de correspondências (mas também de arquivos literários) a outra forma narrativa: a de romance de formação. Tal ideia soa interessante, tendo em vista que o processo de composição dos arquivos literários/pessoais se dá com o objetivo de construir “o livro da própria vida” a partir da recolha e da organização de fragmentos de circunstâncias (sendo o diálogo epistolar uma dessas). Ao (re)ordenar esses materiais a “meio caminho entre o testemunho e a ficção”,147 o crítico que mobiliza esses documentos é capaz de elaborar narrativas semelhantes a romances de formação, nos quais se podem ler as etapas da trajetória de “construção do caráter, (...) do aperfeiçoamento do indivíduo em direção à harmonia e ao conhecimento de si e do mundo”.148

Lidas como espaços de encenação e de experimentação, as cartas também podem ser concebidas como observatórios, miradouros que permitem, ainda que à distância (espacial e/ou temporal), ver as atividades, os posicionamentos, as relações e os embates entre os escritores, bem como a linguagem e a cultura de outras épocas. Instrumento de comunicação paradoxal, feitas para afastar (mas também para reunir), as missivas permitem a quem as escreveu (mas também a quem as lê), formas de aproximação – da história, da memória cultural, do escritor e da escrita. Nesse sentido, o artifício de “se pôr em cena” (seja ao modelar personae ou ao dissimular aproximações e distanciamentos) é aqui pensado como meio de os participantes do jogo epistolar (incluído também o crítico que dele participa como leitor) colocarem-se em perspectiva de modo ambivalente: aproximando-se de si mesmos (ou do outro) conforme se afastam do outro (ou de si mesmos). Dessa maneira, encaradas em sua dupla face (como espaço ficcional e objeto de fetiche) e vistas como edições de si e romances de formação que franqueiam acesso seja à intimidade biográfica ou à gênese de uma obra, as cartas se apresentam como espaço que, se por um lado, não é propício à confirmação de situações factuais, por outro, propicia o desenvolvimento de ficções teóricas – como a ideia de (h)antologia.

146 MORAES, 2001, p. 13. 147 SOUZA, 2011, p. 22. 148 MAAS, 2000, p. 27. 68

2.3. (H)Antologia - ou como reunir fragmentos postais

Os fantasmas, por que convocamos sempre os fantasmas quando escrevemos cartas? Nós os deixamos vir, melhor dizendo, os comprometemos, e escrevemos por eles, somos seus cúmplices, mas por quê?149

Retomando a proposta de Philipe Artières, manifesta no primeiro capítulo desta tese, de que o arquivo é a narrativa de uma vida, ocorreu-me outra – a de ler tanto arquivos como correspondências como (h)antologias. Conceito elaborado por mim, a (h)antologia designa a articulação entre a ideia de antologia, compreendida como procedimento que visa à montagem intencional, por um organizador, de um conjunto de textos, e a noção de hantologie (obsidiologia ou espectrologia), proposta por Jacques Derrida. O termo proposto pelo filósofo franco-argelino advém do verbo francês hanter, que indica o ato de assombrar, de perseguir e de visitar com frequência. Com a hantologia, Derrida propõe um mapeamento dos fantasmas, das obsessões que rondam nosso pensamento, em um desdobramento de sua gramatologia. 150

Mas o termo (h)antologia me ocorreu, também, por conta das relações entre as ideias de fantasia e de fantasma. O termo fantasia advém da phantasía grega, que expressa a possibilidade de tornar uma ideia ou uma noção visível, de formar imagens mentais por meio de sua representação, estando relacionado à palavra grega phantasma, “aparição”, “visão”, derivada do verbo pháinein, “aparecer”, “mostrar”, “tornar visível”, “iluminar”.151 Antes de prosseguir, um esclarecimento: com esse exercício etimológico, não intento retomar a apreciação crítica da obra rubiana como sendo pertencente ao gênero fantástico. Interessa, antes, recuperar a acepção de fantasia e de fantasma como meio de tornar visível a representação de um conceito ou de uma ideia. Isso nos leva à hipótese de que a leitura de correspondências projeta, em nosso tempo, imagens fantasmáticas da obra e dos

149 DERRIDA, 2007, p.43. 150 Uma dessas obsessões obsedantes do pensamento cultural brasileiro é, sem dúvida, Mário de Andrade. 151 De acordo com o Dicionário etimológico Nova Fronteira da língua portuguesa, o termo fantasia, ou seja, sinônimo de faculdade imaginativa, só aparecerá no período moderno, como associação entre os termos fantástico e imaginação. A imaginação, do latim imaginis, imaginatìo ou imaginatiónis, é a capacidade (ou faculdade) de formar ou de criar representações (compreendidas como reproduções) por meio da comparação e da semelhança. Enquanto o imaginário, do latim imaginarìus são aqueles objetos ou imagens mentais produzidas pela imaginação, sendo, portanto, produtos irreais ou falsos. Para maiores informações acerca do significado etimológico dos termos mencionados, ver CUNHA; MELLO SOBRINHO, 2003. p. 349, 425, 500 e 523, respectivamente, por ordem de menção. 69 posicionamentos estéticos de Rubião, Mário, Otto e Sabino. Ao mobilizar cartas (ou outras fontes documentais) por esse prisma, ocorre-me que estas funcionam à maneira dos espetáculos de fantasmagoria do século XIX. A carta seria uma tela, lanterna mágica a partir da qual o crítico torna visíveis aos leitores imagens do escritor e do pensamento deste acerca de sua obra e de sua época.

Tal proposta parece pertinente por, ao menos, três motivos: primeiro, por reunir três conjuntos selecionados de cartas, organizados a partir da figura de Murilo Rubião; segundo, por propiciar a leitura de uma narrativa de formação de um personagem (Rubião) visto a partir de três perspectivas (Fernando, Mário, Otto); por fim, os três volumes, antes fragmentos de diálogos dispersos, ao serem reunidos, apresentam-se como volumes iniciais de um romance epistolar (ou arquivístico) em processo, já que outros conjuntos de cartas podem vir a lume, reordenando a narrativa.

A partir dessa ideia, proponho por (h)antologia não só uma forma de coligir e de organizar conjuntos de correspondências, mas também “uma intervenção crítica, em que esta equivale a uma operação de leitura, um procedimento decisório”.152 Retomando a ideia das edições de si, para relacioná-la à metáfora da memória cultural como arquivo (e desse como mensagem remetida ao futuro), a tarefa de compor (h)antologias consiste em operar edições críticas da memória cultural e da história da literatura.

2.4. Tarefas da edição e da anotação: notas sobre os critérios da (h)antologia

(...) toda “edição de correspondência é interpretação”.153

Conforme se lê na Enciclopédia INTERCOM de comunicação, “edição é todo o processo de produção de uma obra, desde o recebimento do texto original (ou manuscrito) até a impressão, passando por diversas etapas e decisões gráficas e redacionais”,154 gerando produtos em suportes de natureza impressa ou digital. Transposta para o campo específico dos estudos de cartas, a prática de edição consiste em “reunir e ordenar, em um percurso

152 ALENCAR, 2007, p. 08. 153 POUBLAN, s.d. apud MORAES, 2014, p. 05. 154 RIBEIRO, 2010, p. 438. 70 cronológico, todas as cartas recuperadas de um correspondente, transcritas sempre que possível de acordo com princípios editoriais rigorosos”,155 com vistas a (re)construir, para os leitores de certo (ou incerto) contexto, a história de diálogos ocorridos no passado.

Reunidos os manuscritos que compõem o corpus das edições, tem início a etapa que, a meu ver, aproxima o trabalho do editor ao do tradutor: a delimitação dos critérios para o estabelecimento do texto a ser editado. Eu poderia explicitar agora as escolhas que me orientaram (que não foram poucas), mas deixo isso para adiante, pois meu foco, neste momento, incide em evidenciar alguns aspectos da relação entre as tarefas da edição e da tradução a partir do trabalho com cartas. Também não irei explorar as múltiplas acepções do termo tarefa presentes no texto de Walter Benjamin.156 O ponto que me interessa é que o editor, tal como o tradutor, atua como mediador que faz passar a mensagem das correspondências de sua vida prévia (desenvolvida no contexto em que foram produzidas e no qual circularam) a outros momentos históricos e suportes tecnológicos. Assim, o trabalho do editor, ao organizar volumes de correspondências, consiste em tarefa análoga à proposta por Benjamin – pois editar conjuntos epistolares é um ato de leitura que propicia a vida continuada (ou sobrevida), no presente, de experiências de escrita e de pensamento do passado.

Cabe lembrar também que a ideia de sobrevida da obra (da linguagem e do pensamento, não do nome do autor da obra) se encontra relacionada à de tradução, sendo ambas retomadas por Derrida em Torres de Babel e Espectros de Marx. Para Benjamin, a tradução consiste não só em mediar duas culturas linguísticas distantes temporal ou espacialmente, mas em prolongar a vida de uma obra, fazendo-a reaparecer, como espectro, em outro contexto histórico. Ao transcrever uma carta ou outro tipo de documento (ou traduzir para um interlocutor e contexto histórico-sócio-cultural distinto daqueles para os quais a carta foi produzida), garante-se, ao original, outra vida, transformada. No caso das correspondências, para além de sua vida primeira – como memória arquivada de um diálogo privado dirigido a um destinatário específico –, a tarefa da edição propicia sua recriação em

155 MORAES, Questões de método, 2014, p. 02. 156 Em Torres de Babel, Jacques Derrida discorre acerca das possibilidades semânticas do termo tarefa no ensaio de Benjamin, que se vincula às ideias de missão (à qual se está destinado), de trabalho, de problema, de dever, de dívida e de responsabilidade. Estas relações ressoam em noções presentes nas reflexões do filósofo franco- argelino, tais como herança, luto e sobrevida. Aos interessados nos diálogos entre os dois pensadores, recomendo a leitura do ensaio “Benjamin e Derrida: limiares, traduções”, de Evando Nascimento (NASCIMENTO, 2010, p. 223-239). 71 uma “vida virtual”, seja nas páginas de um volume impresso ou na imaterialidade dos formatos digitais, como tem sido feito na França, com as correspondências de Gustave Flaubert,157 Guy de Maupassant,158 Van Gogh159 ou, no Brasil, com o projeto Correio IMS160.

Ainda sobre as relações entre o corresponder e o traduzir, é interessante lembrar que o pesquisador que se coloca a tarefa de editar cartas, por sua vez, encontra-se diante de condição semelhante a do tradutor: ser fiel ou infiel ao texto original.

Se a infidelidade se caracteriza por não expor integralmente o teor do original (como o caso da edição feita por Manuel Bandeira das cartas que recebeu de Mário de Andrade),161 a fidelidade se traduz no esforço de transmitir exatamente o texto das cartas. Mas nem sempre isso é possível, face certo coeficiente de opacidade (ou de intraduzibilidade) que inviabiliza o restabelecimento total do sentido, que impõe uma série de dificuldades (como restaurar a ambiência histórica em que se deu a troca de mensagens, ou mesmo alguma circunstância, obra ou personalidade mencionada; das intenções e interesses de quem escreveu) ou de silêncios – dos afetos do coração que se manifestam nesse ato de reciprocidade denominado cordis respondere.

***

Muitas foram as dificuldades encontradas no manuseio das cartas, tais como a grafia dos manuscritos, as rasuras e as marcas do tempo. Por se tratar de documentos inéditos, fez-se necessário o estabelecimento do texto, efetuado mediante transcrição e ordenação cronológica, objetivando facilitar a fluência e a legibilidade, em acordo com a ortografia atual, e registrando as ocorrências textuais dignas de nota de modo fidedigno. As anotações encontradas à margem e no verso dos documentos foram igualmente transcritas em notas de rodapé, conforme sua localização indicada na página do manuscrito. Expressões ilegíveis,

157 Disponíveis em http://flaubert.univ-rouen.fr/correspondance/ 158 Disponíveis em http://maupassant.free.fr/corresp1.html 159 Disponíveis em http://vangoghletters.org/vg/ 160 Trata-se de projeto conduzido pela Coordenadoria de Literatura do Instituto Moreira Salles, que possui por objetivo tornar acessíveis, em ambiente virtual, cartas de escritores brasileiros e personalidades relacionadas ao Brasil. Para mais informações, consultar o site do projeto: http://www.correioims.com.br/sobre/ 161 Manuel Bandeira, ao publicar, em 1967, as missivas que recebeu do amigo no livro Cartas a Manuel Bandeira, suprime trechos de algumas mensagens, apagando e substituindo nomes próprios. Nesses casos, percebe-se que as censuras (ou infidelidades editoriais) tratam de escolhas de ordem moral, que visavam a preservar o caráter de intimidade das cartas e a evitar a exposição das pessoas mencionadas. 72 palavras suprimidas por furo de arquivamento, por dano no documento ou determinadas por leitura conjetural, assim como datas atribuídas, aparecem assinalados por colchetes ([ ]), ao passo que o sinal de barra ( / ) é utilizado para indicar mudança de linha – notadamente em anotações feitas nas margens das cartas.

A normatização do texto levou em conta, além da atualização ortográfica e dos estrangeirismos já incorporados ao nosso léxico, os seguintes critérios: a) desenvolvimento de palavras abreviadas, a exemplo do pronome v. (você) e do substantivo sr. (senhor); b) citação em itálico de títulos de livros, nomes de órgãos de imprensa, e entre aspas, de poemas, artigos, contos e crônicas; c) supressão de travessões indicativos do início de parágrafos; d) padronização do modo de indicação das datas na correspondência; e) manutenção da pontuação original, exceto quando truncava o texto; f) respeito às marcas particulares de grafia, como sublinhados e palavras em caixa alta. No caso das cartas de Mário, grafias utilizadas pelo escritor modernista como “pra”, “ara”, “sinão”, “si”, “suberam”, “milhor”, “desque”, “praquê” foram conservadas, por se tratarem de peculiaridades que fazem parte do estilo andradino. Nos casos de corte ou de interrupção de trechos das cartas, que constituem os três conjuntos analisados, o uso convencional de reticências entre colchetes foi adotado.

No que concerne à materialidade das cartas, são variados os tipos de documentos – bilhetes, cartões de visita, cartões postais, telegramas – e os suportes empregados na escrita das correspondências (papel carta pautado e sem pauta, folhas timbradas de repartições públicas em que os missivistas atuavam, resmas de papel). Assim, procedi à elaboração de notas descritivas da materialidade de cada documento, inseridas ao fim de cada carta, informando: características do papel (timbre), da escrita (autógrafo, datiloscrito) e das intervenções no documento (anotações do remetente ou do destinatário).

Com o intuito de enriquecer a leitura dos conjuntos, fiz notas para “contextualizar o enunciado elítptico das cartas”.162 A elaboração de notas consiste em um complexo problema teórico-metodológico, pois coloca em pauta a questão de como os critérios (escolhas interpretativas e redacionais adotados pelo editor) orientam as condições a partir das quais o leitor vai construir sua leitura da correspondência.

162 MORAES, 2014a, p. 07. Para mais informações acerca dos debates em torno do procedimento de edição de correspondências e de elaboração de notas, recomendo a leitura de BECKER (2013) e MORAES (2001 e 2014a). 73

Ao consultarmos algumas edições de correspondências disponíveis hoje, no Brasil, é possível perguntar (como diz a pesquisadora Colette Becker) se se tratam de edições de cartas ou de notas – pois há casos nos quais as informações das notas são mais extensas do que o texto da missiva, cujas referências tenta explicitar. Diante dos impasses levantados por vários pesquisadores, optei pela proposta formulada por Becker em seu trabalho de organização da correspondência reunida de Émile Zola. Essa consiste na elaboração de “notas de acompanhamento”163 que auxiliem o leitor a seguir o diálogo e a capturar a ambiência na qual esse ocorreu. Estas narrativas suplementares,164 que reúnem crítica, comentário e tradução, reformulam o original,165 recuperando a tradição das leituras, de modo a propiciar a recriação interpretativa do texto “transcriado” para novos contextos. Assim, catalisadoras e irradiadoras, as notas se inscrevem, no corpo das correspondências, como ponto de contato tangencial que estabelece a simultaneidade entre presente, passado e futuro, limiares nos quais se deslocam e se tensionam, espacial e temporalmente, tanto o editor-tradutor quanto o leitor e as cartas com as quais esses conversam.

Para a elaboração das notas foram utilizadas várias publicações (sobretudo dicionários e edições de correspondências) listadas nas referências bibliográficas. No caso da correspondência entre Mário e Murilo, foram acrescidas algumas notas e revistas as existentes em Mário e o pirotécnico aprendiz, notadamente no que diz respeito à extensão das mesmas. Assinalo, ainda, que as notas sobre personagens, locais e fatos fornecidos nas cartas de Murilo com Mário e Otto não se repetem na correspondência com Fernando – a não ser quando julguei necessária uma recontextualização das informações mencionadas anteriormente. Com relação ao que não pôde contar com referências mais precisas (pessoas, circunstâncias, eventos, locais, publicações), foram feitos esforços para identificá-las, mas nem sempre isso

163 BECKER, 2013, p. 151. 164 Penso na noção de suplemento, elaborada por Jacques Derrida, que consiste na expansão da cadeia de significações, de modo a propiciar o deslocamento e a produtividade de sentidos possíveis para um termo ou texto, que não é visto como unidade ou totalidade autônoma, portador de sentido fixado, estável ou único – mas resultado sempre momentâneo, cambiante, impreciso. No caso da anotação das cartas, trata-se de engendrar um comentário que propicie ao leitor um aparato de leitura que atue como gerador de interpretações acerca de acontecimentos, de circunstâncias ou de obras mencionadas pelos interlocutores. 165 Faço menção à leitura de Márcio Seligmann-Silva do projeto benjaminiano de reelaboração da crítica de obras literárias como gênero. De acordo com Silva (1999, p.205), ao postular as correspondências entre as práticas do crítico e do tradutor, Benjamin reuniu “crítica, comentário e tradução na sua leitura das obras literárias – e na sua leitura da história e do mundo”. Para mais detalhes, ver SELIGMANN-SILVA, 1999, p. 199- 205. 74 foi possível – pois há acontecimentos e vidas cujos rastros não se encontram acessíveis, mesmo hoje, com a profusão de bases de dados eletrônicas.

2.5. Aos leitores, as cartas: prólogo às correspondências

Eu as fiz estrategicamente minhas, para que você, leitor, não se amedrontasse ao querer fazê-las suas.166

A fim de organizar a correspondência recíproca de Murilo Rubião com Mário de Andrade e Otto Lara Resende e as cartas que Rubião recebeu de Sabino, dispostas aqui no formato de (h)antologia, delimitei alguns critérios, objetivando facilitar a leitura. Um deles concerne à ordem em que são dispostos os conjuntos. Eles se encontram ordenados cronologicamente, da correspondência Mário e Murilo (1939-1945), Murilo e Otto (1947- 1991) e Fernando a Murilo (1942-1983). Apesar do diálogo de Rubião e Sabino iniciar antes da conversa postal com Otto, optei por colocar aquele por último, por considerar que a leitura das cartas de Murilo e Otto pode auxiliar em sua compreensão, fornecendo indícios para um exercício imaginativo do que poderia constar nas cartas fantasmas de Rubião a Sabino, sugerindo assim, ao leitor elementos para elaborar respostas hipotéticas.

Esta organização também se relaciona a outra questão, a de ser possível perceber, nos períodos delimitados pelo diálogo com cada interlocutor, três momentos distintos da vida literária de Murilo Rubião. No primeiro, 1939 a 1949, vemos o escritor ainda jovem, “pirotécnico aprendiz”, leitor-iniciante tanto da tradição literária como da própria obra, que busca aprimorar seu instrumento de escrita. Esse processo de compreensão de sua linguagem ficcional se dá a partir dos conselhos e do olhar do escritor consagrado (Mário), mas também dos amigos de geração (Otto e Sabino). Nas cartas desse contexto, observa-se na conversa com os amigos vintanistas um tom informal (mas nem por isso menos “encenado”), que reforça a sensação de cumplicidade vista na troca de ideias, na escrita compartilhada mediante permuta de manuscritos, mas também no “puxar angústias”.167 Não são poucas as cartas em

166 SANTIAGO, 2006, p. 93. 167 Referência a termo empregado pelo personagem Eduardo Marciano, protagonista do romance O encontro marcado (1956). “Puxar angústia” consiste em expressar aos amigos questões existenciais que atormentam a pessoa em uma circunstância específica. Tal termo revela, ainda, a recepção da obra de Jean Paul Sartre na 75 que os três expõem as dúvidas e as questões existenciais (como a insatisfação de Murilo com a própria ficção, ou as questões de cunho religioso, no caso de Sabino e Otto) que formam seus tumultuosos “mares interiores”. No que diz respeito a características de estilo, é possível observar peculiaridades do texto epistolar de Murilo, como a linguagem metafórica e o uso recorrente de citações bíblicas em suas cartas a Otto – “lavores de estilo” que implicam “cartas literárias”.

No diálogo com Mário, apesar da disponibilidade e da empatia demonstradas pelo “irmão maior”, desde a primeira resposta em suas “cartas de pijama”, predomina certa dissimetria entre o mestre “amigo, despreocupado, sofredor, aguentador lutador e camarada” e o discreto aprendiz em busca de legitimação. Mas, no correr dessa conversa, vemos Murilo passar, aos poucos, das “cartas de terno”, formais e tensas, às “cartas em manga de camisa”, menos formais e mais íntimas, afirmando, ainda que de modo titubeante, sua maneira de fazer literatura.

Este período também produziu as cartas mais “pesadas”, mais intelectualizadas e ricas em comentários e em debates sobre os processos de criação. São vários os exemplos de cartas em que Mário, Otto e Fernando se debruçam sobre os contos de Rubião, analisando-os, discutindo aspectos formais e esboçando reflexões acerca da literatura. Particularmente interessantes são os comentários de Sabino sobre os contos de Rubião, como aquele no qual observa a descoberta, por parte de Murilo, do “recurso sádico e eficiente de cortar, em vez de desenvolver”.168 Considero este momento como aquele no qual a reescrita passa a exercer papel importante no processo de composição do autor de “O pirotécnico Zacarias”, adquirindo o aspecto de prática que não consiste apenas no retoque da linguagem, visando, antes, ao burilamento desta.

No segundo momento, que compreende o período entre 1950 e 1959, nota-se um esmaecimento do diálogo com Fernando no decorrer da década de 1950, no qual não há mais que três cartas – dentre as quais apenas uma sobre literatura. Entretanto, nesta mesma época são trocadas trinta e três cartas entre Murilo e Otto, em meio às quais há documentos significativos. No plano pessoal, ocorrem deslocamentos geográficos, como o retorno de

geração de Sabino, Rubião e Lara Resende, como poderá se observar nas cartas eivadas de melancolia desses escritores, mas também nas menções à obra sartriana feitas por Sabino em suas cartas a Rubião. 168 SABINO, Carta a Murilo Rubião, 07 de setembro de 1947. 76

Murilo a Belo Horizonte (após a breve temporada em que reside com Otto no Rio de Janeiro). Também vemos Murilo se estabelecer como funcionário público e se tornar chefe de gabinete de Juscelino Kubitschek. Há comentários sobre a sensação de exílio, partilhada por Murilo e Otto durante o período em que residem em Madri e Bruxelas, respectivamente, na condição de adidos culturais. No plano da ficção de Murilo, além do curioso comentário sobre o caráter autobiográfico de sua ficção, também há notícia da novela “Manoel, o nascido do esgoto” (que não chegou a ser concluída) e da elaboração do conto “Teleco, o coelhinho”, minuciosamente comentado por Otto em carta de 17 de setembro de 1957. Da parte de Otto, há registros da publicação do livro de contos Boca do Inferno, da elaboração do romance O braço direito e da novela “O carneirinho azul”.

No último momento, o mais longo da correspondência, que abrange os anos de 1966 a 1991, o fluxo das cartas é ainda menos caudaloso. Com exceção de uma carta datada de 1966, em que Fernando Sabino faz considerações acerca da ficção de Murilo por ocasião do recebimento de Os dragões, o autor de Os movimentos simulados se limita a dar notícias esporádicas acerca da leitura de contos de Murilo em revistas e jornais. O entusiasmo e a escrita compartilhada da juventude cede lugar a cartas mais objetivas e a questões de outra ordem, como o excesso de trabalho. O principal tema desse contexto é o Suplemento Literário. Neste momento, o autor de “Bruma” já figura como escritor canonizado, que publica livros em grandes tiragens e possui intensa atuação junto ao Estado na direção e na formulação de diretrizes culturais. Curiosamente, ao fim da vida, Murilo se assemelha ao Mário de Andrade (Murilo de Andrade?) que conheceu quando jovem: dividido entre as tarefas de homem público e de escritor canonizado, assoberbado por demandas como conferências, correspondências e entrevistas, além da condição de mediador cultural que auxilia na legitimação dos novos escritores e como intelectual requisitado por vários setores do campo cultural.

Após essa breve introdução ao teor desses diálogos epistolares, convido você, que me lê, a navegar por esses mares interiores. Boas leituras e até nosso reencontro, no “P.S.”, quando passo a sugerir outros caminhos para expandir as rotas possíveis de navegação. 77

3. IRMÃO MAIOR, IRMÃO PEQUENO: correspondência Mário de Andrade & Murilo Rubião

Escrevi muito e não consegui dizer quase nada do que pretendia. É sempre assim. O que escrevo dificilmente corresponde ao que sinto. Torno-me enfático, presunçoso e literário sem querer. (Murilo Rubião, carta 08, 23 de julho de 1943)

(...) sua carta não tem propriamente resposta, foi mais um desabafo do seu sofrimento de artista e achei meia graça nele. Si estivesse a seu lado pegava na violinha e lhe entoava aquele acalanto paciente do “Rito do Irmão Pequeno”: “Chora, irmão pequeno, chora – Porque chegou o momento da dor”... (Mário de Andrade, carta 14, 05 de abril de 1944) 116

4. “MARES INTERIORES”: correspondência Murilo Rubião & Otto Lara Resende

Entretanto, havia mares interiores. (Murilo Rubião, carta 08, 05 de Agosto de 1948)

Pois o que é preciso é alçar as âncoras e partir. Partir! Partir! (Creio que realizo a viagem temerária pelos mares interiores). (Otto Lara Resende, carta 16, 02 de Dezembro de 1948) 214

5. “CARTAS PIROTÉCNICAS”: cartas de Fernando Sabino a Murilo Rubião

Aguardo ansioso suas notícias. Que elas sejam muitas, alegres ou tristes, felizes ou infelizes, líricas ou prosaicas, autênticas ou inventadas. (carta 24, 22 de julho de 1947) 215

01 [Caxambú, 08 de Janeiro de 1942]

Murilo

Como é que é esse bate-te aí? Aqui a coisa está do barulho, você é um bobo de achar que eu não devia vir. Enfim, questão de pontos de vista, não há de ser nada. Já mandei dois cartões daqui para você – não é possível que não tenha recebido. Estou aqui com a Lúcia me amolando (não apoiado) as ideias. Deixei um espaço para ela protestar. Já protestou. Muito bem. Como é que vai a turma aí? Fritz, Jair,403 [?], tudo no mesmo, não é? A respeito do meu livro, nada de novo, não? A repercussão do artigo do Flávio Campos aí foi muito grande?404 Depois de lê-lo outra vez, acabei por achar amargamente que aquilo tudo é pura verdade. Como sempre, não há de ser nada. Não é possível escrever com [pausa?] coisa com estas duas aqui. Enfim, prefiro não escrever [a que elas se vão]. Pronto. Ganhei um lindo sorriso “Kolinos”. Tome Leite condensado marca moça!!! Mudei de página e de [?]. Você o que é que tem feito aí? Vimos seus retratos na Belo Horizonte405 e sentimos falta de sua crônica. Mas você fez bem em não dar porque aquele pessoal é muito sujo mesmo. Emilia ficou radiante com o seu retrato ao qual anexamos uma grande auréola a lápis, para que ela o visse. Lúcia quer saber quando é que você vai dar a resposta literária para a “enquete”406 (censurado o último período). Imagine que aqui em

403 Fritz Teixeira de Salles e Jair Rebelo Horta. 404 Nas Obras reunidas de FS, não há menção ao texto de Flávio Campos. Também foram feitas leituras pesquisas no Arquivo-Museu de Literatura Brasileira, da Fundação Casa de Rui Barbosa, e no Acervo de Escritores Mineiros da UFMG, onde se localizam partes do espólio arquivistico de FS, mas o artigo de Flávio Campos acerca de Os grilos não cantam mais não foi localizado. 405 Revista Belo Horizonte, editada de 1932 a meados da década de 1950, era editada na própria capital, com periodicidade semanal. Publicação de conteúdo literário e noticioso, também trazia contos, humor e reportagens sobre moda e sobre o Estado mineiro. O público alvo da revista eram pessoas interessadas em literatura e diversidades, mas, após algumas publicações, a revista se volta mais para o público feminino. A distribuição da revista era restrita às cidades mineiras de maior expressão sócio-econômica da época. 406 Trecho riscado: “da revista do Helio isto é a Diretrizes”. Diretrizes foi uma importante publicação editada no Rio de Janeiro de maio de 1938 a julho de 1944 por Azevedo Amaral e, posteriormente, por Samuel Wainer. Inicialmente favorável ao autoritarismo do Estado Novo, com a saída de Amaral, que era apoiador do regime de Getúlio Vargas, a publicação adota, sob a direção de Wainer, uma linha editorial diversa, sobretudo no que concerne a orientação política. Em sua nova fase, a revista passa a contar com vários escritores de orientação comunista, como Jorge Amado, Octávio Malta, Rachel de Queiróz, adotando linguagem popular e se tornando mais engajada politicamente, publicando artigos de crítica ao fascismo e em defesa da democratização. 216

Caxambú apareceram dois Grilos407 na livraria e eu comprei todos dois. Também não há de ser nada. Oh Murilo, esse negócio aqui é uma boa vida que você nem imagina. Estou escrevendo sem ver porque tem uma mão na minha cara. Lúcia acaba de evocar a sua personalidade inconfundível, (a não ser com o diretor do Atlético) melhorou muito, mudei de caneta. Helena408 disse que você é um bobo porque não queria que eu viesse. Mas depois de nós três termos confabulado bastante, concluímos que você não é tão bobo assim. Emília arranjou um namorado aqui e já se esqueceu de você. Por isso acho que você é que devia ter vindo também, e não eu ficado. Telefone para o Luizinho 2012 para mim, sim? Pergunte se há alguma novidade e se ele tem algum livro para mim. Murilo Murilo se eu me chamasse Murilo, seria uma rima... Estou pondo todas as bobagens que a Lúcia vai falando aqui perto de mim. Impressionismo, Murilo, puro impressionismo! Murilo!!! Murilo!!! Murilo!!! Umas bobagens... Umas coisas sem graça (Oswaldo Alves)409 Agora, passo a palavra à Lúcia: [vire: eh! eh! eh!] Agradeça o anúncio ao Newton. Eu vi. Saiu algum artigo no Diário? Lúcia410 recusa-se a prestar declarações.411 (Disse que não faz declarações de dia. Só para mim. Assim mesmo na vista dela. Sabe quem é ela? Não? Oh, esses pirotécnicos!) Visto com restrições. [Ecinha] a dos cabelos verdes. Esta carta quem escreveu foi o

Fernando Tavares Sabino.

De acordo. Arquive-se Maria Helena V. 8-1º-42412

407 Alusão a Os grilos não cantam mais, primeiro livro publicado por Fernando Sabino, que ainda assinava Fernando Tavares Sabino. 408 Helena Valladares Ribeiro. Filha do político mineiro Benedito Valladare Ribeiros (1892-1973), primeira esposa de Fernando Sabino, com quem se casa em 1944, tendo se separado em 1956. 409 Referência ao escritor Oswaldo Alves de Sousa (1912-1998). Ver correspondência de MR e OLR, carta 04, nota 156. 410 Lúcia Valadares (1923-), filha de Benedito Valadares. 411 Caligrafia diferente da de F. S., autoria desconhecida. 412 Caligrafia diferente da de F. S.. Parece tratar-se da letra de Helena Valladares. 217

Censurado viu? Emília [?]

Carta assinada: “Fernando Tavares Sabino”; datada: “8-1-42”; autógrafo a lápis preto, vermelho e tinta azul; papel timbrado, pautado, apresenta os seguintes dizeres impressos: “Hotel Gloria / End. Telegr. “Mingote” – Telefs., 41-42 / CAXAMBÚ / - MINAS - / Tip. “A Popular” - Caxambú”. 3 fls.

02 Belo Horizonte, 21 Abril 1943

Meu velho Murilo,

Estou aqui batendo rapidamente esta carta e ver se pega o correio de hoje. É que eu quero te pedir um favor: aí em frente ao bar do Hotel Toffolo, ao lado da tal livraria do Henrique Malta que lhe falei, há um armazém, ou coisa parecida. Desejava que você entrasse nele e me comprasse alguns sincerros,413 (aquele negócio de dependurar no pescoço do burro: não se espante, é para a bateria). Existe de vários tamanhos; o maior, de 7$500 mais ou menos, eu tenho. Os que eu quero são os outros, uns dois ou três. Compre-os para mim, e que eu te pagarei. Não são caros, todos sairão mais ou menos nuns 10$ ou 12$000. E muito obrigado, um forte abraço para você, desejando de coração que se divirta bastante no meio desta velharia. Até logo, pois o Toninho414 já está saindo e ele é quem vai levar esta carta.

Sempre seu o

Fernando

Carta assinada: “Fernando”; datada: “B.H., 21 de abril de 43”; datiloscrito; autógrafo e grifos a lápis vermelho;1 fl.

03 Juiz de Fora, 12 Outubro 1943

Meu caro Murilo,

413 Sincerros ou campanas (ou cincerro, como se grafa hoje) são sinos de tamanho pequeno, utilizados dependurados nos pescoços de equinos e bovinos para facilitar a localização destes animais quando soltos em pastagens ou campos. Como FS queria para utilizá-lo como peça de sua bateria, presume-se que a peça teria a função do instrumento de percussão derivado desse uso primeiro, que se denomina como cowbell (sino de vaca). 414 Antônio Tavares Sabino, irmão de FS. 218

Aqui estou nesta terra engraçada feito besta, até agora sem saber porque. Por enquanto o batente não tem estado duro não, estão realizando um concurso, de modo que as instruções propriamente não começaram. O capitão até que não é mau sujeito, bem camarada, a turma de aspirantes também. E o tratamento para oficial é outra coisa, a gente tem cavalo, um praça para encilhar, os outros oficiais têm consideração. Mas ficar o dia inteiro lá desde 6 horas até 5 da tarde, a farda incomodando, naquela conversa mole – eta merda! Mas a cidade é que é do barulho, Murilão. Meio depravada até, nunca vi assim. Toda mulher que passa na rua, o povo daqui aponta e fala: aquela ali dá. Tem “camofa” pra todo lado (camofa é como eles chamam as ditas cujas aqui). Você está andando na rua, está ouvindo barulhinho de ficha vindo dos andares superiores de várias casas, jogo para todo lado. As meninas na rua só faltam agredir a gente. Sentou no cinema, olhou pro lado, tem gente, é só engatar. Você aqui tirava a barriga da miséria. Como é que vai aquela chocadeira da Praça Rio Branco?415 Melhorou alguma coisa com sua entrada? Ou foi você que piorou? Quando você for trabalhar no Radio Teatro é só avisar para eu escutar daqui, ver se você é melhor que o Paula Lima416 ou o Reis. E dê um beijinho na testa do Alfonsinho.417 Como vai o Hélio e a cambada? Me mandaram um telegrama insultuoso sobre a homenagem do Mário, fale com eles para botarem aquela merda pra fora de uma vez ou eu vou aí e fecho o tempo. E para não vir com desculpas não, que meu artigo vai quando eu quiser. Bem, se eles ouvirem caladinhos, dê em cada um um vastíssimo abraço meu, diga para escreverem, deixarem de ser sujos, e você também: Hélio, Paulo, Emílio, Otto. Fala com o Jair que tem uma mulher na zona que é a cara dele direitinho; trepar com ela é o mesmo que trepar com o Jair, e, por sinal, chama Cinderela. Murilo, nunca pensei que o Jair fosse tão gostoso, fala com ele que eu mandei falar que ele mexe muito bem. E se achar ruim, é só escrever xingando, que eu respondo xingando também, para xingar estou sozinho: pornografia aqui é o dia inteiro, com uma hora para o almoço. O BRASIL ESPERA QUE CADA UM CUMPRA O SEU DEVER. Por falar em pornografia, fala com a turma que andei comprando uns livros esgotados aqui do cacete, como diz o Pedroquinha, saudosa memória (tem tido notícias daquele incorrigível mentecapto?) e só dou para aquele que me escrever (comprei mais de um

415 Referência (irônica) de FS à Rádio Inconfidência de Minas Gerais, emissora da qual MR foi Diretor entre 1943 e 1945. 416 O ator, dramaturgo crítico e tradutor Francisco Pontes de Paula Lima, amigo de FS, participou de várias representações teatrais transmitidas por emissoras de rádio brasileiras. 417 Parece tratar do poeta Alphonsus de Guimaraens Filho (1918-2008). 219 exemplar de cada; pode garantir que são bons, são mesmo; só não conto quais são que começa a chover carta por interesse, eta pessoal sujo! A gente sai, vem para essa merda aqui, um tempão, os bestas nem uma linha! Mas eles hão de ver, os pósteros os julgarão. Você também; em todo caso há a atenuante das flores e estrelas que você mandou; as flores chegaram murchas e as estrelas, - aqui está chovendo sem parar. Portanto, nada feito. Escreva também, pois do contrário você verá rompidas suas relações com o glorioso Exército Brasileiro. Bem, seu Murilo, acho que já matei as saudades que você deve estar sentindo de mim. Também tenho sentido falta de você aí. E Helena – puxa, como deixa a gente até meio abobalhado, três meses! Bem, essa carta tem muito nome feio para que eu fale nela. Mande- me também uns nomes feios, conte as novidades daí, etc e tal, o que é que você tem feito, quem casou, quem não casou, quem fugiu com quem, como vai o nosso Etienne com a literarioa (escrevi literarioa sem querem, agora fica) dê um abraço se estiver com ele. Segue uma lista dos abraços que você vai dar para mim (os com asterisco são com o competente pedido de que me escrevam. Com dois asteriscos, para deixarem de ser sujos):

Jair*418 Hélio**419 Otto**420 Emílio*421 Maria Inez Bolivar************ João Dornas422 Alvares da Silva Foquinha* Etiene423 também, com cuidado, não aperte muito. Benedito Valadares**424 Maria Inez sem ser Bolivar (1) Prof. Eugênio Rubião425 e Toninho meu irmão. (1) Esta, você querendo pode dar alguma coisa mais além de abraço.

Não abrace!

Nilo Aparecida Pinto426

418 Jair Rebelo Horta. 419 Hélio Pellegrino. 420 Otto Lara Resende. 421 Emílio Moura. 422 João Dornas Filho. 423 João Etienne Filho. 424 Benedito Valladares, ver carta 01 de FS a MR, nota 319 425 O filólogo, professor e poeta Eugênio Rubião (1887-1949), pai de MR. 220

Sérvulo de Melo427 Madame Helena Antipoff428 Roberto Franck Ayres da Mata Machado Filho429 A Caixa da Celeste e Dr. Gamaliel Suaris.

Não se esqueça de bater nas costas do Nicolai, por causa da minha conta. E isso, seriamente; se passar pela livraria Inconfidência, procure o Carlito, diga que estou fazendo estágio, mando avisar que logo que voltar saldarei minha conta. Faça esse favor. Outra coisa, ia me esquecendo: converse com Santa Rosa a respeito da capa do meu livro que já está na Zé Olimpio, escrevi ao Santa encomendando a capa. Peça para fazer o mais depressa possível. Diga ao Otto para me mandar com urgência notícias da vizinha do Hélio. E ao Hélio para deixar de ser besta e me escrever. Bem, o tempo aqui é desgraçado de curto. Dia vinte dou para as manobras. Seu Domingos vem para cá, converse com ele antes. Velho Murilão, me escreva, e receba lá um grande abraço do

Fernando S. Fernando Sabino - Aspirante de Cavalaria - Oficial de Gabinete da Secretaria da Agricultura, Indústria e Trabalho - Autor de “Os grilos não cantam mais” - Autor de “A Marca” - Amigo do autor de “O dono do arco-íris” -Habitante da Manchester Mineira e vários outros títulos

426 Nilo Aparecida Pinto (1915-1974). Natural de Vitória, no Espírito Santo, mudou-se para Belo Horizonte em 1940, onde exerceu o jornalismo. Como poeta, fez parte da Academia Mineira de Letras. Publicou os livros Meu Coração em Cantigas (1940), Poesias Escolhidas (1944), Rosa de Saron (1952) e Sonetos (1968). 427 Pouca informação foi encontrada sobre Sérvulo de Melo. O pouco que se localizou foi que seu nome consta na relação de colaboradores do jornal A Manhã, do Rio de Janeiro, e do “Letras e Artes” (suplemento literário de A Manhã). 428 Helena Wladimirna Antipoff (1892-1974) foi uma psicóloga e pedagoga de origem russa e fixou no Brasil a partir de 1929, a convite do governo do estado de Minas Gerais, no contexto da operacionalização da reforma de ensino conhecida como Reforma Francisco Campos-Mário Casassanta. Pesquisadora e educadora da criança portadora de deficiência foi pioneira na introdução da educação especial no Brasil, onde fundou a primeira Sociedade Pestalozzi, iniciando o movimento pestalozziano brasileiro. 429 Aires da Mata Machado Filho (1909-1985). Filólogo, linguista e professor, foi ativo participante da vida cultural de Minas Gerais. Desenvolveu pesquisas importantes sobre o dialeto falado por descendentes de escravos em São João da Chapada/Diamantina/MG, sendo O negro e o garimpo em Minas Gerais (1943) sua obra maior repercussão. Publicou diversos livros de linguística, história, literatura, folclore e etnologia

221

Carta assinada: “Fernando S.”; datada: “Juiz de Fora, 12-10-43”; datiloscrito; autógrafo a tinta preta; papel timbrado, apresenta os seguintes dizeres impressos: “Estado de Minas Gerais / Gabinete do Secretário da Agricultura”.2 fl.

04 Belo Horizonte, 18 Janeiro 1944

Murilo ilustre,

Não sei se será possível a minha ida aí agora. Estou esperando as provas na Escola,430 não vou poder sair daqui antes disso. Depois estou também trabalhando. De modo que acho meio difícil estar aí com você e o Mário,431 como tanto queria. E você tem feito muita falta aqui, palavra. Isso aqui está muito pau, tão pau que até já está mais ou menos resolvido que eu mude para o Rio ainda esse ano, depois de me casar. Pessoalmente conversaremos sobre isso. O Carlos432 está por aqui com o Pedro Nava.433 Diga ao Mário que não desisti de estar com ele aí em São Paulo. Penso ir em princípios de Fevereiro com o Carlos. (Sobre o Carlos não diga ao Mário, será surpresa). Estarei antes com você aqui. Como vai o Mário? Não deixe de lhe dar um vastíssimo abraço, diga-lhe que tenho cartas enormes engatilhadas para ele, mas não escrevi ainda porque ando sem tempo e se trata de assuntos mais ou menos graves. Mas do abraço não se esqueça. Você tem gostado dele? Inveja muita tenho sentido de você aí com ele, nesses dias em que aqui está tão pau (Helena vai embora pro Rio depois de amanhã, veja você) chego até a sentir ligeiras nostalgias de J. de Fora. E o Pedrosa com as inconfessáveis complicações?... Andei dando pulos aqui com a história da promissória. Hoje a mulherzinha chegou, me telefonou, falando em passagens de avião pelo Governo, em dinheiro emprestado, em me telefonar outras vezes – positivamente isso está meio pau, tudo a conselho do Pedrosa que, francamente, deve ter mesmo muito camarão na cabeça.

430 Provavelmente FS se refere a provas da Faculdade de Direito. 431 Em carta de 30/12/1943, MR informa a MA a respeito de uma viagem a São Paulo que fará ao início de janeiro de 1944: “devo seguir para São Paulo na primeira quinzena de janeiro próximo. Vou aí a serviço da Rádio (comprar discos para nossa discoteca) e da Secretaria da Agricultura, que deseja montar na “Feira de Amostras”, conjuntamente com a Prefeitura, uma Discoteca Pública. E fiquei satisfeitíssimo, sabendo que uma das pessoas que me deverão orientar nesse trabalho seria você. Também a mineira Oneyda Alvarenga, não? Além disso é uma ótima oportunidade para estar com Aurélia e conhecer Gilda e Antônio Cândido. Irei acompanhado do diretor artístico da emissora e, possivelmente, do Fernando”. 432 O poeta Carlos Drummond de Andrade (1902-1987). 433 O médico e memorialista Pedro da Silva Nava (1903-1984). 222

Meu livro está pronto.434 Corrigi as provas já, paginadas, ficou uma beleza. Você viu para mim a capa com o Santa Rosa?435 Manda dizer, por favor. E me escreva contando casos do Mário, o que você achou, o que ele falou, como ele vai indo, conte que eu vou aí, se ele quer mandar dizer alguma coisa para mim, e que vou escrever-lhe de hoje para amanhã. E os discos? Para mim você até se esqueceu deles. Aqui na Sec. você está com um grande cartaz como Diretor. Conte as novidades. Como é que você tem passado nessa terra chata. Apareceu aqui um abacaxi para eu fazer. Me escreva, viu? Ando saudoso de sua graciosa figura. Helena manda abraços.

Sempre seu o

Fernando.

Carta assinada: “Fernando S.”; datada: “Belo Horizonte, 18-01-44”; autógrafo a lápis preto; papel timbrado, apresenta os seguintes dizeres impressos: “Secretaria da Agricultura / Gabinete do Secretário”. 5 fls.

05 [Rio de Janeiro], 24 de Agosto de 1944

Querido Murilo,

Uma e tanto da manhã, Helena dorme e eu aqui germinando uma angústia fria [feia?], saudade dos amigos como você, que fazer falta. Ainda agora ouvi uma voz lá na rua, um pigarro como daqueles seus. Ingenuamente corri à janela, mas a ilusão não durou muito, não podia ser você. Seu Domingos436 me trouxe hoje notícias frescas de você; senti vontade de uma conversinha fiada, daquelas que vão aumentando, aumentando, e terminam em doces confidências, uma dor bem nobre e pura que cada um de nós traz consigo, e o outro fica sentindo também – você está me fazendo falta, velho Rubião, sempre renovado dentro de mim, e sempre o velho Rubião de desde os primeiros tempos. Até faz pensar que eu na verdade já nem existo mais, Murilo. A gente se perde em amor e amizade no coração dos amigos, se dá todo, se distribui e o que resta no fim é apenas a lembrança de que se foi, e o eco que ela desperta no nosso próprio coração. É bem verdade que eu estou me sentindo (e

434 Parece tratar-se da novela A Marca, publicada em 1944. 435 Tomás Santa Rosa Junior (1909-1956), mais conhecido por Santa Rosa. Foi um artista plural, tendo se notabilizado como pintor, ilustrador, artista gráfico, professor e crítico de arte. No teatro participou da fundação dos grupos Os Comediantes e Teatro Experimental do Negro, sendo ainda considerado o primeiro cenógrafo moderno brasileiro por seu trabalho em O vestido de noiva (1943), de Nelson Rodrigues. No campo das artes gráficas, Santa Rosa fez projetos de vários clássicos da literatura brasileira para a Livraria José Olympio. 436 Domingos Sabino, pai de FS. 223 com que força eu agradeço a Deus!) esbanjado, perdido em vocês, e em você, no Hélio, na Helena, nos outros dois, que eu vou me encontrar novamente, transfigurado em amor que distribuí e distribuo para os quatro cantos; é numa palavra sua, dita ocasionalmente, numa carta do Hélio, arrebatada e terna, ou do Otto, pobre e querido passarinho feio, num carinho distraído da Helena é que me vejo a cada minuto o que eu sou transformado em passado, me ver em coágulos, aqui e ali, a minha essência real e verdadeira, a minha existência bem mais grave do que as vezes sou levado a pensar e afinal de contas tão pobre e tão simples. É por isso que eu, como hoje, os amigos tão longe!, Helena dormindo com uma envolvente ternura, quase um halo de pureza que lhe dá esse amor tão puro que ela me tem, eu sozinho; nada sou senão o que ficou em vocês, nada ou senão as longas conversas que tivemos, quando um precisava do outro, e nós amparávamos e íamos andando... É nas longas noites passadas, Murilo, naquelas nossas intermináveis caminhadas por essas ruas tão amigas, a Folha,437 o nosso chopinho, café de tarde na Celeste,438 tudo isso que ficou para trás, é lá que eu estou e estamos sempre, mal sabíamos que estávamos consumindo vida, dia após dia, respirando tempo, mal sabíamos que um dia haveríamos de voltar sobre nós mesmos, numa caminhada mais longa ainda, para descobrir o que de nós ficou para sempre, plantado como uma bandeira e que era a nossa vida ela mesma feita em amizade e amor. Te digo, Murilo, que outra não é a minha impressão, senão a de que eu existo somente em vocês a quem amo. Tudo o mais se perde, se desmancha em nada, não tem a mínima consistência para mim. Obedeço a esse cansativo ritual, “liturgia da morte”, como tão bem diz o Hélio, apenas por displicência, tédio ou quem sabe covardia. A única realidade em mim é o amor que eu tenho, por vocês, pelo mundo, por todo mundo e por todas as coisas. Somente por amor e pelo amor eu poderei seguir o meu caminho, pois é o único. Com a graça de Deus. Sinto que devo estar muito chato, o que evidentemente você desculpará. Acontece que eu estou meio triste, já se vê, e tenho sentido sua falta e da turminha com uma violência nunca sentida. Não tenho feito nada de útil ou aproveitável, literatura então, nada de nada. Andam saindo aqueles meus contos que eu trouxe daí, o que me faz lembrar da sua tirada sobre o Etienne, perfeitamente aplicável a mim no caso: puta velha exibindo velhos encantos, etc... Ando pensando que devo ser mesmo um caso de erro de imprensa.

437 Referência ao jornal Folha de Minas, onde FS e MR trabalharam juntos. 438 Importante ponto de encontro de jornalistas e intelectuais de Belo Horizonte, o Hotel - Leiteira Celeste situava-se na Rua da Bahia, próxima às redações dos jornais Estado de Minas, O Diário e Folha de Minas. Atualmente, no local está localizado o Hotel Metrópole. 224

Os pontos439 aqui chegaram em ordem, você como sempre uma flor. Meus efusivos agradecimentos pelos favores aí, etc e tal. Sua cotação com seu Domingos está numa altura nunca vista. Hoje me telefonou exclusivamente para me dizer que você é “um moço muito distinto”, “bom amigo é aquele” e outras que tais. Nem tanto com relação ao Paulo, por exemplo, segundo penso, pois no recorte do artigo que o Paulo fez sobre meu livro que meu pai me mandou, este último escreveu a margem, depois de grifar o pedaço em que o Paulo fala que eu não sou “dos que pretendem salvar o mundo”: “Não gostei dessa tirada asmática. O Campos parece que vai salvar o mundo com esse artigo...”. Boa, essa, não? Quanto a seu livro, ainda não pude conversar com o Marques440 sobre as modificações. Anda apertado é o Guilherme Figueiredo441 para dar um andamento naquilo. Qualquer coisa, te comunicarei. Dos títulos que você sugeriu, acho “A casa do girassol vermelho” muito bom. Falar nisso, você não me mandou “A cidade”. Se tiver, mande que devolverei. Se por acaso tiver aí na sua casa o “Bernardo” que saiu na Mensagem442 faz tempo ou o “História triste de Astolfo Malaquias” que saiu na Alterosa443, favor me mandar. Sobre as provas, você não sabe mais nada? O Mário anda querendo ir aí em Setembro, me propôs irmos juntos, mas não pude acertar nada, porque não sei quando sairão essas chatíssimas provas. Tinha vontade de ter notícias do Jair e do Fritz, que anda por essas bandas. Como vão eles? Diga ao Paulo444 que o poema do Garcia Lorca445 vai sair. Ao Alphonsus que gostei do artigo, vou escrever a ele. Aliás vou escrever ao Paulo também, e ao Otto, ao Padre Dutra, ao Veloso, ao Babaró446 e ao meu bom amigo Batista447.

439 Parece tratar-se de pontos para algum exame que FS prestaria junto a Faculdade de Direito da UMG. 440 O escritor Marques Rebelo, ver nota 150, carta 08 de MR a MA. 441 O poeta,dramaturgo, romancista e professor de teatro Guilherme de Oliveira Figueiredo (1915-1997). 442 Mensagem: revista contemporânea de cultura, circulou em Belo Horizonte entre 1938 e aproximadamente 1947. Dirigida por Aires da Mata Machado Filho, a publicação era editada no Instituto de Educação de Minsa Gerais. 443 Editada mensalmente de 1939 a 1964 pela Sociedade Editora Alterosa Ltda., no editorial de seu primeiro número a publicação se apresentava como “uma revista de Minas para Minas” voltada para “a família do Brasil”. Dedicada ao público feminino, tratava de assuntos como culinária, moda, comportamento e cinema, também fazendo parte de seu repertório as colunas literárias e sociais, além das notícias locais e internacionais. 444 Paulo Mendes Campos. 445 O poeta espanhol Federico García Lorca (1898-1936). São conhecidas oito traduções feitas por Paulo Mendes Campos de poemas de Lorca, que se encontram nos livros Diário da Tarde (1981) e Trinca de Copas (1984). Além disso, Campos dedicou ao poeta espanhol um poema, “Ode a Federico García Lorca”, publicado em O Domingo Azul do Mar (1958), que consiste em tradução e montagem de textos lorqueanosextos em forma de diálogo com o interlocutor traduzido. 446 Apelido pelo qual era conhecido o jornalista e radialista Álvaro Celso da Trindade, o primeiro narrador de futebol de Minas Gerais, que é também um dos fundadores da Associação Mineira de Cronistas Esportivos, criada em 1939.. 447 Referência ao conto “O bom amigo Batista”, de MR. 225

Abraços ao Lino e ao Emílio, se estiver com eles. Etienezinho também, of course. José de Freitas. E para você o saudoso abraço do

Fernando

Carta assinada: “Fernando”; datada: “Rio, 24-8-44”; autógrafo a tinta preta; 4 fls.

06 Rio de Janeiro, 08 de Setembro de 1944

Murilo querido,

Apenas um bilhete: segue o artigo do Lucio para você ver se publica aí no Diário448 ou na Folha.449 Penso que terei muito cedo o prazer de estar aí com vocês. Vou começar a estudar agora, daí a minha pressa neste bilhete. Estive ontem com o Marques, transmiti seu recado. Um abraço do

Fernando

Quando sair o negócio do Gabinete não deixe de me avisar.

F.

Carta assinada: “Fernando”; datada: “Rio, 8-9-44”; autógrafo a tinta preta; 1 fl.

07 Rio de Janeiro, 09 de Dezembro de 1944

Dr. Murilo Rubião

Candidatos que deverão ser incluídos são: Drummond, Murilo Mendes, Abgar, Nava e Inácio Peixoto, caso haja vaga, Rebelo insiste em ir por Minas.450 Não sei se isto será permitido.

448 Provavelmente se trata do jornal O Diário, mais conhecido como Diário Católico. Essa publicação circulou entre 1935 e 1970, quando se tornou Jornal de Minas. 449 O jornal Folha de Minas. 450 Sobre a composição da delegação mineira que compareceu ao I Congresso da Associação Brasileira de Escritores, ver notas 227 e 230, carta 20 de MR a MA. 226

Outras informações do Aníbal seguirão por carta. Leia o Jornal amanhã e escreve logo dizendo o que achou. Vinícius pagará seu conto. Abraços,

Fernando Sabino

Radiograma assinado a máquina “Fernando Sabino”; datado “Rio, 9,12,44”; datiloscrito; 1 fl.

08 Rio de Janeiro 11 de Dezembro de 1944

DR MURILO RUBIÃO BH

Fernando manda dizer: “Recebi cartas. Responderei. Espero ansioso sua opinião sobre artigo. Vera Pacheco Jordão451 irá Estados Unidos 20 dias próximo 28 e deseja ver antes alguns contos seus. Mande-nos urgente. Oswaldo irá. Rodrigo não sei ainda. Venha mesmo passar fim ano conosco. Perguntamos nós como será nosso Natal?”

Abs

VALADARES452

Radiograma assinado a máquina “Valadares”; datado “Rio, 11-12-44”; datiloscrito; 1 fl.

09 Rio de Janeiro, 08 de Maio de 1945

Meu querido Murilo:

Primeiro um abraço cheio de saudades: como vai essa gloriosa careca? Gostei de seus pontos de vista na última carta sobre literatura versus politicagem e demagogia; topo inteiramente, motivo de minhas constantes discussões aí com o Hélio. Tanto

451 Vera Pacheco Jordão (1910- ?) foi professora e tradutora. Foi casada com o editor José Olympio, tendo trabalhado nesta editora como responsável por selecionar obras de literatura estrangeira para publicção e tradução no Brasil. Pelo contexto, podemos pensar em duas hipóteses: que Vera estaria interessada em traduzir contos de MR para uma possível antologia de escritores brasileiros a ser publicada nos EUA; ou, que parece mais provável, que FS estivesse, junto com outros escritores, como Aníbal Machado, fazendo companha pela publicação de O ex-mágico pela José Olympio – que veio a recusar o livro, como MR conta em vários depoimentos. 452 Parece tratar-se de Helena Valadares, à época esposa de FS. 227 assim que anuncio-lhe ainda não oficialmente que dando por paus e por pedras acabo de terminar o meu livro. Digo ainda não oficialmente porque ainda estou passando a limpo, o que quase vale dizer escrevendo de novo. Isso apesar da política desenfreada aqui, com as mirabolantes atitudes do Prestes, o super-sensacional soquinho que mandaram dar no Macedo Soares etc etc. E o fim da guerra, ora pois, competentemente comemorado, com choradeiras de Eliana, foguetes na rua e nem um chopinho. Pelo que pude perceber da sua carta você anda meio precisadíssimo do emplastro Brás Cubas, aí nessas Minas Gerais. Não sei porque você sofre tanto justamente com o que não deveria sofrer. Você deveria sofrer saudade, amor, desencontros, movimento, vida, mas sofrer dinâmico, sofrer para frente. E principalmente sofrer alegria que é a coisa mais triste da gente sofrer. Ao contrário, você parecer estar sofrendo para trás, sofrendo tristeza, nostalgia, solidão: sofrimento estático, paralisante: acabará sofrendo morte sem ter morrido. Muito pior é uma dor de dente, e muito melhor também, pois arranca-se o dente como eu fiz na semana passada, e está tudo acabado. Hoje estou meio imbecil. Como vai o pessoal aí? O Otto me escreve cada carta de arrancar lágrimas de crocodilo. Ele não presta, não presta para nada viver assim não é negócio, esse tédio, essa tristeza, essa coisa – qual, mineirismo quando pega é dureza acabar com ele. Não diga nada ao nosso Pagé,453 que eu vou escrever a ele. Cada vez me convenço mais que pior do que... do que o quê? Estou meio pontificante hoje. O seu livro é bom, Murilo, não tem dúvida. Acho que deve sair quanto antes, porque você vai mudar muito depois dele publicado. Aí é que você vai ver se o caminho que escolheu deve ser outro. E você só pode ver publicando. O Vinícius leu e gostou, penso que vai escrever a você. Também acha que o livro será atacado, o que te ajudará muitíssimo. Falei ao Tristão, recebeu com muita simpatia a ideia de lê-lo. Ando procurando o Bandeirinha, para ele me dizer como posso encontrar o Fred Chateaubriand.454 Penso em conversa com ele pessoalmente, no sentido de resolver de uma vez se publica ou não; quando você receber esta provavelmente já terei conversado. Qualquer coisa te avisarei. Vou falar com o Ovídio eu mesmo sobre o seu caso. Você deve vir mesmo para o Rio e o mais depressa possível: além do mais você está me fazendo uma falta espantosa. Hoje

453 Um dos vários apelidos de Otto Lara Resende. 454 Frederico Chateaubriand Bandeira de Mello, jornalista, sobrinho de . Foi dono do Diário da Noite, além de editor-chefe de publicações importantes como a Revista do Brasil, O Cruzeiro, A Cigarra e diretor da TV Tupi. Também foi autor de sambas-canção, sendo que a “Sonata sem luar”, composição com Vinícius de Moraes, é a mais conhecida. 228 quase me desesperei de tédio por não ter aqui para conversar comigo um amigo, desses que ficam calados, lendo o poema de Horácio. Deixei para o fim (esta não será tão longa que eu possa te contar o que tenho feito, ficar lírico, conversar fiado para me aliviar das saudades por que Helena está me esperando para dormir). Deixei para o fim, dizia, um convite - intimação: venha passar comigo uma semana, para podermos conversar longamente, e ficar plenamente convencidos que de fato existimos. Venha logo arranje aí um jeito de não comparecer uma semana no serviço. Seu lugar aqui em casa está já arranjado, no meu escritório, não dará complicação nenhuma, Helena está de pleno acordo, ora, de pleno acordo, foi até ela mesmo que falou nisso primeiro. E não admito desculpas. Pode telegrafar marcando o dia que você chega. Você vai passar uma boa semana de descanso, boa cama e boa mesa, bela vista para o mar – tudo grátis. Nada de visitar muita gente, nem grandes planos: apenas conversa fiada, uns chopinhos honestos no Alcazar, uma voltinha pela cidade durante o dia. Poderíamos procurar o Ovídio juntos, já que você está mesmo resolvido o jeito é toparmos a coisa de cara, para conseguirmos e não ficar tudo em conversa mole. Agora, exijo uma condição: traga um calção de banho, porque desta vez você há de ir ao mar comigo nem que seja a força exibir esse físico de que elas nem sequer desconfiam. Recebi a carta com as assinaturas do negócio do Mário455 para entregar ao Rodrigo.456 Tudo ok. Dia 18 vou fazer uma palestra para o Tristão457 no Centro D. Vital458 sobre o Mário, quis tirar o corpo e não teve jeito. Certamente você estará aqui, pois jamais acreditaria que você fosse rejeitar convite tão amável. A Eliana está um amor. Ainda não faz nada, não fala, não anda, não tenho gracinha nenhuma para contar. Mas está um amor, você vai ver. E ver e se apaixonar.

Aguardo notícias suas dizendo quando vem. Um abraço saudoso do seu

Fernando

Helena manda um abraço e pede para que você não deixe de vir. Diga ao Otto para deixar de ser sacana e me escrever. Ao Hélio diga que positivamente... terei os olhos maiores

455 Mário de Andrade. 456 Rodrigo Mello Franco de Andrade. 457 Trata-se do pensador católico e crítico literário Alceu de Amoroso Lima (1893-1983), mais conhecido pelo pseudônimo de Tristão de Ataíde. A palestra que FS menciona trata-se de uma homenagem ao escritor Mário de Andrade, com quem FS manteve correspondência e que faleceu em fevereiro de 1945. 458 Associação cultural criada para congregar intelectualidade leiga católica brasileira, sediada no Rio de Janeiro, criada em 1922 pelo jornalista e pensador Jackson de Figueiredo (1891-1928). 229 do que a barriga? E ao Paulo que eu tenho novidade para ele, boa novidade, que se prende à possibilidade dele mudar-se imediatamente para o Rio. Mas só escreve depois que receber a carta que ele prometeu. Escuta uma coisa: Tenho aí para você fazer para mim uma coisa chata, talvez chatíssima, que se não quiser fazer não precisa. Eu perdi o original do meu conto “História triste de Astolfo Malaquias”, que foi publicado num número da Alterosa, de 1942, ou de 43, mas acho que de 1942 mesmo. Será que você uma tarde dessas podia dar um pulo lá, pedir ao Miranda para ver a coleção, procurar o conto e se achar trazer para mim? Seria um grande favor, pois é a única maneira de tê-lo de novo. Se for possível, muito obrigado. Se não for, também! F.

Carta assinada: “Fernando e F.”; datada: “Rio, 08-5-45”; autógrafo a tinta preta; 5 fls.

10 Rio de Janeiro, 31 de Julho de 1945

Meu velho Murilo:459

uma coisa se confirma para mim cada vez mais: só se faz amigos uma vez na vida. Aqui no Rio continuo levando aquela vidinha sem amigos de sempre, muito embora os afáveis tapinhas nas costas, os encontros fortuitos e as referências cordiais. Continuo agarrado integralmente àquele bom tempo meu de Belo Horizonte, piores tempos que os de hoje, é verdade, mas meus, que me fizeram, se incorporaram a mim, constituem a minha única realidade. Você é uma boa parte desse tempo, Murilo, você é um grande pedaço dessa realidade, e é por isso que me volto para você tantas vezes, sem que você o saiba, com o sentimento de estar passeando em mim mesmo, em largas avenidas onde a ternura se renova e a amizade frutifica. Gosto de você como gosto dos dedos de minha mão: às vezes me esqueço deles, às vezes exponho-os ao exercício de duras contingências, ao frio, às [ ], às carícias, aos mal-entendidos, mas o certo é que preciso deles, não poderei nunca desligá-los de mim, não posso perdê-los sem que me vença a clemente luz da minha desistência e do meu fracasso. Assim é com você: você tem sempre de estar aqui neste escritório imperturbável que me

459 Na extensão de toda a margem esquerda da primeira folha lê-se o seguinte recado, grafado a caneta da borda inferior em direção a superior: “Meu caro colega “careca”, meu caro amigo, etc, consola-te comigo; porque apesar de sem (quase) cabelo, com as mulheres tenho sido um maioral. Nós, os carecas... adeus / cabeludíssimo / Murião / O Pedrosa / abraços...”. 230 assiste nas horas leves, nas horas mortas e nas horas [vagas], dentro de uma gaveta que eu posso abrir a todo momento, dentro de uma carta que ninguém me impede de reler quando a saudade vem, dentro dos amigos que também te carregam como um irmão, os Oswaldos Alves, os Pedrosas, e esse macio e inesquecível coelho branco que se chama Jair Rebello Horta, surgido aqui no Rio como de dentro da cartola de um mágico. Fui interrompido aqui pelo telefone, que aliás era um recado seu, dizendo que meus pais chegaram, o Paulo é que telefonou, afinal regressará. Antes assim; Minha vida aqui tem sido aquela coisa de sempre: trabalho, casa, uma vez ou outra o Pedrosa, o Vinícius, etc. Acabei meu livro. Mas não vou mexer mais com ele não. Vou esperar, porque não saiu como eu queria. Acaba saindo, nada como saber esperar. Foi um ótimo treino. Tenho lido muito, fiquei besta com o Guerra e Paz do Tolstói, é desses livros que a gente sabe que nos acompanhará a vida inteira. Achei o maior romance que jamais foi escrito, isso eu não tenho dúvida. Se você ainda não leu, tire um tempinho na rádio para ler logo, são dois volumes grandes, mas vai depressa porque prende muito. É um livro importantíssimo. Por falar em livro, o seu ainda não sei – parei aqui fui ao telefone: o Tristão já chegou da fazenda, mas não estava em casa. Estará às nove da noite. Vou telefonar de novo e dar de duro nele. Já deve ter lido e resolvido alguma coisa, isso é que vou saber. Essa carta foi interrompida várias vezes por várias razões. Tive uma gripe tremenda que se complicou com a velhíssima sinusite da qual não sarei apesar da penicilina, resultado: estou com a cabeça que parece que vai arrebentar a qualquer momento. Paulinho chegou aqui com uma grande dose de Belo Horizonte nos [interstícios], diz ele que veio para ficar – vamos ver, não estou acreditando muito não. E você? Gostei de saber que você está colhendo ótimos resultados na Rádio, isso é muito bom. Ótima ocasião para sair e vir para o Rio. Paulo me contou que você está escrevendo muita coisa nova, me falou no “Convidado”, aquele que não existe, achou que vai ficar muito bonito. Depois te escrevo com mais calma e mais detalhado, estou morrendo de dor de cabeça. Um abraço do seu

Fernando.460

460 Na extensão de toda a margem esquerda da última folha lê-se o seguinte recado, grafado a caneta da borda inferior em direção a superior: “Eliana está um amor, só você vendo. / Helena dos cabelos verdes, Eninha para os / íntimos, [?ratrida?] para os próceres, manda um abraço / com saudades / F.” 231

Carta assinada: “Fernando”; datada: “Rio, 08-5-45”; autógrafo a tinta preta; 4 fls.

11 Rio de Janeiro, 26 de Novembro de 1945

Meu velho Murilo

Estou em falta com você. Mas você me conhece bem e sabe que meu silêncio às vezes se volta justamente para os melhores amigos e não significa senão falta de tempo e de jeito para escrever, dispersão e mais presentemente esta suave paternidade que me faz ficar rindo e brincando o dia todo com Eliana. Não te esqueci e a prova é que tenho me interessado muito pelo seu livro aqui, do qual tenho notícias boas. Mas recebi sua carta e vamos falar primeiro na novela para liquidar o assunto. Gostei muito de suas observações, de um modo geral justas e razoáveis, principalmente no que se refere ao Inácio461. Não tem dúvida nenhuma que a influência é muita, embora como aliás você notou, superficial. Mas o maior valor da novela para o meu caso não está na novela em si: está no fato de eu ter afinal conseguido me libertar, realizando- a, daquela atmosfera pesada e dissolvente, parada e estéril de falsas recordações, de falsas sinceridades que me perseguia até agora. Nada do que eu escrevia, fosse embora coisa muito diferente, saia daquele tom, daquele ar estagnado da Marca. Para A Marca estava bom, mas eu precisava deixar ela para trás, fazer coisa nova. E deixei, não há dúvida nenhum que agora não me repito mais. Nesse sentido é que a novela é importante, não ela em si. Tanto assim que o Ponto de Partida, meu romance provavelmente não vai mais pra frente não. Ele ainda estava sob a influência da Marca, por isso morreu: porque devia ser coisa bem diferente e não estava sendo. O Lucio,462 no caso, interviu apenas como meio de eu sair do círculo vicioso em que estava: me servi do Lucio, agora largo ele de mão, posso atirá-lo fora, até mesmo do Episódio, como você disse. Sei que Episódio em si não representa nada, não vale o que A Marca representa, não vale nem o que Os grilos representavam para os meus dezessete anos. Mas para mim, para a minha literatura ele vale muito e é importantíssimo: se der nada mais que a consciência de que eu sou capaz de fazer literatura, boa literatura, conscientemente

461 Referência à novela Inácio, de Lúcio Cardoso, publicada em 1944. 462 Menção a Lucio Cardoso. Como se verá mais adiante, há uma comparação da novela de Sabino com a novela Inácio, de Cardoso. 232 aproveitando todos os recursos da minha imaginação. Enquanto não chegar lá, vou fazendo Episódios. Mas é um caminho, não há dúvida (não o Episódio, repito, mas o fato de eu ter conseguido me superar, realizando-o). As suas anotações, como disse, estão boas, aceitarei todas, aliás, não propriamente as anotações, mas suas observações do conjunto. Aceito sua sugestão, vou reescrever. Mas vejamos as anotações, uma por uma: pg. 2, linha 26: de acordo. pg. 3: idem. Quanto ao modo como Jaques descobre que a mulher suicida é sua esposa, você não acha suficientemente bom. Mas se nem você sabe o modo como ele descobriu! De um momento em diante ele começa a saber que é [Carmem], isto é, começa a desconfiar, vendo o Garcia etc. Mas o momento da descoberta não se sabe qual é. O Jaques já sabia, o leitor só vai ficar sabendo muito depois, conforme sua sagacidade: sem saber no princípio, como o Foca, que logo desconfiou; outros no meio, como o Paulo; ouros leem tudo e não ficam sabendo, como o Oswaldo... Pg. 7: o aparecimento de Garcia: não é igual ao de Inácio: no Inácio o Lucas procura imediatamente o rapaz, no meu ele não tem coragem de se aproximar e não tem também o “proselitismo” do Lucas. Não concordo com você: os dois são muito diferentes psicologicamente, embora exteriormente um lembre o outro; mas isso é fácil de mudar. Ainda na pg. 7: não há contradição: ele ficou lívido não de medo, mas de ser preso. E não passa a enfrentar corajosamente o Garcia: passa a desprezá-lo, evitando-o. Pg. 12 – somente no final você ficou sabendo porque Jaques amassou o recorte e chorou, etc. Mas somente no final que o leitor fica sabendo de tudo! Trata-se de uma novela policial... Você pensou que o Jaques era um rapaz, mas o engano foi seu; na primeira página ele pensa: “é preciso ceder lugar aos mais novos...” etc. E suas reações são de um homem pelo menos de trinta e tantos anos, ou mesmo quarenta. Em todo caso, talvez eu saliente mais isso. Pg. 13 – de acordo: mudarei. Pg. 13 – idem. Pg. 19: aqui eu protesto veementemente: o palavrão é absolutamente, absolutíssimamente necessário. Não havia jeito de contornar: o momento é único para o estouro, para o palavrão, que só pode ser este. Só se eu botasse umas reticências... o que ficaria pior. Pg. 19 – reforma da comissária – de acordo. Mudarei. 233

Pg. 22 – o aparecimento da prostituta: concordo com você, está mal aproveitado, vou modificar. Pg. 26: declamatório. De acordo. Pg. 32 – o servilismo de Garcia é imprescindível. O Garcia é servil por sua própria maneira, homem encharcado de bondade, tanta bondade e pureza que o faz humilde, humilhado, servil, ser feito para viver cercado de maldade. Pg. 33 – “dava como uma cadela”. A cadela é que é falso, o momento psicológico e a reação acho que não. Devia ser “dava como uma puta”. O português é uma língua muito pobre... Não tem palavra além de puta para o caso em questão. Tudo o mais fica falso, e puta fica pior. Eu vou escrever de novo a novela, porque gostei muito de sua crítica e achei aproveitáveis suas anotações. Você podia marcar a cópia que está com você e me enviar. Essas repetições de palavras, etc, me ajudaria muito. Além do mais, essa cópia era só pra você, foi outra para o Pagé. E no mais muito obrigado pela atenção dispensada, você me foi utilíssimo. Estou com outra novela na cabeça, penso que bem melhor. Vou precisar de novo de você, vá se preparando. Bem, o seu livro. Está com o Maurício Rosenblat,463 levei lá pessoalmente. Disse ele que em face do autor ser você, já conhecido, Presidente da A.B.D.E.464 etc, nem tinha dúvida: a Globo publicaria, mesmo porque a recomendação do Aníbal [Machado] era muito valiosa e... a minha também. Mas por uma questão de praxe, ia mandar duas ou três pessoas lerem, ele inclusive, para poder mandar o livro para o sul. Ele tem autonomia para escolher, mas quer reforçar, seguindo a praxe. Disse que só poderá sair em meados do ano que vem, maio ou junho, mas isso mediante contrato, etc. Penso que não está mal, pois em nenhum outro lugar você conseguiria antes, e a Globo tem a vantagem de ser correta na entrega e no pagamento. Esse Rosenblat ficou de me dar uma resposta definitiva dentro de uns dez dias, mas segundo o Oswaldo (que agora trabalha lá e está muito bom para dar de cima e aporrinhar o homem para apresar a coisa) dentro de dois dias já saberemos a opinião dele, pois já está lendo o livro. A informação que eu tinha é que se trata de coisa mais do que certa, isto é: a Globo publicará.

463 Mauricio Rosenblatt (1906-88) foi amigo e conselheiro de grande número de escritores e artistas de todo o Brasil. Trabalhou na filial da Editora Globo no Rio de Janeiro de 1941 a 1954, reunindo reuniu em torno da filial da Globo nomes como Carlos Drummond de Andrade, Manuel Bandeira, Lúcia Miguel Pereira. O livro mencionado por FS era O dono do arco-íris, que, após ser recusado pela Editora Globo e por outras editoras, viria a ser editado em 1947 com o título de O ex-mágico. 464 Associação Brasileira de Escritores. MR exerceu os cargos de vice-presidente, presidente e tesoureiro da seção mineira entre 1944 e 1948, tendo participado do 1º Congresso da ABDE, em janeiro de 1945, na condição de vice-presidente do evento. 234

Salvo se houver algo inesperado, mas não creio. Imediatamente tratarei de fazer um contrato, marcando prazo para lançamento, preço etc, para você ficar garantido. Te avisarei por carta. Gostei do seu procedimento durante a “revolução”:465 foi uma atitude decente de sua parte. Todos os que são pelo [herdeiro?], como eu [e] você, deviam achar. Política é uma coisa muito suja, Murilo, e eu já estou farto. Helena ficou muito triste, sentidíssima quando soube que os amigos dela, os mais chegados, os mais íntimos, aqueles a que ela sempre tratou como irmãos foram os primeiros a vaiar, a xingar nomes, a soltar bombas. Uma coisa é defender digna e decentemente a ideia e um partido, e mesmo atacar outra ideia e outro partido. Outra coisa é xingar nomes e soltar bombas contra pessoas, é molecagem e grosseria; no caso de Helena foi traição de amizade, porque isso em absoluto não era necessário para a campanha, é a “minha” campanha, estou do mesmo lado e no entanto não faço as mesmas coisas: Dou razão a ela de não querer mais saber deles, amizade que ela lhos tinha.

Enfim, tudo já passou, e agora, parece que tudo vai bem. Eu vou bem, como pode, Helena vai bem, Eliana vai bem, [Afonsina?] vai bem, até o Paulo vai bem com o emprego quase arranjado no Correio da Manhã e morando num quarto alugado aqui perto num apartamento vizinho – só o mundo vai mal. Que Deus nos dê um mundo melhor no ano que vem. Um abraço amigo e saudoso do seu

Fernando

Abrace por mim / Jair e os amigos. / Quando é que você aparece?

Carta assinada: “Fernando”; datada: “Rio, 26-11-45”; autógrafo a tinta preta; 8 fls.

12 Rio de Janeiro, 22 de Janeiro de 1946

Meu velho Rubião:

465 Pela data da carta, FS faz menção à tomada do Governo pelo Exército que ocasionou a queda de Getúlio Vargas e à relação entre Benedito Valadares e Vargas. 235

Aqui estou eu, mandando-lhe gloriosamente um bilhete para D. Ecinha levar-lhe pelos ares. Se você não recebeu minha carta, deve estar dizendo que eu me esqueci de mandar... Mas não me esqueci. Culpe o correio, que é o que tenho feito invariavelmente. Um livro de Antonio Torres com autógrafo do próprio que eu mandei de presente ao João Dornas por intermédio do Otto não chegou ao seu histórico destino. Segundo soube o Emílio também não recebeu uma carta minha sobre o livro dele. Recebi a novela e sua pirotécnica carta. Gosto de te ver assim, saudável e bem disposto, falando em casamento: vai mal Rubião, vai mal... Quem começa assim não tem tardança, como dizem os árabes. E por falar em árabes, estou ao contrário do que você diz muito longe da insolvência literária. Deu-me a doida, literalmente. Desandei a escrever sem parar, estou terminando avidamente uma novela chamada “Festim” e com um plano para outra, coisa mais grave ainda, iniciando um terceiro plano... Não paro mais, não tenho tempo para nada. É que comprei uma máquina, me custou dois contos e seiscentos, preciso aproveitar. (O Paulo está chegando aqui neste momento, disse que nada tem a declarar). Quanto a novela que você leu, vou reformá-la fundamentalmente, expurgá-la do que há nela de cardosiano, seguindo o seu conselho. O seu conto está no Correio da Manhã para publicar. Preciso muito, muito de conversar com você sobre sua literatura: é que esse conto veio positivar para mim certas coisas que estão acontecendo e outras que podem acontecer com sua literatura; Vou ver se hoje ainda tenho tempo de escrever sobre isso a você. Em todo caso, o conto será publicado, ou no Correio ou noutro lugar. O seu livro está na Globo, mas o outro original, o que você me deu, vai para a Zé Olimpio ainda hoje. Tenho chateado aquele povo da Globo pra burro, mas parece eles só publicariam dentro de muito tempo, e o Aníbal não ficou satisfeito, propôs-me que o levássemos hoje ao Zé Olimpio, a quem já falou. Vou botar por gagundo [sic], que está muito interessado, no Zé Olimpio há possibilidades de ser publicado mais depressa. (Acaba de chegar agora o Sr. Pagé). O digníssimo Sr. Jair aqui esteve, mas não compareceu para a tradicional visita que os mineiros fazem à família Sabino. Andou mal, o rapaz. Continua casado, com certeza. Soube da reforma do cartório? Parece que a coisa afinal vai melhorar, e já não era sem tempo, pois a minha insolvência não era literária e sim financeira. Estou escrevendo desatinadamente – penso que já disse. Logo que terminar esta novela “O Festim”, te mandarei para receber as sugestões, pois as outras me foram mui preciosas, se bem que tenha implicado em uma trabalheira louca, pois vou reescrevê-la. Está 236 me dando vontade agora de continuar esta carta contando os meus planos literários que são muitos, e superabundantes. E falar nos seus problemas do mesmo jaez [sic], que vejo claros como a mais cristalina das águas, e quero que você veja também. Você vai longe, Rubião, depende só de você mesmo. Quero terminar esta graciosa epístola (a portadora está esperando) reiterando os meus insistentes apelos para que sua digníssima pessoa apareça por aqui o mais breve possível, pois temos muito que conversar. Você anda precisando expor esta claudicante careca aos raios esfusiantes do sol de Copabacana. É certo que o Lucas vem para a Central? Se vier, não tenha dúvidas: procure-o e peça abertamente para ele trazer você. Tenho certeza que ele gostaria, é uma questão de lembrar apenas. É certo que os agapantos continuam florescendo? É certo que o tédio e o cansaço se desfazem à lembrança de incorruptíveis amizades? É certo que não há paz entre gentes nem felicidades entrementes? Abrace por mim ao Josualdo Tebas, ao Grão Mogol e outras figuras de igual estirpe. Para você, o abraço de sempre do seu bom amigo466

Batista.467

P.s. Trata bem a família Sabino. E trate de vir, quanto antes.

Carta assinada: “Batista”; datada: “Rio, 22 de Janeiro de 1946”; datiloscrito a tinta vermelha e preta com autógrafo a tinta preta; 2 fls.

13 Rio de Janeiro, 02 de Abril de 1946

Meu velho Rubião,

Aqui estou eu, o pior epistológrafo do mundo, escrevendo uma carta a você. Descobri hoje porque sou o pior epistológrafo, justamente quando se trata de meus mais queridos destinatários: é que para estas sinto sempre a necessidade de escrever uma longa carta,

466 São menções a personagens de contos publicados por MR na imprensa mineira ao início da década de 1940. O mais famoso dele, o Grão Mogol, era um senhor dono de imensa fortuna em diamantes, dotado de capacidades mágicas, que não se sabia ao certo se tinha 90 anos e 40 mulheres ou 40 anos e 90 mulheres. 467 Nome do personagem que dá título ao conto de MR “O bom amigo Batista”, no qual um homem é sucessivamente enganado por seu “bom amigo”, de nome Batista. 237 contando coisas, fatos, ideias. E para longas cartas, as coisas, os fatos e as ideias são muitas, mas a bossa é pouca e a carta fica adiada eternamente. Ora pois, escreverei cartas curtas. Como vai essa grandiloquente e irremediável solitude triste que houveram por bem cognominar de Murilo Rubião? Remonto à sua última carta. Não, não se desmande em imprecações contra sua falta de sorte e os pneus furados, que não o deixaram ir à Estação nos levar. Lembre-se que quanto a estes últimos, sou escolado e conheço bem essas inoportunidades: furam sempre que justamente não deviam furar. Muito mais sérias são suas imprecações contra a arte, mas sobre este assunto vou deixar para falar depois, não posso esquecer que esta carta curta, apenas de saudade e fraternais abraços: como vai você? o que é que tem feito? e seu livro? Aqui vamos vem – etc. Digo apenas que acho você absolutamente enganado quanto à “escravização”, ou melhor, não digo, deixo para fazer uma citação, besta como todas as citações, mas profunda de verdade. É de Jean Paul Sartre, de um romance dele que estou lendo, chamado L’âge de raison: “Renunciaste a todas as coisas para te tornares um homem livre; agora, renuncia também tua liberdade, e verás que com esse passo a mais tudo te será devolvido”. Citei de cabeça, mas a ideia é essa mesmo. A noção de liberdade pessoal em nome do que quer que seja, da arte inclusive, nos faz correr o perigo de torná-la um mito que nos priva de tudo e até da própria arte. Mas não quero falar disso agora, preciso por essa carta no correio ainda hoje, para que você receba logo e saiba que estou aqui, mais perto de você e mais amigo do que só você pensa ou pode vir a pensar. Digo só que espero ansiosamente a publicação de seu livro, de acordo com aqueles planos que concertamos: na Imprensa, etc.. Acho que você não deve desanimar, meter os peitos para não perder essa oportunidade e depois a coisa lhe parecer uma fatalidade, o que nem por sombras ela não é. Seu livro precisa ser publicado quanto antes, esqueça o resto e publique. Eu também, pra dizer só mais isto, não tenho nenhuma razão para ser contra o mundo, e nem quero ser. Queria apenas que o mundo fosse como devia ser, e a revolta é simplesmente contra os que não deixam que isso aconteça. O que aliás também poder ser demagogia de minha parte. Muito obrigado pelo radio de aniversário da Eliana. Você é o único que se lembra das coisas que um amigo geralmente se lembra. Também agradeço as providências relativas ao lote, mandei pedir hoje dados a você para o requerimento, espero que chegue em tempo: qualquer novidade me avise, por favor. 238

Quanto à casa de Seu Sabino, como é que vai indo? Soube que você está sendo eficiente e não tem dormido no ponto, o que também agradeço. O Gov. se interessou, falou com o Beraldo468 pelo telefone, como você deve ter sabido. Estou fazendo uma seção semanal no Diário Carioca, suplemento de domingo, procure ver e me diga o que acha. Está na hora do Correio fechar, depois te escrevo contando o que tenho feito e meus planos. Escreva também sobre os seus, mande os contos que ainda não conheço. Te mandarei uma novela em breve. Abraços saudosos do seu amigo de sempre

Fernando

Helena manda um abraço, pede também notícias suas, principalmente literárias. Também acha que você deve publicar já-já, só você que não acha.

Carta assinada: “Fernando”; datada: “Rio, 2/4/46”; autógrafo a tinta preta; 6 fls.

14 Rio de Janeiro, 02 Abril de 1946

Dr. Murilo Rubião Palácio – B. Horizonte –

Favor gentileza mandar dados localização meu lote para requerimento. Peço resposta ainda hoje. Abraços –

Fernando -

Radiograma assinado a máquina: “Fernando”; datado: “Rio, 2 de abr. de 46”; papel timbrado, apresenta os seguintes dizeres impressos: “Serviço Radiotelegráfico de Minas Gerais / Radiograma / O Radiotelegrafista / 20 / De Rio nº 12 Data 2 abr.46 H1650”, Carimbo “Serviço Rádio Telegráfico de Minas Gerais”, Anotações a lápis “Lote 2 / [ ? ] / [?]”, 1 fl.

468 O banqueiro e político mineiro João Tavares Correia Beraldo (1891-1960), que foi foi governador do estado de Minas Gerais no período compreendido entre 3 de fevereiro e 12 de agosto de 1946. Durante esse período, MR foi seu chefe de gabinete. 239

15 [S.l., s.d., 1946]

Meu velho Rubião:

Aí vai o requerimento, não sei se dessa vez está certo. Recebeu minha carta? Mandei outro dia por avião, num envelope igual a esse. Tenho grandes novidades, possivelmente já terei conversado com você pelo telefone mesmo antes de você receber esta. Espero a sua vinda aqui para breve. Porque a novidade principal é esta, vou para os Estados Unidos no fim do mês, com família e tudo, talvez para demorar ou mesmo não voltar mais. Preciso estar antes com você para conversarmos tudo pessoalmente. É isso, vou telefonar a você. Aqui vai somente um abraço saudoso e meus agradecimentos pelo trabalho que está tomando essa história do lote.

Bilhete assinado: “Fernando”; sem data; datiloscrito a tinta preta; cartão de visita; o cartão apresenta os seguintes dizeres impressos: “FERNANDO SABINO / Oficial de Gabinete da Agricultura de Minas Gerais”, sendo a última informação riscada;

16 New York, 27 de Maio de 1946

Meu velho Rubião,

Fiquei triste de não ter podido me despedir de você como queria: tentei telefonar na noite anterior a minha partida, para o Palácio, para a sua casa, para a Rádio: não te encontrei em lugar nenhum. Você deve ter sabido disso, pois deixei recado. Em todo caso, estivemos juntos dias antes, muito embora sua estadia no Rio tenha sido bestíssima: dois dias apenas, nem um tempo de sobra para um papinho e uma fuga intempestiva. Pior ainda do que você foi o nosso doce amigo Perneta que literalmente fugiu do Rio com quantas pernas tinha – e tinha muitas. Quero contar para você detalhadamente o que me tem acontecido aqui. Irei contando devagarzinho e embora minhas reconhecidas inaptidões como epistológrafo pode ver que daqui te escreverei muito, com a condição de que você também me escreverá muito. E cartas bastante noticiosas, é lógico. “Talvez os imensos limites da pátria me lembrem os puros”469

469 Referência ao verso de abertura do poema “Solilóquio”, de Vinícius de Moraes, publicado em Novos poemas (1938), quarto livro do poeta. 240 falou o poeta de Moraes. Tenho tido tremendas saudades da pátria, a minha pátria: minha casa, minha filha, meus livros, meus amigos. Com relação a você, é engraçado: cada vez me sinto mais perto, e de New York a Belo Horizonte é menos do que do Rio à rua dos Goitacazes: tenho pensado muito em você aqui. Até agora não tive nenhuma sensação estrangeira. Me sinto em casa. O que há de formidável aqui já não é coisa para impressionar os basbaques: ontem descobri que a América é uma civilização que ficou anacrônica antes de ficar adulta. Tudo o que deslumbra os [?] aqui – arranha-céus fabulosos, as máquinas de cigarro, joga-se o níquel aqui e o cigarro sai ali, os restaurantes automáticos, sem garçom (máquinas de comer), o ar condicionado nos trens, a água gelada em todas as torneiras, os aparelhos de ver, de cheirar, de escutar, de dormir, de sonhar, de fecundar, de viajar, de esquecer, de lembrar – tudo isso são coisas que envelhecem, que de repente não dizem mais nada. Assim como os desvairados do modernismo apenas abriram caminho, hoje estão envelhecidos, assim também senti que todas essas maquinações aqui da América de repente envelheceram. O homem continuou homem apesar de tudo, o homem continua a sofrer. Apenas ficou mais burro, mais dócil e mais mortal, a despeito das mil espécies de penicilina já existentes. Essa é a minha impressão aqui nos Estados Unidos. Naturalmente que fiquei besta com a altura do Empire State Building, onde subi outro dia; com o Harlem, que visitei em companhia de um negro com quem fiz amizade; com o subway, com as estradas de rolagem, com tudo mais. Mas minha viagem, o que até agora mais me impressionou foi a cidade de Trujillo na República Dominicana, uma cidade do tamanho de Belo Horizonte, onde ficamos uma noite. Esse Trujillo é um ditador que tem 3 milhões de homens às suas ordens. Manda e desmanda, mata, rouba e sorri para a gente nas imensas estátuas por toda parte. Fechou um campo de aviação só porque não era possível ter nele uma estátua equestre de sua própria pessoa. 60% dos impostos da República são exclusivamente para ele, e a polícia é impressionante: todo mundo tem de sorrir satisfeito porque senão ele mata sem dó. E a miséria é horrorosa. A gente chegando em Miami toma um verdadeiro banho de paz e serenidade, liberta-se da angústia e da pressão que a [?] de Trujillo desperta em nós. Em Miami tomei banhos de [praia], em Trujillo tomei porres gigantescos, colossais. Aqui não tenho feito muita coisa de especial, senão trabalhado a bessa: entro as nove e saio às cinco, às vezes seis ou mais. Com ponto para assinar e tudo mais. Ah, minha doce vidinha de cartório... Mas é bom de vez em quando a gente pegar um duro, tenho me sentido de bom humor. 241

Ontem me aconteceu uma coisa extraordinária: depois do jantar eu e Helena saímos a pé, demos uma volta pela parte grã-fina da cidade; íamos conversando e então eu falei que agora sim, que já conheço New York, gostaria de assistir um filme passado aqui, ver por exemplo o Cary Grant entrando e saindo em lugares que já conheço, mas onde já estive, etc. Pois bem, não andamos meio quarteirão e esbarramos com ele, exatamente o Cary Grant. Fiquei besta, não podia acreditar na coincidência, e se não fossem uns rapazes perto terem parado para ver pensaria que era apenas alguém parecido com ele. Ia com uma mulher e entrou no restaurante. Durante algum tempo eu e Helena nos sentimos juvenilmente cine-fans, acompanhando-o, observando-o de perto. Conheci aqui o Duke Ellington, falei com ele numa noite em que fomos ouvir a orquestra do Benny Goodman, num clube aqui perto. Ele estava lá assistindo, é um sujeito extraordinário. É o ídolo dos negros aqui, é quem tem feito mais pelos negros há longos anos nos Estados Unidos. Conhece música como ninguém, e na Europa conheceu Cocteau, Radiguet, Picasso e outros artistas intimamente. Tem como ninguém a consciência do problema racial nos Estados Unidos, e sabe que a música popular é a única arma de que os negros possuem. Os negros são infinitamente melhores que os brancos. Ouvi a orquestra de The Duke, como eles o chamam, espera-se mais de três horas para conseguir um lugar em pé no cinema em que ele está tocando. E grandes músicos têm ido lá ouvir o negro, ficam maravilhados. Vi também os [?]ith Brothers, estão meio velhos mas são os tais. Vi Gene Krupa tocar bateria e não gostei. Falei com ele pessoalmente e todo mundo afim se interessa pelo Brasil, quer saber, saber, saber. Com isso meu inglesinho tem melhorado cem por cento. E é só. Ando querendo comprar uma máquina para as cartas e para continuar o meu livro, está dificílimo. Máquina de escrever, carro e apartamento é mais difícil aqui do que aí. E sem existir tais coisas ninguém pode viver aqui. Sem isso e sem beber. No sábado e no domingo aqui é uma bebedeira geral. Esse povo sabe beber. Fomos ver os pobres na Bowery Street (você deve ter visto no cinema) é um pobre esquisito: as três horas da tarde, e já está todo mundo bêbado! Estive também no museu de arte moderna vendo uma exposição do Chagall, e a Guernica do Picasso! A Guernica é realmente de deixar a gente besta, pretendo voltar lá muitas vezes. Amanhã vou ver a exposição de Gauguin. E começo amanhã minhas aulas de inglês. Vou ver se estudo alguma coisa aqui. No Arte Moderna tem cursos formidáveis de arte, música, filosofia, literatura, assim como em todas as universidades. O diabo é que aqui no escritório, de onde estou furtando uma horinha para te escrever, não tenho tempo nem para 242 cuspir, embora o chefe seja um bom sujeito: por isto mesmo estou trabalhando bastante, procurando corresponder. Viajamos juntos, e temos até agora nos dado muito bem. Estou pensando em comprar uma casinha aqui, nos arredores de New York, que são lindíssimas, uma coisa nunca vista. Domingo demos uma volta com o Barbosa Mello, de automóvel, ficamos entusiasmados. Comprar casa é fácil, alugar é impossível. Aqui os juros são 4%, como você vê muito em condições... E entrada trivial de 10%. Com mil dólares tenho minha casinha, depois é só ir pagando as prestações, mais suaves que o próprio aluguel. Se quiser ir embora de repente, não perco nada, pelo contrário, ganho. E já não aguento ficar em hotel, preciso mandar buscar minha filha que positivamente não é possível viver sem ela. Fico por aqui, por hoje. Você por favor me escreva, me [scannear de novo esta página, parte ilegível], conte causos seus casos daí, notícias, me mande coisas, contos seus, jornais, etc. Responderei religiosamente, também te mandarei coisas interessantes daqui. Escreva para carta aérea, porque não demora muito. Mas não deixe de escrever logo, tenha pena de minha solitude nesta cidade de 8 milhões de habitantes. Dê um abraço especial no Jair e no Dornas, bem como o meu endereço aqui. E, por favor, telefone ao Hélio, pergunte se recebeu a minha carta, dê meu endereço certinho a ele e peça para ele responder logo. Também escrevi para casa, gostaria de saber se receberam. O que você quiser daqui é só falar. Vou esperar mais notícias. Uma carta bem grande, viu?, camaradagem. O abraço saudoso do seu velho

Fernando

O Vinícius tem estado muito com a Ted, aquela sua amiga do Rio. Quer algum recado para ela? Vou procurá-la.

Abrace por mim aos amigos daí.

F. Carta assinada: “Fernando / F.”; datada: “New York, 27/5/46”; autógrafo a tinta preta; papel timbrado, apresenta os seguintes dizeres impressos: “Brazilian Government Trade Bureau / Escritorio de Expansão Comercial do Brasil / of the / Department of Industry and Commerce of Brazil / 551 Fifth Avenue / New York 17. N. Y.”, na borda superior esquerda vê-se o brasão da República Fed. Do Brasil; 7 fls.

243

17 New York, 19 de Julho de 1946

Meu caro Murilo:

A portadora desta é a Sra. Odette Espírito Santo, amiga de uma das moças deste Escritório. Não a conheço pessoalmente, mas fui informado de que ela se encontra em difícil situação econômica, conforme você poderá verificar, conversando com ela. Gostaria de poder ajudá-la, se fosse possível, e desculpe-me de vir de tão longe apelar para você. Veja se consegue alguma coisa, um auxílio, etc, como melhor lhe parecer. Hoje ainda lhe escreverei diretamente. Esta vai rápida devido à urgência do assunto. Abraço amigo do seu

Fernando.

Carta assinada: “Fernando”; datada: “New York, 19/7/46”; autógrafo a tinta preta; papel timbrado, apresenta os seguintes dizeres impressos: “Brazilian Government Trade Bureau / Escritorio de Expansão Comercial do Brasil / of the / Department of Industry and Commerce of Brazil / 551 Fifth Avenue / New York 17. N. Y.”, na borda superior esquerda vê-se o brasão da República Fed. Do Brasil; 1 fl.

18 New York, 09 de Agosto de 1946

Meu velho Murilo,

Não te esqueci durante um minuto. Pelo contrário, não há nada aqui em New York que me tenha preocupado tanto quanto você. Não é de hoje que você me vem preocupando muito. É que tenho notado em você alguma coisa errada, caminhando errada em você e te levando para o mais triste dos fins: o de beber sozinho por não ter com quem beber, o de falar sozinho por não ter com quem falar, o de morrer sozinho por não ter a quem amar. E essa coisa errada é essa tristeza que você vem alimentando em você mesmo não é de hoje. O pior é que a tristeza nasceu de fora, não nasceu de dentro: nasceu dos amigos que foram embora, se casaram, de Belo Horizonte que ficou diferente, do Brasil que ficou mais confuso e do mundo que ficou mais inabitável. Por isso é que você não encontra meio de curá-la e cada vez mais se afunda na pior delas todas, que é a tristeza de gabinete. Por que ela vem de fora, e você já nem está tendo olhos para ver o que está se passando do lado de fora de você. Talvez o seu maior 244 erro tenha sido não ir para o Rio naquela época em que a Teddy te chamou. E eu te aconselhei tanto a ir. Mas não tem importância, nada tem importância, meu Deus, e eu vejo você de repente se salvando de tudo isso e levando com você a experiência ganha. Será que nem uma arrebentação, como no poema do Mário,470 e em você alguma coisa está precisando arrebentar, arrebentar sem mais demora. (Estou escrevendo tudo isso sem pensar, apenas vendo você, sua figura, sua tristeza e suas cartas à minha frente. E sua literatura também, o mais importante). Arrebentar, é isso. É possível que Deus tenha feito você esperar estes anos todos, esperar o meu casamento, o casamento do Jair , o nascimento de minha filha, minha mudança para os Estados Unidos, esperar você procurar todas as editoras do Brasil uma por uma e não conseguir publicar seu livro, esperar até agora, para que sua vitória fosse mais completa. Acho que seus trinta anos já dizem alguma coisa, Murilo, seu livro inédito já representa muito em sofrimento e sua falta de cabelo te convida a uma dignidade outra que você está tendo até agora: a dignidade de escritor. De modo que, com tudo isso, e você absolutamente convencido de que seu caminho não é nenhum outro e no mofo escuso dos gabinetes é que ele não começa e sim acaba como no fundo de um poço, agora que você sente que já passou por todas as provas que escolheram para você, agora você vai começar. Agora você é que vai escolher. Acho que você não deve esperar mais um ano, nem uma semana e nem um dia: deve fechar os olhos e avançar. Um dia o Mário me escreveu: você tem medo da morte, Fernando? Tem medo de morrer, de perder sua mocidade? Então o que você tem não é mocidade. Nunca indague se do outro lado do túnel faz dia ou noite: só há um jeito de saber. E esse jeito é ir até lá. Murilo, estou falando a você nesta correria, mas absolutamente sincero e certo do que estou dizendo, estou te falando como o amigo, estou te falando como o irmão. Você é o melhor amigo que eu tenho, Murilo, e quero te ver do lado de lá do túnel e do lado de lá da vida, coerente consigo mesmo e deslocado para com o mundo. Atualmente você está sendo coerente para com o mundo e deslocado para consigo mesmo. E como amigo e como irmão eu só te posso falar o que o Mário me falou: só há um jeito de ver se do outro lado do túnel faz dia ou noite: é ir até lá. Você é o melhor amigo que eu tenho, Murilo, você sabe disso e sabe que você estará a vida inteira em meu coração, esteja onde estiver, toque que instrumento tocar, faça esta ou aquela política, escreva este ou aquele livro, more na cidade ou no campo, casado, amigado ou solteiro. Mas pode ter a certeza de que por isso mesmo não posso te ver se deixando viver impassível, faço da sua vida a minha própria e sofro com você. Durante

470 Trata-se do primeiro verso da última estrofe do poema “Pela noite dos barulhos espaçados”, de Remate de Males. 245 muito tempo escolheram por mim e continuam a escolher um pouco. Mas agora eu também escolho e por isso estou aqui, por isso estou casado e com uma filha, por isso estou quase terminando o meu terceiro livro. Quero ver você começar a escolher, Murilo. Há outra coisa que o Mário me disse que eu gostaria de dizer a você e isso se você disser que sua vida não te pertence e nem você pode sobrepor a sua felicidade à felicidade dos outros. O Mário me disse: “que felicidade: a de cinco ou seis destinos que você pode tocar com as mãos?” Não sei, Murilo, acho que você deve acordar enquanto é tempo, fazer à carne morta e à carne viva o seu grande gesto obsceno, e começar com sua próprias mãos. Você é um escritor, Murilo. Conversei muito com a Teddy sobre você, com Helena, e anteriormente no Brasil já havia conversado muito com o Paulo, o Hélio, o Otto, o Carlos Castelo Branco. A impressão é geral. Cada um de nós tem seus problemas, talvez mais graves, mas nunca vi um chegar a tal ponto de unanimidade no julgamento dos amigos e dos que te compreendem. Ou que um dia te compreenderam, é possível que muitos caminhem para um completo desconhecimento e incompreensão de você um dia. Mas ainda é tempo, Murilo. Não quero te dizer mais nada, nem te dizer grandes palavras. Quero só que você saiba que continuo mais do que nunca acreditando e temendo seu destino de escritor e de artista. Como escritor e como artista é que sou seu amigo e que te quero irmão, porque a literatura é a parte mais legítima de você mesmo. Como o homem que você pode vir a ser sem literatura, eu poderei admirar e gostar apenas, mas sem aquela angustiante necessidade de partilhar de um só destino. Bem, vamos às coisas práticas: te conto tudo, e você decide por você mesmo. Mas pode ter certeza que jogo toda a força do meu coração numa decisão favorável a você. É o seguinte: estive pensando desde que cheguei aqui a te trazer para cá logo fosse possível (Eliana está mexendo na máquina, com certeza querendo mandar também uma palavra para o titio). Arrancar você desse pântano que o Brasil vai ficando cada vez mais, desde que a política tomou conta de tudo e não há dignidade suficiente para encher um dedal na política do Brasil e talvez de todo o mundo. Aqui você teria outro campo, outra perspectiva das coisas, outra possibilidade de ação como escritor e como homem. Ontem, achei a tábua de salvação, o ninho da égua, ou o que seja: o nosso caríssimo João Napoleão de Andrade que está por estas terras e que tem andado muito comigo aqui. Conversei seriamente sobre você com ele e imediatamente vi que ele gostava muito de você e se interessava muito em te ajudar. Falei para ele arranjar um emprego aqui e você viria imediatamente. Ele arranja. E arranjaria coisa boa se você falasse inglês. Há uma firma brasileira aqui, de exportação, da qual ele faz parte, que te empregaria imediatamente, em cargo de confiança, etc. Para eles 246 posso falar que você sabe inglês, pois todos os brasileiros aqui falam que sabem e não sabem nada. Falo que você sabe ler, entende, etc, e que logo ficará bom para conversar. E acredito mesmo que uma semana de leitura diária de jornal, de rádio e de cinema sem letreiro te põe entendendo tudo como me pôs. Enfim, por esse lado você se defenderia, e a coisa pode-se arranjar. Naturalmente que não vai ganhar muito, mas dará para viver e poderá se defender, pois oportunidade é que não falta. Inclusive na literatura. Bom, mas o João Napoleão, além disso, sugeriu outra coisa. Não quer perder você. Disse que gostaria de fazer com você o mesmo que fez com o J. Carlos Lisboa. Levar para o Rio, trabalhar com ele, sem horários, apenas trabalhar, num emprego de confiança e exercendo uma atividade interessante. Hoje o J. Carlos está bem, é professor de espanhol, é tudo o que ele pretendia. Você pode ser tudo o que você pretende. E penso que você só deve pretender, pelo menos antes de tudo, ser um grande escritor. O J. Napoleão vai embora dentro de vinte dias no máximo, e deve te procurar logo chegue no Brasil. Se você tiver notícias disso antes, procure ele, vá ao Rio, mas procure estar com ele e conversar longamente com ele sobre o assunto, pois ele se interessou verdadeiramente por você, como um amigo de fato. Aí você tem dois caminhos pela sua frente: ir para o Rio imediatamente, ou vir para cá de uma vez, ou ir para o Rio primeiro e depois vir para cá. Dois caminhos que te arrancam desse túmulo em que você já vai entrando de cabeça. Túmulo onde a sombra dos grandes escritores Mário Matos, Eduardo Frieiro, até mesmo Luís de Bessa e até, até mesmo Elias Johany pairam como asas negras. Se você pensar que talvez não resolva nada e aí ou na China seria a mesma coisa, se você pensar que Belo Horizonte é seu destino e sua cruz, se você pensar que nada adianta, isso é uma violência e você tem de cumprir o seu destino que é ficar, você estará indagando se do outro lado do túnel é dia ou noite. E se você achar que vai ser difícil sair, há os compromissos, há a amizade e a gratidão, há sua família, há seus amigos, há o dever de ir até o fim, e coisas deste estilo que só importam aos personagens de Eça de Queiroz, você então estará apenas vivendo pela felicidade dos cinco ou seis destinos que você pode tocar com as mãos, o que é mais egoísta e insuportável de se ver num amigo. Faça um esforço de libertação ainda possível, revista-se um instante de humildade e consulte a seu pai, consulte ao meu, consulte a mais legítima tradição de duzentos anos de aprendizado. Se eles disserem que não, então entrego os pontos. Mas me convenço que esta tradição está definitivamente podre e que é preciso ser destruída. Nem dia nem noite; só há um jeito: é ir até lá. Nem cinco nem seis, são milhões de homens que estão vivendo e sofrendo neste momento, para que você se realize, para que você não falhe. Há um que faz o seu sapato, outro lava a sua roupa, outro mata o boi e outro corta a carne para você comer. Um te põe a 247 gravata, outro te aponta cosméticos que você não usará, outro te abre a porta, outro te dá um livro, outro acende a luz para você ler, outro faz a cama para você dormir. Cada um faz o seu papel e você deve procurar fazer o seu; se não for o de escritor, então que seja de pintor, fabricante de vinhos, caixeiro viajante, ou até mesmo, meu Deus, oficial de gabinete. Mas você sabe que é escritor e portanto está blefando. Está se refugiando no conformismo de conquistar apenas uma derrota, talvez achando que do lado de fora, do outro lado do túnel, há uma vitória a conquistar. Não se conquista nada, e nossa única vitória é ter um dia a humildade de dizer: perdi. Nós acabamos perdendo, e por isso seremos salvos. Quanto mais aprendemos e vivemos mais nos perdemos e mais incapazes estamos para salvar os outros ou salvar a nós mesmos. Por isso é que a sabedoria conquistada nos levaria na certa a dar apenas o nosso testemunho, e fazer para os outros de manhã à noite a nossa oração: porque no fim não podemos fazer nada, temos é de esperar. Não seria por isso, por não poder fazer mais nada, que o Cristo morreu na cruz para nos salvar? Um abraço saudoso e amigo do

Fernando

P.S. Pense bem no negócio do J. Napoleão e me escreva rápido, para eu alcançar ele ainda aqui. De qualquer maneira, a coisa é certa, no Rio e mesmo aqui em New York. Espero você resolver, com muita ansiedade. Abraço no Jair e no João Dornas, Fritz, todo o pessoal.

Carta assinada: “Fernando”; datada: “New York, 9 de Agosto de 46”; datiloscrito a tinta preta; 2 fls.

19 Nova York, 01 de Setembro 1946

Meu velho Murilo:

Afinal, o que é que houve? Ando muito assustado, temendo que você se tenha zangado com minha carta. Infelizmente não guardei cópia, não sei ao certo o que disse, mas tenho a certeza de que tudo foi sincero e amigo, sem a menor intenção de te ferir. Se isso te aconteceu, me escreva logo, conte tudo, me diga o que é que você está pensando e desfaremos um possível mal-entendido. Continuo cada vez mais seu amigo, Rubião. 248

Ando assustado também com as notícias que tenho recebido do Brasil. Soube da mudança de interventores, soube que você foi para a Folha. Agora fiquei sabendo que no Rio a coisa anda preta, com tiroteios e desordem. Afinal, o que é que há? Ando sem tempo de te escrever, apenas quero reclamar carta sua e contra o seu silêncio. Escreva me tranquilizando, dizendo que compreendeu a minha carta e o que pensa dela. Só assim ficarei descansado. Teddy seguiu para o Rio, levando uma revista sobre o Kafka e um retrato meu para você. A revista é boa e o retrato supinamente imbecil. – Helena está chegando da rua, contando que soube alguns detalhes da situação no Rio. Mas o que sabemos ainda é pouco, estamos ansiosos para saber ao certo o que é que está acontecendo. Vou esperar carta sua. Escreva longo, dê notícias, conte seus planos. E o livro? Espero recebê-lo breve. O meu vai indo, estou na página 176. Um abraço amigo do seu

Fernando

Recebi suas cartas, a última delas hoje: só recebi duas: a que se refere à carta da Teddy e esta, tristíssima, de hoje. Outro dia mandei uma carta de apresentação para você por intermédio de uma moça. Ela mora nas proximidades de Belo Horizonte, na pior situação possível, e é amiga de uma moça do escritório. A moça do escritório me perguntou se conhecia alguém, e não tive jeito de negar. Acho que não importa mais um... Se ela aparecer por aí, vê se é possível uma ajuda qualquer. E desculpe eu estar aumentando suas chateações, que já devem ser bem grandes.

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O apertado abraço para o Wilson. Diga-lhe que ele precisa aparecer por aqui quanto antes para ver certas coisas de perto, que na certa gostaria de ver...

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Escreva para Brazilian Consulate, 10 Rockfeller Plaza New York – Usa Já deixei o escritório, depois te conto detalhadamente como foi o meu rompimento com eles lá. 249

-.-

Tenho algumas coisas sobre Kafka aqui para mandar a você. Talvez mande pelo J. Napoleão. Mais uma vez muito obrigado pelo negócio do lote. Soube que sua atuação no caso foi excelente e sem você nada se arranjaria. Helena manda um saudoso abraço e diz que espera te ver aqui breve, ou pelo menos morando no Rio quando voltarmos. Mande-me algum conto seu que por acaso eu não conheça. Ando escrevendo bastante por aqui: meu livro está muito adiantado e além disso tenho um conto já feito, outro na cabeça, e mais duas novelinhas. Como vê, trata-se de um Coelho Netto, nada mais nada menos... Depois te mando o conto. Os seus que estavam com a Teddy vão indo: ela parece que está encontrando certas dificuldades na tradução, mas vai. Houve quem gostasse muito deles aqui, depois te conto mais detalhadamente. Aqui vai mais um abraço do seu velho

Fernando

Carta assinada: “Fernando”; datada: “New York, 1 de Setembro de 1946”; datiloscrito a tinta preta; autógrafo a tinta preta; 2 fls.

20 New York, 01 de Novembro 1946

Meu velho Murilo:

Recebi hoje sua carta. Com ela são três, e eu já estava pensando em te responder quando recebi. Não respondi a primeira porque nem era possível: nunca vi carta mais amarga e nem mais triste. Inclusive você falava no seu livro, que diabo o nosso livro! que seu livro já me dá até a sensação de que me pertence, de tanto que já ansiei por vê-lo impresso – você falava em seu livro com a displicência de quem não se interessava em vê-lo editado. Dava uma notícia dessas assim com esse desânimo, a mim que acompanhei o nascimento da criança desde seus primeiros passos, a mim que não esperava melhor notícia. Isso também era demais, Rubião. A vitória de se ver um livro editado não é coisa para ser recebida assim com essa dormência, mas com festas de pirotecnia, foguetes e foguetões. Estou francamente feliz com saber que em breve terei o Dono do Arco Iris, ou Pirotécnico ou o Mágico nas minhas mãos – afinal com que nome vai sair? que para mim todos são a mesma coisa, o livro em si é 250 que tem importância. Pois bem, Rubião, depois daquela minha carta trágica e tronitoante eu esperava que você falasse alguma coisa de positivo e você me vem com tristezas de fazer dó, tristezas de gabinete. É lógico que também fiquei triste, é lógico. Afinal me veio sua segunda carta, mais lírica, dando-me notícias de suas pererecagens pela Imprensa Oficial e pelos clássicos portugueses que você andava perlustrando com tanta insistência. Também dei uma perlustrada no nosso amigo Camões e demais companheiros de versejarias, numa belíssima edição de Oxford da poesia portuguesa comprada aqui e muito bem organizada, onde figura inclusive a Nau Catarineta. Mas como dizia, sua segunda carta me amenizou um pouco os temores pelo seu futuro como ledor das desventuras galegas, como mui honorable escriba brasileiro e como intransigente celibatário e internacionalista amador. Comecei a pensar em pensar te responder e eis senão quando recebo hoje a sua terceira e vicejante epístola. Até que enfim, nobre Rubião. Eu e Helena concordamos que afinal algum vento mais ameno acabou bafejando essa imensa desventura íntima. Cogitamos até que poderia ser prenúncios d’amores ledos e de que alguma loiçana donzela talvez estivesse acenando ao seu desmedido coração. Dê-nos alvíçaras desta sorte, minha flor dos Rubiões, com tam justos anseios esperadas. Protesto veementemente contra suas infames alegações a respeito de minha pretensa irregularidade epistolar. Saiba que pretendo estar reformado por completo e a razão pela qual ainda não havia respondido a você está esclarecida: esperada [sic] poder responder uma carta como a de hoje, que me trouxesse alguma alegria e não que me desanimasse ainda mais. E a prova de que sou hoje o mais pontual e bem procedido de todos os missivistas, é esta resposta de mesmo dia. Por aqui as coisas vão indo bem: tivemos dias movimentados, não só porque nos metemos numa quase demanda com uma senhoria que nos queria extorquir dinheiro a custa de nossa ingenuidade brasileira e que acabou encontrando pela frente o obstáculo de minha eloquência em mau inglês mas de sabedoria muita, mas também porque outro dia um sujeito trombou o meu carro – não sei se você sabe que comprei um carro. Comprei um fordinho que tem solucionado muitos dos meus problemas e se encarregado de criar-me alguns outros. Pois outro dia eu acabava de fazer uma curva e um sujeito avançou antes que eu acabasse de passar e arrancou-me o para-lama de trás. A história agora está entre a agência de seguro do meu carro e a do dele, supondo-se que ele acabará pagando os estragos. Todos os carros aqui são segurados, o que sem dúvida facilita muito. Tenho lido bastante e me literatizado com muita prudência. Você não pode imaginar a quantidade de bons livros que se conta aqui. Tem-se a impressão de perda de tempo em leitura de muita coisa ruim que costuma aparecer aí. É engraçado como a gente assim de fora 251 percebe que dava importância exagerada a certas coisas que na realidade não tinha nenhuma, e chegava a se chatear porque um dia perdeu um rodapé do Álvaro Lins. Você neste ponto sempre foi mais sábio, porque não dava importância a ninguém. Não estou dizendo que a literatura americana seja uma maravilha e aliás quando me refiro a bons livros estou quase me referindo só aos livros da Inglaterra. E também da França, que aqui são espantosamente divulgados. Mas ainda assim, há muita coisa boa feita aqui, principalmente de ensaios de crítica e filosofia. Queria que você visse a quantidade de livros sobre o Kafka: é realmente como você me disse uma vez: ele é muito considerado aqui, e há estudos inteiros sobre sua obra. No entanto no Brasil pouca gente ouviu falar nele. E não é ele só: há uma infinidade de grandes escritores que no Brasil a maioria nunca sequer ouviu falar. No entanto sabemos quem é o senhor Onestaldo de Penaforte, lemos sempre o último livro de Lúcio Cardoso e o senhor Oscar Mendes continua imperturbavelmente escrevendo. Você deve estar achando graça, pois isso penso que vem a coincidir com a opinião que você sempre sustentou. Só lamento você não ler inglês, porque senão te enviaria boas coisas e boas indicações. Em todo caso, espero que você insista em aprender, com seu irmão por exemplo, e eu ainda possa te mandar alguma coisa boa. Se quiser, começo desde já para você ir treinando. Com duas ou três revistas que eu te mandar, de núcleos de estudiosos e especializados aqui, você se convencerá por completo da imbecilidade brasileira. A maioria aqui também é imbecil, mas os poucos que se interessam não ficam só em conversa de café ou de porta de livrarias. Mesmo porque aqui não há cafés e as livrarias não têm porta. Já escrevi para a Teddy. Soube que você iria ao Rio para estar com ela. Tive também notícias políticas, que embora não tenham vindo de encontro aos meus pontos de vista, me deram muita alegria por saber que afinal favorecem os seus e os do pai de Helena471 – o que é motivo de sobra para me dar satisfação. Continuo, entretanto, muito descrente do Brasil e do mundo em geral. O enforcamento em Nuremberg, esperado, justo e necessário, me deu muita tristeza. Afinal até hoje os homens ainda se enforcam uns aos outros. Não posso concordar com a morte de ninguém e o aspecto de pena pela morte de milhares de outros para mim não justifica, pois se confio até na absolvição de Deus, como é que vou acreditar nos castigos d[o] homem?

471 Benedito Valadares, que foi governador de MG de 1935 a outubro de 1945 – quando Vargas é deposto. Contudo, é eleito deputado federal constituinte pelo PSD nas eleições gerais de dezembro de 1945. Quanto a Murilo, JK, que acaba de concluir o mandato como prefeito de BH (1940-1945), também é eleito para seu segundo mandato de deputado federal constituinte pelo PSD nas eleições gerais de dezembro de 1945. Mas parecer tratar-se da eleição de Milton Campos para o governo de Minas (1947-1951) nas eleições gerais ocorridas em janeiro de 1947. 252

Não sei quando voltarei. Quando voltar, espero passar quinze dias com você, em paz e sossego, no sítio que estou pretendendo comprar. Na verdade estou lucrando muito com a viagem, por cima do trabalho, do cansaço, da solidão, das preocupações de toda sorte. E Helena está lucrando mais ainda. Atualmente é uma perfeita dona de casa, e penso que a experiência que adquirimos aqui dia a dia será suficiente para nos dar uma vida de muita sabedoria no Rio, quando voltarmos. Prova dessa sabedoria é esse meu plano de comprar um sítio em Jacarepaguá ou coisa parecida, continuando com o apartamento do edifício Elizabeth. Tenho certeza que esta ideia de sítio te sorri, e já cogitamos de ter um riacho no fundo para suas pretendidas pescarias. Agora estou sabendo valorizar o emprego que eu tinha. Não tinha de acordar às nove da manhã e nem horário certo para o almoço na cidade. Ganhava mais e trabalhava menos. E ainda me queixava! A burrice humana não tem limites. Rubião, me escreva, continue escrevendo sempre. Por meu lado continuo de olho firme numa primeira oportunidade para você dar um pulo até aqui – se bem que você não me tenha dito nada e afinal até hoje não tenha respondido a minha carta. Seja decente, rapaz, não fique na moita: me diga o que é que você está pretendendo fazer de sua vida depois que se passarem estas eleições. De qualquer maneira, se você um dia chegar a Ministro, não se esqueça de que eu sempre fui seu amigo. Estou com vontade de falar mais no seu livro. Você não pode calcular como a notícia de que ele está para sair me encheu de alegria e me trouxe tantas recordações. Dê mais detalhes: se já corrigiu as provas, se tirou algum conto, se escreveu algum novo. Estou pensando em fazer, assim que receber o livro, uma tentativa de julgamento renovado do que está tão ligado a mim que aceito com bom sem julgar. Mas vou ver se posso reler como pela primeira vez e te dizer o que penso, não propriamente para te servir de ajuda, mas como simples resultado da imensa amizade que tenho por você e por sua literatura. Vou aguardar resposta sua: vamos instituir um regime de cartas pontuais? Escreva com menos parcimônia: conte mais coisas, conte seus planos, o que tem feito, o que tem lido. Responderei com impecável pontualidade. Abraços ao Jair e ao João Dornas, vou escrever a eles umas linhas. Não se esqueça do nosso Perneta. Sempre que escrever inclua algum recorte interessante de jornal. Abraço do

seu Fernando

253

Carta assinada: “Fernando”; datada: “New York, 1 de Novembro de 1946”; datiloscrito a tinta preta; autógrafo a tinta preta; 2 fls.

21 New York, 01 de Dezembro de 1946

Meu velho Murilo:

Escrevi a você há algum tempo e até hoje não recebi resposta. O medo de se extraviar uma carta minha é duplicado, devido à minha reconhecida e um tanto injusta reputação de mau epistológrafo. Diga-me se recebeu: ando saudoso de você. Por aqui vamos indo bem: talvez regresse em maio do ano próximo, não sei bem. Penso antes fazer um curso de quatro meses numa universidade daqui. Mas já ando meio cansado, principalmente por causa do serviço: um ano de burocracia dará para cansar qualquer um. Estou terminando uma novela de menos de 100 páginas chamada “O Bom Ladrão”, que espero breve remeter a você. Não é coisa fundamental, mas escrita nas folgas do meu romance. Para falar a verdade, não tenho a mínima noção do que seja, mas creio que está ficando boa. Meu romance temporariamente parado: as dificuldades são cada vez maiores, e às vezes, apesar de já estar na página 180, não sei bem sobre o que estarei escrevendo. Dê notícias do seu livro: quando sai? Já corrigiu as provas ou por acaso já saiu? Não se esqueça de mim, estou ansioso. Fale-me também a respeito de sua situação: se pretende se candidatar, conforme fui informado, se as coisas estão correndo bem para o seu lado, se pensa em se mudar para o Rio. Soube que o Jair está para ser pai. Dê-lhe o meu abraço. Mandaria umas linhas para ele, mas infelizmente não tenho endereço e detesto fazer os outros de carteiro. Diga-lhe para me escrever, dando notícias. Me mande também o endereço do Emílio e do J. Dornas, dê-lhes o meu abraço. Estou mandando por estes dias mais um artigo. Diga o que tem achado deles, se têm saído regularmente, e se possível, me envie recortes. Li a esculhambação do Jair Silva e achei graça, principalmente porque em certo sentido ele não deixa de ter razão no que diz: apenas diz mal. Tenho lido muito e descoberto coisas francamente admiráveis como literatura (principalmente inglesa). As revistas são excelentes e imprescindíveis. Já encontrei dois ou três kafkianos, e a bibliografia de Kafka aqui é de espantar: publicam volumes inteiros só 254 sobre ele e na América é mais ou menos considerado o escritor mais representativo e fundamental do século; vou te mandar alguma coisa. Não tenho saído muito: outro dia fui com Helena a Washington no nosso carro, só para ver. Não são estradas: são avenidas iluminadas, daqui até lá. Fora disso vou às vezes ao cinema, mas fico quase toda noite em casa lendo e estudando. Dei para estudioso. Vez por outra uma bebedeira ocasional desmoraliza por completo minha diplomática compostura. Mas assim mesmo, sinto que vou envelhecendo. Sua noiva está cada vez mais linda. Ainda agora acaba de subir-me ao colo sem cerimônia a olhar com curiosidade para o que estou escrevendo. Helena manda-lhe um braço, com muitas saudades. Não deixe de escrever, logo possa. O velho abraço do sempre seu

Fernando

Carta assinada: “Fernando”; datada: “New York, 1 de Dezembro de 1946”; datiloscrito a tinta preta; autógrafo a tinta preta; 2 fls.

22 [New York, 23 e 27 maio 1947]

Meu velho Policarpo Quaresma,

Aqui estou de novo em New York. Fiquei triste de não poder estar com você para me despedir. Nossa viagem foi acidentada desde muito antes da partida. O Carlos Castelo Branco é um refúgio em Belo Horizonte. Conversamos muito sobre você. Estou no Consulado, são 11 horas da manhã, tenho 1 hora de folga até meio-dia ou até que alguém venha me chatear. Estou te escrevendo só para mandar as primeiras notícias. Arranjei um apartamento ontem num lugar chamado [ ] ! O nome é feio mas o lugar é bonito. Estou vazio esta manhã com ideias [descozidas?] na cabeça. Pensei em você, mas com vontade de conversar fiado, ficar sentado num bar sem falar nada, coisas assim. Talvez não seja propriamente o momento para escrever uma carta, pois não tenho nada para dizer, senão da vontade de conviver. Seu livro como vai indo? Chegou a ver algum exemplar? Estou com muita curiosidade. Não deixei de me mandar uns exemplares para eu dar a pessoas daqui. Tenho visto muitos livros ótimos aqui, e lido alguns. Kafka continua sendo tratado aqui como o maior romancista de todos os tempos. Não há revista que não traga um artigo sobre ele, estão publicando suas obras 255 completas, inclusive cartas inéditas e o diário, saiu em inglês a biografia dele por Max Brod. Se você quiser posso te mandar tudo isso é só pedir. Não tenho feito nada de especial, senão procurar apartamento. Agora que já encontrei, vou mais descansadamente poder organizar a minha vida. Não tenho a mínima ideia de quando voltarei. Fui ver a peça do Sartre, As Moscas, achei boa. Vi também a orquestra do Duke Ellington, achei fraca. Assisti a um concerto de piano num teatro de [socialistas?] – e isso é tudo o que já fiz aqui. Ainda não fui ao dentista. Vou deixar esta carta na gaveta para terminar depois, porque agora estou definitivamente sem bossa. Preferia estar ouvindo você, ou conversando com a mais absoluta falta de assunto e muita calma sobre a vida e o amor inclusive. ______

27/5/47

Não pude terminar a carta, e se não encerrá-la aqui e mandar imediatamente ela nunca seguirá. Depois te escreverei mais calmamente. Enquanto isso, mande notícias de sua vida literária e amorosa. Um abraço amigo do / seu velho Fernando

Tem visto as minhas crônicas? Diga se está gostando. Continuo esperando sua carta sobre minha novela. Desanimei, com relação a ela (novela). Esculhambe por mim ao Jair pelos repetidos bolos que me deu. Abrace o pessoal: J. Viana, Emílio, Hélio, Fritz, etc.

Carta assinada: “Fernando”; datada: “New York, 7 de Junho de 1947”; manuscrito a tinta preta; 3 fls.

23 New York, 07 de Junho de 1947

Murilote,

Recebi sua carta pequena, patética e indefesa. Como sempre não dá nenhuma noticia. O seu livro? Saiu ou não saiu? Já estou cansado de esperar: no dia que sair me passe um 256 telegrama e procurarei celebrar, tomando um porre solitário em sua homenagem. Só o porre nos cura da solidão, trocando-a por outro maior. Já dizia o Pellegruventz,472 profligando os desmandos da burguesia: quem as ganha, as mágoas amarfanha. Mas Tebas, seu criado, já dizia muito antes, citando Bustamante:473 não há paz entre gentes nem felicidade entrementes. Continuo esperando sua crítica ao meu livro. Dizer que gostou é pouco, pois além de dar a certeza você não ter gostado, não diz as razões pelas quais não gostou. Me escreva com detalhes e não me poupe, pois ninguém mais do que eu está convencido da desimportância do livro e foi mesmo com este espírito que o escrevi: ganhava tempo para continuar os “Movimentos Simulados”,474 que continua me preocupando, já com quase duzentas páginas prontas. Desconfio que estou escrevendo uma nova história dos irmãos Karamazov. Confesso, por outro lado, que tenho pensado muito seriamente em escrever uma peça de teatro sobre o navio, o malfadado navio que você ancorou numa baía e nunca mais saiu475 – com muitas variações, possivelmente coisa muito diferente do seu tema, mas com o devido respeito pelo autor da ideia. Tudo isso são vagares de um coração que vai depressa, e não creio que a literatura me traga algum consolo também. Gostei muito da sugestão que me deu o título D. José Não Era: imaginei o conto sob mil formas, não cheguei a nenhuma conclusão. Me mande logo que estiver pronto. Abstenha-se de qualquer interpretação do que por si mesmo já está interpretado: os dragões não são apenas os meninos desamparados do mundo nem pequeninos demônios mas ambas as coisas e isso eu já tinha descoberto da primeira vez que ouvi você contar o conto. De qualquer maneira é bonito como o diabo e consola a gente pensar que o que está feito tem um sentido que transcende as nossas absurdas intenções. Continuo tentando reconstruir a minha vida em bases sólidas – para isso voltei. Falar nisso, comunico-vos que a familia será aumentada e pode crer na alegria de coração com que faço de você o primeiro amigo a saber oficialmente. Nem mesmo contei ainda aos meus pais. Portanto, resta trabalharmos no mundo para que ele seja um pouco mais suportável. Diga se tem lido meus artigos e se tem gostado. Detesto a gratuidade da literatura que não pagou para ser gratuita o preço da genialidade. Ando últimamente meio descrente de minha genialidade, Murilo. Não deixe de me escrever algo, e com mais noticias. Conte se esteve com o Otto depois do desastre, como vai indo ele. Jair, João Dornas, Emílio, Hélio, a “novíssima”, o Ildeu Brandão e o Onestaldo de Penaforte. Não se esqueça de nada. Não aceito desculpas de que

472 Pellegruventz é um apelido de Hélio Pellegrino. 473 Não foi possível identificar, mas parece que Tebras e Bustamante são personagens de FS. 474 Romance de FS editado apenas em 2004. 475 Referência à novela “O Navio”, não concluída por MR, da qual há vários manuscritos em seu arquivo. 257 você não tem saído, não tem estado com ninguém. Procure então sair e se informar. Me informe também a respeito da Dona Urbana e do Governo Milton Campos. Não maltrate os coelhinhos, eles também são filhos de Deus. E principalmente, não despreze a cerveja nem mesmo pelo whisky, pois bem sabemos que a graça está na espuma. Como vai indo o Oscar Neto? O velho abraço amigo do seu

Fernando

Carta assinada: “Fernando”; datada: “New York, 7 de Junho de 1947”; datiloscrito a tinta preta; autógrafo a tinta preta; 2 fls.

24 New York, 22 de Julho de 1947

Rubião, Rubião,

Que te dói, Rubião? O que é que você anda fazendo que afinal não se lembra nunca de mandar umas noticinhas, Murilo? É evidente que eu sei que ando te devendo carta: mas, isso não vem ao caso pois eu já estava tão acostumado ao tom desalentador de seus belorizontinos suspiros, que sua primeira carta alegre positivamente não tem resposta. Fico satisfeito por sentir a mudança, se é que mudança houve, no seu modo de encarar o, digamos poeticamente, fluxo e refluxo dos dias. De uma carta do Gerson tirei um dos mais belos versos da língua portuguesa escrito sem querer: “Anos já se foram que ficaste em Brumadinho”. Mas o melhor é não encará-lo de todo. O que estraga nossa vida e lhe tira todo sentido afirmativo é o vício de em tudo que fazemos prevenirmos o futuro e em tudo o que já não fazemos revivermos o passado. Tocar para a frente, Rubião, pois anos já se foram que ficamos em Brumadinho. E esse seu livro, como é que é? Mande um telegrama no dia que receber o primeiro exemplar, para que eu o celebre condignamente. E o meu exemplar, arranje (por intermédio talvez do Moacyr na Folha) um portador de avião para que eu o receba o mais depressa. Meanwhile escreva, as soon as you can, dando notícias – este inglezinho naturalmente que para dar cor local. Diga se tem lido meus artigos, se gosta, dê sugestões. Desse “mercado” aí em Belo Horizonte não sai nada não? Gostaria que eles rendessem um pouco mais. Como é que vai indo esse pessoal aí? Com quem você tem andado? Com quem tem namorado? Com quem tem bebido? Você ainda tem esperança no Brasil, no mundo, em Deus? Continua descrente 258 dos homens e da salvação? Preciso saber o que se passa com você. Outro dia tive o pressentimento de que você olhou por duas vezes meio ressabiado a entrada lateral da igreja São José, aí nas vizinhanças de sua cãs, pensando em arriscar uma entradinha. O vício de desviver-se é que é o diabo, Murilo, o Diabo propriamente dito. Você faz tudo para desviver, acreditando estar revivendo, se consumindo, recordando, desesperando, se prevenindo, enfim, todas essas ciladas que o passado e o futuro nos armam. Essa sensação de se deixar viver, enquanto na vaidade de se negar, a vida inconscientemente se organiza. E o vazio organizado é a própria burocracia do Inferno. Você está vivendo, Murilo. Portanto seja lépido, lúbrico, poético ou bucólico mas vaidosamente afirmativo e me escreva uma carta pirotécnica, contando digamos, um conto que você está pensando em escrever, passado numa enfermaria cheia de paralíticos, onde cada um se orgulha mais do que os outros dos movimentos que já não faz. Ando pensando em publicar um livro para me ver livre dos contos e novelas que já tenho e poder continuar meu romance com mais paz de espírito. Bom ou ruim, ele há de ser publicado – porque talvez as novelas sejam descaminhos e só com a perspectiva que vai me dar o livro impresso posso descobrir. O plano do livro é mais ou menos o seguinte, sob o título: Histórias Para Ninguém: Parte I: Dona Cornélia O Galo O Espelho do General Tebas O Rosto Parte II: Três Histórias Alheias: As Nossas Dívidas (Um Episódio Na Vida de Jaques Olivério) O Festim (Conforme me Foi Descrito Pelo Único Convidado) O Bom Ladrão – (Com um Prefácio sobre o Autor) Deste último, o autor naturalmente que não sou eu, mas o personagem que escreve a história – sobre quem escrevi o prefácio, que quase dá outra novela. Do livro você conhece pouca coisa, pois os contos que já leu foram bastante modificados. Quando estiver pronto mandarei a você para que você me anime ou desanime. Desde já mande dizer o que você acha da ideia, baseado na sua situação. Aqui me despeço. Aguardo ansioso notícias. Que elas sejam muitas, alegres ou tristes, felizes ou infelizes, líricas ou prosaicas, autênticas ou inventadas. Mas que sejam calcadas 259 nessa alegria de nascer a cada manhã, que é o antídoto do desejo de morrer a cada noite. Sem a qual Deus seria uma ideia inútil e até os passarinhos perderiam sua razão de existir. Como vê, hoje estou possuído daquela mística leviandade da alegria de se lembrar dos amigos. Um abraço do seu velho

Fernando

P.S. Mande seus últimos contos.476

Carta assinada: “Fernando”; datada: “N.Y., 22 de Julho de 1947”; datiloscrito a tinta preta; anotações manuscritas a tinta preta; 2 fls.

25 New York, 07 de Setembro de 1947

Meu velho Murilo,

Estou para te escrever esta carta há muito tempo, mas como quería escrever com mais calma, esperei que a calma me viesse. Não veio: continuo sem tempo, porque estou trabalhando muito no meu livro, aproveitando toda folga. Além disso iniciei e estou quase terminando uma novela chamada “O Túnel”, e uma história longa, bem mais importante, que se chamará “Das Aventuras e Desventuras do Grande Mentecapto Geraldo Viramundo – E de Suas Peregrinações”. É uma ideia que me veio espontaneamente de criar um tipo quixotesco, rabelaisiano, alucinado e mentecapto, mais ou menos no gênero Geraldo Boi, e que se mete nas maiores trapalhadas. Já estou bastante adiantado, e penso que você gostará. Mas não é coisa que eu termine já. Há ainda a ideia de uma história sobre um sujeito que perde o emprego, depois a mulher e os filhos num desastre, depois a casa num incêncio e finalmente a saúde – e então começa a se lamentar com os três amigos. Enfim, uma paráfrase de Job, como você já adivinhou. E uma outra ainda sobre aquela história do juramento de oito homens de suicidar-se, caso o mundo de após guerra não correspondesse ao sacrificio deles num campo de concentração – sobre o que escrevi um artigo, não sei se você viu. A história é contada pelo último homem, sete já se suicidaran. E termina com um protesto contra o mundo que o

476 Anotação manuscrita na lateral esquerda: “Abraços: Fritz, João Vianna, Dornas, Emílio, / [Cobrão?] e Geraldo Vieira. E é só.”. 260 obriga a suicidar-se também, logo que acabe de escrever o livro. Conta como ficou sabendo da morte dos companheiros, como perseguiu pelos quatro cantos do mundo o penúltimo que sobrava e etc. Isto será uma tentativa de em ficção muito grave para mim, como você pode calcular: personagens de outra nacionalidade, back-ground estrangeiro, experiências pessoais que não sofri, senão no sentido universal. Mas continuo acreditando na universalidade da arte, pelo menos na de sua origen, como fenômeno de criação. E acho que a obrigatoriedade da língua, da nacionalidade, ou da experiência pessoal imediata como elementos de cor local (o que aliás você tem pouco, e daí o sentido simbólico mais humano do que literário de seus personagens, que existem no Brasil, na Europa ou na China) muitas vezes acaba inibindo a criação, privando os personagens do sentido de simples indivíduos da espécie humana.477 Como você vê, estou atravesando um período de grande fecundidade. A disciplina que aqui me imponho, forçado que sou a horários de trabalho na cidade, me obriga a dividir meu tempo de leitura, de estudo, de literatura ou de distração com uma gana de usurário. Todas as noites leio até a meia-noite, e em seguida escrevo até as duas e meia. Leio jornais no subway, tomo notas no consulado, converso com amigos no almoço, vou ao museu, ou aula de francês, ou de inglês, ou dentista às cinco horas. Uma vez por semana fico pela cidade, rosetando em disponibilidade, aos sábados não saio de casa e ajudo Helena a fazer o almoço e cuidar da Eliana (folga da Berenice) e aos domingos leio jornais, escrevo cartas, e à tarde levo Eliana para brincar com a filhinha do Zé Auto, amigo meu, e passear de automóvel. Depois vou ao teatro ou cinema com Helena, e ouvir os concertos ao ar livre no Central Park. Às quintas escrevo meu artigo para o Diário Carioca. Três vezes por semana compro um livro novo, pois espero levar uma boa biblioteca para o Brasil. Convivo com pouca gente, sinto uma falta tremenda dos amigos. Iniciei últimamente uma correspondencia cerrada com o Vinicius, que continua na Califórnia. Continuo achando este país de maneira geral uma merda, tudo descontado. Mas há coisas que me impressionam fundamente e me deixam espantado como tantos valores formidáveis subsistema o lado das coisas mais odiosas. Você precisava ver esses concertos ao ar livre no Central Park. Ou a liberdade de se esculhambar o governo, sem ir para a cadeia. Não confio muito nesta liberdade e não me arrisco. Tudo somado, esse período que estou passando aqui tem me feito bem. Fugi daquela estagnação do Rio, daquela disponibilidade da conversa mole, da preguiça e do chope no Alcazar, e não me lamento. Quanto voltar, espero que será diferente – e o primeiro passo será a minha mudança, já

477 Na margem esquerda da página há um traço que cobre do trecho que menciona O Grande mentecapto até o fim do parágrafo, seguido da seguinte anotação manuscrita: “Diga o que acha desses casos. Te mandarei / “O Túnel” logo que terminar. / F.”. 261 decidida, de Copacabana para Laranjeiras, Gávea, Tijuca ou Santa Teresa. É verdade que de vez em quando apareço por um barzinho aqui também, mas os porres são raros, porque o whisky inspira apenas descanso, calma e esquecimento. Conheço alguns bêbados inveterados. De vez em quando o Zé Auto faz uma feijoada na casa dele, e na última entramos numa garrafa de cachaça que eu trouxe do Brasil e que guardava no cofre com avareza. Recebi suas cartas, e seus contos fizeram sucesso, entre os mais hábeis em entender. Estou arranjando para traduzir “A Lua” e publicar em algum lugar por aqui, possivelmente na Partizan Review, uma das melhores revistas literárias em lingua inglesa. E assim você ganhará uns cobrinhos. Aliás acho que “A Lua” deve se chamar “O Nascimento da Lua”. Achei esplêndido o conto. Não tenho ele aqui a mão, de modo que não posso lhe mandar as anotações que fiz, que aliás são poucas. Me lembro de uma frase em parênteses, referente parece a uma luz vermelha, que você deve tirar, porque não tem nada que ver com a história. Você está atingindo um poder de concisão admirável. Seus contos já não são contos na maneira de narrar, mas qualquer coisa de diferente e de uma natureza precisa que se aproxima do aforismo. Você está sabendo fazer das próprias deficiências uma linguagem sóbria, harmoniosa, segura, sem excrescências nem imprecisões, levando-a a contribuir para o clima e o caráter da história. No dos dragões achei excelente a maneira como a sua prosa se identifica com o personagem que conta: repara que quem escreveu aquele conto só podía ter sido mesmo um professor do interior, amadurecido numa vida de casal sem filhos, calejado de lugares comuns pelos longos anos de professorado. Não se sente os lugares comuns nos seus contos: a maneira precisa e natural com que são empregados por si só já dão originalidade. Acho que você melhorou muito a sua prosa, da última coisa que vi de você para cá. Há simplicidade e concisão, embora eu, que sou macaco velho, sei que ela continua cada vez mais trabalhadíssima. Tenho a impressão que você descobriu o recurso sádico e eficiente de cortar, em vez de desenvolver478. Por este lado, você não tem com que se preocupar: é ir escrevendo e maltratando o estilo, que o resultado está saindo ótimo. Tenho certeza de que publicados aqui, seus contos fariam tremendamente mais sucesso que no Brasil, onde infelizmente nossa literatura ainda está com vinte anos de atraso. Gostaria muito que você resolvesse logo este problema do inglês, para poder começar a ler certas coisas que te seriam

478 No texto “O espelho partido”, em que Sabino relembra o escritor Marques Rebelo, Sabino menciona um conselho dado pelo autor de A estrela sobe: “Vá escrevendo e cortando. Escrever é cortar” (SABINO, 1996, p. 226). Talvez esa observação de Sabino a MR seja uma ressonância disso. 262 utilíssimas. Tente afirmo que depois de dois ou três livros que te mandasse,479 você nunca mais leria nada publicado no Brasil. Voltando aos seus contos; acho que você deve tomar cuidado com certos elementos que você usa, que sem que você saiba podem se tornar simplesmente satirizantes e intencionais. No dos dragões, por exemplo, embora em si eles tenham sido bem sucedidos, detalhes como o do dragão pensar em tornar-se prefeito municipal, ou de serem os dragões aproveitados na tração de carroças, são perigosos. No caso, repito, eles estão bem. Mas creio que todo sentido alegórico, satirizante ou simplesmente intencional que possam ter os elementos com que você lida, é perigoso e deve ser evitado. Seus contos não são alegóricos. O que há de intencional, de protesto, de crítica, de depoimento utilizável neles não está nem no tema da história nem nos detalhes, nem no fantástico, nem na sua maneira de contar: está no contraste entre o todo da vida dos personagens, (que em última análise são você) e o mundo real, a vida comun do leitor. Esse contraste provoca mal estar, ou deslumbramento, ou incompreensão, ou entusiasmo fácil e injustificado, o que seja: tudo isso você pode aproveitar, dando um sentido, orientando esta reação. É muito difícil de explicar porque este sentido a que me refiro, nem eu nem você mesmo sabe: as vezes ele se firmará como base no conjunto de todos os contos em livro, na disposição deles, na relação comum que os liga, ou simplesmente num título, numa epígrafe, numa frase perdida no meio de uma história,480 e mesmo numa explicação, num prefácio. A verdade é que ele existe, e cabe a você descobri-lo. Se for um sentido errado, que te repugne, então você está errado e deve procurar se corrigir – não os seus contos. Se você não está errado, então os contos falharam – neste caso se tenta um outro caminho. Assim entendo esse problema chatíssimo da funcionalidade da arte, do seu sentido utilitário, nascido de uma convicção para atuar coletivamente, fora de nós. Não teria sido isso talvez que o Mário tanto quis dizer e que disse mal, ou que ninguém entendeu? Continue mandando seus contos. Prometo ler e escrever depois a você com o maior carinho. Estou esperando o Trem e o Navio com ansiedade. Se o Navio chegar, embarcarei nele para o Brasil sem demora. Também ando louco por saber notícias do livro: e afinal, saiu ou não saiu? sai ou não sai?

479 Neste trecho da carta há um asterisco que remete a uma anotação manuscrita na margem esquerda da carta, em que se lê a seguinte mensagem: "Se quiser, posso mandar um desde já. Do Kafka, por exemplo: O Diário Íntimo e / ensaios sobre ele. Não deixe de dizer." 480 Neste trecho da carta há um asterisco que remete a uma anotação manuscrita na margem esquerda da carta, em que se lê a seguinte mensagem: “O “sentido” de A Marca, por exemplo, está para mim nesta frase: “Tenho a impressão de que está morrendo neste instante a última criança do mundo”. E no “Bom Ladrão”: “É preciso que eu me liberte de tudo isso, é preciso que o mundo se liberte para que possa interessar-se de novo pela vida das formigas”, quase no fim. 263

Por falar em livro, queria que você fizesse o favor de sondar o Roberto Costa sobre a possibilidade de publicar um livro meu, na editora dele. Como devo ter te contado, o Zé Olimpio não pode publicar, a Agir também não pode, preciso (é um livro com quatro novelas e possivelmente cinco contos), veja se consegue alguma coisa, e me escreva contando, no caso afirmativo, quais são as condições. Se o negócio pegar, mando o livro imediatamente, e as provas você mesmo reveria para mim. Nada arranjado, me dê uma ideia da possibilidade de fazer o livro na Imprensa Oficial e lançá-lo por minha conta. Preciso livrar-me dessas novelas o mais depressa possível, elas já estão me atrapalhando. Não deixe de dizer se tem visto minhas crônicas, se tem gostado. Faça sugestões, pode esculhambar sem susto se for preciso. Tenho procurado “dar um sentido” a tudo que escrevo para jornal, e não sei se estou sendo bem sucedido. Me faça outro favor: quando vim para cá o Antônio Joaquim me escreveu uma carta encomendando-me um livro para o Museu do Ouro de Sabará. Logo que cheguei procurei o livro, comprei e mandei a livraria despachar para o Museu em nome dele. Isso foi em Maio, portanto já fazem quatro meses. Como o livro é raro, caro, e até hoje não recebi a menor notícia do Antônio Joaquim se recebeu ou não, queria que você telefonasse para ele indagando em meu nome. Diga-lhe que o livro seguiu, e se ele não recebeu mande dizer, para que possa reclamar. Um segundo favor: procure para mim, entre seus papéis, se você tem alguma cópia daquele conto meu chamado TEBAS, e se tiver me mande. Não tenho nenhuma cópia e você é minha última esperança de salvá-lo do esquecimento. Onde ele aliás já deveria estar, muito merecidamente. Continue me escrevendo, dando notícias. Conte tudo que tem se passado nessa nobre Curral del Rei, para onde um dia voltarei. Conte seus amores, suas tristuras e seus porres, se os tem tomado. Dê notícias dos amigos, que as que você deu foram poucas: não se esqueça de um grande abraço no velho Dornas, e se possível compre uma garrafa de cachaça, vá visitá-lo e beba-a com ele em minha homenagem. De vez em quando sinto saudades daquele pelanco. O Perneta também deve merecer sempre as maiores homenagens de minha parte. Ainda ontem eu e Helena quase morremos de rir, porque eu contava a ela pela primeira vez aquele caso do ovo que o Quita jogou em cima de nós na porta da casa dele. O Dornas não teve talvez: “Ah, em minha casa, caboclo, ninguém joga nada não. Nem uma pétala de rosa, sem me pedir licença primeiro”. Você se lembra? Foi a coisa mais surrealista que eu já vi acontecer com o Emílio e em Belo Horizonte. Me dê notícias dele também. Ainda não recebi 264 a revista de vocês.481 Como vai indo o Edifício?482 Há gênios pela terra? Soube que saiu uma novela do Autran Dourado483 – que tal, é boa? Há muito tempo que não recebo notícias do Otto – desconfio que ele anda rosetando por aí. O Hélio prometeu escrever regularmente, mas continua desonestíssimo. Gostaria muito de ver os últimos poemas dele. Conte o que ele anda fazendo. Do Paulo não recebi uma linha até hoje – desconfio que rompemos relações. Abrace por mim os conhecidos; Jair, Fritz, João Vianna, etc. Não se esqueça do velho Cobra. O abraço carinhoso de sempre do seu

Fernando

A jovem Helena manda também um abraço. Nega-se terminantemente a prestar-se ao papel de sua futura sogra. Procuramos um genro de recursos, para termos uma velhice descansada. Quanto à nova filha (acredito que seja filha, fará aumentar a alegria se por acaso for filho) ainda não resolvemos. Aguarde pacientemente sua vez pois muitas filhas virão. Portanto, trate de cuidar bem do corpo, já que a alma é uma caso irremediável.

F.

Carta assinada: “Fernando” e “F.”; datada: “N.Y., 7 de setembro de 1947”; datiloscrito a tinta preta; anotações manuscritas a tinta preta; 4 fls.

26 New York, 06 de Outubro de 1947

Ah, Rubião, que alegria você acaba de me dar com a notícia da saída do seu livro! Estamos todos de parabéns: você, o Marques, o Dr. Eugênio, o Domingos Sabino e creio que até mesmo o professor Nelson Pilo. Estou aflito para vê-lo. Aliás você já tem à minha custa uma boa dezena de fãs por aqui. Recebi a revista Nenhum, muito obrigado. Achei excelente. Reli seu conto, mas não sei se é a disposição gráfica em que o conto vai indo por pequenas pílulas, o certo é que gosto

481 Como se verá na carta seguinte, trata-se da revista Nenhum, lançada em julho de 1947. Publicação de um único número, participaram do projeto Dantas Motta, Emílio Moura, Murilo Rubião, Otto Lara Resende, Lúcia Machado de Almeida e alguns membros da chamada “geração Edifício”, como Wilson Figueiredo e Autran Dourado. 482 Revista Edifício – averiguar quem eram os editores e se Murilo colaborou em algum número. Os quatro números da revista circulram entre janeiro e junho de 1946. 483 Parece tratar-se da novela A Teia, publicada em 1947. 265 mais dos últimos contos que você me mandou. O que só pode te alegrar, pois se os últimos são os primeiros é sinal que você vai indo. E indo espantosamente bem. Em que diabo de Departamento afinal você foi parar?484 De Produção Vegetal? De Melancolia Mineral? De qualquer maneira a saída da Inconfidência foi um triunfo. Que a Inconfidência siga o destino dela e você o seu. Os dois combinados davam muita estática. Obrigado pelas notícias: a de que você celebrou com o velho Dornas a minha carta muito me comoveu. Fale pra ele que eu não estou para muita conversa mais não: que ele vá se preparando porque quando eu voltar vai haver muito estrago, e nada de granfinadas: há de ser na cachaça. Já viu só que caboclo besta? Diga-lhe também que quero ver ele metido naquele pijaminha listado que o faz tão formoso – mas que não leve isso por trás. Concordo com você a respeito das crônicas, e tenho procurado escrever coisas mais leves. O diabo é que aqui nem tudo é leve... A expectativa de uma guerra de repente, por uma burrice qualquer, como aquele protesto contra o artigo sobre o Truman, chega a assustar. Quanto aos meus planos, vão indo: acabei “O Túnel”, que se não é coisa tão boa como você espera, pelo menos completa a unidade do livro. O diabo é que esse livro não representa grande coisa, desde que todas as quatro novela foram escritas acidentalmente, e com franqueza estou muito na dúvida se vale a pena publicar ou não. Voltarei ao Viramundo, coisa mais séria, e que por isso mesmo você parece não ter compreendido bem: não há nele a mais ligeira intenção de anedótico, de fazer rir, de ridicularizar o que quer que seja. A vida de Viramundo é uma tragédia gravíssima, da maior atualidade, e eu procuro dar tudo. De tal maneira eu estou alheio a qualquer intenção de anedótico e paralelamente de simbolizar, satirizar, etc, que levei um susto enorme quando você me chamou a atenção para o perigo do gênero que você tão bem conhece. Neste sentido o perigo não existe: nem o título, embora você estranhe isso, é de brincadeira: esse gênero de brincadeira que consiste em brincar com coisa séria. Com literatura não se brinca e por conta disso muito Oswald de Andrade que anda comendo solto por aí já fracassou. Não brincar: tudo levar a sério, inclusive as brincadeiras. Assim como é seríssima qualquer brincadeira do Murilo Mendes, por exemplo, as dos loucos em geral, as dos santos, as do próprio Cristo (releia o episódio da vara de porcos endemoniados entrando no mar ou a expulsão dos vendilhões do templo – “pra fora, cambada!” – para ver o quanto é fundamentalmente engraçada qualquer manifestação da Verdade, em face de sua generalizada corrupção) e também engraçado o seríssimo que é o

484 Conforme consta em um documento de contagem de tempo de serviço para fins de aposentadoria, emitido em 1972, entre 1946 e 1951 MR exerceu a função de Chefe de Divisão do Serviço de Radio Difusão da Secretaria de Estado da Agricultura de Minas Gerais. 266

Geraldo Boi, por exemplo, irmão espiritual do mentecapto Viramundo. Tudo isso assim falado é mesmo difícil de entender, só pessoalmente e lendo o já escrito. Quanto às minhas “restrições” sobre seus contos, não eram propriamente restrições, mas simples sugestões. Não vá muito atrás de minha opinião, que às vezes depende muito de um estado de espírito de momento. De qualquer maneira estou ansioso por receber o livro e te mandar dizer o que acho dele assim em conjunto e publicado. Mande um só por avião e o resto por via marítima, pois do contrário você vai pagar uma fortuna. Não precisa dedicar os outros dois – eu mesmo dedico. O “Tebas”, se bem me lembro, foi publicado na Vamos Ler! de Agosto a Dezembro de 1944 – não sei ao certo data, mas foi nesse período. Assim, você não poderá fazer nada. Talvez o Moacyr Valladares no Rio pudesse dar uma busca na coleção da Vamos Ler desses meses. Não sei se o conto compensará tanto trabalho, talvez o melhor seja não pensar mais nele. Se a Teddy continua fidelíssima com você, epistolograficamente falando, comigo é diferente: me mandou um documento para autenticar aqui, fiz o trabalho, devolvi no mesmo dia com uma carta e até hoje nem uma palavra dela. Já comecei a celebrar aqui o seu livro de maneira condigna – não com uísque mas com vinho tinto que, desculpando o mau gosto da imagem, vai melhor com o bom gosto dos contos... O uísque virá mais tarde, não tenha dúvida. Abraço do seu

F. Carta assinada: “F.”; datada: “N.Y., 06 de outubro de 1947”; datiloscrito a tinta preta; anotações manuscritas a tinta preta; 2 fls.

27 New York, 07 de Outubro de 1947

NOSSOS ABRAZOS PARABÉNS PUBLICAÇÃO LIVRO ANSIOSO / VÊ-LO

= FERNANDO =

Telegrama assinado a máquina: “Fernando”; impresso “CABO SUBMARINO / THE WESTERN TELEGRAPH COMPANY, LIMITED / CABLE AND WIRELESS LIMITED – Telegramma”; carimbo: “07 /OUT / 47”; 1 fl.

267

28 New York, 29 de Outubro de 1947

Meu velho Murilo,

Vou escrever hoje a você só para falar no conto, que acabo de receber. A carta propriamente dita, que muito me alegrou, ficará para depois. Estou um pouco abafado hoje, tive esta semana muitas contrariedades. O pior é a distância de amigos como você e a solidão que a gente fica. Aliás este capítulo de amigos às vezes é um dos mais tristes do meu romance. Ando com muito medo de acordar amanhã na convicção, confirmada pelo silêncio deles, que você é o único que me resta. E o mais fiel. Amparo-me com unhas e dentes na presença cada vez mais indispensável da Helena e da Eliana, e vou tocando. Mas na verdade compreendo e aceito todo desgosto que me pode vir de fora, porque no fundo sou eu próprio o responsável e não posso culpar ninguém pelo destino que me dei. Estou profundamente desgostoso de mim. O que, em última análise não deixa de ser um bom sinal. Sinal de que estou acordando. Achei seu conto simplesmente extraordinário, o todo, com pequeninas e lamentáveis exceções em alguns detalhes. Essa impressão de primeira leitura se confirmou numa leitura em voz alta que o Zé Auto fez dele para mim (aliás estou ficando meio impressionado com a importância da leitura em voz alta, talvez influência do Gide, que no seu Journal485 nos dá ideia dessa importância; ouvi alguns poemas do Eliot gravados por ele próprio, que eu já conhecia antes, e me impressionaram extraordinariamente; estou para comprar um aparelho de gravação em arame, última novidade desse país automático, que talvez me seja útil como auto-educação; depois explico). Voltando ao conto: ele confirma uma impressão que já tive antes e que talvez já tenha falado a você: a de que você está superando na sua criação os elementos de fantasia que você usa, que levados ao mais alto grau de esoterismo, ou melhor, de imaginação criadora distanciada da realidade cotidiana, transcendem o próprio fantástico (com o hermetismo ou mesmo simplesmente o absurdo em que ele pode cair) para ir atingir de novo e por outro lado a mesma realidade cotidiana! Foi o que o surrealismo, com todo o seu poder verbal de criação, não conseguiu realizar senão raríssimas vezes. E o surrealismo, quando fracassa, gera simplesmente o caos, como o fantástico gera o absurdo. Não sei se estou me explicando bem: quero dizer que nesse seu conto e nos últimos que li, nota-se que o

485 André Gide, referência a leitura de seus Diários. 268 fantástico (fantasia, ou o que seja) está deixando de se tornar um fim para se tornar um meio. Meio de quê?486 Talvez você não saiba, conscientemente. Nesse conto foi um meio para revelar apenas o drama de uma vida com toda a sua realidade normal, diária, humana e perfeitamente aceitável como drama pertinente ao mundo e subordinado às suas leis. O fantástico que você imaginou, na concepção da vida de D. José, te levou a uma realidade muito mais normal e plenamente compreensível do que a lógica mais direta e consequente dos contos de Maupassant. (Não tenha dúvida que você tem com ele tantas afinidades quantas tem com Kafka, muito mais com Pirandello do que com os Surrealistas). E justamente nisso está sua vitória. A imaginação, que seria o seu maior perigo, longe de levá-lo a fantasias gratuitas, muito brilhantes mas sem qualquer fundamento na nossa condição de homens, habitantes de determinado planeta convivendo em sociedade e sujeitos às injunções dessa convivência, levou você ao contrário à uma compreensão mais pura dessa sociedade, ao coração desse homem, ao interior desse [planeta]487. Eis porque seus contos488 são cada vez mais sintéticos: porque atingem o essencial do planeta. Porque, graças a Deus, o que lhe falta justamente é imaginação suficiente para, deixando de ser criadora, se tornar gratuita. A imaginação gratuita dos escritores fantásticos. Não sei se você me entende, e vou resumir o que achei do conto: a vida medíocre e sofredora de D. José, com sua úlcera, seu drama conjugal, a doença de seus filhos e seus foguetes interessa profundamente pelo sentido falível da natureza humana que sugere. E está poderosamente sugerida, concentrada no essencial dos elementos que você usou. Se eram elementos fantásticos, deixaram de ser, quando se puseram a serviço da realidade humana que você criava, conscientemente ou não. Tudo é perfeitamente aceitável, lógico, coerente, e apenas duas vezes o fantástico domina a realidade que sugere, tornando-se fantástico pelo fantástico: assim mesmo, numa delas, talvez discutível. Quanto à segunda não tenho a menor dúvida. A primeira é a da máquina de imitar choro infantil: francamente tenho minhas dúvidas se isso valha alguma coisa dentro do conto; talvez fosse melhor dispensar o detalhe (não o choro, que é bom) o que seria fácil: “E os meninos, que choravam (ou “que dizem que choram, qualquer recurso semelhante) noite adentro, etc?” E a máquina seria dispensada. D. José podia também, em vez de máquina, imitar o choro infantil, que ficaria mais sugestivo. Mas como disse, minha restrição é discutível. A outra não é: o da estátua, com

486 Após escrever “Meio de quê?”, FS sinaliza um asterisco para indicar um comentário de esclarecimento da expressão, feito na margem esquerda da página:“Meio de expressão, não há dúvida. O que há dúvida é expressão de quê”. 487 Conferir trecho entre colchetes com original no AEM (margem direita da digitalização cortada). 488 F.S. sinaliza um asterisco para indicar um comentário feito na margem esquerda da página: “Talvez menos brilhantes, nesta fase; mas mais autênticos, como arte”. 269 a nobreza espanhola e tudo mais. Acho489 fraquíssimo como solução e fecho do conto. Fantástico injustificável, tendente a mera jocosidade. Preferível alterar dizendo que diziam na cidade ter ele sido “um nobre homem”, simplesmente, e então acrescentar que era mentira, o pobre diabo não possuía nenhuma nobreza. Ou invente você mesmo outro fim. Conserve o “Chamava-se Danilo José Rodrigues” para acabar. Um grande e saudoso abraço para você, meu e da Helena. Escreva.

Fernando

Carta assinada: “Fernando”; datada: “N.Y., 29/10/47”; datiloscrito a tinta preta; anotações manuscritas a tinta preta; 2 fls.

29 New York, 04 de Dezembro de 1947

Murilo,490

“A Cobra de Vidro” é tão bom quanto o dos Dragões, talvez melhor. Está na mesma linha, essa sua fase tão boa de ultimamente: o elemento “fantástico” desertando cada vez mais do assunto e se passado todo, e ficando apenas, na maneira de concebê-lo. No fundo o que existia mesmo era o drama humano, compreensível e autêntico, na luta entre o desejo de amar e a solidão – que o desconcertante dos motivos que você escolhia (mágicos, pirotécnicos, etc) e o sabor exótico das soluções encontradas apenas encobriam. Você está se despindo bastante – e isso é bom. Caem-te bem os cabelos, mas caem também certos disfarces, certas salvaguardas com que você se defendia. Talvez você esteja nos antípodas de Kafka – e isso é que dá motivo a certas confusões, inclusive de sua parte mesmo. Assim: como se o drama kafkiano fosse a impossibilidade de amar e o drama “muriliano” a impossibilidade de não amar. Só como exercício, experimente tirar do conto a cobra de vidro, para ver se ela é essencial. Desconfio que não. Sinto que ela está sobrando na história. O resto está certo, mas é preciso ler duas vezes para gostar. As repetições estão boas.

489 F.S. faz um comentário a caneta logo acima da palavra “acho”: “Minhas restrições são quanto à estátua; o resto talvez [ ]”. 490 Anotação manuscrita , feita por FS, na margem esquerda da carta: “Recebi os retratos sim. Muito obrigado. Aqui vão também [dois]: de pai [e] / filho”. 270

Por aqui tudo bem. O filho vai para Janeiro. Dona Odette está aqui, mas com aquele jeitão [rocejado?] não incomoda. Meu livro está pronto – mando a você logo que tiver portador. Só para me livrar eu publico – é coisa, encerrada, como a [trancar?] caminho que não levou a nada. O Viramundo é que é importante. Penso que você não tenha entendido bem a importância do Viramundo – não é anedótico, nem blague e nem brincadeira – é uma maneira de dizer. Há muitas maneiras de dizer e há muita coisa a dizer. Não recebi os livros ainda. Vou reclamar da Companhia. Não mande mais nada pelas Aerovias, que fica por Miami e se passa para mãos estrangeiras. Mande pela Cruzeiro do Sul, que é de casa, o pessoal trabalha ao lado do escritório do Zé Auto – ou pela Panair mesmo. Mas isso é inútil, porque não penso que você terá mais o que mandar. Só se publicar outro livro antes que eu volte. Ou se pretender despachar como caixa o peso de uma saudade igual a esta que, para encerrar, te envia de longe o seu

Fernando

Carta assinada: “Fernando”; datada: “N.Y., 4/12/47”; manuscrito a tinta preta; 2 fls.

30 New York, Natal de 1947

Ao Murilo,

Christmas / Greetings / Sempre seus [Eliana não...], / Helena e Fernando

Cartão de natal; assinado: “Fernando”; datada: “N.Y., Natal de 47”; impresso na frente: imagem; impresso no verso: “CHRISTMAS GREETINGS / George Rouault: Etching from ‘Miserere et Guerre’. 1927. On extended loan to the Museum of Modern Art”;1 fl.

271

31 New York, 27 de Janeiro de 1948

Murilo,

A sua história do barco é bonita e acredito que dê coisa de primeira ordem. Só tenho medo de que no fim você use o recurso surpresa para tirar efeito de uma coisa que o leitor já adivinha, isso é, que o barco que se aproxima do farol fatalmente será o Ester. Estou curioso de ver como você vai se sair de tema tão sugestivo – me mande logo que estiver pronto. Recebi os livros, já entreguei, mas mando detalhes depois. Estou aguardando tempo para poder escrever a você sobre isto, possivelmente um artigo, que o livro sem dúvida merece – e os que tenho visto até agora são pouco mais do que medíocres ou convencionais – com exceção do do Otto,491 que realmente acertou em cheio, na minha opinião- o que é que você acha? Não estou podendo escrever a você com calma, como gostaria, porque as coisas por aqui se complicaram tremendamente, os problemas domésticos se precipitam (casa, mobília, neve, frio, contas, compras, compromissos de toda ordem, coisas desse gênero) e já estou na euforia de voltar – o que será tão logo os recém-nascidos possam encetar viagem. Sua carta feliz a propósito de Leonora me deixou sorrindo bobamente. Tenho pensado com volúpia no dia de seguir para Belo Horizonte (que se aproxima) para ficarmos em descanso, sem problemas, conversando atoa na varanda lá de casa e vendo a vida passar. O olho é sábio e paciente, Murilo. A boca, às vezes, é que atrapalha. [Seu amigo]

Fernando

Depois escrevo mais. Diga o que tem achado dos meus artigos. Helena vai te escrever, / segundo me diz, mas / está mandando des-/de já um saudoso /abraço e parabéns / pelo sucesso do livro.

Carta assinada: “Fernando”; datada: “N.Y., 27 de Jan 48”; datiloscrito a tinta preta; anotações manuscritas a tinta preta; 1 fl.

491 Ver carta 02 de OLR a MR e, nos anexos desta tese, o artigo “Adesão ao heróis de nosso tempo”, de autoria de OLR, sobre O ex-mágico, publicado 07/12/1947. 272

32 New York, 19 de Fevereiro de 1948

Murilo,

Não tenho escrito mais a você não só por falta de tempo mas também porque estou querendo ver se faço alguma coisa sobre seu livro assim que tiver mais calma, e não queria escrever que não fosse para te mandar. Continuo achando, pelo que tenho lido, que seu livro ainda não encontrou a espécie de repercussão que deveria ter caso houvesse no Brasil menos burrice e mais honestidade, - com exceção, como disse, do artigo do Pagé, cuja carta achei até melhor, pois mais direta, franca e pessoal. Fora dele estão apenas repisando com muita simpatia uns lugares comuns que nós já esperávamos – inclusive Kafka e tudo mais. Parece, porém, que acabo não tendo jeito de fazer nada daqui, pois já ando estudando um jeito é de dar o fora o mais cedo possível – de navio e espero que não seja aquele seu, nem o Ester nem o outro. Minha ideia de passar um mês em Minas com você continua firme. Qualquer coisa de positivo te escreverei. Enquanto isso continue escrevendo – e que história é aquela do Machado de Assis, a propósito de meus artigos? Deixa de ser besta, rapaz. Te mando hoje um conto nada machadiano, escrito há tempos, para você dizer o que acha.E também uma página do Saturday Evening Post para você ver só como é que o velho Dornas tem boa papa com as morenas. Entregou a ele aquele cartão? Abraço do seu velho

Fernando

Se tiver alguma revista no Rio (ou mesmo aí) que você possa publicar o conto, pode mandar.

Carta assinada: “Fernando”; datada: “N.Y., 19-2-48”; datiloscrito a tinta preta; anotações manuscritas a tinta preta; 1 fl.

273

33 New York, 31 de Março de 1948

Murilo:

Estou embarcando hoje no “Minute Man”e espero estar no Brasil lá para 15 de abril, ansioso abraçá-lo,

Fernando

Cartão postal assinado: “Fernando”; datada: “N.Y., 31/3/48”; autógrafo a tinta preta. impresso na frente: imagem; impresso no verso: “Pablo Picasso: Girl before a mirroir. 1932; Oil em canvas;Gift of Mrs. Simon Guggenheim. The Museum of Modern Art”;carimbo apagado;

34 Rio de Janeiro, 06 de Julho de 1948

Patroa seguiu noturno acompanhada sua / noiva abrs saudosos Fernando

Telegrama: Assinado: “Fernando” [à máquina]; impresso: ‘DEPARTAMENTO DOS CORREIOS E TELÉGRAFOS / TELEGRAMA”; carimbo: “RIO / 6 / JUL / 48”; 1 folha.

35 [Rio de Janeiro], s.d.

Profundamente interessados grande acontecimento / solicitados detalhes Eliana desconsolada Abraços Fernando

Telegrama: Assinado: “Fernando” [à máquina]; impresso: ‘DEPARTAMENTO DOS CORREIOS E TELÉGRAFOS / TELEGRAMA”; carimbo apagado; 1 folha.

274

36 Rio de Janeiro, 02 de Dezembro de 1948

Meu velho Murilo,

Já iniciei pelo menos umas cinquenta cartas a você. Mas no meio do caminho surgia sempre a necessidade de escrever uma crônica e eu era sempre forçado a interromper a carta. E depois que acabava, tomava tamanho pavor por tudo que fosse escrever que ficava inventando pretextos para guardar respeitável distância da minha máquina. Agora, porém, aconteceu o inevitável. Quando ia começar o suplício de ter duas crônicas para escrever, resolvi de repente que não escreveria mais uma linha, e estava acabado. Fiz umas contas e conclui que me aguentarei bem com a seção “Diário do Rio” que venho fazendo no O Jornal, tem visto? Então encerrei minhas atividades de colaborador de suplementos, para iniciar oportunamente as que interessam à minha posteridade. Saí de casa e comprei uma máquina nova para escrever uma carta a você, que a outra já estava viciada em literatura. Comprei uma Hermes Baby, que é esta que você está vendo. Custou um e quinhentos e achei que tinha feito um grande negócio. Quando cheguei em casa é que descobri que ela não tem dois pontos, ponto e vírgula, cifrão, percentagem, parágrafo. Em compensação tem três diferentes espécies de E, duas de c cedilha e duas de A. Donde se conclui que meu estilo fatalmente se modificará. Por aqui tudo em ordem. Tenho tido notícias suas e recebo regularmente suas cartas... Não entrarei para a já imensa hoste de epifanistas porque estou indeciso se adiro ou não ao corpismo, novo sistema filosófico baseado na teoria segundo a qual se deve dar ao corpo tudo o que ele pede e no mais deixar a vida correr. Como porém não sou lá tão amante de meu corpo como sê-lo-ia do corpo alheio (feminino) se a vida os interpusesse no meu caminho, resolvi aderir ao almismo, ou seja, o mesmo sistema filosófico do corpismo, mas só que tem que [sic] relativo à alma, isto é, consiste em dar a alma tudo aquilo que ela pede. E no mais, sua carta sobre a mãe do Paula Lima lhe valeu a pecha de sandice irremediável entre os seus conterrâneos e não fora a oportuna intervenção de Nicodemus no decifrá-la, você estaria até hoje sendo lastimado nos círculos da colônia mineira aqui residente como definitivamente perdido. Vai chega então sua carta endereçada à minha excelentíssima esposa, e voltamos novamente a duvidar do estado mental do missivista. 275

Pretendemos seguir no dia 9, para estarmos aí em tempo de casarmos o Pellegrevuventz. Don Pagé e Nicodemus492 parece que vão conosco. Tivemos notícias suas pelo Bacuré, que ainda se encontra por aqui. Soubemos que você continua incuravelmente solteiro, o que é mau, tanto mais se considerarmos que homem solteiro que vai a Paris acaba conseguindo aquilo que não quis. O seu retrato debaixo do vidro de minha mesa pisca um olho e aprova. Continuamos procurando casa para morar. Agora vou sair com Helena para ver uma na... Rua Guaicurús, – no Rio Comprido. Veja você a que ponto cheguei. Eliana entrou aqui no escritório e pediu para dizer a você que traga uma peteca para ela quando você vier aqui. E pra trazer um peixe grande também. E uma caixinha de por areia. Disse que não acredita que eu tenha escrito os recados dela e que ela mesmo vai te escrever uma carta. Acabo de receber o livro destinado a Betinha. Muito significativo... Vou entregar. E regurgitaremos grandes agapantos quando aí chegarmos. Minha incapacidade para escrever cartas atualmente chegou a um ponto de inacreditável burrice. Vou parar. Abrace os amigos e se puder diga ao João Dornas que levarei informações completas sobre o livro dele na Casa do Estudante. O velho abraço amigo do seu

Fernando

Carta assinada: “Fernando”; datada: “Rio, 2 de Dezembro de 1948”; datiloscrito a tinta preta; 2 fls.

37 Rio de Janeiro, 10 de Fevereiro de 1949

Meu velho Murilo,

Venho recebendo, meio desconfiado, suas constantes manifestações líricas, sentindo sempre que ainda é cedo para diagnosticar, à vista de suas experiências anteriores. Agora, porém, diante de sua última carta, tomo-me de ânimo para afirmar que vossa excelência está mesmo irremediavelmente apaixonado. As azáleas, orquídeas e outros exemplares da espécie vegetal, que vinham perambulando pelas suas cartas e seus amores me faziam desconfiar do

492 Hélio Pellegrino, Otto Lara Resende e Paulo Mendes Campos, respectivamente. A ocasião mencionada é o casamento de HP. 276 caráter monocotiledôneo dessa paixão, mas os percursos frequentes pela rua da Bahia e o consequente movimento trôpego das pernas fazendo mais leve o coração acabaram por me convencer. Mande de uma vez o nome da donzela e avance para frente sob a luz do sol colhido nos olhos dela. Não mate o sol. Deixe que ele se recolha atrás da serra quando você já estiver preparado para receber a noite. Tudo mais são nuvens, neblina, cerração, ou em linguagem aeronáutica, teto baixo. O teto baixo de hoje não impede o voo de amanhã – disse Leonardo da Vinci. Voe nas asas dela para o Rio para um apartamento no Flamengo, uma casa em Santa Tereza, um bangalô na Gávea, ou se quiser um sítio na Restinga de Marambaia. Mas voe, evite as águas do São Francisco, traiçoeiras, não reme, não veleje, e sobretudo nunca mais ande de trem. As notícias de seu pai me alarmaram. Em todo caso, nunca é tarde para corrigir um erro que eu poderia ter corrigido mais cedo. Sente-se na cadeira de vime da varanda, depois do jantar, meia hora por noite, durante uma semana, para perceber que o que você chama de barreiras é a própria inexistência delas, tão inexistentes que ninguém sente necessidade de avançar no terreno alheio, por descortiná-lo com os olhos, por vê-o e conhecê-lo tão bem, por senti-lo tão seu. E viva a timidez, o pudor e a discrição de ambos – são as próprias garantias de uma compreensão tanto para com o pai, como para o amigo, como para a mulher – coisas muito diferentes, e insubstituíveis. Mande notícias positivas do estado de saúde de seu pai. E do seu estado de saúde. As amebas são coisa besta porque estão no intestino e eu estou convencido que os intestinos também governam a cabeça. Ontem fui a um médico por causa daquela suprarenal que estava se agravando. Fiz um exame geral para constatar que não tenho nada de coração, pulmão, fígado, cérebro, sexo e intestinos; a pressão está normal e o corpo velho de guerra em plena forma – é preciso mesmo cuidar da alma. Saí disposto a examinar os dentes e a impertérrita sinusite, prováveis focos de infecção. E com umas injeções para insuficiência suprarenal (coisa sem importância, o médico disse) que garantirão o meu esperado rejuvenescimento. Que já começou. (Até parece que estou escrevendo para meu pai.) Mudei-me ontem para um casarão na Av. Niemeyer,493 com piscina, árvore, jardim, praia, vista para a montanha e para o mar, lugar sujeito a direta jurisdição de Deus e tocado pelas coisas eternas: insatisfação, esperança, saudade e calma. As meninas estão se espalhando pelo quintal e pelos salões vazios, eu estou aprendendo a jogar bilhar francês e refazendo minha destreza no bodoque, em companhia do Edson, um moleque de onze anos da

493 Anotação manuscrita de FS, a caneta preta, na margem esquerda do parágrafo: “Continue escre-/vendo para o / mesmo endereço”. 277 vizinhança. Helena vai caprichando no terceiro filho para sair menino, mas vendo as duas garotinhas brincando chego até a ficar com vontade de ter mais uma. Acabei de escrever uma novela (ainda sem nome) que se passa inteiramente em Nova York, embora com personagens brasileiros.494 É uma experiência, como tudo que tenho escritor, e me sinto resolvendo certos problemas preliminares de ficção para então poder fazer o que pretendo. Eu sei o que pretendo. Hoje encontrei uma frase de Forster, o romancista inglês,495 sobre o romance, que transcrevo aqui: “Quase tudo na vida é tão idiota que não há nada para ser dito a respeito dela e livros que a descreveriam como interessante são obrigados a exagerar, na esperança de justificar sua própria existência”. E o romance se torna apenas uma maneira pessoal de registrar a diferena entre a dor e o prazer, entre a alegria e o sofrimento. A vida se apresenta caótica, informe, disforme, mutilada, incompleta, falsa, desarticulada, diluída, cacete, embrutecida, etc.. Resta ao romancista dar forma a esse pobre material selecionando esteticamente seus elementos, ordenando-os dentro de um plano imaginado, inventado. Aos que não dispõem dessa capacidade de imaginar, inventar um plano de seleção, resta o caos. Imagine a vida como todo o material a ser utilizado numa casa, desde os tijolos até os parafusos das dobradiças, amontoado a um canto – e o romance a casa pronta. Dentro dessa concepção, o romancista sozinho escolhe o terreno, prepara-o, executa os planos, projeta e constrói, pedra por pedra até o final, sem a ajuda de ninguém – para que alguém mais vá morar ali. Mas há mil espécies de casa – e com essa novela passada em Nova York não construi nenhum arranha-céu e sim um modesto mas firme barracão. Tentei a não interferência absoluta do autor no sentido da história – os fatos contando por si. Logo que acabar de passar a máquina mando para você dizer o que acha. Ando a espera daquela transferência de cartório que pode sair de uma hora para outra. Inutilmente tenho quebrado a cabeça tentando descobrir um auxiliar de confiança absoluta (há muitos escreventes no tal cartório, mas soube que não posso contar com nenhum), uma pessoa que esteja lá dentro ligada a mim e não a eles, para trabalharmos juntos – e não consigo pensar em ninguém mais a não ser você. Sei que financeiramente o lugar seria pelo menos tão vantajoso como o do São Francisco496 – porém o resto só se converssássemos pessoalmente. E depende de saber em que pé estão seus entendimentos com o Lucas, bem como até onde se tornarão realidade os fabulosos planos que ele já fez. Quando é que você vem afinal? Seria ótimo se você pudesse vir agora ao Rio para conversarmos sobre este assunto. Só pensaria em

494 Trata-se do livro A cidade vazia, publicado em 1950. 495 Parece se tratar do romancista Edward Morgan Forster (1879-1970). 496 Referência ao cargo de Chefe do Serviço de Documentação da Comissão do Vale do São Francisco, por ocasião do qual MR irá se mudar para o Rio de Janeiro, em maio de 1949. 278 pedir sua ajuda no cartório caso fosse em todos os sentidos uma solução mais vantajosa para você – e para saber isso precisamos nos informar juntos. Mande notícias a respeito da possibilidade de um pulo até aqui. É possível mesmo que o cartório seja mais interessante para você, como estabilidade ou então que você a estas alturas, de aliança encomendada, já tenha outros planos. E faça planos, Murilo. De modo que você de amores vai indo bem, apesar da chuva. Pois deixe chover e espere o sol. Se as mãos se encontraram é bom sinal. Gosto das coisas simples, que começam falando a linguagem das mãos. Dê logo seu mergulho em Deus, de cabeça, sem esperar nenhuma recompensa, nem mesmo a da humildade de se livrar do que já enguliu em trinta e dois anos. Esses trinta e dois anos serão necessários para a afirmação de outros trinta e dois, que hão de vir. Sei que você está começando a deixar secar o seu jardim de negativas e fico feliz – a prova disso é minha vontade de encontrar você, abraçar, dar um presente como se fosse dia de seu aniversário, que estou sentindo agora. Mando de presente essa estrelinha, pequena, apagada e tímida, mas dada de coração: * e o abraço de sempre do seu Fernando P.s.: E o Hélio?

Carta assinada: “Fernando”; datada: “Rio, 10 de Fevereiro de 1949”; datiloscrito a tinta preta; anotações manuscritas a tinta preta; 3 fls.

38 Rio de Janeiro , 07 de Março de 1949

Meu velho Murilo,

Hoje está fazendo cinco meses que meu Pai morreu. Um pai é uma perda que o tempo faz aumentar – eis alguma coisa que o tempo está me ensinando. E que você também vai aprender. E o bem que o Pai nos faz se prolonga além do tempo e da morte – a própria morte vem a ser para nós mais um gesto de carinho, o último, o permanente ensinamento – um pai que morre nos ensina a morrer. Esta a lição que nos fica, como uma herança, para ser vivida até que chegue a nossa vez. Você não sentiu que finalmente se tornou em homem, que finalmente cortou a última corrente que o prendia à infância como um escravo, para poder recuperá-la em liberdade? Enfim, antes de chegarmos à velhice, já não somos mais crianças – 279 inútil se iludir. E sempre é tempo para começar. Um pai que morre é a permanência do amor no filho, é uma esperança além da morte. Fiz tudo o que me era possível para ir ter com você em Belo Horizonte, mas nada me foi possível. Concluí que o melhor a fazer era não complicar mais as coisas, mas deixá-las seguindo o seu curso natural. Você não pode fazer ideia como tenho sofrido por aquela noite que você passou conosco no Rio. Conversei com o Paulo sobre isso e o sentimento é o mesmo: de derrota, de traição, de fracasso. Explico-me para uso próprio na necessidade de superar o nosso sofrimento mútuo arrastando você para um terreno acima das explicações, das confidências, da dor silenciada em lembranças e expectativa, ou em vontade de esquecer. O que também não deixou de ser uma fuga: espavorido, tentei fugir da atmosfera de fatalidade que parecia nos envolver, e sem perceber me abandonei a uma fatalidade maior. Já não somos mais crianças, e a ideia de que você pudesse ter tomado por leviandade o que para mim era realmente leviandade, mas nascida do medo puro e simples de encarar de frente a realidade – e isso eu não sabia – tem me atormentado bastante. Por favor, perdoe e exclua de sua vida como um pesadelo aquela noite que você passou por aqui. Eu devia ter ficado sozinho com você – e ficado até o fim, até o seu embarque. Achei, porém, que seria mais fácil para você se simplesmente ignorássemos tudo – e quando vi estava ignorando você e a mim. – o que não era mais a presença do amigo a seu lado, mas a presença do demônio. O demônio existe. Mas não falemos mais nisso – e se possível, me tranquilize. Tentei inúmeras vezes falar com você pelo telefone. O que, aliás, seria inútil, não tenho nada para lhe dizer que você já não me tivesse dito. Minha presença, o que seria pior, talvez fizesse o amigo em mim falhar mais uma vez, e eu não teria mais direito de pedir perdão. Viva sozinho a sua morte. Aprenda sozinho sua lição. Anexe esta dor definitiva ao seu patrimônio de sofrimento, conquiste sozinho a Presença de seu Pai. Mais tarde nos escreveremos, nos encontraremos, trabalharemos juntos, possivelmente seremos felizes, talvez alegres, ou mesmo tristes, mas dessa tristeza legítima de nos sabermos vivendo ou nos sentirmos irmãos. O velho abraço de seu

Fernando

Carta assinada: “Fernando”; datada: “Rio, 7 de Março de 1949”; datiloscrito a tinta preta; anotações manuscritas a tinta preta; 1 fl.

280

39 Rio de Janeiro, 21 de Abril de 1949

Chegamos atrasados aeroporto briga inteiramente simulada Você foi um dos tapeados Desculpe o gozo Abros Paulo Fernando

Telegrama: Assinado: “Paulo e Fernando” [à máquina]; impresso: ‘DEPARTAMENTO DOS CORREIOS E TELÉGRAFOS / TELEGRAMA”; carimbo: “RIO / 21 / ABR. / 49”; 1 fl.

40 Rio de Janeiro, 01 de Março de 1959

Meu querido Murilo,

Esta é para te dar uma surpresa: sigo para a Europa ainda este mês, já com passagem extraída mas com data por marcar, e na dependência de uma resposta sua com ideias e sugestões. E quando chegar aí terei para você outra surpresa, que espero agradável. Vou pagar minha viagem com trabalho para jornais e revistas, de modo que tenho de escrever feito um cão, e conto com sua ajuda. Meu itinerário em princípio é o mesmo da Panair: Lisboa-Madri- Roma, Frankfurt – mas tenho de andar por aí para arranjar assunto, e não sei ainda quanto tempo passar aqui ou ali, tudo dependendo do que você me aconselhar – você e o Otto, a quem já escrevi hoje sobre isto. No fundo vou a Europa para ver vocês dois. Gostaria de saber urgente quais seus planos para esses próximos três meses, pelo menos, e fico dependendo de uma palavra sua, para marcar definitivamente meu embarque, que quero o mais depressa possível, ainda para meados deste mês. Fico esperando carta sua, escreva logo, estou ansioso para vê-lo e abraçá-lo – e para batermos um longo papo: não tenha dúvidas que teremos muitas e muitas coisas a conversar. O que vale é que tempo e distância vão depurando e tornando mais autênticas as verdadeiras amizades antigas, como a nossa, que envelhecem como os bons vinhos e que o próprio silêncio só faz aprofundar. Chegou a hora de provar deste vinho mais uma vez, e aguardo ansioso uma carta sua com instruções. Escreva já e então lhe mandarei a data certa do embarque. Se quiser alguma coisa daqui mande dizer. O abraço amigo e saudoso do seu velho e fiel

Fernando

281

Carta assinada: “Fernando”; datada: “Rio, 1º de Março de 1959”; datiloscrito a tinta preta; anotações manuscritas a tinta azul; 1 fl.

41 Florença, 27 de Junho de 1959

Meu velho Murilo:

Você já deve até estar estranhando o meu silêncio. É que andei por aí cumprindo aquele nosso programa de viagem e tendo de escrever diariamente, você nem faz ideia por onde e a quantas andei. Ai te conto tudo. Pois espero estar de pé aquela nossa combinação de alguns dias juntos aí em Madri. Já te teria escrito antes se me sobrasse algum tempo. Mas tenho pensado sempre em você e prelibado nosso encontro. Já está chegando a hora: daqui de Florença vou até Nápoles, depois mais alguns dias em Roma e seguiremos, segundo espero, lá para o dia cinco, de avião da Panair (domingo). Confirmarei com antecedência. Mas me escreva desde já para o ALBERGO ROMANO, via S. BASILIO, 47 – ROMA, dizendo quais são seus planos, se você estará por aí nesta época, etc... Andei convencendo o Pagé de ir também com Helena a Madri na mesma época, não sei se vai ou não vai, é aquela coisa que você conhece, mas é possível que acabe indo. Assim que receber sua carta confirmo data de nossa partida, e peço então para reservar quarto para nós no Hotel Mercator (casal, com banho) que foi um que o Erico me recomendou – a menos que você sugira outro, deixo a seu critério. No mais, mil coisas a te contar e conversar, mas carta não resolve, só mesmo pessoalmente. Espero encontrar carta sua em Roma, onde estarei até dia 2. Então vamos ver se é possível a gente passar uns dias juntos, pondo os assuntos em dia. Espero que o Escritório não lhe tome todo o tempo, sobre um pouquinho para nós – do contrário estou pronto a dar uma mãozinha. A menos que você (também) tenha se casado neste meio tempo – acontece quando menos se espera – e então passaremos em Madri incógnitos... E agora toca a escrever mais crônicas, que tenho de mandar três ainda hoje. Assunto é que não falta, mas a disposição é pouca. Esta carta foi só para dar o ar da graça – faça o mesmo, Grão Mogol:497 vamos acertar nossos relógios que ando com saudades suas e retomar com você o fio de uma conversa qualquer daquelas nossas antigas madrugadas de Belo

497 Personagem do conto “Eu o Grão Mogol e os Mandarins”, publicado por MR no início da década de 1940 em períodicos. De acordo com o autor de O ex-mágico, o Grão Mogol era um senhor otado de poderes mágicos que pregava peças nas pessoas e que ninguém sabia ao certo se tinha 90 anos e quarenta mulheres ou noventa mulheres e quarenta anos. 282

Horizonte. Ando nostálgico ultimamente o que, não sendo de espantar, é até um bom sinal. Escreva, então, se está de acordo (dia 5) e até breve. O abraço amigo de sempre do seu

Fernando

Carta assinada: “Fernando”; datada: “Florença, 27 de Junho de 1959”; datiloscrito a tinta preta; anotações manuscritas a tinta preta; 1 fl.

42 Rio de Janeiro, 14 de Setembro de 1959

Meu velho Murilo:

Desde que regressamos estou para lhe escrever mandando notícias, com as saudades dos excelentes dias que aí passamos com você. Mas nem bem cheguei e fui apanhado no rodamoinho dos compromissos e andei viajando, fui a Porto Alegre, Recife, Salvador, Curitiba, São Paulo, Belo Horizonte. Até parece vida de caixeiro-viajante, mas, posso assegurar, tanta viagem junta foi mera coincidência. Agora aqui estou no meu velho tugúrio, disposto a sossegar o rabo numa cadeira e iniciar meu romance. Apesar da obrigação diária de escrever besteiras para jornal, do que me sustento e que me impede de sequer pensar em escrever coisa melhor. Inclusive carta aos amigos. Portanto aqui vai apenas um bilhete acompanhando as fotografias que aí tirei. Como você pode ver, ainda não passo de um medíocre amador – mas com algum futuro, vamos concordar. Todos os amigos aqui me perguntam sobre você e pedem notícias de seu próximo livro. Creio que convém você botar as manguinhas de fora e apressar a publicação. Por que você não entra daí mesmo em combinação com a Itatiaia, que publicou agora o livro do Castelo com grande sucesso (ele já deve ter mandado a você, conforme me disse). Se quiser, posso servir de intermediário – e francamente acredito que valeria a pena. Como você pretende voltar no princípio do ano que vem com sua imensa bagagem de canivetes e encomendas de Papai Noel, convém que já vá mandando de uma vez parte da bagagem literária para ter livro pronto quando chegar. Interrompa um instante esse labor cotidiano de jogar paciência e de ficar sonhando com as empadinhas do Trianon e meta os peitos na literatura, que é o que você sabe fazer de melhor. 283

Estive com o velho Dornas que ficou encantado com meu cartão principalmente com a história do “te gusta esta postura”. Perguntou muito pelo Murilote e ficou intrigado quando lhe disse que você vai voltar trazendo uma boa surpresa de presente para ele. O cinto e os botões da Anne chegaram logo a tempo e a hora. O canivete eu tinha trazido comigo na mala, mas lamento dizer que logo o perdi aqui, mercê de um bolso furado. Em compensação, fiz sucesso com as mantilhas e faquinhas que trouxe comigo. Bem, como disse, isso era apenas um rápido bilhete para mandar logo as fotografias – inclusive as de Lucy, a quem peço entregar e a quem envio também nosso abraço amigo e saudoso. Vê se me manda umas linhas entre um jogo de paciência e outro. Tome um uísque à minha saúde que outro o espera para quando aqui chegar. Dá de duro, Currupa, vá preparando o corpo e o espírito para a volta, que você faz bem em voltar: isso aqui é ruim, mas não tanto como dizem. E até lá conte sempre com este seu velho e saudoso amigo que o abraça

Fernando

P.S. Anne envia-lhe também um abraço. Rua Canning, 22 – ap. 703 Copacabana

Carta assinada: “Fernando”; datada: “Rio, 14 de Setembro de 1959”; datiloscrito a tinta preta; anotações manuscritas a tinta azul e preta; 2 fls.

43 Londres, 09 de Janeiro de 1966

Meu querido Murilo

Acabo de receber sua carta. É lamentável, mas por ela fico sabendo que infelizmente não te chegou às mãos a que te escrevi tão logo recebi o Ex-Mágico, agora incorporado aos “Dragões”. Foi uma carta escrita sob a emoção do momento, logo após terminar a leitura, e que eu não saberia mais retransmitir com todo o calor do momento. Eu tentei te falar como pude ter uma impressão da qualidade de seus contos, com a perspectiva do tempo e da distância. E o tempo só fez lhes dar a configuração de alguma coisa realmente importante e definitiva. Eu falava no sentido que adquirira para mim o mundo de seus personagens, 284 aparentemente tão estranhos, e no entanto perfeitamente identificados ao mundo de nosso tempo, de astronautas e de computadores. Não será a literatura de ficção científica que vai captar o mistério de nossa época, mas exatamente a literatura do absurdo junto à mitologia da infância, povoado de sonhos em que os homens e animais se misturam e se completam, vivendo a nossa realidade interior. Não sei dizer nem repetir o que lhe disse, e é uma pena. Só posso acrescentar que seu livro me encheu de grata emoção por redescobrir nele um escritor de primeira grandeza e justificar o entusiasmo que seus contos me despertam desde priscas eras. Agora, algum tempo passado, eu precisaria relê-los um a um, o que sem dúvida vou fazer, para tentar captar de novo a impressão que me deram. Ando com meu juízo crítico meio embotado e ele só sabe se exercer hoje em dia ao sabor das mais puras emoções, como a que seu livro me proporcionou. Assim que dispuser de um tempinho, volto a falar nele. Agora, não quis deixar de lhe responder logo, pois ando entupido de serviço na Embaixada e com dezenas de cartas a responder, crônicas para escrever, o diabo. Entro pela noite quase sempre e não consigo botar em dia o expediente – a padaria literária funcionando a todo vapor, para me aguentar aqui. Nos fins de semana escrevo seis crônicas, todas de uma vez, em geral, e ainda estou labutando no meu romance. Para o mal dos meus pecados, comecei a escrever de divertimento um “thriler” que está me dando água pela barba. Mas lhe prometo em breve uma outra carta mais decente sobre seu livro, que merece. Nesse meio tempo, me mande os contos que tem escrito, você não pode imaginar como fiquei satisfeito de saber que você tornou a esquentar a caldeira a todo vapor. Não, não tenho o endereço da Lucy, posso procurar apurar e lhe comunico. Mandei para o mesmo endereço seu (Rua do Ouro 777) uma nova coletânea de crônicas minhas, “A companheira de viagem”, temo que também tenha se extraviado. Abraço muito saudoso de Anne e do seu velho

Fernando.

Carta assinada: “Fernando”; datada: “Londres,9 de Janeiro de 1966”; datiloscrito a tinta preta; marcações e grifos a tinta preta e lápis de co vermelho; 1 fl.

285

44 [S. l.], 24 de [Janeiro] de 1979

Querido Murilo

envio junto o livro para o nosso Gilberto Correa Rabelo. Para você só posso enviar mais uma vez o meu abraço agradecido pela sua já proverbial eficiência e prestimosidade com que me atendeu. Espero vê-lo o mais breve possível para manifestar pessoalmente meu agradecimento, com uma boa garrafa de uísque de permeio. Até lá, o afetuoso abraço e as saudades do seu amigo de sempre

Fernando

Bilhete assinado; “Fernando” datado:”[S.l., 24/7/79”; autógrafo a tinta azul frente e verso; cartão de visita,com os seguintes dizeres impressos: “FERNANDO SABINO”;

45 [S. l., Novembro de 1983]498

Recebi comovido Suplemento só amigo como você capaz tão generosa tocante iniciativa me senti consagrado gratíssimo afetuoso abraço

Fernando

Telegrama; assinado “Fernando” [assinatura a máquina]: sem data; impresso “TELEX-ECT”; 1fl;

498 Data atribuída tendo por base a publicação do v. 18, n. 891/892, de nov. de 1983 do Suplemento Literário do Minas Gerais, dedicado aos 60 anos de Fernando Sabino. 286

P. S. – NÃO SE ESQUEÇA DE LER ESSE DIÁRIO DE BORDO

Até mesmo as cartas extensas não dizem metade do que deixou de ser escrito.499

Recuso-me terminantemente a ir embora enquanto não conseguirmos levar conosco alguma coisa parecida com um mapa.500

Nenhuma redenção comporta mapas. Estes, como cartas que são, não passam de espaços-meio, em trânsito, a caminho de alguém que não sabemos se os lerá. (...) Assim, só nos resta perceber a miséria do inóspito de todo mapa: sua condenação à errância.501

Após esse longo percurso, agora, que nos aproximamos de um porto quase final (digo um, e não o, pois há vários portos possíveis), é chegado o momento de olharmos para as rotas percorridas, a fim de retraçarmos nosso mapa provisório. Contudo, como advertem as epígrafes de Carlos Drummond de Andrade e de Vinícius de Castro Honesko, as cartas, assim como os mapas, são espaços-meio de trânsitos, destinadas não a orientar, mas a conduzir à destinerrância502 no labirinto de inscrições e de vozes que cada documento ou obra se fazem. Portanto, não iremos apenas refazer os caminhos percorridos da primeira página até aqui – mas tentaremos elaborar outras rotas, a fim de expandir os territórios explorados.

Ao início da tese, foi proposta uma poética dos rastros, que consiste no rastreamento de indícios ou traços de elementos (menções a autores, obras, reflexões sobre estética ou procedimentos ficcionais) observados em documentos. Esse procedimento foi,

499 ANDRADE, 2003, p.896. 500 Arthur Conan Doyle apud MANGUEL; GUADALUPI, 2003. p. VII. 501 HONESKO, 2015, p. 175. 502 A lógica da destinerrance (ou destinerrrância, daqui em diante) aparece em vários trabalhos de Derrida, tanto do início como do fim de sua vida, em diferentes contextos, envolvendo questões políticas, psicanalíticas, a questão do sujeito e do ego e chega à questão da correspondência. A título de síntese, Derrida postula, com essa metáfora conceitual em que destino, herança e errância se contaminam, que qualquer discurso ou texto pode escapar das intenções de quem o produziu a da destinação a que supostamente se endereçaria, destinando-se a errar ou vagar, muito embora, por algum acidente de percurso, possa alcançar a direção intentada. É importante destacar também que, Lacan, no “Seminário sobre A carta roubada”, propõe que toda carta sempre chega a seu destino, isto é, que todos os textos encontram uma série de enunciados que determinam/destinam suas condições de interpretação, um centro a partir do qual podem ser lidos. Já um texto lido a partir da destinerrância, do “poder, sempre, não chegar”, encontra-se adestinado – ou seja, destituído de um centro ordenador que determine como e onde irá chegar –, sendo suas coordenadas de interpretação problematizadas, colocadas em movimento, a fim de valorizar a ambivalência e o devir dos sentidos. Ao mesmo tempo em que dificulta a leitura, essa proposta inviabiliza a cristalização dos sentidos em leituras dogmáticas. 287 posteriormente, vinculado à escuta espectral, que consiste na apreensão de projeções de ideias ou de leituras fantasmáticas, de vestígios da experiência de escrita e de (re)leitura da tradição literária, presentes nas entrelinhas do arquivo ou das cartas.

Portanto, é a partir desses dois eixos que são esboçadas as notas do diário de bordo que se seguem. Com esse mapa volátil, viso apresentar alguns caminhos para futuras incursões seja na correspondência, cuja proposta de edição ora se apresenta, seja no arquivo literário de Murilo Rubião.

Ficções da escrita: contribuições das cartas para os estudos genéticos

Como dito no primeiro capítulo, tanto o arquivo quanto a correspondência se apresentam como lugares portadores de elementos potenciais para a elaboração de ficções teóricas acerca do processo criativo de escritores.

No caso das correspondências, há vários momentos em que se pode observar o gesto da escrita e da leitura compartilhada, que podem ser explorados para exercícios de crítica genética. Nesse quesito, são férteis as cartas enviadas e recebidas por Rubião durante a década de 1940, sendo a única exceção a extensa carta de 17/09/1957, em que o conto “Teleco, o coelhinho”, é minuciosamente lido e comentado por Otto.

Exemplos dessa partilha se encontram na carta enviada por Otto Lara Resende em 30/09/1948, na qual o autor de O braço direito faz várias observações e tece sugestões redacionais sobre cinco contos de Rubião – “Dom José não era”, “Os dragões”, “A lua”, “A cobra de vidro” – este terá o título alterado para “Flor de vidro” e “Bruma, a estrela vermelha”, que irão aparecer, em 1953, enfeixados no volume A estrela vermelha. Na carta resposta, Rubião exibe um esquema de organização dos textos no livro mencionado. Dos 14 títulos mencionados nessa carta de 05/10/1948, apenas seis foram concluídos e publicados (a parte os contos acima citados, os outros dois, “A fila” e “Os dragões”, figurarão em livro apenas em 1965, quando vem a lume Os dragões. Quanto aos outros textos do esquema, seu destino foi aguardarem a reescrita na pasta “Anotações Antigas para Contos Improváveis”. Também se observa, na correspondência Murilo e Otto comentários esparsos, da parte do 288 segundo, acerca de sua produção ficcional, principalmente durante sua estada em Bruxelas. Contudo, não há, no conjunto, comentários críticos feitos por Rubião.

Pródiga de possibilidades para os estudos de crítica genética tanto da obra de Sabino quanto de Rubião são as cartas remetidas pelo autor de O encontro marcado durante a década de 1940. Exemplar interessante da colaboração entre os amigos é a carta de 26/11/1945, em que Fernando escreve ao amigo, comentando várias observações feitas por Rubião em uma novela intitulada Episódio que Sabino não chegou a publicar. O autor de O encontro marcado menciona vários planos de textos e de ideias em andamento, muitos aparentemente não concluídos (como o texto acima e a novela “Festim”, mas também a gênese de O grande mentecapto, narrada na carta de 07/09/1947). Pertinente, para empreendimentos de crítica genética do conto rubiano, é o cotejo dessa carta com a de Otto, uma vez que Sabino tece comentários sobre os mesmos contos de Rubião lidos pelo autor de Boca do inferno.

Ainda sobre essa questão, há que se fazer uma ressalva: uma vez que o autor de O ex- mágico não preservou os manuscritos originais de seus contos, restam apenas as versões publicadas em livro, fator que dificulta empreender estudos genéticos dos contos rubianos.

Ficções da comunidade letrada

Em duas cartas, Murilo menciona duas interessantes metáforas que designam a comunidade literária formada por sua geração: comunidade kafkiana e dragon’s literary guild. A primeira aparece ao fim da carta enviada a Otto em 25/10/1948. Quem mais, além de Murilo, Otto, Sabino, Paulo Mendes Campos e Hélio Pelegrino, faria parte dessa comunidade de jovens melancólicos e trágicos, comprometidos com ideais como liberdade e universalidade, nascidos na irrealidade desloucada do período entre as duas guerras mundiais, que elege Kafka como símbolo e antiherói da modernidade literária?

Além dessa, há outra imagem da comunidade letrada nas cartas, que resta como “um espectro sem passado e sem futuro, curvad[a] ante o próprio mistério”:503 a dragon’s literary guild, que aparece também uma única vez, em carta enviada a Otto em 28/11/1947. Dessa

503 RESENDE, 1947. (ver, nos anexos desta tese, seção artigos e recortes de jornal) 289 corporação, que se reunia em torno da arte da palavra para partilhar interesses em comum, só conhecemos uma característica: ela é constituída por pessoas capazes de compreender os contos de Murilo Rubião.

Como seria o funcionamento dessas comunidades imaginadas? De que modo elas se relacionariam com a República das Letras, representada pela Associação Brasileira de Escritores (órgão de representação de classe de que todos os envolvidos nas mencionadas “comunidades dos sem comunidade” participam)? Haveria uma tentativa dessa “turma moça, [à época] com pouco nome e poucos livros”,504 de criar um espaço de reinvenção da vida literária que se oporia às relações hierarquizadas, visíveis na ABDE, com sua estrutura rígida?

Suas cartas, nossas cartas: outros endereços de correspondências

Outro caminho de exploração consiste na leitura da correspondência de Rubião com outros escritores. Em particular, chamo atenção para a que manteve com Marques Rebelo, não só pelo montante de cartas, mas devido à importância de Rebelo como conselheiro (antes de Mário de Andrade), como promotor (a publicação do primeiro conto de Rubião em livro, em uma antologia argentina, deu-se por intermédio de Rebelo) e como o autor de A estrela sobe protagoniza, junto a editores, papel decisivo para a publicação, em 1947, do livro de estreia de Murilo, O ex-mágico.

Também destaco a correspondência de Murilo com críticos (principalmente aquela com Jorge Schwartz e Nelly Novaes Coelho) e com tradutores, principalmente a estabelecida com Pavla Lidmilová, que propiciou a Rubião ser lido na terra de Kafka, seu irmão “na carne como aos domingos”.505

Além dessas, há a correspondência entre 1966 e 1970, quando Rubião é Secretário do Suplemento Literário, que certamente propiciará o mapeamento da difusão da obra rubiana e das redes de sociabilidade no Brasil e na América Latina.

504 Ver carta 20, de 15/01/1945, enviada por MR a MA. 505 Referência ao poema de “Movimento da espada”, publicado por Carlos Drummond de Andrade em A rosa do povo. Esse verso é mencionado por Hélio Pellegrino no texto “Espelho dos escritores” (ver anexos), para qualificar o modo como Rubião via sua afinidade com Kafka. 290

Murilo Rubião, teórico do conto moderno

Outra rota que pode trazer boas surpresas é o cotejo das reflexões manifestas por Rubião acerca de seu processo de composição em seu epistolário com aquelas presentes em entrevistas, anotações e textos elaborados para conferências.

Nesta faceta pouco conhecida pela crítica, vemos Murilo como leitor da teoria e da tradição literária, a estabelecer uma genealogia do conto (e de sua variante moderna), valendo-se de premissas encetadas por Ernst Theodor Amadeus Hoffmann, Edgar Allan Poe, Guy de Maupassant, Anton Tchekhov, Mário de Andrade e Julio Cortázar em confronto com teorias literárias de Tzvetan Todorov.

Além disso, Rubião discorre acerca da influência do cinema em seus textos, expondo formulações acerca das diferenças entre romance e conto, tecendo, ainda, distinções entre o realismo fantástico e o realismo mágico.

O conto rubiano como parábola da modernidade à brasileira

Ao fim de nosso percurso, vem-me à memória a provocação de Davi Arrigucci Jr., mencionada como motivadora da tese, e a parábola de Rubião “O documento”, lida no primeiro capítulo. Como decifrar a obra de Rubião? Terei conseguido apresentar uma possibilidade que não repita as tentativas anteriormente empreendidas?

Não me parece ao acaso que ambas me ocorram agora. Tanto na questão de Arrigucci como na parábola, coloca-se o problema da possibilidade da leitura. Esse parece ser um tema simples, mas que põe em pauta um gesto que perpassa tanto a crítica, a edição, o comentário e mesmo a tradução: como ler? Nessa pergunta temos sintetizado o problema enfrentado seja pelo “leitor comum”, seja pelo “leitor especializado” (os pesquisadores em seus trabalhos com arquivos de escritores, por exemplo), ou por aqueles que se aventuram no trabalho de editar – correspondências ou quaisquer outros tipos de textos.

291

Sem ter ideia da resposta, mas certo de que ela continuará a ser “mistério apenas para mim”,506 faço como o ancião da parábola rubiana: agito as folhas e opto por perseverar, certo de que a experiência de leitura é uma tarefa infinda que abandonamos ou interrompemos. Enquanto continuo meu trabalho, deixo em suspenso nossa conversa, na certeza de que esta carta-ensaio (ou ensaio de carta) pode ser o início de uma série de diálogos.

“Aqui me despeço. Aguardo ansioso suas notícias. Que elas sejam muitas, alegres ou tristes, felizes ou infelizes, líricas ou prosaicas, autênticas ou inventadas”.507

Cordialmente,

o autor.

506 RUBIÃO, O mistério, s.d.. 507 SABINO, Carta a Murilo Rubião, N.Y. 22 de julho de 1947. 292

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

1. Obra de Murilo Rubião

RUBIÃO, Murilo. O ex-mágico. Rio de Janeiro: Universal, 1947.

RUBIÃO, Murilo. A casa do girassol vermelho. Rio de Janeiro: Hipocampo, 1953.

RUBIÃO, Murilo. Os dragões. Belo Horizonte: Movimento-Perspectiva, 1965.

RUBIÃO, Murilo. O convidado: contos. São Paulo: Quíron, 1974.

RUBIÃO, Murilo. O pirotécnico Zacarias. 2. ed. São Paulo: Ática, 1975.

RUBIÃO, Murilo. A casa do girassol vermelho. 2. ed. São Paulo: 1979.

RUBIÃO, Murilo. Murilo Rubião. Seleção de textos, notas, estudos biográfico, histórico e crítico e exercícios por Jorge Schwartz. São Paulo: Abril Educação, 1982 (Literatura Comentada)

RUBIÃO, Murilo. Contos reunidos. Posfácio de Vera Lúcia Andrade. São Paulo: Editora Ática, 1998.

RUBIÃO, Murilo. O pirotécnico Zacarias e outros contos. Org. de Humberto Werneck. Posfácio de Jorge Schwartz. São Paulo: Companhia das Letras, 2006.

RUBIÃO, Murilo. A casa do girassol vermelho e outros contos. Org. de Humberto Werneck. Posfácio de Sérgio Alcides. São Paulo: Companhia das Letras, 2006a.

RUBIÃO, Murilo. O homem do boné cinzento e outros contos. Org. de Humberto Werneck. Posfácio de Vilma Áreas. São Paulo: Companhia das Letras, 2007.

1.1. Bibliografia sobre Murilo Rubião

ALCIDES, Sérgio; RUBIÃO, Murilo; WERNECK, Humberto. A parábola inconformada. In: RUBIÃO, Murilo. A casa do girassol vermelho. Org. de Humberto Werneck. Posfácio de Sérgio Alcides. São Paulo: Companhia das Letras, 2006. P. 81-90.

ALENCAR, João Nilson Pereira de. O corpo (mutilado) do arquivo. Suplemento Literário de Minas Gerais, Belo Horizonte, n. 1347, p. 30-35, março/abril 2013.

ALENCAR, João Nilson Pereira de. Arquivo - Máquina de (des)montar. (Trabalho de conclusão do Pós-Doutorado em Estudos Literários junto a Faculdade de Letras da UFMG - texto inédito).

ANDRADE, Vera Lúcia; MIRANDA, Wander Melo. Visões do Invisível. In: SIMPOSIO DE LITERATURA COMPARADA: 1: 1987. Belo Horizonte; SOUZA, Eneida Maria de; 293

PINTO, Julio Cesar Machado; Simpósio de Literatura Comparada: (2: 1987. Belo Horizonte). 1º e 2º Simpósios de Literatura Comparada: anais. Belo Horizonte: Curso de Pós- Graduação em Letras da UFMG, 1987. 2 vol. P. 297-300. (Vol. I)

ANDRADE, Vera Lúcia. Os inéditos e esparsos de Murilo Rubião. VIII Congresso Internacional ABRALIC, 2002. Disponível em: . Acesso em 02/02/2012.

ANDRADE, Vera Lúcia. A biblioteca fantástica de Murilo Rubião. In: MIRANDA, Wander Melo (Org.). A trama do arquivo. Belo Horizonte: Ed. UFMG: Centro de Estudos Literários, 1995. p. 45-52.

ANDRADE, Vera Lúcia. A Trajetória Fantástica de Murilo Rubião. Minas Gerais. Suplemento Literário, n. 20, Dez., p. 3-7, 1996.

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1.3. Correspondência inédita de Murilo Rubião

ANDRADE, Mário de. Cartas a Murilo Rubião. Fonte: Acervo Murilo Rubião. Série Correspondências. Subsérie Mário de Andrade, Otto Lara Resende, Jair Rebelo Horta e Paulo Mendes Campos. Acervo de Escritores Mineiros – Centro de Estudos Literários e Culturais. Belo Horizonte, UFMG.

RESENDE, Otto Lara. Cartas a Murilo Rubião. Fonte: Acervo Murilo Rubião. Série Correspondência com amigos. Subsérie Mário de Andrade, Otto Lara Resende, Jair Rebelo Horta e Paulo Mendes Campos. Acervo de Escritores Mineiros – Centro de Estudos Literários e Culturais. Belo Horizonte, UFMG.

RUBIÃO, Murilo. Cartas a Mário de Andrade. Fonte: Acervo Mário de Andrade. Série Correspondência Passiva. Instituto de Estudos Brasileiros – Universidade de São Paulo.

RUBIÃO, Murilo. Cartas a Otto Lara Resende. Fonte: Acervo Otto Lara Resende. Série Correspondência Pessoal. Acervo Instituto Moreira Salles, Coordenação de Literatura, Rio de Janeiro.

SABINO, Fernando. Cartas a Murilo Rubião. Fonte: Acervo Murilo Rubião. Série Correspondência com amigos. Subsérie Fernando Sabino. Acervo de Escritores Mineiros – Centro de Estudos Literários e Culturais. Belo Horizonte, UFMG.

296

1.4. Entrevistas

ÁVILA, Affonso. Um escritor na arena política. [s.n.], [s.l.], 16 set. 1955. Fonte: Acervo Murilo Rubião. Série Entrevistas. Pasta 04. Acervo de Escritores Mineiros – Centro de Estudos Literários e Culturais. Belo Horizonte, UFMG.

ALENCAR, João Nilson Pereira de. Murilo Rubião: a última entrevista. NICOLAU, Curitiba: Ano VII, número 49, 1993, p. 20-22.

[L. J.]; RUBIÃO, Murilo. Interview de l’auteur. In: CAPES DE PORTUGAIS. Cours Premier Envoi. Ministère de L’Education Nationale. Centre National D’Enseignement a Distance de Toulouse, 1988. Fonte: Acervo Murilo Rubião. Série Diversos. Armário de metal. Acervo de Escritores Mineiros – Centro de Estudos Literários e Culturais. Belo Horizonte, UFMG.

LOWE, Elizabeth. A opção pelo fantástico. Escrita, São Paulo: Ano IV, número 29, 1979, p. 49-53. Fonte: Acervo Murilo Rubião. Série Entrevistas. Pasta 04. Acervo de Escritores Mineiros – Centro de Estudos Literários e Culturais. Belo Horizonte, UFMG.

MACHADO, Amélia Carmem. “Pertenço a geração daqueles que aproveitaram os caminhos abertos pelo modernismo”. Diário de Minas, Belo Horizonte, 21 fev. 1954. 1 fl. Fonte: Acervo Murilo Rubião. Série Entrevistas. Pasta 04. Acervo de Escritores Mineiros – Centro de Estudos Literários e Culturais. Belo Horizonte, UFMG.

MARINO, Alexandre. As façanhas de um escritor mágico. Correio Brasiliense, Brasília, 27 ago. 1989. 1 fl. Fonte: Acervo Murilo Rubião. Série Entrevistas. Pasta 04. Acervo de Escritores Mineiros – Centro de Estudos Literários e Culturais. Belo Horizonte, UFMG.

PEREZ, Renard. Escritores Brasileiros contemporâneos Murilo Rubião. Correio da Manhã, Rio de Janeiro, 11 fev. 1956. 1 fl. Fonte: Acervo Murilo Rubião. Série Entrevistas. Pasta 04. Acervo de Escritores Mineiros – Centro de Estudos Literários e Culturais. Belo Horizonte, UFMG.

RAMOS, Maria Luiza. Meia hora com Murilo Rubião. Diário de Minas, Belo Horizonte, 24 maio 1953. 1 fl. Fonte: Acervo Murilo Rubião. Série Entrevistas. Pasta 04. Acervo de Escritores Mineiros – Centro de Estudos Literários e Culturais. Belo Horizonte, UFMG.

RAMOS, Maria Luiza. Do fantasma ao fantástico. Minas Gerais. Suplemento Literário Belo Horizonte, 30 jun. 1984. 1 fl. Fonte: Acervo Murilo Rubião. Série Entrevistas. Pasta 04. Acervo de Escritores Mineiros – Centro de Estudos Literários e Culturais. Belo Horizonte, UFMG.

RUBIÃO, Murilo. Entrevista a Giovanni Ricciardi. In: ______. Entrevistas com escritores de Minas Gerais. Ouro Preto: UFOP, 2008. P. 295-307.

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1.5. Material iconográfico

BAX, Petrônio. [Retrato do escritor Murilo Rubião]. 1982. Óleo sobre tela. 58 x 96 cm. Fonte: Acervo Murilo Rubião. Série Iconografia – Subsérie Quadros. Acervo de Escritores Mineiros – Centro de Estudos Literários e Culturais. Belo Horizonte, UFMG.

PAULA, Inimá de. [Retrato do escritor Murilo Rubião]. 1987. Óleo sobre tela. 70 x 60 cm. Fonte: Acervo Murilo Rubião. Série Iconografia – Subsérie Quadros. Acervo de Escritores Mineiros – Centro de Estudos Literários e Culturais. Belo Horizonte, UFMG.

RUBIÃO, Aurélia. [Retrato do escritor Murilo Rubião]. 1937. Óleo sobre tela. 65 x 48 cm. Fonte: Acervo Murilo Rubião. Série Iconografia – Subsérie Quadros. Acervo de Escritores Mineiros – Centro de Estudos Literários e Culturais. Belo Horizonte, UFMG.

1.6. Manuscritos

RUBIÃO, Murilo. O conto: anotações. Belo Horizonte. [s.d.]. 2fls. Fonte: Acervo Murilo Rubião. Série Diversos. Pasta 24 (Pasta Azul). Acervo de Escritores Mineiros – Centro de Estudos Literários e Culturais. Belo Horizonte, UFMG.

RUBIÃO, Murilo. Considero ainda perfeitamente válido... [Belo Horizonte], [s.d.]. 5 fls. Fonte: Acervo Murilo Rubião. Série Diversos. Pasta 24 (Pasta Azul). Acervo de Escritores Mineiros – Centro de Estudos Literários e Culturais. Belo Horizonte, UFMG.

RUBIÃO, Murilo. Algumas palavras sobre o conto. 2fl. [Belo Horizonte]. Fonte: Acervo Murilo Rubião. Série Diversos. Pasta 24 (Pasta Azul). Acervo de Escritores Mineiros – Centro de Estudos Literários e Culturais. Belo Horizonte, UFMG.

RUBIÃO, Murilo. [Conferência – teoria literária]. [s.l., s.d.]. 7 fls. Fonte: Acervo Murilo Rubião. Pasta: Xerox Entrevistas. Material para entrevistas com Edla. Acervo de Escritores Mineiros – Centro de Estudos Literários e Culturais. Belo Horizonte, UFMG.

RUBIÃO, Murilo. Comentários sobre publicação de livros de MR. [s.l., s.d.]. Fonte: Acervo Murilo Rubião. Pasta: Xerox Entrevistas. Material para entrevistas com Edla. Acervo de Escritores Mineiros – Centro de Estudos Literários e Culturais. Belo Horizonte, UFMG.

RUBIÃO, Murilo. Considerações sobre contos de MR. [s.l.], [s.d.]. Fonte: Acervo Murilo Rubião. Pasta: Xerox Entrevistas. Material para entrevistas com Edla. Acervo de Escritores Mineiros – Centro de Estudos Literários e Culturais. Belo Horizonte, UFMG.

RUBIÃO, Murilo. Anotações diversas. [s.l.], [s.d.]. 7 fls. Fonte: Acervo Murilo Rubião. Pasta: Xerox Entrevistas. Material para entrevistas com Edla. Acervo de Escritores Mineiros – Centro de Estudos Literários e Culturais. Belo Horizonte, UFMG.

RUBIÃO, Murilo. Anotações diversas. [s.l.], [s.d.]. 3 fls. Fonte: Acervo Murilo Rubião. Pasta: Xerox Entrevistas. Material para entrevistas com Edla. Acervo de Escritores Mineiros – Centro de Estudos Literários e Culturais. Belo Horizonte, UFMG.

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RUBIÃO, Murilo. Anotações diversas. [s.l.], [s.d.]. 2 fls. Fonte: Acervo Murilo Rubião. Pasta: Xerox Entrevistas. Material para entrevistas com Edla. Acervo de Escritores Mineiros – Centro de Estudos Literários e Culturais. Belo Horizonte, UFMG.

RUBIÃO, Murilo. “O documento (parábola).” Fonte: Acervo Murilo Rubião. Série Produção intelectual do titular. Pasta “Anotações antigas para contos improváveis”. Acervo de Escritores Mineiros – Centro de Estudos Literários e Culturais. Belo Horizonte, UFMG.

RUBIÃO, Murilo. “O mistério.” Fonte: Acervo Murilo Rubião. Série Produção intelectual do titular. Pasta “Anotações antigas para contos improváveis”. Acervo de Escritores Mineiros – Centro de Estudos Literários e Culturais. Belo Horizonte, UFMG.

1.7. Recortes de jornal

AUTOCRÍTICA de Fernando Sabino. Manchete, [s.l.], 11 mar. 1967. 3 fls. Fonte: Acervo Murilo Rubião. Série Recortes. Subsérie Noticiário – notas de alguma importância (1939-1948). Pasta 12 – Noticiário III – (1960 a 1973). Acervo de Escritores Mineiros – Centro de Estudos Literários e Culturais. Belo Horizonte, UFMG.

CONDÉ, José. Os arquivos implacáveis – O ex-mágico. Suplemento Literário de A Manhã, Rio de Janeiro, 11 dez. 1949. 1 fl. Fonte: Acervo Murilo Rubião. Série Correspondência sobre as obras. Subsérie sobre O Ex-Mágico. Arq. 02/Gav. 02/Pasta 01. Acervo de Escritores Mineiros – Centro de Estudos Literários e Culturais. Belo Horizonte, UFMG.

FILHO, João Etiene; CAMPOS, Paulo Mendes. Convidando uma geração a depor. O Diário, Belo Horizonte, 11 jun. 1943. 1 fl. Fonte: Acervo Murilo Rubião. Série Recortes. Subsérie Noticiário – notas de alguma importância (1939-1948). Pasta 10 – Noticiário I (1939- 1948). Acervo de Escritores Mineiros – Centro de Estudos Literários e Culturais. Belo Horizonte, UFMG.

FILHO, João Etiene; PELLEGRINO, Hélio. Convidando uma geração a depor. O Diário, Belo Horizonte, 09 jun. 1943. 1 fl. Fonte: Acervo Murilo Rubião. Série Recortes. Subsérie Noticiário – notas de alguma importância (1939-1948). Pasta 10 – Noticiário I (1939- 1948). Acervo de Escritores Mineiros – Centro de Estudos Literários e Culturais. Belo Horizonte, UFMG.

FILHO, João Etiene; RESENDE, Otto Lara. Convidando uma geração a depor. O Diário, Belo Horizonte, 10 jun. 1943. 1 fl. Fonte: Acervo Murilo Rubião. Série Recortes. Subsérie Noticiário – notas de alguma importância (1939-1948). Pasta 10 – Noticiário I (1939- 1948). Acervo de Escritores Mineiros – Centro de Estudos Literários e Culturais. Belo Horizonte, UFMG.

FILHO, João Etiene; [RUBIÃO, MURILO]. Convidando uma geração a depor. O Diário, Belo Horizonte, 15 jun. 1943. 1 fl. Fonte: Acervo Murilo Rubião. Série Recortes. Subsérie Noticiário – notas de alguma importância (1939-1948). Pasta 10 – Noticiário I (1939- 1948). Acervo de Escritores Mineiros – Centro de Estudos Literários e Culturais. Belo Horizonte, UFMG. 299

FILHO, João Etiene; SABINO, Fernando Tavares. Convidando uma geração a depor. O Diário, Belo Horizonte,13 jun. 1943. 1 fl. Fonte: Acervo Murilo Rubião. Série Recortes. Subsérie Noticiário – notas de alguma importância (1939-1948). Pasta 10 – Noticiário I (1939-1948). Acervo de Escritores Mineiros – Centro de Estudos Literários e Culturais. Belo Horizonte, UFMG.

PELLEGRINO, Hélio. Espelho dos escritores. Suplemento Literário. Minas Gerais, Belo Horizonte, 14 fev. 1987, p. 5. 1 fl. Fonte: Acervo Murilo Rubião. Série Recortes. Subsérie Noticiário IX. Pasta 41 – Notas e Artigos – (1987 a 1990). Acervo de Escritores Mineiros – Centro de Estudos Literários e Culturais. Belo Horizonte, UFMG.

QUÊ PREPARA PARA 1941? O Diário, Belo Horizonte, 08 de jun. de 1941. fl. Fonte: Acervo Murilo Rubião. Série Correspondência sobre as obras. Subsérie sobre O Ex-Mágico. Pasta 02 – Artigos: O ex-mágico. Acervo de Escritores Mineiros – Centro de Estudos Literários e Culturais. Belo Horizonte, UFMG.

RESENDE, Otto Lara. Adesão ao herói de nosso tempo. Estado de Minas, Belo Horizonte, 07 dez. 1947. 2 fls. Fonte: Acervo Murilo Rubião. Série Correspondência sobre as obras. Sobre O Ex-Mágico. Arq. 02/Gav. 02/Pasta 01. Acervo de Escritores Mineiros – Centro de Estudos Literários e Culturais. Belo Horizonte, UFMG.

RUBIÃO, Murilo Uma enquete entre escritores. Como você é? S.n., s.l., 21 de jan. 1945. 1 fl. Fonte: Acervo Murilo Rubião. Série Recortes. Subsérie Noticiário – Notas de alguma importância (1939 - 1948). Acervo de Escritores Mineiros – Centro de Estudos Literários e Culturais. Belo Horizonte, UFMG.

2. Bibliografia sobre cartas e estudos epistolares

ANDRADE, Mário de; SABINO, Fernando. Cartas a um jovem escritor e suas respostas. Rio de Janeiro: Record, 2003.

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ANGELIDES, Sophia. Cartas e poética. In: ______. A. P. Tchekhov: cartas para uma poética. São Paulo: Editora da Universidade de São Paulo, 1995. p. 179-238.

ANGELIDES, Sophia. Carta e Literatura. In:______. Carta e literatura: correspondência entre Tchekhov e Gorki. São Paulo: Editora da Universidade de São Paulo, 2001. p. 15-26.

BECKER, Colette. O discurso de escolta: as notas e seus problemas (o exemplo da correspondência de Zola). Tradução: Ligia Fonseca Ferreira. Patrimônio e Memória. São Paulo, Unesp-Assis, v. 9, n.1, p. 144-156, janeiro-junho, 2013. Disponível em: . Acesso em 08/10/ 2013

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MANGUEL, Alberto; GUADALUPI, Gianni. Dicionário de lugares imaginários. Ilustrações de Graham Greenfield e Eric Beddows; mapas e plantas de James Cook; Tradução: Pedro Maia Soares. - São Paulo: Companhia das Letras, 2003.

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VILLAR, Mauro de Salles INSTITUTO ANTONIO HOUAISS DE LEXICOGRAFIA E BANCO DE DADOS DA LÍNGUA PORTUGUESA. Dicionário sinônimos e antônimos Houaiss. 2. ed. São Paulo: Publifolha, 2008.

5. Bases de dados eletrônicas consultadas

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MURILO RUBIÃO. .

UNIVERSIDADE FEDERAL DE MINAS GERAIS. BIBLIOTECA DA FACULDADE DE LETRAS. Suplemento Literário de Minas Gerais – base de dados referencial. Disponível em: .

315

ANEXOS

316

PERFIS BIOGRÁFICOS

MURILO RUBIÃO (Murilo Eugênio Rubião), Silvestre Ferraz (atual Carmo de Minas), MG, 01 de junho de 1916 — Belo Horizonte, 16 de setembro de 1991.

Advogado, funcionário público e jornalista, Murilo Rubião se tornou conhecido como contista, sendo considerado pela crítica literária brasileira e internacional como o precursor do realismo fantástico (ou mágico) latino-americano.

Filho do filólogo, jornalista, poeta e professor Eugênio Álvares Rubião e de Maria Antonieta Ferreira Rubião. Murilo fez seus primeiros estudos em Conceição do Rio Verde e Passa Quatro. Muda-se para Belo Horizonte, onde conclui o primário no Grupo Escolar Afonso Pena, o ginasial no Colégio Arnaldo e o bacharelado em Direito na Faculdade de Direito em Belo Horizonte (1942).

A atividade na imprensa, como redator da Folha de Minas, inicia-se na época da faculdade, quando funda em 1939, com um grupo de estudantes, a revista Tentativa. Posteriormente, exerceu a função de redator da Folha de Minas e da revista Belo Horizonte.

Em 1943 assume a direção da Rádio Inconfidência de Minas Gerais e, fato pouco conhecido, trabalha como professor nos colégios Sagrado Coração de Jesus e Arnaldo. Dois anos mais tarde (1945), Murilo é eleito vice-presidente da Associação Brasileira de Escritores (seção de Minas Gerais) e chefia a delegação mineira no 1º Congresso de Escritores, realizado em janeiro de 1945, em São Paulo. Muda-se para o Rio de Janeiro em 1949, a fim de trabalhar como chefe da seção de documentação da comissão do Vale do São Francisco. Retorna a Belo Horizonte em 1951, convidado pelo Governador de Minas Gerais, Juscelino Kubitscheck, para assumir a função de oficial de gabinete, passando logo a chefe de gabinete. No mesmo ano é designado Diretor interino da Imprensa Oficial e do jornal Folha de Minas.

Entre 1956 e 1960, exerceu os cargos de Chefe do Escritório de Propaganda e Expansão Comercial do Brasil em Madrid e de Adido Cultural junto à Embaixada do Brasil na Espanha. De regresso ao Brasil, reassume suas funções de Assessor Técnico- Administrativo do Estado de Minas Gerais, sendo designado, em 1961, para a redação do jornal oficial do Estado, o Minas Gerais. Em 1966, Murilo é designado pelo governador Israel 317

Pinheiro para de organizar o Suplemento Literário do Minas Gerais, publicação que dirige até 1969 – quando assume a chefia do Departamento de Publicações da Imprensa Oficial. Até os dias de hoje o Suplemento é tido como um dos melhores órgãos de imprensa cultural do país, sendo reconhecido internacionalmente por seu trabalho de difusão e mediação cultural. Em suas páginas foram editados trabalhos de Carlos Drummond de Andrade, Pedro Nava, Emílio Moura, Abgar Renault, Roberto Drummond, Adão Ventura, Laís Corrêa de Araújo, Affonso Ávila, Julio Cortázar e Ana Hatherly, dentre outros grandes nomes da literatura brasileira e estrangeira.

Dentre os vários cargos públicos que Murilo Rubião ocupou, cabe destacar os seguintes: Diretor do Serviço de Radiodifusão do Estado de Minas Gerais, Superintendente da Secretaria de Saúde de Minas Gerais, de Diretor da Imprensa Oficial de Minas Gerais, de Diretor da Escola de Belas Artes de Belo Horizonte (Escola Guignard), Diretor da Fundação de Arte de Ouro Preto (FAOP), Presidente da Fundação Madrigal Renascentista e Presidente do Conselho Estadual de Cultura de Minas Gerais.

Por sua obra literária, Murilo Rubião recebeu o Prêmio Othon Lynch Bezerra de Mello (1948), conferido pela Academia Mineira de Letras e o Prêmio Luísa Cláudio de Sousa (1975), do Pen Club do Brasil. Murilo recebeu, também, as seguintes condecorações: comenda Isabela, a Católica, do Governo Espanhol (1960), medalha da Ordem do Mérito Legislativo da Assembleia Legislativa do Estado de Minas Gerais e Medalha de Honra da Inconfidência (1983).

Além disso, Murilo teve seus contos traduzidos e publicados em diversos países, como Alemanha, Argentina, Bulgária, Canadá, Colômbia, Espanha, Estados Unidos, França, Itália, México, Noruega, Polônia, Portugal, República Tcheca e Venezuela. Desde a década de 1970 até o presente, alguns de seus contos vêem sendo adaptados para o cinema (“A Armadilha”, “O pirotécnico Zacarias”, “O ex-mágico da Taberna Minhota” e “O bloqueio”) e para o teatro – “A Lua”, “Bárbara”, “Os Três Nomes de Godofredo”, “Memórias do Contabilista Pedro Inácio” e “O ex-mágico da Taberna Minhota”.

Seus documentos pessoais (correspondência, fotografias, manuscritos e objetos pessoais) e sua biblioteca pessoal foram doados por sua família para o Acervo de Escritores 318

Mineiros, sediado na Universidade Federal de Minas Gerais, em Belo Horizonte, onde se encontram disponíveis para consulta.

Sua obra é constituída pelos livros: O ex-mágico (1947); A estrela vermelha (1953); Os dragões e outros contos (1965); O pirotécnico Zacarias (1974); O convidado (1974); A casa do girassol vermelho (1978); O homem do boné cinzento e outras histórias (1990). Postumamente, foram publicados os volumes Mário e o pirotécnico aprendiz – cartas de Mário de Andrade e Murilo Rubião (organizado por Marcos Antônio de Moraes, 1995) e Contos reunidos (1998).

OTTO LARA RESENDE (Otto Oliveira de Lara Resende), São João del Rei, MG, 01 de maio de 1922 — Rio de Janeiro, 28 de dezembro de 1992.

Filho do professor Antônio Lara Resende e de Maria Julieta de Oliveira Lara Resende, Otto Lara Resende foi contista, cronista, jornalista, novelista e romancista.

Fez os estudos primários no Instituto Padre Machado, em São João Del Rei, instituição fundada e dirigida por seu pai. Muda-se com a família para Belo Horizonte em 1938, por motivo da inauguração do Instituto Padre Machado, escola em que ensinará Português, Francês e História de 1940 a 1945.

Na capital mineira Otto Lara Resende inicia sua carreira como jornalista no jornal católico O Diário. Ao longo de sua vida, Otto Lara Resende exerceu as funções de repórter, redator e editorialista em diversos jornais. Em Belo Horizonte, trabalhou na Folha de Minas, juntamente com Fernando Sabino e Murilo Rubião. No Rio de Janeiro, foi repórter nos veículos Diário de Notícias, Última Hora, Flan, Manchete, O Globo, Diário Carioca, Correio da Manhã, e Jornal do Brasil. Sua última colaboração na imprensa foi na Folha de São Paulo — jornal em que publicou mais de 600 crônicas em dois anos.

Ainda em Belo Horizonte, se torna amigo de João Etienne Filho, por meio de quem conhece Paulo Mendes Campos (1922 - 1991), Fernando Sabino (1923 - 2004) e Hélio Pellegrino (1924 - 1988) — os “quatro cavaleiros de um íntimo apocalipse”. Esta amizade, que se estenderá até o fim da vida, se encontra registrada no romance de Sabino O encontro 319 marcado (1956). Em 1941 ingressa na Faculdade de Ciências Jurídicas da Universidade de Minas Gerais (atual Faculdade de Direito da UFMG). Ainda na década de 1940, juntamente com Hélio Pellegrino, Otto lança o jornal diário Liberdade, órgão de oposição ao Estado Novo que circulará de março a dezembro de 1945.

Já formado em Direito, muda-se para o Rio de Janeiro, onde trabalha como jornalista e funcionário público. Na capital carioca participa, em 1949, da fundação do Jornal de Letras, onde assinará a coluna “Correio Literário” com o pseudônimo de Joaquim Leonel (nome de um tio-avô). Em 1950 Otto se casa com Helena Uchoa Pinheiro (filha do Governador de Minas Gerais Israel Pinheiro). Muda-se em 1957 para Bruxelas, na Bélgica, país em que reside por três anos na condição de Professor de Estudos Brasileiros e Adido Cultural, em substituição ao poeta Murilo Mendes.

Na década de 1960, Otto faz parte da Embaixada do Brasil em Lisboa, de 1967 a 1970, na qualidade de Conselheiro Cultural. De volta ao Rio de Janeiro, assume a direção do Jornal do Brasil, exercida até o ano de 1973. Fato pouco conhecido é que Otto Lara Resende foi um dos fundadores da Rede Globo de Televisão, onde, posteriormente, exerceu a função de diretor-adjunto, cargo que ocupará de 1974 a 1983. Ainda na TV Globo, manteve o programa diário “O pequeno mundo de Otto Lara Resende”, no qual entrevistou personalidades como Pedro Nava, Nelson Rodrigues e Vinícius de Moraes, dentre outras. Em 1979 é eleito membro da Academia Brasileira de Letras,.

Em 1998 o acervo de Otto Lara Resende (constituído por livros, manuscritos, correspondências e fotografias) foi doado por sua família ao Instituto Moreira Salles, no Rio de Janeiro.

A obra de Otto Lara Resende é constituída pelos livros O lado humano (contos, 1952), Boca do Inferno (contos, 1957, reeditado em 2014), O retrato na gaveta (contos e novelas, 1962), O braço direito (romance, 1964), A cilada (conto incluído no livro Os sete pecados capitais, 1965), As pompas do mundo (contos, 1975), O elo partido e outras histórias (crônicas, 1991). Postumamente, foram publicados os volumes Bom dia para nascer (crônicas, 1993, reeditado em 2011), O príncipe e o sabiá e outros perfis (crônicas, 1994), A testemunha silenciosa (novela, 1995 e 2012), além da coletânea de textos inéditos Três Ottos por Otto Lara Resende (202). 320

FERNANDO SABINO (Fernando Tavares Sabino), Belo Horizonte, 12 de outubro de 1923 — Rio de Janeiro, 11 de outubro de 2004.

Cronista, romancista, contista, editor e documentarista, Fernando Sabino é um dos maiores nomes da literatura brasileira do século XX. Junto com Hélio Pellegrino (1924-1988), Otto Lara Resende (1922-1992) e Paulo Mendes Campos (1922-1991), fez parte do quarteto mineiro de escritores conhecido como “os quatro cavaleiros do apocalipse”, amizade que inspirou Sabino a escrever o romance O Encontro Marcado (1956).

Publica seu primeiro trabalho literário aos 13 anos, na revista Argus, órgão da Polícia Militar mineira. Nessa mesma época atua como locutor de um programa infantil na Rádio Guarani, o Gurilândia. Aos 15 já estava a colaborar com artigos, crônicas e contos nas revistas Alterosa e Belo Horizonte.

Em 1940 ingressou na Faculdade de Direito, mesma fase em que inicia no jornal Folha de Minas como redator. Em 1941, publica no Rio de Janeiro seu primeiro livro de contos Os Grilos não Cantam mais.

Casa-se em 1944 com Helena Valladares Ribeiro, filha do político mineiro Benedito Valladare Ribeiro. No mesmo ano, muda-se para o Rio de Janeiro, e nessa cidade conclui o curso de Direito em 1946. Neste mesmo ano, transfere-se, então, para Nova York, para trabalhar no Escritório Comercial do Brasil e depois no Consulado brasileiro.

Em 1947, começa a publicar crônicas no Diário Carioca e O Jornal, reproduzidas em vários outros periódicos espalhados pelo Brasil, consolidando seu nome como um dos renovadores do gênero, ao lado de Rubem Braga (1913 - 1990). Sabino também foi colaborador, como cronista, do Jornal do Brasil e da Revista Senhor.

Lança, no ano de 1956, o romance O Encontro Marcado, que fixa seu nome também na prosa de ficção. Entra para o ramo editorial, no início da década de 1960, fundando com o amigo Rubem Braga a Editora do Autor e posteriormente, em 1966, a Editora Sabiá, ambas importantes para o lançamento de obras de autores brasileiros.

321

A partir de 1971, realiza uma série de documentários cinematográficos. Como jornalista, cobre diversas eleições presidenciais e faz várias entrevistas com escritores e artistas brasileiros e estrangeiros.

Entre os prêmios que conquistou por sua obra, estão o Prêmio Chinaglia do Pen Club do Brasil, o Prêmio Jabuti, o Prêmio Golfinho de Ouro (categoria Literatura) e o Prêmio Machado de Assis, da Academia Brasileira de Letras.

Seu espólio literário, constituído por documentos, biblioteca e objetos pessoais, foi doado para o Acervo de Escritores Mineiros, onde se encontra disponível para visitação e consulta.

Sua vasta obra, dividida entre romances, contos, crônicas, livros infantis, correspondência, é constituída pelos títulos: Os grilos não cantam mais (contos, 1941); A marca (romance, 1944); A cidade vazia (crônicas, 1950); A vida real (novelas, 1952); Lugares-comuns (dicionário, 1952); O encontro marcado (romance, 1956); O homem nu (crônicas, 1960); A mulher do vizinho (crônicas, 1962); A companheira de viagem (crônicas, 1965); A inglesa deslumbrada (crônicas, 1967); O Evangelho das crianças (com Marco Aurélio Matos) (infantil, 1969); Gente (crônicas, 1975); Gente II (crônicas, 1975); Deixa o Alfredo falar! (crônica, 1976); O encontro das águas (crônica, 1977); O grande mentecapto (romance, 1979); A falta que ela me faz (crônica, 1980); O menino no espelho (romance, 1982); O gato sou eu (crônica, 1983); A vitória da infância (crônica, 1984); Macacos me mordam (infantil, 1984); A faca de dois gumes (contos, 1985); Martini seco (romance, 1987); O pintor que pintou o sete (infantil, 1987); O tabuleiro das damas (autobiografia, 1988); De cabeça para baixo (diário de viagem, 1989); A volta por cima (crônicas, 1990); Zélia, uma paixão (biografia romanceada, 1991); O bom ladrão (romance, 1992); Aqui estamos todos nus (romance, 1993); Os restos mortais (romance, 1993); A nudez da verdade (romance, 1994); Com a graça de Deus: leitura fiel do Evangelho (1995); O outro gume da faca (romance, 1996); Um corpo de mulher (romance, 1997); O homem feito (romance, 1998); No fim dá certo (crônica, 1998); Amor de capitu (recriação literária, 1998); A chave do enigma (crônica, 1999); O galo músico (crônica, 1999); Duas novelas de amor (contos, 2000); Cara ou coroa? (infantil, 2000); Livro aberto: páginas soltas ao longo do tempo (crônica, 2001); Cartas Perto do Coração: correspondência com Clarice Lispector (2001); Cartas na Mesa: correspondência com Paulo Mendes Campos, Otto Lara Resende e Hélio Pellegrino (2002); 322

Cartas a um jovem escritor e suas respostas: correspondência com Mário de Andrade (2003); Os Caçadores de Mentira (infantil, 2003). Postumamente, foi publicado o volume Os Movimentos Simulados (romance, 2004).

323

CARTAS

324

Carta de Murilo a Mário, 02/03/1944, pg. 01 de 02. Fonte: AMA/IEB-USP.

325

Última carta de Murilo a Mário, 15/01/1945. Fonte: AMA/IEB-USP.

326

Resposta de Mário a Murilo, 18/01/1945. Fonte: Fonte: AMR/AEM/CELC/UFMG.

327

Carta de Otto a Murilo, por ocasião do lançamento de O ex-mágico, 03/11/1947, página 1 de 8. Fonte: AMR/AEM/CELC/UFMG.

328

Resposta de Murilo a Otto, 28/11/1947. Fonte: AOLR/IMS-RJ.

329

Carta de Murilo a Otto, 02/06/1950, p. 01 de 02. Fonte: Fonte: AOLR/IMS-RJ.

330

Carta de Murilo a Otto, 02/06/1950, p. 02 de 02. Fonte: AOLR/IMS-RJ.

331

Rascunho do último telegrama enviado por Murilo Rubião a Otto Lara Resende, em 28/08/1991. Fonte: Fonte: AMR/AEM/CELC/UFMG.

332

Carta de Fernando a Murilo, 29/10/1947, página 1 de 2. Fonte: AMR/AEM/CELC/UFMG.

333

Carta de Fernando a Murilo, 29/10/1947, página 1 de 2. Fonte: AMR/AEM/CELC/UFMG.

334

Carta de Fernando a Murilo, 09/01/1966. Fonte: AMR/AEM/CELC/UFMG.

335

FOTOS

336

Em pé, da esquerda para a direita: Otto Lara Resende, Fernando Sabino e Paulo Mendes Campos. Sentados: Murilo Rubião e Emílio Moura. Belo Horizonte, 1943. Fonte: AMR/AEM/CELC/UFMG.

337

Da esquerda para a direita: Otto Lara Resende, Alphonsus de Guimaraens Filho, Jair Rebelo Horta, Murilo Rubião, Fernando Sabino e Hélio Pellegrino. Belo Horizonte, 1943. Fonte: AMR/AEM/CELC/UFMG.

338

Da esquerda para a direita: Fernando Sabino, Otto Lara Resende, Murilo Rubião e Hélio Pellegrino. Belo Horizonte, 1943. Fonte: AMR/AEM/CELC/UFMG.

339

Reunião de amigos de MR em comemoração a sua formatura na Faculdade de Direito. Em pé: João Dornas Filho, Cid Rebelo Horta, Murilo Rubião, Floriano de Paula e Mozart Teófilo. Sentados: Jair Rebelo Horta, Otto Lara Resende, Fernando Sabino, Hélio Peregrino e o escultor José Alves Pedrosa. Belo Horizonte, jan. 1943. Fonte: AMR/AEM/CELC/UFMG.

340

Da esquerda para a direita: Jair Rebelo Horta, Araújo Nabuco e Murilo Rubião. Belo Horizonte, out. 1944. Fonte: AMR/AEM/CELC/UFMG.

341

Otto Lara Resende, Murilo Rubião, Hélio Peregrino, Paulo Mendes Campos e João Dornas Filho de pé em frente à Igreja São José. Belo Horizonte, jan. 1948. Fonte: AMR/AEM/CELC/UFMG.

342

Murilo Rubião e Otto Lara Resende na redação do Suplemento Literário do Minas Gerais. Belo Horizonte, 1970. Fonte: AMR/AEM/CELC/UFMG.

343

ARTIGOS E RECORTES DE JORNAL

344

Resposta de Murilo Rubião ao inquérito “Convidando uma geração a depor”, feito por João Etienne Filho. O Diário, Belo Horizonte, 15/06/1943. Fonte: AMR/AEM/CELC/UFMG. 345

Resposta de Otto Lara Resende ao inquérito “Convidando uma geração a depor”, feito por João Etienne Filho. O Diário, Belo Horizonte, 10/06/1943. Fonte: AMR/AEM/CELC/UFMG.

346

Resposta de Fernando Sabino ao inquérito “Convidando uma geração a depor”, feito por João Etienne Filho. O Diário, Belo Horizonte, 13/06/1943. Fonte: AMR/AEM/CELC/UFMG.

347

Artigo “Adesão ao herói de nosso tempo”, de Otto Lara Resende, sobre o livro O ex-mágico, de Murilo Rubião. Estado de Minas, 07/12/1947. Fonte: AMR/AEM/CELC/UFMG.. 348

Segunda página do artigo “Adesão ao herói de nosso tempo”, de Otto Lara Resende, sobre o livro O ex-mágico, de Murilo Rubião. Estado de Minas, 07/12/1947. Fonte: AMR/AEM/CELC/UFMG..

349

RUBIÃO, Murilo. “Uma enquete entre escritores. Como você é?” S.n., s.l., 21 de jan. 1945. Fonte: AMR/AEM/CELC/UFMG.

350

PELLEGRINO, Hélio. Espelho dos escritores. Suplemento Literário. Minas Gerais, Belo Horizonte, 14 fev. 1987, p. 5. 1 fl. Fonte: AMR/AEM/CELC/UFMG.

351

REFLEXÕES SOBRE O CONTO

352

Conferência – Teoria Literária508

01 – Devo dize, desde logo a possíveis incautos, que não sou e nunca fui conferencista, professor ou teórico. Sou um mero escritor que vem trabalhando lentamente a sua ficção, elaborando e reelaborando os seus textos como se a vida fosse mais longa do que realmente é. Sem maiores preocupações com a posteridade, não tenho o receio de deixar inéditas algumas histórias apenas rascunhadas e duas novelas inacabadas.

Os dois meus primeiros livros – Elvira e outros mistérios e O dono do arco-íris – foram recusados por várias editoras e, com o passar dos anos, acabei rasgando todos os seus contos. (Explicar e contar o caso da José Olympio, Aníbal, Drummond e casamento da prima).

02 – A minha única preocupação é fazer o melhor que posso e justificar, de alguma maneira, o meu compromisso com o ofício de escritor.

03 – a escolha do meu conto – “Botão de rosa”, um dos poucos que ainda resistem a minha autocrítica, para tema desta palestra informal, leva-me a abordar de maneira sucinta o aspecto religioso de alguns contos meus e a origem das epígrafes que sempre acompanham os meus textos.

Como exemplo, desejo citar três contos, dos quais passo a falar:

I – “Marina, a intangível” – publicado em O ex-mágico, em 1947, e republicado recentemente em A casa do girassol vermelho. Nossa Senhora sob a figura de uma prostituta (a minha infância religiosa).

II – “A Lua” – o narrador persegue Cris. Este último simboliza uma figura cristã no sentido mais conotativo do termo aponta para Cris(to), etc. A serenidade de Cris, a sua relação

508 RUBIÃO, Murilo. [Conferência – teoria literária]. [s.l., s.d.]. 7 fls. Fonte: Acervo Murilo Rubião. Pasta: Xerox Entrevistas. Material para entrevistas com Edla. Acervo de Escritores Mineiros – Centro de Estudos Literários e Culturais. Belo Horizonte, UFMG.

353 metafórica com boneca. A prostituta, os olhos azuis, o sorriso de massa... Segundo Eliane Zagury: “Em “A lua”, a morte está enfocada como martírio absurdo, o assassinato premeditado e sem causas”. O conto foi publicado em Os dragões, em 1965 e republicado, em 1974, no Pirotécnico Zacarias.

III – “O edifício” – O edifício (relacionado com a Babel da Bíblia). Publicado em Os dragões (1965) e posteriormente no Pirotécnico.

IV – “Botão de rosa” (1974), escrito em 70. Sobre este devo dizer que, inicialmente, pretendia escrever uma história focalizando um hippie que se desligara de um conjunto de guitarras para acompanhar a companheira grávida até uma cidade do interior e todas as injustiças que as nossas pequenas cidades medievais praticam contra os jovens, a exigência que todos repitam os pais, etc.

Mas a história tomou outro caminho, ganhou cunho político (as torturas da Revolução, as leis absurdas (fui advogado), a pena de morte etc. O lado da censura e o conselho de um escritor e amigo para que eu excluísse o conto do livro, argumentando com a censura. A minha resposta).

No final, descobri uma semelhança incrível do hippie com Cristo e aumentei o conjunto para 12 elementos e dei a um deles o nome de Judô, numa alusão a Judas.

CONTO – ESPAÇO E A ARTE DO CONTO

Segundo um crítico francês, “A limitação do espaço ocupado pelo conto não é uma inferioridade ou um empobrecimento,509 precisamente porque a lei imposta ao artista o obriga a máxima concentração possível e ao mais rigoroso equilíbrio entre as partes. O nada em excesso510 é regra da narrativa”.

Quase todos os teoristas do conto insistem em que só podem escrever boas histórias os que realmente têm o que contar. E ter o que contar não significa apenas imaginar. Inquerido, uma vez, a respeito do [que] era mais necessário à formação de um bom escritor, Ernest

509 Trecho riscado: “será o Parthenon demasiado pequeno?”. 510 Trecho riscado: “de descrição”. 354

Hemingway respondeu: “Uma infância infeliz. Mas não basta a infância infeliz: Primeiro, ele deve ter talento, muito talento. Talento como Kipling tinha. E, depois, muita disciplina. A disciplina de Flaubert”.

Para Faulkner, “quando seriamente explorada, a história curta é a mais difícil e a mais disciplinada forma de escrever prosa”.

Rudyard Kipling confessa que todas as suas histórias, antes de publicadas, eram bem mais longas. “Encurtá-las, primeiro por minha própria decisão, depois de várias releituras e, por fim, reduzi-las ao espaço disponível.511 Quanto mais curta é a história, mais longo é o seu rascunho”.

O CONTO

Diz R. Magalhães Júnior em seu livro A arte do conto, Edições Bloch, 1972, que o conto, além de ser a mais antiga expressão da literatura de ficção, é também a mais generalizada, existindo mesmo entre os povos sem o conhecimento da linguagem escrita.512 E acrescenta: na antiguidade, o conto tanto poderia constituir uma história isolada como a do moço que, por artes mágicas, se transforma em burro: (mito de Proteu, Kafka, Teleco), como ser inserido no corpo de uma narrativa mais extensa. Encontraremos este fato no Dom Quixote,513 por exemplo. E, modernamente, talvez em Grande sertão.

A bibliografia sobre o conto no Brasil é pequena, limitando-se a obra de R. Magalhães Júnior e as Variações sobre o conto, datado de 1952.

Do verbo contar?

511 Trecho riscado: “ensinou-me que uma narrativa da qual a gente corta alguns trechos é como um fogo abanado. Ninguém sabe que a operação foi executada, mas todos lhe percebem o efeito”. 512 Trecho riscado: “inclusive entre os índios brasileiros, narrando de maneira ingênua histórias de bichos, lendas e mitos”. 513 Trecho riscado: “Diderot e outros”. 355

O CONTO – DEFINIÇÕES

Diz R. Magalhães Júnior que “o conto é uma narrativa linear, que não se aprofunda no estudo psicológico das personagens, mas sim [se interessa] pela conduta dos próprios personagens”.

- O conto não explica.

- O conto moderno é fragmentário e ambíguo, [o] que contradiz, em parte, aquela definição.

Diz, ainda, que o conto, geralmente, narra um fato pretérito, enquanto o romance o tempo presente.

Não é verdade, apesar de vários críticos e ensaístas insistirem nesta comparação.

Mário de Andrade, talvez como gracejo, mas com muita propriedade, diz que “o conto é tudo que o autor considera como tal”. Não deixa de ser verdadeiro, pois cada contista tem uma concepção do que seja conto. (Eu tenho a minha). Mas, pela simples leitura, o leitor bem informado sabe o que é o que não é conto.

O CONTO – DEFINIÇÕES

Não por ser apenas sintético, pelo número de páginas. Há contos do tamanho de uma novela e romances que são apenas contos espichados: José J. Veiga,514 A hora dos ruminantes, A cidade e as serras, de Eça de Queiroz.

Um contista irlandês afirma: “Enredo por si só não faz um conto e a ausência do enredo por si só não faz um conto”. E ainda: “nos que são realmente bons, há um enredo interno, secreto”.

514 Trecho riscado: “Rubem Fonseca”. 356

Robert Kanters completa: “a forma mais baixa do conto é a de que diz tudo porque nada tem a dizer, não passando de simples anedota”.

KATHERINE MANSFIELD (EXEMPLOS):

Marques Rebêlo: crochê do nada. Duas agulhas sem linha.

A ARTE DO CONTO

O conto, segundo alguns, já existia na Bíblia (Caim e Abel, no Livro de Ruth, Ressurreição de Lázaro etc). Mas creio que em Mil e uma noites (“Ali-Babá e os 40 ladrões”, “Simbad, o Marujo”, “A Lâmpada maravilhosa de Aladin” é que ele aparece como tal embrionariamente e sob a forma de histórias.

REALISMO FANTÁSTICO E DEFINIÇÕES

Preterido, durante longo tempo, por outros gêneros, principalmente pelo romance, o conto teve uma espécie de renascimento no século XIX, com o aparecimento de numerosos adeptos. O início dessa grande voga da narrativa curta se deu, em pleno romantismo, com o aparecimento de Ernst Theodor Amadeus Hoffmann. Era o conto que retornava e com ele surgia o fantástico: “que transcendia a mesmice do cotidiano e conduzia o leitor a um mundo algumas vezes fascinantes, outras vezes aterrador” (Castex)

Esse fascínio daria mais tarde, no nosso século, o realismo mágico. O lado sombrio, aterrador, ficaria apenas para o realismo fantástico.

Hoffmann denominava seus textos de “fantasias”. Traduzido para o francês, passou a ser conhecido como “fantástico”.

CAZZOTE (“O diabo apaixonado”), diz Castex ser o precursor do fantástico. Precursor ou não, não fez escola, e acabou na guilhotina...515

515 Trecho riscado: “NERVAL (“a mão encantada”) e outros. Ver a cronologia”. 357

DEFINIÇÕES

CASTEX diz: “Não se deve confundir o gênero com as narrativas mitológicas e histórias de fadas. Ele se caracteriza por uma brutal intromissão do mistério no quadro da vida real”.

CARRILO: Denomina o texto como oriundo da fantasia e abarca o maravilhoso, o extraordinário, o sobrenatural, o inexplicável.

Todorov: “O fantástico apenas dura o tempo de uma hesitação, comuns ao leitor e à personagem”.

Edschimid: sustenta que é a introdução do maravilhoso nos fatos cotidianos. (Kafka: é um erro grave. O cotidiano em si já é maravilhoso.)516

O realismo mágico está mais ligado ao onírico, enquanto o fantástico ao pesadelo, à penumbra. Mas sem a cumplicidade do leitor-sonhador ele fenece, se deteriora, segundo Davi Arrigucci.

Para Jorge Schwartz, somente podemos chegar a definir aquilo que é fantástico na medida em que conhecemos a norma extratextual definida pela tradição cultural. Tudo aquilo que transgrida suas leis é considerado, num primeiro momento, um fato fantástico.517

O CONTO FANTÁSTICO (II)

Como acentua o mesmo Castex, mesmo a uma poderosa organização literária, como a de Hoffmann, teria sido impossível sem o aparecimento anterior de certos aventureiros, místicos, cientistas, muitos deles proclamando as maravilhas do hipnotismo. Da magia, dos alquimistas.

Mesmer, Casanova, Saint-Germain e Cagliostro (futuro personagem de A. Dumas).

516 Trecho riscado: “Gustav Janouch: Conversações com Kafka”. 517 Trecho riscado: “Jorge Schwartz: A linguagem do fantástico”. 358

GÉRARD DE NERVAL (“A mão encantada”)

O elixir da longa vida...

CITAR A CRONOLOGIA

AQUI ENTRA TODOROV

O FANTÁSTICO E O REALSIMO MÁGICO

CRONOLOGIA DOS CONTISTAS E ROMANCISTAS

01 – Jacques Cazotte: 1719-1792

02 – Hoffmann (Ernst Theodor Amadeus Hoffmann): 1776-1822

03 – Von Chamisso (Adelbert Von Chamisso): 1781-1822

04 – Nerval (Gérard de Nerval): 1808-1855

05 – Poe (Edgar Allan Poe): 1809-1849

06 – Bret Harte:518 1836-1902

07 – Machado de Assis: 1839-1908

07a – Henry James: 1843-1916

08 – Maupassant (Guy de Maupassant): 1850-1893

09 – Oscar Wilde: 1856-1900

518 Possivelmente apresentado a Murilo por Marques Rebelo, que fez uma tese sobre Bret Hart por conta de um Curso de Extensão Universitária de Literatura Norte-Americana, do Instituto Brasil-Estados Unidos e Universidade do Brasil, em 1945. Além, desse estudo, Rebelo também traduziu narrativas de Harte, publicadas em 1964 com o título de Historias de Bret Harte. 359

10 – Hermann Hesse: 1877-1962

11 – Massimo Bontempelli: 1878-1960

12 – Kafka (Franz Kafka): 1883-1924

13 – Scott Fizgerald: 1896-1940

14 – Gogol (Nikolai Gogol): 1809-1852 (“O Capote”, “O Nariz”)

– os modernos (Borges, Cortázar, Ionesco etc).

O REALSIMO MÁGICO

Nunca encontramos em um mesmo trabalho somente o realismo mágico. Vem sempre perto do fantástico.

Massimo Bontempelli, que também participou do movimento surrealista, criou a expressão.

CONTAR O CONTO TRADUZIDO POR REBELLO519

FALAR:

MACHDO DE ASSIS OSCAR WILDE HERMANN HESSE SCOTT FITZGERALD (SEIS CONTOS da época do jazz)

519 Procurar informações sobre conto de Bontempelli traduzido por Rebello. 360

A SEDUÇÃO PELO ROMANCE

Por muito tempo – e não se até hoje – o conto foi considerado gênero menor, trampolim para o romance520 (Rubem Fonseca, Sérgio Sant’Anna, Roberto Drummond, para citar apenas excelentes contistas modernos). Em Machado de Assis, o nosso maior contista, o conto seria um longo exercício para os romances que vieram depois?

A APARENTE FACILIDADE DO CONTO E DA POESIA (gente de fôlego curto ou desinformada).

A FACE OCULTA DA ARTE – Externamente linear e internamente a estrutura, os símbolos (que podem aparecer em todo o texto e em cada palavra). Síntese: cada palavra em seu lugar ou as palavras provisórias.

520 Trecho riscado: “[Luiz] Vilela fracassou”. 361

O CONTO - ANOTAÇÕES521

Definição de Mário de Andrade: “Em verdade, sempre será conto aquilo que seu autor batizou com o nome de conto”.

O conto, em geral deve ser conciso, bem escrito e breve, o máximo de economia de palavras. O texto deve ser claro, pouca ou nenhuma paisagem, sem descrições de pessoas, retratos dos personagens ou excesso de detalhe. Enxuto. Muito cuidado com a adjetivação. Não tem intenções essenciais nem transmite nenhuma mensagem.

Davi Arrigucci: precurssores de autores de contos fantásticos na literatura moderna.

O texto breve em Poe e Tchekhov: vale mais dizer de menos que demais.

Machado de Assis precurssor do conto moderno, do surrealismo e do fantástico no Brasil.

Tchekhov, que era obrigado a escrever muitos contos por motivos financeiros, aconselhava a escrever pouco e bem, um trabalho lento e cuidadoso: “que gaste um ano escrevendo uma história e mais meio ano desbastando-a”.

O conto pode ser longo, mas dependerá da força do contista para dominar o enredo e não por simples prolixidade.

No conto o herói não existe, mas somente a solidão do homem.

Influência do cinema nos meus contos.

O conto moderno começa no século XIX.

521 RUBIÃO, Murilo. O conto: anotações. Belo Horizonte. [s.d.]. 2fls. Fonte: Acervo Murilo Rubião. Série Diversos. Pasta 24 (Pasta Azul). Acervo de Escritores Mineiros – Centro de Estudos Literários e Culturais. Belo Horizonte, UFMG. Tendo por base o fato que Rubião cita passagem do livro Teoria do Conto (1985), de Nádia Battela Gotlib, estas anotações, provavelmente elaboradas provavelmente por ocasião de alguma conferência ou palestra, foram escritas em 1985 ou posteriormente. Cabe mencionar que não há exemplar do livro de Gotlib na biblioteca de Murilo Rubião. 362

Poe: extensão e unidade de efeito ou impressão (Nádia Battela Gotlib). A elaboração do conto, segundo ele, é produto de um trabalho consciente, que se faz por etapas, em função desta intenção: a conquista do efeito único, ou impressão total. Tudo provém de minucioso cálculo. Assim, tendo o contista “concebido, com cuidado deliberado, um certo efeito único e singular a ser elaborado, ele então inventa tais incidentes e combina tais acontecimentos de forma a melhor ajudá-lo a estabelecer este efeito preconcebido. Se sua primeira frase não tende a concretização deste efeito, então ele (o autor) falhou em seu primeiro passo. Em toda composição não deve haver nenhuma palavra escrita cuja tendência, direta ou indireta, não esteja a serviço deste desígnio preestabelecido”.

O CONTO FANTÁSTICO. O conto fantástico, que teve como pioneiro Hoffmann (1816-1817) foi, talvez, influenciado pelos alquimistas, por Bosch e Bruegel.

“É próprio do fantástico emprestar a mesma inconsistência ao real e ao sobrenatural, reunindo-os e contrapondo-os um ao outro numa só e mesma coerência, que é a da linguagem e a da narrativa”.

Não sei se o sentimento do fantástico é inato em mim, mas o maravilhoso me acompanhou por toda a infância, exacerbado pela leitura dos contos de Grimm, Andersen, e As mil e uma noites.

O pudor do fantástico. Familiaridade com o fantástico. Eu tinha certo escrúpulo em transmitir o fantástico que vivia em mim. Fernando Sabino me convenceu.

“O conto não tem intenções essenciais, não indaga nem transmite conhecimento ou “mensagem”” (Cortázar).

O conto permanece com a mesma estrutura antiga, o que muda é a sua técnica.