Aniversário De Otto Lara Resende

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Aniversário De Otto Lara Resende 80o Aniversário de Otto Lara Resende Mesa-redonda realizada na ABL, no dia 21 de novembro de 2002, sob a coordenação Alberto da Costa e Silva, com a participação de Arnaldo Niskier, Lêdo Ivo, Murilo Melo Filho e Benício Medeiros. Otto Lara Resende (Rio, 1984) Foto de Cláudia Jaguaribe Otto Lara Resende no olhar de Sabino Arnaldo Niskier “Sim, envelhecemos. Mas que seja na base daquela muda afeição em que as ver- Arnaldo Niskier, dadeiras amizades se sustentam. Como é bom sermos amigos. Como precisa- Professor, educador, mos um do outro.” conferencista. Sua Fernando Sabino (19/02/1948) obra chega a uma centena de títulos, sobre educação brasileira, filosofia e história da alar de Otto Lara Resende é recordar uma amizade que educação, administração F começou nos idos de 1955, quando ele dirigia a revista escolar, tecnologias Manchete. Jovem repórter esportivo, comecei a trabalhar na Manchete de ensino, obras didáticas e de Esportiva, compondo a equipe dos três Rodrigues: Augusto, Paulo e literatura Nelson. Desses, Augusto felizmente ainda está vivo, para testemu- infanto-juvenil. nhar o que isso representou para o nosso jornalismo. Depoimento na ABL em Otto jovem, inquieto, competente, vez por outra cobrava algum ar- 21.11.2002. tigo dos especialistas no esporte para a sua grande revista. Era a glória. Assim amigos, depois o destino nos separou. Eu fiquei, ele foi em bus- 65 Arnaldo Niskier ca de outras aventuras, passando pelo Jornal do Brasil, Última Hora, O Globo eTV Globo, onde trabalhou diretamente com o Acadêmico Roberto Marinho, e de- pois a Folha de S. Paulo. Figura querida, só nos reencontramos, para um convívio mais de perto, na Academia Brasileira de Letras, onde entrei em 1984. Dele sempre tive o carinho de uma palavra amiga, em geral sobre o progra- ma de televisão que eu dirigi e apresentei por dez anos (Debate em Manchete). Era uma pessoa singular, que sentava bem longe, na sala de sessões, em dias de eleição, para que não vissem o seu voto. Detestava atender telefone, mas quan- do alguém o pegava era papo para mais de meia hora. Temia exatamente isso. Otto chamou para a Manchete, onde já encontrara Henrique Pongetti, cro- nistas de primeira ordem que eram os seus grandes amigos de Minas Gerais: Fernando Sabino e Paulo Mendes Campos. Completou o time com Rubem Braga, de Cachoeiro de Itapemirim, escolhido, segundo ele, “por sua forte do- sagem de mineiridade”. Otto, Fernando, Paulo e Hélio Pellegrino foram ami- gos inseparáveis, em Belo Horizonte e no Rio de Janeiro. Irmanados pelos mesmos interesses literários e por uma amizade sem fim. Quando o encontro no banco da capital mineira só acontecia com três deles, o prazer aumentava: passavam horas falando mal do ausente. Procurei traçar o perfil do Acadêmico Otto Lara Resende, personagem do tí- tulo de uma peça de Nelson Rodrigues, buscando uma fórmula original. Falei noutra ocasião, aqui mesmo na ABL, sobre o homem e escritor. Agora, utilizarei os olhos e o coração do escritor Fernando Sabino para recordar o grande causeur. Sabino acaba de lançar o seu Cartas na mesa (editora Record), dedicado na capa aos três parceiros, meus amigos para sempre. Vamos projetar um pouco mais de luz sobre um deles, Otto Lara Resende, na visão do único sobrevivente do grupo que mar- cou, em cores fortes, uma época de relevo da literatura brasileira. O conselheiro Pelo livro de Sabino pode-se inferir que Otto era um pouco demorado no envio das cartas. Sabino, o mais aflito, dele sempre esperava respostas, sobretu- 66 Otto Lara Resende no olhar de Sabino do porque Otto era a sua grande referência, precisava das suas correções e dos seus conselhos. Quando a resposta demorava, era um deus-nos-acuda. Isso se percebe agudamente no livro das correspondências trocadas entre eles. Um pa- rêntesis: pode-se perceber na obra recém-lançada que o depois médico psica- nalista Hélio Pellegrino tem uma belíssima inspiração poética. Mas o destino o desviou para o caminho da medicina. A correspondência era freqüente, embora sempre houvesse reclamação da demora nas respostas. E a saudade se manifestava de todas as formas, nas rela- ções interpessoais dos quatro amigos. Na carta de 3 de setembro de 1944, Sa- bino já se encontra no Rio, declara-se deslocado, e solta o verbo: Otto, meu velho, Otto de cara-de-amendoim, Otto da tristeza sem fim, Otto cético, Otto asmático, Otto carismático, você menino, você chorando, você escutando, você bebendo, você sozinho, você tristonho – tudo tão triste! O autor de Encontro marcado eOgrande mentecapto só poderia mesmo estar es- crevendo isso tudo no que ele chamava de domingo sem-vergonha, quando a vontade de rever os amigos aguçava a sua sensibilidade. Ele passeava a saudade ao rabiscar o papel, ressalvando que utilizava a palavra amigo sempre com A maiúsculo. Um mês depois, não sei se para causar inveja ao amigo, Sabino revela que está no Alcazar e vê à sua frente a seguinte seleção brasileira: Manuel Bandeira, Oswaldo Alves, Pedro Nava, Rodrigo Melo Franco, Paulo Mendes Campos, Vinicius de Moraes, Heitor dos Prazeres, Aníbal Machado, Mariinha (Tônia Carrero), Rubem Braga e outros cavalheiros da mais nobre estirpe (e ainda, como se fosse pouco, o Carlos Drummond de Andrade). “Mas sou forçado a reconhecer” – diz ele – “estou chateado porque você não está aqui”. Essa ne- cessidade de “puxar angústia” era uma conseqüência da estima que unia Fer- nando ao Pajé (Otto). Ainda nessa época, Otto volta a Belo Horizonte, mas “com ares de Rio de Janeiro”. Sabino reclama: “Saudade a gente sente, todos sentimos, mas ser do- 67 Arnaldo Niskier minado assim!” Afirma que Otto é o seu queixo, que ele coça de vez em quan- do. Reafirma que “Belo Horizonte tem hélios e paulos, rouxinóis e pererecas, querelas em lá menor, marmeladas e agapantos. O Rio não tem nada disso”. Mas ele tem aversão à idéia da mudança e reclama que tomou ódio dos chine- los do Otto: “Chegando aí irei queimá-los.” Reconheço que Minas é o último ouro do Brasil, mas será sempre assim? E força ainda um outro argumento, pois Otto fora ajudar o pai no comando do colégio de que era proprietário o velho professor de português: “Já pensou nas centenas de provas no colégio que você terá ainda de corrigir o resto da vida?” Fala, depois desfala O doce Otto Lara Resende, que estamos buscando redescobrir, inteligente como ele só, não era de se definir completamente. Sempre guardava um certo recato ou reserva para voltar. Quando aprovava o texto de um amigo (como aconteceu com Sabino), concedia: “Aprovo, mas com restrições.” Isso provocava enorme estrago no amor-próprio do outro: “Otto, você fala e depois desfala. Como é que pode?” Ele era assim, mas quem o conhecia de perto e com intimidade sabia o que ele queria dizer. Muitas vezes não gostava do que lera, mas não queria ofender o interlocutor. Pequena restrição, no fundo, revela- va uma opinião contrária que ele escondia para não ofender ninguém. Era o jeito Otto Lara Resende de ser, alterado pelo tempo em pouquíssimos pormenores. Não raro, aparecia o nome do Dr. Alceu Amoroso Lima nos textos das correspondências, em geral chamado de “anjo de candura, pairando nas ne- bulosas etéreas”. Quem de nós pode discordar do grande líder católico, críti- co do Modernismo? Sabino reclama que Otto dizia uma coisa pra ele, outra para o Dr. Alceu. E em tom aborrecido: “Medo de ofender. Preguiça de escrever ou tédio do tra- balho e da chateação que o assunto iria render?” Figuras constantes do livro são também os escritores Wilson Figueiredo, que esteve conosco na posse do Paulo Coelho, Carlos Castello Branco, Murilo 68 Otto Lara Resende no olhar de Sabino Rubião e João Etienne Filho. Sempre apareciam, nas mais variadas interven- ções. E houve um momento, no dia 22/12/1944, que o Fernando se aborre- ceu: “Otto, resolvi acabar com os meus três maiores vícios: beber, procurar você e fumar. Já parei de beber Agora só falta parar de fumar.” Sentia falta de uma presença mais constante do Otto em sua vida. A propósito, ele teve sem- pre uma enorme amizade por Adolpho Bloch. Este dizia que tinha enfrentado pogroms na Rússia, uma viagem quase trágica, um começo de vida difícil, mas nada se comparava à dificuldade de falar com Otto ao telefone. Mas, pouco depois, quem reclamava do Fernando era o próprio Otto, que criticava a sua chamada “desonestidade epistolar”. A desculpa era a sua falta de tempo, às voltas com palestras encomendadas pelo Dr. Alceu para fazer no Centro D. Vidal. Enquanto isso, no Rio, falava do seu emprego vitalício, mas reclamava que vivia sem dinheiro, com preocupações por todos os lados. “O escrevente do cartório está me chateando, inclusive me deve mais de 6 contos de réis...” O cartório dava muitos aborrecimentos. Ameaçava voltar para Belo Horizonte, só por três dias, para sentar no banco da Praça, com os três amigos, para recordar momentos telúricos, lúbricos, melífluos e saudosos, ali passados em priscas eras. As crônicas Todos bem sabem que Otto Lara foi um grande cronista. Em tempo opor- tuno, ocupou as páginas da Folha de S. Paulo, onde brilhou, por muitos anos, no espaço que depois seria ocupado por Carlos Heitor Cony. Mas nem sempre foi assim. Pelo menos na opinião do Sabino. No começo da carreira, teve que enfrentar as críticas dos seus amigos de sempre. Palavras de Sabino: “Tenho visto algumas de suas crônicas. Achei boas, mas meio vagas, com um tom pouco pessoal, sem dizer nada de novo. Achei, embora certo, meio água morna, com você emitindo conceitos teóricos, embora certos, mas desligados um pouco da realidade imediata.” É curiosa a crítica, pois Sabino faz questão de concordar com o que lia (“está certo, mas...”), acrescentando sempre uma exigência maior.
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