UNIVERSIDADE DO SUL DE SANTA CATARINA GUILHERME HENRIQUE PORCINCULA COELHO

O IMPACTO DAS OPERAÇÕES ETOPS NA AVIAÇÃO COMERCIAL BRASILEIRA

Palhoça 2019

GUILHERME HENRIQUE PORCINCULA COELHO

O IMPACTO DAS OPERAÇÕES ETOPS NA AVIAÇÃO COMERCIAL BRASILEIRA

Projeto de pesquisa apresentado ao Curso de graduação em Ciências Aeronáuticas, da Universidade do Sul de Santa Catarina, como requisito parcial para elaboração da monografia.

Orientador: Prof. Antonio Carlos Vieira de Campos, Esp.

Palhoça 2019

GUILHERME HENRIQUE PORCINCULA COELHO

O IMPACTO DAS OPERAÇÕES ETOPS NA AVIAÇÃO COMERCIAL BRASILEIRA

Esta monografia foi julgada adequada à obtenção do título de Bacharel em Ciências Aeronáuticas e aprovada em sua forma final pelo Curso de Ciências Aeronáuticas, da Universidade do Sul de Santa Catarina.

Palhoça, 25 de Novembro de 2019.

Orientador: Prof. Antonio Carlos Vieira de Campos, Esp.

Prof. Joel Irineu Lohn, Msc

RESUMO

O padrão de segurança existente atualmente na aviação civil no transporte de passageiros e carga deve-se aos muitos anos de avanços tecnológicos obtidos na indústria aeronáutica, que foram adquiridos com aprendizados de incidentes e acidentes aeronáuticos, migração tecnológica da aviação militar decorrente de conflitos bélicos mundiais, transferências tecnológicas entre diferentes nações, evolução constante de materiais e componentes, milhões de horas voadas pelo mundo e regulamentações específicas de organismos governamentais que tem como foco a segurança e ganho de eficiência da aviação civil. As operações estendidas são parte dessas medidas que proporcionam excelentes padrões de segurança operacional, economia de combustível e confiabilidade, tornando a aviação civil um sistema cada vez mais seguro e eficiente para os usuários deste modal de transporte. Este trabalho tem como o objetivo principal, a apresentação de maneira concisa e simples sobre a importância das operações estendidas na aviação civil comercial com um enfoque no cenário brasileiro. Este estudo pôde concluir a relevância das operações estendidas na sobrevivência das empresas aéreas internacionais e brasileiras, sob a questão de eficiência operacional e financeira necessária para alcançarem os resultados esperados, além da manutenção da competitividade num mercado bastante agressivo o que será apresentado no decurso do trabalho. O presente estudo possui uma metodologia de pesquisa com abordagem qualitativa, baseado em análise documental sobre o tema em questão.

Palavras-chave : Operações Estendidas. Confiabilidade. Segurança Operacional.

ABSTRACT

The current safety standard in civil aviation for passenger and cargo transportation is due to the many years of technological advances made in the aeronautical industry, which have been acquired through learning of aeronautical incidents and accidents, technological migration from military aviation resulting from worldwide war conflicts. , technology transfers between different nations, constant evolution of materials and components, millions of hours flown around the world, and specific regulations of government agencies that focus on the safety and efficiency gains of civil aviation. Extended operations are part of these measures that provide excellent standards of operational safety, fuel economy and reliability, making civil aviation an increasingly safe and efficient system for users of this mode of transport. The main objective of this paper is to concisely and simply present the importance of extended operations in commercial civil aviation with a focus on the Brazilian scenario. This study could conclude the relevance of extended operations in the survival of international and Brazilian airlines, under the issue of operational and financial efficiency necessary to achieve the expected results, besides maintaining competitiveness in a very aggressive market that will be presented during the work. The present study has a research methodology with qualitative approach, based on documentary analysis on the subject in question.

Keywords: Extended Operations. Reliability. Operational Safety.

LISTA DE ABREVIATURAS E SIGLAS

AC Advisory Circular (Circular Consultiva)

ANAC Agência Nacional de Aviação Civil

APU Auxiliary Power Unit (Unidade de Força Auxiliar)

CFM International Jet Engines CFM International (Fabricante Aeronáutico)

CFR Code of Federal Regulations (Código de Regulamentos Federais)

CMP Documento de configuração, manutenção e procedimentos.

DAC Departamento de Aviação Civil

DECEA Departamento de Controle do Espaço Aéreo

DOV Despachante Operacional de Voo

EASA European Union Aviation Safety Agency (Agência de Segurança da Aviação na União Europeia)

EEP ETOPS Entry Point (Ponto de Entrada ETOPS)

ECM Engine Condition Monitoring (Monitoramento das Condições do Motor)

EGT Axhaust Gas Temperature (Temperatura dos Gases de Exaustão)

EXP ETOPS Exit Point (Ponto de Saída ETOPS)

ETP ETOPS Equal Time Point (Ponto de Mesmo Tempo Entre Duas Alternativas)

ETOPS Extended Operations (Operações Estendidas)

EUA Estados Unidos da América

FAA Federal Aviation Administration (Administração Federal de Aviação)

FL Flight (Nível de Voo)

IAC Instrução de Aviação Civil

ICAO International Civil Aviation Organization (Organização de Aviação Civil Internacional)

IFSD In-flight shutdown (Corte de Motor em Voo)

ISA International Standard Atmosphere (Atmosfera Padrão Internacional)

JAA Joint Aviation Authorities (Autoridades Comuns da Aviação)

KM Quilômetro

MEL Minimum Equipament List (Lista de Equipamentos Mínimos)

MMEL Master Minimum Equipament List (Lista de Equipamentos Mínimos Mestre)

NM Nautical Mile (Milha Náutica)

N1 Porcentagem de Rotação do Compressor de Baixa Pressão

N2 Porcentagem de Rotação do Compressor de Alta Pressão

OACI Organização de Aviação Civil Internacional

P&W Pratt & Whitney (Fabricante Aeronáutico)

RBAC Regulamento Brasileiro de Aviação Civil

PMAC Programa de Manutenção de Aeronavegabilidade Continuada

LISTA DE ILUSTRAÇÕES

Figura 1 – Comparativo entre rotas ETOPS 60/120 minutos (Londres para Nova York)...... 12 Figura 2 – Exemplo da regra dos 60 minutos da FAA de 1953...... 16 Figura 3 – Exemplo de rota ETOPS 120 minutos (2 horas)...... 18 Figura 4 – Exemplo de rota ETOPS 180 minutos (3 horas)...... 19 Figura 5 – Exemplo de EEP; EXP; ETP em voos ETOPS...... 20 Figura 6 – Rotas e operadores ETOPS em 1988...... 24 Figura 7 – Rotas e operadores ETOPS no ano 2000...... 24 Figura 8 – Rotas e operadores ETOPS em 2014...... 25 Figura 9 – Recorde de tempo de voo monomotor em operação ETOPS...... 26 Figura 10 – Combustível Crítico ETOPS...... 33 Figura 11 – IFSDs do 777 entre janeiro e dezembro de 2009...... 43

Fotografia 1 – Equipe de engenheiros trabalhando na inspeção de um motor aeronáutico...... 35 Fotografia 2 – Apresentação do novo Boeing 737 MAX 8, ETOPS da Gol Linhas Aéreas, durante um evento no hangar da companhia no aeroporto de Congonhas em São Paulo...... 41 Gráfico 1 – Comparativo entre Bimotores e Tri/Quadrimotores nas rotas dos EUA e Canadá para a Europa, da mesma forma que outras rotas internacionais...... 21

LISTA DE TABELAS

Tabela 1 - Razão de panes em operações ETOPS...... 28

SUMÁRIO

1 INTRODUÇÃO ...... 11 1.1 PROBLEMA DA PESQUISA ...... 13 1.2 OBJETIVOS ...... 13 1.2.1 Objetivo Geral...... 13 1.2.2 Objetivos Específicos...... 13 1.3 JUSTIFICATIVA ...... 13 1.4 METODOLOGIA ...... 14 1.5 ORGANIZAÇÂO DO TRABALHO ...... 15 2 REFERENCIAL TEÓRICO...... 16 2.1 A EVOLUÇÃO DO ETOPS NO CONTEXTO HISTÓRICO...... 17 2.1.1 A Certificação ETOPS Além de 180 Minutos ...... 21 2.1.2 Certificação ETOPS para Aeronaves Single-Aisle ...... 22 2.2 A EVOLUÇÃO QUANTITATIVA DOS VOOS ETOPS NO CONTEXTO GLOBAL.....23 2.2.1 Recorde Mundial de Voo Monomotor em Seção ETOPS ...... 26 2.3 REQUISITOS DE CERIFICAÇÃO ETOPS ...... 27 2.3.1 Requisitos de Combustível no Voo ETOPS ...... 32 2.3.2 Requisitos de Manutenção ETOPS...... 33 2.4 A CERTIFICAÇÃO ETOPS, NO BRASIL ...... 36 2.4.1 Requisitos Operacionais de Certificação ETOPS ...... 36 2.4.1.1 Requisitos de comunicação ...... 36 2.4.1.2 Programa de manutenção de aeronavegabilidade continuada (PMAC) ...... 37 2.4.1.3 Monitoramento do sistema de propulsão...... 38 2.4.1.4 Monitoramento de condições do motor ...... 38 2.4.1.5 Monitoramento de consumo de óleo ...... 38 2.4.1.6 Programa de controle de peças e componentes ...... 39 2.4.1.7 Treinamento da equipe de manutenção ...... 39 2.4.1.8 Aeródromo de alternativa ETOPS...... 39 2.5 OPERAÇÕES ETOPS NO CONTEXTO COMERCIAL BRASILEIRO ...... 40 2.5.1 Reflexo Prático na Aviação Comercial Brasileira das Revisões na Certificação ETOPS de Determinado Tipo, por Órgãos Reguladores...... 42 3 CONSIDERAÇÕES FINAIS...... 43

REFERÊNCIAS...... 46

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1 INTRODUÇÃO

As operações ETOPS na aviação comercial surgiram da necessidade dos operadores, ou seja, as companhias aéreas em operar bimotores em rotas de grande distância, com sobrevoos oceânicos e longos trechos desérticos sem a necessidade de voar por pelo menos sessenta minutos de distância de voo de um aeródromo de adequado de alternativa. Após a Segunda Guerra Mundial, a aviação civil foi massivamente explorada comercialmente e se tornou um importante meio de transporte de passageiros e carga, tal demanda aliada aos avanços tecnológicos obtidos durante o conflito possibilitaram avanços significativos na indústria aeronáutica. Segundo Fajer (2009, p. 25), “Com o fim da segunda guerra mundial, uma parcela da indústria aeronáutica passou a se dedicar a aviação civil [...]”. De acordo com Saintive (2014) ainda no final da década de 1940 e início da década de 1950 os grandes motores radiais que equipavam os quadrimotores utilizados em voos internacionais como, por exemplo: Douglas DC4, Douglas DC6, Lockheed Constallation, Boeing Stratocruiser , apresentavam grandes taxas de desligamento em voo, IFSD algo por volta de (cem) vezes mais se comparado aos motores à reação, do final do século XX. Foi tendo em vista à segurança operacional que em 1953 a FAA estabeleceu a regra dos 60 minutos, delimitando para aeronaves bi e trimotoras rotas não mais distantes que 60 minutos de voo (uma hora) de um aeródromo de alternativa com velocidade monomotora e vento calmo, com isso minimizando a possibilidade de uma falha dupla em ambos os motores, com piores consequências. Os regulamentos ETOPS são aplicáveis a rotas sobre a água, bem como áreas remotas de terra (, 1998, p. 9, tradução nossa). Pouco tempo depois ainda na década de 1950, a ICAO publicou recomendações afirmando que 90 minutos (com velocidade bimotora) eram aceitáveis para aeronaves bimotoras. A recomendação mais flexível da ICAO foi adotada por muitos órgãos reguladores e companhias aéreas mundo afora que começaram a operar seus bimotores nesta regra. (AIRBUS, 1998, p.10, tradução nossa).

Com a adoção dos motores turbo jato AVON na aviação comercial na década de 1950, inicialmente com o De Havilland Comet , em 1958 com o Boeing 707 e o Douglas DC8 , e posteriormente no decurso da década de 1960 o emprego do famoso motor Pratt & Whitney JT8D e suas variações que se mostraram muito confiáveis, equipando aeronaves da Boeing e da McDonnell Douglas, aumentaram de forma substancial o índice de confiabilidade da aviação civil (SAINTIVE, 2014).

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No início dos anos de 1970 já havia motores turbofan 1 com alta taxa de derivação, high , como o, General Electric CF6 e o Rolls Royce RB211 que se mostraram um sucesso operacional, tanto em economia de combustível quanto em confiabilidade, abrindo caminho definitivo para os wide-bodies 2 e tornando a regra dos 60 minutos, estabelecida em 1953, obsoleta, oque levou a FAA em 1985 a adotar a regra dos 120 minutos, criando assim o ETOPS ( Extended Range Operations with Two engines Airplanes ) Operações Estendidas com Aeronaves Bimotoras, de 120 minutos. Isso abriu portas para os bimotores de fuselagem larga (widebody bijets ) como o em 1974 e posteriormente o já na década de 1980 (SAINTIVE, 2014). Para Saintive (2014, p.179) A nova regulamentação provocou uma enorme fragmentação do transporte aéreo comercial, pois novos voos intercontinentais proliferaram num crescente número de pares de cidades. Antes desse regulamento, para viajar da cidade de Atlanta para Milão, por exemplo, o viajante precisaria voar de Atlanta para New York, tomar outro avião de New York para Roma e depois outro de Roma para Milão. Hoje bijatos ligam Atlanta e Milão.

Figura 1 – Comparativo entre rotas ETOPS 60/120 minutos (Londres para Nova York). Fonte: dutchops.com

Fonte: dutchops.com

Já em 1988 a FAA, através de uma extensão, publicou a regra dos 180 minutos o que foi responsável pela revolução das rotas oceânicas abrindo caminho definitivo para os bimotores a reação em rotas internacionais, por conseguinte a aviação num todo se tornou mais confiável (AYRES, 2014).

1 Motor a reação amplamente utilizado atualmente em aeronaves transônicas, e funciona através de um fluxo de ar primário utilizado na queima da mistura ar-combustível e um fluxo de ar secundário não utilizado na queima. É mais econômico que motores turbojato e possui uma grande área frontal devido ao fan,no qual é responsável pelo movimento do fluxo de ar secundário. 2 Aeronaves de fuselagem larga, que possuem dois corredores em sua cabine de passageiros, utilizadas principalmente em longas rotas. 13 Para a Airbus (1998) o objetivo do ETOPS é bastante claro, fornecer níveis muito altos de segurança, possibilitando o uso de bimotores em rotas anteriormente restritas as aeronaves tri e quadrimotoras. As operações ETOPS também permitem uma maior eficácia dos recursos financeiros e energéticos de uma companhia aérea.

1.1 PROBLEMA DA PESQUISA

De qual forma as operações ETOPS impactam a aviação comercial no cenário brasileiro.

1.2 OBJETIVOS

1.2.1 Objetivo Geral

O objetivo geral deste trabalho será apresentar as implicações relacionadas com as operações ETOPS na aviação comercial brasileira.

1.2.2 Objetivos Específicos

- Definir o conceito de ETOPS;

- Descrever a trajetória histórica das operações ETOPS, na aviação comercial global;

- Discutir as possíveis vantagens relacionadas a tais operações no cenário brasileiro e sob a ótica das operadoras.

1.3 JUSTIFICATIVA

A aviação como conhecemos hoje, voos internacionais e intercontinentais levando centenas de passageiros em poucas horas com conforto e elevados padrões de segurança era algo inimaginável no passado. Atualmente isso representa o nível de confiabilidade das operações aéreas como um todo envolvendo: aeronaves, motores, sistemas, operadoras, tripulantes, equipe técnica de manutenção, entes reguladores, entre outros. Porém, nem sempre o cenário da aviação comercial foi assim, no passado, voos entre grandes distâncias, como sobre o ártico, sobre regiões desérticas e principalmente sobre a água em travessias oceânicas, eram restritos aos quadrimotores com baixo índice de confiabilidade que apresentavam altas taxas de IFSD sendo necessária a redundância principalmente de motores, no caso os (quadrimotores) para sobrepujar aquelas limitações de confiabilidade. 14

Foi graças aos avanços tecnológicos que a indústria aeronáutica obteve num todo que as operações ETOPS puderam ser aplicadas, possibilitando assim operações estendidas, atualmente com bimotores, sendo tais operações de extrema importância para os operadores na forma de economia de combustível, economia de manutenção e substituição de componentes, peças e itens sobressalentes. O passageiro também é o grande beneficiário de operações ETOPS considerando a redução do valor das tarifas, menor tempo de viagem, menor número de conexões e maior oferta de destinos disponíveis. Tendo essas questões em foco, a presente pesquisa representa um aprofundamento no assunto, bem como uma contribuição documental com esse estudo na literatura já existente considerando a relevância do tema tratado na aviação comercial mundial e brasileira.

1.4 METODOLOGIA

Essa pesquisa caracteriza-se como uma pesquisa exploratória de natureza básica, que “objetiva gerar conhecimentos novos, úteis para o avanço da ciência sem aplicação prática prevista”. (GIL, 1999, apud SILVA; TAFNER, 2013, p.98). Entretanto, a pesquisa visa atingir tanto o pesquisador na profundidade do estudo, assim como futuros leitores da área da aviação ou de quaisquer outras áreas do conhecimento. A abordagem do problema será qualitativa uma vez que o ambiente sistemático é a fonte para a coleta de dados, tendo como a essência descrever os conceitos de operação ETOPS, evolução histórica, sua aplicabilidade na prática e seu aprofundamento através de pesquisa exploratória. O procedimento de coleta de dados se baseará na análise bibliográfica e documental utilizando-se de material já publicado, como livros, revistas, artigos acadêmicos, periódicos da área da aviação, bem como reportagens, notícias e publicações disponíveis na rede mundial de computadores.

15 1.5 ORGANIZAÇÃO DO TRABALHO

Este Trabalho foi dividido em quatro capítulos, sendo que no primeiro capítulo temos a introdução, na qual é evidenciado o que é tratado no trabalho, bem como um breve conceito inicial do ETOPS. O segundo capítulo, no referencial teórico do trabalho é exposto à trajetória histórica das operações ETOPS, sua introdução na aviação no contexto global, assim também sua evolução como mecanismo cujo foco é a segurança e a confiabilidade operacional de operações estendidas. Já no terceiro capítulo são apresentados os requisitos para certificação ETOPS, tanto das aeronaves e projetos junto às fabricantes quanto das operadoras aéreas junto aos órgãos regulatórios e/ou entidades internacionais como a ICAO em se tratando de acordos internacionais de aviação civil. Por fim, o quarto e último capítulo, são desenvolvidos a aplicabilidade das operações ETOPS na aviação civil brasileira e seus impactos as operadoras brasileiras bem como as considerações finais deste trabalho respondendo assim o problema de pesquisa. 16 2 REFERENCIAL TEÓRICO

Foi com o objetivo de neutralizar o baixo nível de confiabilidade das aeronaves empregadas na aviação comercial da década de 1950 que a FAA criou a regra dos 60 minutos em 1953 para aeronaves bimotoras e trimotoras. Na época aeronaves quadrimotoras eram majoritariamente utilizadas em rotas de longas distâncias. De acordo com Ayres (2014) ETOPS se trata então de uma certificação emitida pela autoridade aeronáutica do país, em acordo com o Anexo 6 ( Operation of Aircraft ) Operação de Aeronaves, da ICAO, para que os operadores possam operar rotas em que, pontos da trajetória da rota não estejam afastados mais de 60 minutos de voo de um aeródromo de alternativa, para bimotores. No Brasil atualmente a seção 121.162 do RBAC 121 categoriza esse tempo mínimo em 75 minutos. Para Ayres (2014). “A regra sempre se aplica a todas as áreas de operação e não se limita a operações sobre a água”. Segundo Filho e Santos (2011), inicialmente a regra dos sessenta minutos foi determinada pela FAA, nos Estados Unidos às aeronaves da aviação comercial, e posteriormente a regra tornou-se recomendação da ICAO a todos os países signatários da convenção de Chicago.

Figura 2 – Exemplo da regra dos 60 minutos da FAA de 1953.

Fonte: Aerosavvy.com/etops.

17 2.1 A EVOLUÇÃO DO ETOPS NO CONTEXTO HISTÓRICO

Em 1964, as aeronaves trimotoras foram isentos da regra dos 60 minutos da FAA, deixando as restrições apenas em aeronaves bimotoras com base na falta de confiabilidade do motor na operação (FAA, 2008, tradução nossa). O que fomentou a indústria aeronáutica em projetos de aeronaves narrow-body 3 trimotoras, como o Boeing 727, Tupolev Tu154 e na categoria dos wide-bodies o DC10, e o L1011 Tristar e posteriormente já no final da década de 1980 o McDonnell Douglas MD11. No início dos anos de 1970 os trimotores wide-bodies começaram a dominar o mercado aeronáutico de rotas internacionais. Conforme Ayres (2014, p.2), “a nova regra abriu as portas para o desenvolvimento de aeronaves trimotoras a jato, como o Lockheed L-1011 Tristar e o McDonnell Douglas DC-10, para operar rotas intercontinentais”. Segundo Swerdling (2014) “o DC10 tornou-se o primeiro tri-jato comercial de grande porte da história e, na época, teve como único concorrente na categoria o Lockheed L1011. [...], contudo o mundo começava a mergulhar numa grave crise de petróleo”. Em 1974 a Airbus introduzia no mercado o A300, sendo a primeira aeronave de fuselagem larga wide-body bimotora com capacidade inicial de 270 passageiros abrindo assim caminho para a era dos bimotores. Muito embora na década de 1970 ainda não houvesse uma regulamentação que tornasse mais flexível à regra dos 60 minutos ainda vigente, o A300 possuía menor custo operacional, se comparado aos wide-bodies tri e quadrimotores da época, vindo a ser empregado em rotas domésticas de maior demanda. Em 1982 a Boeing introduziu o 767, aeronave com especificações técnicas semelhantes ao A300 da Airbus, porém com um projeto mais recente, fazendo então concorrência direta ao modelo europeu no mercado aeronáutico mundial. Com isso a regra dos 60 minutos foi tornando-se gradualmente obsoleta com o aumento das atividades aéreas e o aumento substancial do nível de confiabilidade dos motores aeronáuticos em especial os motores tubofan com high by-pass ratio , alta taxa de derivação. Com a evolução dos motores a reação e o aumento da confiabilidade dos mesmos na operação que a FAA em conjunto com a ICAO através de estudos definiram um aumento na base operacional para voos de longo alcance. Foi então através da AC 120-42, cuja primeira versão foi emitida em 1985, que a FAA provia diretrizes para obter a certificação, conhecida como ETOPS 120 minutos. A nova regulamentação permitida que aeronaves bimotoras operassem rotas, nas quais os pontos da trajetória da rota fossem distantes no máximo de 120 minutos (2 horas) de voo de um aeródromo adequado de alternativa (AYRES, 2014).

3 Também conhecidas como single-aisle aircraft, são aeronaves de corredor único e fuselagem estreita utilizadas em voos curtos e médios. 18 Figura 3 – Exemplo de rota ETOPS 120 minutos (2 horas).

Fonte: Aerosavvy.com/etops

Tal regra era recomendada pela FAA através de AC – Advisory Circular . Segundo Saintive (2014, p.178) “Como as AC recomendam, mas não mandam o ETOPS de 120 minutos não foi tecnicamente uma regra. Em sua aplicação e efeito, contudo, ela é, de fato, uma regra”. Para Klotzel (2015) “O Boeing 767 foi à aeronave que popularizou o ETOPS no Atlântico Norte quando a FAA o aprovou para ETOPS 120 minutos em 1985”. Da era dos grandes motores radiais propelidos a hélice para a era dos motores a reação, movidos a querosene de aviação, da década de 1980 uma aeronave com apenas dois motores já era capaz de manter o nível de confiabilidade para rotas estendidas com desempenho similar a de aeronaves quadrimotoras, diferente do cenário encontrado pela FAA em 1953, na ocasião da criação da regra dos 60 minutos. Possibilitando assim uma maior economia ao operador, na utilização de aeronaves com menor número de motores, para tanto, era necessário que parâmetros fossem estabelecidos para manter um nível de segurança elevado em tais operações, já que sua redundância em motores fora reduzida pela metade dos quadrimotores aos bimotores (NAVARRO,2017). Mesmo os bimotores de fuselagem larga da década de 1980 como: A300, A310, B757 e B767, tiveram que fazer algumas modificações em seus projetos para atender as exigências do ETOPS 120. Posteriormente eles já saíam da fábrica, com tais modificações (SAINTIVE, 2014). 19 No decurso da década de 1980 os bimotores wide-bodies já estavam em serviço há alguns anos, o A300 introduzido em 1974, o A310 entrou em serviço em 1983 e os operadores já experimentavam as vantagens de utilizar seus bimotores em conformidade com as normas da ICAO em rotas nas quais, pelas antigas regras, eram obrigados a operarem aeronaves tri e quadrimotoras. E ao contrário da experiência adquirida com motores de pistão, a potência e o tamanho do motor a jato não pareciam ter qualquer impacto relevante no IFSD. As de IFSD de alguns dos grandes motores turbofan de alta taxa de derivação eram tão bons quanto os já muito utilizados motores JT8D e eram muito melhores que os motores a pistão (AIRBUS, 1998, tradução nossa). A experiência muito boa adquirida com ETOPS de 120 minutos levou as autoridades e o setor a considerar a possibilidade de operações ETOPS 180 minutos. O potencial para ETOPS de 180 minutos era muito importante para os operadores porque significava que quase qualquer rota no mundo poderia ser atendida por bimotores. Além das principais melhorias de design incorporadas nas aeronaves, melhorias na confiabilidade dos motores, tornaram possíveis operações ETOPS de 180 minutos. (AIRBUS, 1998, p.13, tradução nossa).

Foi, portanto em 30 de dezembro de 1988 que a FAA emitiu a AC 120-42 "A", que forneceu critérios para operações ETOPS de 75 minutos, 120 minutos e 180 minutos. Em 18 de janeiro de 1989, a FAA aprovou a primeira operação ETOPS de 180 minutos. (AIRBUS, 1998, tradução nossa).

Figura 4 – Exemplo de rota ETOPS 180 minutos (3 horas)

Fonte: Aerosavvy.com/etops.

De acordo com Klotzel (2015) “Na Airbus, a experiência bimotora começou em 1974 com o A300, precedendo a regulamentação ETOPS oficial em mais de uma década. Hoje todos os widebodies da Airbus são certificados para 180 minutos”.

20 Conforme Klotzel (2015). O Boeing 767 “também ganhou notoriedade em março de 1989 quando se tornou o primeiro jato comercial aprovado para ETOPS 180’ o que lhe permitiu um número maior de voos transoceânicos, mais rápidos e econômicos dos principais portões de saída dos EUA”. A experiência adquirida com o projeto do B767 serviu de base para o desenvolvimento do B777, além da experiência ETOPS adquirida também pelos operadores em seus milhares de horas de voo acumuladas em operações estendidas. Segundo Clark (2007, p.164, tradução nossa) “Considera-se que uma aeronave entrou na área de operações ETOPS depois que a mesma cruza o ponto de entrada EEP, onde fica mais de uma hora de voo de um aeródromo alternativo à velocidade de monomotor”.

Figura 5 – Exemplo de EEP; EXP; ETP em voos ETOPS.

Fonte: IVAO HQ training department: Extended-range twin-engine operation – ETOPS.

Conforme a IVAO (2014, tradução nossa), o EEP - ETOPS Entry Point é o ponto da rota de voo em que começa o segmento ETOPS exatamente à uma hora de voo, com velocidade monomotora e vento calmo, de um aeródromo de alternativa. Assim como o EXT - ETOPS Exit Point é o ponto da rota quando o segmento ETOPS termina. Há também o ETP - ETOPS Equal Time Point , ou ponto de tempo igual entre dois aeródromos de alternativa adequados. 21 Gráfico 1 – Comparativo entre Bimotores e Tri/Quadrimotores nas rotas dos EUA e Canadá para a Europa, da mesma forma que outras rotas internacionais.

Fonte: Adaptado de: SAINTIVE, Newton Soler: Performance de Aviões a Jato: Peso e Balanceamento. Editora ASA, São Paulo (2014, p. 183).

Conforme o gráfico (um) é possível notar que após o início da década de 1990, o emprego de aeronaves tri e quadrimotoras cujos projetos vinham das décadas de 1950 e 1960 foram diminuindo de forma substancial, vindo a serem substituídas pelos novos bimotores de fuselagem larga, em especial as aeronaves certificadas para ETOPS 120/180minutos.

2.1.1 A Certificação ETOPS Além de 180 Minutos

De acordo com Clark (2007, p.163, tradução nossa) Em 2001 “a FAA permitiu uma extensão de 15% ao limite de desvio de 180 minutos para permitir que o voe no Pacífico Norte rotas no caso de aeródromos de alternativa não estarem disponíveis, criando-se assim a regra ETOPS 207 minutos”. Vários órgãos regulatórios pelo mundo vêm promovendo a extensão do ETOPS além do limite atual de 207 minutos para 240 ou mesmo 330 minutos. Sendo assim possível além de operações do Polo Norte, também na Antártica e o Pacífico sul. Entretanto, a JAA (agora EASA) não concordou com as propostas apresentadas pela FAA em alguns pontos. Por conseguinte, a EASA desenvolveu suas próprias regras para voos além do tempo de desvio de 180 minutos. (CLARK, 2007, tradução nossa). Em 2014 o novíssimo XWB, aeronave wide-body, de longo alcance, concorrente direto do , obteve junto a EASA a certificação ETOPS 370 minutos, o que corresponde a seis horas e dez minutos de desvio com apenas um motor e equivale a 2.500 milhas náuticas (4.630 km) de distância (DEFESANET, 2014).

22 Em 2016 a FAA aprovou ETOPS 300, para o novo Airbus A350-900XWB, oque representa um desvio de 2.000 milhas náuticas (3704 km), facilitando rotas transoceânicas, em especial aquelas sobre o Oceano Pacífico, como voos entre o Sudeste Asiático e os EUA, e entre a Austrália e a Nova Zelândia e os EUA. A Airbus ainda prevê a obtenção do ETOPS 370 minutos pela FAA, mas para tanto ainda é necessário mais, experiência com a aeronave junto às operadoras, conforme as normas americanas de aviação civil proveniente da FAA, oque demandará mais tempo (AEROFLAP, 2016). Em janeiro de 2019 a EASA aprovou o ETOPS 285 minutos para o - 900 NEO 4, com isso a aeronave poderá operar rotas transoceânicas sem escalas incrementando o seu alcance em aproximadamente 2.000 NM (3.700 km). A Airbus agora aguarda a respectiva certificação da FAA que deve acontecer em breve. O A330-900 NEO, é motorizado com o novíssimo Rolls-Royce Trend 700, 25% mais econômico que versões anteriores (MEIER, 2019).

2.1.2 Certificação ETOPS Para Aeronaves Single-Aisle

Embora a maior parte dos voos ETOPS seja realizada por aeronaves wide-body em rotas internacionais, é muito importante para o fabricante, na indústria aeronáutica que sua família de aeronaves narrow-body também possua certificação ETOPS, considerando o crescente número de operadoras low cost 5 no mercado aeronáutico global, que tem como foco o potencial nas rotas internacionais de média demanda. Na família do Boeing 737 a certificação ETOPS não é nova, sendo que o 737-200 foi aprovado para ETOPS 120 minutos em 1985, pela FAA, já a série 737 classic , 737- 300/400/500, recebeu ETOPS 120 minutos em 1990, e a série Next-Generation , 737- 600/700/800NG em 1998, menos de um ano após entrar em serviço. A série 737 NG é derivada da série 737 classic (BOEING, 1999, tradução nossa). Em 1999 a FAA estendeu a certificação ETOPS 120 minutos do Boeing 737 NG para ETOPS 180 minutos, com base na taxa de confiabilidade do motor CFM 56, apresentando altas taxas de confiabilidade em apenas vinte meses de operação. Assim como os novos motores, o 737 NG apresentou nova APU e novos e confiáveis sistemas elétricos oque possibilitam ao Boeing 737-600/700/800 e 900 NG, além de jatos executivos da série NG a aprovação ETOPS 180 minutos (BOEING, 1999, tradução nossa).

4 NEO nomenclatura utilizada pela Airbus que significa ( New Engine Option ) Nova Opção de Motor, para distinguir novas versões de aeronaves da família Airbus em contraste com as antigas opções de motores. 5 Low Cost é o temo para designar uma companhia aérea de baixo custo de operacional, cujo foco esta na maior eficiência dos recursos empregados e na gestão estratégica. 23

Em 2004 a fabricante Airbus recebeu da EASA a aprovação para ETOPS 180 minutos em sua família de aeronaves A320 de corredor único, composta pelo: A319, o A320 e o A321, além de introduzir métodos para o processo acelerado de aprovação ETOPS conhecido como accelerated ETOPS approval , na qual beneficiará também o mais novo membro da família A320, o A318. Segundo dados da própria Airbus, ela foi a primeira fabricante, a possuir aeronaves fly-by-wire com certificação ETOPS, assim como a primeira a atender requisitos ETOPS em toda a sua linha de produção. Essa aprovação se traduz na experiência adquirida em operação pela família A320, com os motores CFM, P&W e IAE, que tem acumulado de 1988 a 2004 mais de 31 milhões de horas de voo mundo afora e mais de dez anos em operação ETOPS 120 minutos (AIRBUS, 2004, tradução nossa). Já em 2006 a família A320, incluindo versões de jatos corporativos, recebeu aprovação ETOPS 180 minutos pela FAA. A aprovação foi obtida na FAA em acordo com as normas americanas depois da obtenção da mesma aprovação ETOPS 180’ junto a EASA em março de 2004 (AIRBUS, 2006, tradução nossa). Em 2018, foi a vez do novo , anteriormente Bombardier CSeries, com motorização Pure Power da Pratt & Whitney PW1500G, que recebeu da FAA aprovação para ETOPS 180 minutos. A aprovação indica a confiabilidade do projeto e foi obtida dois anos após a aeronave receber a autorização para realizar voos comerciais (AEROFLAP, 2018).

2.2 A EVOLUÇÃO QUANTITATIVA DOS VOOS ETOPS NO CONTEXTO GLOBAL

A quantidade de voos ETOPS cresceu de forma exponencial desde que o ETOPS 120 minutos foi criado pela FAA em 1985, acompanhando o crescimento da aviação civil em todo o mundo. Com base em documentos da ICAO é possível perceber essa evolução de forma quantitativa, elucidada através das últimas três décadas, conforme expresso nas figuras abaixo: 24 Figura 6 – Rotas e operadores ETOPS em 1988.

Fonte: ICAO, EDTO Workshop Module N° 2 – Basic Concepts.

Com base na figura 8, é possível perceber que em 1988, havia aproximadamente 2.000 voos ETOPS por mês, com apenas 28 operadores ETOPS. É importante lembrar que nesta época fazia apenas três anos do primeiro voo ETOPS 120 minutos com o B767-200 operado pela TWA, e somente a partir de 1989 que houve uma extensão do tempo limite ETOPS 120 para 180 minutos.

Figura 7 – Rotas e operadores ETOPS no ano 2000.

Fonte: ICAO, EDTO Workshop Module N° 2 – Basic Concepts. 25 Conforme a figura 9, é fácil notar que no ano 2000, havia por volta de 29.000 voos ETOPS por mês, e aproximadamente 130 operadores ETOPS.

Figura 8 – Rotas e operadores ETOPS em 2014.

Fonte: ICAO, EDTO Workshop Module N° 2 – Basic Concepts.

Portanto é possível perceber que em 2014 a quantidade de voos ETOPS realizados mensalmente era de 58.000 voos, algo por volta de 30 vezes mais se comparado à quantidade de voos ETOPS mensais em 1988, e quase o dobro de voos ETOPS/mês, que eram realizados no ano 2000, com o acumulado de voos ETOPS saltando de quase 2 milhões em 2000 para mais de 8 milhões em 2014, isso em menos de 15 anos. De lá para cá o emprego de aeronaves bimotoras, wide-body , principalmente em rotas internacionais vem se tornando quase que um padrão, oque tem levado os tri e quadrimotores a se tornarem equipamentos demasiadamente onerosos considerando que fazem praticamente o mesmo de bimotores de fuselagem larga, com custos mais elevados. O número de operadores ETOPS também cresceu de maneira exponencial, de fato, mais que dobrou de 2000 até 2014, o que reflete a importância da certificação ETOPS para as empresas aéreas que operam bimotores rotas internacionais e intercontinentais. Após 2015 também os tri e quadrimotores que incluem: Boeing 747, e A380, Ilyushin Il-96, terão regulamentação ETOPS específica, o que visa trazer os altos níveis de segurança operacional do ETOPS de bimotores, ser aplicada também aos quadrimotores. 26 2.2.1 Recorde Mundial de Voo Monomotor em Seção ETOPS

O recorde mundial de voo monomotor na porção ETOPS do voo, aconteceu em março de 2003 quando um voo de Auckland (Nova Zelândia) para Los Angeles (EUA) apresentou um superaquecimento ( overheating ) do óleo do motor número dois, no meio do oceano pacífico, a tripulação seguiu os procedimentos previstos e desligou o motor número dois. O Boeing 777 estava a uma distância de três horas de voo do aeroporto alternativo mais próximo que na ocasião era Kona no Hawaii. O comandante então desviou o voo (noturno) para o Hawaii a três horas de voo de distância, porém a tripulação ainda pegou fortes ventos de proa (ventos contrários a direção do desvio) oque fez o desvio durar 192 minutos com apenas um motor em operação. A aeronave pousou com total segurança no Hawaii sendo este o recorde de tempo de voo monomotor em operação ETOPS (SOUSA, 2010).

Figura 9 – Recorde de tempo de voo monomotor em operação ETOPS;

Fonte: avioesemusicas.com, 2010.

Ainda segundo Sousa (2010) “por incrível que pareça os maiores motivos de alternar um voo ETOPS são por passageiros passando mal”. 27 2.3 REQUISITOS DE CERTIFICAÇÃO ETOPS

Durante o processo de certificação ETOPS, as autoridades aeronáuticas exigem da aeronave e do seu fabricante além da confiabilidade do grupo motopropulsor, outra série de requisitos, dentre os quais: sistemas de segurança, equipamentos de comunicação e navegação seguros e aprovados, redundância de sistemas e componentes, além da exigência em relação aos operadores aéreos que devem atender algumas condições de operação, manutenção e segurança. Os requisitos mínimos para a operação ETOPS variam conforme o tipo de operação solicitada a autoridade aeronáutica local, e qual o acordo desta entidade local com a ICAO. Esses requisitos englobam a configuração dos sistemas da aeronave, sendo que algumas aeronaves devem sofrer modificações para viabilizar a operação, já outras, como o B777 e o A330, foram projetados com o objetivo da operação ETOPS. Outros requisitos como, procedimentos de manutenção, programas de reporte de confiabilidade, inspeções especiais, despacho, monitoramento da saúde dos sistemas, treinamento da tripulação e mecânicos e demais pessoas envolvidas na operação, devem ser demonstrados para a autoridade local (AYRES, 2014). Segundo Clark (2007, p.163, tradução nossa) “a circular consultiva da FAA original, ecoada por vários outros regulamentos importantes sobre ETOPS emitidos pelos britânicos, franceses, canadenses, autoridades australianas e, por último, o JAA, que contém as rigorosas normas e procedimentos necessários para o ETOPS” . Conforme exposto no New Etops Regulations da FAA (2007, tradução nossa) os requisitos ETOPS são praticamente os mesmo para todas as aeronaves, independentemente da operação, seja no transporte de passageiros ou carga, contanto que a operação esteja adequada às partes 121 ou 135 do regulamento respectivamente. No caso dos voos que não produzem receita eles são enquadrados na parte 91 do regulamento, portanto não então sujeitos às regras ETOPS. De acordo com Filho e Santos (2011) o processo de homologação de uma aeronave para operações ETOPS é dividido em duas etapas: em primeiro lugar, a combinação de estrutura (célula) e motores (grupo motopropulsor) deve obedecer aos requisitos básicos do ETOPS durante a certificação da aeronave, é o chamado “ ETOPS Type Approval ”. Junto aos procedimentos previstos nesse processo, estão ensaios de voos em que é efetuado o desligamento de um dos motores em voo com prosseguimento até o aeroporto de alternativa previsto. Segundo Klotzel (2015) A aprovação ocorre em duas etapas. Primeiro, a combinação motor-célula precisa satisfazer às exigências ETOPS durante a certificação de tipo. O que pode incluir o corte do motor, voando com o outro operante durante o tempo total de um voo até a alternativa. Muitas vezes esse teste é realizado no meio do oceano. Se uma aeronave está sendo testada na faixa ETOPS- 180, por exemplo, ela vai voar três horas com um só motor. Em segundo lugar, o operador deve conduzir o voo teste obedecendo à regulamentação ETOPS de seu país. É onde entra a bagagem de experiência de voo, de engenharia, de treinamento da companhia aérea em questão.

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Numa outra fase, a certificação da operadora, a companhia aérea deve atender os regulamentos aeronáuticos internos de seu próprio país, junto à reguladora em relação a sua capacidade de conduzir voos ETOPS. Essa etapa recebe o nome de “ ETOPS Operacional Approval ”. Significa dizer então que não basta o simples fato de uma aeronave ter condições de operar ETOPS, mas também que a operadora deve demonstrar ter condições para tal. (FILHO, SANTOS, 2011). Conforme Mesquita (2011). A aprovação para voos ETOPS é concedida em incrementos cautelosos, para permitir que as companhias aéreas as construam em serviço, experiência e especialização em operação em rotas estendidas com uma combinação motor-estrutura em particular [...] é normalmente concedida à aprovação ETOPS em incrementos de 75, 120 e 180 minutos. Por exemplo, uma companhia aérea, buscando a aprovação ETOPS 120 primeiro deve provar que é capaz de operar com sucesso em ETOPS 75 por um ano, antes de ser concedida ETOPS 120.

Ainda segundo Mesquita (2011) os parâmetros mais relevantes considerados durante a certificação ETOPS é o IFSD, que representa a razão do número de paradas do motor por cada 1.000 horas de funcionamento e dos demais motores em serviço. Exemplificando, uma parada programada de voo em uma aeronave da frota com registro de 50.000 horas voadas seria representado por um IFSD de 0,02 falhas por 1.000 horas de operação .

Para a obtenção do ETOPS 180 minutos, uma operadora aérea terá de operar a sua frota, por pelo menos, doze meses nas operações de longo alcance, e demonstrar um IFSD máximo de 0,02 por 1.000 horas de operação. Já um aumento na taxa do IFSD é motivo para reavaliação, por parte do órgão regulador, da capacidade da operadora em conduzir com segurança às operações ETOPS. (MESQUITA, 2011).

Tabela 1 - Razão de panes em operações ETOPS

Fonte: FAA, 2014.

A tabela (um) mostra que os níveis permitidos variando entre 0,05 falhas de motores por 1.000 horas voadas e 0,02 falhas por cada 1.000 horas de voo, e suas autorizações ETOPS correspondentes, considerando as regras da FAA.

29 Para a Airbus (1998, tradução nossa) a confiabilidade do sistema de propulsão é o aspecto mais vital do ETOPS que deve ser suficiente para garantir que a probabilidade de uma falha dupla no grupo motopropulsor por causas independentes seja inferior aos limites definidos de uma taxa máxima de IFSD de 0,02/1.000 horas do motor para ETOPS de 180 minutos. Para a FAA (2014, tradução nossa) o propósito do monitoramento constante das taxas de IFSD é propiciar as autoridades reguladoras e aos operadores uma forma de mensurar a saúde de uma frota de aeronaves aprovada para operações ETOPS. As causas de IFSDs ou outros problemas no grupo motopropulsor ou sistemas relacionados à operação podem estar associados a problemas de projeto e design assim como procedimentos operacionais envolvendo as tripulações e processos de manutenção aplicados em solo. A redundância de fontes de energia elétrica confiáveis também é importante para obtenção da certificação ETOPS, para a Airbus (1998, tradução nossa) pelo menos três fontes independentes devem estar disponíveis para garantir que as funções importantes de controle de voo da aeronave, instrumentos de voo básicos fornecendo informações de altitude, velocidade, atitude da aeronave em relação ao horizonte, rumo magnético, instrumentos de navegação, além de comunicação com o controle de tráfego aéreo. Toda aeronave bimotora da Airbus que possui certificação ETOPS está equipada com quatro geradores independentes. A intenção do projeto é obter flexibilidade de despacho na condução de voos ETOPS. Atualmente a experiência do ETOPS continua a ser acumulada, oque leva os critérios de segurança ser tão associados aos sistemas da aeronave quanto aos próprios motores. As aeronaves ETOPS devem ter um nível de redundância de sistemas equivalente ao de aeronaves quadrimotoras. As aeronaves ETOPS de segunda geração, como o Boeing 777 e o Airbus A330, foram projetadas e são construídas visando o ETOPS em suas operações, sem que sejam necessárias modificações específicas para o ETOPS, embora um Certificado de Tipo ETOPS esteja sempre sujeito a uma revisão contínua de confiabilidade por parte do órgão regulador (CLARK, 2007, tradução nossa). Também como medida de prevenção e segurança é necessário um sistema de comunicação de voz via satélite conhecido como SATCOM conforme afirma a Boeing (2007, p.02, tradução nossa). Os regulamentos [...] exigem a adoção de um sistema de comunicação por voz via satélite (SATCOM) para ETOPS com desvio igual ou maior de 180 minutos. Enquanto outros sistemas de comunicação como, por exemplo, VHF, HF ou data link HF possuem limitações que podem comprometer a confiabilidade das comunicações durante operações estendidas, o SATCOM permite uma conversa clara e imediata que pode transmitir rapidamente a situação e as necessidades de um voo. Esse requisito para comunicações de voz via satélite garantirá que as tripulações de voo ETOPS possam comunicar situações de emergência com o controle de tráfego aéreo ou sua companhia durante a etapa ETOPS.

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A nova regulamentação da FAA, 14 CFR 121.631 faz algumas alterações nos requisitos para o despacho do voo ETOPS, e definem que as informações das condições meteorológicas nos aeródromos de alternativa sejam atualizadas no início da fase ETOPS e monitoradas periodicamente ao longo da fase para verificar a disponibilidade do aeródromo em caso de desvio. (AERO MAGAZINE, 2007, tradução nossa). Segundo Clark (2007, tradução nossa) em seu livro Buying the big jets ele afirma que para o despacho de voos ETOPS, algumas questões devem ser atendidas como é o caso da MEL, que em operações ETOPS é baseada no MMEL, aprovado pela autoridade aeronáutica local e contém certos itens adicionais de acordo com o tempo de desvio máximo aprovado. Esses itens são variados e dependem da disponibilidade de sistemas críticos, considerando a carga de trabalho da tripulação, por exemplo, a APU6 deve sempre estar operante no momento do despacho do voo ETOPS. Em outras palavras a MEL, utilizada para despachar um voo ETOPS é mais rigorosa e restritiva se comparado a MEL, utilizada em voo não ETOPS. Conforme a Aero Magazine (2007, p.7, tradução nossa) “No final dos anos de 1990, a comunidade global de aviação reconheceu que as proteções operacionais e aprimoramentos de confiabilidade do ETOPS, que eram aplicados apenas aos bimotores, também poderiam aumentar ainda mais a segurança e a confiabilidade de tri e quadrimotores [...]”. Desde 1985, com advento do ETOPS 120 os bi jatos sob a regra ETOPS são obrigados a portar um sistema supressor de incêndio no compartimento de carga suficiente para proteger o voo continuamente durante um desvio de duração máxima do ETOPS. Por outro lado, embora todos os aviões tenham sistemas de combate a incêndio no compartimento de carga, as aeronaves tri e quadrimotoras estavam isentos atender a esse requisito. Para garantir ainda mais a segurança, a nova regulamentação da FAA, 14 CFR 121.633 exige que após fevereiro de 2013, cada aeronave operando ETOPS, com mais de dois motores devem possuir também capacidade de supressão de incêndio no compartimento de carga por um período equivalente ao tempo máximo de desvio ETOPS, mais 15 minutos adicionais. Esse período de carência de seis anos serve para atenuar os custos do operador, permitindo que as atualizações do sistema, para as aeronaves que ainda não estão em conformidade com a norma, sejam realizadas durante os ciclos de grandes manutenções da aeronave. Também possibilita tempo para os fabricantes desenvolverem e certificarem essa capacidade em suas aeronaves (AERO MAGAZINE, 2007, tradução nossa).

6 É um pequeno motor a reação que auxilia na produção de força elétrica e pneumática, geralmente utilizado em solo e fica localizado na cauda de aeronaves de médio e grande porte. Não produz empuxo útil ao voo e é uma das principais fontes utilizada para a partida dos motores a reação.

31 Como a supressão de incêndio nos porões de carga é o sistema mais importante no tempo ETOPS, é um dos principais sistemas que contribuem para a segurança durante a fase ETOPS. A regulamentação também exige que o planejamento da rota feito pela operadora leve em consideração todos os outros sistemas ETOPS limitados pelo tempo, calculando o tempo de desvio na velocidade de cruzeiro com um motor inoperante, considerando o vento e a temperatura prevista. Conforme a Boeing (2015, tradução nossa) embora o ETOPS seja uma regra para aviões bimotores desde 1985, os regulamentos foram recentemente aplicados ao projeto de aviões de passageiros com mais de dois motores. Com isso é necessária aprovação ETOPS, para aviões de passageiros quadrimotores construídos após fevereiro de 2013 para voar pontos a mais de 180 minutos a partir de um aeroporto alternativo em rota, O Boeing 747-8 é aprovado para realizar missões ETOPS de 330 minutos. Isso vem permitindo que os operadores voem longas distâncias em praticamente qualquer ponto da terra.

Para Clark (2007, p.167, tradução nossa) “A indústria se beneficia de um regulamento que aborde todas as aeronaves, não apenas os bimotores, e que abranja variações das condições operacionais em diferentes partes do globo”. O termo ETOPS que inicialmente significava (Extended Range Operations with Two engines Airplanes ) Operações Estendidas com Aeronaves Bimotoras e após 2007 passou a ser conhecido como (Extended Operations ), Operações Estendidas, uma vez que o conceito passou a incorporar tri e quadrimotores (SAINTIVE, 2014). A diferença entre operar uma aeronave bimotora e uma aeronave com mais de dois motores em voos ETOPS se da, no caso de falha de um dos motores numa aeronave bimotora o comandante deve desviar o voo para o aeródromo alternativo mais próximo, em se tratando de área ETOPS, e no caso de uma aeronave com mais de dois motores o comandante tem a opção de continuar o voo até o destino, mediante os critérios de segurança, uma vez que executar o desvio até um aeródromo de alternativa pode ocasionar implicações econômicas para a operadora considerando, voos extras, diárias, realocações, alimentação, dependendo da localização do alternado além de desafios logísticos. Um desvio ETOPS pode acarretar em elevados custos para a companhia, às vezes algo acima de US$ 1 milhão, conforme afirma Clark (2007, tradução nossa). Os operadores também podem determinar suas próprias velocidades de desvio, considerando suas necessidades, limitações operacionais em relação à aeronave e consumo de combustível, além de nível de voo. Lembrando que velocidades maiores de desvio resultam em diâmetros maiores de área ETOPS, entretanto o consumo de combustível também é maior, oque deve ser levado em consideração pela operadora. (CLARK, 2007, tradução nossa).

32 Ainda segundo Clark (2007, tradução nossa) a empresa aérea em conjunto com a aeronave type deve demonstrar ao órgão regulador, uma confiabilidade que é medida principalmente em IFSD, sendo assim, um flameout 7 devido à falta de combustível não é considerada um evento que comprometa a confiabilidade dos motores, uma vez que, neste caso o número de motores seria irrelevante para o desfecho do caso.

Atendidas as condições de manutenção, treinamento de pessoal, equipamento especial ETOPS a bordo, tipo de aeronave, entre outras especificações, existem basicamente seis certificações nas quais indicam o limite máximo ETOPS que uma aeronave bimotora comercial turbofan ou turboprop 4ode ser certificada sendo: ETOPS 75 minutos, ETOPS 90 minutos, ETOPS 120/138 minutos, ETOPS 180/207 minutos, ETOPS 240 minutos e ETOPS 330 minutos. (KLOTZEL, 2015).

2.3.1 Requisitos de Combustível no Voo ETOPS

O planejamento de combustível se faz importante em uma operação ETOPS, que deve levar em conta o cenário de uma falha de algum componente do motor vindo a se desprender e atravessar a carcaça do motor incluindo a fuselagem ocasionando uma descompressão gradual ou súbita, neste caso a aeronave devera efetuar uma descida de emergência para um nível de voo inferior, geralmente FL100. Mesmo com um motor em funcionamento e o outro motor inoperante, no FL100 a queima de combustível é maior que com ambos os motores em funcionamento ao nível de cruzeiro elevado. O regulamento 14 CFR 121.631 da FAA assume que as aeronaves que operam ETOPS devem possuir uma reserva de combustível suficiente para o aeródromo de alternativa considerando uma despressurização da cabine com descida de emergência para altitudes inferiores, associada à pane em um dos motores em qualquer ponto na fase ETOPS (AERO MAGAZINE, 2007, tradução nossa). A regulamentação base ressalta que o padrão de combustível não deve ser apenas para atender o “cenário crítico” mencionado acima, mas leva em conta margens que incluem 5% de contingência, mais 5% para prevenções meteorológicas (para tempos maiores que 138 minutos), 5% para a APU em caso de uso como fonte elétrica, 5% para sistemas anti-gelo ou desvios da MEL oque pode totalizar 20% de acréscimo no cálculo de combustível requerido para o voo ETOPS (CLARK, 2007, tradução nossa).

7 Flameout na linguagem aeronáutica significa uma parada repentina do motor em voo (motor a reação). 8 Turboprop, aeronave turbo-hélice.

33 Figura 10 – Combustível Crítico ETOPS

Fonte: Adaptado de Buying the Big Jets, 2007.

Conforme a indústria aeronáutica acumulava experiência com as operações ETOPS, métodos alternativos de aprovação e certificação, baseados nos projetos foram desenvolvidos visando à diminuição do tempo de certificação ETOPS. O processo é denominado Early ETOPS, ou Accelerated ETOPS approval, que permite que uma aeronave seja homologada para o ETOPS 180 minutos antes mesmo de entrar em operação. Foi oque ocorreu com o Boeing 777, que foi homologado antes do primeiro voo, com base exclusivamente no projeto e na indústria. Tal procedimento deve ocorrer com o 787 Dreamliner e Boeing 747-8 (SAINTIVE, 2014).

2.3.2 Requisitos de Manutenção ETOPS

De acordo com Kinnison (1999, tradução nossa) os procedimentos de manutenção ETOPS, são de responsabilidade das operadoras e servem para garantir a segurança dos voos conduzindo operações estendidas, para mitigar a possibilidade de desvio com um motor inoperante. A manutenção ETOPS é baseada na manutenção preventiva e programada regularmente na capacidade de prever ou antecipar problemas de manutenção, analisando taxas de falhas e outros dados de confiabilidade. Sendo a filosofia do ETOPS uma abordagem em tempo real da manutenção e inclui monitoramento contínuo das condições para identificar problemas antes que eles possam afetar a segurança das operações. Para tanto, três fatores devem ser atendidos sendo eles: 1. Monitoramento da saúde do motor e consumo de óleo; 2. Práticas de manutenção básica e de sistemas; 3. Programa de confiabilidade orientado a eventos. 34

1. Monitoramento da saúde do motor e consumo de óleo:

A taxa de consumo de óleo, e a quantidade de óleo utilizada por hora de operação na perna de voo anterior, devem ser calculadas para ambos os motores e a APU antes do despacho do voo ETOPS. O número resultante fornece uma indicação mais precisa do consumo de óleo além da quantidade de óleo adicionado. Se a taxa for aceitável, o voo pode ser despachado, caso contrário, a causa do aumento do consumo de óleo deve ser investigada antes de despachar um voo ETOPS. O monitoramento das condições do motor ECM Engine condition monitoring , através dos softwares específicos de ECM que permitem o monitoramento de parâmetros como N1, N2, EGT, pressões e temperaturas de combustível e óleo além de vibrações. Os operadores ETOPS devem monitorar tendências não previstas no desempenho do motor e executar manutenção preventiva e preditiva afim evitar panes (KINNISON, 1999, tradução nossa).

2. Práticas básicas e de manutenção de sistemas múltiplos descritos em AC 120-42A:

O programa de resolução de discrepâncias exige que os itens reparados ou substituídos sejam reverificados quanto à instalação e operação adequada antes que o trabalho seja assinado no registro de manutenção. Esse procedimento visa evitar que nenhum novo problema seja introduzido durante a manutenção. As práticas de manutenção foram projetadas para eliminar a possibilidade de introduzir problemas em dois sistemas de instalação dupla, por exemplo, motores e sistemas de combustível, que poderiam resultar em falha de ambos os sistemas. A filosofia ETOPS orienta a evitar a manutenção de múltiplos sistemas similares afirmando que dois sistemas semelhantes não devem ser reparados durante a mesma visita de manutenção. Entretanto, existem métodos para evitar os problemas que podem acontecer quando trabalhando em dois sistemas similares simultaneamente. Por exemplo, profissionais diferentes podem executar trabalho necessário em sistemas similares ou podem pedir a um terceiro para revisar o trabalho realizado em cada sistema. Se os sistemas forem verificados após a manutenção, de acordo com o programa de resolução de discrepâncias, quaisquer problemas introduzidos durante a manutenção devem ser identificados e corrigidos antes que a aeronave seja considerada apta para voo ETOPS (KINNISON, 1999, tradução nossa). 35

3. Programa de confiabilidade orientada por evento:

Um programa de confiabilidade orientado por evento associado ao ETOPS difere dos programas de confiabilidade convencionais, que dependem de dados históricos ou níveis de alerta para determinar quando um item deve ser investigado para uma possível ação corretiva. Em um programa de confiabilidade orientado a eventos, cada evento em um sistema significativo para ETOPS é investigado a fim de determinar se um problema pode ser reduzido ou eliminado alterando o programa de manutenção. Os exemplos de eventos incluem pane, detecção de anomalia em sistemas ou reportes da tripulação. O monitoramento contínuo das áreas mais problemáticas reflete a filosofia de manutenção ETOPS (KINNISON, 1999, tradução nossa). Fotografia 1 – Equipe de engenheiros trabalhando na inspeção de um motor aeronáutico.

Fonte: gettyimages, 2019. 36 2.4 A CERTIFICAÇÃO ETOPS, NO BRASIL

No Brasil compete a ANAC a normatização dos regulamentos ETOPS em jurisdição no território brasileiro, que anteriormente era regulamentado pelo DAC através da IAC 3501- 121. Atualmente o documento normativo que trata de operações ETOPS é o RBAC 121, Emenda 07, de 6 de agosto de 2019, Resolução nº 526. A ANAC através do RBAC 121.162 (2019) considera operações ETOPS para aeronaves bimotoras a reação que operem em pontos que distam mais de 75 minutos de voo de um aeródromo adequado de alternativa, considerando velocidade de cruzeiro com um dos motores inoperantes em atmosfera padrão ISA e ar calmo. E para aeronaves tri e quadrimotoras a reação, uma área distante a mais de 180 minutos de um aeródromo adequado de alternativa sob as mesmas condições de voo, seguindo, portanto, a regulamentação adotada por muitos países. Em caso de operações em países estrangeiros a ANAC através do RBAC 121.11 (2019) considera que: Cada detentor de certificado deve, enquanto operando um avião em país estrangeiro, manter conformidade com as regras de tráfego aéreo do país envolvido e com as regras locais dos aeródromos, exceto quando uma regra deste regulamento for mais restritiva e puder ser seguida sem violar as regras daquele país.

2.4.1 Requisitos Operacionais de Certificação ETOPS

2.4.1.1 Requisitos de comunicação

Conforme a seção, Facilidades de Comunicações do RBAC 121 cada detentor de certificado ETOPS que opere voos regulares e/ou ETOPS além de 180 minutos deve possuir um sistema de comunicação adicional. Este sistema deve prover comunicação por voz via satélite com a mesma confiabilidade de um sistema telefônico terrestre, que deve ser capaz de prover comunicações entre a tripulação e o controle de tráfego aéreo e entre a tripulação e o operador em solo. Caso o sistema de comunicação por satélite não estiver disponível ou for de baixa qualidade outro sistema de comunicações deve estar disponível (RBAC 121.99, 2019).

37 2.4.1.2 Programa de manutenção de aeronavegabilidade continuada (PMAC)

O regulamento (RBAC 121.374, 2019) prevê que, para conduzir voos ETOPS utilizando aeronaves bimotoras, o operador ETOPS deve desenvolver e cumprir com um PMAC. Que deve ser desenvolvido pelo detentor do certificado ETOPS complementando o programa de manutenção do fabricante e deve ser aprovado pela ANAC. O PMAC ETOPS deve incluir os seguintes elementos:

1. Antes que um voo ETOPS seja despachado, uma pessoa devidamente treinada da manutenção que seja qualificada ETOPS ficara responsável pela verificação de serviço pré-voo imediatamente antes de cada despacho ETOPS, verificando das condições de todos os Sistemas Significativos ETOPS; que incluem a checagem do estado geral da aeronave, revisão os registros de manutenção além de uma inspeção interna e externa incluindo a verificação dos níveis e das taxas de consumo de óleo dos motores e da APU. 2. O operador não pode executar manutenção programada ou não programada em Sistemas Significativos ETOPS iguais, ou similares, listados no documento de manutenção ETOPS, cuja manutenção incorreta possa vir a resultar em falha. Caso a manutenção não puder ser evitada, o detentor de certificado pode realizar a manutenção desde que: a manutenção de cada Sistema Significativo ETOPS seja executada por pessoas diferentes; ou a manutenção de cada Sistema Significativo ETOPS seja executada pela mesma pessoa sob a supervisão direta de uma segunda pessoa também qualificada. Ainda conforme o RBAC 121.374 (2019) o PMAC destina-se em comunicar a ANAC os eventos listados abaixo, num prazo máximo de 96 horas da ocorrência:

1. IFSD, exceto se executados em voos de treinamento; 2. Pouso alternado ou retornos devido a falhas, mau funcionamentos ou defeitos associados com qualquer sistema do avião, ou dos motores; 3. Mudanças ou alterações de potência, ou empuxo não comandadas; 4. Incapacidade de controlar o motor ou obter potência, ou empuxo desejado; 5. Perda inadvertida de combustível ou indisponibilidade, ou desbalanceamento incorrigível de combustível em voo; 6. Falhas, mau funcionamento ou defeitos associados com os Sistemas Significativos ETOPS; 7. Ou qualquer evento que comprometa a segurança de voo e aterrissagem do avião em um voo ETOPS. O operador deve investigar a causa de cada evento listado acima e submeter seus registros e a descrição da ação corretiva adotada à ANAC.

38 2.4.1.3 Monitoramento do sistema de propulsão.

Segundo o mesmo regulamento, se a taxa de IFSD em 12 meses, para um motor instalado como parte de uma combinação, avião/motor exceda os valores a seguir, o detentor de certificado deve fazer uma análise detalhada das suas operações para identificar qualquer efeito de causas comuns e erros sistemáticos. A taxa de IFSD deve ser computada usando todos os motores desse tipo em toda frota de aviões aprovados para ETOPS do detentor de certificado. 1. A taxa de 0,05 por cada 1.000 horas de funcionamento dos motores em operações ETOPS até 120 minutos, inclusive; 2. A taxa de 0,03 por cada 1000 horas de funcionamento de motores em operações ETOPS além de 120 até 207 minutos na área de operação do Pacífico Norte e até 180 minutos nas demais áreas; 3. A taxa de 0,02 por cada 1000 horas de funcionamento de motores em operação ETOPS além de 207 minutos na área de operação do Pacífico Norte e além de 180 minutos nas demais áreas. Dentro de 30 dias após a ocorrência de ultrapassagem das taxas acima, o detentor de certificado deve submeter um relatório de investigação e qualquer ação corretiva necessária à ANAC.

2.4.1.4 Monitoramento de condições do motor

O operador ETOPS deve possuir um programa de monitoramento de condições do motor para detectar deterioração e permitir ações corretivas antes que a segurança das operações seja afetada. Este programa deve descrever os parâmetros a serem monitorados, o método de coleta e análise dos dados e o processo para tomadas de ações corretivas (RBAC 121.374, j, 2019).

2.4.1.5 Monitoramento de consumo de óleo

O operador ETOPS deve possuir um programa de monitoramento de consumo de óleo dos motores que garanta que haja óleo suficiente para a conclusão da cada voo ETOPS. O consumo de óleo da APU deve ser incluído. O limite do consumo de óleo do operador não pode exceder a recomendação do fabricante. O monitoramento deve ser contínuo e incluir óleo adicionado em cada ponto de decolagem ETOPS (RBAC 121.374, k, 2019).

39 2.4.1.6 Programa de controle de peças e componentes

Um detentor de certificado deve desenvolver um programa de controle de peças e componentes ETOPS que garanta a identificação apropriada das peças e componentes usados para manter a configuração dos aviões usados em ETOPS (RBAC 121.374, g, 2019).

2.4.1.7 Treinamento da equipe de manutenção

Para cada combinação, avião/motor, o detentor de certificado deve desenvolver um programa de treinamento de manutenção que forneça treinamento adequado para suportar as operações ETOPS. O programa deve incluir um treinamento específico ETOPS para todas as pessoas envolvidas na manutenção ETOPS (RBAC 121.374, m, 2019). Mudanças nos procedimentos de treinamento ou de manutenção que utilizados na qualificação ETOPS pelo operador deve ser novamente submetida à ANAC para análise. O detentor de certificado não pode implantar uma mudança até que seja notificado pela ANAC sujeitando-se a aprovação desta (RBAC 121.374, o, 2019). Cabe ao operador ETOPS através do seu centro de operações especializado da companhia em conjunto com o DOV a responsabilidade de cálculos referentes às rotas operadas em conformidade com a certificação ETOPS autorizada pelo órgão regulador local. Tais cálculos incluem tempo de desvio máximo em velocidade com um motor inoperante, cálculo de combustível necessário considerando desvios meteorológicos e limitações de performance da aeronave em diferentes níveis de voo, de tal forma a não extrapolar os limites da certificação ETOPS na qual o operador é detentor, bem como a aeronave é certificada (121.633, 2019).

2.4.1.8 Aeródromo de alternativa ETOPS

Na seção 106, do RBAC 121 , afirma que o serviço de prevenção, salvamento e combate a incêndio de aeródromo deve estar disponível em cada aeródromo de alternativa em rota ETOPS e devem obedecer aos seguintes critérios:

1. Operações ETOPS até 180 minutos, o aeródromo de alternativa ETOPS deve possui serviço de resgate e combate a incêndio equivalente ao especificado na categoria (quatro) ou superior da OACI; 2. Em operações ETOPS além de 180 minutos, cada aeródromo de alternativa em rota ETOPS deve estar enquadrado na categoria (sete) ou superior da OACI.

40 Um aeródromo de alternativa ETOPS deve estar operacional e acima dos mínimos meteorológicos para operações ETOPS no momento do despacho do voo ETOPS, (ou previsto acima dos mínimos IFR, no horário estimado de chegada do voo ao mesmo aeródromo, em caso de desvio). Entretanto, se os reportes de condições do aeródromo indicarem uma degradação das condições meteorológicas o aeródromo de alternativa pode ser modificado em rota, se o segundo aeródromo também estiver previsto como alternativa ETOPS no momento do despacho do voo ETOPS (RBAC 121.631, 2019). Como é possível perceber a regulamentação oficial da ANAC, em se tratando de ETOPS segue as mesmas linhas de raciocínio das regras da FAA, EASA e de outros órgãos regulatórios de outras nações, sem maiores diferenças normativas, facilitando assim a aplicação das operações na prática. Essa padronização de procedimentos ocorre principalmente com os estados membros da ICAO.

2.5 OPERAÇÕES ETOPS NO CONTEXTO COMERCIAL BRASILEIRO

No cenário comercial brasileiro a cerificação ETOPS é tão relevante quanto em qualquer outro teatro de operação mundo afora, tanto sob o ponto de vista da indústria aeronáutica nacional, no caso a Embraer, quanto sob a óptica das empresas aéreas brasileiras. Em 2007 o Embraer 190 com capacidade de 114 passageiros, terceiro membro da família E-Jet recebeu a certificação ETOPS 75 minutos pela ANAC e logo em seguida a mesma certificação pala FAA (EMBRAER, 2007). No ano seguinte o Embraer 190 recebeu a certificação ETOPS 120 minutos em fevereiro pela ANAC e pela FAA logo depois. A Certificação envolveu também o cumprimento de uma série de requisitos adicionais mais exigentes. O jato fabricado pela Embraer é o primeiro no mundo a cumprir com as novas regras estabelecidas pelo Apêndice K, Parte 25, da FAA, demonstrando a alta qualidade e a grande capacidade operacional da aeronave (AVIAÇÂO BRASIL, 2008). Segundo o mesmo Portal (2008) Antonio Campello, Diretor de Programas da Aviação Comercial da Embraer, afirma que: “O ETOPS 120 minutos nos ajudará a ampliar o posicionamento competitivo dos E-Jets em regiões importantes como o Sudeste Asiático e a Oceania, oferecendo aos nossos clientes um produto que atende aos mais diversos mercados com conforto, eficiência, economia e a mais alta qualidade disponível no mercado”.

41 A Azul Linhas Aéreas Brasileiras, que também é operadora da família de aeronaves E-Jet da Embraer, recebeu em 2016 da ANAC a certificação ETOPS 120 minutos possibilitando a empresa dar início às suas operações entre o Brasil e Portugal após 22 de junho de 2016. Os voos para Lisboa sairão de São Paulo e Campinas, e serão operados pelo Airbus A330-200, com a frequência de cinco vezes por semana, todas as segundas, quintas, sextas, sábados e domingos. (AEROFLAP, 2016). Conforme a Boeing (2017, tradução nossa), o novo 737 MAX foi projetado para oferecer alcance extra o que permite abrir novos destinos no mercado de aeronaves ( single- aisle ), vantagens nas quais as empresas parceiras já estão obtendo, oferecendo aos passageiros mais voos sem conexões e mais destinos que antes eram inviáveis sob a óptica operacional. O Boeing 737 MAX 8 é certificado ETOPS 180 minutos.

Fotografia 2 – Apresentação do novo Boeing 737 MAX 8, ETOPS da Gol Linhas Aéreas, durante um evento no hangar da companhia no aeroporto de Congonhas em São

Paulo.

Fonte: Flymaniacs.com/GOL apresenta novo avião com muito mais tecnologia.

As novas aeronaves Boeing 737 MAX 8 são equipadas com o motor CFM LEAP- 1B, que possui uma eficiência de 15% maior em relação ao consumo de combustível, se comparado ao 737-800 NG, possibilitando um alcance de até 6.500 km. Na Gol, serão utilizadas principalmente nas rotas internacionais, como para os Estados Unidos e Equador.

42 2.5.1 Reflexo Prático na Aviação Comercial Brasileira das Revisões na Certificação ETOPS de Determinado Tipo, por Órgãos Reguladores

Em abril de 2018 a FAA através de uma diretriz de aeronavegabilidade reduziu o tempo da certificação ETOPS do novo Boeing 787 Dreamliner que eram equipados com motorização Rolls-Royce Trend 1000. Segundo a AeroFlap (2018) os 787-8 e 787-9 equipados com essa motorização tiveram sua certificação ETOPS 330 minutos, reduzida para 140 minutos. A redução foi devido ao desgaste acentuado de componentes internos dos motores, causando fadiga prematura de alguns componentes. No mês seguinte a FAA emitiu outra diretriz de aeronavegabilidade que limitou o tempo ainda mais, para 60 minutos penalizando as operadoras em rotas sobre o oceano atlântico e pacífico, companhias como Air Europa, British Airways e Latam foram prejudicadas. Tais decisões também partiram de outros órgãos reguladores como a EASA. Devido às restrições operacionais impostas pela FAA e a EASA o grupo Latam Airlines recorreu ao aluguel leasing 59 de aeronaves Boeing 747-400 da empresa espanhola Wamos Air como solução provisória para atender sua rota internacional Santiago (Chile) – Los Angeles (EUA). Na ocasião a Latam possuía 24 Boeing 787 Dreamliner com motorização (RR Trend 1000). Anteriormente a companhia já havia confirmado o arrendamento de quatro Airbus A330-200 também da empresa de leasing Wamos Air para as rotas Guayaquil – Madri, Santiago – Bogotá e Guayaquil – Nova York, que eram operadas pelos 787. A Rolls-Royce pôs em prática um programa de manutenção preditiva (uma espécie de recall ) a fim de substituir dos componentes defeituosos sem custos aos operadores e proprietários de aeronaves com o motor específico (VINHOLES, 2018). A Rolls-Royce fabricante do motor Trend 1000 efetuou modificações em partes intermediárias do motor, adicionando novas pás no compressor, essa atualização diminuirá a carga de manutenção, anulando as vibrações anormais em diferentes partes do motor que causavam ressonância e consequentemente a fadiga do material e o colapso prematuro do componente. Foi assim possível finalmente diminuir as restrições operacionais e melhorar a certificação ETOPS do Boeing 787 com motorização RR para 300 minutos, possibilitando às operadoras a retomada dos voos em operações estendidas (VIANA, 2018).

9 Leasing em inglês significa o arrendamento ou locação financeira de aeronaves.

43 3 CONSIDERAÇÕES FINAIS

Segundo Ayres (2014) pelo fato de ser muito mais restritiva que as demais certificações, a certificação ETOPS fornece múltiplos obstáculos para possíveis causas latentes de erros que resultarão em falhas. Está eles através da parametrização e o monitoramento contínuo dos motores da frota, treinamento específico da tripulação e mecânicos, além das melhores práticas de operação e filosofia de segurança operacional. Tais barreiras são anteparos às condições latentes, que podem se transformarem em uma falha ativa, resultando em um acidente ou incidente grave. Uma análise feita por Saintive (2014) em sua obra Performance de Aviões a Jato: Peso e Balanceamento, ele conclui que um programa de operações ETOPS bem-sucedido aumenta a segurança de voo nas rotas em operações estendidas uma vez que diminuem o número de conexões e consequentemente: decolagens, subidas aproximações e pousos, etapas estas onde ocorrem 90% dos acidentes estatisticamente comprovados. Segundo ele de 1985 até dezembro de 2009 foram efetuados aproximadamente 5.947.000 voos ETOPS, o que representou uma média de 44.300 voos por mês, sendo que (um) a cada 100.000 voos de bimotores precisaram alternar devido à perda de um motor na fase ETOPS. Para Saintive (2014), no ano de 2009 a frota de Boeing 777 já havia efetuado um total de 221.000 voos ETOPS ao redor do Mundo, nos quais ocorreram (sete) IFSD, sendo apenas (três) na porção ETOPS. O IFSD desses voos corresponde a 0,002 por cada 1.000 horas de voo-motor, o que corresponde a duas paradas a cada 500.000 horas de voo dos B777.

Figura 11 – IFSDs do Boeing 777 entre janeiro e dezembro de 2009.

Fonte: Adaptado de: SAINTIVE, Newton Soler: Performance de Aviões a Jato: Peso e Balanceamento. Editora ASA, São Paulo (2014, p. 182).

Para Klotzel (2015) “É a imensa confiabilidade de um motor aeronáutico moderno que permite que as maiores aeronaves comerciais do planeta possam voar com um só motor durante horas e horas em total segurança, proporcionando uma eficiência cada vez maior à aviação comercial”. 44 Há um número cada vez maior de operadores que agora está fornecendo serviço ETOPS a seus clientes. Por exemplo, 76% dos 767 operadores e 42% dos 757 operadores estão voando rotas ETOPS. Muitas operadoras descobriram que o custo da introdução e manutenção de operações ETOPS, é justificado considerando os benefícios e vantagens significativas se comparado a operar aeronaves e voos que não são ETOPS (BOING, 1999, tradução nossa). Os benefícios práticos da aplicação das operações ETOPS são evidentes. A indústria aeronáutica atualmente está engajada em projetos de aeronaves que atendam as especificações técnicas de certificação e operação ETOPS. E as operadoras aéreas reconhecem sua importância optando preferencialmente operações ETOPS em detrimento de operações não ETOPS e economicamente inviáveis. Entretanto, está claro que as operações ETOPS devem atender rigorosamente a regulamentação para garantir que as aeronaves bimotoras sejam tão ou mais confiáveis e seguras que os quadrimotores existentes atualmente no mercado aeronáutico. (AIRBUS, 1998, tradução nossa). Para Sousa (2010) “Nos dias de hoje, perder a qualificação de ETOPS significa falência para qualquer empresa aérea”. Sendo assim não restam dúvidas que o ETOPS vem sendo um verdadeiro sucesso operacional no decorrer das décadas, em que a segurança em todas as áreas foi realmente aprimorada devido a maior empenho nos projetos, nas operações, resultando assim em maior confiabilidade na operação. O ETOPS sob o ponto de vista dos operadores deve fazer parte de um esquema de planejamento estratégico das empresas, uma vez que é fundamental para viabilizar economicamente as operações de muitas companhias que operam principalmente voos internacionais. Atualmente a maioria das aeronaves comerciais e executivas, de médio e grande porte, com propulsão a jato turbofan e alcance internacional, já saem de fábrica com a certificação ETOPS, o que é comercialmente fundamental para os fabricantes e, ao mesmo tempo na maioria dos casos essencial para o operador possuir essa certificação em suas aeronaves. Além dos ganhos com o menor tempo de viagem, menores distâncias percorridas, menor consumo específico de combustível por etapa, que as operações ETOPS proporcionam, há também de se considerar o fator ambiental, na qual o meio ambiente deixa de receber milhares de toneladas de gases estufa por ano entre eles o dióxido de carbono (CO 2) e o óxido de nitrogênio (NOx), gases altamente nocivos à vida humana e à biodiversidade encontrada pelo Planeta.

45

Respondendo ao problema de pesquisa primeiramente proposto ficou evidente através deste estudo a relevância da certificação ETOPS para uma operadora aérea em qualquer cenário global e inclusive no contexto brasileiro de aviação comercial, sendo quesito fundamental para a competitividade num mercado tão agressivo quanto o da aviação civil. Assim como são explícitos os impactos negativos de se perder uma certificação desta natureza, seja no lado da operadora, ou do lado do fabricante na indústria aeronáutica. Ficou elucidado no caso da Latam Linhas Aéreas envolvendo o Boeing 787 Dreamliner com motorização RR Trend 1000 em que a operadora teve prejuíso em arrendar aeronaves de um terceiro para atender suas rotas, perdendo assim competitividade, assertividade e faturamento final, ficando temporariamente dependente de uma empresa de leasing . A conclusão deste estudo de forma alguma representa uma abordagem final sobre o assunto tratado, que dada à relevância prática servirá como objeto de aprofundamento por futuros pesquisadores à medida que o conceito de operações estendidas assim como o cenário da aviação, o mercado aeronáutico e as tecnologias evoluem de forma constante e progressiva.

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