MARTA ROSSETI1.Indd 123 26/07/12 15:13 Dossiê Semana De Arte Moderna

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MARTA ROSSETI1.Indd 123 26/07/12 15:13 Dossiê Semana De Arte Moderna H O M E N A G E M Marta Rossetti MODERNISMO REVISTA USP • São PAUlo • n. 94 • P. 123-140 • JUnHo/JUlHo/AGoSTo 2012 123 MARTA ROSSETI1.indd 123 26/07/12 15:13 dossiê Semana de Arte Moderna RESUMO Este texto faz uma leitura da produção artística trazida pelo movimento modernista, seja pelo esgotamento do acadêmico, seja pela transformação cultural brasileira da época, durante o início do século XX e o fi nal da década de 1920. Para tanto, perpassa por questões como: a pesquisa do nacional; o papel da cidade de São Paulo; a formação do modernismo pelas artes plásticas, com destaque para o percurso dos artistas radicados no país, para a infl uência de Paris e para as contribuições do expressionismo, todos for- necendo elementos para a estruturação da linguagem moderna brasileira. Palavras-chave: procura do nacional, cidade de São Paulo, Semana de Arte Moderna de 1922, Escola de Paris. ABSTRACT This text approaches the artistic production brought about by the modernist movement, both from the viewpoint of the exhaustion of academic tradition and the cultural change taking place then in Brazil, from the onset of the 20th century to the late 1920s. To do so, it works on questions such as the research on the national elements, the role of the city of São Paulo, and the formation of the modernism through ne arts. In doing so it gives emphasis to the paths taken by artists based in the country, the in uence from Paris, and the contri- butions from expressionism. All of those elements helped structure the Brazilian modern language. Keywords: search for the national identity, city of São Paulo, 1922 Modern Art Week, School of Paris. MARTA ROSSETI1.indd 124 26/07/12 15:13 a época da Primei- que preservava a arte acadêmica, baseada em ra Guerra Mundial, modelos já desgastados, herdados da tradição alguns jovens es- renascentista (composição segundo modelos critores, músicos, conhecidos, uso das regras da perspectiva pintores e escul- exata, das sombras, do claro-escuro, etc.). A tores abandonam tradição passava de professor a aluno, a tal a arte tradicional- ponto que os padrões de representação que se mente praticada porque descobrem que… o seguiam eram considerados “regras imutáveis Brasil entrava no século XX e estava à procu- que regem as artes”, como diziam na época. Nra de sua identidade como nação. Vão pensar Esse modo de transmissão do conheci- e produzir dentro desses dois polos. mento artístico era baseado no modelo fran- São integrantes de uma geração nascida cês. Aliás, nessa época o academismo era nos últimos anos do século XIX, que desen- ainda a arte oficial do Brasil e da França, volve seus primeiros livros, músicas, quadros isto é, era a arte ensinada nas escolas oficiais e esculturas do período da guerra. Nos anos e protegida com exposições, prêmios e aqui- 1920, formam um grupo inovador que deixa sições pelos dois governos. obras importantes, uma produção artística Entretanto, havia uma clara diferença que enriquece o patrimônio cultural brasi- entre o panorama da arte francesa e o da leiro. São poucos os que primeiro se atrevem brasileira nas vésperas da Primeira Guerra nos novos caminhos, são a vanguarda que Mundial. Na França, e em outros países eu- constitui o movimento modernista. ropeus, desde o século XIX, ao lado da arte O termo modernismo – que eles mesmos oficial, acadêmica, sucediam-se os movimen- usavam para se classificar – não quis e não tos dissidentes. Grupos com novas propos- quer dizer uma escola com regras e leis rí- tas de representação, recusados pelos júris gidas, mas serve para designar aqueles que, dos salões oficiais, reuniam-se para expor negando os padrões ultrapassados da arte suas obras “heréticas” em sucessivos salões brasileira no início do século, procuram de- de recusados. Esses grupos dissidentes, de senvolver uma linguagem nova para expres- movimento para movimento, destroem a re- sar seu tempo e seu meio. Engloba escritores presentação pictórica tradicional e criam o como Mário de Andrade e Oswald de Andra- que há de novo e vivo na arte desde os im- de, músicos como Villa-Lobos, e artistas plás- pressionistas – com primeira mostra coletiva ticos – estes últimos serão examinados aqui. quarenta anos antes da guerra. Sucedem-se, O movimento modernista é fruto da pró- entre outros, os pós-impressionistas, os sim- pria situação da cultura brasileira da época: bolistas e, já no século XX, os fauvistas, os MARTA ROSSETTI (1941-2007) tanto do cansaço e esgotamento das fórmulas cubistas, os futuristas italianos, os expres- foi historiadora da de arte em uso – esgotamento que propicia o sionistas alemães. É evidente que essas mo- arte, museóloga e professora do Instituto aparecimento do novo – como das transfor- dificações no modo de conceber a arte estão de Estudos Brasileiros mações por que passa o país. O modernismo ligadas às profundas transformações por que (IEB) da USP. é fruto da época, século XX, e do meio bra- passa a sociedade dos séculos XIX e XX. A sileiro, que finalmente se interessa pela arte industrialização, os progressos científicos e Texto originalmente publicado em: Acervo nova e procura a brasilidade. tecnológicos provocam alterações no modo Artístico Cultural dos de vida e no pensamento da época. As má- Palácios do Governo quinas passam a ter peso no cotidiano, inva- do Estado de São Paulo, A ATUALIZAÇÃO São Paulo, 1995, pp. 35-69. FORMAL dido por trens, bondes, automóveis e aviões; pela fotografia, telégrafo, telefone e rádio; O resumo deste texto No início do século XX, o ensino e a pro- pela luz elétrica e pelo cinema. Muitas das foi elaborado por Bianca pagação da pintura e da escultura continua- descobertas científicas têm influência direta Dettino, supervisora da coleção de Artes Visuais vam centrados na Escola Nacional de Belas na evolução da arte moderna – entre elas, a do Instituto de Estudos Artes, no Rio de Janeiro. Era a Academia fotografia, as descobertas sobre a percepção Brasileiros (IEB) da USP. REVISTA USP • São PAUlo • n. 94 • P. 123-140 • JUnHo/JUlHo/AGoSTo 2012 125 MARTA ROSSETI1.indd 125 26/07/12 15:13 dossiê Semana de Arte Moderna das cores e, logo mais, as teorias da relati- Nossa belle époque, nosso século XIX, vidade e as de Freud. Por outro lado, a revi- se prolonga até a Primeira Guerra Mundial. são do medieval e o contato com a arte de É nessa época que surge a inquietação. O outros continentes – a japonesa e, depois, a desenvolvimento das cidades iniciado com africana e a oceânica – fornecem ao europeu a República, as grandes levas migratórias, a exemplos de modos de expressão poderosos industrialização incipiente, os operários, a e diferentes da tradição renascentista. vida urbana modificando a sociedade patriar- No Brasil, não aparecem esses movi- cal; a eletricidade, o bonde, os automóveis, mentos dissidentes, de grupos autônomos o telefone invadindo o cotidiano evidenciam com força para contestar a arte oficial. Aos um novo tempo que acredita no progresso, na salões anuais da Escola Nacional de Belas dinâmica e higiene da “vida moderna”. Al- Artes não se seguiam protestos e exposições guns percebem que, na literatura, na música, paralelas de recusados. Os artistas não eram nas artes plásticas, era necessário procurar numerosos nem sustentados por um grande uma linguagem em consonância com essa público, e se adaptavam bem àquela arte co- idade moderna. A arte precisava traduzir o nhecida. Foram cem anos de arte acadêmica novo tempo, refletir o pensamento e o modo incontestada. É verdade que se verificam tê- de vida do homem do século XX. nues modificações no correr daqueles anos Essas ideias aparecerão claramente, por devido a infiltrações de características já po- exemplo, na Semana de Arte Moderna de pularizadas da arte dos grupos dissidentes 1922, na conferência em que Menotti del europeus, mas sempre muitos anos depois Picchia apresenta os escritores: do aparecimento do movimento inovador e de modo tão superficial que não quebrasse “Queremos luz, ar, ventiladores, aeroplanos, os padrões tradicionais. Tanto nas academias reivindicações obreiras, idealismos, motores, europeias como na brasileira. chaminés de fábricas, sangue, velocidade, Enquanto na Europa se desenvolvia o sonho, na nossa Arte… Morra a Hélade!… impressionismo, no Brasil – ainda escravo- Fora a mulher -fetiche… Queremos uma Eva crata – os artistas pintavam grandes batalhas ativa, bela, prática, útil no lar e na rua, dan- e cenas heroicas. No início do século XX, çando o tango e datilografando uma conta enquanto na Europa nasciam o fauvismo, o corrente…”. expressionismo, o cubismo e o futurismo, no Brasil os pintores continuavam a trabalhar Colocando-se contra os modelos acei- com a representação tradicional do espaço, tos e difundidos pelo academismo, o artista o colorido mais fiel ao modelo, fixando suas modernista, ao começar a montar sua lin- paisagens, retratos e cenas – no máximo, guagem, encontra-se sem parâmetros pre- com cores mais claras e pinceladas mais estabelecidos (como acontecera com as su- livres vindas da vulgarização do impres- cessivas levas de novos criadores europeus). sionismo. A transformação de nossas artes A arte moderna irá estimular a criatividade, plásticas vai se dar de forma diferente da pedindo a cada artista maior independência evolução europeia. no desenvolvimento da linguagem pessoal. Lá, cada movimento de secessão contes- Na época da Semana de 1922, essa sensação tava um aspecto da arte tradicional e para ele de liberdade de expressão, de independência propunha novas soluções; foi uma sucessão para pesquisar e criar, também será exalta- de movimentos contestatórios, cada vez mais da, por exemplo, por Mário de Andrade ao radicais, que fixou o novo modo de encarar a examinar as artes plásticas. arte. Aqui, não haverá evolução: a mudança Com esse espírito, os modernistas pro- se fará por saltos que dificultam a penetra- curam se atualizar, estudando as pesquisas ção, a compreensão e a sedimentação da arte europeias.
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