Modernismo Brasileiro: Nada Mais Internacional

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Modernismo Brasileiro: Nada Mais Internacional RBCS - v.19 n.56 2004-ok 4/10/04 6:53 PM Page 143 RESENHAS 143 que esta também assumisse formas mitigadas, con- Modernismo brasileiro: nada forme já vimos. Na sociedade competitiva, a cor funciona como índice ‘relativo’ de primitividade – mais internacional sempre em relação ao padrão contigente do tipo humano definido como útil e produtivo no racio- Sergio MICELI. Nacional estrangeiro: história so- nalismo ocidental e implementado por suas insti- cial e cultural do modernismo artístico em São tuições fundamentais – que pode ou não ser con- Paulo. São Paulo, Companhia das Letras, 2003. firmado pelo indivíduo ou grupo em questão. O 280 páginas. próprio Florestan relata sobejamente as inúmeras experiências de inadaptação ao novo contexto de- Gustavo Sorá terminadas, em primeiro plano, por incapacidade de atender às demandas da disciplina produtiva do Nacional Estrangeiro apresenta uma etnogra- capitalismo” (p. 160). fia histórica do mundo social que se formou em torno da vida artística em São Paulo nas primeiras décadas do século XX. Ainda que o modernismo, RUY BRAGA é professor do Departamen- to de Sociologia da Faculdade de Filosofia, tanto em arte como em literatura e pensamento Letras e Ciências Humanas da Universidade social, tenha imposto nos anos de 1920 e 1930 o de São Paulo. autenticamente nacional, as razões de seu surgi- mento e de seu poder simbólico não podem ser compreendidas a não ser em relação com o mun- do prévio a partir do qual se diferenciou. O livro compõe-se de dois atos: no primeiro entram os fi- gurantes da elite social, econômica e política que tornaram possível a constituição de um mercado de arte: Adolfo Augusto Pinto, Altino Arantes, Francisco Ramos de Azevedo, José de Freitas Val- le, Olívia Guedes Penteado. Mecenas e coleciona- dores oriundos de famílias ricas, barões do café ou membros de linhagens quatrocentonas ligados ao Império. Quase todos eles líderes políticos, profis- sionais liberais renomados e empresários bem-su- cedidos da Primeira República que passavam a vida entre a capital da província e Paris, centro do cosmos. No segundo ato aparecem os protagonis- tas do modernismo, os artistas: Anita Malfatti, Tar- sila do Amaral, Lasar Segall, os irmãos Gomide e John Graz. Alguns também filhos das elites tradi- cionais, mas outros imigrantes ou filhos de imi- grantes. Esses artistas e seus pares escritores com os quais formaram casais, amizades e grupos vi- veram igualmente entre a Europa e o Brasil. Nes- te estudo, Europa e Brasil não representam terras tão distantes – dois mundos cortados por frontei- ras físicas e mentais que às vezes entram em con- tato: São Paulo, Buenos Aires, México não se compreendem sem as metrópoles, assim como Paris não se compreende sem suas periferias. Em RBCS - v.19 n.56 2004-ok 4/10/04 6:53 PM Page 144 144 REVISTA BRASILEIRA DE CIÊNCIAS SOCIAIS - VOL. 19 Nº. 56 lugar de tratar as culturas nacionais como unida- oligárquicos, seus gostos barrocos, suas fugas des auto-evidentes, como conjuntos fechados, Mi- mundanas, sua distribuição de privilégios – unem- celi toma como objeto as redes de relações sociais se a estes por vínculos mercantis, políticos, de he- que unem essas distâncias; observa os efeitos da rança, de amizade, de inimizade e, em boa parte, presença dos imigrantes, segue os artistas e cole- de subordinação. As preferências acadêmicas e cionadores brasileiros em Paris, avalia as viagens pré-modernas dos mecenas impõem limites às e os deslocamentos sociais, leva a sério o tipo de possibilidades vanguardistas que os artistas são atenção que os artistas metropolitanos, como Fer- capazes de importar. Os gostos dos primeiros e as nand Léger, prestam a seus clientes da periferia, disposições estéticas dos segundos gestavam-se mesmo quando fossem ultrapassados, como Pau- em uma Europa onde a sobreposição de estilos lo Prado. Após a demonstração de Sergio Miceli, de arte e de vida de artista era mais variada e con- o que a arbitrária classificação da história da arte fusa do que é capaz de enunciar a caracterização e da cultura trata como o autenticamente nacio- de épocas e de gêneros. nal, obras geralmente consideradas produtos de Em São Paulo, os salões, entre os quais se uma independência consciente em face dos mo- destacava o do senador Freitas Valle, materializa- delos europeus dominantes, passa a ser apreendi- vam os círculos de sociabilidade. A proximidade do como objetos nacional-estrangeiros. O autor entre mecenas e artistas é trabalhada com base apela algumas vezes para a idéia de híbrido, mas não na identidade, mas nas diferenças e nos con- a imprecisão desta noção, em voga nas ciências trastes, em um contínuo movimento de fusões e sociais dos anos de 1990, não chega a transmitir a fissões impulsionado por amor, por idéias e por singularidade deste tipo de práticas e objetos que, uma acelerada competição em busca da distinção como a arte moderna, não se encaixam nas for- social e artística. Os significados da arte não sur- mas de classificação vigentes, naciocentradas. Mi- gem do descobrimento de relações formais, teori- celi produz um novo enquadramento, propõe camente postuladas, entre os estilemas ou as uni- uma nova forma de ver o sagrado, o que parecia dades de significação estéticas, e sim de relações não precisar mais revisão. O livro vai acumulan- humanas, sociohistoricamente reconstruídas, en- do elementos para ressaltar a amplitude geográfi- tre pessoas que pintam e pessoas que apreciam, ca e mental do nacional-estrangeiro. Realiza, as- reconhecem, avaliam e compram. Porém Miceli se sim, uma profícua contribuição sobre um tema distancia definitivamente de qualquer sociologis- sobre o qual sempre haverá resistência e que se mo redutor: os panoramas sociais são panos de enquadra em um programa de pesquisas no âm- fundo para os alvos de atenção que são os qua- bito nacional e internacional de vigor cada vez dros. Miceli os observa como faria o crítico, mas maior: aquilo que é considerado a essência do na- introduz um outro olhar. Utiliza termos e códigos cional é, na verdade, fruto de um intercâmbio in- descritivos da crítica, mas explica as obras não cessante e desigual entre pessoas e idéias, entre para os conhecedores de arte e sim para um pú- estilos artísticos e de pensamento, entre sensibili- blico mas amplo, que o obriga a descrever cada dades e gostos de um espaço internacional. Como quadro em detalhe e o leva a convencer como um disse Pascale Casanova, o nacional é definitiva- etnógrafo traduzindo os costumes de um grupo in- mente relacional. dígena ou estrangeiro. O texto é intercalado com Nacional Estrangeiro é um livro iconoclasta. uma galeria de 160 reproduções mediante as quais À ruptura dos limites estabelecidos entre o nacio- o leitor aprende e comprova. Cada quadro é um nal e o estrangeiro, o livro acrescenta a ruptura mundo em si que nos convida não a uma classi- contra a semiótica dos estilos, contra as classifica- ficação antecipada dos elementos de modernida- ções empobrecedoras dos gêneros. Mais que en- de ou pré-modernidade presentes, mas a penetrar focar o modernismo, Miceli enfoca os modernistas, na configuração singular dos estilemas artísticos e artistas de carne e osso, ambivalentes, contraditó- nas relações sociais do qual é efeito e causa. Em rios, que convivem com os mecenas e seus vícios outras palavras, pode-se afirmar que a gramática RBCS - v.19 n.56 2004-ok 4/10/04 6:53 PM Page 145 RESENHAS 145 do livro alterna etnografía de quadros e desenho Andrade, Oswald de Andrade e Anita Malfatti) e, de práticas de sociabilidade; conduz o olhar des- especialmente, a relação amorosa com Oswald de de a profundidade das telas até a superfície dos Andrade, responsável pela eclosão da fase antro- universos sociais traçados pelas biografias entrela- pofágica. Esta ocorre entre 1927 e 1929, poucos çadas dos artistas e dos colecionadores. Não há anos durante os quais Tarsila traduz inventos mo- antecipações de marcos sociais, políticos e econô- dernos, como os propostos por Fernand Léger, em micos para em seguida inserir os efeitos da arte. motivos ressaltados pelos líderes literários do gru- Toda a demonstração recupera a especificidade po como as manifestações profundas de uma cul- dos produtos artísticos como lugar privilegiado tura nacional, com suas figuras populares, as mi- para lançar nova luz sobre o problema da diferen- tologias indígenas, novos temas e estilos para uma ciação das “classes dirigentes” e dos esquemas de arte autenticamente brasileira. Contudo, o estilo pensamento e sensibilidade, que vividos como consagrado em Abaporu nem foi prefigurado patrimônio de todos, da nação, são o produto das desde a Semana de Arte Moderna nem subsistiu disputas entre alguns protagonistas poderosos, a uma década dos anos de 1930, em que o triun- tão poucos que entram nos recargados salões da fo do modernismo se adaptou aos padrões espe- Vila Kirial. rados pela política cultural oficial. Os mecenas são conservadores, preferem ser A diferença decisiva para o estabelecimento retratados por pintores acadêmicos como Oscar do modernismo artístico foi finalmente estabeleci- Pereira da Silva, José Ferraz de Almeida Júnior, o da pela experiência imigrante. Durante as décadas italiano Antonio Rocco, o espanhol Juan Pablo Sa- de 1910 e 1920 instalaram-se em São Paulo artistas linas. Porém, os meios institucionais criados por já formados em círculos de vanguarda. Lasar Se- eles (pensionato artístico, bolsa de estudos na Eu- gall, por exemplo, antes de chegar ao Brasil, con- ropa, exposições e prêmios) beneficiam as viagens viveu com círculos expressionistas de Berlim e de formação dos jovens que virão a importar al- Dresden. Russo de ascendência judia, ao chegar ao guns dos elementos da vanguarda, como Anita Brasil casou-se com uma mulher pertencente ao Malfatti. O gosto cada vez maior pelas adaptações clã Klabin.
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  • MARTA ROSSETI1.Indd 123 26/07/12 15:13 Dossiê Semana De Arte Moderna
    H O M E N A G E M Marta Rossetti MODERNISMO REVISTA USP • São PAUlo • n. 94 • P. 123-140 • JUnHo/JUlHo/AGoSTo 2012 123 MARTA ROSSETI1.indd 123 26/07/12 15:13 dossiê Semana de Arte Moderna RESUMO Este texto faz uma leitura da produção artística trazida pelo movimento modernista, seja pelo esgotamento do acadêmico, seja pela transformação cultural brasileira da época, durante o início do século XX e o fi nal da década de 1920. Para tanto, perpassa por questões como: a pesquisa do nacional; o papel da cidade de São Paulo; a formação do modernismo pelas artes plásticas, com destaque para o percurso dos artistas radicados no país, para a infl uência de Paris e para as contribuições do expressionismo, todos for- necendo elementos para a estruturação da linguagem moderna brasileira. Palavras-chave: procura do nacional, cidade de São Paulo, Semana de Arte Moderna de 1922, Escola de Paris. ABSTRACT This text approaches the artistic production brought about by the modernist movement, both from the viewpoint of the exhaustion of academic tradition and the cultural change taking place then in Brazil, from the onset of the 20th century to the late 1920s. To do so, it works on questions such as the research on the national elements, the role of the city of São Paulo, and the formation of the modernism through ne arts. In doing so it gives emphasis to the paths taken by artists based in the country, the in uence from Paris, and the contri- butions from expressionism. All of those elements helped structure the Brazilian modern language.
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