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As mulheres na Academia Alberto Venancio Filho ingresso das mulheres na Academia percorreu um longo Bacharel em caminho, mas desde a fundação o tema foi apreciado. Não Ciências Jurídicas e O Sociais pela se conhece bem a posição de Machado de Assis nesse momento, mas Faculdade Nacional antes, em várias de suas crônicas, ressaltava o valor das escritoras de Direito da então femininas. Universidade do Brasil (1956). Na década de 1860, escrevendo no Diário do Rio de Janeiro, o jovem Advogado militante Machado de Assis não se cansava de louvar o talento dramático de no Rio de Janeiro Maria Ribeiro, autora de peças teatrais abolicionistas. Mencionava desde 1957. Autor de Das Arcadas ao também a grande figura de Dionísia Gonçalves Pinto, que adotara o Bacharelismo (Cento pseudônimo de Nísia Floresta; nascera no Rio Grande do Norte, di- e cinqüenta anos rigiu vários colégios de moças em Recife, em seguida na Corte, aca- de ensino jurídico no Brasil), bou por trocar o Brasil pela Europa, vivendo na França, na Itália e na introduções e Alemanha. Publicou ali grande parte de sua obra em francês e italia- prefácios a várias no e foi em francês que publicou um livro escrito sobre os três anos obras, artigos sobre ensino jurídico e na Itália. Machado de Assis, em crônica publicada a 10 de julho de sobre História, 1864, escrevia: “Três anos na Itália parece ser o verdadeiro sonho de Política e Direito. 7 Alberto Venancio Filho poeta. Até que ponto a nossa patrícia se satisfaz aos desejos dos que a leram? Não sei, porque ainda não li a obra. Mas, ao julgar pela menção benévola da imprensa, devo acreditar que o livro merece a atenção de todos que prezam as letras e sonham com a Itália.” Machado de Assis permanecia com interesse pelas mulheres escritoras. Em crônica de 4 de novembro de 1894, aludia à fluminense Júlia Cortines: “Esta poetisa de temperamento e de verdade, disse-me coisas pensadas e sentidas em uma língua inteiramente pessoal e forte. Que poetisa é esta? Lúcio de Men- donça apresenta o livro em um prefácio necessário não só para dar-nos uma página vibrante de simpatia, mas ainda para convidar essa multidão de distraí- dos a deter-se um pouco e ler. Lede o livro: a mesma vocação é que faz nova uma alma e não é sem razão que Júlia Cortines traduz na página 94 um canto de Leopardi. A dor é velha: o talento é que a faz novíssima. Júlia Cortines vem sentar-se ao pé de Zaina Rolin, outra poetisa de verdade que sabe rimar os sen- timentos com arte fina, delicada e pura. O coração, livro desta outra moça, é terno, a espaços tristes, mas é menos amargo do que daquela; não tem os mes- mos desesperos.” E em crônica de 18de janeiro de 1896,voltava ao tema: “Quanto à vida es- piritual das mulheres, basta citar as duas moças poetisas que ultimamente se revelaram, uma das quais, D. Zaina Rolin, acaba de perder o pai. A outra, D. Francisca Júlia da Silva, tem a poesia doce e por vezes triste, como a desta rival que temos e se chama Júlia Cortines; todas as três publicaram os seus livros.” Lúcio de Mendonça, entretanto, que prefaciou o livro de Júlia Cortines, não teve condições de indicá-la para uma das cadeiras da Academia, e por mais de uma vez ela tentou este ingresso, sem êxito. Assim, a frase a ele atribuída por Alberto de Oliveira, na sessão de 29 de maio de 1930, “mulheres não entram na Academia”, deve ser entendida como um desabafo diante da opinião da maioria. Nos esforços para a criação da Academia, escreveu Lúcio de Mendonça uma série de artigos, com o título “Cartas Literárias”. Terminava com a enu- meração dos quarenta nomes que pareceriam dignos de figurarem como fun- 8 As mulheres na Academia dadores da instituição; entre eles, vinte e quatro se tornaram fundadores e três deles ingressaram posteriormente. E entre esses nomes estava o de uma grande escritora, conhecida como a maior do seu tempo, Júlia Lopes de Almeida, que sobrepujaria não só ao marido, Filinto de Almeida, como também a José do Patrocínio, Sílvio Romero, Domício da Gama, Eduardo Prado, Clóvis Bevilá- qua, Raimundo Correia e Oliveira Lima. A intenção de Lúcio era dar à Academia um alcance nacional, através da es- colha de sócios correspondentes, não só do exterior, mas dos estados. E no ar- tigo de 12 de dezembro de 1896, dizia: “Dentre os vinte correspondentes, penso não andar muito arredado da verdade se ele já revelar para São Paulo o nome de Garcia Redondo, Francisca Júlia e Brasilo Machado.” Somente o pri- meiro figurou entre os fundadores. Assim, por duas vezes Lúcio de Mendonça foi vencido. A primeira quando propôs Júlia Lopes de Almeida entre os fundadores, e a segunda o nome de Francisca Júlia entre os correspondentes. E escreveria no jornal Republica, diri- gido pelo acadêmico Alcindo Guanabara, em 6 de março de 1897, com o títu- lo de “Três Júlias”, o artigo que inicia dizendo: “Curiosa coincidência é que têm igual nome – nome de batismo e sobre- nome – as três mais notáveis de nossas escritoras de hoje – Júlia Lopes, Júlia Cortines e Francisca Júlia. Digo com a restrição, de hoje, porque não posso esquecer do nome de Narcisa Amália Vieira; mas a cantora das Nebulosas há mais de vinte anos que se exilou das letras, encerrando-se num mutismo in- compreensível depois dos triunfos alcançados. Sei que convolou da poesia para o magistério; mas não era razão para quebrar a lira. Aí estão como pro- vas de compatibilidade Adelina Lopes Vieira, Zaina Rolin, duas professo- ras que não deixaram de ser poetisas.” Depois escrevia Lúcio de Mendonça: 9 Alberto Venancio Filho “Para concluir, uma nota de tristeza. Na fundação da Academia de Le- tras, era idéia de algum de nós, como Valentim Magalhães e Filinto de Almeida, admitirmos agente de outro sexo, mas a idéia caiu, vivamente combatida por outros, seus irredutíveis inimigos. Com tal exclusão ficamos inibidos de oferecer a espíritos tão finamente literários como as três Júlias o cenário onde poderiam brilhar.” Durante a organização da Academia, a escritora Júlia Lopes de Almeida, em artigo em jornal, apoiou com entusiasmo a idéia. Mas seu nome não foi incluí- do, devido à resistência à presença de mulheres. Conta-se, então, que assim foi incluído o nome de seu marido, Filinto de Almeida. A propósito, disse Hum- berto de Campos: “Filinto é, assim, um acadêmico consorte.” O que era uma injustiça, pois se tratava de um membro da geração literária, colaborador na Se- mana de Valentim Magalhães, poeta e cronista de mérito. Ele, aliás, reconhecia os méritos de sua mulher e no inquérito de João do Rio, O Momento Literário, declarou: “Não era eu quem devia estar na Academia, era ela.” Transcorridos esses episódios, Garcia Redondo, fundador da Cadeira n.o 20 e amigo de Lúcio de Mendonça, por ele indicado para a Academia, em 1910 publicava o livro Conferências, uma delas dedicada ao ilustre papel da mu- lher. Dizia: “entre nós há infelizmente muita gente que pensa como eu em rela- ção à mulher, e aos direitos que lhe devem caber”. Citava o exemplo de Mirtes de Campos, formada em Direito pela Faculdade Livre de Ciências Jurídicas do Rio de Janeiro, que foi proposta ao Instituto da Ordem dos Advogados Brasi- leiros como membro estagiário. A Comissão, composta pelo Barão de Loreto, membro da Academia, fundador da Cadeira n.o 25, e os Drs. Batista Pereira e Bulhões de Carvalho, emitiu um longo parecer, opinando pela admissão da postulante. Garcia Redondo não transcreve o parecer na íntegra, mas alguns trechos que resumem o pensamento da Comissão: “Quaisquer que sejam as opiniões subjetivas dos membros da Comissão que ficam reservadas, quanto ao papel e à influência que a mulher deve exer- 10 As mulheres na Academia cer na civilização contemporânea, não se pode desconhecer que se as legisla- ções modernas, resistindo ao influxo das idéias novas, não consagram o princípio da igualdade do sexo, todavia a evolução feminista vai fazendo ra- pidamente o seu caminho, e não está longe o dia em que o sexo não seja mais reputado como causa de incapacidade política e civil.” E após outras indagações: “Se a advocacia exercida pela mulher é uma fun- ção ofensiva da pudicícia do sexo, como não repugna ao melindre exercício da medicina?” E concluía: “em muito mais cenários como esses congressos inter- nacionais que atraem a atenção do mundo científico, a mulher se tem exibido cercada do maior acatamento e da mais sincera admiração pelos grandes dotes de seu espírito revelados nos luminosos debates desses memoráveis concílios da razão universal.” Em 1911, por ocasião da proposta para sócio correspondente português de D. Carolina Michaëlis, surgiu a discussão sobre o ingresso de mulheres na Academia. Falaram Salvador de Mendonça, Carlos de Laet, Mário de Alencar, Sousa Bandeira e Afrânio Peixoto sobre a “inconveniência da entrada das mu- lheres nas sociedades masculinas”, pedindo o acadêmico Salvador de Men- donça o adiamento da questão. Em outra sessão o assunto estava na ordem do dia e o acadêmico Sousa Ban- deira achava que Carolina “digna est entrare”, mas sendo mulher estrangeira casada com português, “diz o código de lá que tem o foro de cidadão portu- guês e o número de correspondentes desta nacionalidade está completo”. Em outra sessão, novamente o acadêmico Salvador de Mendonça levanta a questão, “por que não começamos pela elegibilidade das brasileiras?” E enca- rece o nome de D. Júlia Lopes de Almeida. O acadêmico Carlos de Laet, diante das objeções, considera que só ele e o acadêmico Afonso Celso são dois revolucionários que não respeitam a tradi- ção.