Maio 2007 11 1

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Maio 2007 11 1 11 Resumo: Uso a palavra “mais-velhos” (uma palavra aglutinada com hífen) no sentido de os “menos novos” que viveram uma vida intelectual e política intensa e que, independentemente da idade com que morreram, acham-se hoje perpetuados entre os povos a que pertenciam, inclusive ultrapassando a condição nacional para projectarem as suas obras – escritos e legado político – para lá dos territórios de origem. O sentido da palavra está relacionado obviamente com o contexto africano, em que os “mais-velhos” são os depositários do saber e da experiência, que funcionam como exemplo para as suas comunidades. Estes “mais-velhos” são, de certo modo, uns antepassados especiais, com valor real de fundadores ou renovadores de comunidades e/ou representantes inovadores de tais comunidades. Renovaram as práticas políticas e culturais. PPPalavras---chave: Política, literária, “mais-velho”, intelectual, origem. Abstract: The use of the word “older-ones” (a word with hyphen) meaning the “younger-ones” who lived an intense intellectual and political life and independently the age thy died, they are nowadays perpetuated among people they belonged to even surpassing the national condition to project their masterworks – written and political legacy – far away their origin territory. The word meaning is obviously related with the African context which the “older-ones” are the knowledge and experience keepers who works as model to their communities. These “older-ones” are, in certain way, special ancestors with real value of founders or renewers of communities and/or innovative representatives of such communities. They had renewed the politics and cultural practices. KKKeywords: Politics, literary, “older-ones”, intellectual, origin. 1 - Os mestres “mais-velhos”: na Galiza, Camões em Portugal, Gabriela Mistral experiência, saber e acção em alguma no Chile ou Walt Whitman nos EUA. Toda a sua literatura política do sul obra literária não pode ser cabalmente compreendida se não se ligar cada texto à época Uso a palavra “mais-velhos” (uma palavra precisa em que foi produzido e se não se fizer a aglutinada com hífen) no sentido de os “menos leitura obrigatória das componentes ideológicas, novos” que viveram uma vida intelectual e política axiológicas, sociais e políticas, sob pena de se intensa e que, independentemente da idade com perderem os sentidos relacionados com a épica, a que morreram, acham-se hoje perpetuados entre simbólica e a referencialidade do discurso. Ou seja, os povos a que pertenciam, inclusive ultrapassando a sua poesia – tal como necessariamente a a condição nacional para projectarem as suas intervenção política – mostra a experiência de quem obras – escritos e legado político – para lá dos a produz. No começo, quando escreveu os territórios de origem. O sentido da palavra está primeiros poemas, em 1945, pode-se arriscar que relacionado obviamente com o contexto africano, tinha muito presente a sua formação protestante, em que os “mais-velhos” são os depositários do como coadjuvante do pai, que era pastor religioso, saber e da experiência, que funcionam como além de apresentar nítidas marcas neo-realistas, exemplo para as suas comunidades. Estes “mais- dois anos antes de rumar a Coimbra, a fim de se velhos” são, de certo modo, uns antepassados matricular na Faculdade de Medicina. São poemas especiais, com valor real de fundadores ou de estrutura e discurso simples, condoendo-se com renovadores de comunidades e/ou representantes os miseráveis e oprimidos, isto é, sobretudo com inovadores de tais comunidades. Renovaram as os colonizados negros de Angola. Existe nessa sua práticas políticas e culturais. poesia simples um traçado de quadros como que Agostinho Neto fundou o Estado-Nação de pictóricos dos sofrimentos e alienações dos negros. Angola e é o seu poeta fundacional, O motivo dos negros será recorrente, constante, correspondendo, no seu país, a Rosalia de Castro sem qualquer atenção solidária explícita com os Edição nº 004 - Maio 2007 12 Pires Laranjeira oprimidos brancos. No entanto, sabemos como Argélia. Reconhecendo, nesse texto, que o Neto militou na Oposição a Salazar, tendo imperialismo do século XX arrastou consigo a pertencido ao MUD-Juvenil e esteve preso várias necessidade de um conhecimento maior das vezes, no Porto, Aljube de Lisboa, Peniche, Luanda sociedades dominadas e suas culturas, com o e Cabo Verde. Por outro lado, ajudando o pai no estudo alargado de conceitos como os de raça, oficiar religioso e, já nos anos 60, actuando como casta, etnia, tribo, nação, cultura, identidade, médico em Luanda, junto ao povo carenciado, dignidade e outros, Cabral criticou a teoria de a ganhou conhecimentos sobre ele e também o seu cultura poder ser uma arma na luta pela reconhecimento. A dedicação ao negro africano independência, lembrando que somente as elites e de todo o mundo sobrelevou a solidariedade ou as diásporas coloniais detinham um saber internacionalista, típica do marxismo-leninismo, propício à luta política organizada e dirigida, elas embora a sua experiência de militância em Portugal que tinham sido assimiladas à cultura euro- pudesse fazer-nos pensar que o predispunha para ocidental, mas que, ainda assim, careciam de uma poética internacionalista, como a de Neruda respaldo popular. Estando as populações ou Alberti. Ele pretendeu incluir o negro – largamente alheadas da cultura do dominador, nomeadamente o angolano – no concerto dos não se colocava a questão de desassimilá-las ou povos livres do mundo, por meio da obra poética de propor um qualquer renascimento cultural, enquanto veículo ideológico e discurso estético, e pois elas eram as naturais detentoras das tradições conseguiu-o antes de os angolanos ascenderem culturais do território. Tratava-se, isso sim, de partir ao estatuto de independentes. das identidades preservadas pelo povo (ou O líder guineense Amílcar Cabral baseou-se estacionárias) para uma acção nacional popular na sua experiência de engenheiro agrícola, de libertação, considerada uma “expressão política licenciado em Lisboa, para palmilhar a Guiné- organizada de cultura”. Baseando-se no marxismo, Bissau profissionalmente, conhecendo o território Amílcar Cabral afirma o carácter de classe da e o seu povo, aliando a formação universitária à cultura (distinguindo as sensibilidades prática no terreno. Cabral, homem de cultura, diferenciadas nas categorias urbanas e nas rurais chegou a escrever alguns poemas na e de de estrutura vertical – o Estado), acabando por juventude, um acto sem continuidade. A entrega vinculá-la à dimensão nacional, a fim de poder à luta de libertação nacional obrigou-o a tornar-se operativa e consequente do ponto de empenhar-se por inteiro nas tarefas de organização vista político. Para isso, salienta ainda o carácter e liderança, como aconteceu com Neto em 1960. racional e nacional do movimento de libertação, Quando jovem, nessa poesia algo ingénua dos no que podemos chamar a consciência da anos 40, Cabral já assumia a doação ao povo ultrapassagem das limitações locais, regionais e negro. particulares e sua transformação em conhecimento Três décadas depois, ele haveria de escrever universalmente válido para todos. Tal como outros sobre o papel da cultura na luta pela autores de literatura política, Cabral postula a independência, como escreveu sobre a importância acção de libertação e desalienação política e da língua portuguesa como legado positivo dos cultural a partir da acção popular em movimento, portugueses, isto já muito próximo do seu baseado no saber de experiência feito e na prática assassinato e da própria independência do país, política correcta a partir de um saber transitando explicando que se limitava, e cito, “praticamente do universalmente adquirido para o campo a transmitir o resultado da […] experiência e das concreto da aplicação nacional e local, no […] observações”, impossibilitado que estivera de contexto político da dominação colonial no início consultar muita bibliografia que poderia ter da década de 70, o que, como se sabe, saldou - enriquecido o seu trabalho. Todavia, esse texto, se num triunfo inequívoco das suas teorias. lido por um intermediário em conclave de peritos Tendo sido Cabral assassinado e Agostinho da UNESCO sobre noções de raça, identidade e Neto falecido por doença, não chegaram dignidade, tornou-se uma peça teórica etariamente a ser “mais-velhos” na acepção fundamental quanto à noção da luta de libertação consuetudinária e cosmogónica dos seus povos. enquanto acto cultural, aliás, na senda do Foram-no, todavia, pela larga experiência de vida, pensamento do psiquiatra antilhano Frantz Fanon, de luta política, de saber científico e vivencial e que esteve empenhado na luta de libertação da de um largo engajamento na acção social e Edição nº 004 - Maio 2007 Pires Laranjeira 13 política. Os seus textos de literatura política (de meridional, por causalidades bem precisas - a mais literatura, de cultura e de política) são um legado determinante das quais é o círculo muitíssimo incontornável para os países africanos e, por restrito das elites culturais, no tempo colonial – conseqüência, para um espaço de lusofonia a nessas regiões (como no Peru, um país haver. É de saudar, pois, o livro de Leonel Cosme, profundamente indígena e indigente) pode-se Agostinho Neto e o seu tempo, sobre o chegar a “mais-velho” na meia-idade e até antes pensamento e a acção política e cultural de Neto, disso, ou seja, ao estatuto de mestre respeitado, publicado pela editora Campo das Letras, o como o foi Agostinho Neto, dito Kilamba ou primeiro que, em
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