Desde que vive em , há 37 anos, que acompanhou vários conflitos armados no Médio Oriente. A operação "Pilar Defensi- vo", iniciada pelas forças militares do país no passado dia 14, é para si apenas mais um conflito ou tem algo de diferente em relação aos anteriores? É dferente. Esta é a primeira vez, depois de 1991, que vejo cair mísseis ao lado da minha casa. Passou-se reaLmente muito tempo des- de que isto tinha acontecido, durante a guerra do Golfo, e esta é uma grande diferença. A mi- nha casa está na zona de Telavive e era um lu- gar seguro. Eu ia à guerra e voltava, e via o meu apartamento no Norte de Telavive como o meu refúgio. Neste momento sinto que o invadiram. Invadiram a minha casa, os meus filhos, a mi- nha muLher, a minha mãe, que veio viver para Is- rael há ano e meio. Ela tem 87 anos e dá consi- go a ouvir as sirenes de aLerta de míssil. E a primeira vez que a sua mãe presencia um cenário assim? ELa viveu a Guerra Civil Espanhola. Na altura ti- nha 11 anos, era muito pequenina, e isso trau- 'UÁ FUI matzou-a. Já em Israel, a de ferro, PRESSIONADO, aqui cúpula equipamento que interceta os rockets Lançados pelo desde a Faixa de Gaza, está situa- da muito perto da casa deLa em TeLavive. ELa CLARO, MAS ouve as explosões e os estrondos ainda com mais força do que eu... Bom. são situações bas- tante desagradáveis. Como é hoje o dia a dia em Israel? NUNCA PUSERAM O dia a dia? É a rotina do medo. Dou-Lhe um exemplo concreto. Ainda no outro dia, antes de ir trabalhar, fui à rua passear a minha cadela - coitada, ela está o dia todo fechada, porque es- EM DÚVIDA A MINHA tamos a trabalhar de manhã à noite, por vezes 20 horas seguidas - e nessa aLtura começou a soar a sirene [que avisa o lançamento de um Eu à míssil] . olhei para as pessoas minha volta HONESTIDADE e só vi impotência. A sensação de "o que faço agora? Para onde vou?". As pessoas sabem que têm 90 segundos para se recolher, que passa- do esse tempo vai acontecer uma grande ex- Vi a cadela a correr e eu Judeu e natural do Porto, mas não sabemos onde ele caiu. Pode ter plosão. que começou cair] , próprio corri atrás dela... Acho que bati o recor- Cymerman deixou-se sido na sala da nossa casa ou do outro Lado da de dos 100 metros (risos). cidade, ou a cinco ou dez quilómetros. Ninguém Recolheu-se? influenciar pela história de sabe o que vai encontrar quando sai para a rua. Sim, consegui entrar nas escadas da minha Israel e pela da sua família. São situações difíceis, mas o que acho que é im- casa que, aLém dos quartos completamente portante é que em Israel há uma população ci- vedados que alguns prédios têm, são os locais Tinha 16 anos quando partiu vil que vive esta situação desde o ano 2000 con- mais seguros. Já Lá estava a minha muLher sozinho à descoberta da tinuamente e isso é aLgo que a imprensa inter- [Yael Kehat] e, de repente, reparo num turista nacional não refletiu com força suficiente. belga, que estava na rua e entrou nas escadas Terra Prometida. Hoje, é o Fala de quem vive em Israel. E quem vive na comigo, duas crianças que iam para a escola e mais premiado jornalista Faixa de Gaza? uma adolescente, que entraram na primeira Em Gaza vive-se também uma situação muito porta que se abriu. Tivemos 90 segundos com luso. Se em a sua dura, a popuLação também sofre continua- pessoas que não conhecíamos e que não nos vida é sinónimo de sucesso, mente, mas não é a mesma coisa. Durante épo- conheciam a tentar explicar-Lhes o que se es- cas bastante longas, nos úLtimos quatro anos, tava a passar e a acalmá-las. em Israel o seu êxito anda eles não tiveram nenhum tipo de incidente no Ao final destes anos a viver em esses dia dia, no Sul de Israel Israel, de mãos dadas com o perigo. seu a enquanto era con- 90 segundos ainda lhe parecem Longos? tínuo. Os rockets cairão gota a gota. É verdade Muito Longos mesmo. Só sabemos que acaba- u Ana Filipe Silveira que não provocaram muitas vítimas, mas... te- ram quando ouvimos o estrondo [do míssil a nho um amigo que perdeu a filha porque um roc/cetlhe caiu na cabeça. Era fiLha de um bra- Acho que se considerava que os rockets envia- sam ter passado mísseis químicos, o que pode- sileiro, o Nathan. ELa estava cansada dos dos da Faixa de Gaza para Israel eram primiti- rá ser extremamente grave. Esses mísseis rockets e foi viver com o namorado para uma vos. Ao princípio eram construídos em Gaza, os eram primitivos, mas daíà imprensa não expli- moshav [comunidade rural] mais longe da chamados Kasam, e faziam realmente parte de car um fenómeno que paralisa a vida de toda fronteira. Pensava que estaria mais segura e é uma indústria muito básica e rudimentar, mas uma região é um erro. Não houve um número verdade que o LocaL para onde foi é uma zona pa- depois começaram a chegar do Irão. Mesmo muito grande de vítimas, mas foi o suficiente pa- cífica... Chamava-se Dana... Ela saiu de casa pa- agora acho que há mísseis que continuam a en- ra traumatizar uma geração de jovens que c res- ra um jardim e, de repente, caiu-Lhe um míssil trare há até suspeitas de que ultimamente pos- ce a pensar nos nomes dos mísseis e no seu aL- em cima. Ao namorado, que estava a cinco me- cance, em vez pensar na música e nas coisas tí- tros, não lhe aconteceu nada (suspiro). É dramá- picas da adolescência. E faLo de uma geração tico, mas é assim a vida. 0 que espero é que o dos dois lados da fronteira, que está a crescer resultado desta guerra seja uma trégua real, com muitos traumas de guerra. que ponha fim a estes ataques. Nenhum país São duas gerações que se cruzam? Não ha- pode suportar viver assim anos atrás de anos. vendo judeus na Faixa de Gaza, como é a re- E espero também que os palestinianos em Gaza lação entre as duas populações? recuperem essa paz e que não haja mais ata- Não há judeus em Gaza há desde 2D05. Nesse ques israelitas de represália contra eles. ano, o governo de Israel decidiu retirar-se e des- Porque diz que a imprensa internacional mantelar os 21 coLonatos judaicos que aí havia não refletiu com força suficiente a realida- e onde vivam cerca de nove mil pessoas. Foi de em Israel? uma decisão política muito importante e isso é < uma das coisas que os israelitas pensam ser das mais absurdas. ELes dizem: "Retirámo-nos de Gaza e a resposta que tivemos é a continua- ção de mísseis, por isso, para que serviu a reti- rada?" Já os palestinianos dizem que Israelse retirou mas que continua a controlar as fron- teiras, o que também está certo. Isto é um cír- cuLo vicioso, porque Israel controLa as fronteiras

p_ara que não entrem armas. É um círculo vicioso quebrável? Com um acordo que ponha fim ao bloqueio de IsraeL e que assegure que não entrem mísseis dentro de Gaza. 0 Irão tenta permanentemen- te introduzir mísseis em Gaza e tenta compli- car a situação. Acho que neste momento, se se conseguir a trégua nas próximas horas, co- mo penso que acontecerá - seja antes ou de- pois de uma invasão israelita -, e essa trégua for anunciada peLo novo presidente do Egito [Mohammed Mursi], haverá uma mudança estratégica importante: em vez da influência do Irão dos últimos anos, vamos ver uma in- fluência maior do Egito, do Qatar e da Turquia, de aLguma maneira em coordenação com o Presidente Barack Obama, o que mudará a situação no terreno. Em relação a Barack Obama, ainda esta se- mana o comentador da SIC Miguel Sousa Tavares disse, e passo a citar: "Acho uma coincidência que assim que Barack Obama foi reeleito, e não é segredo nenhum que Is- rael apostava tudo em Mitt Romney e não nele, haja um conflito no Médio Oriente pa- ra testar até onde vai a vontade de proteção de Israel por parte do Presidente norte- -americano." O que aconteceu não foi IsraeL não apoiar Oba- ma, Quem não o apoiou foi o primeiro-mínistro Benjamín Netanyahu, que é um homem muito próximo dos repubLicanos norte-americanos. Ele era amigo de Romney, trabalhou com ele nos EUA, onde viveu durante muitos anos. Apesar disso, Obama tem sido extremamente correto com Netanyahu e com IsraeL, ao reco- nhecer o direito do país à autodefesa. Nos úLti- mos dias, disse várias vezes que Israel, como qualquer país soberano, não pode permitir que o ataquem com mísseis e que é normal que rea- ja. Mas também é normal que eLe esteja a ten- tar impedir uma invasão. Não o faz peLa força, não o faz pressionando, mas tentando um acordo que permita que IsraeL não invada Gaza. ELe sabe que quando começa uma guerra des- te tipo nunca se sabe como vai acabar. ca, isLamita, de uma ditadura feroz, que perse- Acredita que esse canto do mundo vai con- gue homossexuais e reLega as mulheres para seguir ter paz um dia ou esta é uma guerra segundo plano. Esta é uma civiLização totaL- perdida? mente diferente e que não está disposta, até Acho que terá, mas há que resolver uma série agora, a reconhecer o Estado de direito do povo de probLemas. Em primeiro lugar, os próprios judeu a sua soberania e à sua autodetermina- palestinianos estão divididos em dois grupos. Eu ção. Enquanto isso for assim, esta zona está gosto de falar em duas Palestinas: a da Cisjor- condenada à guerra, porque IsraeL não vai re- dânia e a de Gaza. A primeira é a mais modera- nunciar à sua soberania e independência. Eu es- da, a mais aberta, a mais ocidental, tenta criar pero que adotem uma política que lhes permi- um regime democrático. A segunda é teocráti- ta chegar a algum tipo de acordo no futuro e que entendam que Israel está aqui para ficar, cometeu graves erros éticos desde a segunda tica - de não misturar opinião e informação, que não é como os cruzados que viveram aqui intífada [em 2000] . Houve uma cobertura mui- de tentar verificar as coisas com os dois Lados. 190 anos e foram expulsos. Isto da mesma ma- to parciaL do conf Lito e na maioria dos casos par- Se estivéssemos a cobrir os problemas da neira que os palestinianos têm direito à sua au- cial pró-PaLestina. Acho que isto tem que ver pesca na União Europeia, provavelmente po- todeterminação. com a filosofia cristã, de existir uma identifica- deríamos falar apenas com um dos Lados. Mas ção com David e não com Golías. Houve muita aqui é preciso lembrar que estamos a cobrir "UM CONFLITO TEM SEMPRE DUAS VERDADES" falta de equilíbrio na forma de explicar as coi- um confLíto, e este têm sempre duas verda- sas. É lógico que, quando há uma imagem de des. Não podemos deixar que um lado domi- Foi para Israel em 1975, era então um jovem uma criança em frente de um tanque e as pes- no o outro. Digo isto também para aquela mi- com 16 anos. Passados estes anos, a sua soas não sabem o que há por detrás desse tan- noria de meios que faz isto pró-IsraeL, o que perspetiva relativamente ao conflito israe- que e dessa criança, se identificam automatica- acontece mais nos EUA do que na Europa. Se lo-árabe está diferente? mente sem fazer perguntas. Portugal nesse as- há algo que aprendi é que dos dois Lados há Agora vejo-o com os olhos de uma pessoa que peto errou menos. Mas Espanha, alguns países pessoas que sofrem, há seres humanos e, por o vive de perto, que conhece a realidade de uma escandinavos e a Grécia fizeram uma cobertu- detrás dos terroristas e dos militares mais du- maneira diferente. Hoje posso entender o body ra extremamente parciaL ros, há pessoas que querem que as deixem íanguage dos diferentes protagonistas. Perce- E hoje? tranquilas e uma vida melhor. bi que posso entender não só o que se diz mas Noto que há uma espécie de reflexão, uma ten- Essa consciência do que se passa dos também o que se pensa. Aqui toda a gente en- tativa de criar uma forma mais honesta - e não dois lados da fronteira é o segredo do seu tende que uma câmara de televisão ou um falo de objetividade porque isto não é matemá- sucesso? O nome Henrique Cymerman é computador são armas tão letais como um geralmente associado a um jornalismo Fl5 ou um tanque. Às vezes, mais até. Por isso, imparcial. é preciso ouvir o que se diz, mas não só. É pre- Isso é uma luta contínua que tenho comigo ciso também entender o que se diz. mesmo. É fácil ser dogmático na maneira de in- Nos últimos tempos, a comunicação social formar, sobretudo quando se estão a ver ima- tem justificado com mais intensidade as gens dramáticas e que não deixam ninguém in- ações militares israelitas. Isto quer dizer diferente. Mas temos de levantar a cabeça e que já há maior compreensão ou é uma ten- olhar para o outro Lado. tativa forçada de imparcialidade? É correspondente da SIC, do canal espa- No que tem que ver com o Médio Oriente acho nhol Antena 3 e do jornal La Vanguardia. que parte da imprensa, sobretudo a europeia, Além disso, é comentador regular nas te- < Levisões israelita e palestiniana, na brasilei- Como consegue movimentar-se naquele cia de anos no Local nos ensinam. É preciso co- ra e na norte-americana. Isto não é uma ver- que é tido como um dos Locais mais proble- nhecer e ter relações. Quando precisamos de dadeira confusão? mático do mundo? nos mexer em zonas de conflito, recorremos fre- (risos) Nenhuma. 0 Médio Oriente é um dos Lo- 0 essencial é seguir à risca uma série de proce- quentemente ao que chamamos de fixers, pes- cais mais interessantes do mundo. É um verda- dimentos. Não os oficiais, mas os que a experiên- soas que contratamos para servirem de nossos deiro laboratório humano. Encontramos de guias, de tradutores. Muitas vezes deslocamo- tudo num país com as mesmas dimensões do -nos nos carros deles por causa das matrícuLas, ALentejo, o que do ponto de vista jornalístico para não entrarmos em zona árabe com matrí- é extremamente empolgante. No caso da SIC cuLa de Israel, No fundo, o fixeré a pessoa que e da Antena 3, o que faço é procurar temas zela pela nossa segurança. que passem pelo meu próprio filtro de utili- A segurança é a única limitação? dade para os espectadores. As reportagens Quase. Em Israel, a liberdade de imprensa tem para a SIC são mais Longas, mais profundas. uma tradição muito forte. Mas a censura mili- Em Espanha, o jornalismo que se pratica tartambém é forte. Os meios de comunicação é mais curto, mais imediato. são pluralistas, não têm cores. A Liberdade é Desdobrar-se assim obriga-o não só a respeitada. Mas existem os segredos miLitares fazer diferente jornalismo mas também que não podem ser revelados. Nestes anos, só jornalismo em quatro línguas. quando entrevistei o espião nucLear Mordechai 0 que não é um entrave, mas não lhe vou di- Vanunué que fui chamado. Perguntaram-me o zer que é fáciL 0 facto de fazer teLevisão em que me tinha dito e eu disse por aLto, e eles per- hebraico, português, inglês e espanhol faz mitiram que eu avançasse com a entrevista. que não consiga falar nenhuma das Línguas Não podemos reveLar o que quer que seja que na perfeição (risos). Mas sabe que perceber ponha em causa a segurança de Israel. árabe já me salvou a vida. Uma vez estava a Apesar dessa liberdade de imprensa já ad- trabalhar e percebi o que estavam a dizer, o mitiu que sofre pressões de ambos os lados que me permitiu agir por antecipação e sa- do conflito. far-me de uma situação que poderia ser Sim, eles ligam-me. Com a internet tudo é ra- complicada. pidamente difundido, traduzido, o que escrevo e o que diga em teLevisão. ELes sabem imedia- cias Políticas. Como é que o jornalismo se 0 medo... eu tento que eLe não me conquiste, tamente o que faço. Encontro textos em hebrai- atravessou na vida de um docente? não me paralise. Hoje, tenho medo de ter co e em árabe nos escritórios dos ministros dos Acho que o que mais me influenciou foi a revo- medo. Tenho medo de voltar a ter medo. Acho Negócios Estrangeiros de um lado e do outro. lução do 25 de Abril de 1974 e o meu pai, que que nesta etapa da minha vida profissionaL é Seguem cada palavra e chamam-me a atenção era viciado em jornais. Comprava três ou qua- esse o meu maior medo. quando não estão de acordo com aLguma coi- tro por dia e lembro-me de ele comentar sem- Já não tem medo dos acontecimentos, mas sa. Já fui pressionado, claro, mas há uma coisa pre a importância que os jornalistas tinham e a da sua reação a eles? que nunca puseram em dúvida e isso é o meu sua inf Luência na opinião pública e na democra- Não quero deixar ninguém provocar-me medo. grande orgulho: a minha honestidade. cia, que àquela data ainda não era cLara nem ga- Isso foi algo que pensei muito claramente há dias, Já se tentaram aproveitar do facto de ter rantida. Acho que esse vaLor que o meu pai dava quando estive à espera do míssil que ia cair em Te- bons contactos e relações para passar ao jornalismo me marcou, e devo ter pensado lavive perto de mim. Pensei "não vou deixaro medo mensagens de um Lado para o outro? que algum dia haveria de fazer isso também. apoderar-se de mim, vou continuar tranquilo pa- Já me aconteceu dezenas de vezes. Começou pela imprensa e foi parar à teLe- ra poder sossegar os que estão a minha voLta ain- Como reage? visão. Lembra-se do seu primeiro direto? da mais nervosos e assustados". Com a experiên- Permita-me não responder a isso. (risos) Lembro-me de que tinha medo de não cia, a verdade é que tenho medo que consigam al- A honestidade na sua forma de fazer jorna- me recordar do texto. Pedi a um rapaz que ain- gum dia, sobretudo os mais radicais, intimidar-me. lismo tem ajudado a que haja em Portugal da hoje trabalha comigo para o escrevermos Eu não vou deixar que isso aconteça. e Espanha uma consciência maior em rela- numa cartolina, que foi posta debaixo da câma- O facto de ser pai de três jovens não incen- ção ao Médio Oriente? ra. Comecei a lê-lo e quando terminei estava tiva também a deixar-se dominar por esse {pausa) Há muita gente que me diz isso... Eu sei todo dobrado, parecia que estava a rezar, pcr- medo? que depois de tantos anos tenho influência nas que a cartoLina era grande e o fim do texto já es- Claro que ser pai torna tudo mais compLicado. pessoas... Mas não penso nisso. Penso é em fa- tava perto do chão (risos). Compreendi que ti- Como é que se explica aos filhos que eles zer o meu trabalho e explicar as coisas da for- nha de saber de cor o que queria dizer. têm de fugir e esconder-se em escadas e ma mais pedagógica possível, para que a situa- Ou seja, não esmoreceu perante o desa- bunters quando ouvem sirenes? Que há pe- ção se entenda e não se complique mais. fio. É um homem que enfrenta todos os rigo de vida? Essa é uma atitude típica de um professor, seus medos? Estou a Lembrar-me de que Eles nasceram aqui, nasceram com essa rea- como aliás o foi na Faculdade de Telavive, disse, em tempos, que o medo é o seu se- lidade. Israel é a casa deles. Isto não quer dizer onde se especializou em Sociologia e Ciên- guro devida. que não tenham medo. A minha filha mais no- i va, a Noa, no dia seguinte ao seu 14. Q aniversá- Em 2011, Henrique Cymerman aceitou ser entrevistado pelo brasileiro Jô Soares no seu programa da TV Globo rio, tinha de apanhar um táxi de casa da mãe dela para a minha casa. Estávamos numa guerra, já não sei qual. E ela Ligou-me e disse- é o que eu faço no meu trabalho. Até deixo as Sem dúvida. Por todo o seu significado. Mas além -me que tinha medo da viagem, que, durante o pessoas à minha volta um pouco esgotadas disso há uma personagem que para mim é fas- percurso, se a sirene tocasse não saberia o que com isto, com o terminar uma reportagem e cinante. Vejo-o como o estadista mais brilhante fazer. Isto não é fácil de ouvir. querer pensar logo na seguinte. que encontrei até agora, que é . O que diz aos seus filhos nessas alturas? Calculo que também não saiba quantos lí- E possível, aliás, que eu escreva uma biografia so- Tenta impedi-los de sair para os manter deres políticos entrevistou? bre ele. Acho queodrama deste presidente é eLe sempre em locais mais seguros? Também não. Nunca os contei, mas devem ser estar à frente do seu tempo. É uma das pessoas De maneira alguma. Tenho mais medo do prejuí- várias dezenas. mais profundas e um dos intelectuais mais bri- zo psicoLógico, das consequências de sentirem De todas as que fez, há uma que fica na his- Lhantes que já encontrei na minha vida. medo do que do perigo real. É menos provável tória: a última realizada a Isaac Rabin, em Está a pensar escrever uma biografia ou já acontecer algo terrível do que essa sensação de novembro de 1995, 24 horas antes do pre- está a escrevê-la? crescer com medo. Por isso, tento dar-lhes liber- sidente israelita ter sido assassinado. Ele pediu-me e estamos a falar disso. Vamos dade, segurança neLes mesmos. ver o que vai acontecer. Será uma biografia his- tórica, aLgo um pouco diferente. Será provaveL- "NÃO GOSTO DE OLHAR PARA 0 RETROVISOR. mente o úLtimo livro que sairá sobre o prémio PREFIRO A JANELA DA FRENTE" Nobel da Paz. ELe faz 90 anos em agosto e con- tinua a trabalhar 18 horas por dia com a maior O seu irmão, Carlos Cymerman, também foi energia e com uma inteligência extraordinária. correspondente em Israel, no caso da RTP. No meio de tudo, acha que consegue ir a Es- O apelido Cymerman não é um fardo pesa- panha no dia 4 de dezembro para receber a do para ele? Comenda da Ordem do Mérito Civil espa- (risos) Eu sei Lá... isso era preciso perguntar ao nhola, que lhe foi recentemente atribuída? meu irmão (risos). Digamos que eu sou o irmão Ui... daqui até ao dia 4 ainda faltam muitos dias. mais jovem dele, tenho menos oito anos. ELe Vou primeiro passar o dia 2, o dia 3 (risos). olha para mim com orguLho. 0 Carlos era um se- Qual a sua relação com os reis espanhóis? gundo pai para mim quando eu era miúdo. Mas Conheço-os pessoaLmente e sei que eles Lêem não sei... eu suponho que ele está contente. Ca- o que escrevo no La Vanguardiae assistem às da um é o que é, com quaLidades e defeitos. Di- minhas peças na Antena 3 há muitos anos. zem que as comparações são odiosas (risos). Este prémio é mais um a juntar aos muitos Tem ideia de quantas horas de reportagem com que já foi distinguido ou tem um sabor já assinou? especial por ser entregue pelo monarca es- Não sei, mas devem ser muitas. Tenho todas as panhol? reportagens guardadas, mas não tenho paciên- De todos os que recebi há dois especiais: a Or- cia para as ver. Sou muito crítico comigo mesmo dem do Infante D. Henrique e o Prémio Daniel e prefiro não ver. 0 passado é importante, não Pearl [jornalista norte-americano sequestrado digo que não, mas não gosto de olhar para o re- e assassinado no Paquistão]. Este tem um si- trovisor. Prefiro a janela da frente. É importan- gnificado maior para a minha mãe. Ela é espa- te pensar no próximo projeto. Isto foi uma coisa nhola e toda a família, judeus sefarditas, foi ex- que vi acontecer também com o cantor lírico puLsa de Espanha há 500 anos pelos monarcas Plácido Domingo, que iniciou a carreira em Te- de então. Agora, com os seus 87 anos, ela vê o lavive, onde viveu dois anos. Ele contou-me que filho receber a maior condecoração do país en- quando termina uma ópera canta de imediato a tregue peLo rei. Acho que ela sente que foi fei- primeira Linha da próxima. De forma metafórica ta justiça. "TENHO UMA CASA EM PORTUGAL. gens que fez, o Yaír encontrou portugueses e Depois, li muito sobre a democracia israelita e SE NÃO FÍSICA, PELO MENOS MENTAL" sentiu uma enorme afinidade com eles. Nunca sobre o Médio Oriente. Quando vim, aos 16 pensei que isto acontecesse... anos, para o kibutz disse aos meus pais que Vir para Portugal e deixar Israel não lhe pas- Portugal estás-lhes no sangue. não voLtava. Vinha passar cá o verão e, de re- sa pela cabeça? Provavelmente. Apesar de eles terem estado aí pente, os meus colegas no Liceu Garcia de Neste momento não. Mas não sei. Todos muda- menos do que eu gostaria, sentem quaLquer Horta, no Porto, descobriram que eu não vol- mose pode serque haja uma aLtura em que me coisa. Eu vejo que eles olham para PortugaL de tei para acabar o sétimo ano. Acabei por estu- apeteça fazer outras coisas e ter outro ritmo. É uma forma diferente. Não é um país estrangei- dar cá e organizar cá a minha vida. De alguma possível. Tenho uma casa em Portugal. Se não ro qualquer. maneira, fui um self made man. Ou um seíf física, peLo menos mental. De alguma maneira, O que eles sentem é comparável ao que o made boy (risos). Portugal também é uma casa para mim. Em Henrique sentiu quando aos 16 anos deci- Conhecer o passado da sua família, que so- Espanha não me sinto em casa, nunca me sen- diu ir para Israel? O que o motivou nessa freu com o Holocausto, também influenciou ti. O único sítio, além de Israel, onde me sinto em altura? essa decisão? casa é mesmo Portugal. É bastante difícil de ex- O que lhe vou contar parece uma novela, mas Sem dúvida alguma. Aos 13 anos descobri que plicar o que sinto quando vou a PortugaL E é di- não é. O pai da minha muLher era o cônsul Mi- dezenas de pessoas da minha família tinham fíciL falar do futuro. Aqui vi- sido exterminadas, todas no ve-se o dia a dia e e aqui mesmo dia, no princípio da que tenho a minha famí- Segunda Guerra Mundial lia, a minha mulher... Ape- Os meus avós tinham deci- sar de ela ter nascido em dido fazer uma espécie de Lisboa, 0 pai dela era aídi- voto de silêncio porque o plomata. ELa nasceu na meu avô não queria conta- clínica de Benfica e nós minar-nos, não queria fa- costumamos rir muito lar-nos disso para não co- porque ela é alfacinha e nhecermos o ódio. Foi a for- eu sou tripeiro. Andamos ma de ele viver os seus sempre a brincar por cau- anos depois do Holocausto, sa disso. Mas o facto de eu ser mui- É curioso como os vos- to curioso... Eu não o larga- sos destinos, o do Hen- va e eLe Lá me contou... rique e de Yael [produ- E o que é que lhe contou? tora televisiva], se cru- Que os meus bisavós e os zaram. tios-avós viviam em Tutsk, Agora até trabalhamos na atual Ucrânia, na altu- juntos. Eu sempre disse ra era PoLónia, que foram que nunca trabalharia com reunidos numa zona da ci- a minha mulher; masacon- dade e que foram fuzila- teceu de forma totalmen- dos. Até hoje, eu não tive te natural. Nada foi pla- coragem de ir a Tutsk. neado, o que até é uma coi- Este ano tenho planos de sa pouco comum na minha lá ir com o meu filho pres- vida. Ela está comigo o tar-Lhes uma pequena ho- tempo quase todo. É como menagem. É muito duro minha chefe (risos). para mim pensar nisso e Os seus filhos [do pri evitei lá ir até agora. Nem meiro casamento com nunca estive num campo Esther Alcabes] pen- de concentração. Mas sam como o Henrique penso que hoje já estou relativamente a Portu- preparado. gal? chael Kehat e ele fez um discurso quando eu Estar num país em permanente conflito aju- Eles vão frequentemente a PortugaL, mas eu tinha 11 anos. Tinha combatido na Guerra dos dou-o a ter coragem para enfrentar o seu penso que eles vão ficar em Israel A mais no- Seis Dias Ounho de 1967] quatro anos antes, passado familiar? va ainda é pequena, não sei o que vai fazer da e eu lembro-me do impacte que as declara- Não se pode comparar o que se vive e se vê em vida dela, 0 meu filho tem amigos portugueses ções dele tiveram em mim. Depois, a grande IsraeL com os campos de concentração. Isto é que conheceu em viagens pelo mundo. ELe está frustração do meu avô era não ter vindo em jo- um conflito poLítico, militar, e pode ser muito metido no mundo da televisão e gosta de fazer vem para Israel, Ele chegou a PortugaL vindo sangrento, mas é incomparável ao que aconte- documentários... da PoLónia, em 1926, se não me engano no dia ceu no Holocausto, que é a maior tragédia da Influência do pai? da revoLução do marechal Carmona, e mete- história da humanidade. Estou a lembrar-me, Ah... o que é que se há de fazer? (risos) Ele es- ram-no na prisão porque acharam que ele era por ter falado no meu avô, que quando era miú- teve no Vietname a filmar num orfanato, este- um agente soviético comunista. Quando ele do ele não queria saber o que é que eu tinha fei- ve voluntariamente nesse orfanato. A minha fi- saiu depois de perceberem que era engano, o to na escola. Questionava-me antes que per- lha também esteve num orfanato, mas no meu avô apaíxonou-se por Lisboa e optou por gunta tinha eu feito. O que o meu avô talvez não Gana... não sei é eLes dois fica aí ELe tinha vínculo IsraeL muito é viria isso o que que têm os com . um com imaginasse que eu a ter mesmo co- os orfanatos (risos). Bem, mas durante as via- forte e acho que tudo isso me foi transmitido. mo profissão: perguntar. NTV