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19º Congresso Brasileiro de Sociologia 9 a 12 de julho de 2019 UFSC - Florianópolis, SC GT09 - Pensamento Social no Brasil O CONSERVADORISMO E O LIBERALISMO NO DISCURSO JORNALÍSTICO DE PAULO FRANCIS Laís Oliveira (UFJF) 1 Introdução Franz Paul Trannin da Matta Heilborn, mais conhecido como Paulo Francis, foi um jornalista brasileiro que se tornou célebre nas décadas de 1980-90 devido ao seu jeito único de falar com voz arrastada e inebriada, que emitia “frases curtas em staccato, definitivas e cínicas”. (KUCINSKI , 20001) Ao longo de quase 50 anos de carreira Francis foi um jornalista que construiu um personagem de si mesmo, engraçado e caricatural, transformando-se no fim da vida em um grande show man do jornalismo brasileiro. Este personagem era o polemista que se colocava sempre que possível contra tudo e todos, às vezes cínico e virulento em ataques a personalidades públicas, mas sempre ilustrado e bem informado, e que nunca se posicionou bem e claramente em termos políticos e ideológicos. Como bem notou Eduardo Sterzi (2000, p. 1) “se o Francis comunista podia ser escandalosamente elitista em seus gostos e posições, o Francis conservador também se mostrou eivado de um anarquismo insopitável”. Sua carreira jornalística teve início nos finais dos anos 1950 como crítico de teatro e cultura, após uma breve, porém, profícua, carreira de ator e diretor teatral. Na década de 1960 já tendo abandonado o jornalismo cultural e ingressado de vez no jornalismo político, Francis, paralelamente a outros 1 Disponível em: http://kucinski.com.br/visualiza_noticia.php?id_noticia=407. Acesso em: março de 2016 trabalhos em outros periódicos, fez parte da fundação do semanário alternativo de humor O Pasquim2 e: ideologicamente, era alinhado a esquerda e considerado um trotskista pela força dos seus argumentos e posição frente aos desequilíbrios do Regime Militar brasileiro e fatos internacionais, como a invasão do Vietnã pelos EUA, o que o levou a ser preso, em dezembro de 1968, logo após a promulgação do AI-5. Em 1971, mudou-se definitivamente para Nova York [...] colaborando, à distância, com diversos jornais e revistas brasileiros (O Globo, Folha de São Paulo, O Estado de São Paulo), bem como a televisão. Aos poucos abandonou alguns dos seus posicionamentos ideológicos, redefinindo-os em outra direção, com que ganhou a pecha de conservador, esnobe, elitizado e de direita. (RODRIGUES, 2016, p. 1) É bastante conhecida esta trajetória ideológica de rupturas e ambiguidades que o jornalista percorreu, a partir desta mudança definitiva para Nova York como correspondente internacional do jornal Folha de São Paulo, sendo a mesma convergente nos anos 1980/90 com a trajetória de tantos outros intelectuais, que como Francis, se deslocaram da esquerda para a direita do espectro político. Uma das razões para a elaboração desta pesquisa foi tentar melhor caracterizar este deslocamento3 ideológico do jornalista de uma maneira ainda inédita nos estudos existentes sobre o mesmo4. Desta forma, a hipótese com que se trabalhou neste projeto foi a de que preceitos “classicamente” liberais e defesas “classicamente” conservadoras se confundiam na tomada de posições de Paulo Francis, formando uma visão de mundo ambígua e contraditória em aparência, porém bastante consistente em sua capacidade de se fazer ouvir/influenciar seus leitores. Falarei a respeito das características desta visão de mundo mais à frente quando da análise das colunas de Francis no seu “Diário da Corte”. Antes, porém, falarei brevemente do mapa conceitual que nos serviu de base para chegar a este ponto. 2 Criado em 1969 O Pasquim existiu durante boa parte da ditadura militar como periódico alternativo de humor e crítica ao governo brasileiro. Francis se juntou ao núcleo fundador já no primeiro ano de existência do jornal, “debutando” no número 6 com um texto sobre o Marquês de Sade. Segundo Bernardo Kucinski, o hebdomadário provocou uma revolução na linguagem do jornalismo brasileiro instituindo “uma oralidade que ia além da mera transferência da linguagem coloquial para a escrita do jornal. Essa revolução, semi-apreendida pela imprensa nos anos seguintes, teve impacto profundo na publicidade”. (KUCINSKI, 1991, p. 108) 3 Não trabalhamos com a ideia de conversão, pois esta sugere uma mudança abrupta, radical, o que não parece ter ocorrido com Francis de fato, uma vez que o jornalista mesclou durante toda vida posicionamentos ideológicos conflitantes. 4 Estes estudos somam uma tese de doutorado e seis dissertações de mestrado. Ver nas referências. 2 As origens e o significado de conservadorismo liberal 2.1 O conservadorismo e o liberalismo na Europa O primeiro estímulo do pensamento conservador veio da Inglaterra com Edmund Burke5 e a publicação de seu livro Reflexões sobre a revolução na França (Reflections on the Revolution in France de 1790) – um livro que para nosso espanto serve de inspiração tanto para os conservadores como para os conservadores liberais, o que será falado mais à frente. Para Karl Mannheim (1981), no entanto, foi na Alemanha e não na Inglaterra que ocorreu um processo de se pensar filosoficamente e até as últimas consequências o que seria o conservadorismo, sendo neste país o local onde este se desenvolveu com mais vigor. Para este autor, o conservadorismo da primeira metade do século XIX como estilo6 de pensamento consciente e reflexivo7 teria surgido como reação aos ideais revolucionários, sobretudo, no tocante à ideia de liberdade e igualdade dos liberais, representadas pelo “direito ao mais completo exercício dos inalienáveis Direitos do Homem”. (MANNHEIM, 1981, p. 115). Para se opor aos Direitos Humanos os conservadores criaram outra ideia, a de que [...] Os homens são essencialmente desiguais, desiguais em seus dotes naturais e habilidades e desiguais até o mais profundo cerne de seus seres. A liberdade, portanto, só pode consistir na habilidade de cada homem de se desenvolver sem impedimentos ou obstáculos de acordo com as leis e princípios de sua própria personalidade. (MANNHEIM, 1981, p.115) 5 Edmund Burke foi um estadista irlandês, membro do parlamento londrino pelo Partido Whig – de inclinações liberais. Suas reflexões foram feitas a um correspondente seu na França em forma de cartas, e posteriormente, publicadas sob a forma de livro em 1790. “Há relativo consenso, no debate sobre o pensamento social e político fundado na modernidade, quanto às Reflexões de Edmund Burke constituírem-se como ponto de partida do conservadorismo clássico. Nelas, estão condensados também os ideais culturais e simbólicos das classes sociais golpeadas pela Revolução Francesa, com destaque para a aristocracia feudal”. (SOUZA, 2016, p. 362) 6 Mannheim quer estudar o pensamento baseado na sociologia do conhecimento – disciplina criada por ele. Do ponto de vista desta disciplina “a história do pensamento não é uma mera história das ideias, mas uma análise de diferentes estilos de pensamento enquanto crescem e se desenvolvem, fundem-se e desaparecem; e a chave para a compreensão das mudanças nas ideias deve ser encontrada nas circunstâncias sociais em mudança, principalmente no destino dos grupos ou classes sociais que são os “portadores” desses estilos de pensamento”. (MANNHEIM, 1981, p. 78) Basicamente, tomamos este como nosso ponto de partida principal. 7 Ou seja, conservadorismo é muito diferente do mero tradicionalismo – que significa um conservadorismo natural, “uma tendência a se apegar a padrões vegetativos, a velhas formas de vida que podemos considerar razoavelmente universais e onipresentes. A palavra designa em grau maior ou menor a característica psicológica formal de toda mente individual. [...] O conservadorismo seria em ultima analise o tradicionalismo tornado consciente [...]”. (MANNHEIM, 1981, p. 110) Em outras palavras, para Karl Mannheim (1981) o conservadorismo trata de uma maneira de ver o mundo surgida no bojo dos acontecimentos8 que deram origem ao mundo Moderno e que “surge em oposição ao movimento progressista altamente organizado, coerente e sistemático” (p. 11) da burguesia racional e capitalista. Ou seja, a base ideológica original do conservadorismo, ao menos na Alemanha, se compõe de posições anti-racionalistas, anti-burguesia e anti- capitalismo, porém geralmente se acredita que os socialistas é que foram os primeiros a criticar o capitalismo enquanto sistema social; na verdade, segundo Mannheim (1981) “há várias indicações de que as críticas começaram na oposição de direita e foram depois gradualmente assumidas pela oposição de esquerda.” (p. 97) Posto isso para lembrar que o significado destes conceitos ideológicos se modificou bastante ao longo da história, não pertencendo jamais a um sistema pronto e acabado, mas sendo um modo de pensar em contínuo processo de desenvolvimento. Desta forma, “o conservadorismo não queria apenas pensar alguma coisa diferente de seus oponentes liberais; ele queria pensa-lo diferentemente”. (MANNHEIM, 1981, p. 128-131) O seu problema chave sempre foi pensar algo em oposição ao pensamento do jusnaturalismo liberal. Ricardo Pinto (2001) em estudo sobre o neorepublicanismo mostra como a palavra República “expressou e ainda expressa sentidos diversos e, por vezes, contraditórios.” O mesmo acontece com o liberalismo que segundo Wanderley Guilherme dos Santos (1998) é hoje “um termo vago. Como liberal alguém pode ser considerado altamente progressista e também por liberal alguém pode ser muitas vezes visto como inabalável conservador”. Para Merquior (1991) há na verdade uma “impressionante variedade dos liberalismos: há vários