Jornalismo Literário E Cultural: Perspectiva Histórica
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Jornalismo literário e cultural: Perspectiva histórica Aline Strelow * Índice que caracterizam estas especializações do jornalismo, em diferentes épocas, e o con- 1. Introdução1 texto histórico no qual estão inseridas. A 2. Jornalismo literário: O início de tudo1 linha histórica permite compreendermos as 3. O romance-folhetim e a popularização motivações das mudanças que se estabele- da literatura6 cem neste campo, assim como as pressões 4. O fenômeno chega ao Brasil7 sofridas e as subversões possíveis. 5. Jornalismo cultural no século XX9 6. Jornalismo cultural no século XX – Brasil 12 1. Introdução 7. Referências 14 A cultura é objeto dos jornais desde seu surgimento. No entanto, dentre os assun- tos contemplados pelo que se convencionou chamar de jornalismo cultural, a literatura Resumo foi o primeiro a ocupar lugar nas páginas dos periódicos. Neste trabalho, abordaremos o Este trabalho tem como objetivo traçar um jornalismo literário e cultural em uma per- breve histórico do jornalismo literário e cul- spectiva histórica, que relaciona a realidade tural, desde o surgimento da crítica literária, de alguns dos periódicos mais importantes na França, em 1665, até os dias de hoje, publicados na área com o contexto que os no Brasil. Através do método histórico e circunda. do diálogo com diferentes autores que abor- daram o tema, pretendemos apresentar um panorama que pode servir como ponto de 2. Jornalismo literário: O início de partida para os pesquisadores interessados tudo em estudar o assunto. Ao longo do percurso do texto, são dis- A crítica literária emergiu na França em cutidas as relações entre as peculiaridades 1665, na gazeta especializada Journal des Savants. Anunciar os livros novos, dar uma *Jornalista. Professora do curso de Comunicação idéia de seu conteúdo, divulgar e documentar Social da Universidade Federal do Rio Grande do Sul as novas descobertas científicas eram alguns (UFRGS). Doutora em Comunicação Social pela Pon- tifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul de seus objetivos. É dessa folha, também, o (PUCRS). pioneirismo em usar o termo jornal para des- 2 Aline Strelow ignar um periódico. Conforme consta no di- para informar aos eruditos do que ocorre de cionário da Academia Francesa, de 1684, na novo na república das letras tem sido univer- origem, jornal quer dizer um periódico espe- salmente aprovado por todas as nações. Há cializado em literatura. (ARNT, 2001). poucas cidades, a exemplo de Paris, que não o façam. Nosso jornal tem sido traduzido O Journal des Savants inaugurou um na Itália. O mesmo tem acontecido na Ale- tipo de imprensa de oposição ao sis- manha”. Houve, também, uma tradução tema, com a crítica aos filósofos das latina. Ao anunciar Gallois, em 1678, que Luzes, que defendiam o absolutismo es- adotaria, dali em diante, um formato menor, clarecido. Acabou abandonando a crítica explicava assim: “A intensidade como se literária devido às perseguições e à cen- pede o Journal des Savants nos países es- sura. Outros jornais literários surgi- trangeiros, assim como nas províncias mais ram na França, mas utilizando uma fór- longínquas do reino, têm obrigado o autor a mula subserviente, sem contrariar a or- enviá-lo como uma carta” (1962, p.25)1 . dem constituída. O de maior sucesso Em 1666, provavelmente mais por coin- no final do século XVII foi o Nouvelles cidência do que por imitação, foi lançado de la Republique des Lettres, dirigido o periódico Philosophical Transactions, pela por Bayle, que, de tão acomodado, re- Sociedade Real de Londres. A folha, men- cebeu cartas de felicitação da Academia cionada elogiosamente pelo jornal francês, Francesa e da Societé Royale, institu- teve o mesmo valor científico e abrangência ições fiscalizadoras dos padrões estéticos internacional. Em 1675, em Leipzig (Ale- (ARNT, 2001, p.27). manha), surgiu a versão latina desta publi- cação. Conforme Arnt (2001, p.27), o Journal Desfontaines editou, também, o jornal des Savants passou a ter uma existência pas- Observations sur les écrits modernes, fun- siva, dando informes científicos objetivos dado em 1735, onde atacava fortemente a por mais de cem anos, até 1792, quando Academia e, por isso, foi fechado em pouco deixou de circular. “Este jornal trouxe uma tempo. Um de seus seguidores foi Fréron, outra contribuição importante: durante um que publicou o Année Litteraire, dedicado à curto prazo, dirigido por Desfontaines, ado- crítica literária e, indiretamente, à política, tou, pela primeira vez na história da im- uma vez que questionava as reformas pro- prensa, uma linha de crítica literária mili- postas pelos filósofos. No entanto, Fréron tante e agressiva” (2001, p.27), completa, não contemplava a crítica política. “Quem ressaltando o relevante papel desse jornalista quisesse ler sobre a política francesa tinha na popularização das discussões literárias. de continuar comprando as gazetas holan- A publicação respondia, de acordo com desas. Além desses jornais literários, as úni- Weill, a uma necessidade; por isso, seu êx- cas opções eram as gazetas oficiais, que con- ito foi rápido, assim como sua circulação em tinuavam sob forte censura”, explica Arnt outros países europeus. (2001). Segundo ela, os jornais literários O Journal des Savants pode publicar em 1 seguida: “A tarefa de fazer um periódico Tradução da autora. www.bocc.ubi.pt Jornalismo literário e cultural 3 se propagaram por toda a Europa, evoluindo plica (1973, p.179). Se nos livros ainda se para um gênero que a autora define como mantinha o gosto clássico, na imprensa im- híbrido: jornais políticos que continham perava o talento, a sutileza e a técnica. E crítica literária. isso influenciou poderosamente a literatura Um marco dos princípios do jornalismo global, tornando-a cada vez mais acessível. cultural, para Piza (2003), é o ano de 1711. Foi nesta data que Richard Steele e Joseph Addison fundaram, na Inglaterra, a revista Através destes periódicos, cujas breves diária The Spectator. O objetivo da publi- dissertações pseudocientíficas e expli- cação era tirar a filosofia dos gabinetes e bib- cações éticas constituem a melhor in- liotecas, escolas e faculdades, e levá-la para trodução à leitura de livros, começam clubes e assembléias, casas de chá e cafés. a acostumar o público ao desfrute reg- A temática da publicação relacionava-se ular da literatura séria; através deles se com as questões da cidade, no caso, Lon- converte a literatura, pela primeira vez, dres. O jornalismo cultural inglês, dedi- em costume e em uma necessidade para cado à avaliação de idéias, valores e artes, setores da sociedade relativamente amp- é produto de uma era que se inicia de- los. Depois da Revolução, os escritores pois do Renascimento, quando as máquinas já não precisam encontrar seus prote- começaram a transformar a economia, a tores na corte. O papel dos círculos da primeira revolução industrial já ocorrera e o corte como produtores de literatura é as- humanismo se propagara da Itália por toda sumido pelos partidos políticos, que lu- a Europa. Sua prática ajudou a dar luz ao tam às vezes encarniçadamente, e pe- movimento iluminista que marcou o século los governos, que sabem bem o quanto XVIII (PIZA, 2003). dependem da opinião pública. Tories The Spectator começou a circular com três e whigs têm que manter uma contínua mil exemplares, uma grande tiragem para a luta pela influência política, na qual uma época. Alguns números chegaram a sair com arma fundamental é a propaganda através vinte e até trinta mil exemplares. Sua in- da comunicação literária. Os escritores, fluência foi tão grande que se podem arrolar queiram ou não, têm de encarregar-se cerca de cem títulos de periódicos de ensaios desta tarefa, porque se não têm patroci- surgidos na Inglaterra até 1750. “Mas nen- nadores na corte e os livros não propor- hum estava à altura de Spectator, cujo grande cionam ainda notáveis valores, hão de en- êxito durou até 1712”, quando começa ser contrar na propaganda política, nos per- cobrado imposto sobre o papel, uma decisão iódicos que a realizam, uma fonte de política para enfraquecer a imprensa, como renda que lhes ofereça garantias (MON- explica Weill (1962, p. 46). Conforme Mon- TORO, 1973, p.183)3 . toro, é nas páginas deste periódico que surge o ensaio inglês. “Como o povo se alfabet- Assim, Steele e Addison se converteram iza, suas idéias alcançam a maioria”2 , ex- em representantes dos interesses dos whigs; 3 2 Tradução da autora. Tradução da autora. www.bocc.ubi.pt 4 Aline Strelow Defoe e Jonathan Swift transformaram- ização do conhecimento e da literatura, o au- se em jornalistas-panfletistas políticos, o tor acabou voltando-se contra os jornalistas, primeiro como whig e o segundo como tory4 depois de ser atacado pela imprensa oficial. Para Montoro (1973), foram estes últi- Em Ilusões perdidas, Honoré de Balzac mos os grandes jornalistas da época. Em traça seu panorama da burguesia francesa do uma das publicações de Defoe, The Mer- século XIX, com destaque para o papel pre- cator, foram publicados vários capítulos de ponderante dos jornais e dos jornalistas. A Robinson Crusoé, obra máxima da literatura corrupção do jornalismo, especialmente em criada pelo pensamento whig, embora o per- sua relação comercial com a literatura, ca- iódico fosse alinhado com os tories. paz de transformar em verdadeiro sucesso O jornalismo mudou drasticamente a situ- textos medíocres, e de deixar marginalizadas ação econômica e social dos escritores ingle- importantes criações literárias, mantém-se ses. Primeiro, pois lhes proporcionou diver- um assunto de assombrosa atualidade. Seu sos benefícios, e, segundo, porque, através personagem, Lucien Chardon, poeta provin- dos periódicos, fomentou a leitura e transfor- ciano que se muda para a capital com o ob- mou o povo inglês em notável consumidor de jetivo de viver da literatura, acaba, como livros. “O jornalismo permitiu que muitos muitos escritores da época e de agora, tra- escritores mantivessem certa independência balhando na imprensa diária e constituindo- econômica, o que redundava em sua inde- se neste híbrido de jornalista-escritor.