Jornalismo literário e cultural: Perspectiva histórica

Aline Strelow *

Índice que caracterizam estas especializações do jornalismo, em diferentes épocas, e o con- 1. Introdução1 texto histórico no qual estão inseridas. A 2. Jornalismo literário: O início de tudo1 linha histórica permite compreendermos as 3. O romance-folhetim e a popularização motivações das mudanças que se estabele- da literatura6 cem neste campo, assim como as pressões 4. O fenômeno chega ao Brasil7 sofridas e as subversões possíveis. 5. Jornalismo cultural no século XX9 6. Jornalismo cultural no século XX – Brasil 12 1. Introdução 7. Referências 14 A cultura é objeto dos jornais desde seu surgimento. No entanto, dentre os assun- tos contemplados pelo que se convencionou chamar de jornalismo cultural, a literatura Resumo foi o primeiro a ocupar lugar nas páginas dos periódicos. Neste trabalho, abordaremos o Este trabalho tem como objetivo traçar um jornalismo literário e cultural em uma per- breve histórico do jornalismo literário e cul- spectiva histórica, que relaciona a realidade tural, desde o surgimento da crítica literária, de alguns dos periódicos mais importantes na França, em 1665, até os dias de hoje, publicados na área com o contexto que os no Brasil. Através do método histórico e circunda. do diálogo com diferentes autores que abor- daram o tema, pretendemos apresentar um panorama que pode servir como ponto de 2. Jornalismo literário: O início de partida para os pesquisadores interessados tudo em estudar o assunto. Ao longo do percurso do texto, são dis- A crítica literária emergiu na França em cutidas as relações entre as peculiaridades 1665, na gazeta especializada Journal des Savants. Anunciar os livros novos, dar uma *Jornalista. Professora do curso de Comunicação idéia de seu conteúdo, divulgar e documentar Social da Universidade Federal do Rio Grande do Sul as novas descobertas científicas eram alguns (UFRGS). Doutora em Comunicação Social pela Pon- tifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul de seus objetivos. É dessa folha, também, o (PUCRS). pioneirismo em usar o termo jornal para des- 2 Aline Strelow ignar um periódico. Conforme consta no di- para informar aos eruditos do que ocorre de cionário da Academia Francesa, de 1684, na novo na república das letras tem sido univer- origem, jornal quer dizer um periódico espe- salmente aprovado por todas as nações. Há cializado em literatura. (ARNT, 2001). poucas cidades, a exemplo de Paris, que não o façam. Nosso jornal tem sido traduzido O Journal des Savants inaugurou um na Itália. O mesmo tem acontecido na Ale- tipo de imprensa de oposição ao sis- manha”. Houve, também, uma tradução tema, com a crítica aos filósofos das latina. Ao anunciar Gallois, em 1678, que Luzes, que defendiam o absolutismo es- adotaria, dali em diante, um formato menor, clarecido. Acabou abandonando a crítica explicava assim: “A intensidade como se literária devido às perseguições e à cen- pede o Journal des Savants nos países es- sura. Outros jornais literários surgi- trangeiros, assim como nas províncias mais ram na França, mas utilizando uma fór- longínquas do reino, têm obrigado o autor a mula subserviente, sem contrariar a or- enviá-lo como uma carta” (1962, p.25)1 . dem constituída. O de maior sucesso Em 1666, provavelmente mais por coin- no final do século XVII foi o Nouvelles cidência do que por imitação, foi lançado de la Republique des Lettres, dirigido o periódico Philosophical Transactions, pela por Bayle, que, de tão acomodado, re- Sociedade Real de Londres. A folha, men- cebeu cartas de felicitação da Academia cionada elogiosamente pelo jornal francês, Francesa e da Societé Royale, institu- teve o mesmo valor científico e abrangência ições fiscalizadoras dos padrões estéticos internacional. Em 1675, em Leipzig (Ale- (ARNT, 2001, p.27). manha), surgiu a versão latina desta publi- cação. Conforme Arnt (2001, p.27), o Journal Desfontaines editou, também, o jornal des Savants passou a ter uma existência pas- Observations sur les écrits modernes, fun- siva, dando informes científicos objetivos dado em 1735, onde atacava fortemente a por mais de cem anos, até 1792, quando Academia e, por isso, foi fechado em pouco deixou de circular. “Este jornal trouxe uma tempo. Um de seus seguidores foi Fréron, outra contribuição importante: durante um que publicou o Année Litteraire, dedicado à curto prazo, dirigido por Desfontaines, ado- crítica literária e, indiretamente, à política, tou, pela primeira vez na história da im- uma vez que questionava as reformas pro- prensa, uma linha de crítica literária mili- postas pelos filósofos. No entanto, Fréron tante e agressiva” (2001, p.27), completa, não contemplava a crítica política. “Quem ressaltando o relevante papel desse jornalista quisesse ler sobre a política francesa tinha na popularização das discussões literárias. de continuar comprando as gazetas holan- A publicação respondia, de acordo com desas. Além desses jornais literários, as úni- Weill, a uma necessidade; por isso, seu êx- cas opções eram as gazetas oficiais, que con- ito foi rápido, assim como sua circulação em tinuavam sob forte censura”, explica Arnt outros países europeus. (2001). Segundo ela, os jornais literários O Journal des Savants pode publicar em 1 seguida: “A tarefa de fazer um periódico Tradução da autora.

www.bocc.ubi.pt Jornalismo literário e cultural 3 se propagaram por toda a Europa, evoluindo plica (1973, p.179). Se nos livros ainda se para um gênero que a autora define como mantinha o gosto clássico, na imprensa im- híbrido: jornais políticos que continham perava o talento, a sutileza e a técnica. E crítica literária. isso influenciou poderosamente a literatura Um marco dos princípios do jornalismo global, tornando-a cada vez mais acessível. cultural, para Piza (2003), é o ano de 1711. Foi nesta data que Richard Steele e Joseph Addison fundaram, na Inglaterra, a revista Através destes periódicos, cujas breves diária The Spectator. O objetivo da publi- dissertações pseudocientíficas e expli- cação era tirar a filosofia dos gabinetes e bib- cações éticas constituem a melhor in- liotecas, escolas e faculdades, e levá-la para trodução à leitura de livros, começam clubes e assembléias, casas de chá e cafés. a acostumar o público ao desfrute reg- A temática da publicação relacionava-se ular da literatura séria; através deles se com as questões da cidade, no caso, Lon- converte a literatura, pela primeira vez, dres. O jornalismo cultural inglês, dedi- em costume e em uma necessidade para cado à avaliação de idéias, valores e artes, setores da sociedade relativamente amp- é produto de uma era que se inicia de- los. Depois da Revolução, os escritores pois do Renascimento, quando as máquinas já não precisam encontrar seus prote- começaram a transformar a economia, a tores na corte. O papel dos círculos da primeira revolução industrial já ocorrera e o corte como produtores de literatura é as- humanismo se propagara da Itália por toda sumido pelos partidos políticos, que lu- a Europa. Sua prática ajudou a dar luz ao tam às vezes encarniçadamente, e pe- movimento iluminista que marcou o século los governos, que sabem bem o quanto XVIII (PIZA, 2003). dependem da opinião pública. Tories The Spectator começou a circular com três e whigs têm que manter uma contínua mil exemplares, uma grande tiragem para a luta pela influência política, na qual uma época. Alguns números chegaram a sair com arma fundamental é a propaganda através vinte e até trinta mil exemplares. Sua in- da comunicação literária. Os escritores, fluência foi tão grande que se podem arrolar queiram ou não, têm de encarregar-se cerca de cem títulos de periódicos de ensaios desta tarefa, porque se não têm patroci- surgidos na Inglaterra até 1750. “Mas nen- nadores na corte e os livros não propor- hum estava à altura de Spectator, cujo grande cionam ainda notáveis valores, hão de en- êxito durou até 1712”, quando começa ser contrar na propaganda política, nos per- cobrado imposto sobre o papel, uma decisão iódicos que a realizam, uma fonte de política para enfraquecer a imprensa, como renda que lhes ofereça garantias (MON- explica Weill (1962, p. 46). Conforme Mon- TORO, 1973, p.183)3 . toro, é nas páginas deste periódico que surge o ensaio inglês. “Como o povo se alfabet- Assim, Steele e Addison se converteram iza, suas idéias alcançam a maioria”2 , ex- em representantes dos interesses dos whigs;

3 2 Tradução da autora. Tradução da autora. www.bocc.ubi.pt 4 Aline Strelow

Defoe e Jonathan Swift transformaram- ização do conhecimento e da literatura, o au- se em jornalistas-panfletistas políticos, o tor acabou voltando-se contra os jornalistas, primeiro como whig e o segundo como tory4 depois de ser atacado pela imprensa oficial. . Para Montoro (1973), foram estes últi- Em Ilusões perdidas, Honoré de Balzac mos os grandes jornalistas da época. Em traça seu panorama da burguesia francesa do uma das publicações de Defoe, The Mer- século XIX, com destaque para o papel pre- cator, foram publicados vários capítulos de ponderante dos jornais e dos jornalistas. A Robinson Crusoé, obra máxima da literatura corrupção do jornalismo, especialmente em criada pelo pensamento whig, embora o per- sua relação comercial com a literatura, ca- iódico fosse alinhado com os tories. paz de transformar em verdadeiro sucesso O jornalismo mudou drasticamente a situ- textos medíocres, e de deixar marginalizadas ação econômica e social dos escritores ingle- importantes criações literárias, mantém-se ses. Primeiro, pois lhes proporcionou diver- um assunto de assombrosa atualidade. Seu sos benefícios, e, segundo, porque, através personagem, Lucien Chardon, poeta provin- dos periódicos, fomentou a leitura e transfor- ciano que se muda para a capital com o ob- mou o povo inglês em notável consumidor de jetivo de viver da literatura, acaba, como livros. “O jornalismo permitiu que muitos muitos escritores da época e de agora, tra- escritores mantivessem certa independência balhando na imprensa diária e constituindo- econômica, o que redundava em sua inde- se neste híbrido de jornalista-escritor. A re- pendência ideológica” (MONTORO, 1973, p alidade do jornalismo, descrito por Balzac 189). como um câncer, enche de entusiasmo o A França foi bastante influenciada pela ex- jovem Chardon, quando percebe a influência periência britânica. Em 1775, Pierre Carlet e o poder conferidos pela nova profissão. de Chamblain, mais conhecido como Mari- vaux, lançou Le Spectateur Français. Nesse E assim, por uma benção do acaso, nen- periódico, ele redigia seus artigos jornalís- hum aviso faltou a Luciano sobre o de- ticos em forma de carta, onde refletia so- clive do precipício onde deveria tombar. bre os costumes, vícios e virtudes da corte, De Arthez havia posto o poeta na no- além de publicar críticas literárias e morais. bre estrada do trabalho acordando nele Outro jornalista de destaque no período foi o sentimento sob o qual os obstácu- Antoine François Prévost, que participou los desaparecem. O próprio Lousteau da fundação de publicações como Journal havia tentado afastá-lo, por um pensa- Étranger, Variétés Littéraires e Gazette Lit- mento egoísta, pintando-lhe o jornalismo téraire de l’Europe, onde foram publicados e a literatura em suas cores verdadeiras. textos de . Embora a favor da social- Luciano não quisera acreditar em tanta corrupção escondida; mas ouvia, afinal, 4Whigs e tories formavam a base do sistema par- tidário na Inglaterra. O partido tory (conservador) jornalistas gritando seu mal, via-os à apoiava os interesses da monarquia, da nobreza e da obra, rasgando o ventre de sua nutriz Igreja Anglicana, enquanto os whigs (liberais) repre- para predizer o futuro. Havia visto as sentavam a crescente classe média de mercadores, in- coisas como elas realmente são, durante dustriais e proprietários sem título de nobreza. aquela ceia. Mas, em vez de se sen-

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tir tomado de horror à vista do coração A imprensa oficial, perfeitamente con- mesmo daquela corrupção parisiense tão trolada com notícias interessantes para a bem qualificada por Blücher, gozava coroa, permitiu jornais como El Diario com embriaguez daquela sociedade in- de Madrid e El Diario de Barcelona... teligente. Achava superiores aqueles Mas rechaçou pedidos para publicar homens extraordinários, metidos na ar- diários informativos, como os dos lit- madura damasquinada de seus vícios e eratos Juan Meléndez Valdés, Diego sob o brilhante capacete da análise fria, Clemencín, Nicásio Alvarez Cienfue- aos homens graves e sérios do Cenáculo. gos e Juan López Peñalver, que pre- Depois, saboreava as primeiras delícias tendiam criar um semanário com o tí- da riqueza; estava sob o encantamento do tulo El Académico. A justificativa vinha luxo, sob o império da boa mesa, seus dada pelas idéias que depois se conden- instintos caprichosos despertavam. Be- sariam em um Regramento Real de Im- bia pela primeira vez vinhos finos, tratava prensa, em que pode ler-se: “O abuso conhecimento com as esquisitas iguar- que se tem feito e faz-se em vários ias da alta cozinha; via um ministro, um países estrangeiros da liberdade de im- duque e sua bailarina, emparelhados aos prensa, com grave prejuízo à religião, aos jornalistas, admirando o seu poder atroz. bons costumes, à tranqüilidade pública e Sentiu tremendo prurido de dominar esse aos direitos legítimos dos príncipes, ex- mundo de reis; sentia-se com força para ige providências eficazes para impedir os vencer (BALZAC, s.d., p.271). que se introduzam e estendam em meus domínios os impressos que tantos males Os critérios de noticiabilidade no jornal- ocasionam” (MONTORO, 1973, p.201). ismo cultural, embora não tratados nestes termos, foram evidenciados pelo autor, que Mas este afrancesamento, de acordo relatou as seduções, as covardias e as intrigas com Montoro (1973), permitiu aos periódi- provocadas pelo afã de um réclame elogioso cos mostrar aos leitores as novidades da em uma página de jornal. “Jantares, lisonjas, república das letras, ao estilo do que fazia o presentes, de tudo se lançava mão junto aos Journal des Savants. Era o journalisme aris- jornalistas”, escreve (ano, p.309). tocratizante, que na Espanha caminhava para Através da França, chegou à Espanha o um diarismo do mesmo tipo. Em 1736, Juan jornalismo moralista inglês. A vida literária Martinez de Salafranca tentou a primeira ré- do país, principalmente a partir de Felipe V, plica do jornal francês, um periódico literário era afrancesada. A vida jornalística sentia e científico que chamou de Memórias Erudi- esta influência com ainda maior intensidade. tas para la Crítica de Artes y Ciências, an- tecedente direto de El Diario de los Literatos Havia um jornalismo oficial, consentido, de Espana, revista trimestral na qual eram de privilégios, que bem podem represen- publicados longas resenhas, análises e juízos tar a Gaceta de Madrid. Havia um jornal- de todas as obras dignas de atenção que sur- ismo literário. E havia uma censura. giam. A revista ganhou envergadura ao ser [...] patrocinada pelo próprio Felipe V. www.bocc.ubi.pt 6 Aline Strelow

Nos Estados Unidos, o jornalismo literário primeiramente, aos 4 mil exemplares e, de- foi introduzido por Benjamin Franklin, in- pois, saltando para os 20 mil exemplares spirado em suas leituras de ensaios de diários. Foi com o objetivo de multiplicar Richard Steele e Joseph Addison, em The e baratear as folhas impressas que Émile Gi- Tatler e The Spectator. Seus textos, com lin- rardin, criador do jornal La Presse, idealizou guagem adequada ao público e ao periódico a publicação seqüenciada de textos literários, em que eram publicados, despertavam o re- os quais pudessem popularizar a literatura conhecimento dos leitores, que assistiam à e ampliar a tiragem de sua folha. Junto vida cotidiana através dos olhos do autor. ao sócio Armand Dutacq, que se separa e Na América Latina, a imprensa nasce e acaba se antecipando ao mesmo, ao fundar se consolida, de acordo com Jorge Rivera Le Siécle, concretiza-se a idéia: em 5 de (1995), entre os séculos XVII e XVIII, agosto de 1836 começa, nesse último jornal, com periódicos como Gaceta e Mercúrio, do a publicação de Lazarillo de Tormes, narra- México; Gaceta, do Peru; Papel Periódico, tiva anônima espanhola a que costuma ser de Cuba; e Primícias de la Cultura de Quito, atribuída a primazia do romance picaresco. do Equador, todos alinhados com o objetivo A escolha do texto não foi por acaso: além iluminista de evolução através do cultivo das de não exigir pagamento de direitos autorais, artes e das letras. Esta eclosão jornalística a obra constituir-se-ia numa espécie de mod- foi se enriquecendo e diversificando em eta- elo primitivo da narrativa que faria enorme pas posteriores, com revistas e diários como sucesso entre os parisienses, os franceses, La Semana (Santiago do Chile), El Mosaico a Europa e, logo, o mundo: o romance- (Caracas), La Moda (Buenos Aires), La Ha- folhetim. bana (Havana) e El Tiempo (Bogotá). Conforme Hohlfeldt, a literatura popularizou-se através do jornalismo, 3. O romance-folhetim e a mudando constantemente suas característi- cas. “Escritores sobreviviam do jornalismo popularização da literatura enquanto desenvolviam suas obras. Os A aproximação entre literatura e imprensa livros, originalmente muito caros, tiveram fortaleceu-se devido, principalmente, aos seus preços barateados, à medida que a rev- avanços tecnológicos ocorridos em meados olução industrial aperfeiçoava as máquinas do século XIX e dos episódios político- e as tiragens aumentavam”, explica (2003, culturais deles decorrentes. A Segunda Rev- p.30). O folhetim torna-se gênero referencial olução Industrial representou uma grande para as mais diferentes camadas da popu- evolução, a qual propiciou o lançamento do lação, sobretudo devido ao desenvolvimento jornal diário, da publicidade e, em seguida, de novas técnicas narrativas e emprego de da venda do periódico por assinaturas. novos temas por parte dos autores. O desenvolvimento da prensa mecânica Para atrair a curiosidade do potencial assi- de Applegath, em 1828, ao que se seguiu a nante do jornal, os romances-folhetim eram máquina de Éclair de Hoe, em 1855, per- publicados em partes, suspendendo sua ação mitiram a ampliação das tiragens, chegando, dramática de tal forma que a solução do problema ou do enigma exigisse vários capí-

www.bocc.ubi.pt Jornalismo literário e cultural 7 tulos nos quais novos personagens e acon- 4. O fenômeno chega ao Brasil tecimentos fossem surgindo. Como hoje A febre do jornalismo literário não tardou fazem as telenovelas, alguns personagens a chegar no Brasil. Depois da Gazeta do ganhavam maior importância por imposição e da Idade d’Ouro do Brasil, do público, histórias de sucesso tinham de apareceu, na Bahia, em janeiro de 1812, com ser estendidas, sem esquecer, é claro, o sem- o título As Variedades ou Ensaios de Lit- pre presente entrelaçamento entre ficção e eratura, o primeiro jornal literário que foi, realidade. Desta maneira, conquistava-se ao mesmo tempo, o terceiro publicado no novos leitores e ampliava-se a abrangência país. Fundou-o, ao que tudo indica, Diogo do jornal. Soares da Silva de Bivar, português culto, O local designado para estes textos era o dado às letras, formado em Coimbra e de es- rodapé, espaço reservado ao entretenimento, pírito liberal (ARNT, 2001). Segundo Can- onde também eram publicados contos, arti- dido (1981), o desenvolvimento da intelec- gos, ensaios breves, crítica de arte, poemas tualidade e das artes, em particular da lit- e tudo, enfim, que pudesse amenizar, para os eratura, foi estimulado pela vinda da Corte leitores, o conjunto de relatos dos acontec- Real para o Brasil, quando se forma um imentos daquele dia ou semana. Eles con- público voltado a esses interesses. stituíam uma narrativa produzida a partir de certa demanda de mercado, para entreter lit- Hipólito da Costa, Evaristo da Veiga, Frei erariamente os consumidores de jornal. As Caneca, Araújo Guimarães (redator de O histórias, recheadas de traições, amores im- Patriota), entre outros da primeira ger- possíveis e crimes hediondos, encantavam os ação da imprensa no Brasil, foram repre- leitores. sentantes dos momentos cruciais na for- A popularização da literatura e do jor- mação de uma literatura brasileira, ape- nalismo que têm início com esse fenômeno sar de não serem integrados logicamente alastram-se rapidamente pelo continente eu- à história da literatura, por pertencerem ropeu. Na Rússia, destaca-se a publicação a uma zona limítrofe, na qual a liter- seriada dos textos de Fiódor Dostoievski. atura tangencia a vida nas suas preocu- O jornalista-escritor fundou, em 1861, em pações concretas. Esses homens faziam Petersburgo, a revista Tempo, onde publi- uma literatura de circunstância, que pre- cou suas novelas A casa dos mortos e Hu- dominava também nas publicações avul- milhados e ofendidos. Embora fosse uma sas, como os panfletos, que circularam publicação aparentemente conformista com no Brasil intensamente a partir de 1820. a política nacional, foi suspensa em 1863 em No Período Regencial, sobressaíram os virtude de um artigo do autor sobre a in- chamados jornais de opinião, em que o surreição polaca. Dostoievski retornou ao redator principal era considerado escritor jornalismo em A Época e, em 1866, pub- público e tinha como missão defender licou Crime e Castigo no Noticiário Russo uma causa (MOREL; BARROS, 2003). (RIVERA, 1995). O primeiro romance-folhetim surge no país em 1838, quando Capitão Paulo foi di- www.bocc.ubi.pt 8 Aline Strelow vulgado pelo Jornal do Comércio, do Rio Um marco nos romances brasileiros pub- de Janeiro. Os leitores multiplicaram-se licados em folhetim foi o sucesso de O num país ainda semi-analfabeto, e a influên- guarani, no Diário do Rio de Janeiro, em cia sobre os que se tornariam os primeiros 1857. José de Alencar escreveu o romance escritores do país seria plenamente recon- entre fevereiro e abril daquele ano, obede- hecida, bastando citar José de Alencar. Por cendo ao ritmo folhetinesco. O texto provo- seu lado, os escritores surgidos na maré do cou grande entusiasmo, e foi reproduzido em Romantismo brasileiro utilizariam o mesmo diversos jornais do país. A partir de 1865, o princípio para a divulgação de suas obras, e sucesso desse tipo de publicação é tão grande a circulação dos romances, no Brasil, através que o termo com que é reconhecido passa a dos jornais, permaneceria até meados do ser literatura popular. século XX, fazendo com que não apenas Os periódicos literários proliferavam, os textos românticos quanto os autores das como pontua Nelson Werneck Sodré (1999), tendências que se seguiriam, especialmente principalmente nas duas Academias de Di- o Realismo e o Naturalismo, adotassem o reito e, com destaque, na de São Paulo. mesmo tipo de veiculação. Também os tex- Em 1860, apareciam, ali, o Caleidoscópio, tos de peças teatrais consagradas chegaram a redigido por Tavares Bastos, Marques Ro- ser veiculados no espaço do folhetim. drigues, Carlos Galvão Bueno e outros; O O gênero representou, no Brasil, a ex- Timbira, de Paiva Tavares e Rodrigo Otávio; emplo do que aconteceu na França, uma a Revista Dramática, de Peçanha Póvoa, com abertura dos jornais para novas camadas a colaboração de Fagundes Varela, Salvador de público, além de uma alternativa que de Mendonça e Joaquim Tito Nabuco de proporcionava periódicos de baixo preço e Araújo; Trabalhos Literários da Associação grande tiragem. Suas características logo Amor à Ciência; dirigida por Pedro F. P. Cor- seriam reconhecidas pelo leitor: enredos reia e Jerônimo Máximo Nogueira Penido; O complexos, grande número de personagens, Livro, de Rangel Pestana, Francisco Quirino ações eletrizantes, detalhes em torno do dos Santos e João Antônio de Barros Júnior; passado cuidadosamente omitidos pelo nar- A Legenda, de Teófilo Otoni; A Lei, de rador até determinado momento da ação. O Miguel Tavares e Monteiro luz. Em 1861, sucesso dessas publicações era tão grande surgiria a Revista da Associação Recreio In- que, em seguida, as gráficas que imprimiam strutivo, de Fagundes Varela; em 1862, O os jornais diários passaram a reproduzir, em Futuro, de Teófilo Otoni, Rangel Pestana, volumes ilustrados, aqueles mesmos textos Faria Alvim e outros, e A Razão, de Fran- consagrados pelos leitores. Aumentava, as- cisco Quirino dos Santos, Campos Sales, sim, o público capaz de ler e consumir liter- Jorge Miranda e Francisco de Paula Belfort atura, num momento em que não se distingue Duarte. a produção que viria a ser consagrada pela Em 1905, Lima Barreto publica em forma história literária e aquele conjunto de obras de folhetim, no Correio da Manhã (Rio que, na virada do século, ficaria relegado ao de Janeiro), O subterrâneo do Morro do esquecimento, considerado produção esteti- Castelo, que seria editado em livro somente camente inferior. 92 anos depois. É de Barreto a obra que

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equivale, no Brasil, à crítica ao jornalismo vista T. S. Eliot, Virginia Woolf, Andrew empreendida na França por Balzac, Recor- Lang, Edith Warthon e John Sturrock, entre dações do escrivão Isaías Caminha, na qual outros. é exposta a mediocridade das relações que se Durante noventa anos, The Literary Sup- estabelecem tanto no jornalismo quanto na plement conheceu momentos de esplendor e literatura. decadência, ainda que, em linhas gerais, seja Para Costa, o folhetim, híbrido por na- considerada como um dos grandes expoentes tureza, não seguia um modelo, mas vários: do jornalismo cultural do mundo. No en- o romance em folhetim, capaz de manter tanto, a apresentação acadêmica e elegante sua integridade literária quando reunido em de seus textos não impediu que figuras sin- livro; o mirabolante folhetim folhetinesco, gulares como Ezra Pound e o próprio T. S. uma obra aberta cujas soluções oscilavam ao Eliot vissem a revista como uma encarnação gosto do leitor; além do ensaio, da crítica e da insipidez e a falta de vitalidade da cultura da crônica. “O conceito de folhetim muda inglesa. de sentido ao longo do tempo e até na obra La Nouvelle Révue Française, influente de um mesmo autor, tornando difícil sua publicação francesa lançada em 1908, tinha definição em regras rígidas, como, por exem- como objetivo disputar o poder literário com plo, ficção e não-ficção”, diz (2005, p.239). a Academia e os salões, que monopolizavam a circulação de prestígio cultural desde o in- 5. Jornalismo cultural no século ício do século XVIII. Vinculada a reivindi- cações estéticas do simbolismo, serviu de XX plataforma para escritores como André Gide, Entre as várias centenas de revistas ed- Paul Claudel e Marcel Proust. Entre 1919 e itadas em todas as línguas européias neste 1925, a revista se converteu em ativa propul- período, Rivera (1995) destaca The Literary sora das experiências literárias do entre- Supplement, La Nouvelle Révue Française, guerras e, também, dos autores centrais da The Criterion e Revista de Occidente como literatura russa (Dostoievski, Tchekov), in- as mais representativas, por sintetizarem as glesa (Fielding, Stevenson, Defoe, etc.) e qualidades e os defeitos das demais e porque, alemã (Thomas Mann, Rilke), na tentativa de de certo modo, foram modelos seguidos com alcançar um continentalismo cultural. devota fidelidade na Europa e na América. The Criterion, publicação trimestral di- The Literary Supplement foi lançada em rigida por T. S. Eliot, circulou pela primeira 1902, como uma prolongação independente vez, em Londres, em 1922. Bastante recep- das colunas de resenhas bibliográficas do tiva a autores não especificamente britâni- tradicional diário inglês The Times. Suas cos, como Paul Valéry, Marcel Proust e críticas contundentes e decisivas no mercado Charles Maurras, a revista se transformou editorial foram publicadas, até 1974, sem em uma tribuna da unidade cultural européia assinatura, ainda que fosse notório o grande e de certa concepção elitista da literatura e prestígio intelectual de seus colaboradores. dos próprios processos culturais, concebidos Em diferentes épocas, participaram da re- como circulações destinadas a minorias alta- mente selecionadas. www.bocc.ubi.pt 10 Aline Strelow

É de Madrid a Revista de Occidente, econômicas provocadas pela grande de- fundada por José Ortega y Gasset, em pressão dos anos 1930. Essas temáticas 1923. Trata-se, conforme Rivera, de um foram abordadas em publicações como The dos grandes modelos de jornalismo cultural Freeman, The Nation e The New Republic. em língua espanhola durante o pós-guerra. A preocupação social desse período acaba “Significativa pela personalidade intelectual por dissolver a briga entre americanos e eu- e jornalística de seu criador, pelo que repre- ropeus expatriados. As publicações citadas sentou neste momento de transição, e pela preparam o lançamento, em 1934, de The influência que exerceu sobre outros proje- Partisan Review, que desponta com a par- tos contemporâneos de mesmo caráter, entre ticipação de colaboradores influentes e com eles a revista argentina Sur”, afirma (1995, preocupações teóricas, ideológicas e human- p.45). istas pela cultura concebida em sua totali- As três primeiras décadas do século XX dade. são marcadas na sociedade norte-americana O terceiro núcleo está vinculado ao con- pelo consumo de uma imprensa sensacional- texto dos anos 1940 e 1950, caracterizado ista e essencialmente distanciada do que, à pela sociedade consumista norte-americana época, era considerado um perfil cultural do pós-guerra, que vê o fantasma da de- alto, conforme Rivera (1995). Para o autor, a pressão sendo ultrapassado e os esforços do partir deste momento, até o fim da Segunda conflito mundial canalizados para um resul- Guerra Mundial, é que o panorama se de- tado satisfatório para os Estados Unidos. As senha mais rico e permite ordenar algumas grandes linhas do jornalismo cultural norte- linhas em relação com o campo específico do americano, como sublinha Rivera, datam jornalismo cultural. deste período, seja com publicações de Neste contexto, emergem três núcleos or- cunho político e ideológico, como New Left ganizadores. O primeiro deles relaciona-se, e Monthly Review, representantes do liberal- precisamente, com as tensões estabelecidas, ismo de esquerda; ou com revistas de caráter desde o início do século, entre os escritores acadêmico, como Chicago Review, editada que optam pela expatriação européia, como pela universidade local. Ernst Hemingway, Henry Miller e Scott Fitzgerald (com revistas como Exile, Tran- A este contexto pertence um intransfer- sition e New Review, publicadas entre 1900 ível fenômeno jornalístico como a re- e 1930) e aqueles que assumem posição vista New Yorker, dirigida por Harold oposta. The American Mercury foi porta-voz Hoss e nutrida por colaboradores de alto dessa posição americanista reivindicatória tom literário, como James Thurber, E. B. e, segundo Rivera, um dos grandes mode- White, Leo Rosten e Lilian Ross. Grande los de jornalismo cultural norte-americano parte do tom e do bom estilo da revista da época, especialmente pela massa de tem relação estreita com a grande co- questões lingüísticas, sociológicas, históri- laboração de um humorista excepcional cas e literárias publicadas em suas páginas. como Thurber, preocupado, sobretudo, O segundo núcleo tem a ver com as pela transição entre a velha América profundas discussões culturais, políticas e do Norte, puritana e convencional, e a

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nova sociedade americana cooptada pela cultura, que inicialmente ocupava as últi- psicanálise, pela revolução sexual, pelo mas páginas desse combativo tablóide, foi consumismo e pelos inéditos momentos tomando cada vez maior extensão, sem acar- críticos da vida urbana, aos quais exam- retar na perda do caráter político, inter- ina a partir de um ponto de vista satírico, nacional e econômico do semanário. “É que não deixa de assinalar os absurdos praticamente impossível dar conta, em um e as imposturas do novo status cultural resumo, da imensa torrente de ensaios e (RIVERA, 1995, p.48-49). genuínos modelos de jornalismo cultural de primeiro nível acumulados ao longo de três Na década de 1950, surgem, nos Esta- décadas nos fartos 1676 números do se- dos Unidos, diversas publicações significa- manário”, explica Rivera (1995). tivas que começam a socializar as experiên- A publicação mexicana Cuadernos Amer- cias da nova atmosfera cultural do país. Ev- icanos sintetiza, como poucas, o espírito ergreen Review, de 1957, reúne escritores da continental e, por vezes, ecumênico, que geração beat, como Jack Kerouac, William caracterizava as grandes revistas latino- Burroughs e Gregory Corso. Nessa linha in- americanas. Fundada em 1942, a revista ovadora, estão também: New World Writ- se transformou, rapidamente, em uma das ing, Anchor Review, New American Review, mais notáveis empresas culturais da década. Black Mountain Review e New York Re- Sua envergadura, sua continuidade e a efe- view of Books. A essas, agregam-se exper- tiva inserção nos campos das artes, das le- iências de jornalismo cultural multifacetadas tras e do pensamento científico e humanís- como Rolling Stone, que se situa em zonas tico garantiram essa representatividade. Em de cruzamento entre o literário tradicional e suas edições, de cerca de 300 páginas cada, as mais recentes expressões do rock ‘n’ roll e encontram-se textos sobre ciência, liter- da cultura urbana em suas diferentes dimen- atura, sociologia, filosofia e economia, assim sões. como outras temáticas da agenda americana. Na América Latina, as publicações dos Desde o começo, buscou um ponto de equi- séculos XVII e XVIII influenciaram, sobre- líbrio entre o universal e as questões especí- maneira, os projetos de jornalismo cultural ficas do mundo cultural e da problemática que se afirmaram, até o final do século XIX latino-americana. e início do XX, com revistas como La Bib- Na Argentina, diversas publicações, como lioteca (Buenos Aires), Revista Azul (Méx- Nosotros, Sur e Crisis, ocuparam espaço rel- ico), Cosmópolis (Caracas), Amauta (Lima), evante no campo cultural. Lançada em 1907, Revista de América (Bogotá) e Nosotros Nosotros circulou até 1943 e, durante sua (Buenos Aires). existência, apresentou o essencial da pro- Em 1939, Carlos Quijano fundou o dução de escritores e intelectuais argentinos semanário Marcha, com o propósito de nascidos desde 1880. Embora seu modelo empreender uma profunda, renovadora e cultural fosse baseado nas grandes referên- necessária revisão do que acontecia, na cias européias, o periódico se apresentava época, nos campos político, econômico e so- como francamente americano, fundado so- cial do Uruguai e da América Latina. A www.bocc.ubi.pt 12 Aline Strelow bre um amplo e bem entendido nacionalismo 6. Jornalismo cultural no século (RIVERA, 1995, p.59-60). XX – Brasil Sur foi criada em 1931, com o objetivo de divulgar bons escritores, nacionais e es- A relação entre jornalismo e literatura, trangeiros; contribuir à difusão de aspec- bem como a intensa participação de es- tos relevantes da cultura européia contem- critores nos veículos de imprensa moti- porânea; transformar-se em um foro de dis- varam, em 1904, a pesquisa que originou O cussão das problemáticas e valores cultur- momento literário, de Paulo Barreto, mais ais da América Latina; e privilegiar o valor conhecido como João do Rio. A pergunta literário dos textos acima de alinhamen- capital do questionário é: O jornalismo, es- tos ideológicos, confessionais ou estéti- pecialmente no Brasil, é um fator bom ou cos. Contou com colaboradores como Pierre mau para a arte literária? A indagação di- Drieu la Rochelle (França), Ortega y Gasset vidiu os escritores da época e a polêmica (Espanha), Ernest Ansermet (Suíça), acom- em torno do tema mantém-se viva no século 5 panhados de um conselho de redação for- XXI . mado por Jorge Luís Borges, Eduardo Bull- Em 1904, conforme Sodré (1999), as artes rich, Oliverio Girondo, Alfredo González gráficas no Brasil têm já condições para per- Garaño, Eduardo Mallea, María Rosa Oliver mitir uma revista como a Kosmos, de exce- e Guillermo de La Torre. lente apresentação, separando o desenho da Entre 1973 e 1976, circulou a revista Cri- fotografia. Para a crônica de abertura, o per- sis, que alcançou a dimensão de um genuíno iódico contava com a assinatura de Olavo Bi- fenômeno no jornalismo cultural, com tira- lac; de teatro, ocupava-se Artur Azevedo, de- gens de até 35 mil exemplares. Utilizou uma pois substituído por João do Rio; a crítica estratégia heterodoxa, na qual conviviam re- literária era responsabilidade de José Verís- cursos do jornalismo generalista, das ciên- simo; e Gonzaga Duque escrevia sobre arte. cias sociais e dos clássicos desenhos cultur- A revista sobreviveu até 1906, quando apare- ais, amalgamados por um novo modo de en- ceu sua concorrente Renascença, que con- tender as demandas da comunicação mas- tou com participação de muitos de seus co- siva. Em Crisis, convivem materiais próprios laboradores. A Avenida, Os Anais, Revista da considerada alta cultura com textos per- Americana e A Rua do Ouvidor foram outros tencentes ao universo catalogado como baixa títulos desse período. Pequenas e efêmeras cultura – literaturas marginais, radionovelas, revistas literárias, atendendo aos anseios dos letras de tango e novelas policiais, etc. Isso grupos de escritores que se formavam, surgi- em um momento em que essa divisão hi- ram nos mais diversos estados do país. erárquica ainda não havia sido ultrapassada, 5Sobre o tema, ver Pena de Aluguel – Escritores como aconteceria nos anos 1980. Assinaram jornalistas no Brasil 1904 2004, no qual Cristiane textos da revista Eduardo Galeano e Aníbal Costa repete a pergunta de João do Rio a escritores Ford, entre outros (RIVERA, 1995, p.87- contemporâneos. Há, também, uma reedição da obra: 88). GENS, Rosa (org.). O momento literário – João do Rio. Rio de Janeiro: Fundação Biblioteca Nacional, 1994.

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Depois da geração fin-de-siècle de do dramaturgo . Em 1956, Machado de Assis e José Veríssimo, os começa a modernização do Jornal do Brasil jornais e revistas abrem mais espaço para o e, em seguida, é lançado o “Caderno B”, crítico profissional e informativo, que não só precursor do moderno jornalismo cultural analisa as obras importantes, mas também brasileiro, com crônicas de Clarice Lispec- reflete sobre a cena literária e cultural, como tor e Carlinhos de Oliveira, e crítica de teatro explica Piza (2003, p.32). Com suas car- de Bárbara Heliodora. Em seu “Suplemento acterísticas próprias, a vanguarda dos anos Dominical”, o JB dedicava espaço à arte e 1920 e 1940 aflora no Brasil em publicações à literatura, permitindo a expressão de difer- literárias e culturais, como Klaxxon, Revista entes vanguardas. No início dos anos 1960, de Antropofagia, Estética, Leitura, Dom é criado o “Suplemento Literário” de O Es- Casmurro e Diretrizes (RIVERA, 1995, tado de S. Paulo, em um modelo que seria p.54-55). mais tarde seguido por todos os cadernos de Em 1928, foi lançada a revista O Cruzeiro, livros (PIZA, 2003). uma das principais referências no jornal- A ebulição política e social, que antecede ismo impresso brasileiro. Em suas pági- 1964, dá início a um processo de publicações nas, foram publicados contos de José Lins do alternativas que vai se intensificar após o Rego e Marques Rebelo, artigos de Vinicius golpe de estado. Duas publicações lançadas de Moraes e Manuel Bandeira, ilustrações após o episódio golpista definem, de certa de Anita Malfatti e Di Cavalcanti, colunas maneira, a tendência deste jornalismo de de José Cândido de Carvalho e Rachel de denúncia: a revista Civilização Brasileira, Queiroz, além do humor de Millôr Fernandes que denota tendência político-partidária; e e Péricles. O periódico lançou a reportagem a revista Pif-Paf, de Millôr Fernandes, de investigativa no Brasil e, por falar com todos linha humorística. A primeira sobreviverá os tipos de público, seria a revista mais im- até o AI-5, diversificando sua atuação em portante do país nos anos 1930 e 1940. Já edições especiais. Já a Pif-Paf durará ex- a reportagem literária ganharia espaço na re- atamente oito números, e só mais tarde en- vista Diretrizes, dirigida por Samuel Wainer, contrará um substituto à altura, o Pasquim, também nos anos 1940, onde Joel Silveira cuja publicação se inicia a 26 de junho de retratou a realidade dos grã-finos paulistanos 1969, pelo mesmo Millôr Fernandes, mais (PIZA, 2003, p.33). e outros humoristas (HOHLFELDT, Em 1948, passou a circular, em Flori- 1991, p.126). anópolis, a revista Sul, ligada ao Círculo O autor menciona, ainda, o surgimento, de Arte Moderna e espaço privilegiado para na época, de revistas culturais de opiniões a divulgação do movimento modernista em diversas, como Ensaios Opinião, Escrita e Santa Catarina. Nos anos 1950, foi cri- Ficção, esta última dedicada exclusivamente ado, no Correio da Manhã, no Rio de à divulgação do conto, sob a direção de jor- Janeiro, o “Quarto Caderno”, pelo qual pas- nalistas escritores. Publicações variadas saram críticos de cinema como Moniz Viana chegavam às bancas, muitas delas com vida e José Lino Grunewald, polemistas como efêmera, mas com grande influência na ger- Paulo Francis e , além ação a que se destinavam, como Inéditos, de www.bocc.ubi.pt 14 Aline Strelow

Belo Horizonte, José, sobre poesia, no Rio mais influentes publicações da área, tam- de Janeiro, Anima, também dedicada à poe- bém em circulação até hoje. No início de sia, O Saco, na Paraíba, além dos suplemen- 2005, a revista passou a ser administrada tos literários que nacionalmente se tornaram pela Editora Abril. Nas bancas de revista do baluarte de resistência dos intelectuais à cen- país, encontram-se, ainda, títulos reconheci- sura e à ditadura, muitos deles sofrendo cen- dos, como Revista de Cinema, Teorema e Pi- sura prévia. “Não se pode esquecer, ainda, auí, que combina a crítica cultural com re- a revista de cultura Vozes, que se ocupou portagens de temática variada, passando pela da divulgação das teses e experiências van- política e pelo comportamento. guardistas, ligada à ala mais progressista da Igreja Católica”, salienta (1991, p.127). 7. Referências Na década de 1980, surge o tablóide “Fol- hetim”, suplemento da Folha de S. Paulo, ARNT, Héris. A influência da literatura no que incluía resenhas de livros, publicação jornalismo: O folhetim e a crônica. Rio de contos e poesia, além de ensaios ligados de Janeiro: e-papers, 2001. não apenas à literatura, mas à arte e às ciên- cias sociais e humanas. Ainda nessa época, BALZAC, Honoré de. Ilusões perdidas. São o “Folhetim” foi extinto e a Folha criou o Paulo: Companhia das Letras, s.d. caderno “Letras”, que saía aos sábados, com CANCLINI, Néstor García. Como se ocupan reportagens e resenhas, em um perfil mais re- los médios de la información cultur- strito ao campo literário e não ao artístico e al. 1999. Publicado na revista eletrôni- acadêmico. Em 1992, o jornal reuniu vários ca etecétera (www.etcetera.com.mx). cadernos e editoriais em um – o “Mais¡‘, no Acesso em 29/12/2005. qual foram agrupados o caderno cultural, in- titulado “Ilustrada”, a editoria de ciência e a CANDIDO, Antonio. Formação da liter- de livros, em formato standard (Travancas, atura brasileira. Belo Horizonte: Itati- 2001, p.30-31). É dos anos 1980, também, o aia, 1981. “Caderno 2”, de O Estado de S. Paulo, que chegou ao seu auge no final dessa década. CAPARELLI, Sérgio. Comunicação de Os últimos anos da década de 1990 assis- massa sem massa. Porto Alegre: Sum- tiram ao boom das revistas culturais de cir- mus, 1986. culação nacional. Entre os títulos que se CESAR, Guilhermino. História da literatura destacaram no período, estão Inimigo Ru- do Rio Grande do Sul: 1737-1902. mor; Azougue, Palavra e Livro Aberto. Em Porto Alegre: Globo, 1971. julho de 1997, era publicada pela primeira vez a revista Cult. Com distribuição men- COSTA, Cristiane. Pena de aluguel: Es- sal, o periódico, que circula até hoje, parte critores jornalistas no Brasil 1904- do mundo da literatura para desenhar um 2004. São Paulo: Companhia das Le- retrato multifacetado do panorama cultural. tras, 2005. Em outubro do mesmo ano, foi lançada, pela Editora D’Ávila, a revista Bravo!, uma das

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